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Cadernos PDE
I
OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE
NA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Artigos
REDESCOBRINDO A HISTÓRIA LOCAL: CULTURA E
IDENTIDADE DE MORADORES DO DISTRITO ALTO DO
AMPARO/ MUNICÍPIO DE TIBAGI-PARANÁ
RESUMO:
O artigo pauta-se em apresentar um estudo que teve como viés a história local e a valorização
da memória pela história oral. Essa construção pedagógica criou condições de aprendizagem
concreta que envolveu os estudantes agindo como pesquisadores e conhecedores de sua cultura
e identidade local. Ao envolver-se no trabalho como um historiador resultou-se nas entrevistas e
puderam interagir com a história e observar a produção de uma fonte histórica. O artigo tem por
objetivo exibir os resultados da intervenção pedagógica e apresenta reflexões a partir de
pesquisas com estudantes do primeiro ano do Ensino Médio. Foi desenvolvido no Colégio
Estadual do Campo Baldomero Bittencourt Taques, Distrito Alto do Amparo no Município de
Tibagi – PR. Os resultados alcançados com essa pesquisa corroboram o estudo da História Local
e utilização de fontes orais em sala, permitindo aos jovens alunos reconhecerem-se como
integrantes da sociedade e valorizando sua identidade local.
Palavras chave: Fontes orais; História local; memória; identidade.
INTRODUÇÃO
Muitas são as discussões em torno do ensino de história, a respeito dos
conteúdos a serem priorizados e aprendidos de maneira satisfatória, parte-se a
priori do estudo com a História Local e Regional na disciplina de História.
Ao inserir o estudo da História Local no ensino de História, cria-se a
oportunidade para o aluno conhecer a história do seu bairro e da sua cidade,
além de, reconhecer-se como indivíduo integrante do lugar em que mora
gerando o sentimento de pertença ao grupo. Pois quem valoriza o lugar em que
mora, conhece sua comunidade, identifica-se com o local e o valoriza.
Neste contexto, explorar algumas lacunas deixadas pelas diretrizes de
ensino, torna-se imprescindível para um bom educador estimular os alunos a
Grossa
uma atividade prática em relação às aulas expositivas e uso de livros didáticos.
As mudanças devem ocorrer no âmbito educacional para que o aluno sinta-se
inserido dentro das transformações sociais, ou seja não veja o mundo como
telespectador.
Diante dessa necessidade de se buscar atividades que despertem o
interesse dos alunos para a interação e consequente socialização dos mesmos,
surge a perspectiva de problematizar:- Como a história oral pode contribuir com
o despertar para o resgate de sua cultura local sem a negação do seu passado
histórico?
O artigo tem por objetivo exibir os resultados da intervenção pedagógica
e apresenta reflexões a partir de estudos com estudantes do primeiro ano do
Ensino Médio. Foi desenvolvido no Colégio Estadual do Campo Baldomero
Bittencourt Taques, Distrito Alto do Amparo no Município de Tibagi – PR.
O Projeto de Intervenção vem com o viés da metodologia da História Oral,
e se propõe a discutir temas como História Local e Memória, almeja mediar aos
alunos o acesso ao conhecimento, e ponderações sobre a história local e
compreender as transformações regionais. A reflexão objetiva levar o estudante
a registrar pelo trabalho de produção de fontes orais os modos de vida das
pessoas do campo e como construíram sua vida e contribuíram com essa
comunidade. Tem ainda a intenção de fazer com que o jovem valorize e admire
a sabedoria/conhecimento, a experiência e a memória dos mais velhos,
demonstrando como se expressam, como se relacionam.
Desde a antiguidade as tradições eram passadas de pai para filho,
aplicando a oralidade e memória, uma vez que não utilizava da escrita, como
forma de registro de sua história. Trabalhar a história oral e memória permite ao
aluno a chance de fundamentar as relações entre fatos, conceitos, para um dado
social ou cultural, vindo a apreender através de sua comunidade e
contextualizando sobre tema, percebendo-os a partir de diferentes pontos de
vista. Parafraseando Veyne “a história é a filha da memória”, coloca-se como
ponto de partida a compreensão do espaço onde vive, transforma-se em cidadão
e cria condições para atuação coletiva na preservação da memória.
HISTÓRIA LOCAL
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (9394/96) e os Parâmetros
Curriculares Nacionais (1998) contemplam que os sistemas de ensino devam
partir do local de vivência, permitindo ao aluno a construção de sua identidade
bem como a propiciá-lo um estímulo sobre “a leitura atenta da realidade local,
regional e mundial, da qual podem se perceber horizontes, tendências e
possibilidades de desenvolvimento”, (LDB p. 49), a fim de preparar os mesmos
para a participação e vivência na sociedade moderna.
Ainda sobre essa referência as Diretrizes Curriculares da Educação
Básica do Estado do Paraná de História (2008 p.71), diz:- “O estudo das histórias
locais é uma opção metodológica, que enriquece e inova a relação de conteúdo
a serem abordados, além de promover busca de produções historiográficas
diversas[...], as histórias locais permitem a investigação da região ou dos lugares
onde os alunos vivem [...]
Sobre a Educação Básica do Campo a LDB (9394/96, p. 44), pontua
novamente “a identidade da escola do campo é definida pela sua vinculação com
as questões inerentes à sua realidade, ancorando-se na temporalidade e
saberes próprios dos estudantes, na memória coletiva[...]”
As Diretrizes Curriculares da Educação Básica de História, do Estado do
Paraná, (DCEs p.21) entende “a escola como espaço de confronto entre
conhecimentos sistematizados e os conhecimentos do cotidiano popular”.
A inclusão de sua cultura nos currículos escolares se dá por aspectos que
abarcam desde políticas públicas para a educação bem como, a aproximação
do professor com o aluno e sua realidade por meio de situações
problematizadoras.
A modernização do campo e as suas tecnologias omitiram as práticas do
mesmo, seus saberes, seus conhecimentos que implicam numa relação entre
pessoas e o local em que vivem.
Daí eram as quatro séries numa sala só, dividia o quadro negro,
passava pra uns, pra outros... E todos estudavam muito bem (…)
Naquele tempo não havia uma conversa dentro da sala de aula (...) O
material, a gente levava em pacotes de trigo e em pacotes de açúcar.
Não é como hoje que querem as melhores mochilas, daí levava e não
reclamava; aquilo que levava tava de bom tamanho.
Ah, eu estudei até a quarta série, ia na escola a pé, que ficava a dois
quilômetros de casa, era um professor que dava aula para as quatro
classes, numa escolinha de madeira, as carteiras eram todas de... A
gente sentava de dois alunos em cada carteira. Naquela época o
professor morava longe não tinha como fazer lanche na escola, então
ele trazia da casa dele e os alunos iam encontrando na estrada e ia
ajudando levar a panela de merenda, as vezes era sopa, as vezes era
macarrão, as vezes era arroz doce, mas a gente levava na mão a
panela, cada um pegava numa alça.”
Certeau (2011, p. 204) afirma que, “a cultura popular, determinada por seu
oposto, é oral, mas a oralidade se torna outra coisa a partir do momento em que
o escrito não é mais o “símbolo”, mas a “cifra" e instrumento de um “fazer a
história”.
Enquanto estamos em sala de aula, somos enriquecidos pelo sistema.
Olhamos para o passado como algo acabado. Ao levar pessoas para falar com
alunos para contar sobre algum fato do passado suscita troca de gerações, visto
como a função do professor de história.
Portelli (2014, p.300) coloca que, “Não importa o quanto falemos sobre
nós historiadores que lidam com relatos orais, a própria tecnologia de nosso
trabalho é transformar o oral em palavra escrita, congelar material fluido em um
momento arbitrário no tempo”.
Estes autores consideram que o trabalho com a História oral possibilita
uma escrita do outro, para produzir uma inscrição da realidade. O projeto de
intervenção realizado, desenvolveu essa escuta de pessoas da comunidade,
realizada pelos alunos e que os mesmos puderam observar as experiências e
memórias através da oralidade.
Maurice Halbwachs nos diz quanto ao funcionamento da memória: “que
são palavras e ideias que o indivíduo não inventou, mas que o toma emprestado
de seu ambiente.” Esse fragmento oferece uma concepção desse autor que a
memória é uma lembrança viva, presente na vida dos sujeitos e do coletivo, pois
reconstruímos o passado a partir de nossa própria cultura
Antes de começar as entrevistas, os alunos assistiram ao filme:
“Narradores de Javé”, a fim de observar a tese que os autores nos expõem. No
filme os moradores da Vale de Javé decidem escrever a história da cidade, com
o objetivo de transformá-la em patrimônio histórico e preservá-la. A necessidade
de escrever um documento "científico", leva Biá, personagem do filme a iniciar
suas entrevistas com alguns moradores antigos, tentando reescrever a história
de Vale de Javé.
Os alunos não se reconhecem nos tempos, pois para eles tudo é presente.
Quando na cena do filme o personagem Biá provoca a população andando de
costas, é no intuito de interpretarmos que damos as costas ao vivido e olhamos
para o novo o tecnológico.
Le Goff (2003, p. 469) afirma que: “a memória é um elemento essencial
do que se costuma chamar identidade, individual ou coletiva, cuja busca é uma
das atividades fundamentais dos indivíduos e das sociedades de hoje[...]”.
O entrevistado ao expor às suas reminiscências, transmite o que para ele
há de mais significativo, por mais simples que nos pareça o seu discurso.
O que se observa ao discutir as entrevistas, é que sempre trazem eventos
desconhecidos de eventos conhecidos, as pessoas entrevistadas exprimem o
que queriam fazer e não fizeram, Portelli (1997, p. 31) afirma:- “o precioso
elemento que as fontes orais tem sobre o historiador, e nenhuma outra possui
em medida igual é a subjetividade do expositor”.
Podemos exemplificar essa exposição sobre um acontecimento ocorrido
no Estado do Paraná no ano de 1963 em que era habitual a prática de fazer
queimadas nos campos para iniciar o plantio das roças. Tudo se agravou com
as geadas que ocorreram naquele ano em que o mato seco foi abrasado pelo
fogo; isso foi arrasando várias regiões, queimando matas, campos, lavouras e
instalações rurais.
Eu ajudei a apagar o fogo. Muitas pessoas se machucaram. Morreram
assim, nesse lugar(...)A gente apagava o fogo aqui (mostrava
apontando uma certa distância); podia olhar por baixo do mato. Daí já
se pegava o fogo; e daí a gente enxergava e tinha que ir cavoucar em
volta de onde saía fumaça e socava dentro da terra. Nesse lugar só
perto de sapé, os paiol, os rancho. E aí pegava fogo fácil. ...No paiol
que eu parava lá, era um subidão, tudo seco, desde a beira (estrada).
E eu vá água em cima. O capim ia enrolando, fumaceando. Não deixei
pegar fogo. (Entrevistado 3)
A História Oral segundo Portelli possibilita fazer uma história “das coisas
que aconteceram e as que tivessem acontecido”; quando isso acontece baliza-
se certos acontecimentos e durante as conversas muitas realidades são trazidas
à tona e isso se apodera de um elemento constitutivo da memória.
Cultura
É interessante levantar reflexões e discussões com nossos estudantes
motivando-os para que possam pensar para preservar sua história local; a
aprendizagem escolar é diferente da aprendizagem cultural do nosso aluno.
Assim diz Burke (2008 p. 69), o “cultural” distingue-se da história
intelectual, sugerindo uma ênfase em mentalidades, suposições e sentimentos
e não ideias ou sistemas de pensamento. (...) “A história intelectual, é mais séria
e precisa, enquanto a caçula é mais vaga, contudo também mais imaginativa”.
Ainda conforme Burke, ao falar de cultura material. “valorizamos os
aspectos simbólicos de alimentos, roupas e habitações”, para isso ele cita
Norbert Elias, que dedicou à história do garfo e do lenço. Num contexto de
mudanças culturais, a história oral contribui para evitar que aspectos importantes
se absorvam, aí o fato da preocupação antropológica com o cotidiano e com as
sociedades.
Outra fonte recolhida pelos alunos que podemos conferir essa
preocupação com o cotidiano é quando perguntam como funcionava o comércio
e o entrevistado 4 responde:
Relato da implementação
A implementação do Projeto: “Redescobrindo a História Local: Cultura e
Identidade de moradores do Distrito Alto do Amparo, Município de
Tibagi/Paraná”, foi desenvolvida no Colégio Estadual do Campo Baldomero
Bittencourt Taques - Ensino Fundamental e Médio.
O projeto idealizado teve por objetivos levar alunos a se interessarem pela
história local e também mostrar-lhes a ação do historiador, então optou-se pela
história oral. Os alunos escolhidos foram 1º ano do Ensino Médio porque a
localidade em que o Colégio está inserido é do campo, e os mesmos poderiam
ter mais facilidade para realizar saídas tanto para o colégio como para as
entrevistas e também por se tratarem de alunos mais maduros.
Ao ser elaborada a produção didática pedagógica e por se tratar de Ensino
Médio, a vertente foi aprofundar sobre a História Oral com textos e discussões
em sala de aula.
O estudo para o início do trabalho procedeu de uma releitura do local.
Com a primeira atividade intitulada (Re) conhecendo a História do Distrito Alto
do Amparo, foram realizadas leituras e uma roda de conversa nas quais expôs
curiosidades históricas sobre o local, como por exemplo a passagem em 1521
de D’Alvar Nuñes Cabeza da Vaca, conhecido como o andarilho da América,
cruzou as terras do Amparo; essas terras também houveram presença de
sesmarias, inclusive três lotes entregues a sesmeiro para trabalhar na terra, ao
qual compõe terras do Distrito Alto do Amparo. Percebeu-se o interesse dos
alunos pelo assunto. O texto descrito no projeto de intervenção é de um trabalho
de monografia efetuado por mim para um curso de pós graduação (Novas
Tendências e Abordagens), descrevi como foi o trabalho para obter as “Fontes
Históricas”, como é feito o trabalho do historiador e a seriedade para se levantar
informações e construir a história, a busca por registros, ou seja de informações,
sendo um instrumento as entrevistas, enfim nessa acepção se constitui fontes
históricas.
Muitos objetos foram trazidos para fazer uma análise e discussão sobre
os tipos de fontes e classificá-las, como apresentado na foto 1
Foto 1 – Trabalho com fontes históricas.
Considerações Finais
Nos deparamos todos os dias com um sombrio fato de que os nossos
alunos não conhecem a sua realidade. Não estou falando de assuntos distante,
mas de realidade próxima. Os alunos ignoram a história de sua família, suas
origens, identidades, contextos de vivência. Vamos mais além, não conhecem a
história de sua comunidade, município, estado.
Na perspectiva de uma avaliação da Implementação da Produção
Didático Pedagógica realizada com alunos foi proporcionada o trabalho com
fontes orais. Embora tenha sido um ano atípico em relação a Educação do
Paraná, neste ano de 2015, os resultados esperados poderiam ter sido mais
significativos. A base norteadora desde o início dos primeiros projetos partiu-se
da frase de Leon Tólstoi:- “Se queres ser universal, fala da tua aldeia.” A
Disciplina de História possibilita esse desenvolvimento consciente do aluno,
percebido isso principalmente quando alunos entrevistaram familiares e compôs-
se a partir de então estima advinda da vivência e experiências por ele passados
com outros sujeitos ativos no meio em que habitam.
Ao iniciar o projeto pretendeu-se abordar a História Local com busca de
novas fontes. Essas fontes seriam através de entrevistas com moradores da
região em que os alunos agiriam como historiadores.
As ações desenvolvidas com textos, músicas, filmes e muito diálogo abriu
os olhos para uma nova visão de que a história não é feita por grandes heróis,
mas pelo cotidiano das pessoas, ou seja, por simples gestos e atitudes,
comprovando que cada um é construtor da história por meio de suas próprias
histórias.
Ao ouvir as entrevistas trazidas pelos alunos foi percebido que o em
alguns casos ele agia de forma imediatista, logo que uma resposta acabava não
a explorava mais, como por exemplo, conte mais um pouco. Partia-se logo a
próxima pergunta. Mas o próprio entrevistado em muitos momentos notava que
era pertinente dar mais explicações e continuava o relato. O aprimoramento de
como se realiza uma pesquisa a transcreve para produzir uma inscrição da
realidade, foi aprendido. O projeto de intervenção realizado, desenvolveu essa
escuta de pessoas da comunidade, realizada pelos alunos e que os mesmos
puderam observar as experiências e memórias através da oralidade. A proposta
de intervenção pedagógica na escola, apontou que é possível realizar projetos
que contribuam para romper a lógica reproduzida nos livros didáticos, bem como
é uma proposta executável no resgate de tradições culturais a partir da História
Local.
BURKE, Peter. O que é história cultural? 2.ed., rev. e ampl. Rio de Janeiro:
Zahar, 2008. 215p.