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A cidade vermelha: Diadema hoie

Zilda Márcia Grícoli Iokoi

Ruídos da Memória

"Há nove anos comeceia lutar por uma escolapara deficientes au-
ditivos em Diadema. Antes eu estavasó na minha luta, que era arru-
mar um lugar para o meu filho. Eu lutava só e não conseguia.Meu
filho é deficiente auditivo e geralmentevocê enxergaapenaso seu
lado, só pensanele. Quando ele ia fazer sete anos eu descobri que
havia um grupo de mãeslutando por uma escolade educaçãoespe-
cial em Diadema, mas eu morava e trabalhava em São Paulo, não
tinha tempo. Quando descobri isto, fui atrás.Fizemosuma pesqui-
sa e o grupo de surdos era grande... Levamosa proposta para a câ-
mara e ela foi aprovada,mas não tínhamos lugar, nem quem fizesse
a escola.Aí trouxeram a Cidinha, pedagogae o Tuto, fonoaudiólogo.
Não entendíamoscomo apenasduaspessoaspoderiam fazer a esco-
la. Mas elestinham um grupo de pais... a pessoaldo Departamen-
to de obras precisavado lugar e essegrupo acabou encontrando o
aterro com três carasde uma obra com uma pá e enxadae pergun-
tamos o que estavamfazendo.Mas foi tão incrível! A escolafoi feita
com o coração.Em três ou quatro mesesela foi construída. Precisá-
vamos de um nome e um grupo queria alga {Benário}. Começa-
mos a estudar sua história e achamos que ela era parecida com a
nossa.Não como o sanguetodo que a alga teve, mas com o amor
que tínhamos pelos nossosfilhos e de quem precisasse.Mandamos
uma carta para o Luís Carlos Prestes,pedindo autorizaçãopara usar-
mos o nome de sua esposana Escola.Ele enviou um telegramanão
só autorizando, como também dando os parabéns e elogiando a
escolha.Veio pessoalmentena inauguração.Mandou novo telegra-
ma no dia do aniversáriode um ano da escola.
Quando nos colocamostodos na frente do alga, vimos que tínha-
mos uma equipe, estávamosprontos para trabalhar, um trabalho
diferente que iria modificar a vida de muita gente. Inclusive a mi-
nha. A partir daquele momento eu deixei de ser uma Elza e me
transformei na verdadeiraElza. Desdepequenaeu tinha o anseiode
fazermais, de não pensarsó em você mesma.Daí o que aconteceu?
Eu comeceia viver dentro de todos os movimentos, principalmente
os de saúde e educaçãoque tinha que brigar pelos deficientes. O
Olga centralizavaestaslutas e passoua ser conhecida como a escola
de deficientesde Diadema. Me tornei mãe do conselho,professora,
mãe de um monte de criançase até hoje tenho muitos netos que
não sãofilhos de meus filhos. Lutamos também por transporte, pela
qualidade do ensino. Não acho que todos os deficientes devemfre-
qüentar uma escola especial.Somente os surdos e os deficientes
mentais. A escolaatendeo ensino fundamental e tem não só o pro-
fessorque fez curso para surdos,masos outros que precisamseinte-
grar. Comecei a perceberque o futuro do país dependedascrianças
que estão aí. Se elas não tiverem educação,moradia, e saúdeade-
quadas,como vai ser o futuro daqui para a frente?"!

o depoimento de Elza é revelador do que ocorreu no Município de


Diadema nas décadasde 1980/90. A cidadevermelha,assimnomeadaini-
cialmente, devido à presençade muitas olariase de sua terra em saibro cor
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de tijolos contavacom intensasmanifestaçõespopularesque exigiam mora-
dia, saúde,educação,emprego e novas formas de administração pública,
colocando-seem cena,apontando novos caminhos para o conflito de clas-
sese a ampliação dos direitos.
Desde sua origem esta pequena áreado território do chamado grande
ABC, viveu daslutas populares,por seruma cidadedormitório que abaste-
cia de trabalhadoresasvizinhas SantoAndré e SãoBernardo.Ao longo das
décadasde 1940/50, deixou de receberos imigrantes europeusque migra-
vam da Itália, Portugal ou da Espanha e passoua receber os brasileiros
nordestinosatraídospelo mercadode trabalho, aberto pelo desenvolvimen-
to industrial estimulado no desenvolvimentismodo período JK.

"Eu vim da Bahia. Daquela terrinha. Vim lá de lrecê, Sertãozão.Lá


dos cactáceosda Bahia. Vim com 16 anos em I" de outubro de
1967. E retomei uma vez só. Eu vim com meu pai e minha mãe.
Somos 14 irmãos. O pessoalde lá na épocada secavem tudo prá cá
e é uma situaçãomuito difícil.. ..Eu tinha uma irmã que morava em
Diadema. Meus cais estavam velhn~- n~n ""iit'nr"v"m rr"h"lh"r no
irmãos homensvieram tudo prá cá, prá trabalhar.Aqui era um sítio,
chamavaJardim Canhema.O sítio foi desmembrado,erada Imobi-
liária Caiubi. Minha irmã morava na Favelado Vergueiro, era cos-
tureira e quando a favelafoi desativadao prefeito arrumou pra eles
e pra todo o pessoalaqui. Eu fiquei com os meus pais até elesmor-
rerem.Aí fui trabalhar na Carfriz em SãoBernardo, em Piraporinha.
Como não tinha experiência,fui para a Auto Metal, na Paulicéia.
Depois trabalhei na Reno e por último na Detroit. Lá conheci meu
marido. A gente casoue meu marido achavaque eu não tinha que
fazermais nada. Eu semprefui uma pessoaassim,meus pais sempre
foram muito religiosos. Eu ia na Igreja de São Bernardo, achava
mais bonita. Eu não tinha atividade,só participavadasmissas....Nos
domingos, depoisda missa,o pessoalia na praça.Eu ficava na igreja
e como meu marido queria que eu ficasseem casa,comecei a me
sentir como uma lagarta no casulo: fechada! Passeia ter mágoa de
meu marido, fiquei doente, meu pai ficou doente e comecei a pen-
sar que tinha câncer.Eu tava mal e comeceia ir em médicos. Como
nos examesnão davanada, fui ao psiquiatra que me mandou preen-
cher o tempo. Aí fui convidada para uma reunião no Centro Co-
munitário do Jardim Santa Rita, conheci Dona Teresa,que era da
Igreja e passeia participar das reuniões, discutir os problemas das 13
crianças que tinham doenças,a falta de esgoto. Foi assim que o
movimento por saneamentobásicoorganiwu a população dasfave-
las e destaluta, fomos reivindicar terra, creche,para tirar ascrianças
que estavammuito desnutridasdaquelelugar".2

Este depoimento de Alaídes, revelaque aslutas sociaiscrescempor dife-


rentescaminhos e motivos, sendofruto de inquietaçõesmuitas vezesoriun-
dasde valoresmorais ou autoritarismos dasdimensõesvividas nas relações
de classe.Em seu relato, ela procura mostrar o longo percurso da família
quesedeslocado sertãoda Bahia.Famílianumerosa,quevivia numa terrinha,
seu pai político regional, obviamente longe dasestruturasgovernamentais
do Estado, mas fazendoparte de um poder local sertanejo.Nada disso en-
tretanto abalavao coraçãoda moça que seguiu a família e cuidou dos pais
até a morte. Foi o casamentoe o impedimento de uma vida que portasse
maior sociabilidadeque a abalou,levando-aa imaginar-sedoente, semfun-
ção e também destinada a uma morte social. A imagem da "lagarta no
casulo" aponta claramenteo sentido de prisão. O marido protetor, senhor
de seusanseios,impedindo-a de partilhar do jogo da vida, sufocava-aa tal
ponto que ela rompe com as doençase as amarras, integrando-se num
movimento social de moradia e meio ambiente.
AssimcomoAlaídes,lris Neves,António Mariano, BeneditoRamosPinto,
Agenor de Oliveira, JoséDuarte Costa, sãoalguns dos inúmeros cidadãos
de Diadema que relataram como as formas cotidianas que os levaram a
ingressarem algunsdosgruposvinculadosaosmovimentossociaisque com-
põem a história daquele lugar. O subúrbio, área periférica da grande
megalópole,uma Paulicéiadesvairada,que no dizer do poeta recolhia frag-
mentos de um mosaicode povos oriundos de diferentespartesdo planeta,
acaboupor forçar uma geografiano seu entorno de pequenascidadesque
compõe um conjunto fragmentário, histórias partidas por deslocamentos
populacionais, por carênciasmateriais mas, que acabamtecendo ricas di-
mensõesde um vivido pleno de afetividades,na difícil sobrevivênciada
pobrezaque seimpõe para quasecem milhões de brasileirosnestelimiar de
um novo milênio.

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Diadema nasceu na Grande ABC: História Retraspectiva da Cidade Vermelha

A cidade está dividida em sete regiões,podendo ser classificadacomo


um conjunto que não está definido pela ocupaçãodo espaçoseguindo a
hierarquia social,como ocorre em algumascidadesdo interior paulista. De
um lado, por ter sido Diadema um bairro de SãoPaulo, inserido numa área
de ocupaçãooperária, sem a infra-estrutura de proteção ambiental e sem
urbanismo. Alguns bairros guardamvestígiosde tempos remotose nos per-
mitem recolherdos fragmentos,inúmerashistórias de momentos distantes.

Os Bairros Principais

É o casodo Taboão.Na Avenida PrestesMaia, no número 1976,encon-


tramos a Casade Pedra,vestígiosde uma fonte e de uma áreade sítio. Sua
história nos leva ao português Alfredo Bernardo Leite, nascido em 1866,
transferido para o Brasil ainda menino, que acabousendo responsávelpelo
povoamento do bairro. Na propriedadeque comprou - 56 alqueires- ex-
plorava a pedreira existentee, dela tirou, uma boa fortuna. Foi contratada
pela Prefeitura para o fornecimento das pedraspara o calçamentodas ruas
centrais de SãoPaulo, como a SantaEfigênia, a Boa Vista e a Florêncio de 15
Abreu. Os negócios foram sendo estimulados e pode-se perceber como
Alfredo passoua ter importância quando numa dasexplosõespara quebrar
aspedras,surgiu a fonte que formou um grande lago com águacristalina e
de boa qualidade para os padrõesda época.Passoua engarrafare vender a
água com o nome de Agua Pedreirado Taboão. Em 1942, a pedreira foi
encerrada,pelo esgotamentodas pedrase apósessadata, o lugar passoua
ser área de lazer dada a beleza e aos benefícios medicinais da fonte. As
famílias faziam seuspiqueniquesna casade pedra, um complexo hoje divi-
dido pelaAvenida PrestesMaia, deixando à.imaginaçãodo estudiosorecu-
perar a belezaanterior.
Outro local dessemesmo porte foi o Armazém do Duca, demolido no
início do ano 2000. Ferdinando Duca chegouao Taboão em 1898, com a
mulher e 15 filhos. Na décadade 1920, trabalhavana Pedreirade Alfredo
Leite e posteriormente na Fonte SantaLuzia. Ferdinando instalou o pri-
meiro armazém em Diadema, na Rua da Pedreira,no ano de 1924. Seu
filho Jorge,em depoimento parao Diário do GrandeABC em 01/08/1976,
narrou que o movimento comercial era pequeno, mas os negócioscresce-
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ram dadasascondiçõesdasestradasque davamacessoao bairro. O Taboão


era ocupado por pequenossítios e essasituaçãosó semodificou nos anosde
1940 e 50, com o desenvolvimentoindustrial do ABC. O belo edifício de
tijolos vermelhos foi um centro de abastecimentoimportante e permane-
ceu na Rua Amaro C. de Albuquerque, 237, permitindo o reencontro do
passadoque nos ajuda a entender presente.
No Canhema, podemos encontrar a Olaria dos Irmãos Risch, que che-
garam ao lugar em 1937, fugindo das perseguiçõesque na Europa, Hitler
estabeleciaaosjudeus. Hebert e Helmuth instalaram-sena Vila Conceição,
e fabricavam tijolos para o mercado de São Paulo. Transportavam ainda
areiae lenha. Em 1954, com o estabelecimentodasindústrias de cerâmicas,
os Risch não conseguiramagüentar a qualidade, os preços e a rapidez do
novo processoprodutivo e desativarama olaria, situação também vivida
pela Olaria dos Ferrari, que pode ser observadana imagem abaixo.
Ao lado da
ruína da olaria,
no mesmoespa-
16 ço, pode-seob-
servarum outro I

tempo histó- i
rico. A região, ,
dadas as proxi-
midadesdasvias
de acessocon- '

centraum com- i
plexo industrial k". w-
onde aYnilbra é
um exemplo.É uma empresaque pertencea um grupo nacionalde mútiplos
investimentos:Larbotec,em SantoAndré, Oiana em Rudge Ramos,Market
Center,Administraçãode Imóveis,Concessionárias deAutomóveis.Essegrupo
nasceuem RudgeRamosna antigaTecelagemSãoJoaquim, que é a denomi-
naçãodo grupo. A Inylbra estáinstaladahá 20 anosem Oiadema,possui900
funcionários,sendo200 mulherese 700 homens.A empresaocupa uma área
construída de 48 mil m2, comportando equipamentosde alta tecnologia,
desde1992, reduzindo com a robotização,metadeda mão-de-obraempre-
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gada. Possuiequipamentosde alta precisão,produz 250 mil m2 de tapete


estampadoe 1 milhão de metros quadradospor mês de carpeteagulhado.
Cerca de 60% da produção é destinadaàs montadoras. Outros 40% da
produção sãodestinadosaoslojistas, principalmente ao Carrefour e àsCa-
sasPernambucanas.
A presençade um complexo industrial complementar àsmontadorasfez
da cidade de Diadema um polo dependentedo fluxo de interessesdasem~
presasautomobilísticas que via de regramovimentam-se segundo os inte-
ressesdo processoglobalizado da reengenhariaindustrial e dos subsídios
que os governoslocais lhes oferecem.Deste modo, quando a montadora
deixa determinado lugar, como ocorreu com a General Motors recente-
mente, além do desempregogeradopelo fechamento da fábrica ela arrasta
com efeito dominó, o ramo de auto-peçasprovocando um processodeno-
minado de desindustrialização.Com efeiro, ao mesmo tempo que o setor
foi importante para o desenvolvimentoda cidade, também promoveu um
amplo processode desempregoe de alteraçãono cotidiano dos operários.
Piraporinha, podemosafirmar Bom Jesusde Piraporinha, construída na
décadade 1880, por JoséPedrosode Oliveira, que doou à Diocesede São 17
Paulo terrenospara o Patrimônio do Senhor Bom Jesusda PedraFria. Em
1882, foi rezadaa primeira missano lugar, pelo PadreThomás Inocêncio
Lustosa,vigário de SãoBernardo,que alí compareciatodos os domingos.Na
Igreja, os festejoseram constantes,tendo sido atrativo para muitos comentá-
rios e notíciasaté 1902. Duravam todo o mês,em SãoBernardodo Campo.
Em 29 de julho de 1968, a capelacomeçou a ser demolida, e em 1977
foi inaugurada a atual
igreja ainda inacabada.
Tendo perdido toda a re-
ferênciados tempos an-
tigos, a Igreja atual apa-
recenos moldes de uma
arquitetura fabril, dei-
xando o tempo do sagra-
do enterradono subsolo
ou descartado com os
entulhosda demolição. .
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No mesmo bairro,
está localizado o Tem-
plo da Deusa Kannon,
construído em 1952
pelo Monge Kanjun
Nomura, com ajuda da
comunidade japonesa
de Diadema. Conforme
a tradição, a Deusa
Kannon, foi descoberta
na fndia há quase2 mil
anos.Seuculto difundiu-se para o Japãoe a China, como um dos ramosdo
Budismo, no início do séculoVIII da Era Cristã. Nesteculto foi introduzida
a celebraçãopopular do fogo sagrado,que não pertenceraaosritos originais
da Deusa Kannon. Isto ocorreu depois da morte do Monge Suzuki, que
passavacom alunos sacerdotessobreas brasassem ser queimado.
Hoje, o monge Siba Kohozo assumiuo comando mantendo a tradição.
18 A comunidadejaponesainstalou-seem Diadema desde1929, com a chega-
da de Shim Iti Horita, para trabalhar de caseirona Chácarade Mashiti Doi.
Em 1939, Masheo Ino comprou um terreno para sededicar à agricultura.
Em 1940, foi fundado o Taperinha Golfe Clube por um grupo de 40 japo-
neses.O conjunto religioso da comunidade japonesaintegra o espaçoda
cidade de modo harmônico, uma vezque compõe com os demaisrepresen-
tando os cristãos,católicose evangélicos,umbandistasou do candomblé, a
diversidaderepresentativade uma cidadeque é ao mesmotempo uma refe-
rência identitária, masde modo efetivo pertencea uma comunidade global
representadapelos imigrantes e migrantes trabalhadoresque enfrentam as
desigualdadese a luta contra a exclusãosocial.
No Serraria,a Capelade NossaSenhoradasGraçasfoi construída pelos
filhos de Dona RuyceFerrazAlvim, atendendosuavontade expressaantes
de sua morte e inaugurada em 12 de junho de 1949, com a presençado
CardealArcebispo de São Paulo, D. Carlos Carmelo de VasconceloMota,
de Dona Leonor Mendes de Barros- primeira dama de São Paulo, de José
Fornari, prefeito de SãoBernardoe do ProfessorMiguel Reale.Dona Ruyce
Alvim, ao manifestara vontade dessahomenagem,fez com Queseusparen-
Diadema nasceu no Grande ASC: História Retrospectivo do Cidade Vermelho

tes doassem parte da área a ser ocupada, para a capela que tem dez metros
quadrados de área, um pequeno altar, com um oráculo para queima de velas
e orações. Ela é fechada e a Santa que está colocada num pedestal mede oito
metros de altura. Fica no centro de Diadema e aos fundos têm uma área
coberta com alguns bancos, hoje utilizados como parada de ônibus.
Na região central está a área de ocupação antiga, pouco preservada em
seus edifícios originais. Nela está todo o comércio, algumas praças, como a
Castelo Branco e a Praça da Moça, os corredores de tróleibus, os vários
serviços que ocuparam a região mais central e moradias. A cidade formou-
se sem planejamento não possuindo uma funcionalidade efetiva e por falta
de urbanismo, também impede aos moradores a vivência de um espaço
mais humanizado.
A Praça Castelo Branco, marco zero de Diadema, está construída entre
as avenidas Alda e Antônio Piranga, entre o calçadão e o tróleibus. Seu
primeiro nome foi Vila Conceição, relembrando o nome do primeiro
loteamento. Criada em 1948, foi remodelada em 1956. Na administração
de Lauro Michels, foi inaugurada em 1965, quando recebeu o nome atual.
Dentre as várias atividades comerciais destaca-se o Centro Empresarial 19
Diadema, único edifício que possui elevador no centro velho. Nela, um
conjunto de vendedores ambulantes e artistas oferecem aos transeuntes,
serviços, produtos e um pouco de lazer. Estes grupos de pessoasque fazem
apresentações públicas se destacam pela oralidade e expressão corporal para
atrair o público. As formas são criativas e apontam as raízes regionais de
uma cultura popular centradas nos repentes, no cordel, nas danças de roda
e nos desafios. A capoeira é constante, sendo conhecido na praça um grupo
de capoeira que também faz acrobacias. Circula também na praça, um índio
Parecí, da reserva de Parelheiros, vendendo suas plantas medicinais engarra-
fadaspara todos os tipos de doenças.Ele representaainda astradições ancestrais,
mas, ao mesmo tempo, a modernidade excludente. Em alguns momentos uti-
liza-se de microfone com um pequeno amplificador para atrair o público. Não
falta a figura do engraxate, com sua pequena caixa de madeira tentando limpar
os sapatosdos engravatadosque apressadamentecruzam o lugar.
No centro também encontra-se a polícia. Fica no prédio ocupado pela
primeira prefeitura, e circula pela praça, com o intuito de manter a ordem
numa cidade desordenada, Fica também nessa região a EEPG Francisco
Diadema nasceu no Grande ABC: História Ret~spectiv~_da Cidade Vermelha

Oaniel Trivinho, o antigo grupo escolar Vila Conceição. Ela foi aberta em
1929, numa casa particular, perto do Fórum para crianças filhas de lavra-
dores e carvoeiros. Em 1932 estava mais próxima do centro, ocupando os
vestiários do Campo de Futebol Vila Conceição. Em 1950, recebeu um espaço
onde está até hoje. Já se chamou Grupo Escolar Diadema, Grupo Escolar
João Rarnalho, Ginásio Estadual Senador Felinto Muller, Colégio Estadual
de Oiadema, Grupo Escolar Vila Élida. A história dessesnomes retratam a
conjuntura política e asvárias representaçõessociais desseespaçoeducacional.
Outro bairro importante da cidade é o Eldorado. Caracteriza-se por es-
tar incrustrado numa região de mananciais, entre as represas Billings e a
Guarapiranga. Sua paisagem urbana aponta o processo desordenado e desi-
gual das ocupações, com mansões e pequenas casasincrustradas nos mor-
ros. A malha urbana se intercala com a área de mananciais e uma vegetação
heterogênea. O bairro sofreu um aterro na área da represa, deslocando a
antiga Igreja Nossa Senhora dos Navegantes para a área central. A degrada-
ção ambiental é visível tanto nas encostas dos morros devido aos desmata-
mentos, como na beira da represa, onde o esgoto a céu aberto ainda faz
20 parte da paisagem, mesmo sendo cada vez mais presente a consciência
ambiental nos movimentos sociais da cidade.
Inicialmente o lugar foi ocupado para a instalação de sítios de lazer de
paulistas que se aproximavam da represa quando ainda era cartão-postal da
região. A chegada dessesocupantes introduziu o uso da represa para ativi-
dades náuticas e um conjunto de estaleiros foi aberto com a produção, o
conserto e a conservação dos barcos. Essa intensa atividade sem a corres-

pondente preservação
foi atraindo trabalhado-
res e usuários iniciando-
se o processo de degra-
dação. Ao longo das dé-
cadas de 1960 e 1970,
devido aos problemas
econômicos do país e os
processosinflacionários,
ampliados com a crise
do mila{!re de 1973.
~- ~ ~,~

ocorreu retrocessodo empréendimentonáutico. Por estemotivo a áreafoi


sendoabandonada,os sítios de lazervendidose osloteamentos,clandestinos
ou não, criadosparaa populaçãode baixarenda.Dessemodo iniciaram-seos
processos de degradação ambientalmencionados.
A situação é tão grave, que em plena área de manancial encontra-seo
Lixão do Alvarenga. Diadema produz cercade 180 toneladasde lixo por
dia e, até 1992 era depositadono lugar existentehá mais de vinte e cinco 21
anos,na divisa com SãoBernardodo Campo. No início da décadade 1990,
com a ampliaçãoda consciênciaecol6gica,ele começoua serdesativadoe o
lixo passoua ser recebidopelo aterro de Mauá. Não sesabesea contamina-
ção atingiu ou atingirá os lenç6isfreáticos,já que a montanha tem mais de
cem metros de altura. A prefeitura de Diadema mantém um funcionário e
uma máquina colocando terra sobre o lixo e abrindo espaçopara que os
gasesmetano possamser liberados. Há pessoasque trabalham no lixão,
reunindo e separandoos materiais não degradáveiscomo ferro, alumínio,
papel, vidro, plástico para a venda. Entretanto, essaexperiênciae conheci-
mento ainda não foi incorporada ao cotidiano da cidade que não faz coleta
seletivado lixo atual.
Essasdificuldadese ascondiçõesclimáticasde Diadema, situada no topo
da confluência dos ventos da Serra do Mar, tem sido importante para a
constituição de um forte movimento de saúdeque atua de modo constante
no município. Dele, osserviçosdo SistemaÚnico de Saúdetem feito enor-
mes progressosincorporando atividadeseducacionais,orientaçõesde pue-
Diadema nasceu no Grande ABC: História Retrospectiva
- da Cidade Vermelha

ri cultura, discussõessobre a salubridadedasmoradias,campanhasde vaci-


naçãoentre muitas outras.

Desindustrialização e Desemprego

A partir da décadade 1980, o cotidiano operário em Diadema passaa


estarabalado,como afirmamos anteriormente com um fantasma.O fecha-
mento das fábricas e o aumento do desemprego.O tema toma conta dos
veículosde comunicaçãode massae envolveo dia a dia de todos que recorrem
às notícias de jornais para avaliar a gravidadedo problema.
Em 21 de junho de 1996, a Folha deSãoPaulo noticiou a adesãoà greve
geralconvocadapelasCentrais Sindicais,crescendoe tornando-semaior na
regiãodo ABC. Os sindicatosavaliamque 80% dosquímicos e metalúrgicos
pararam; o trabalho em bancose o comércio aderiu parcialmente.

Embora parcial, a paralisaçãoafetou a produção dasmontadoras de


veículos onde cerca de 80% dos metalúrgicos e químicos do ABC
pararam.Boa parte daslojasdos centroscomerciaisde SãoBernardo,
22 Santo André e Oiadema nem chegarama abrir por falta de funcio-
nários. Os bancos funcionaram, mas de modo precário. Na Nossa
Caixa de São Bernardo, a porta só era abertapara clientes dispostos
a fazer depósitosou a pagar contas. Segundo o gerente da institui-
Ção,não havia vigilantes e nem dinheiro, porque a entrega do nu-
merário foi reduzida.3

Grandes lojas, como


Ponto Frio, CasasBahia
e Arapuã, permanece-
ram fechadas. Os por-
tóes do shoppingcenter
mais antigo de São
Bernardo, o Shopinho
do Coração,estavamfe-
chados.O clima de feri-
ado tomou conta da re-
gião, com exceção de
São Caetano do Sul,
Diadema nasceu no Grande ASC: História Retrospectiva da Cidade Vermelha

onde até a General Motors trabalhou. A circulaçãode ônibus foi parcial no


ABC. Em Santo André, havia menor número de coletivos do que em São
Bernardo. Ao longo do dia, porém, o serviço foi se normalizando, mas
havia poucos passageiros.Os tróleibus circularam com toda a frota desde
cedo, mas, também, quasevazios.Os presidentesdas três centraissindicais
que convocaram a greveencontram-seàs 5 horas da manhã no Sindicato
dosMetalúrgicos.O presidenteda ForçaSindical,Luiz Antônio de Medeiros,
foi hostilizado por alguns militantes cutistas.
O presidenteda CUT, Vicente Paulo da Silva, Medeiros e Enir Severino
da Silva, presidenteda ConfederaçãoGeral dosTrabalhadores(CGT), per-
correramjuntos um circuito de fábricastotalmente paralisadas.Começaram
pelaVolkswagen,Ford e MercedesBenz,da baseda CU1: Em seguidaforam
para a Ford Ipiranga, Continental, Lorenzetti e Amo, da ForçaSindical. Por
fim, foram conferir a paralisação- também total - do principalredutoda
CGT, a Eletropaulo,do bairro do Cambuci. Na Scania,a adesãofoi de 60%.
Nas demaisempresas,apenasserviçosessenciaisfuncionaram e não hou-
ve necessidadede piquetes: os ônibus simplesmentechegavamvazios ou
com no máximo meia dúzia de passageiros, rapidamenteconvencidosa não 23
entrar nas fábricas.A Via Anchieta, das montadorasde veículos, asAveni-
dasPresidenteWilson, Henry Ford e Amo, astrês últimas com concentra-
ção de grandesindústrias, formavam um único corredor de greveunindo
ABC a SãoPaulo.
Os três dirigentes sindicais demonstraram satisfaçãocom o quadro no
ABC e na parte industrial da Zona Lestede SãoPaulo. Mesmo com trans-
porte parcial, a populaçãopreferiu ficar em casa."Essaé uma grevediferen-
te", afirmou Vicentinho. ParaMedeiros,a ausênciade piquetesnasgrandes
industrias indicaram um salto de qualidadena mentalidade de trabalhado-
rese sindicalistas.
Essechamamento à grevegeral aponta as preocupaçõesdo movimento
operário com o fechamento de postos de trabalho crescentena região de
maior concentraçãoindustrial de SãoPaulo.
Em 16 de agostode 1996, a imprensa registrou que a Região iniciava
estudo sobre fábricas e galpõesvazios, realizando-seo primeiro levanta-
mento na região industrial que seria usado para buscar a descentralização
indlI.c;trial.MTT':rON F. nA ROCHA FTT.HOe.c;creve~
o primeiro levantamento sobre galpõese fábricas vaziasda região
industrial do ABC, na Grande São Paulo, seráiniciado nos próxi-
mos dias. O trabalho vai fazer parte de um estudo a ser levado à
mesade discussõesna organizaçãoda Câmara Setorial Regional do
ABC, que vai tentar sua descentralizaçãoindustrial, revelou ontem
o secretáriode Ciência e Tecnologia do Estado, Emerson Kapaz.
O secretário disse que até hoje muito se discutiu e falou sobre a
saídade companhiasdo ABC. "Agora, vamos levantar o que há de
fato na região industrial a respeito de saída ou entrada de novas
indústrias", explicou.
Kapaz informou, ainda, que serãoestudadasformas de reciclageme
readequaçãode mão-de-obra na região industrial do ABC, o que
não ocotreu até hoje, segundoele. Kapaz contou que manteve reu-
nião no ABC com prefeitos dos setemunicípios que formam a re-
gião, além de sindicalistase o presidenteda Central Única dos Tra-
balhadores(CUT), Vicente Paulo da Silva.
Vicentinho disseparaKapazque a reuniãofoi importante, pois nunca
sediscutiu assuntostão relevantes,buscandosoluções,relatou o se-
cretário. De possedos levantamentos que estão sendo realizados,
serárealizadauma nova reunião, dentro de 30 dias.
24 Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul,
Diadema, Mauá, Rio Grande da Setrae Ribeirão Piressãoos muni-
cípios que compõem a região industrial do ABC. 4

Em 16 de setembrode 1996, novasmobilizaçõeslevaramos Metalúrgicos


do ABC a acamparemno Porto de Santos.A medida fazia parte de um
pacote de propostas contra a redução de alíquota para importação de
autopeças. A jornalista MARLI OLMOS assimdescreve:

Os metalúrgicos do ABC estão dispostos a acampar no Porto de


Santos em protesto contra a redução do Imposto de Importação
para autopeças.A proposta seráencaminhadahoje durante o semi-
nário Emprego e o setor automotivo - o que fazer?O Deparramen-
to Intersindical de Estatísticae EstudosSócio-Econômicos(Dieese)
estima que toda a cadeiaprodutiva de veículos poderá acabarcom
até 157 mil postosde trabalho até o ano 2000 por conta do aumen-
to da produtividade.
O Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e o Dieesepretendem reunir
no seminário sindicalistasda CUT e da ForçaSindical, empresários
e eyerllt;vn" rl"" mnnt"rlnr"" n ..nnin rln" ..rnnr..,,-\rino ~n o~rnr ~~
Diadema nasceu no Grande ASC: História Retrospectiva da Cidade Vermelha

autopeçasdo ABC já estágarantido. O seminário serárealizadona


sededo Centro das Indústrias de São Paulo (Ciesp) de Diadema.
A cadadia é menor o número de empregadosna produção cadavez
maior de carros.Desde1980, a produtividade na indústria automobi-
lística cresceu102%. Mas o nível de emprego caiu 23%. Segundo
os sindicalistas, mais grave ainda é o efeito nocivo do excessode
importaçõespara a cadeiade fornecedoreslocais.
A alíquota do imposto subiu para 70% no casodos Carrose caiu para
2% para aspeças."Foi um equívocoou houve negociatado governo
com asmontadoras",disseo presidentedo sindicato, Luiz Marinho.
O livro Globalizaçãoe o Setor Automotivo - a Visão dosTrabalha-
dores, lançado ontem, aborda o que aconteceráse o Paísatingir a
produção anual de 2 milhões a 2,5 milhões de veículosno ano 2000:
18.859 postosde trabalho (18% do efetivo) deverãoser eliminados
nasmontadoras. Casoa meta não sejaalcançadae a produção anual
fique em 2 milhões - hoje, são 1,8 milhão - o quadro é ainda pior:
36.612 empregosa menos (36%).
Cada posto perdido nas montadoras representa3,3 cortes no res-
tante da cadeiaprodutiva. Assim, asdemissõesno setor podem ficar
entre 81 mil e 157 mil.
Além do acampamentono porto, os metalúrgicos deverão propor 2S
uma manifestaçãono Ministério da Fazenda,em São Paulo, possi-
velmentedia 26, e grevesnasmontadoras.SegundoMarinho, a idéia
é tentar abrir negociaçõescom o governo.
Os sindicalistasquerem que o governo revejaos itens que constam
do regime automotivo, consideradoa causada queda brutal no ní-
vel de emprego, apesardo aumento da produção e vinda de novas
montadoras.
Os sindicalistasquerem que o governo eleveo índice de nacionali-
zaçãomínimo de 60% para 70%. Além disso, pedirão a reabertura
das câmarassetoriais e alíquotas iguais do Imposto de Importação
para peçase carros5.

Em 17 de setembrode 1996, articularam-seosempresáriose metalúrgicos


em defesade uma política de defesado complexo industrial, especialmente
devido ao processode abertura indiscriminada do mercado importador,
que levou um amplo setor industrial à bancarrota,como o de brinquedos e
() t~xtil A me...m:l M:lrli :l...c;im :ln:llic;:l°
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Os fabricantesde autopeçasaderiram à campanhados metalúrgicos


para tentar aumentar o índice de nacionalizaçãofixado na medida
provisória do regime automotivo. Durante seminário que reuniu
sindicalistas e empresáriosontem, em Diadema, foi acertado um
calendário de manifestações.A primeira mobilização contra a atual
política industrial no setor automotivo será uma carreata dia 26.
Com menor índice de peças nacionais nos carros, mais 86 mil
metalúrgicos poderão perder o emprego. O número de vagas na
indústria de componentespoderá cair dos atuais 206 mil para 120
mil, uma redução de 41,7%. O setor já fechou 114 mil postos de
trabalho desde o início da década,segundo o diretor de relações
industriais e trabalhistas do Sindicato Nacional da Indústria de
Componentes(Sindipeças),Thales Peçanha.Além da união da CUT
e Força Sindical e dos empresáriosde autopeças,o seminário de
ontem teve o apoio dos representantesda indústria de máquinas e
das siderurgias.Mas o que mais surpreendeuos participantes foi o
apoio do representanteda Volkswagen.O vice-presidentede assun-
tos corporativos da montadora, Miguel Jorge, disse ser contra a
alíquota de importação de apenas2% para peças."Corremos o risco
de ter um Paísmontador e não produtor de automóveis", disse.As
26 manifestaçõesprogramadasontem vão durar mais de um mês.6

Em 23 de setembrode 1996,a Kubotafechafábricano ABC e deixao País.


A empresaalegavacriseno setorde máquinasagrícolase acaboupor demitir
170 trabalhadores.
A analistaOlmos apresentaosargumentosdo processo:

A Kubota, fabricante de máquinasagrícolasde Oiadema, na região


do ABC, vai fechar. O encerramentodas atividades da empresaja-
ponesano Brasil foi anunciadoontem ao Sindicato dos Metalúrgicos
do ABC pela direção da companhia. Segundoo sindicato, a direto-
ria da Kubota alegou estarobedecendoa ordens do Japãodiante da
crise no mercado de máquinas agrícolas.
Com o fechamento da Kubota, 170 trabalhadoresperderão o em-
prego. Outros 80 haviam sido demitidos um mês atrás, com o fe-
chamento do setor de fundição da empresa.Hoje, haverá reunião
dos representantesdo sindicato e da direção da empresa,numa ten-
tativa de negociarbenefíciossuplementarespara os demitidos e ain-
da resolver o problema dos empregadosque têm estabilidade em
razãode doença profissional ou proximidade da aDosentadoria.7
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A crise atingiu o
regimeautomotivo.
O diretor da regio-
nal do sindicato em
Oiadema, Antonio
Ribeiro dos Santos,
atribuiu o fecha-
mento da Kubota
também ao regime
automotivo, que
-" ,,-~ beneficiou as em-
presasinscritas no
programa de incentivos à exportação.A indústria de máquinas agrícolas
passavapor uma dasmais longascrisesde suahistória, num reflexodireto da
crisede rendaenfrentadapelosprodutoresagrícolas.Com vendasem queda,
a produção anual do setor de máquinas não atingia agora mais de 30 mil
unidades,ou seja,menosda metadedo que o setorfabricavana décadade 70.
Inauguram-se as Câmaras Setoriais como possibilidade de uma po- 27
lítica de planejamento e auto-defesa. Em 25 de fevereiro de 1997 a
imprensa noticia:

o governadorMário Covasvai instalar às 19h30 do dia 12 de mar-


ço, em São Bernardo do Campo, a Câmara Regionaldo ABCD. O
órgão seráintegrado pelos prefeitos de Santo André, São Bernardo,
SãoCaetano,Diadema, Mauá, Ribeirão Pirese Rio Grande da Serra
e tem o objetivo de promover a obtençãode investimentos,a instala-
ção de mais empresasna regiãoe a abertura de novos empregos.
O secretáriode Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômi-
co, Emerson Kapaz, explicou que a idéia "vem sendo maturada há
quatro anos com os ex-prefeitose prefeitos dos setemunicípios que
formam a região do ABCD".
Kapaz disseque o governo escolheuo ABCD para ser a primeira a
recebera Câmara Regional, "por ser uma região muito complicada,
com muitas indústrias e empresasque atuam na áreade serviço che-
gando". De acordo com Kapaz, "a Câmara vai promover uma arti,.
culaçãoentre asadministraçõespúblicas dessesmunicípios, além de
incluir empresasprivadas, movimentos de cidadania, sindicatos e
n."'~c pn.;,j~,jpc "8
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Ele informou que, dos investimentosque serãoaplicadosnos próxi-


mos dois anos no Estado, 15% serãodestinadosao ABCD. "Nos
próximos dias iremos inaugurar a linha de montagem do Ford Ka,
em São Bernardo do Campo", disse."O projeto consumiu R$ 200
milhões em investimentos".
Muitos foram os artifícios utilizados no combate à recessãoe aos
mecanismosde desindustrializacão. As empresasmenores,como con-
cessionáriase oficinas mecânicas,também perceberamo filão das
famílias que nos fins de semanae não têm onde deixar as crianças.
Na Revenda,concessionáriaFord de Diadema, os filhos dos clientes
sãorecebidosna recepçãocom um "kit criança", com papel, lápis de
cor e giz de cerapara desenhar."Temos planos de, até o fim do ano,
montar um espaçoespecíficopara elas", diz a gerente de Vendas,
Shirlei Suriane Sandri. "Já aconteceude um casal ir embora sem
comprar o carro porque o filho não dava sossego."9

A Midas, oficina mecânica sofisticadaque já abriu duas lojas em São


Paulo, também procurava distrair os filhos dos clientescom jogos e filmes.
Franquiasde uma empresaamericana,asfiliais brasileirasseguemo modelo
da matriz. O problema da criseno setorautomotivo abalavao conjunto das
28
atividadesda cidade, assim,os serviçosde atendimento aospossíveisclien-
tes passarama ser prioridade para todo o setor terciário. Interessantenotar
que essasituação de ameaçaconstante à sobrevida dos trabalhadoresfoi
aumentando o sentimento sobreos direitos e aslutas do movimento operá-
rio e asdemandaspor políticas públicas fizeram crescero sentido de cida-
dania. De um lado, maior clarezados problemasvividos e, de outro, um
freio no sentimento de desprestígiomoral que até então atribuía-seao de-
sempregado.Evidentemente essaelevaçãono nível de consciênciaé tam-
bém fruto de um processode educaçãoe cultura operáriasque nos reme-
tem ao período de formaçãoda classe,nos finais do séculoXIX, e da cultura
anarquista tratado no artigo de Katia Kenez, nestelivro.
Os shoppingcenterstambém já começam,timidamente, a percebera im-
portância de um local para abrigar ascriançasenquanto os pais dedicam-se
às compras. A maioria deles tem um pequeno parque de diversões,mas
com brinquedos pagos que exigem a vigilância dos pais. Por enquanto,
apenaso Iguatemi ofereceo espaçogratuito de recreação.Outros shoppings
r~m anenasfraldário. como o We.~tPlazae o Aricanduva.
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Em 09 de abril de 1997 inicia-sea crisena Cosipa. A imprensa registra

A invasãode dois naviosno terminal privativo da Cosipa, por traba-


lhadoresavulsosdo Porto de Santoscomandadospela deputada fe-
deral e ex-prefeitaTeIma de Souza, do Partido dos Trabalhadores,
deixou de ser um problema sindical para adquirir todos os contor-
nos de uma crise que pode ter repercussõesnacionais. Estivesseo
problema circunscrito à áreasindical, a invasão dos navios apenas
confirmaria que a Lei de Modernização dos Portos, sancionadahá
quatro anos, não é aceitapelascorporaçõesdo cais, que agoradeci-
diram opor-seà suaentradaem vigor pela açãodireta. O graveé que
a evoluçãoda situaçãotransformou o que seria uma invasão (ainda
que pacífica) de dois navios num problema político, na medida em
que os fatos que se seguiramà ocupaçãodos barcos indicam que o
governo do Estado de São Paulo não tem condiçõesde fazerexecu-
tar decisãoda Justiça, que determinou a desocupaçãodeles.
Na raiz dessacrise, que secriou ontem, estáo fato de a Polícia Mili-
tar não ter condiçõesde cumprir a determinaçãojudicial de desocu-
par os navios. Chegou a essasituaçãoem conseqüênciado delicado
momento que vive apósas violências praticadaspor soldados PMs
na FavelaNaval em Oiademae do vigor da reaçãopública. Em outras 29
palavras,a PolíciaMilitar não quer envolver-seem nenhuma situação
em que possahaver um eventual conflito, temerosa de que nesse
reconto possahaver feridos e de que a opinião pública sevolte com
mais rigor contra ela. Na verdade,essadisposiçãoa não agir é mais
uma decisãopolítica do que a constataçãode um fato: a desocupa-
ção dos navios pode realizar-sesem necessidadedo emprego de
violência desnecessária - por mais que os estivadoresque os ocupam
estejamdispostosa resistir - e o cumprimento de uma decisãojudi-
cial para restabelecera lei e a ordem nada tem em comum com atos
criminosos como os praticados em Oiadema10.

A política de desindustrialização que gerava o fechamento de postos de tra-


balho, extendia-se como uma postura modernizadora atingindo todo o com-
plexo produtivo estatal.A idéia professadapelos técnicos governamentais era a
da total submissão aos ditames da política definida pelo Fundo Monetário In-
ternacional, exigindo um ajuste recessivopara os paísesperiféricos que acadou
gerando uma violenta crise na Ásia, no México com imensas possibilidades de
atingir o Brasil. A defesa do governo fazia-se no nível ideológico, ou seja, na
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crítica ao Estado autoritário, confundindo-o com o seuoposto, ou sejaa aceita-


ção de que a gestão política deveria ser feita pelos organismos internacionais,
como se eles buscassema eqüidade e a justiça social. Interessante notar que o
debate ideológico foi reaquecendo tanto asdiscussõescomo as práticas de resis-
tência. O episódio da tornada dos navios foi parte dessaaçãocontra a privatização
do porto de Santos, considerado um empreendimento altamente lucrativo e
ícone da soberania nacional que não poderia ser perdido. TeIma de Souza, ex-
prefeita da cidade havia realizado uma gestãoque promoveu grande articulação
entre os empresáriose os trabalhadores, modernizado a árealitorânea, estimula-
do o combate a poluição e a proliferação da AIOS, e sua legitimidade era
inconteste na defesada cidadania brasileira. Do lado dos neoliberais, entretan-
to, ela levava o protesto para o campo da política.

A seqüêncianatural dessadecisãodo governo estadualde não aten-


der à ordem da Justiçafoi o juiz da2a Vara Cível de Cubatão, Mário
Roberto Negreiros Velloso, requisitar o auxílio do Exército para
desocuparos navios. Criou-se, então, uma situaçãodas mais delica-
das: a função das ForçasArmadas não é intervir em situaçõesdesse
tipo. Ademais, sea Polícia Militar tem o episódio de Oiadema pre-
30
sente, o Exército não se esqueceuda repercussãonegativa de sua
açãoem Volta Redonda, anosatrás.Ademais, por lei, o Exército só
poderá intervir em Cubatão se o Governo do Estado de São Paulo
reconhecer,ou der evidentesprovasde que não pode restabelecera
ordem. Assim, até ontem à noite, o máximo que o comando do
Exército em Santospoderia fazer- desdeque autorizado pelo presi-
dente da República - seria ocupar os pátios da siderúrgica para ga-
rantir o trabalho. A desocupaçãodos navios deveráserefetuadapela
Marinha, desdeque também haja autorização para tanto. Em ou-
tras palavras,asforçasfederaissó intervirão quando setornar paten-
te que o Estado de São Paulo é incapazde dar cumprimento a uma
decisãojudicial, e, ainda assim,intervirão cada uma em sua área:o
Exército no pátio da Cosipa; a Marinha na tentativa de retirar os
estivadoresdos navios!
A crise da Polícia Militar, provocadapor ela mesma e pela falta de
comando que se seguiu à revelaçãodos desmandospraticados em
Oiadema, coloca agora o governador Mátio Covas e o presidente
Fernando Henrique Cardoso em situação extremamente delicada,
na medida em que a Justiça estadualé desafiadaabertamente e no
Estadode SãoP2ulo. tudo indic:I. n~o h:í Pod"r P,íhlirfl n"" O"nnn-
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nha aosestivadoresque criaram o fato consumado,com clarosobje-


tivos de desmoralizaro processode privatizaçãodos portos.I I

Símbolo do grande desenvolvimentode São Paulo, o Porto de Santos


move milhões de dólaresdo comércio exterior e deveserentendido como o
centro nervosoda economia nacional. De um lado, os conflitos indicaram
problemas trabalhistas antigos acrescidoscom a política de desregulação
dos saláriose, de outro, um avançodasmedidasde privatizaçãoem curso.
Entretanto, todo o sistema produtivo de Oiadema e do país estava em
ebolição. No ABC a visibilidade da crise era maior, pois o atrelamento de
toda a economia estácentrada no setor automotivo e aparecemesmo no
problema dos transportescoletivos. Em 25 de abril de 1997, os donosde
peruas pediram regulamentação do serviço efim das blitze para apreensão dos
veículos.Trêsdiasdepoisde interditar aVia Anchieta, cercade 200 perueiros
do ABC realizaram uma manifestaçãoem Diadema. Eles queriam que as
prefeiturasda regiãoparassemde apreenderasperuasque transportam pas-
sageirose regulamentandoo serviço.
Em Oiadema, trabalham maisde cem perueiros.Elesalegamque o siste-
31
ma de transportespor ônibus não atendeà demanda. Um exemplo seria o
bairro de Eldorado, no qual asperuascomplementam a frota de ônibus da
empresamunicipal e das companhiasprivadas que exploram o serviço - a
Riacho Grande e a Alpina. Segundoosperueiros,o prefeito Gilson Menezes
(PSB) não queria regulamentaro serviçopara proteger asempresas.
O diretor de ServiçosUrbanosde Diadema, Paulo CésarLúcio Carvalho,
disseque a prefeitura não vai regulamentaro transportepor lotação porque
ele não é viável economicamente.SegundoCarvalho, não interessaà prefei-
tura que os perueirostrabalhemapenasnos horáriosde pico. Paraformalizar
o transportepor lotação,os perueirosteriam de fazerviagenscom freqüência
regulare garantir, entre outrascoisas,passagemgratuita paraaposentados.
De acordo com o diretor, a regulamentaçãodo serviço de lotação nos
termos em que os perueiros reivindicavam resultariaem concorrênciades-
leal para asempresas,desestruturandoo sistema.
Os sindicatosde outras categoriasprofissionaisjá percebiamos primei-
ros sinais,concretose indiretos, de que propostasde reduçãode jornada e
salário não ficariam restritas ao setor automobilístico e eletroeletrônico.
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Demissõesfora de época
ocorreram no comércio e
nasfábricasde calçadose
no setor químico, en-
quanto trabalhadoresde
diversos segmentosesta-
vam entrando em férias
coletivas antes do Natal,
- -~C_,- movimento considerado
fora do normal. Para os
sindicalistas,fora tudo prenúncio do que seconfirmou no primeiro trimes-
tre de 1998, quando o nível de atividade ficou ainda mais fraco, foi um
período de demissões.
Na quarta-feira, dia 3, um dia após o anúncio oficial da proposta de
reduçãode jornada e salário feita pelaVolskwagemaosseus31 mil empre-
gados, 110 dos 500 funcionários da Fastplas,fábrica de pára-choquesde
automóveis localizada em Diadema, foram demitidos, segundo informa-
32 çõesdo Sindicato dos Químicos do ABC. "Não imaginamosque o reflexo
fosseser tão imediato", diz o presidente da entidade, Sérgio Novaes. No
mesmo dia, outras empresasprocuraram a diretoria do sindicato para son-
dar a possibilidadede um acordo nasbasespropostaspela Volks. "Nós não
vamos concordar", avisao sindicalista, resumindo uma posição comum a
várias entidadessindicais.
A disposiçãode resistênciados sindicalistasdependia,entretanto, do po-
tencial da realidadedasnegociaçõescom asempresas.Uma parcelaexpres-
siva do movimento sindical havia feito acordoscom reajustesinferiores à
inflação, uma cláusulaantesconsideradatabu. Levantamento do Departa-
mento lntersindical de Estatísticae EstudosSócio-econômicos(Dieese),em
316 sindicatos, mostra que 43% fizeram acordoscom cláusulade reajuste
inferior ao INPC, enquantooutros 43% conseguiramporcentuaissuperiores
à inflação dos últimos 12 meses."O desempregono ano de 1998 deveser
superior ao desteano", avaliavao diretor-técnico do Diese, SérgioMendon-
ça. Num quadro recessivo,o poder de negociaçãodos sindicatosdiminui.

'~ceitar redução de salário é apenasadiar o fim", afirmava em desa-


cordo Martisalém CovasPontes,diretor do Sindicato dos Químicos
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de São Paulo. "Quando você reduz o salário, diminui o poder de


compra da populaçãoe a situaçãopiora ainda mais", afirma o sindi-
calista. Do total de 80 mil químicos que trabalham na basedo sin-
dicato, 35 mil estãoem empresasdo setor plástico, muitas dasquais
fabricam autopeças."Mais de 50 empresasjá estãoem férias coleti-
vas", diz, lembrando que o período de licença começou antes do
que é normal.12

Em fevereiro de 1998, o governo passaa dar maior atenção ao


problema do ABC. Um programa contra o desempregofoi apresentado
pelo Ministério do Trabalho,especialmentedevido àsenormespressões
com
vistasao controle da situaçãoque já era gravíssima.

"O governo vai ajudar a aliviar o efeito das crescentesdemissõesde


metalúrgicos na região paulista do ABCD (Santo André, São
Bernardo. São Caetano e Diadema) com dois programas: de
treinamento profissional. visando reciclá-lospara outras atividades.
e de microcréditos paraapoiar abertura de novos negócios.A criação
dos dois programasfoi decidida na sexta-feira,quando o ministro
do Trabalho, Paulo Paiva, o presidente do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Luiz Carlos 33
Mendonça de Barros. e o secretário de Política Econômica da
Fazenda.JoséRoberto Mendonça de Barros,avaliaramque a solução
parao desempregona regiãonão passamaispelo tripé que prevaleceu
no passado:renúncia fiscal. crédito subsidiadopara indústrias locais
e proteção tarifária. "O ABCD passa por uma séria crise de
desconcentração de investimentos e as indústrias, por diversos
motivos. têm preferido outras regiões.A solução definitiva estáem
constatar essarealidade e buscar alternativas de ocupação para os
desempregados". 13

Três funcionários foram acionadospelo presidenteFernando Henrique


Cardoso para encontrarem uma saídapara o desempregono ABCO, de-
pois de ouvir relato do presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São
Bernardo, Luiz Marinho, sobreo dramático quadro de demissões.Em de-
zembro de 1997, o desempregoda regiãometropolitana de SãoPaulo havia
chegadoao recordede 1,4 milhão de pessoas.O primeiro passopara ado-
ção dos programasseria dado nos próximos dias: o ministro Paulo Paiva
prometeu discutir a propostado governo com Marinho e outras lideranças
sindicais do ABCO. O governador Mário Covas também participou dos
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entendimentos. Em 13 de fevereiro de 1998, foi firmado um acordo de


estabelidadepor um ano, onde asempresasexigiam maior flexibilidade nos
contratos de trabalho.
Liliana Pinheiro escrevesobrea proposta

Os cercade 7 mil empregadosda Ford, em São Bernardo do Cam-


po, terão estabilidade no emprego até janeiro de 1999. Essefoi o
desfechode uma negociaçãoque começou em dezembro, sobre a
possíveldemissãode 800 empregados.O diálogo avançou, a Ford
colocou na mesaseusinteressesde tornar a jornada de trabalho mais
flexível e de antecipar horários dos dois turnos de trabalho, para
gastar menos com adicionais noturnos. Os metalúrgicos pediram
em troca garantia de empregoe manutençãodos 800 excedentesno
quadro de pessoal.Na negociação,deu acordo. Falta consultar os
empregados.
O diretor do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, João Ferreira
Passos,o Bagaço,calculou que os funcionários perderão, por mês,
cercade R$ 80. O salário médio na Ford é de R$ 1.546.
Como a empresaestá produzindo e vendendo menos e o mesmo
número de empregados receberá salários iguais, mesmo só
34 trabalhando por 36 horas, haveráperda para a empresade R$ 23
milhões, segundo o gerente de RecursosHumanos, Valter Trigo.
Partedo valor serárecuperadoquando a cargade trabalho, de novo
com os mesmossalários,ou seja,sem extras,saltar para 46 horas.14

Em resumo, o que se estavanegociando eram os direitos trabalhistas


obtidos em quaseum século de lutas e que deixavam de ser preservados
pelasnovasmedidas econômicasimplementadaspelo governo. A idéia de
um estado mínimo tão defendida pelo governo Fernando Henrique, não
introduzia a modernização,mas ao contrário exigia dos trabalhadoresum
processoinvertido de servidãovoluntária. Os'dirigentessindicaisparticipa-
vam das câmarassetoriaisem defesados postos de salários,mas para isso
tiravam do bolso dos trabalhadoresmontantes de massasalariale de renda
definida pelo descansoremunerado e pelas férias. Em período de baixa
produção, o empregadofolgava, mas pagavapor parte dessedescanso,ou
seja, diyidia o prejuízo com o patrão. Esta foi a mais nova fórmula para
impedir demissões,que surgiu no ABC. Depois do banco de horas com
jornadas flexíveis em São Bernardo, das contrataçõespor tempo determl-
Diadema nasceu no Grande ABC: História Retrospectiva da Cidade Vermelha

nado com redu-


ção de encargos
em São Paulo, a
Kostal, fabricante
de auto peças de
Diadema, apre-
sentou mais uma
nova forma para
uma velhaprática,
ou seja a divisão
dos prejuízos.
A empresapro-
pôs ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC que os cercade 900 emprega-
dosfolgassemcinco dias em fevereiroe outros cinco em março. Dessetotal
de dez dias, a empresaarcaria com o pagamentode três, quatro deveriam
ser compensadoscom trabalho, no futuro, e três ficariam por conta do
empregado,na forma de descontoem seusalário, em três parcelas.
O sistemachamou-se"banco de compensação"e teve como vantagema 35
estabilidadeno empregopor 60 dias. Por mais difícil que tenha sido tomar
estaatitude, asliderançassindicaisviam-secompelidasa criar estratégiasde
garantiasparciaisde postosde trabalho, uma vezque os estudosindicavam
grandecontingente de demitidos que não mais obtinha carteira assinada.
O desespero e os protestoscresciam.Em fevereirode 1998, desempregados
ocuparamo supermercadoExtra da Via Anchieta, em São Bernardo do
Campo, e da Avenida Brigadeiro Luís Antônio, em São Paulo. Sindicalis-
tas,desempregados, sem-tetoe liderançasde movimentos populares,deci-
diram fazer o que chamaram de "alertà' ao governo e sociedadepara o
problema da fome e da falta de empregos.Apesarde algumasameaçasde
manifestantesem invadir aslojas,os protestos,que reuniram entre 80 e 100
pessoasem cada um dos pátios, foram pacíficos. "Por enquanto é apenas
um alertà', afirmou o coordenadordo Movimento dosTrabalhadoresSem-
Teto (MTST) de Diadema, Edmundo da Silva Ribeiro. "Da próxima vez
vamossaquearsim." A Central Única dos Trabalhadores(CUT) ajudou a
organizaros protestos,que começaramàs8 horase duraram até o início da
.."..~~ r"n-." ~A"T"T r,.nrr,,1 ,1,. Mnvim,.nrn~ Pnmll"r~~ (rMP) ~ Mnvi-
Diadema nasceu no Grande ASC: História Retrospectivo do Cidade Vermelho

memo dos TrabalhadoresSem-Terra(MST), a CUT prometeu novasofen-


sivasem grandescentros urbanos.O diretor da CMp, JoséAlbino, afirmou
que asentidadesmandaram confeccionarmilhares de sacolasplásticascom
a mensagem:'~ordem é não passarfome." Albino não revelouseassacolas
seriam usadaspara saques,mas ressaltouque estaprimeira fasede manifes-
taçõesera um alerta para o governo. "Se nada for feito, poderão ocorrer
açõesmais radicais", disse.
Em 6 de novembro de 1998, divulga-sea notícia da decisãoda Mercedes-
Benz suspendera produção de caminhõesna fábrica de São Bernardo do
Campo por mais oito dias neste mês.A montadora já havia comunicado
que daria fériascoletivasaostrabalhadorespor 35 dias a partir do dia 31. O
anúncio foi feito no dia em que também teve início um programa de de-
missõesvoluntáriascom objetivo de reduziro quadroem 560 pessoas. Outros
500 trabalhadorestemporários não teriam os contratos renovados.
Segundoa Assessoriade Imprensada Mercedes-Benz,asvendasde cami-
nhõesem outubro apresentavamquedade 24% em relaçãoao mêsanterior.
A produção em SãoBernardo,que na metadedo ano era de 210 veículosao
36 dia, estavaem 140 unidades.Os funcionáriosque aderissemao voluntariado
receberiamentre dois a seissaláriosextras,dependendodo tempo de traba-
lho, e teriam direito ao convênio médico até 31 de maio. A fábrica que
emprega 10,4 mil funcionários, naquele momento com um processode
reduçãode mil postosde trabalho provocavaforte abalo na cidade, elevan-
do os índices de desempregoà taxasainda maiores.
Em Oiadema, a TRW; fabricante de autopeças,decidiu reduzir os salári-
os dos 580 funcionários entre 14% e 16% e a jornada de trabalho em 16%.
O vice-presidenteda Regionaldo Sindicato dos Metalúrgicosdo ABC, João
Martins Lima, disseque a reduçãodeveriavigorar por três mesesa partir de
novembro. Parte dos valoresque não fossempagos naquele período seria
devolvida a partir de março.
SegundoLima, a TRW ameaçavademitir 120 trabalhadores.Com a re-
dução de saláriose jornada, havia um compromissode estabilidadepor seis
meses.O sindicato era contra a redução,mas a medida foi aprovadapelos
funcionários em votação secreta.
A queda dasvendasde veículosameaçavanão apenasfabricantes,como
os de autopeças,que dependiam das montadoras para vender seusprodu-
Diadema nasceu no Grande ABC: História Retrospectiva da Cidade Vermelha

tos. Todo um microuniverso de negócios, que reúne desempregados que


partiram para atividades informais, começava a perder o fôlego. Ex-
metalúrgicos, gráficos, técnicos, motoristas e cobradores, que depois de demiti-
dos investiram o dinheiro da rescisãocontratual em barracas e carrinhos de
bebidas e comidas, já perdiam a esperançade retomar ao mercado formal de
trabalho. Agora, estavamenfrentando o medo de um novo tipo de desemprego,
caracterizado por queda brutal de faturamento e do padrão de vida.
Eles formaram uma camada de trabalhadores que perdeu seus postos há
mais de dois anos e olhavam com descrença as políticas oficiais contra o
desemprego no Brasil, ou num surto de crescimento da economia que os
recolocasseno mercado. Também não apostam em saídas como a requalifi-
cação para melhorar o poder de disputa por uma vaga, já que eles próprios
trataram de guardar diplomas e certificados de treinamento, que se torna-
ram tão inúteis quanto a carteira de trabalho. Para esse grupo, restava a
possibilidade de sobreviver em atividades comerciais precárias ou de rentabi-
lidade insuficiente, tal caminho mostrou-se tão vulnerável a uma crise eco-
nômica quanto o de seuscolegas que conseguiram manter-se nos empregos.
Josélia Oantas de Castro Silva tem apenas 26 anos e afirmava que já 37
acreditara na tese da requalificação como alternativa para a reinclusão no
mercado de trabalho formal. "Nos dois primeiros anos de desemprego, gas-
tei tempo e dinheiro em cursos de informática e de telefonistà', conta. Ela
também conseguiu concluir a oitava série do primeiro grau. Os amigos e as
agências de emprego informavam que nessasáreashavia emprego para quem
tivesse ao menos o primeiro grau. Mas, desde que foi demitida de uma
fábrica de auto peças em
Oiadema, há cinco anos,
nunca mais se recolocou.
Josélia, depois de dois
anos parada, em 1996,
colocou os diplomas dos
cursos no fundo de uma
c"! gaveta, comprou uma
~

caixa grande de isopor,


c, encheu de refrigerantes e
;j~~ partiu para as ruas. Hoje,

~
Diadema nasceu no Grande ABC: História Retrospectiva da Cidade Vermelha

sua rotina é ficar 10 horas por dia em frente a uma montadora de veícu-
los para tirar ao mês algo em torno de R$ 200,00 líquidos com a venda
dás bebidas.
Em mesesde calor,seuganho pode aumentar,masnão quando a prima-
vera e o verão estãocoincidindo com uma sucessãode férias coletivaspara
empregadosde quasetodas asgrandesempresasdo ABC. Seu m~do não é
mais o de ser demitida, como no passado,mas de não conseguirvender o
suficiente para viver, criar os filhos e repor estoques.Ou para tomar o ôni-
bus de casapara o ponto-de-vendaque conseguiuconquistar.
Quem chega na Volkswagen, em São Bernardo do Campo, encontra
hoje funcionários tensoscom a possibilidadede demissões.E encontra uma
outra categoria- a dos vendedoresque dependemdeles- ainda mais preo-
cupada. Essesex-funcionários de empresastornaram-se arrendatários de
barracasde bebidas,salgados,cigarros, docese quinquilharias importadas.
Mas amargamqueda grande de faturamento do passado.
O casalJoséde Souza,de 42 anos,ex-mecânicode manutençãoda extin-
ta CMTC, e RosemeireVasquesde Araújo, de 35, ex-cobradorade ônibus,
38 desistiu de procurar empregodesde1996. Com a ajuda da família, os dois
conseguiramarrendar o espaçoe passarama trabalhar das 5 horas à meia-
noite e meia, todos os dias, revezando-seno balcão.Os certificadosde qua-
lificação como mecânico, feitos na Scania e na Volvo, também de nada
serviram a ele, na hora de tentar recolocar-se.
Josée Rosemeirenão escondemo cansaçoe a frustraçãocom os ganhos.
Eles afirmam que ganham menos hoje, como microempresários,do que
quando eram empregados.Têm menos tempo para o descanso."É uma
grande ilusão querer ser o patrão de si mesmo", diz José.A esposaacalenta
um sonho que consideraimpossível:voltar a ter férias, 13° salário, Fundo
de Garantia e jornada de trabalho regular."Mas não acredito que um dia a
situaçãomelhore", conta.
Ex-gráfico, Matozinho Rodriguesde Paula,de 48 anos, estavaem 1998
há quatro anoscomo vendedor de lanchese bebidaspara metalúrgicos.Ele
foi demitido das últimas três empresasem que trabalhou, sempreem pro-
gramasde reduçãode custos.Também ele não acreditavaque voltaria um
dia a serempregado,a reconquistarseusdireitos perdidos.Segundodisse,o
medo do desempreeofoi substituído pelo medo do calote. Ele vende quase
Diadema nasceu!:!~G!~d!:ABC: História Retrospectiva da Cidade Vermelha

tudo fiado, como toda a concorrênciano local, para pagamentoquinzenal.


"Teve mês em que recebi apenas20% do que tinha vendido fiado", conta.
As férias coletivas e licenças remuneradassão outro fator de risco - ele
nunca sabequantos dias abrirá asportas no mês.

Políticas Públicas em Crise e a Explosão da Violência

Evidentementeessasituaçãopassoua atingir de modo efetivo aspolíticas


publicas municipais. A crisede empregoe abastecimentofez emergir todos
osproblemassociaisde um município carente.De um lado, a demandapor
atendimento escolare de saúdecresceu,assimcomo os problemasde saúde
pública foram acrescidoscom o desempregoe a fragilidade dos trabalhado-
resatingidos pela escassez.
Iniciou-se assimuma articulaçãoentre os prefeitosde 15 municípios da
região que se reuniram a partir de janeiro de 1999, com vistas a formação
de um Consórcio de Cidades.
Prefeitos dos municípios industriais paulistas,que formaram o Grupo
dos 15 (G-15), reunidos em Diadema, para discutir os efeitos da reforma 39
tributária pretendida pelo governo federal em suasfinanças,temem que a
cobrançado imposto no ato da compra da mercadoria possalevar a uma
reduçãoradical na arrecadaçãodos municípios. '~formação do grupo é um
importante instrumento de pressãoparaque ascidadesque produzem rique-
zasnão sejamprejudicadas",disseo prefeito de Cubatão,Nei Serra(PPB).
Atualmente, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
(ICMS) é recolhido em cada operação,atribuindo um peso de 76% ao
valor adicionado (resultado da diferença apuradaentre a entrada e a saída
dasmercadorias).Com a mudançapropostapelo governofederal,o impos-
to incidirá sobre o consumo. "Esse projeto é uma ameaçaà autonomia
municipal", diz Serra,que defendea distribuição tributária mais justa. "É
necessárioque secrie um fundo de compensação,que equilibre aseventuais
perdasde receitas."

ParaSerra,a propostade reformulaçãotributária da União "vai benefi-


ciar ascidadesque nadaproduzem,só consomem,prejudicandojusta.
mente asprodutoras,que arcamcom todo o ônus da produção"15
Os 15 prefeitosdos municípios mais industrializadosde SãoPaulo, auto-
intitulados de G-15, reunidos em Diadema para apresentarpropostaspara
a discussãoda reforma tributária e o ajustefiscal pretendidos pelo governo
federal,apresentaram o resultadodo encontrona Carta de Diadema.Além de
organizaruma marchaa Brasília,a carta critica aspretensõesdo governo:'~
reformatributária propostapelo governoameaçacausarum colapsona econo-
mia dascidadesdo G-15", disseo prefeitoanfitrião, Gilson Menezes(PSB).
A carta enumera os pontos acordados,tais como elaborar emendasque
impeçam a reduçãodos recursosarrecadadospelosmunicípios ou de restri-
ção de suascompetênciastributárias, lutar pelo aumento dasreceitasmuni-
cipais e desestimulara criaçãode tributos federais.
O G-15 buscou o apoio do Congresso,sendo as principais reivindica-
çõesligadasao Imposto sobreCirculaçãode Mercadoriase Serviços(ICMS).
Para o G-15, o governo pretendia federalizar sua arrecadaçãoe alterar as
regraspara sua cobrança.Atualmente, 75% de sua arrecadaçãoficam no
Estado e o restantevai para os municípios.
Outra preocupaçãodo G-15 é com a possibilidadede a União extinguir
40 o Imposto sobre Serviços
(ISS), incorporando-o ao Im-
posto sobreo Valor Agregado
(IV A). "Isso representaria o
fim dos poucos tributos que
ficam integralmenteno muni-
cípio.O movimento tem a in-
tençãode levar a Brasíliaanti-
gas sugestõesda Associação
Paulistados Municípios, hoje
presidida pelo deputado Cel-
so Giglio (PTB) de Osasco
que afirmou: "O governovem
ajudando todos os Estados e
está na hora de olhar para os
municípios".
O endividamentodosEsta-
dos e municípios e o pacto fe-
Diadema nasceu no Grande ASC: História Retraspectiva da Cidade Vermelha

derativo passaram a ser o centro da pauta política para renegociação de suas


dívidas com a União. Prefeitos de São Paulo e de Minas Gerais prometeram
fazer barulho em dois encontros, chamando a atenção para a situação das
finanças municipais.
Em São Paulo, o G-15, grupo das 15 cidades mais industrializadas do
Estado, realiza, em Guarulhos, nova reunião para discutir a negociação das
dívidas municipais e a reforma tributária. Em Minas Gerais, cerca de 300
prefeitos encontram-se na cidade de Betim, às 9 horas, com a mesma pauta.
As reuniões de Guarulhos e Betim definiram a Marcha à Brasília, prevista
para março. O objetivo foi a formação de um movimento nacional para pres-
sionar o governo a discutir o endividamento dos municípios. O encontro do
G-15 formado por São Paulo, Guarulhos, Osasco,Jundiaí, Sorocaba, Paulínia,
São José dos Campos, Barueri, Cubatão, Campinas, Mauá, Diadema, São
Caetano, São Bernardo do Campo e Santo André, destacou o montante de
R$ 38,3 bilhões de receita tributária. No mesmo período, o retorno do Fun-
do de Participação dos Municípios (FPM) foi de R$ 123,8 milhões.
Além desta iniciativa as sete cidades do ABC recorreram ao estatuto da
Agência de Desenvolvimento Econômico (ADE) do Grande ABC, um pro- 41
jeto semelhante ao que se pretende adotar em Guarulhos. A idéia ganhou o
apoio de setores mais influentes da região e do Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID), que decidiu doar US$ 145 mil. '~mobilização já
melhorou a imagem dessascidades entre os moradores", diz a assessorade
Ação Regional da Prefeitura de Santo André, Nadia Somekh. O diretor-
geral da ADE é o prefeito Celso Daniel (PT).
A agência significou o primeiro acordo proveniente de um consórcio
intermunicipal que agrupa Santo André, São Bernardo do Campo, São
Caetano, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra. A inicia-
tiva surgiu em 1990 para combater problemas comuns, como o lixo. O
grupo pretende estabelecer propostas de desenvolvimento e de estímulo às
pequenas e médias empresas.
A organização não-governamental (ONG) foi instituída com regime de
administração misto. O consórcio das sete cidades tornou-se responsável por
49% do custeio do projeto e a mesma proporção de poder de voto. O restante
foi dividido em cinco segmentosda sociedade:associaçõescomerciais, unidades
do Ciesp, Sebrae, empresas do setor petroquímico e sindicatos.~
Diadema nasceu no Grande ABC: História Retrospectiva da Cidade Vermelha

Essa nova forma de articulação e de gestão permite que outras medidas


de cooperação se interponham ao programa de globalização negativa. As-
sim, em oposição ao processo desagregador que gerou no Brasil, o empresá-
rio sem empresa, donos de contas bancárias milionárias, depois da venda
das ações dos grupos que construíam ou ajudaram a expandir, nem todos
animaram-se a retomar às antigas atividades. A mudança na composição
acionária e a desnacionalização de grandes corporações têm sido argumen-
to para críticas à política econômica do governo. Entretanto, não tem mo-
tivado reclamações por parte daqueles que são vítimas da globalização. Eles
pagam nas grandes lojas de departamento, juros sobre juros na compra de
um simples eletrodoméstico. Este fator que em 1999 aparecia como nor-
mal, coloca-se no início do ano 2001 como uma pista dos desvios econômi-
cos que as grandes fortunas provocaram na economia nacional, a partir de
mecanismos de evasão fiscal.
Quando o então presidente do Banco Central, Gustavo Franco, convidou
investidores estrangeirosa comprar empresasnacionais porque "estavam muito
baratas", os empresários ficaram indignados. A desvalorizaçãodas companhias
42 brasileirasfoi uma das conseqüenciasda política cambial adotada a partir de me-
ados de 1994, quando foi criado o real. Com o câmbio fortalecido, o produto
industrial perdeu competitividade e comprometeu os resultadosda indústria.
A globalização da economia encarregou-se de expor as instituições finan-
ceiras à competição externa. Com uma cultura de prestação de serviços
desatualizada e sem identidade, muitos bancos mudaram de mãos. A maio-
ria foi desnacionalizada; outros sucumbiram ao programa de saneamento
do sistema financeiro, comandado pelo Banco Central. Assim, surgiram
também os banqueiros sem bancos.
Finda a comoção, muitos empresários passaram a rever os conceitos. "O
que antes eram certezas, viraram dúvidas", afirmava o presidente do Conse-
lho Superior de Economia da Federação das Indústrias do Estado de São
Paulo (Fiesp), Boris Tabacof, ao referir-se ao impacto da presença estrangei-
ra nas atividades empresariais.
Tabacof dizia que grande parte do capital trazido com essefim permane-
cia no País, aplicado em outras atividades produtivas. "É um caminho sem
volta", disse. "Não foi dado a nós escolher." Se o Brasil decidir isolar-se, o
capital tomará outro rumo."
Diadema nasceu no Grande ABC: História Retrospectiva da Cidade Vermelha

A troca de comando da Metal Leve, uma das primeiras a ter o capital


desnacionalizado, mobilizou a opinião pública. Conduzida desde os anos
50 pelo empresário José Mindlin - intelectual, bibliófilo, aficcionado por
tecnologia - a Metal Leve sempre foi motivo de orgulho. Avião com moto-
res a combustão, qualquer que fosse a origem ou o local em que estivesse
voando, certamente tinha hélices movidas com pistões Metal Leve - van-
gloriava-se Mindlin.
O sucessono mercado internacional foi uma conquista sua, num perío-
do em que as exportações eram tidas como solução. Abatida pela concor-
rência externa, após anos sucessivos de prejuízo, a Metal Leve acabou nas
mãos do grupo alemão Mahle, justamente aquele que forneceu tecnologia à
empresa nos seus primeiros anos de existência.
Outras importantes empresas no processo de industrialização do País
tiveram igual destino. A Cofap, do empresário Abraham Kasinski, vendida
à italiana Magneti-Marelli, em outubro de 1997, e a Freios Varga, de Celso
Varga, em dezembro de 1997, ao Grupo Lucas Varity. Desses, apenas Celso
Varga manteve atividade industrial. Em meados do ano passado, o Grupo
Varga adquiriu 50% das ações da Kentinha Embalagens, de Diadema, e 43
50% da Lamesa Industrial e Comercial (cabos e condutores), de São João
da Boa Vista.
A abertura do mercado nacional à concorrência estrangeira e a política de
câmbio valorizado atingiram em cheio o setor de brinquedos e a empresa
mais tradicional do ramo - a Estrela. Nessecaso,não houve desnacionalização.
Uma composição levou Carlos Tilkian, um ex-executivo da empresa, ao co-
mando da indústria de brinquedos, até então dirigida por Mario Adler.
Os bancos que mudaram de mãos, a operação que mais chamou atenção
foi a que envolveu a venda do Noroeste ao Banco Santander, da Espanha. As
famílias controladoras do Noroeste, Cochrane e Simonsen, viram a quantia
que deveriam receber pela venda do banco, de US$ 500 milhões, baixar para
US$ 138 milhões, por causa da descoberta de um rombo de US$ 242 mi-
lhões. Essafortuna simplesmente sumiu da filial do banco nas Ilhas Cayman.
O impasse e o constrangimento acabaram sendo contornados pela dis-
posição dos controladores do Noroeste de abater o rombo do valor da ven.,
da da instiuição, presidida por Leo Wallace Cochrane Júnior. Um processo
administrativo foi constituído para a punição dos culpados.
o empresárioAloysio Farias,que vendeu o controle do Banco Real ao
ABN Amro Bank, holandês,não deixou de serbanqueiro. O BancoRealde
Investimentos, com cinco agências,foi excluído da operação.
Tudo indicava que o Bancode Crédito Nacional, o BCN, de PedroCon-
de, seriavendido ao espanholBilbao Vizcaya(BBV). Mas as33.152.989.088
açõesordinárias-nominativasque dividia com a família Grisi, o equivalente
a 93,9641% do capital social, acabaramem poder do Bradesco,por US$ 1
bilhão. A permanênciado BCN em mãosnacionaissurpreendeue contri-
buiu para a manutençãoda liderança do Bradesco.
Muitas idas e vindas prenderam asatençõesde clientes e representantes
do setor financeiro. O BCN era uma instituição saudávele pouca gente
acreditavaque PedroConde venderiade fato a suainstituição. Conde este-
ve envolvido em diversasfusõese aquisiçõesde instituições financeiras.In-
corporou o Itamarati, de Olacyr de Moraes,paraentão transferir o controle
do BCN ao Bradesco
Evidentemente, toda estamobilização financeira não se fazia sem
custos para a estrutura produtiva do país. A instabilidade, os custos do
44 dinheiro, os perigos do mercado internacional e asagitaçõesem contas de
paísesda América Latina e Asia, abalavao setor produtivo e de fato coloca-
va em questãoa crençade que a existênciade empresáriosem empresanão
impactava o setor econômico.
A falta de postosde trabalho fez com que o governopassasse a criar
frentes de trabalho com vistas a minorar a crise social e a ampliação da
violência.O primeiro dia de inscriçõesde desempregados para asfrentes de
trabalho do governo do Estado de SãoPaulo atraiu cercade 40 mil interes-
sados,segundoprojeçãoda Prodesp,com basenasinscriçõesrealizadason-
line (por meio de computadores).Eram esperadas,até o fim de semana,no
máximo 600 mil inscrições,cálculo do público-alvo do programa feito pela
FundaçãoSeade,com basena sua pesquisade empregos.
Apesar do movimento, o trabalho foi tranqüilo tanto nos 13 Postosde
Atendimento ao Trabalhador,que receberamtotal de 1.370 pessoas, quanto
nas2,2 mil escolasde primeiro e segundograusdos39 municípios da Grande
SãoPaulo, também habilitadaspara fazero cadastramentodos interessados.
A decisãodo governadorMário Covas,de deixar inscriçõesabertasdu-
rante sete dias e de descentralizaro atendimento utilizando escolas.além~
Diadema nasceu no Grande ASC: História Retrospectiva da Cidade Vermelha

dospostosde atendimento, mostrou-seeficaz.Os desempregadosnão tive-


ram, em sua maioria, despesascom transporte porque puderam procurar
qualquerescolaestadualpróxima assuascasas.
Destavez,com tempo e variedadede locais de inscrições,apenaso posto
de Diadema recebeunúmero mais expressivode interessados:300 pessoas,
ao longo de oito horas. O segundoposto mais procurado foi o da Avenida
PrestesMaia, que recebeu82 candidatos.
A Secretariado Emprego não registrouocorrênciasimportantes no perí-
odo. Houve problemasem algumasescolas- como dúvidas sobre a forma
de cadastramentoe o perfil exigido dos candidatos- mas nessescasosos
desempregadosreceberamsenhaspara retorno em outros dias.
O programa de frentes de trabalho abrirá 50 mil vagaspara limpeza e
conservaçãodas cidadesdurante seismeses,a partir de julho. Prevêpaga-
mento de R$ 150 por mês, mais cestabásica,seguro-acidentee curso de
qualificaçãoprofissional.
Só pode seinscreverquem estádesempregadohá mais de um ano. Além
disso,o programa estáaberto apenaspara moradoresda região metropoli-
tanahá pelo menosdois anose para maioresde 16 anosde idade. O gover- 45
no estadualvai destinar R$ 120 milhões para as frentes, este ano. Mais
tarde, estudaráformas de ampliar o projeto para cidadesdo interior.
Nos últimos anos,osespecialistasformularam um diagnósticodefinitivo
de que a região do Grande ABC passavapor inexorável processode deca-
dênciaeconômica.Era a Detroit brasileira- referênciaà regiãodos Estados
Unidos que concentrou um terço da produção automobilística daquelepaís
e, com a desconcentraçãoindustrial motivada pela internacionalizaçãoda
economia, entrou em declínio acelerado.Maria Inês Nassif, estudando o
problema afirma:

o ABCnão é Detroit, embora amargue os efeitos sociais de um


processode globalizaçãoque moderniza a produção e, ao mesmo
tempo, desemprega.E não desejaser. Desde 1996, os prefeitos das
sete cidadesda região - Santo André, São Bernardo, São Caetano,
Diadema, Mauá, Ribeirão Pirese Rio Grande da Serra- envolvem-
se num trabalho de planejamento estratégicocomum, inédito no
País,para tornar a região menos vulnerável aos novos paradigmas
econômicosaue Draticamenteentraram no PaísDelassuasDorras.
"Não ficamos imunes à recessãoe, como ela bateu pesadona indús-
tria automobilística, a região ressentiu-semuito", diz o economista
Armando Barrosde Castro, secretário-executivoda Agência Regio-
nal do GrandeABC, o braço operacionalda CâmaraRegional, onde
os prefeitos atuam. "Mas não há decadência econômica: apenas
estamosvivendo um momento profundo de renovação",afirma. "A
regiãosempreantecipou os grandesmovimentos da economia, por
causada concentraçãoforte de indústrias de ponta", observao pre-
sidente de honra do PT, Luiz lnácio Lula da Silva, ex-presidentedo
Sindicato dos Metalúrgicos do ABC.
SegundoCastro,serianatural que a regiãovivesse,de forma maispro-
funda e antecipada,os efeitosperversosda abertura econômicae da
globalizaçãodo País- maisperversosaindasesomadosaosperíodosde
recessão,interrompidospelointerregnode prosperidadedo PlanoReal.
Afinal, segundolembra o diretor de Produçãode Dados da Fundação
Sistema&tadual de Análisede Dados (Seade),Luiz Henrique Proença
Soares,o ABC aindatem umadasmaioresconcentrações industriaisdo
País,abaixoapenasdo município de SãoPaulo.
Dados da Secretariada Fazendaindicam que a regiãomantém prati-
camenteestávelsua participaçãono valor adicionado (VA) total do
46 &tado de SãoPaulo.Em 1980, a participaçãono VA erade 13,94%
do total do &tado; em 1995, de 12,69%. Dessetotal, 84,49% esta-
vam concentradosna indústria em 1980; hoje são 71,51% - o que
indica que, mesmocom o processode desconcentração industrial que
ocorredesdeos anos70, em especialcom a indústria automobilística,
a regiãonão sedesindustrializou.O valor adicionadoda indústria em
relação ao total do &tado era de 26,02% em 1980 e pulou para
30,43% em 1995.16

Desseprocessode crítica e reformulação do processoprodutivo e de


articulação dos processosde gestãomunicipal, aspolíticas públicas passam
a ser modificadase os poderesinter-regionaissedesenvolvem,não mais por
mecanismosde controles federalizados,maspor interessessociaisque pres-
sionam os governosmunicipais para novos rumos da gestãoda coisapúbli-
ca. O artigo de Perla Draghichevich aponta a gênesedesseprocessoe os
caminhos organizacionaisdefinidos na região.
As políticasculturaise a crise econômica

Para o prefeito de Diadema, Gilson Meneses(PSB), também um ex-


dirigente do Sindicato dos Metalúrgicos de SãoBernardo, esteé outro mito
que deveser derrubado. Além dasvantagensestratégicasda região- como
estarpróxima ao principal porto do País,o de Santos,estarperto da capital
e dispor de vastamão-de-obraqualificada- Menesessomaoutra, a "cultura
industrial". A região iniciou seu processode industrialização no início do
século- e essacultura fez dela o local escolhidoparaabrigar asmontadoras,
nosanos 50.

"As vezesasempresassaemdaqui porque ganham árease incentivos


fiscais no interior, mas lá não há compromisso do trabalhador, os
valoressãooutros", diz Meneses,ele próprio neto de operáriositali-
anos e espanhóisque se instalaram na região do ABC e filho de
operário.l?

Maria do Carmo observaque a cúpula sindical do ABC semodernizou


rapidamente, embora os empresários ainda coloquem a questão do
sindicalismocomo um limitador de investimentos.Mas, contraditoriamente, 47

senão fossea força dessemovimento, dificilmente a região seria tão forte


economicamentecomo é hoje e tão atrativa para o setor terciário que che-
ga. "Se o ABC conquistou o poder aquisitivo que tem hoje é porque os
sindicatoslutaram muito". Essepoder fez com que o trabalhador articulas-
secultura e política. Essaarticulaçãoé presenteem muitas formasassociativas
que nasceramcom aslutas pelo direito à memória, onde vários grupos de-
mandaramao poder público apoio e política de defesade grupos religiosos,
musicais,festaspúblicas, escolas,creches,urbanizaçãode favelase mesmo
com todas as dificuldades elegerama questãoambiental como centro de
um açãocoordenadanasváriasregiõesda cidade. Fazparte da nova dimen-
sãoda cultura os esforçosempreendidospela comunidade para resolveros
problemassociaisexistentes.Nabil Bonduki analisaos trabalhossobrepro-
dução habitacional, o casodos mutirões de São Paulo e do programa de
urbanizaçãoem Oiadema, na Grande SãoPaulo. Um trabalho desenvolvi-
do em Santo André, sobrea gestãodo transporte público, estáatualmente
abandonado.Muitos destesprojetos foram mostradospelo Estadonos últi-
mos anos nos fóruns internacionais.
~~ema nasceu~ GrandeABC:HistóriaRetraspectiva
da CidadeVermelha

Bonduki acredita que o trabalho deve ser divulgado para a população


pois poderá ajudar a disseminarasboaspráticasentre os governantesbrasi-
leiros. A idéia de mostrar bons exemplospara a melhoria das cidades.Os
empreendimentos das cooperativashabitacionais estãolocalizadosprinci-
palmente em áreasda RegiãoMetropolitana. O diretor da Embraesp,Luís
Antônio Pompéia, explica que para a construção ser viável do ponto de
vista financeiro, o sistema precisa de grandesterrenos e a preços baixos.
"Isso é difícil encontrar em áreasmais centraisde SãoPaulo."
Um exemplo é a Procasa,uma cooperativa assessorada pelo Inocoop
Bandeirantes que abriu inscrição para 18 empreendimentos na Região
Metropolitana nos últimos três anos.
No ano passadoforam 10, situadosem Guarulhos,SantoAndré, Osasco,
SãoBernardo do Campo e Diadema. As exceçõesforam asinscriçõesaber-
tas nos bairros Pirituba, Tatuapé e Limão.
A consciênciadesseproblema deve-sea um longo processode lutas em-
preendido pela populacão da cidade e que envolveu, além de coragem e
resistência,também o enfrentamento da violência policial os desmandosdo
48 poder público.
Em dezembrode 1990, o cumprimento pela PM de uma ordem de rein-
tegraçãode possena chamadaVila Socialista,um terreno de 28 mil metros
quadradosna periferia de Diadema, transformou-senuma operaçãode guer-
ra. Recebidospelos invasoresa pedradase coquetéismolotov, os policiais
responderamà bala. A batalha durou cercade uma hora: 2 pessoasmorre-
ram e 55 ficaram feridas.
A construçãode algumascasasde alvenariatransformou o cenário de um
dos mais violentos confrontos entre policiais e sem-teto.Na áreade 240 mil
metros quadrados,no km 21 da Rodovia dos Imigrantes, em Diadema, não
há mais nada que lembre o sofrimento dos feridos. Nem a morte de dois
homens. Quase seteanos se passaram.Hoje, no Dia Nacional da Ocupa-
ção, os invasoresda Vila Socialistatêm o que comemorar.Ap6s muita luta,
vivem em apartamentosde 49 metros quadradosda Companhia de Desen-
volvimento Habitacional Urbano (CDHU).
Na época, Benício foi com a mulher Maria de Lurdes, grávida de dois
meses,para um alojamento. Permaneceulá por mais de três anos. Depois,
conseguiu um apartamento da CDHU, na Vila Conceição,onde mora há
três anos. Cerca de 80% dos 544 apartamentosdali são ocupadospor ex.
invasoresda Vila Socialista.

Ele não pôde maistrabalharcomo pedreiro.Estádesempregadodesde


o conflito e vive com ajuda de amigos e parentes..
A vida de João Coelho de Macedo, de 37 anos, também mudou
depoisdo conflito na Vila Socialista.Como a maioria dos invasores,
trocou o aluguel e a ameaçade despejopelo sonho da casaprópria.
Construiu uma casade alvenaria no terreno de propriedade parti-
cular. De tudo que conquistou na época, só ficou com a marca de
bala no pé direito durante confronto com a PM. "Não consegui
levar nada e tive de começardo zero."

o trabalho de fotógrafo ficou comprometido, já que Macedo andava


com dificuldade. "Virei motorista porque não precisavafazer tanta força
com o pé." Ele foi pedir ajuda para assistênciasocial da Prefeitura de
Diadema."Não conseguinada." Diante de tantos problemas,o casamento
de Macedo acabou.
Por pouco não ficou sem o apartamento, já que estavadesquitado e o
programasó atende famílias. "Fiquei desesperado",conta. "Pensava:quase 49
morri e não terei nada?"Hoje, Macedo achaque a luta valeu a pena. "Sofri
muito, masvaleu", diz.
Apesardasmortes e de tanto sofrimento, os invasorescomemoram todo
ano no dia da reintegraçãode posse."Este ano vamos encenar uma peça
sobrea nossahistórià', diz a primeira-secretáriada Associaçãodos Morado-
resda Vila Socialista,Dolores Helena de Araújo, de 40 anos. "A palavra é
comemoraçãomesmo", afirma. "Somos vencedores."
Helena, como o líder da invasão,o ex-vereadorManoel Boni, continu-
am a favor dasocupaçõesde terra. "É uma necessidadehistórica continuar
lutando", diz. Boni perdeu a mão direita e o tímpano direito no confronto.
Ficou presopor quatro mesespor incitação à violência e desacatoà autori-
dade.Trabalhou em horta e bancade jornal. Hoje, atua no sindicato oficial
de ensino do Estado (Apeoesp)e continua assentandofamílias pelo Movi-
mento Independente pela Terra. "Essesconfrontos são manifestaçõesins-
tintivas e acontecempor causada falta de habitação", diz. "Nesseponto de
vista, a Fazendada Juta e a Vila Socialistasãoiguais."
Diadema nasceu no Grande ABC: História Retrospectivo do Cidade Vermelho

Trinta e dois processosforam abertos contra o Estado. Todos pedem


indenizaçõespor danos materiais. "Botaram fogo no local e ficamos sem
nadà', conta Helena. '~gora, o juiz quer nota fiscaldascoisasque tínhamos
nos barracos",diz. "É brincadeira... como vamosconseguirisso,sena épo-
ca, só saímoscom a roupa do corpo?"
Os problemasde moradia, entretanto, não desapareceram: há um amplo
movimento de sem-teto atuando como pode-se ler nas notícias abaixo,
publicadasno jornal O Estadode SãoPaulo,em 23 de fevereirode 1999.

o cumprimento do mandadode reintegraçãode possede um terreno


no Jardim Arco-fris, em Diadema, ontem de manhã, resultou em
confronto entre invasorese a Tropa de Choque da Polícia Militar.
Inconformadoscom a açãoda PM, os ocupantesda áreabloquearam
asduaspistasda Rodoviados Imigrantes,ao lado do terreno.A estra-
da ficou fechadadas 11h40 às 14h10, na altura do km 19, causando
quase5 quilômetros de congestionamentosem cadaum dos sentidos.
Os policiais, recebidosa pedradaspelos invasores,revidaram com
bombasde gáslacrimogêneo.Segundocolegas,dois moradoresteri-
am sofrido ferimentos no confronto. O PM Cristian de Jesus,de 23
50 anos, recebeuuma pedradano braço e também ficou ferido.
O estudanteAndré Almeida Santana,de 18 anos,o ajudante de pro-
dução Gilmar SanchesOliveira, de 25, e o comerciante Francisco
Carneiro Nobre, de 28, foram presosem flagrante. Os três foram
acusadosde incitação ao crime e lesãocorporal dolosa (intencional).
Um garoto de 14 anosfoi detido, acusadode ter atirado uma pedra
no helicóptero Aguia da PM, do alto da passarelaque passasobre a
Imigrantes.
Segundoa PM, um motorista que passavapela rodovia teria ficado
ferido por uma pedrada.A informação não foi confirmada pela Po-
lícia Rodoviária Estadual. 18

As lutas exigiram também um aumento da pressãopor escolaridade,uma


vez que asreuniõese discussõesestimulavamos moradoresa novasdeman-
dasculturais. Joel Fonseca,o coordenadordo Movimento de Alfabetização
de Jovense Adultos do Grande ABC (Mova) - nome dado à iniciativa da
Câmara Regional do GrandeABC, que reúne asseteprefeiturasda região.
"Temos divergênciaspolíticas, mas todos querem combater o analfabetis-
mo", afirma o prefeito de Mauá, Oswaldo Dias (PT).
o superintendente do Banco do Brasil em São Bernardo do Campo,
Marcos Rampazo,também disseque vai apoiar a iniciativa, com a doação
de canetas,papel e lápis - a primeira remessa,segundoele, deveser distri-
buída em 15 dias. Além disso,já sevoluntariou para ser um monitor ou
educadorpopular, nome dado aosalfabetizadores.

"Sou o primeiro da filà', disse,garantindo que os cercade 600 fun-


cionários do banco nas 20 agênciasda região serãocandidatos po-
tenciais a monitores. "Nossos gerentestambém vão fazer contatos
com os clientes em buscade salas."

As aulas são ministradas nos mais diversos locais, incluindo bares, igrejas,
clubes, creches,sacolõese até na Cadeia Pública de Diadema, onde 51 detentos
freqüentam as sessões,que têm outros detentos com educadores. Segundo
Fonseca,cerca de 260 mil pessoasna região são analfabetas funcionais (sabem
apenasassinar o nome) ou têm baixa escolaridade. "Para atender às exigências
do mercado de trabalho, é preciso ler e escrever bem", observa ele.
Hoje 5.316 adultos assistem às aulas em 291 salas, ou núcleos, como são
chamadas. Das sete cidades da região - Santo André, São Bernardo do
51
Campo, São Caetano do Sul, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande
da Serra-, apenasSãoCaetanodo Sul não estáintegrada ao programa. O
objetivo para este ano é triplicar o número de alunos, atingindo 15 mil
pessoasem 750 salas.

Parasereducadordo Mova, é preciso ter concluído pelo menos a 8a


série.Cadamonitor recebeuma bolsa-auxílio,quevaria de R$ 100,00
a R$ 200,00, pagospelasprefeituras, que ficam responsáveistam-
bém pela preparaçãodos candidatos. O curso dura um semestre.19

Criado em 1995, em Diadema, o Mova é um projeto ambicioso: reúne


asprefeiturasde seiscidades,empresas,sindicatose associações de morado-
res com o objetivo de erradicar o analfabetismo na região. As aulas são
ministradas em igrejas,bares,clubese até na Cadeia Pública de Diadema.
Além dele, há movimentos de danças,de músicas,de artesplásticas
que serãotratados nestelivro por Maurício Cardoso.
Mosaico de povose de lutas sociaisa cidadede Diadema é hoje compos-
ta por perspectivasde muitos temposhistóricos. Distante dos interessesdos
autonomistasaue oroduziram um movimento para suaseparaçãode Santo
Diadema nasceu no Grande ABC: História Retrospectiva da Cidade Vermelha

André, a cidadeconta com a força dos movimentos sociaisexigindo sempre


novasformas de articulaçãoentre a autonomia da cultura local e asmoder-
nas políticas sociaisde inclusão.
Estes problemas do presentenos obrigam a buscar os nexos e as suas
origens no passadopara que atravésda relaçãopresente/passado/presente,
possamoscaminhar na construçãode um devir que supereos impassesatu-
ais. O conhecimento desta hist6ria nos leva necessariamentea um novo
modo de viver e transformar o cotidiano.

Notas
1 Elza Gomes Braga,depoimento colhido por Mary FerreiraLopes em 30-
03-1995 Salada SECEL - Diadema.
2Alaídesdos SantosGimenes,depoimento para Maria de Lourdes Ferreira,
01-04-1997- Centro de Memória de Diadema.
3 Folha de SãoPaulo, 21-06-1996. Matéria de Liliana Pinheiro
4 Folha de SãoPaulo -16-08-1996.

S2
5Idem, ibidem -16-09-1996.
6 Idem, idem, ibidem.
7 Idem, ibidem 23-09-1996.
8 Idem, idem, ibidem.
9Folha de SãoPaulo 23-09-97.
10 O Estadode SãoPaulo. 23-04-1997.
11 Idem, idem,ibidem.
12 O Estadode SãoPaulo. 25-07-1997.
13O Estadode SãoPaulo. 12-02-1998.
14Folha de SãoPaulo, 13-02-1998.
15Folha de SãoPaulo, 20 de janeiro de 1999.
16Folha de SãoPaulo, 26-09-1999.
17AgenciaEstado10-11-1999.
18Idem, ibidem.
19Idem, idem, ibidem.

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