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TRIBUNAL MARÍTIMO

AR/NCF PROCESSO Nº 28.876/14


ACÓRDÃO

Escuna “MONTE SANTO III”. Colisão contra rochas submersas. Mudança


brusca do tempo durante a viagem que obrigou o condutor a procurar águas
abrigadas. Acidente resultante de força maior. Falta do provimento de cartas
náuticas para a escuna por seu armador que não contribuiu para o acidente
mas caracterizou infração ao RLESTA. Arquivamento.

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos.


Tratam os autos da colisão entre uma escuna contra rochas submersas,
ocorrida em 13 de outubro de 2013, por volta do meio dia, causando danos materiais
apenas.
A embarcação envolvida foi a escuna “MONTE SANTO III”, inscrita em
Vitória (ES) sob a propriedade de Roberto Barreto de Oliveira, com 23,6m de
comprimento, 6,5m de boca e 45,9 AB, construída em madeira, classificada para
atividade de transporte de passageiros em área de navegação interior.
Segundo se apurou no dia 13 de outubro de 2013, por volta das 12h, durante
um passeio com turistas nas proximidades do Condomínio Aldeia da Praia, em
Guarapari, ES, houve uma mudança brusca no estado do tempo, com chuva e ventos
fortes e baixa visibilidade. De acordo com relatos dos tripulantes, quando largaram o mar
estava em boas condições para navegação e boa visibilidade. O comandante resolveu
então aproar para uma das praias do referido condomínio e no percurso chocaram com
pedras submersas. A escuna prosseguiu a navegação e fundeou a alguns metros da praia e
os passageiros desembarcaram em total segurança para um veículo da operadora que os
esperava. Apurou-se depois que o choque causou trincas no madeirame do fundo da
embarcação que já havia sido reparado quando do encerramento do inquérito.
Durante o inquérito foram ouvidas quatro testemunhas, que descreveram o
acidente como acima narrado.
Os peritos atribuíram como causa determinante do acidente um erro de
manobra executado pelo comandante, pois não teria considerado os perigos à navegação
existente naquela área, mormente por estar navegando com baixa visibilidade.
Acrescentaram, ainda, que teria havido uma falta de cuidado com a navegação ao se
aproximar da área delimitada na carta náutica por linha de perigo e com presença de
rochas submersas e perigosa para a navegação e com profundidade desconhecida.
Com base no depoimento das testemunhas e no laudo de exame pericial o
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encarregado do inquérito concluiu que a causa determinante do acidente da navegação foi
a atuação imprudente do mestre da embarcação, Sr. Carlos Norbin Neves e do
proprietário da escuna, Sr. Roberto Barreto de Oliveira, pois do depoimento do mestre se
apurou que a bordo não haveria cartas náuticas.
O mestre da escuna, Sr. Carlos Norbin Neves e seu proprietáiro, Sr. Roberto
Barreto de Oliveira, foram notificados do resultado do inquérito (fls. 90 e v / 91 e v) e
apresentaram defesas prévias nas quais pedem o arquivamento dos autos diante da total
ausência de culpa, eis que o evento teria decorrido de força maior.
Os autos foram remetidos ao Tribunal Marítimo que os encaminhou à PEM,
que ofereceu Representação em face de Carlos Norbin Neves (mestre da escuna) e de
Roberto Barreto de Oliveira (proprietário da escuna), com fulcro nos artigos 14, alínea
“a”, da Lei nº 2.180/54.
Depois de resumir os principais fatos narrados no inquérito, a PEM concluiu
que o Sr. Carlos Norbin Neves teria incorrido em erro de navegação ao navegar em área
demarcada com linha de perigo e com presença de rochas submersas assinaladas na carta
náutica como perigosas à navegação, mormente em condições de baixa visibilidade, uma
vez que não se encontravam disponíveis a bordo as cartas náuticas relativas ao local da
manobra. Disse a PEM também que o Sr. Roberto Barreto de Oliveira deve ser
responsabilizado solidariamente por ter permitido que sua escuna navegasse desprovida
de cartas náuticas. Pediu sua condenação nas penas da Lei e ao pagamento das custas
processuais.
A representação foi recebida na Sessão Ordinária do dia 09 de outubro de
2014, os representados foram citados pela via postal e apresentaram contestação
tempestiva por meio de advogados próprios devidamente constituídos.
A defesa do primeiro representado nega ter agido em desconformidade com
as regras de navegação e afirma que a todo tempo buscou resguardar a vida daqueles que
estavam a bordo sob sua responsabilidade. Afirma, ademais, que não errou na manobra,
mas que uma chuva forte e repentina acompanhada de um vento “descomunal” teria
provocado o acidente. Descreve o dia do acidente como um dia normal, em que ele teria
conduzido a escuna pelo mesmo caminho utilizado por todas as embarcações de recreio
da região e que em virtude do mau tempo teria levado a escuna para próximo da costa em
busca de abrigo, onde colidiu com uma pedra. Disse ter alterado o rumo para dentro da
área do condomínio Aldeia da Praia, em Guarapari, com a finalidade de evitar enfrentar o
mar que atingiria a embarcação por seu través e colocaria todos em risco, tendo com tal
atitude recebido elogios de seus passageiros. Salientou que o choque não resultou em
danos à embarcação nem ferimentos a qualquer pessoa. Analisou, em seguida, a situação

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sob a luz da Lei nº 7.203/84, que trata de assistência e salvamento e, por fim, pediu para
ser exculpado, pois o evento seria resultado de força maior. Juntou a cópia da declaração
do Sr. Roberto Lúcio Machado, mestre da Escuna “INDIANA” na qual ele afirma que
navegava na mesma rota da Escuna “MONTE SANTO III” naquele dia e que foram
surpreendidos pela mudança brusca do tempo, tendo ele conseguido se abrigar na enseada
da Praia da Cerca, mas como a “MONTE SANTO III” já tinha ultrapassado a entrada
desse ponto de abrigo, seguiu e entrou pela enseada da Aldeia da Praia. Declarou, ainda,
que não buscar abrigo naquele momento seria um grande risco e que depois da
tempestade se aproximou da escuna para oferecer ajuda e foi informado que estava tudo
sob controle.
O segundo representado em sua defesa assevera o princípio da
insiginificância, ante o fato de que do acidente não ter resultado em dano de qualquer
natureza e ressalta também que, embora não estivesse a bordo, a prova colhida durante o
inquérito demonstrou que o evento se deu por força maior, ante a mudança brusca do
tempo, que acarretou baixa visibilidade em razão da chuva e do vento forte e o mestre
demonstrou cautela ao se aproximar da costa e desembarcar os passageiros em segurança,
ação que era mais apropriada que seguir viagem. Afirma que a bordo havia a Carta
Náutica apropriada e que o condutor era experiente e sabia por onde estava navegando.
Assim, por ter sido o acidente resultado de uma mudança brusca do tempo e por não ter
causado dano algum, pede para ser exculpado. Juntou cópia de sua identidade, do TIE da
embarcação e de uma folha do Rol de Equipagem.
As duas contestações foram protocoladas desacompanhadas das procurações
passadas aos advogados que firmaram as peças. Esses profissionais foram intimados para
regularizar a representação e somente o patrono do mestre da escuna, Sr. Carlos Norbin
Neves, primeiro representado, juntou a procuração. O segundo representado foi intimado
pessoalmente para regularizar a representação ante a inércia do advogado, mas também
se manteve inerte, tendo sido sua contestação considerada inexistente e ele revel, situação
da qual foi notificado na forma do Regimento Interno da Corte.
Aberta a instrução somente a PEM se manifestou e disse que não pretendia
produzir provas e em alegações finais, igualmente, somente a PEM se manifestou,
reiterando os termos da inicial.
É o relatório.
Decide-se:
A acusação que pesa sobre o primeiro representado, mestre da embarcação, é
a de ter causado o acidente ao errar e navegar por área demarcada por linha de perigo na
carta náutica, sobretudo em condições de baixa visibilidade. O segundo representado,

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proprietário da embarcação, foi acusado de causar o acidente ao não fornecer cartas
náuticas ao mestre.
A defesa do primeiro representado apresentou a excludente da força maior,
afirmando que durante a navegação foram surpreendidos por brusca mudança do tempo,
que o levou a se abrigar em águas rasas, que o choque com pedras não causou dano
algum e que sua atitude, ao contrário de trazer riscos, teria trazido alívio aos passageiros
que o elogiaram.
O segundo representado apresentou contestação desacompanhada, porém, de
procuração e mesmo intimado pessoalmente para regularizar a representação do
advogado que assinava a peça, manteve-se inerte, sendo considerada inexistente a
contestação e o representado revel. Desse modo, os fatos alegados contra ele na inicial
ficaram incontroversos.
Deve ser acatada a defesa do primeiro representado e considerar que sua
navegação por área repleta de obstáculos sem o auxílio de uma carta náutica deveu-se à
mudança brusca do tempo e, assim, o acidente teria estreita relação com um evento de
força maior. O primeiro representado somente buscou abrigo do mau tempo, conforme
teriam confirmado as testemunhas ouvidas durante o inquérito e também a declaração do
mestre de outra escuna que passara pela mesma situação. A falta de uma carta náutica
nesse caso fica ofuscada pela excludente da força maior.
O segundo representado por sua vez, embora revel, não pode tampouco ser
responsabilizado por não ter fornecido a carta náutica a seu mestre, pois não foi essa
falha a causa do acidente, conforme dito linhas acima. A falta de provimento desse
equipamento de navegação fundamental à segurança da navegação, porém, é motivo de
reprimenda da Autoridade Marítima por ferir as normas de navegação, ainda que não
tenha relação de causa e efeito com esse acidente especificamente.
Assim, o acidente da navegação que nesses autos se caracterizou pela colisão
de uma escuna com pedras submersas e causou danos materiais de pequena monta na
escuna, teve por causa determinante a necessidade da busca por águas abrigadas por parte
do mestre durante uma mudança brusca do tempo, caracterizando a excludente de
culpabilidade da força maior, devendo a representação ser julgada improcedente. Deve-
se, porém, oficiar a Agente Local da Autoridade Marítima para que possa aplicar as
sanções pertinentes ao proprietário da embarcação, por não prover a embarcação com
cartas náuticas, infringindo normas de tráfego.
Assim, acordam os Juízes do Tribunal Marítimo por unanimidade: a) quanto
à natureza e extensão do acidente da navegação: colisão de escuna com pedras submersas
com danos materiais de pequena monta na embarcação, sem danos a pessoas ou poluição;

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b) quanto à causa determinante: mudança de rumo da escuna em busca de águas
abrigadas durante mudança brusca do tempo; c) decisão: julgar o acidente da navegação
constante do art. 14, alínea “a”, como decorrente de força maior, exculpando Carlos
Norbin Neves e Roberto Barreto de Oliveira, mandando arquivar os autos; e d) medidas
preventivas e de segurança: oficiar a Capitania dos Portos do Espírito Santo, Agente
Local da Autoridade Marítima, para, nos termos do art. 33, parágrafo único, da Lei nº
9.537/97 (LESTA), possa aplicar as sanções administrativas cabíveis ao proprietário da
Escuna “MONTE SANTO III”, por ter deixado de prover a embarcação de cartas
náuticas.
Publique-se. Comunique-se. Registre-se.
Rio de Janeiro, RJ, em 11 de outubro de 2017.

NELSON CAVALCANTE E SILVA FILHO


Juiz Relator

Cumpra-se o Acórdão, após o Trânsito em julgado.


Rio de Janeiro, RJ, em 20 de fevereiro de 2018.

MARCOS NUNES DE MIRANDA


Vice-Almirante (RM1)
Juiz-Presidente
PEDRO COSTA MENEZES JUNIOR
Primeiro-Tenente (T)
Diretor da Divisão Judiciária
AUTENTICADO DIGITALMENTE

COMANDO DA MARINHA 5/5


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SERPROACF, cn=COMANDO DA MARINHA
2018.03.14 10:42:01 -03'00'

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