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24/02/2018 30Giorni |  A grande Alemanha, um sonho esotérico (de Paolo Mattei)

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A grande Alemanha, um sonho esotérico
Entrevista com Giorgio Galli a respeito das raízes ocultistas do nazismo, que estão entre as
fontes da idéia de que o “espaço vital” do Terceiro Reich deveria chegar até os Urais. Um
aspecto pouco estudado pelos historiadores, do qual se voltou a falar depois da queda do muro
de Berlim

de Paolo Mattei

O professor Giorgio Galli não se considera apto a avaliar o
esoterismo “por dentro”. Mas é um reconhecido estudioso do
tema. A posição que assume, em suas palavras, “é a de um
historiador e politólogo que considera que a cultura esotérica se
entrelaça com a historiografia e as ciências políticas mais do que
essas disciplinas consideraram até hoje”.
Foi também com esse posicionamento que estudou a história do
Terceiro Reich, publicando o resultado de seu trabalho num livro
de 1989 que se tornou famoso: Hitler e il nazismo magico. Le
componenti esoteriche del Reich millenario (Milão, Rizzoli).
Galli enxerga coincidências significativas no ano de 1989: é o
centenário do nascimento de Hitler, mas também o bicentenário
da Revolução Francesa. Como explica no prefácio à segunda
edição do livro, “esse ano de 1989 entraria para a história graças
à revolução no Leste: exatamente um século depois do
nascimento do Führer, caía o muro de Berlim, premissa de uma
Alemanha novamente unida, potência hegemônica na Europa”.
Depois de quinze anos e de tantos fatos, depois da tragédia de 11
de setembro de 2001, estopim para guerras que continuam até No alto, um cartaz das SS (Schutz­
hoje, a história de violência e morte da qual Hitler e o nazismo Staffeln, “Esquadrões de Proteção”), com a
foram protagonistas continua a suscitar perguntas inquietantes, e a estilização rúnica da sigla. Os símbolos
impor­se como parâmetro para medir a violência e a morte que rúnicos foram estudados por Guido von
List, um esoterista que foi referência para
todos os dias se espalham pelos lugares do mundo martirizados Adolf Hitler (embaixo) nos anos de sua
pelos conflitos. O possível subs trato ocultista, mágico e esotérico formação intelectual
do nazismo desperta o interesse de muita gente. A televisão tratou
do tema várias vezes, e neste último ano ao menos dois livros
tiveram razoável difusão na Itália de Giorgio Galli (Marco Dolcetta, Nazionalsocialismo esoterico, Roma, Cooper
Castelvecchi, 2003; Mel Gordon, Il mago di Hitler. Eric Jan Hanussen: un ebreo alla corte del Führer, Milão,
Mondadori, 2004).
Dirigimos algumas perguntas ao historiador, autor, entre outros ensaios sobre esoterismo e política, de La politica e
i maghi (Milão, Rizzoli, 1995), Politica ed esoterismo alle soglie del 2000 (Milão, Rizzoli, 1992) e Appunti sulla
new age (Milão, 2003), obra na qual analisa esse movimento cultural a partir também de documentos pontifícios.

Em seu ensaio sobre o Nazismo mágico, o senhor identifica uma “ponte esotérica” entre a Inglaterra e a
Alema nha, entre teorias e sociedades esotéricas e ocultistas presentes nas duas nações na passagem do
século XIX para o XX. Essa ponte chegaria até os fundadores do nazismo. Como seria isso? 
GIORGIO GALLI: Entre o final do século XIX e o início do século XX, as tradições esotéricas ganharam novo
vigor tanto na Alemanha quanto na Inglaterra. Efetivamente, uma “ponte esotérica” entre os dois Estados, a ponte
da Ordem Rosa­cruz, remonta já ao século XVII, inserida no quadro de uma cultura ocultista que não foi estranha
à Guerra dos Trinta Anos, que devastou a Alemanha. Nas últimas décadas do século XIX, as relações entre os
grupos esotéricos ingleses e alemães recobram sua força, e estabelecem­se laços estreitos entre pessoas influentes ­
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baseados numa concepção “mágica” da realidade ­, laços que se transmitem por algumas gerações. Há também
elementos inquietantes nessa reconstituição. Um deles consiste na chamada “magia sexual”, ou seja, a conquista de
poderes “especiais” derivados de práticas sexuais: em 1888, ano seguinte ao da fundação da Hermetic Order of the
Golden Dawn, Londres foi agitada por uma série de crimes sexuais, cometidos por Jack, o estripador. O mistério a
respeito dele dura até hoje. Alguns personagens e algumas relações marcam significativamente essa reimersão da
cultura esotérica na Europa, como o encontro, em Londres, entre o ocultista francês Eliphas Levi, pseudônimo
bíblico de Alphonse­Louis Constant, um ex­seminarista que depois se tornou revolucionário em Paris em 1848, e
Edward Bulwer­Lytton, que teria um papel crucial no desenvolvimento da sociedade Rosa­cruz na hermética
Golden Dawn. Depois de várias peripécias, entre atividades políticas e ocultistas, Levi escreveria um livro, A raça
vindoura: nele, o autor fala do “Vril”, a forma de energia que viria a dar o nome a uma sociedade que, ao lado da
atividade do fundador do Instituto de Geopolítica de Berlim, Karl Haushofer, forneceria uma contribuição
fundamental para a elaboração da ideologia nazista, no que diz respeito à idéia de raça ariana e de “espaço vital”, o
Lebensrau m.
Qual é o precedente cultural e quais são as teorias comuns a esses grupos? 
GALLI: Em primeiro lugar, uma concepção segundo a qual a história que conhecemos é apenas uma parte da
história da humanidade. Só algumas elites de iniciados conhecem “toda” a história. A história antiqüíssima de
civilizações puras e incorruptas. Esse saber e esses conhecimentos, dos quais é possível haurir mediante práticas e
ritos ocultistas, transmitem um poder particular aos iniciados, que devem desempenhar também um papel político
para administrar o futuro de uma humanidade decaída cujos dotes e características perdidos com o tempo é preciso
restituir. Os componentes dessa sociedade se consideram depositários de uma antiga sabedoria primordial, que se
manifesta muitas vezes em ritos particulares. Um fato interessante é que alguns adeptos de grupos esotéricos
ocupam funções também nos serviços secretos de seus países. Um personagem chave, nesse sentido, é o alemão
Theodor Reuss, da sociedade ocultista Ordo Templi Orientis, mestre do inglês Aleister Crowley. Crowley, também
mestre do ocultismo e ao mesmo tempo agente do serviço secreto inglês, no final do século XIX adere à célebre
Golden Dawn ­ uma derivação, como eu já disse, da Sociedade Rosa­cruz ­ e depois funda uma seção inglesa da
Ordo Templi Orientis. A Golden Dawn, por sua vez, está ligada a associações alemãs conectadas à doutrina
secreta da russa madame Elena Blavatskij ­ fundadora da Sociedade Teosófica, em Nova York, em 1875 ­ e à
antroposofia de Rudolph Steiner. 
Mas a história de Hitler e do nazismo se desenvolve depois desses episódios...
GALLI: Minha hipótese é de que essa “ponte”, que, como expliquei, unia a cultura esotérica, as ordens herméticas
e os serviços secretos ingleses e alemães entre os séculos XIX e XX, tenha continuado a existir também no período
imediatamente posterior, de modo tal que a formação intelectual de Hitler e de parte do grupo dirigente nazista se
dá nesse tipo de cultura ocultista. Reuni dados que me permitem dizer também que esse grupo, que chegou à cúpula
do Terceiro Reich, discute em seu âmbito como pôr em prática uma estratégia derivada daquela cultura, ou seja, a
reconquista da “sabedoria ariana”. Da mesma forma, tenho condições de afirmar que a decisão de Hitler de entrar
em guerra, convicto de que a Inglaterra não interviria, possa ser compreendida na ótica daquela cultura esotérica, a
respeito da qual ambientes na cúpula da vida política inglesa estavam também informados. Toda a história do
nazismo, a meu ver, deve ser lida levando em conta esse fator também. 
De que forma Hitler entrou em contato com as experiências
esotéricas? Quem foram seus mentores? 
GALLI: O ponto de referência i nicial pode ser a revista Ostara,
da qual Hitler foi leitor assíduo, nos anos que passou em Viena. A
publicação ­ que leva o nome de uma antiga deusa germânica da
primavera, denotando, portanto, a ligação com a tradição nórdica
e com as velhas divindades pagãs anteriores à difusão do
cristianismo na Alemanha ­ foi fundada em 1905 por um ex­frade,
Jörg Lanz von Liebenfels, que, entre outras coisas, instituiu uma
sede em Werfenstein, o “Castelo da Ordem”, onde
provavelmente, com o apoio financeiro de industriais, começou a
No alto, Hitler reconstitui o Partido
Nacional­Socialista (cassado depois do patrocinar uma organização baseado na teoria da superioridade
putsch de 1923), em Munique, no ano de da raça ariana. Outro ponto de referência para a formação
1925; o primeiro, a partir da esquerda, é esotérica do futuro Führer é Rudolf von Sebottendorff, estudioso
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Alfred Rosenberg; o primeiro, a partir da da cabala, de textos alquímicos e rosa­crucianos e das práticas
direita, é Heinrich Himmler, chefe das SS ocultistas dos dervixes, e promotor, em Munique, no ano de
desde 1929, idealizador e organizador dos
campos de extermínio; embaixo, o 1918, da Thule Gesellschaft, associação derivada da
ocultista Aleister Crowley, agente do Germanorden, uma sociedade que nasceu nos primeiros anos da
serviço secreto inglês e membro da Golden década de 1910, fortemente caracterizada por elementos de anti­
Dawn semitismo e racismo. Ao redor da Thule gravitaram Hitler, Rudolf
Hess, Karl Haushofer e Hans Frank, o futuro governador­geral da
Polônia. Era uma associação na qual dominavam a cultura ocultista e as doutrinas secretas amadurecidas nas
décadas anteriores. A Thule ­ a mítica Atlântida, pátria dos hiperbóreos ­ foi, portanto, a matriz do grupo de
intelectuais que está na origem do nazismo. Von Sebottendorff, além disso, publicou um livro em 1933, Antes que
Hitler chegasse, no qual, desejando reacender o debate em torno das origens esotéricas do nazismo, conta ter sido
o mestre ocultista do Führer. Mas aquele grupo de intelectuais, então já no poder, decidira havia tempo que era
conveniente manter ocultos os elementos esotéricos e ocultistas a que fazia referência, para pôr em primeiro plano a
organização política. Hitler, no ano da publicação do livro de Von Sebottendorff, já era chanceler do Reich. O
ensaio, por isso, foi retirado das livrarias.
Quais são as características fundamentais do grupo esotérico a que Hitler faz referência? 
GALLI: É preciso dizer como premissa que uma das dificuldades quando se trabalha neste campo é o fato de que a
historiografia oficial, a historiografia acadêmica, ocupa­se pouco dessas coisas. O trabalho sobre o setor da cultura
esotérica é deixado às vezes a estudiosos minoritários ou até a personagens muito extravagantes, que de qualquer
forma elaboram freqüentemente pesquisas marginais. O fato de a historiografia oficial não se empenhar nessa
direção torna mais difícil o encontro de documentos seguros. Estou convencido de que, se houvesse mais interesse,
alguma coisa se encontraria. Mas respondo a sua pergunta. Mencionei civilizações e patrimônios sapienciais
antiquíssimos ­ a Atlântida é a referência mais importante ­, um componente cultural baseado na história fantástica,
na geografia fantástica, na cosmogonia fantástica e nas leis ocultas que as guiaram. Hitler considera que as razões
fundamentais de sua ação política se encontram nesse passado distante, numa sabedoria mágica que deve ser
recuperada e na qual está o instrumento para forjar o futuro luminoso. O grupo de intelectuais da Thule, que na
década de 1920 decide transformar a seita ocultista em partido político de massas, crê convictamente nessas
coisas. Existem, portanto, duas dinâmicas: a profunda convicção dos iniciados que trabalham nesses grupos e, ao
mesmo tempo, uma certa influência que eles, por motivações amplamente aprofundadas pelos estudiosos, exercem
em alguns momentos históricos sobre os movimentos políticos. Hitler, Himmler, Hess, Rosenberg, Frank: eles se
consideram os herdeiros de uma sabedoria antiga que lhes permitirá serem construtores de uma nova civilização.
Deve­se dizer que até um historiador muito admirado e “tradicional” identificou e valorizou alguns desses filões
esotéricos: foi George Mosse, que, nas Origens culturais do Terceiro Reich, aponta explicitamente para o
esoterista Guido von List e sua simbologia rúnica como um dos pontos de referência de Hitler. Das runas estudadas
por Von List provém a sigla das SS, as milícias que Himmler utilizará para pôr em prática seus projetos elaborados
no âmbito da cultura ocultista.
Hitler é descrito muitas vezes como um homem ignorante,
um homem sem qualidades. Como consegue se impor no
grupo esotérico do qual faz parte? No alto, Adolf Hitler com Rudolf Hess
GALLI: A tendência muito difundida a designá­lo como um numa foto de 1939; embaixo, militares
ignorante caracteriza também o trabalho de Joachim Fest, o ingleses removem os restos do aeroplano
com o qual, em maio de 1941, Hess voou
biógrafo do Führer, que foi consultor deste último filme sobre à Grã­Bretanha para tentar um acordo
Hitler que saiu na Alemanha, Der Untergang (A queda). Fest pouco antes da invasão alemã à Rússia
compôs uma excelente biografia de Hitler, mas tende a
representá­lo como um líder de batalhão e homem de poucas
leituras, limitadas a opúsculos de propaganda anti­semita. Isso
não é exato. Hitler leu Nietzsche e Schopenauer. Ele se destaca
no grupo de Rosenberg, Hess, Himmler e Frank porque possui
duas características que podem até prescindir da cultura esotérica.
É um orador extremamente eficaz e um hábil organizador. Talvez
tenha aprendido com o mago Hanussen a primeira característica,
a forma quase hipnótica de se comunicar com os ouvintes.
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Sabemos, com segurança, que Hitler tomava aulas de dicção com
Hanussen. Mas aprendeu alguma coisa a mais daquele mago.
Hanussen era um personagem dotado de capacidades hipnóticas,
e o livro de Mel Gordon reconstrói bastante bem essa história.
Em Mein Kampf, Hitler propõe, além de uma ideologia esotérica,
também programas precisos de organização, que dão a idéia de
que foram elaborados por um bom político. Himmler, o burocrata
do extermínio, tem características organizativas semelhantes, mas
não é de modo algum um bom comunicador. Tal como Hess
também não é. Rosenberg é apenas um escritor muito eficaz...
Desse grupo ligado à cultura esotérica, ninguém tinha, enfim, os
dois dotes específicos que Hitler possuía.
No Mein Kampf são indicados os objetivos prefixados por
Hitler: a criação de uma Eurásia de fronteiras orientais
indefinidas, um “condomínio” mundial com a Inglaterra...
GALLI: Sim, é uma estratégia esotérica, na qual se entrelaçam
ocultismo e geopolítica. Haushofer é quem elabora as teorias
relativas ao “espaço vital”. Baseado em considerações místicas e
espirituais que identificam a nação alemã como o centro do mundo, mas também fazendo referência a outros
teóricos de geopolítica ­ como o inglês Halford John Mackinder, que havia identificado a Europa Oriental e a
Rússia européia como o “coração da terra” ­, Haushofer está convencido de que para reconstituir a civilização
ariana seja preciso construir uma grande área que vá da Europa Ocidental aos Urais. O espaço vital ­ o
Lebensraum ­ da nova sociedade ariana. A Alemanha é o fundamento dessa organização geopolítica que prenuncia
a criação de uma nova civilização e de um homem novo que recupere as antigas virtudes perdidas. Os judeus, que
têm um sonho hegemônico mundial contraposto a este, são marginalizados e, depois, eliminados. Portanto, o Drang
nach Osten nasce desse projeto de natureza esotérica.
Mas há homens na cúpula do Terceiro Reich que não compartilham da mesma cultura de Hitler e de seus
companheiros... 
GALLI: É verdade, mas eles também são influenciados pelo ocultismo: o pragmático Göring interessa­se pela teoria
da “terra oca”, Goebbels fica intrigado com Nostradamus... De qualquer forma, Goebbels e Göring compartilham o
programa de Hitler justamente porque, de um modo ou de outro, são sugestionados por suas convicções
esotéricas.
Chegamos à viagem de Hess à Escócia, em maio de 1941. Essa travessia acontece também sob signo
esotérico...
GALLI: O projeto de condomínio com a Inglaterra, com base no Lebensraum como premissa para a construção
de uma nova humanidade, nunca foi deixado de lado, nem mesmo depois do início da guerra, quando ficou evidente
que a previsão de neutralidade da Grã­Bretanha não se havia realizado. A “ponte” ainda estava de pé. O episódio
da prisão dos tanques alemães em Dunquerque, em 1940, que permitiu a fuga dos anglo­franceses, pode ser
interpretado também com essa chave de leitura: seria uma tentativa de chegar a um acordo com os interlocutores
esotéricos presentes na Ilha. Em 10 de maio de 1941, Hess voa para a Escócia para tentar convencer esses
interlocutores a não intervirem no momento da invasão da URSS. Provavelmente, quer encontrar os herdeiros de
sociedades do tipo da Golden Dawn, com os quais se pode discutir, e que têm relações com a Família Real. Seja
como for, é o duque de Hamilton que Hess busca, sem dúvida. Ele é uma pessoa de confiança do rei da Inglaterra.
É filonazista e há muito tempo tem relações com Hess e a cúpula do Reich. A decisão dessa viagem nasce
provavelmente depois de um debate na cúpula esotérica nazista; portanto, é plausível que Hitler estivesse a par
dela. A operação recebe a cobertura de um maciço esquema de desinformação. Mas Hess e os nacional­socialistas
se iludem: aquela “ponte” ainda existe, mas já está fraca demais para permitir que passe por ela uma espécie de
acordo entre a Alemanha e a Inglaterra a respeito do Drang nach Osten. Em maio de 1941, os aristocratas
ingleses também já estão “resig nados” a declarar guerra contra a Alemanha.
Em seu livro, o senhor explica como Hitler procura chegar a um acordo
com a Inglaterra até o último minuto.
GALLI: Sim. Depois da derrota na Rússia, Hitler, em vez de tentar combater a
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24/02/2018 30Giorni |  A grande Alemanha, um sonho esotérico (de Paolo Mattei)
Hans Frank, governador­ contra­ofensiva russa, desloca as divisões blindadas do front oriental para o
ocidental. A tática é sempre a mesma: “Obrigar a Inglaterra à paz pela força”,
como ele mesmo parece ter dito. Hitler acredita até o fim que aquela “ponte”
esotérica possa ser reconstruída.
Como é possível que a partir de experiências esotéricas se consiga chegar
a um poder tão grande como o que detiveram Hitler e seus sócios na
Alemanha?
GALLI: Eu sempre procurei evitar privilegiar exclusivamente a chave de leitura do
esoterismo para explicar determinados fatos. Como eu já disse, certamente esse é
um aspecto importante e negligenciado. Mas Hitler chega ao consenso por razões
que a historiografia já estudou abundantemente e que eu não ponho em discussão:
a humilhação alemã depois da Primeira Guerra Mundial, as frustrações que
geral da Polônia nos anos
do Terceiro Reich, fez
derivaram da derrota e do Tratado de Versalhes, a crise econômica de 1929, que
parte do grupo que produz 6 milhões de desempregados, a política de Weimar, que não consegue
gravitava em torno da exprimir uma resposta eficaz a esses problemas. Essas são as principais razões que
associação esotérica permitem a Hitler tomar o poder. Hitler consegue enfrentar o desemprego mesmo
Thule Gesellschaft,
matriz do grupo de
antes do rearmamento, por meio de grandes obras públicas, aceitando os
intelectuais que deu vida conselhos do financista e político Hjalmar Schacht, que é um keynesiano. Por
ao nazismo outro lado, Hitler, no Mein Kampf, apresenta um projeto político que têm
aspectos normais, como, justamente, a luta contra o desemprego.
August von Galen, bispo de Münster durante o período nazista, definido
pelo New York Times como “o opositor mais obstinado do programa nacional­socialista anticristão”, falou
do nazismo como um “engano religioso”... 
GALLI: De certa forma, é mesmo. Pio XI também demonstrou sua forte preocupação por meio da publicação da
Mit Brennender Sorge. Ele falava do neopaganismo. Na realidade, pode­se falar de algo mais que o
neopaganismo. Todas as cerimônias nacional­socialistas seguem um modelo religioso: as luzes, o Führer que
aparece como uma revelação mágica. Todas têm um caráter de liturgia mágica. 
Parece que Churchill, o grande opositor dos programas esotéricos do Führer, também não desdenhava da
companhia dos ocultistas...
GALLI: Em meu livro La politica e i maghi, eu explico como até mesmo Churchill acreditava em videntes.
Churchill era um conservador absoluto e um anticomunista absoluto. Não nos esqueçamos de que colaborou com o
Popolo d’Italia de Mussolini. Em sua visão de mundo, só os povos de língua inglesa estão à altura da democracia.
Para os outros povos, serve qualquer forma de regime. Para ele, a história do Ocidente coincide com a história dos
povos anglófonos. Hitler, portanto, poderia até tê­lo agradado, como agradava a certos setores conservadores da
sociedade inglesa. Mas, a meu ver, Churchill tinha relações com sociedades esotéricas que lhe haviam fornecido
certo número de informações relativas à “contra­iniciação do Führer”.
Como assim?
GALLI: Na cultura esotérica, existe uma diferença fundamental
entre “iniciação” e “contra­iniciação”. A iniciação ­ a maçônica,
para dar um exemplo claro ­ seria positiva. A contra­iniciação,
por sua vez, teria algo de diabólico: Churchill ficou sabendo que
Hitler era um “contra­iniciado”. Churchill, portanto, estando a par
do precedente “esotérico­diabólico” da contra­ini ciação de Hitler,
temia que, por trás dos objetivos negociáveis ­ mão livre na
Europa e no Leste da Alemanha e garantia de continuidade do
Império inglês ­, que provavelmente ele poderia aceitar, houvesse
objetivos não negociáveis: o império do mal. Hitler não queria
apenas um império de tipo geopolítico. Queria um império sobre
as consciências, baseado numa série de valores que até o Karl Haushofer, fundador do Instituto de
Geopolítica de Berlim e principal
conservador anticomunista Churchill via como negativos e
idealizador da teoria nazista do
inegociáveis. O fato é que a profecia de Hitler sobre o fim do Lebensraum, o “espaço vital”
império britânico substancialmente se realizou. Hitler profetizou
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que Churchill destruiria o império inglês e entregaria o cetro imperial aos Estados Unidos.
Uma última pergunta, professor. René Girard disse recentemente numa entrevista que “o desprezo
nazista pela ternura cristã para com as vítimas não tem origem na história”. O professor francês afirmou
também temer que “no futuro alguém tente reformular o princípio de maneira mais politicamente correta,
talvez revestindo­o de cristianismo”. O que o senhor diz disso? 
GALLI: Girard é um grande estudioso, documentado e de intuições muito ricas. Creio que seja possível pensar num
nazismo “revestido de cristianismo”, mesmo porque o nazismo, com suas características específicas, é irrepetível.
Eu não acredito que a democracia representativa possa ser posta em crise por movimentos autoritários como os
das décadas de 1920 e 1930. Existe, porém, o risco de que nas democracias ocidentais se mantenha a forma da
democracia, sem a substância. Os partidos já não serão postos fora da lei, as liberdades civis serão garantidas em
certa medida, mas, ao mesmo tempo, pode haver o risco de que só restem as fórmulas da democracia e se elimine
a substância. Poderia haver uma não­democracia disfarçada de democracia. Da mesma forma, a intuição de Girard
é plausível: tal como é possível que uma antidemocracia se apresente com fórmulas aparentemente democráticas,
do mesmo modo é possível que um anticristianismo que despreza as vítimas como fez o nazismo possa, na
realidade, agir revestido de formas cristãs. Eu não gostaria de entrar demais num campo que não conheço, mas sei
que existem, e são cada vez mais difundidas, publicações que exprimem tendências que eu creio possam ser
definidas como “integralismo apocalíptico”. Essas tendências poderiam de alguma forma prefigurar um risco como
esse de que fala Girard. Algumas das características isoladas que concorreram para a difusão do nazismo poderiam
reaparecer nesse contexto.

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