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Palavras-Chave
Clínica da perversão Transferência Estratégia Tática Sujeito-suposto-saber
Sujeito-suposto-saber-fazer Desejo de analista
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FREUD, Sigmund. Fragmento da análise de um caso 3
MILLER, Jacques Alain. Patologia da ética. In Lacan
de histeria, ESB, v. VII, 1989, P. 53-54. Elucidado Palestras no Brasil, 1997, p. 356-357.
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GEREZ-AMBERTÍN, Marta et al. Supereu: clínica
diferencial neurose -perversão. In Rev. Letra
Freudiana - Pulsão e gozo, ano XI, n. 10/11/12, p.
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CLAVREUL, Jean et al. O desejo e a perversão. 192. Publicação da Escola Letra Freudiana. Rio de
Campinas: Papirus, 1990. p. 154. Janeiro: Dumará.
perverso deseja: gozar. Tal atribuição saber rígido e implacável que o escuda
possibilitaria a emergência de uma da desilusão, da angústia e, ainda lhe
relação transferencial que, se confi- garante fazer o Outro gozar.
gurada, permitiria ao perverso supor que A mensagem que se pretende trans-
há um sujeito para além do seu saber mitir ao perverso, ao remeter seu
fazer. Conseqüentemente, haveria uma discurso reluzente de horror à triviali-
transformação da posição do sujeito com dade, é a de que seus atos não com-
seu saber, até então absoluto. Um efeito portam a originalidade que ele lhes atri-
da instalação da transferência seria a de bui, seja por sua repetição monótona de-
levantar a suspeição sobre seu ato, nunciada pelo analista, seja porque este
deslocando para o que há de verdade no os escuta com o aparente desinteresse
sujeito a falta, desta maneira possibili- de quem já sabe sobre o que é relatado.
tando -lhe o ingresso no campo do Só se pode tratar como trivial aquilo que
Outro. se domina. Agindo desta maneira em
As situações especialmente difíceis relação ao gozo, o analista esvazia o
impostas ao trabalho analítico com o caráter precioso que o perverso dá às
perverso exigem recursos táticos, dife- suas encen-ações, convidando-o a se
rentes da interpretação, que visem questionar sobre elas e a perceber sua
instaurar o sujeito-suposto-saber-fazer função de defesa contra a angústia.
na posição do analista. Embora a A ironia pode constituir para o
Psicanálise seja uma clínica do singular, analista um valioso instrumento para
a experiência adquirida com a clínica da lidar com o discurso paralisante do
perversão permite prever uma gama de perverso. Proveniente do grego eiróneia
desafios endereçados ao analista pelo e significando interrogação, a palavra
paciente, aos quais se deveria sempre denota um modo de exprimir-se que
responder de forma a sustentar a posição consiste em dizer o contrário daquilo que
estratégica aqui defendida. Entre os se está pensando ou sentindo, ou por
possíveis recursos táticos para o manejo pudor em relação a si próprio ou com
da transferência com perversos apon- intenção sarcástica e depreciativa em
tamos: a trivialização, a douta ironia, relação a outrem (Aurélio: 969).
o paradoxo, o humor, o ato analítico, o Porém, o sentido que pretendemos aqui
desvelamento da angústia, a atribuição utilizar se encontra na expressão ironia
de sentido e a restauração histórica. socrática, definida como um modo de
As respostas do analista ao perverso interrogar pelo qual Sócrates levava o
na direção da cura dependem direta- interlocutor ao reconhecimento de sua
mente da posição que este ocupa em própria ignorância (idem), técnica que
relação ao Outro. Assim, quando o per- passou a ser conhecida como socratismo.
verso se posiciona enquanto encarnação Lacan postulou que o analista
do saber fazer gozar, é necessário que o escutasse o neurótico com douta
analista suporte o jogo perverso no qual ignorância sobre o que é dito. Toman-
ele é chamado como parceiro, acolhendo do-lhe emprestado a expressão, sugeri-
o relato de suas encen-ações sexuali- mos que na perversão o analista escute
zadas e violentas, confrontando o horror e construa suas intervenções sobre o
do gozo a partir do que podemos chamar conceito de douta ironia em relação
da trivialização na transferência. ao ato perverso. Sem responder ao
Recurso utilizado para atestar o caráter escárnio desafiante com que o paciente
prosaico de suas encen-ações, levando trata o saber do analista, o que se
o perverso a se questionar sobre este pretende, na mesma direção apontada
24 Reverso Belo Horizonte ano 26 n. 51 p. 19 - 28 Ago. 2004
Perversão: uma clínica possível