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brasil
e comércio
ANDRÉ MELONI NASSAR
MARCOS SAWAYA JANK
exterior brasileiro
O agronegócio é uma das mais importan-
tes fontes geradoras de riqueza do Brasil. A
relevância desse complexo para a economia na-
cional pode ser medida por indicadores da mag-
nitude de um Produto Interno Bruto (PIB)
setorial de US$ 165 bilhões, ou 31% do total
MARCOS SAWAYA
JANK é professor
das riquezas produzidas no país, mão-de-obra associado da FEA-USP,
coordenador da área de
empregada correspondente a 35% da popula- Economia do curso de
Relações Internacionais da
ção economicamente ativa e uma participação USP e presidente do
Instituto de Estudos do
de 42% nas exportações brasileiras. A título Comércio e Negociações
Internacionais (Icone).
de comparação, os EUA, um dos gigantes agrí-
ANDRÉ MELONI
NASSAR é diretor-
colas mundiais em produção e exportação, re- executivo do Icone.
nacional.
A importância do agronegócio brasileiro,
que coloca o país entre as nações mais compe-
CRESCIMENTO
mente funcionou uma política de preços
mínimos acoplada a estoques reguladores.
Resumidamente, nos anos 70 houve um
a) Anos 1970-80:
choque de produção, que foi utilizado para
o mercado interno e externo, com forte in-
desenvolvimento tecnológico e
tervenção governamental.
GRÁFICO 1
MECANIZAÇÃO DO SETOR AGRÍCOLA: VENDA DE TRATORES E CRÉDITOS DE INVESTIMENTO
60 3.0
50 2.5
40 2.0
1.000 unidades
US$ bilhões
30 1.5
20 1.0
10 0.5
0 0.0
1980
1981
1982
1983
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
TABELA 1
PRINCIPAIS BARREIRAS COMERCIAIS ÀS EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS
UNIÃO ESTADOS
PRODUTO JAPÃO
EUROPÉIA UNIDOS
c) De 1999-2000 ao final de
Após a securitização da dívida, em 1998,
faltava ainda para o meio rural exportador
explosão de competitividade
de ganhos de competitividade nos merca-
dos externos. Em 1999, com a desvaloriza-
ção do real, esse problema foi atenuado. Por
que o cenário a partir de 1999 acabou sendo A ascensão do agronegócio teve o seu
tão favorável? É útil resumir aqui o que acon- momento de inflexão a partir da desvalori-
teceu nos anos anteriores ao período de ouro zação do real em 1999. Verifica-se, desde
do agronegócio, de 1999 ao final da safra de então, uma onda de crescimento do setor,
2003-04. De 1995 a 1997, os preços interna- com um salto na produção de grãos de 80
cionais das commodities estavam altos, mas, milhões para 125 milhões de toneladas. Além
com o câmbio valorizado da época, aquela disso, com o aumento do consumo interno,
vantagem foi anulada. De 1997 a 1999, re- a China e outros países asiáticos entraram
gistrou-se o pior momento: preços baixos e no mercado comprando grandes volumes de
câmbio apreciado. De 1999 em diante, co- alimentos. A China, como país, é o primeiro
meçou de fato o ciclo de ouro: a desvalori- comprador da soja em grão do Brasil. Entre-
zação da moeda somou-se à crescente de- tanto, como bloco, a União Européia é a
manda asiática por alimentos, sobretudo na maior cliente brasileira da commodity.
soja e nas carnes. Porém, nada garante que A expansão do agronegócio brasileiro
essa boa fase vá continuar. baseou-se, portanto, em ganhos de eficiên-
No período 1990-99, é fundamental des- cia (produtividade e exploração de econo-
tacar o enorme crescimento de produtivi- mias de escala), câmbio desvalorizado e
dade observado no setor, principalmente forte demanda externa. Com exportações
no que se refere à incorporação de tecnolo- em elevação impulsionadas pelo aumento
gia. Estudo recente do Instituto de Pesqui- da competitividade, o agronegócio enfren-
sa Econômica Aplicada (Ipea) (2) mostra tou o aumento dos subsídios internacionais.
que uma variação de 1% nos gastos em Entre 1997 e 2001, o Brasil vivenciou as
pesquisa tem um impacto imediato de conseqüências do pico no volume de sub-
0,17% na Produtividade Total dos Fatores sídios agrícolas norte-americanos garanti-
(PTF) do agronegócio – mão-de-obra, ca- dos pela reversão da Lei Agrícola de 1996
pital e terra. O gasto com pesquisa é fator dos EUA (Fair Act) por conta do elevado
mais importante do que o crédito rural para superávit fiscal obtido no final do governo
explicar o aumento de produtividade des- Clinton, que possibilitou a aprovação de
ses três fatores. O estudo mostra que en- várias ajudas emergenciais para os agricul-
quanto a produtividade da terra cresceu tores daquele país. As exportações brasi-
6,5% ao ano, de 1990 a 1999, a da mão-de- leiras do agronegócio, que haviam atingi-
obra cresceu 3,2% e a do capital, 3,1%. do pouco mais de US$ 16 bilhões em 1997,
Nos anos seguintes (2000 a 2002), em ra- caíram para menos de US$ 13 bilhões em
zão da expansão da fronteira agrícola, a 2000, em grande parte devido à baixa dos
produtividade da terra caiu, enquanto a da preços internacionais das commodities.
mão-de-obra e do capital dobrou. O in- Desde então, os subsídios americanos pas- 2 José Garcia Gasques, Eliana
Teles Bastos, Mirian P. R. Bachi
vestimento em pesquisa foi de tal forma saram a ser contracíclicos: a sua aplicação e Júnia P. R. da Conceição,
relevante que, enquanto os EUA tiveram Condicionantes da Produtivida-
aumenta quando há redução de preços. de Agropecuária Brasileira,
um incremento na PTF de 1,5% ao ano na As barreiras comerciais sempre tiveram Ipea, janeiro de 2004.
década de 1990, o Brasil obteve um cres- grande importância para o Brasil, um 3 Idem, ibidem, pp. 20 e 24.
A COMPETITIVIDADE INTERNACIONAL
res condições para escoar os produtos do
campo até o destino final, principalmente os
DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO:
mercados compradores da Europa e da Ásia.
A logística é peça-chave no agronegócio,
3O MAIOR EXPORTADOR DO
pois representa a operação final que coroa o
sucesso do empreendimento, para o qual
(*) A taxa anual de crescimento de exportação de cada produto foi calculada utilizando-se informações sobre o volume transacionado no período de
1990-2003, disponíveis nas estatísticas oficiais do Usda. A taxa anual de crescimento das exportações agrícolas totais foi calculada utilizando-se
valores em dólares americanos fornecidos pela Secex/MDIC.
Fonte: Usda e FAO.
24
21
18
15
US$ bilhões
12 Superávit
comercial:
9 US$ 17,7 bilhões
6
3
0
90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 00 01 02 03
Exportações Importações
Fonte: Secex e FAO
Elaboração: Icone
As commodities agroindustriais, que repre- mércio, de forma gradual e progressiva, e
sentam 90% de tudo o que o agronegócio de estimular os investimentos na região.
do Brasil exporta, são alvo de elevadas Pelos planos iniciais, as negociações deve-
barreiras e proteções – subsídios domésti- riam estar concluídas até 2005, mas no úl-
cos e à exportação, quotas tarifárias, tarifas timo ano o cenário mudou e a Alca poderá
específicas, medidas de salvaguarda, entre ficar para muito tempo depois de janeiro de
outras. A negociação da Rodada de Doha 2005. Fala-se em 2006 ou 2007 como data
da OMC é o fórum ideal para negociar a provável para a conclusão dos trabalhos.
eliminação dos subsídios à exportação e Um dos princípios reguladores da negocia-
forte redução dos subsídios domésticos. ção, o do single undertaking, isto é, “nada
Nos acordos da Alca e na negociação UE- estará decidido até que tudo esteja decidi-
Mercosul, o Brasil vem buscando ganhos do”, já está superado. Isso porque ficou acer-
efetivos de comércio por meio de uma tada uma nova arquitetura com dois níveis
melhoria significativa das condições de de compromisso: um básico e aplicável aos
acesso a mercados. 34 países da Alca e outro formado por en-
A seguir, os principais aspectos das tendimentos adicionais, mais profundos, de
negociações da Alca, do acordo birregional forma bilateral ou plurilateral. É o que se
UE-Mercosul e da Rodada de Doha, inclu- convencionou chamar de Alca à la carte.
indo o papel do G-20. O single undertaking e o tratamento de
Nação-Mais-Favorecida (MFN) regional,
Européia-Mercosul
tempo, uma disposição para a flexibilidade.
Desde a última reunião do Comitê de Nego-
ciações Comerciais (CNC) em Puebla, no
início de fevereiro, até meados de maio, não A União Européia (UE) absorve 35%
houve evolução dos trabalhos. de todas as exportações agrícolas do Mer-
Em fevereiro de 2004, preocupado com cosul, que representam cerca de 48% de
o impasse nas negociações e a perda de tudo o que o bloco vende para os europeus.
ambição na Alca, o agronegócio entregou Só esse dado é suficiente para mostrar onde
ao chanceler Celso Amorim o seu posicio- se concentram as sensibilidades na negocia-
namento. Dizia o documento: ção do acordo birregional, que deveria ter
sido finalizado em outubro de 2004, mas
“O grande atrativo da Alca para os 34 países foi postergado para 2005, sem data para a
do hemisfério, na avaliação do agronegó- sua conclusão.
cio, era o formato abrangente e ambicioso O interesse europeu no Mercosul, ao
presente no projeto inicial de integração contrário, não se prende à agricultura, mas a
INFRA-ESTRUTURA E LOGÍSTICA
eliminar os subsídios à exportação. Sobre dentro dos limites de minimis,
isso, diz o texto do framework: “os mem- ou seja, até 5% do valor da
produção para países desen-
bros estabelecerão modalidades detalhadas volvidos e 10% para países em
desenvolvimento.
que garantam a eliminação em paralelo de A continuidade do sucesso do agrone- Políticas de Sustentação de
todas as formas de subsídios à exportação gócio brasileiro depende também da infra- Preço de Mercado (Market
Price Support – MPS) e subsí-
e medidas com efeito equivalente em uma estrutura e da logística de suporte ao setor. dios a insumos e/ou produtos
não são isentos. O elemento
data a ser negociada”. Decretam-se, assim, Rodovias, ferrovias, hidrovias, portos: to- MPS do AMS é a diferença entre
em data a ser acordada, o fim dos subsídios dos esses meios de transporte, responsá- o preço administrado aplicado
pelo governo e o preço externo
à exportação e avanços efetivos no veis pelo escoamento dos produtos do cam- fixado de referência (preço
disciplinamento dos créditos à exportação, médio nominal praticado no
po, apresentam deficiências graves no Bra- período de 1986 e 1988),
das práticas distorcivas usadas por empre- sil. A logística (transporte, armazenagem e multiplicado pela quantidade
de produção conveniente para
sas estatais de comércio e do abuso dos portos) é hoje um dos principais pontos de receber o preço administrado
programas de ajuda alimentar. estrangulamento do agronegócio, ao lado de cada commodity. Essa polí-
tica comercial inclui somente
Outra boa notícia no capítulo do apoio do desenvolvimento da biotecnologia commodities de programas de
manutenção de preços admi-
interno é a definição de um corte global no (transgênicos). nistrados. Políticas de MPS e
teto de subsídios distorcivos que incidirá subsídios a insumos e/ou pro-
dutos não são isentos.
sobre a soma da caixa amarela (6), caixa “A capacidade de expansão da agricultura A caixa azul compreende for-
mas de apoio interno capazes
azul e de minimis. Assim, já no primeiro brasileira praticamente chegou ao seu li- de distorcer o comércio interna-
ano haverá uma redução de 20% no teto mite pela falta de infra-estrutura para esco- cional que são, porém, isentas
de compromissos multilaterais
dos subsídios distorcivos. O nível do corte ar a produção. Em 2003, rodovias esbura- por estarem relacionadas a pro-
global deverá ser um dos temas mais aguar- cadas ou sem pavimentação, ferrovias ob- gramas de limitação da produ-
ção agropecuária, as quais não
dados da próxima etapa das negociações. soletas e ineficientes, poucas alternativas estão sujeitas aos compromis-
sos de redução dos apoios in-
Um assunto que demandará esforços hidroviárias, portos sobrecarregados e es- ternos (quotas de produção e
suplementares de negociação é o acesso aos cassez de armazéns tornaram a comercia- programas set aside/restrição
no uso de terras), que devem
mercados agrícolas. Na próxima etapa da lização da safra um verdadeiro caos, preju- estar atrelados a uma área fixa
ou sobre 85% (ou menos) de
Rodada de Doha, deverão ser definidas as dicando a competitividade do agronegócio um nível-base de produção ou
fórmulas para redução de tarifas, as regras brasileiro e causando enormes prejuízos aos número de animais.
O apoio previsto na caixa azul
para o aumento de quotas e quais serão os produtores rurais. Em 2004, a expectativa é considerado exceção aos
produtos sensíveis. é que a situação vá piorar, diante de mais apoios internos ligados à pro-
dução, que estão compreendi-
Quanto ao acesso a mercados de bens uma ótima colheita, do agravamento da si- dos na caixa amarela. Isso
CONCLUSÕES
mostrem a realidade tal como ela é. Dezenas
de estudos mostram que o crescimento da
soja e da pecuária ocorreu essencialmente
Este texto discutiu os fundamentos do graças aos ganhos espetaculares de produti-
sucesso do agronegócio brasileiro, bem vidade em áreas de cerrado. Os abusos da
como o quadro das principais rodadas de legislação trabalhista são exceções isoladas,
comércio nas quais o Brasil está envolvido e não a regra, que devem ser coibidas com o
e que, dependendo dos resultados, poderão máximo rigor da lei. 11 Idem, ibidem.