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rural

dossiê
brasil

14 REVISTA USP, São Paulo, n.64, p. 14-27, dezembro/fevereiro 2004-2005


O
Agronegócio
MARIA HELENA TACHINARDI

e comércio
ANDRÉ MELONI NASSAR
MARCOS SAWAYA JANK

exterior brasileiro
O agronegócio é uma das mais importan-
tes fontes geradoras de riqueza do Brasil. A
relevância desse complexo para a economia na-
cional pode ser medida por indicadores da mag-
nitude de um Produto Interno Bruto (PIB)
setorial de US$ 165 bilhões, ou 31% do total
MARCOS SAWAYA
JANK é professor
das riquezas produzidas no país, mão-de-obra associado da FEA-USP,
coordenador da área de
empregada correspondente a 35% da popula- Economia do curso de
Relações Internacionais da
ção economicamente ativa e uma participação USP e presidente do
Instituto de Estudos do
de 42% nas exportações brasileiras. A título Comércio e Negociações
Internacionais (Icone).
de comparação, os EUA, um dos gigantes agrí-
ANDRÉ MELONI
NASSAR é diretor-
colas mundiais em produção e exportação, re- executivo do Icone.

gistram um PIB do agronegócio com valor MARIA HELENA


TACHINARDI é diretora
aproximado de US$ 1 trilhão, ou 13% do PIB de Comunicação do Icone.

nacional.
A importância do agronegócio brasileiro,
que coloca o país entre as nações mais compe-

O titivas do mundo na produção de commodities

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agroindustriais, com enorme potencial de sificação importante da pauta exportadora,
expansão horizontal e vertical da oferta, é produtos de exportação (soja e laranja, es-
o resultado de uma combinação de fatores, sencialmente) e produtos de mercado in-
entre eles principalmente investimentos em terno (arroz, feijão, leite e mandioca). Atu-
tecnologia e pesquisa, que levaram ao au- almente, porém, essa caracterização per-
mento exponencial da produtividade. Mas deu sentido, pois todos os itens basicamen-
outras variáveis tiveram igualmente um te destinados à exportação ao longo das
peso importante na configuração do setor últimas décadas têm hoje consumo domés-
na atualidade, entre elas a redução da inter- tico importante, como soja, carnes e laran-
venção do governo no setor com a desre- ja. Até mesmo a laranja, que apresenta ca-
gulamentação dos mercados, a abertura co- racterística marcante de exportação, vem
mercial e a estabilização da economia após ganhando espaço interno, com o crescente
o Plano Real. consumo de sucos.
Para facilitar a compreensão do quadro O período 1970-80 foi marcado tam-
atual, é importante rever o passado e exa- bém pela primeira expansão da fronteira
minar a evolução do agronegócio ao longo agrícola: os produtores migraram do Rio
das últimas quatro décadas. Grande do Sul para o Mato Grosso, Mato
Grosso do Sul, Goiás e oeste da Bahia. O
foco do agronegócio esteve, portanto, na

AS TRÊS FASES DO AGRONEGÓCIO:


oferta de exportação e de mercado interno,
e na tecnologia (investimentos em pesqui-

DO CRÉDITO BARATO À ONDA DE


sa): o crédito rural alavancou a produção,
que substituiu as importações, e paralela-

CRESCIMENTO
mente funcionou uma política de preços
mínimos acoplada a estoques reguladores.
Resumidamente, nos anos 70 houve um

a) Anos 1970-80:
choque de produção, que foi utilizado para
o mercado interno e externo, com forte in-

desenvolvimento tecnológico e
tervenção governamental.

crescimento da produção b) Período 1990-99: o choque da


Esse foi um período marcado predomi-
eficiência e da competitividade
nantemente pelo crédito oficial farto e ba-
rato, que atingiu um volume recorde de US$ A década de 90 pode ser descrita como
20 bilhões por volta de 1978. A produção e a do choque de eficiência e competitivida-
os investimentos cresceram. Na década de de, resultante de um pesado ajuste que de-
70, ampliou-se o chamado “modelo agro- correu da desregulamentação dos merca-
exportador” brasileiro, na medida em que o dos, do fim do crédito rural, do forte en-
1 Apesar de a Embrapa ser fre- país deixou de ser apenas um fornecedor de dividamento dos produtores com o
qüentemente apontada como produtos tropicais (café, açúcar e cacau) e descasamento dos custos e preços, da aber-
a maior responsável pelos
ganhos de produtividade ob- passou a exportar produtos que concorrem tura comercial e do controle da inflação.
servados no campo, o esforço
brasileiro de pesquisa é anteri- diretamente com a oferta dos países ricos, O período 1990-94 aproximou o Brasil
or à criação dessa empresa dentre eles a soja, a celulose e as carnes. A do mercado internacional e do momento
pública e remonta à criação
de universidades voltadas para produção de soja expandiu-se do Rio Gran- que o país vive hoje, de grande competiti-
o setor, como a Esalq (USP-
Piracicaba), a Universidade Fe-
de do Sul para o Centro-Oeste graças, como vidade e expansão da oferta no mercado
deral de Viçosa (UFV), o Institu- ressaltado acima, ao papel da pesquisa, externo. A fronteira continuou alargando-
to Agronômico de Campinas
(IAC), as empresas estaduais sobretudo a desenvolvida pela Embrapa (1), se: de Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso
de pesquisa agropecuária e que trouxe ao mercado novas variedades. do Sul, para Rondônia, Tocantins, Pará,
muitas outras instituições públi-
cas e privadas. Ocorre, assim, nos anos 70 e 80, uma diver- Maranhão, Bahia e Piauí. Porém, ao con-

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trário da década anterior, o crédito rural exportadora sob a ótica do escoamento de
subsidiado desapareceu e os produtores ti- excedentes. A exportação começou um
veram de financiar suas lavouras com re- caminho ascendente tendo em vista a re-
cursos próprios e venda antecipada da pro- cessão econômica.
dução. Esse sistema expandiu-se com a soja. Em 1994, com a introdução do Plano
O modelo da soja inspira hoje a formulação Real, houve grande euforia no meio rural,
de políticas voltadas à comercialização de que investiu pesado em mecanização. A
diversos produtos agrícolas. Ao vender an- venda de tratores aproximou-se de 40 mil
tecipadamente a produção para a indústria unidades em 1994, nível semelhante ao de
ou para o exportador, o produtor cria con- 1987 e 2003 (Gráfico 1). Na década de 90,
dições de levantar, a custos competitivos, foram muito importantes programas como
parte dos recursos de que necessita para o Moderfrota e os financiamentos do Fun-
realizar o plantio e o cultivo. do Constitucional do Centro-Oeste (FCO).
Os governos Fernando Collor de Mello O uso de fertilizantes e agroquímicos tam-
e Itamar Franco destacaram-se pela aber- bém experimentou alta contínua a partir de
tura comercial, eliminação dos subsídios e 1990. Registrou-se um potencial enorme
controles de preços e pela desregula- para o aumento da produção com a fertiliza-
mentação dos mercados, com a extinção do ção do solo. A produção de carnes bovina e
Instituto do Açúcar e do Álcool, do Institu- de frango continuou expandindo-se desde a
to Brasileiro do Café e do Controle Inter- década de 80, assim como o consumo per
ministerial de Preços (CIP). O campo con- capita, enquanto a de suíno manteve-se
tinuou aumentando a produção, pratica- praticamente estagnada de 1980 a 1994,
mente sem incorporar novas áreas de culti- refletindo o baixo consumo interno. A
vo, e também alavancou a exportação, produção de suínos cresceu a partir da
embora o país ainda encarasse a atividade década de 90 puxada, principalmente,

GRÁFICO 1
MECANIZAÇÃO DO SETOR AGRÍCOLA: VENDA DE TRATORES E CRÉDITOS DE INVESTIMENTO

60 3.0

50 2.5

40 2.0
1.000 unidades

US$ bilhões

30 1.5

20 1.0

10 0.5

0 0.0
1980
1981
1982
1983
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003

Tratores Créditos de investimento

Fonte: Banco Central, Anfavea, IBGE

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pela maior utilização da carne para a ela- era elevada. O endividamento rural atingiu
boração de embutidos, produtos com acei- o seu auge, pois os débitos eram corrigidos
tação crescente no mercado doméstico. com base na taxa referencial (TR), calcula-
A expansão dos grãos foi liderada pela da sobre os índices de inflação, bastante
soja e pelo milho. elevados antes do Plano Real.
O descasamento entre os preços dos Com a chegada à Presidência da Repú-
produtos e o comprometimento financeiro blica de Fernando Henrique Cardoso, em
dos produtores, a sobrevalorização cambi- 1995, os produtores reclamaram medidas
al após a introdução do real e os juros ele- para alongar as dívidas rurais, o que acon-
vadíssimos provocaram uma crise de ren- teceu nos anos seguintes, com o processo
tabilidade no setor, forçando os produtores de securitização das mesmas.
sobreviventes a se tornarem mais eficien- Áreas de pastagem começaram a se
tes. A produção agropecuária e o setor de converter em vastas extensões de soja e al-
alimentação funcionaram como uma im- godão. A partir do final dos anos 80, quan-
portante “âncora verde” do processo de es- do já havia sido eliminado o crédito oficial,
tabilização da inflação. A construção da foram implantados modelos privados de
estabilidade a partir do Plano Real foi em financiamento da agricultura via trading
grande parte apoiada sobre uma oferta de companies, cooperativas, indústrias de de-
alimentos a preços que não remuneraram fensivos, de máquinas e implementos agrí-
adequadamente os produtores, que já vi- colas. O modelo inspirador foi o da “soja
nham carregando um endividamento de verde”, cultura que, graças ao financiamen-
anos anteriores, quando a taxa de inflação to privado, expandiu-se no país sem nunca

TABELA 1
PRINCIPAIS BARREIRAS COMERCIAIS ÀS EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS
UNIÃO ESTADOS
PRODUTO JAPÃO
EUROPÉIA UNIDOS

Açúcar bruto 160.8* 167.0* 154.3*


Álcool 46.7* 47.5* 83.3
Leite em pó 68.4* 49.1* 196.7*
Frango em cortes (congelado) 94.5* 16.9* 11.9
Carne suína (congelada) 50.6* 0.0 309.5*
Carne bovina (congelada) 176.7* 26.4 50.0
Milho 84.9* 2.3* 95.4*
Tabaco 24.9* 350.0 0.0
Suco de laranja 15.2 44.5* 21.4
Quotas tarifárias 7 4 1
Tarifas específicas 8 6 4
Salvaguardas especiais 5 3 2
(*) Tarifas específicas foram convertidas em seus equivalentes ad valorem (EAV).
Sublinhado indica a existência de salvaguardas especiais (SSG).
Sombreado indica restrições sanitárias que impedem o comércio.
Fonte: WTO, Apec, Comtrade, Usitc, Taric

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ter precisado de subsídios governamen- cimento anual de 4,9% no mesmo perío-
tais, estoques reguladores e mecanismos do, alcançando, nos últimos anos, 6% ao
artificiais de fixação de preços, como ocor- ano (3).
ria em outras commodities.

c) De 1999-2000 ao final de
Após a securitização da dívida, em 1998,
faltava ainda para o meio rural exportador

2004: expansão da oferta e


uma correção no câmbio, fator que vinha
dificultando a obtenção pelo agronegócio

explosão de competitividade
de ganhos de competitividade nos merca-
dos externos. Em 1999, com a desvaloriza-
ção do real, esse problema foi atenuado. Por
que o cenário a partir de 1999 acabou sendo A ascensão do agronegócio teve o seu
tão favorável? É útil resumir aqui o que acon- momento de inflexão a partir da desvalori-
teceu nos anos anteriores ao período de ouro zação do real em 1999. Verifica-se, desde
do agronegócio, de 1999 ao final da safra de então, uma onda de crescimento do setor,
2003-04. De 1995 a 1997, os preços interna- com um salto na produção de grãos de 80
cionais das commodities estavam altos, mas, milhões para 125 milhões de toneladas. Além
com o câmbio valorizado da época, aquela disso, com o aumento do consumo interno,
vantagem foi anulada. De 1997 a 1999, re- a China e outros países asiáticos entraram
gistrou-se o pior momento: preços baixos e no mercado comprando grandes volumes de
câmbio apreciado. De 1999 em diante, co- alimentos. A China, como país, é o primeiro
meçou de fato o ciclo de ouro: a desvalori- comprador da soja em grão do Brasil. Entre-
zação da moeda somou-se à crescente de- tanto, como bloco, a União Européia é a
manda asiática por alimentos, sobretudo na maior cliente brasileira da commodity.
soja e nas carnes. Porém, nada garante que A expansão do agronegócio brasileiro
essa boa fase vá continuar. baseou-se, portanto, em ganhos de eficiên-
No período 1990-99, é fundamental des- cia (produtividade e exploração de econo-
tacar o enorme crescimento de produtivi- mias de escala), câmbio desvalorizado e
dade observado no setor, principalmente forte demanda externa. Com exportações
no que se refere à incorporação de tecnolo- em elevação impulsionadas pelo aumento
gia. Estudo recente do Instituto de Pesqui- da competitividade, o agronegócio enfren-
sa Econômica Aplicada (Ipea) (2) mostra tou o aumento dos subsídios internacionais.
que uma variação de 1% nos gastos em Entre 1997 e 2001, o Brasil vivenciou as
pesquisa tem um impacto imediato de conseqüências do pico no volume de sub-
0,17% na Produtividade Total dos Fatores sídios agrícolas norte-americanos garanti-
(PTF) do agronegócio – mão-de-obra, ca- dos pela reversão da Lei Agrícola de 1996
pital e terra. O gasto com pesquisa é fator dos EUA (Fair Act) por conta do elevado
mais importante do que o crédito rural para superávit fiscal obtido no final do governo
explicar o aumento de produtividade des- Clinton, que possibilitou a aprovação de
ses três fatores. O estudo mostra que en- várias ajudas emergenciais para os agricul-
quanto a produtividade da terra cresceu tores daquele país. As exportações brasi-
6,5% ao ano, de 1990 a 1999, a da mão-de- leiras do agronegócio, que haviam atingi-
obra cresceu 3,2% e a do capital, 3,1%. do pouco mais de US$ 16 bilhões em 1997,
Nos anos seguintes (2000 a 2002), em ra- caíram para menos de US$ 13 bilhões em
zão da expansão da fronteira agrícola, a 2000, em grande parte devido à baixa dos
produtividade da terra caiu, enquanto a da preços internacionais das commodities.
mão-de-obra e do capital dobrou. O in- Desde então, os subsídios americanos pas- 2 José Garcia Gasques, Eliana
Teles Bastos, Mirian P. R. Bachi
vestimento em pesquisa foi de tal forma saram a ser contracíclicos: a sua aplicação e Júnia P. R. da Conceição,
relevante que, enquanto os EUA tiveram Condicionantes da Produtivida-
aumenta quando há redução de preços. de Agropecuária Brasileira,
um incremento na PTF de 1,5% ao ano na As barreiras comerciais sempre tiveram Ipea, janeiro de 2004.
década de 1990, o Brasil obteve um cres- grande importância para o Brasil, um 3 Idem, ibidem, pp. 20 e 24.

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“player” de peso no mercado internacional Canadá e o México, nas carnes de aves, a
(Tabela 1). Abrir mercados passou a ser Suíça, a Noruega e a Islândia, igualmente
uma obsessão brasileira. Noventa por cen- em todas elas. Enormes restrições sanitá-
to das exportações do agronegócio são rias também estão presentes em todos es-
commodities agroindustriais, como a soja, ses países no complexo carnes, inclusive
o suco de laranja e a maioria das carnes, por em países com tarifas mais baixas, como os
exemplo. No caso dessas commodities, o EUA (todas as carnes) e o Canadá (carnes
sucesso das exportações brasileiras deve- bovina e suína). O comércio acaba sendo
se, em grande parte, às negociações inter- severamente restringido pela existência de
nacionais, além dos níveis do câmbio real barreiras tarifárias e não-tarifárias (sanitá-
e das condições de infra-estrutura. Esses rias, técnicas, etc.) altamente custosas e de
assuntos serão detalhados mais adiante, difícil controle. Quotas tarifárias e salva-
tendo em vista a complexidade do quadro guardas também dificultam o acesso a
negociador no qual o país está envolvido mercados dos mais diversos produtos da
pois, pela primeira vez, ocorrem simultanea- pauta exportadora brasileira.
mente três rodadas de negociações – a da Produtos como a soja em grão, o café
Área de Livre Comércio das Américas não-torrado e o cacau em pó são atingidos
(Alca), a do acordo birregional União Euro- por baixas tarifas. No entanto, seus produ-
péia-Mercosul e a da Organização Mundial tos derivados (óleo de soja, café torrado e
do Comércio (OMC). Igualmente importante café solúvel, chocolates e outras prepara-
para o contínuo sucesso do agronegócio ções alimentícias contendo cacau) são alvo
brasileiro é dotar a infra-estrutura – portos, de escaladas tarifárias.
hidrovias, rodovias e ferrovias – de melho-

A COMPETITIVIDADE INTERNACIONAL
res condições para escoar os produtos do
campo até o destino final, principalmente os

DO AGRONEGÓCIO BRASILEIRO:
mercados compradores da Europa e da Ásia.
A logística é peça-chave no agronegócio,

3O MAIOR EXPORTADOR DO
pois representa a operação final que coroa o
sucesso do empreendimento, para o qual

MUNDO E 1O EM SALDO COMERCIAL


contribuíram os investimentos em pesqui-
sa, a crescente mecanização e utilização de
insumos modernos no campo, a expansão
da fronteira agrícola, o crédito rural e a cor- Em 2003, o Brasil detinha o quarto lu-
reção do câmbio real, que alavancou forte- gar no ranking dos países exportadores
mente a competitividade dos produtos bra- agrícolas. Em 2004, já é o terceiro, abaixo
sileiros a partir de 1999. apenas dos EUA e da União Européia (UE-
Grande parte dos itens mais importan- 15). Com uma taxa de crescimento anual
tes da pauta exportadora do agronegócio de exportações agrícolas de 6,4%, no perío-
brasileiro está sujeita a restrições de fron- do 1990-2003, o Brasil participa com cerca
teira. O setor sucroalcooleiro é altamente de 4% do mercado mundial (Tabela 2). En-
protegido por subsídios e também enfrenta tretanto, os EUA, cujas exportações aumen-
problemas de acesso a mercado na quase taram apenas 2% ao ano entre 1990 e 2003,
totalidade dos países desenvolvidos e em abocanham cerca de 12,5% do mercado. A
desenvolvimento. Outros produtos sofrem União Européia ocupa posição semelhan-
uma proteção mais localizada, como os te, embora tenha expandido apenas 2,7%
grãos e o algodão nos EUA, altamente sub- ao ano suas vendas agrícolas externas na-
sidiados. A cadeia produtiva das carnes quele período.
bovina, suína e de aves registra um quadro Em 2003, o agronegócio foi responsá-
protecionista bastante heterogêneo. A vel por exportações de US$ 21,2 bilhões e
União Européia apresenta picos tarifários por um saldo de US$ 17,7 bilhões, um re-
nas três carnes, o Japão, na carne suína, o sultado relevante levando-se em conta que

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TABELA 2
DESEMPENHO DAS EXPORTAÇÕES AGRÍCOLAS BRASILEIRAS (2003)
Valor Brasil/Mundo Taxa anual de
Produto exportação crescimento
(US$ milhões) Participação Ranking (1990-2003)*

Soja – grão 4,290 38% 1 17%


Soja – farelo 2,602 34% 2 4%
Açúcar 2,140 29% 1 18%
Frango 1,709 29% 2 13%
Carne bovina 1,538 20% 1 9%
Café 1,302 29% 1 3%
Soja – óleo 1,232 28% 2 9%
Suco de laranja 1,192 82% 1 1%
Tabaco 1,052 23% 1 7%
Carne suína 542 16% 4 27%
Milho 369 4% 4 53%
Algodão 189 5% 4 12%
Total agrícola 21,281 3.8% 3 6.4%

(*) A taxa anual de crescimento de exportação de cada produto foi calculada utilizando-se informações sobre o volume transacionado no período de
1990-2003, disponíveis nas estatísticas oficiais do Usda. A taxa anual de crescimento das exportações agrícolas totais foi calculada utilizando-se
valores em dólares americanos fornecidos pela Secex/MDIC.
Fonte: Usda e FAO.

o superávit comercial total do Brasil foi de frango, o segundo na produção de carne


cerca de US$ 25 bilhões (4) (Gráfico 2). bovina e o primeiro nas vendas externas do
Apesar das restrições de fronteira – altas produto. O dinamismo exportador do
tarifas praticadas pelos países industriali- agronegócio brasileiro também pode ser
zados, quotas, medidas sanitárias e fitos- avaliado pelas taxas anuais de crescimen-
sanitárias –, o país revela um dinamismo to, entre os anos 1990 e 2003, das vendas
em suas vendas externas que o coloca entre de soja em grão (16,9%), açúcar (17,7%),
os primeiros no ranking mundial da produ- carne de frango (13,1%), carne bovina
ção e da exportação, segundo dados do (8,8%), carne suína (27,2%), milho (53%)
USDA de 2003. A Tabela 2 mostra que o e algodão (11,7%), entre outros.
Brasil é o primeiro produtor e exportador
4 Este é o conceito que segue a
NEGOCIAÇÕES INTERNACIONAIS E
de café, suco de laranja e açúcar. É o segun-
definição de produtos agríco-
do maior na produção de soja, mas tem a las da OMC. Já o conceito
utilizado pelo Ministério da
EXPORTAÇÕES
liderança na exportação desse grão, é o Agricultura é mais abrangente
segundo também na produção e exporta- e inclui borracha e derivados,
produtos florestais e alguns têx-
ção de farelo e óleo de soja, o primeiro teis. No ano passado, segun-
exportador de café solúvel, o terceiro pro- As negociações internacionais são fun- do o Mapa, o saldo comercial
do agronegócio foi de US$
dutor e o segundo exportador de carne de damentais para o agronegócio brasileiro. 30,6 bilhões.

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GRÁFICO 2
BALANÇA COMERCIAL DO AGRONEGÓCIO (DEFINIÇÃO DE AGRICULTURA DA OMC)

24
21
18
15
US$ bilhões

12 Superávit
comercial:
9 US$ 17,7 bilhões
6
3
0
90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 00 01 02 03
Exportações Importações
Fonte: Secex e FAO
Elaboração: Icone
As commodities agroindustriais, que repre- mércio, de forma gradual e progressiva, e
sentam 90% de tudo o que o agronegócio de estimular os investimentos na região.
do Brasil exporta, são alvo de elevadas Pelos planos iniciais, as negociações deve-
barreiras e proteções – subsídios domésti- riam estar concluídas até 2005, mas no úl-
cos e à exportação, quotas tarifárias, tarifas timo ano o cenário mudou e a Alca poderá
específicas, medidas de salvaguarda, entre ficar para muito tempo depois de janeiro de
outras. A negociação da Rodada de Doha 2005. Fala-se em 2006 ou 2007 como data
da OMC é o fórum ideal para negociar a provável para a conclusão dos trabalhos.
eliminação dos subsídios à exportação e Um dos princípios reguladores da negocia-
forte redução dos subsídios domésticos. ção, o do single undertaking, isto é, “nada
Nos acordos da Alca e na negociação UE- estará decidido até que tudo esteja decidi-
Mercosul, o Brasil vem buscando ganhos do”, já está superado. Isso porque ficou acer-
efetivos de comércio por meio de uma tada uma nova arquitetura com dois níveis
melhoria significativa das condições de de compromisso: um básico e aplicável aos
acesso a mercados. 34 países da Alca e outro formado por en-
A seguir, os principais aspectos das tendimentos adicionais, mais profundos, de
negociações da Alca, do acordo birregional forma bilateral ou plurilateral. É o que se
UE-Mercosul e da Rodada de Doha, inclu- convencionou chamar de Alca à la carte.
indo o papel do G-20. O single undertaking e o tratamento de
Nação-Mais-Favorecida (MFN) regional,

Perda de ambição na Alca


que deveriam ser considerados como prin-
cípios para todos os países, com vistas a
trade-offs mais equilibrados e substantivos,
A Área de Livre Comércio das Améri- foram abandonados em favor da aborda-
cas é uma iniciativa de 34 países do conti- gem à la carte, conforme compromisso
nente proposta em 1994 com o objetivo de assumido em novembro de 2003, na reu-
promover a eliminação de barreiras ao co- nião ministerial de Miami.

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Por diferentes razões, os co-presidentes comercial. Aquele seria o modelo mais apro-
da Alca – Brasil (e seus parceiros no Merco- priado para gerar comércio, atrair investi-
sul) e EUA – optaram por um enfoque mo- mentos, impulsionar a modernização da eco-
desto, sem a ambição que marcou o início da nomia e integrar os países de forma rápida e
negociação da área hemisférica de livre co- bem-sucedida. A abertura ampla e recípro-
mércio. De um lado, os americanos passa- ca das economias possibilitaria que os seto-
ram a privilegiar os acordos bilaterais de res econômicos mais eficientes pudessem
comércio (cobrindo todos os países do he- auferir ganhos com rapidez. Ao mesmo tem-
misfério ocidental, com exceção do Caribe, po, dever-se-iam criar condições para a adap-
Venezuela e Mercosul), dando continuida- tação dos setores menos eficientes por meio
de à sua estratégia de “liberalização compe- de prazos mais longos de adaptação. A reu-
titiva”, ou seja, atuação em todas as frentes nião ministerial de Miami, no final de 2003,
em busca de resultados, começando pela que definiu o novo formato da Alca ‘à la
OMC, depois a negociação hemisférica e, carte’, permitiu um acordo com diferentes
por fim, os acordos bilaterais, em que certa- níveis de ambição. O básico, com direitos e
mente as conquistas podem ser mais rápidas obrigações comuns aos 34 países, e o segun-
e fáceis. Já o Mercosul defendeu a proposta do piso, com regras ambiciosas que poderão
brasileira de que a negociação deve restrin- ser negociadas de forma bi ou plurilateral,
gir-se basicamente ao tema “acesso a mer- com livre adesão dos seus membros. Para
cados” para bens e serviços e uma moldura que o setor agrícola do Mercosul consiga
regulatória mínima aplicável a todos os paí- agora um bom acordo de acesso a mercado,
ses em regras de comércio. Essa opção foi no caso da Alca básica, a negociação dos
determinada basicamente pela resistência outros tópicos terá necessariamente de levar
dos EUA em incluir antidumping e subsí- em conta os interesses dos outros países nas
dios agrícolas nas negociações, temas que demais áreas. Isso exigirá do Mercosul maior
seriam remetidos à Rodada de Doha da flexibilidade e boa vontade com os interes-
OMC. A proposta do Mercosul acomodou a ses do agronegócio. Se o Brasil não avançar
resistência brasileira em incluir na Alca re- propostas mais abrangentes nesse momento
gras sobre serviços, propriedade intelectual, crucial da Alca, poderá haver uma multipli-
compras governamentais e investimentos. cação de formatos bi e plurilaterais no he-
O fato é que a Alca deixou de ser priori- misfério com perigosos desvios de comér-
dade para os governos do Brasil e dos EUA, cio, investimentos e empregos em direção a
apesar de grupos empresariais brasileiros – regiões agrícolas menos eficientes”.
do agronegócio e da indústria – terem mani-

Sensibilidades no acordo União


festado interesse em uma posição mais ofen-
siva do país nas negociações e, ao mesmo

Européia-Mercosul
tempo, uma disposição para a flexibilidade.
Desde a última reunião do Comitê de Nego-
ciações Comerciais (CNC) em Puebla, no
início de fevereiro, até meados de maio, não A União Européia (UE) absorve 35%
houve evolução dos trabalhos. de todas as exportações agrícolas do Mer-
Em fevereiro de 2004, preocupado com cosul, que representam cerca de 48% de
o impasse nas negociações e a perda de tudo o que o bloco vende para os europeus.
ambição na Alca, o agronegócio entregou Só esse dado é suficiente para mostrar onde
ao chanceler Celso Amorim o seu posicio- se concentram as sensibilidades na negocia-
namento. Dizia o documento: ção do acordo birregional, que deveria ter
sido finalizado em outubro de 2004, mas
“O grande atrativo da Alca para os 34 países foi postergado para 2005, sem data para a
do hemisfério, na avaliação do agronegó- sua conclusão.
cio, era o formato abrangente e ambicioso O interesse europeu no Mercosul, ao
presente no projeto inicial de integração contrário, não se prende à agricultura, mas a

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setores como serviços, investimentos, com- subsídios domésticos e à exportação. Para
pras governamentais e bens não-agrícolas. o agronegócio, a OMC e, particularmente,
A agricultura representou apenas 3%, em a Rodada de Doha, representam a grande
2002, do total exportado pela União Euro- oportunidade para melhorar as condições
péia para o Mercosul. Os principais produ- de acesso a mercados via redução de tarifas
tos embarcados foram vinhos e demais be- e eliminação de subsídios – domésticos e à
bidas espirituosas, malte e azeite de oliva. Já exportação. O multilateralismo é importan-
o interesse do Mercosul na negociação agrí- te especialmente para atacar questões
cola gira em torno de carnes (bovina, suína sistêmicas, como apoio doméstico e com-
e de frango), etanol, fumo, lácteos, milho, petição nas exportações, que não podem
trigo, suco de laranja e algumas frutas. ser resolvidas em negociações bilaterais e
A União Européia adota uma postura regionais. Isso porque é difícil conseguir
inflexível em relação a acesso ao seu mer- extrair dos países desenvolvidos conces-
cado de produtos agrícolas dando ênfase a sões em temas sistêmicos fora do âmbito
uma oferta de liberalização composta de da OMC, como no caso dos subsídios agrí-
uma pequena extensão de quotas tarifárias. colas. Já o tema acesso a mercados pode ser
Ocorre que o uso de quotas pode ser pro- tratado com maior profundidade no âmbito
blemático, dadas as dificuldades de volu- bilateral e regional, comparativamente à
mes, cronogramas de desgravação e admi- esfera multilateral.
nistração entre países e empresas. A Rodada de Doha, que se fundamentou
Em atitude semelhante à adotada em em torno de uma Agenda para o Desenvol-
relação à Alca, o agronegócio brasileiro vimento, foi lançada em novembro de 2001,
posicionou-se em artigo publicado na im- no Catar, na 4a Reunião Ministerial da OMC.
prensa, em meados de setembro, demons- A Declaração de Doha estabeleceu os se-
trando preocupação com “a intransigência guintes objetivos para a área agrícola: me-
de ambos os blocos em avançar ofertas lhora substancial de acesso a mercados; re-
construtivas”. O artigo, assinado por oito dução de todas as formas de subsídios à
líderes do setor, destaca: exportação e redução substantiva de apoio
doméstico distorcivo ao comércio.
“neste momento, entendemos que há uma O futuro da Rodada de Doha será afeta-
pequena e talvez única janela de oportuni- do por questões domésticas em países-cha-
dade para se concluir esse acordo. Ao con- ve: nos EUA (eleições em novembro de
trário da Alca, cujas negociações nem se- 2004) e na União Européia (troca de comis-
quer ultrapassaram a fase das modalida- sários e alargamento do bloco com o ingres-
des, as negociações UE-Mercosul já estão so de dez novos membros). A nova adminis-
na fase de barganha dos interesses ofensi- tração americana poderá aceitar políticas
5 Assinaram o artigo, publicado vos de cada lado. Se perdermos essa opor- agrícolas distorcivas ao comércio para asse-
no dia 11 de setembro de
2004, em O Estado de S. tunidade, todo o processo poderá voltar à gurar o apoio dos ruralistas. A expansão da
Paulo, p. B-2: M.V. Pratini de estaca zero, não apenas porque serão novos União Européia terá dois impactos sobre as
Moraes (Abiec), Gilman
Vianna Rodrigues (CNA), os comissários europeus, mas também pela negociações de Doha: as concessões signi-
Carlo Lovatelli (Abiove),
Márcio Lopes de Freitas (OCB), resistência dos 10 novos membros da UE ficativas de acesso a mercados serão feitas
João de Almeida Sampaio em conceder acesso adicional a terceiros na esfera intra-Europa, já no contexto da
(SRB), Eduardo P. de Carvalho
(Única), José Júlio C. de Lucena fornecedores a partir de 2005, principal- região ampliada, e, politicamente, será mais
(Abef) e Pedro Benur Bohrer
(Abipecs). Assinaram a carta
mente na área do agronegócio” (5). difícil para os governos nacionais europeus
ao chanceler Celso Amorim, assumirem compromissos nas negociações
em fevereiro, os seguintes líde-

A Rodada de Doha e o papel do G-20


res do agronegócio: Gilman multilaterais. Além disso, os países do Leste
Viana Rodrigues (CNA), Carlo e do Mediterrâneo, que já fazem parte da
F. M. Lovatelli (Abag e Abiove),
Márcio Lopes de Freitas (OCB), nova União Européia, se transformarão em
João Almeida Sampaio (SRB),
Eduardo Pereira de Carvalho A OMC é o fórum ideal para fixar re- aliados naturais de Bruxelas.
(Única), Marcus Vinicius Pratini gras universais destinadas à liberalização Se a Reunião de Cancún representou
de Moraes (Abiec) e Cláudio
Henn (Sindifumo). do comércio e para o disciplinamento de um fracasso para as negociações da Roda-

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da de Doha, a grande inovação no cenário industriais, o texto original de Cancún fi-
do multilateralismo foi a constituição do xava metas ambiciosas de consolidação de
6 A caixa amarela compreende
G-20, um grupo heterogêneo de países em tarifas, fórmula não-linear de desgravação, as políticas de apoio interno
capazes de distorcer o comér-
desenvolvimento que teve uma atuação acordos setoriais de redução ou eliminação cio agrícola internacional e que
marcante naquele encontro ministerial e de tarifas, tratamento de preferências e estão sujeitas a limites de uso
global de subsídios durante um
continua a exercer com consistência o seu outras áreas nas quais o Brasil é majorita- período de tempo determina-
papel, em meio a outras coalizões que for- riamente defensivo. O texto final, no en- do, assim como a acordos de
redução. As partes que não
mam o jogo de forças na OMC. tanto, mantém sob negociação a maioria acordaram em reduzir as me-
didas da caixa amarela não
O Brasil, como um dos líderes do G-20, dos pontos sensíveis para o Brasil. estão, em princípio, autoriza-
teve papel destacado, juntamente com a O maior problema é que a Rodada de das a adotá-las. Essas políti-
cas são compostas por siste-
Índia, no NG-5, o grupo informal constituí- Doha foi lançada, em 2001, com a grande mas de sustentação de preço
de mercado e pagamentos
do também por EUA, Austrália e União ambição de reduzir sensivelmente as pro- diretos aos produtores. É uma
Européia. A atuação do NG-5 foi crucial teções e subsídios agrícolas, mas nos anos prática de subsídio acionável
e que consta no cálculo da
para se definir o programa de trabalho da seguintes recebemos alguns banhos de água Medida Agregada de Apoio
Rodada de Doha, no final de julho de 2004, fria com a duplicação dos subsídios ameri- (Aggregate Measurement of
Support – AMS).
com a estrutura básica para o futuro acordo canos na Lei Agrícola 2002 e a tímida re- Os subsídios do tipo caixa
amarela que afetem menos que
multilateral, agora previsto para ser concluí- forma da Política Agrícola Comum da UE, 5% do valor da produção es-
do na 6a Conferência Ministerial da OMC em 2003. tão isentos desse compromis-
so de redução, fato que se deve
em Hong Kong, em dezembro de 2005. ao mecanismo denominado de
minimis. Da mesma forma, to-
PROBLEMAS COM
Entre os principais avanços no progra- dos os membros que não pos-
ma de trabalho da OMC consta a decisão de suem compromissos de redu-
ção devem manter seu AMS

INFRA-ESTRUTURA E LOGÍSTICA
eliminar os subsídios à exportação. Sobre dentro dos limites de minimis,
isso, diz o texto do framework: “os mem- ou seja, até 5% do valor da
produção para países desen-
bros estabelecerão modalidades detalhadas volvidos e 10% para países em
desenvolvimento.
que garantam a eliminação em paralelo de A continuidade do sucesso do agrone- Políticas de Sustentação de
todas as formas de subsídios à exportação gócio brasileiro depende também da infra- Preço de Mercado (Market
Price Support – MPS) e subsí-
e medidas com efeito equivalente em uma estrutura e da logística de suporte ao setor. dios a insumos e/ou produtos
não são isentos. O elemento
data a ser negociada”. Decretam-se, assim, Rodovias, ferrovias, hidrovias, portos: to- MPS do AMS é a diferença entre
em data a ser acordada, o fim dos subsídios dos esses meios de transporte, responsá- o preço administrado aplicado
pelo governo e o preço externo
à exportação e avanços efetivos no veis pelo escoamento dos produtos do cam- fixado de referência (preço
disciplinamento dos créditos à exportação, médio nominal praticado no
po, apresentam deficiências graves no Bra- período de 1986 e 1988),
das práticas distorcivas usadas por empre- sil. A logística (transporte, armazenagem e multiplicado pela quantidade
de produção conveniente para
sas estatais de comércio e do abuso dos portos) é hoje um dos principais pontos de receber o preço administrado
programas de ajuda alimentar. estrangulamento do agronegócio, ao lado de cada commodity. Essa polí-
tica comercial inclui somente
Outra boa notícia no capítulo do apoio do desenvolvimento da biotecnologia commodities de programas de
manutenção de preços admi-
interno é a definição de um corte global no (transgênicos). nistrados. Políticas de MPS e
teto de subsídios distorcivos que incidirá subsídios a insumos e/ou pro-
dutos não são isentos.
sobre a soma da caixa amarela (6), caixa “A capacidade de expansão da agricultura A caixa azul compreende for-
mas de apoio interno capazes
azul e de minimis. Assim, já no primeiro brasileira praticamente chegou ao seu li- de distorcer o comércio interna-
ano haverá uma redução de 20% no teto mite pela falta de infra-estrutura para esco- cional que são, porém, isentas
de compromissos multilaterais
dos subsídios distorcivos. O nível do corte ar a produção. Em 2003, rodovias esbura- por estarem relacionadas a pro-
global deverá ser um dos temas mais aguar- cadas ou sem pavimentação, ferrovias ob- gramas de limitação da produ-
ção agropecuária, as quais não
dados da próxima etapa das negociações. soletas e ineficientes, poucas alternativas estão sujeitas aos compromis-
sos de redução dos apoios in-
Um assunto que demandará esforços hidroviárias, portos sobrecarregados e es- ternos (quotas de produção e
suplementares de negociação é o acesso aos cassez de armazéns tornaram a comercia- programas set aside/restrição
no uso de terras), que devem
mercados agrícolas. Na próxima etapa da lização da safra um verdadeiro caos, preju- estar atrelados a uma área fixa
ou sobre 85% (ou menos) de
Rodada de Doha, deverão ser definidas as dicando a competitividade do agronegócio um nível-base de produção ou
fórmulas para redução de tarifas, as regras brasileiro e causando enormes prejuízos aos número de animais.
O apoio previsto na caixa azul
para o aumento de quotas e quais serão os produtores rurais. Em 2004, a expectativa é considerado exceção aos
produtos sensíveis. é que a situação vá piorar, diante de mais apoios internos ligados à pro-
dução, que estão compreendi-
Quanto ao acesso a mercados de bens uma ótima colheita, do agravamento da si- dos na caixa amarela. Isso

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tuação das rodovias e do fato de que o res- mas ainda pouco disponível. No entanto,
tante da infra-estrutura de transporte pou- as novas hidrovias – Teles Pires-Tapajós e
co mudou.” Araguaia-Tocantins – têm sido embargadas
por decisões judiciais (alegações ecológi-
Essa é a constatação de um estudo de cas). A navegação de cabotagem, impor-
autoria de sete entidades do agronegó- tante para escoar fertilizantes, milho, trigo
cio (7). e arroz, é um negócio de “baixa atrati-
O quadro é dramático. “É muito prová- vidade” por razões como elevados ônus dos
vel ocorrer uma ‘crise de abundância’, caso tributos e encargos sociais, custos salariais
o governo não consiga recuperar as rodovi- de tripulações inchadas, excesso de buro-
as em ritmo mais rápido que o dos estragos cracia para o despacho e transbordo, baixa
que vierem a ser causados pela ação das produtividade das operações no cais públi-
chuvas e do uso”, alertam as entidades au- co, retenção por parte do governo dos re-
toras do estudo. “O risco maior de desastre cursos para investimento arrecadados pelo
logístico no período 2004-2006 reside nas Adicional de Frete para a Renovação da
rodovias administradas pelo governo, cujo Marinha Mercante (AFRMM) e falta de
estado precário está a exigir remanejamen- oferta firme de carga para que possam ar-
tos de recursos originalmente não contem- riscar-se no afretamento a casco nu, de
plados no Orçamento Federal de 2004”, navios adequados e rentáveis (10).
aponta a pesquisa. De acordo com Ariosto da Riva Neto,
O Brasil caminha rapidamente para ul- há uma necessidade de aumento de capaci-
trapassar os EUA e transformar-se no maior dade nos portos brasileiros, nos próximos
produtor mundial de soja. Entretanto, o cus- oito anos, entre 31 e 47 milhões de tonela-
to de logística no Brasil é, em média, 83% das. Em conseqüência da explosão ocorri-
superior ao dos EUA e 94% superior ao da da, em âmbito mundial, no frete marítimo,
Argentina, grandes produtores mundiais (8). o custo da demurrage para um graneleiro
Líder mundial nas vendas externas de tem chegado, em alguns casos, à inacredi-
açúcar, café, suco de laranja, tabaco, com- tável quantia de US$ 50 mil por dia. Uma
plexo soja, carne bovina e de frangos, o espera de trinta dias para carregar um navio
porque aquele deve atender ao
requisito de ser uma medida go- Brasil pode perder vantagens comparati- (situação normal hoje em Paranaguá) leva a
vernamental de limitação da vas, principalmente devido à situação dos uma penalização de US$ 1,5 milhão, repas-
produção interna, independen-
temente de ser considerado um portos e rodovias. No caso do café, por sada ao produtor brasileiro. O principal por-
pagamento direto aos agricul-
tores. exemplo, além de o Brasil ser o maior pro- to de exportação, Paranaguá, é de proprie-
7 Estudo Transporte – Desafio ao
dutor e exportador do mundo (9), é o se- dade da Appa, que opera armazéns de gran-
Crescimento do Agronegócio gundo principal mercado consumidor, com de porte, ao mesmo tempo que é Autoridade
Brasileiro. Os autores são: As-
sociação Brasileira de Agri- um consumo anual de 14 milhões de sacas Portuária. A programação dos caminhões
business (Abag), Associação (abaixo dos EUA, que consomem 18 mi- para descarga no porto tem criado situações
Brasileira de Óleos Vegetais
(Abiove), Associação Brasilei- lhões de sacas), o gargalo no escoamento conflituosas, pois as cargas destinadas aos
ra da Indústria do Trigo (Abi-
trigo), Associação Nacional são as rodovias e as ferrovias. A produção terminais privados têm sido obrigadas a
para Difusão de Adubos do sul de Minas, onde se concentram os aguardar em fila única de mais de 100 km no
(Anda), Associação Nacional
dos Exportadores de Cereais cafés finos para exportação, tem como via período da safra, mesmo que os terminais
(Anec), Associação Nacional
dos Usuários do Transporte de
de escoamento natural o porto do Rio de privados estejam livres para recebê-las, o
Carga (Anut) e União da Janeiro. Entretanto, essa trajetória é difi- que constitui tentativa de implantar uma
Agroindústria Canavieira de
São Paulo (Única). O estudo foi cultada pela precariedade da rodovia de absurda isonomia de ineficiência.
entregue ao ministro da Agri- acesso e por problemas de custos do trans-
cultura em 12 de abril de 2004.
8 Ariosto da Riva Neto, “Infra-Es-
trutura e Logística para o
porte ferroviário.
No Brasil, há um problema de matriz de
A logística da soja
Agronegócio Brasileiro”, pales-
tra no 2o Congresso Brasileiro transporte inadequada, pois predomina o
de Agribusiness. modal rodoviário para longas distâncias, A soja representa 66% das exportações
9 Idem, ibidem. enquanto nos EUA o meio mais usado é a agrícolas brasileiras, devendo chegar a 74%
10 Idem, ibidem. hidrovia. Esse é o transporte mais barato, em 2007. A ferrovia e a hidrovia são os

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modais mais adequados para o agronegó- trazer maior acesso a mercados e regras de
cio, sobretudo a soja. Mas o uso das hidrovias comércio mais equilibradas para o país
ainda é incipiente no Brasil e se concentra competir internacionalmente. Ressaltamos,
mais no sistema Tietê-Paraná. A soja é o também, um dos gargalos fundamentais da
segmento que mais usa a ferrovia, mas a competitividade brasileira: a deficiência em
oferta desse modal atende somente a um terço logística e infra-estrutura. Resta-nos sali-
das necessidades de transporte. A produção entar outros riscos do sucesso do agrone-
de grãos deverá aumentar em oito anos, gócio, como a defesa sanitária, os proble-
passando para 180 milhões de toneladas, mas de visibilidade e as incertezas da bio-
sendo que o milho deverá representar 20 tecnologia (a continuidade da pesquisa e a
milhões de toneladas, a soja, 25 milhões, e autorização para o uso comercial do que
outros grãos, 10 milhões (11). Vê-se, por- sair dos laboratórios).
tanto, a importância da soja para as exporta- O risco da defesa sanitária é enorme,
ções do agronegócio. A venda externa da haja vista o episódio da soja embarcada para
commodity se processa principalmente por a China, que foi devolvida sob alegação de
meio de dez corredores de escoamento: estar contaminada por fungicidas, e os re-
Itacoatiara (AM), Santarém (PA), São Luís centes problemas que decorreram da eclo-
(MA), Ilhéus (BA), Corumbá (MS), Vitória são de dois surtos de aftosa na Região Nor-
(ES), Santos (SP), Paranaguá (PR), São Fran- te do país. O sucesso do Brasil nas expor-
cisco do Sul (SC) e Rio Grande (RS). tações de produtos perecíveis, como car-
Os portos mais importantes são os de nes e frutas, depende de manter e garantir
Paranaguá, Santos e Rio Grande, que foram a segurança dos alimentos. É preciso apri-
responsáveis por quase 80% de toda a ex- morar a rede de laboratórios e dotar o país
portação do complexo soja em 2003. As fer- de mecanismos modernos de certificação e
rovias atendem somente aos portos de São rastreabilidade, combate à febre aftosa,
Luís, Vitória, Santos, Paranaguá, São Fran- newcastle e outras doenças, além do moni-
cisco do Sul e Rio Grande. O Cerrado e o Sul toramento de resíduos.
são as principais regiões produtoras. Finalmente, existe o risco que se pode
Quanto ao Cerrado, exporta sua produ- chamar de “mal da visibilidade”, derivado
ção, equivalente a 60% do total nacional, do crescimento da nossa fatia de mercado e
por meio de quase todos os portos, com da nossa liderança no G-20, agora ampliada
maior utilização de Santos, Paranaguá e Vi- pelos resultados favoráveis obtidos nos
tória. O problema é que todos os portos contenciosos do algodão (contra os EUA) e
estão muito distantes das fontes produto- do açúcar (contra a UE) na OMC. O Brasil
ras. Essa deficiência logística prejudica a deverá sofrer acusações crescentes de des-
competitividade, há congestionamentos na respeito ao meio ambiente e à legislação
época da safra nos portos de Santos, Para- trabalhista. É muito fácil distorcer a realida-
naguá e São Francisco do Sul, devido à de generalizando um problema a partir de
recepção da produção do Sul no mesmo suas exceções. Cabe ao governo e ao setor
período, e os embarques de Santarém de- privado iniciarem uma campanha coorde-
pendem da BR 163, procedente de Cuiabá, nada de ação baseada no combate aos abu-
que é intransitável oito meses por ano. sos e na contraposição das acusações com
uma produção permanente de estatísticas que

CONCLUSÕES
mostrem a realidade tal como ela é. Dezenas
de estudos mostram que o crescimento da
soja e da pecuária ocorreu essencialmente
Este texto discutiu os fundamentos do graças aos ganhos espetaculares de produti-
sucesso do agronegócio brasileiro, bem vidade em áreas de cerrado. Os abusos da
como o quadro das principais rodadas de legislação trabalhista são exceções isoladas,
comércio nas quais o Brasil está envolvido e não a regra, que devem ser coibidas com o
e que, dependendo dos resultados, poderão máximo rigor da lei. 11 Idem, ibidem.

REVISTA USP, São Paulo, n.64, p. 14-27, dezembro/fevereiro 2004-2005 27

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