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As relações de trabalho e a

automação industrial: reflexões sobre


os aspectos históricos, econômicos,
conceituais e sociais
Danielle Bertagnolli*
Felipe Rizzoto**
Maira Angélica Dal Conte Tonial***

Resumo
A automação é o processo pelo qual o direitos fundamentais, flexibilizando-
trabalho do homem é substituído por os na tentativa de se manterem no
máquinas, que produzem de forma emprego, mesmo que isso possa lhes
mais precisa, célere e econômica. Esse custar a saúde ou, até mesmo, a vida.
processo pode ser vislumbrado tanto
por aspectos positivos quanto negati- Palavras-chave: Automação. Desem-
vos: de um lado, tem-se a rapidez da prego tecnológico. Flexibilização de
produção dos bens; de outro, verifi- direitos. Novas tecnologias.
cam-se o desemprego e a disparidade
social crescentes. Desde a Primeira *
Pesquisadora e acadêmica da Universidade
Revolução Industrial os trabalhado- de Passo Fundo, cursando o 9º semestre da
res vêm sendo forçados a conviver em Faculdade de Direito. Contato: dani_ber-
meio à automação e à robótica, vendo tagnolli@terra.com.br.
**
seus postos de trabalho serem subs- Pesquisador e acadêmico da Universidade
tituídos por máquinas, que, como já de Passo Fundo, cursando o 7º semestre da
Faculdade de Direito. Contato: fee.rizzoto@
dito, são muito mais eficientes e rápi- gmail.com.
das. A concorrência é tão desleal que ***
Mestra em ciências jurídicas, professora
faz com que o ser humano se torne ra- Titular da Universidade de Passo Fundo
pidamente obsoleto. Assim, enquanto nas disciplinas de Direito Constitucional e
Direito do Trabalho; coordenadora do Gru-
as empresas buscam meios de produ-
po de Pesquisa sobre Direito do Trabalho e
ção cada vez mais econômicos e lucra- Automação. Contato: mairatonial@upf.br.
tivos, os trabalhadores abrem mão de
Data aceite: out. 2011 - Data submissão: jan. 2011

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Introdução A existência de tal ramo especializado
do Direito supõe a presença de elemen-
tos socioeconômicos, políticos e culturais
As relações de trabalho existem que somente despontaram, de forma sig-
há muitos séculos, mas nem sempre nificativa e conjugada, com o advento e
evolução capitalistas.
foram da maneira como as conhece-
Porém o Direito do Trabalho não apenas
mos atualmente. Assim como o mun- serviu ao sistema econômico deflagra-
do está em constante transformação, do com a Revolução Industrial, no sé-
culo XVIII, na Inglaterra; na verdade,
com sua globalização e desenvolvi- ele fixou controles para esse sistema,
mento das tecnologias, as relações conferiu-lhe certa medida de civilidade,
de emprego acabam por acompanhar inclusive buscando eliminar as formas
mais perversas de utilização da força de
tal ritmo, adequando-se à sociedade trabalho pela economia.1
como um todo. Porém, nem sempre
essa adequação ocorre na mesma ve- Já para Amauri Mascaro do Nas-
locidade que o desenvolvimento e, em cimento,
razão disso, surgem inúmeras conse- o direito do trabalho surgiu como conse-
quência da questão social que foi prece-
quências econômicas e sociais para os dida da Revolução Industrial do século
trabalhadores, bem como para a co- XVIII e da reação humanista que se pro-
pôs a garantir ou preservar a dignidade
munidade em que se inserem.
do ser humano ocupado no trabalho das
A presente pesquisa tem por ob- indústrias, que, com o desenvolvimento
jetivo justamente identificar as conse- da ciência, deram nova fisionomia ao
processo de produção dos bens na Euro-
quências positivas e negativas trazi- pa e em outros continentes.2
das pelo desenvolvimento tecnológico
aplicado ao mundo do trabalho, bem Em face de tais ensinamentos,
como propor medidas que possam au- resta claro que a análise das repercus-
xiliar na busca pela efetivação dos sões da globalização e das revoluções
direitos dos trabalhadores e redução industriais no mundo do trabalho re-
das disparidades sociais que os asso- quer uma prévia narrativa acerca da
lam. história do direito do trabalho. Por-
Consoante assinala Mauricio tanto, para iniciar o estudo, impõe-se
Godinho Delgado, tal análise histórica das relações labo-
rais no mundo e a maneira pela qual
o Direito do Trabalho é produto do ca-
pitalismo, atado à evolução histórica se desenvolveram no tempo.
desse sistema, retificando-lhe distorções
econômico-sociais e civilizando a impor-
tante relação de poder que sua dinâmica
econômica cria no âmbito da sociedade
civil, em especial no estabelecimento e
na empresa.

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Os primórdios das em função da invenção de novas má-
quinas e devido à exploração de novas
relações trabalhistas fontes de energia, a classe operária foi
destituída de seus direitos mais elemen-
tares, sendo submetida a jornadas ex-
Conforme afirma Maira Tonial, cessivas, com descansos insignificantes,
“nas sociedades ditas primitivas, os total desamparo a acidentes de trabalho
vínculos trabalhistas eram inexis- e a doenças profissionais.5

tentes, visto que não havia relações O abuso a tais direitos funda-
de subordinação”. A dominação de mentais dos trabalhadores do setor
um povo sobre o outro surgiu com a fabril culminou em uma série de re-
ocorrência das primeiras guerras e, voluções, greves e manifestações pelo
com isso, surgiram também os movi- reconhecimento das leis trabalhistas.
mentos escravocratas. Com a ruína do No Brasil, a Consolidação das Leis do
Império Romano no ano de 476 d.C. Trabalho apenas foi promulgada em
ganharam força as sociedades feuda- 1943, no governo do presidente Getú-
listas, o que ocasionou a substituição lio Vargas.
da mão de obra escrava por uma for- Em todo o mundo, porém, as
ma de prestação de serviços até então manifestações da classe operária al-
inexistente: o servilismo.3 cançaram seus objetivos mais cedo.
Conforme já mencionado, o sé- O primeiro documento formal reco-
culo XVIII teve como principal marco nhecendo os direitos dos trabalhado-
a Primeira Revolução Industrial, na res a ser redigido foi publicado pela
qual passaram a ser utilizadas forças Igreja Católica em 1891, na forma
motrizes distintas da força muscular da Encíclica Rerum Novarum, de au-
do homem e dos animais, o que propi- toria do papa Leão XIII.6 A título de
ciou a evolução do maquinismo, hoje mera comparação, e até mesmo para
entendido como automação.4 A partir demonstrar o atraso do Brasil no re-
dessa revolução, verificou-se a extre- conhecimento dos direitos sociais de
ma flexibilização dos direitos dos tra- seus trabalhadores, neste mesmo ano
balhadores, que naquela época sequer o país conquistava apenas sua primei-
eram reconhecidos expressamente, ra Carta magna do período Republica-
não passando de lutas e ideais utópi- no. Constitucionalmente, tais direitos
cos a serem conquistados futuramen- só vieram a ser reconhecidos muito
te. Com efeito, mais tarde.
As primeiras constituições a re-
conhecer os direitos dos trabalhado-

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res no mundo foram a Constituição qualquer caráter de norma trabalhis-
do México, de 1917, e a Constituição ta. “É que ela cumpriu papel rele-
Alemã de Weimar, de 1919. A pri- vante na reunião dos pressupostos à
meira marcou o início do movimento configuração desse novo ramo jurídico
chamado “constitucionalismo social”, especializado”, conforme afirma Mau-
que “propõe a inclusão de direitos tra- ricio Godinho Delgado.9 A partir de tal
balhistas e sociais fundamentais nos diploma, inexistindo os vínculos de
textos das Constituições dos países”, escravidão, esses passaram a ser pre-
haja vista que é “uma das principais enchidos na forma de relações traba-
funções do Estado a realização da lhistas, acrescendo-se ao mercado de
Justiça Social”. Assim, nos 31 incisos trabalho junto com as demais contra-
do seu artigo 123 foram estabelecidos tações que já existiam à época.
direitos como a delimitação da jorna- A esse marco inaugural sucede-
da de trabalho, a proibição do traba- se a “fase de manifestações incipien-
lho aos menores de 12 anos e o salá- tes ou esparsas”, que durou aproxima-
rio mínimo, entre outros direitos hoje damente de 1888 a 1930 e caracteri-
considerados fundamentais à pessoa zou-se principalmente pela “presença
humana.7 de um movimento operário ainda sem
Já a Constituição de Weimar ga- profunda e constante capacidade de
nhou força por ser a primeira Carta organização e pressão”. A maioria dos
a propor os direitos sociais no conti- trabalhadores formalizados podia ser
nente Europeu. Entre as premissas encontrada no setor agrícola cafeeiro
estabelecidas, colocou o trabalho sob a de São Paulo e nas indústrias que ali
proteção estatal, garantiu a liberdade e no Rio de Janeiro começavam a sur-
de associação para defesa de melho- gir.10
res condições de trabalho e permitiu A partir de 1930 o Brasil passou
a participação dos trabalhadores no a viver a chamada “fase da institucio-
processo político.8 nalização do direito do trabalho”, que
reuniu intensa atividade administra-
O desenvolvimento do tiva e legislativa estatal no sentido de
implantar um conjunto de medidas
direito laboral no Brasil voltadas à questão social. O ápice des-
No Brasil, o marco inicial da te período foi a promulgação da Con-
história do direito do trabalho pode solidação das Leis do Trabalho, em 1º
ser vislumbrado ainda na Lei Áurea, de maio de 1943, data em que hoje é
mesmo que este texto legal não tenha comemorado o Dia do Trabalhador.11

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O direito do trabalho repouso semanal remunerado, salário
mínimo, jornada diária de oito horas,
previsto nas constituições proibição de trabalho ao menor de
No âmbito das Cartas magnas quatorze anos e de trabalho noturno
de diversos países, podemos encon- ao menor de dezesseis, entre outros
trar desde aqueles que estabelecem direitos.14
minuciosamente os direitos dos traba- Em 1946 foi promulgada nova
lhadores, como é o caso do Brasil pe- Carta, a qual “declarou o trabalho
rante a Constituição Federal de 1988, uma obrigação social e se propôs a as-
até aqueles que nem mesmo os citam, segurá-lo a todos, de modo a possibi-
como é o caso da Constituição dos Es- litar a todos existência digna”. Como
tados Unidos.12 se vê, surgem os primeiros indícios de
No nosso país, a primeira Cons- preocupação com os direitos sociais.
tituição a dispor sobre os direitos dos Entretanto, esta Constituição não
trabalhadores foi a de 1934, sendo trouxe grandes inovações aos direi-
“marcada pelo pioneirismo, ao intro- tos individuais já preconizados ante-
duzir os princípios sobre a ordem eco- riormente, acrescentando-se a eles a
nômica e social, o corporativismo, com licença à gestante e a indenização de
seu sistema de composição da Câmara dispensa e estabilidade, entre outras
dos Deputados, e o pluralismo da or- disposições.15
ganização sindical” (grifos do autor). No auge da ditadura militar, foi
Dentre os direitos previstos, encon- promulgada a Constituição de 1967,
travam-se a pluralidade e autonomia que se dispunha a “garantir a harmo-
dos sindicatos e o reconhecimento das nia e a solidariedade entre os fatores
convenções coletivas de trabalho, omi- de produção e a valorização do traba-
tindo-se, entretanto, no que diz res- lho humano”,16 como forma de tentar
peito ao direito de greve.13 conter a inflação. Seu texto
Já a Constituição de 1937, carac- manteve as mesmas normas de direi-
to coletivo previstas em 1946, porém,
terizada por promulgar o Estado Novo quanto à greve, restringiu-a, proibindo-
de Getúlio Vargas no Brasil, “foi alta- a nos serviços públicos e atividades es-
mente restritiva para as relações co- senciais.
Quanto aos preceitos de direito indivi-
letivas de trabalho”. Em seu texto, “a dual, a maior inovação foi a integração
greve foi considerada recurso nocivo à do trabalhador na vida e no desenvolvi-
produção”. Já com relação aos direitos mento da empresa, com participação nos
lucros e, excepcionalmente, na gestão,
individuais dos trabalhadores, mos- na forma da lei.17
trou-se mais amena, dispondo sobre

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Por fim, a Constituição Fede- O artigo 7º, inciso XXVII, da
ral de 1988, nas palavras de Mauri- Constituição Federal, por sua vez,
cio Godinho Delgado, “trouxe o mais prevê que é direito dos trabalhadores
relevante impulso já experimentado urbanos e rurais, além de outros que
na evolução jurídica brasileira, a um visem à melhoria de sua condição so-
eventual modelo mais democrático de cial, a proteção em face da automação,
administração dos conflitos sociais no da qual tratamos no presente estudo.
país”. O autor segue afirmando:
Já em seu Preâmbulo, a Constituição As fases de
fala em exercício de direitos sociais e
individuais. Nos Princípios Fundamen- desenvolvimento
tais, refere-se a valores sociais do tra-
balho e da livre iniciativa, a uma socie- do trabalho em face
dade livre, justa e solidária, reiterando
a noção de solução pacífica de conflitos
da globalização
(grifos do autor).18
Sob outro aspecto, a história do
Não somente alguns artigos, desenvolvimento do trabalho frente
mas um capítulo inteiro da nossa vi- à globalização pode ser resumida em
gente lei maior, sob o título de “Dos apenas três fases, conforme apresen-
Direitos Sociais”, foi destinado à tute- tado por Paulo Sérgio do Carmo, ci-
la dos direitos dos trabalhadores. No tando o sociólogo Octávio Ianni:
texto constitucional estão reconheci-
A primeira inicia-se nos séculos VX e
dos alguns princípios basilares das XVI, com as grandes navegações, que
relações empregatícias, tais como o resultaram na descoberta de regiões do
globo ainda não exploradas pelos euro-
princípio da valorização do trabalho peus.
(inciso IV, primeira parte, do artigo A segunda fase ocorreu no século XVIII,
no período da Revolução Industrial, com
1º e artigo 170, caput), princípio da
as principais nações européias expan-
igualdade (inciso IV do artigo 3º e ca- dindo seus mercados consumidores em
put do artigo 5º) e princípio da norma todo o mundo. O desenvolvimento de
novas técnicas possibilitou o aumento
mais favorável (caput do artigo 7º).19 da produtividade do trabalho humano e,
Outrossim, encontram-se albergados conseqüentemente, propiciou o aumento
da produção de mercadorias com menor
na Constituição Federal os direitos ao
custo e lucros maiores. Com a Revolução
salário mínimo fixado em lei federal e Industrial, surgem novos personagens
sua proteção contra a arbitrariedade na cena social, como o operariado e seus
mecanismos de luta, os sindicatos e as
do empregador; ao seguro-desempre- idéias socialistas de emancipação da
go; à jornada de trabalho limitada a classe trabalhadora.
oito horas diárias e quarenta e quatro
horas semanais, entre outros.

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A terceira fase, a atual, iniciou-se no fundamentais, pelo menor preço a ser
pós-guerra com o domínio completo das
cobrado. Esse fenômeno é chamado de
empresas multinacionais e a integra-
ção ainda maior dos grandes mercados “dumping social” e, juntamente com
mundiais à periferia do sistema econô- a já mencionada flexibilização, será
mico, isto é, os países do chamado Ter-
aprofundado no presente estudo mais
ceiro Mundo (grifos do autor).20
adiante.
As três fases apontadas pelos
autores indicam fenômenos sociais es-
O desenvolvimento
pecíficos. Com efeito, enquanto na pri-
meira fase se consubstanciaram a ex- da automação
ploração do mundo e a descoberta de
Partindo das ideias anteriormen-
novas fronteiras, a segunda fase pode
te vistas, percebe-se que o desenvol-
ser traduzida na exploração máxima
vimento das novas tecnologias se dá,
do potencial que os trabalhadores po-
principalmente, em razão de dois fa-
dem oferecer, o que atualmente é cha-
tores, quais sejam: a lógica econômica
mado de “flexibilização dos direitos
capitalista e o impulso inerente ao ser
sociais”. Nos parâmetros históricos
humano que visa ao desenvolvimento,
anteriormente estudados, esta fase
não por mera necessidade de sobre-
corresponde ao período da Revolução
vivência, como bem demonstra Rose
Industrial, partindo da época em que
Marie Muraro, mas, sim, por vontade
as indústrias têxteis dominavam o
de ter a sua existência facilitada.
mercado com suas máquinas a vapor,
Indo mais a fundo, vamos falar
até o momento em que restaram esta-
um pouco sobre esses elementos fun-
belecidos os direitos sociais dos traba-
damentais para o desenvolvimento,
lhadores.
começando pelo capitalismo (base da
Já a terceira fase caracteriza-se
ideologia econômica brasileira, perce-
pela união das duas anteriores. Con-
bido facilmente pela interpretação da
ciliando-se a inexistência de fronteira
Constituição da República Federati-
deflagrada pela primeira fase, com a
va do Brasil, em seus artigos 1º, IV;21
possibilidade de exploração dos tra-
art. 3º, III;22 art. 5º, XXII;23 art. 17024).
balhadores consagrada na segunda,
O surgimento desse sistema, en-
surge a possibilidade de buscar o lo-
cal onde melhor se possa aprovei- tre outros fatores, deve-se ao grande
tar o investimento com mão de obra, impulso produtivo gerado pela Pri-
utilizando-se do máximo que o traba- meira Revolução Industrial (final do
lhador possa oferecer, ainda que isso século XVIII). Assim, como outrora
implique afronta aos seus direitos abordado, no período anterior à Pri-

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meira Revolução Industrial não exis- instrumentos de produção, precisa de
tia a possibilidade concreta de exce- mais consumidores, ou melhor, neces-
dentes consideráveis na produção, já sita “alargar os mercados, não apenas
que as ferramentas não permitiam a em sua superfície, mas explorá-los em
fabricação em grande escala. Dessa profundidade. Quanto mais oneroso
forma, inexistia um comércio volumo- e complicado fôr [sic] o produto tanto
so, produzia-se e vendia-se somente o maior deve ser o mercado”.27 O alar-
necessário para a sobrevivência. gamento dos mercados econômicos
Com o advento da Primeira Re- constitui-se, mais precisamente, na
volução Industrial, marco na evolu- globalização – diminuição dos empe-
ção mundial, surge a possibilidade de cilhos à circulação de mercadorias, de
expandir a produção e, assim, confec- maneira a estimular uma maior mo-
cionar objetos de maior qualidade a vimentação mundial de bens e servi-
preços reduzidos.25 Com isso, a tecno- ços. Consequentemente, as empresas
logia de produção foi crescentemente passam a buscar o lucro em qualquer
impulsionada, gerando o desenvolvi- ponto do planeta onde seja possível
mento de novos equipamentos, que aferi-lo.28
permitem uma maior produtividade e, O segundo fator basilar do de-
por conseguinte, a criação de excessos senvolvimento caracteriza-se pela
na produção – gerando o lucro. vontade inata do ser humano de se
Rose Marie Muraro demonstra desenvolver, na busca infinita por fa-
claramente o impulso que o lucro cria cilidades que tornem a sua existência
nas pesquisas, entendendo que exis- mais prolongada, simples e segura.
tem duas bases para o desenvolvi- Nesse sentido é o entendimento de
mento das novas tecnologias: Rose Marie Muraro ao alegar que, se
Em primeiro lugar, por causa das pes- as necessidades econômicas de pro-
quisas: as despesas com pesquisas não gresso fossem o único motor de desen-
podem ser feitas para poucas unidades.
Depois, quanto às máquinas: as máqui- volvimento, ainda seríamos nômades.
nas fabricadas para produzir peças em Todo esse processo evolutivo ge-
grande quantidade podem ter uma pre- rou a mecanização e a automação, ou
cisão enormemente maior que as feitas
para menores quantidades; da mesma seja, novas tecnologias que permitem
forma, os materiais utilizados devem ser ao homem aumentar a produtividade
de qualidade.26
de uma forma nunca antes imagina-
Seguindo o raciocínio, quando da, viabilizando o crescimento expo-
uma empresa despende grande quan- nencial da produção, necessitando de
tidade de dinheiro em pesquisas e em cada vez menos mão de obra.

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Diferenças conceituais des que não a navegação é controver-
tida entre os especialistas, visto que
entre mecanização, parte deles acredita que a força do
automatização e vento foi primeiramente utilizada por
automação Heron (ou Hero) de Alexandria, um
famoso engenheiro que lecionava no
Primeiramente, deve-se explici- Musaeum of Alexandria, no Egito, e
tar o que se entende por mecanização, viveu por volta de 10 a 85 d.C.30 Esse é
automatização e automação, visto que o entendimento do professor Evange-
há grande equívoco com relação a es- los Papadopoulos, que, após afirmar
ses termos. Pretende-se possibilitar, que os gregos foram pioneiros na uti-
com essas definições, uma compreen- lização de moinhos de vento, conclui:
são mais correta e completa sobre o His devices were powered by single hu-
que são e como funcionam as referidas mans, water, steam or the wind, and
tecnologias. contained many simple mechanisms.
His major inventions include the Aeoli-
A maior parte dos autores enten- pile, the first steam turbine,automated
de que a mecanização teve início com machines for temples and theaters, sur-
veying instruments, and military ma-
a utilização da incrível força da água
chines and weapons.31,32
em seu estado gasoso, utilizando-se do
motor a vapor (final do século XVII), Verifica-se entendimento contrá-
que transforma a energia térmica em rio no site do Departamento de Ener-
energia mecânica (trabalho). Assim, gia Americano, que, apesar de não
podemos perceber que a Revolução datar especificamente o momento ini-
Industrial e a mecanização começa- cial, afirma que por volta de 200 a.C.
ram conjuntamente as suas colossais já existiam mecanismos que se utili-
ascensões. Entretanto, não podemos zavam da força do vento para bombe-
deixar de lembrar que, antes do pe- ar água.
ríodo inicial determinado pelos dou- Assim, a mecanização é uma
trinadores, já existia a tecnologia da técnica que permite a extensão das
mecanização. Um exemplo claro disso funções humanas – que não a cere-
são os moinhos de vento, que já eram bral – através de um processo de frag-
utilizados de longa data, principal- mentação e tem como principal carac-
mente na moagem de cereais e, even- terística a possibilidade de repetição
tualmente, para bombear água.29 infinita de determinados movimen-
A data inicial da utilização da tos.33 Essa repetição de determinados
força mecânica do vento em ativida- movimentos é sempre uniforme, ou

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seja, não se modifica. Aí reside um dos uma definição mais concisa do termo
principais problemas da tecnologia da “mecanização” para que, em momento
mecanização, qual seja, a necessidade oportuno, possamos comparar os con-
de observação e correção humana. É o ceitos de automação e mecanização.
entendimento de Santos: Podemos dizer, então, que a mecani-
O maquinismo, não dispondo de quais- zação é um sistema que simplifica o
quer meios de informação tem um trabalho físico, tornando a máquina o
comportamento que se repete unifor-
memente, indiferente às alterações do
principal componente da produção e o
meio […]. É o operador, o operário, que trabalhador, seu acessório. Nesse sen-
dispondo de informações sensoriais, dos tido, diz Scopel38 que por meio da me-
dados de aparelhos de medida e de infor-
mações vária ordem, introduz correções canização, finalmente, as máquinas
na atuação do sistema de máquinas de substituíram o trabalho muscular.
modo a atingir-se o melhor que é possí- A automação teve seu início com
vel, um fim determinado.34
a Segunda Revolução Industrial. O
A mecanização, apesar de ter marco inicial é assim definido, porque
conseguido aumentar a produção a a automação necessitava de outras
patamares nunca antes vistos ou ima- tecnologias-base, sem as quais não
ginados, depende do homem e, por poderia existir, como, por exemplo,
isso, é “relativamente lenta”35 e tam- a cibernética, a eletrônica e a física.
bém perigosa, pois “exige do operário Essas tecnologias somente começa-
movimentos também monótonos que ram sua ampla caminhada a partir
possam servir a máquina dentro de da Segunda Revolução Industrial. As-
rigorosos limites de tempo. A falha sim, podemos dizer que a automação
do operário pode conduzir a prejuízos é uma tecnologia que foi criada com
grandes”.36 O mesmo sentido é o racio- a junção de outras novas tecnologias.
cínio de Paulo Ghinhato, para quem O termo “automação”, como ex-
a operação de múltiplas máquinas ou plica Rifkin, foi cunhado em 1947 por
múltiplos processos gera um maior Del Harder, vice-presidente da Ford
risco de acidentes. Além disso, a me- Motor Company. Harder usou o termo
canização, por exigir que o homem para descrever o uso de equipamentos
acompanhe a máquina, para que ela e controles automáticos nas linhas de
possa agir corretamente, tornaria o produção.
trabalho daquele que opera a máqui- Consoante definição utilizada
na “penoso e sub-humano”.37 pela Organização Internacional do
Por fim, antes de analisarmos a Trabalho, automação é: “The act or
automação, gostaríamos de utilizar practice of using machines that need

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little or no human control, especially novos comandos, que serão exteriori-
to replace workers”.39 (A utilização de zados pela unidade de saída, fazen-
máquinas que precisam de pouco ou do com que, novamente, os dados de
nenhuma intervenção humana, com entrada retornem aos patamares pre-
intuito de, geralmente, substituir tra- viamente programados. Esse sistema
balhadores. Tradução livre). Preferi- é conhecido como princípio de feed-
mos o conceito utilizado por Santos, back (retroalimentação), ou princípio
que bem relaciona o sistema de ajus- de autocorreção das máquinas.
tamento instintivo com a capacidade Importante ressaltar que mui-
do operador humano, entendendo ser tos acreditam que o termo “automati-
a automação zação” é um sinônimo de automação.
um conjunto de técnicas através das Entretanto, a diferença entre os dois
quais se constroem sistemas ativos ca- conceitos é radical. Santos explica que
pazes de atuar com uma eficiência óti-
ma pelo uso de informações recebidas do “o conceito de automatização está in-
meio sobre o qual atuam. Com base nas dissoluvelmente ligado a sugestão de
informações, o sistema calcula a ação
corretiva mais apropriada. Um sistema movimento automático, repetitivo,
de automação comporta-se exatamente mecânico e é portanto sinônimo de
como um operador humano o qual, utili-
mecanização. E mecanismo implica
zando as informações sensoriais, pensa
e executa a ação mais apropriada.40 ação cega, sem correção”.42 Saliente-se
que esse é o entendimento de Muraro.
A tecnologia da automação tra-
As diferenças entre a tecnologia
balha com um conjunto integrado,
da mecanização e da automação en-
semelhante ao de um computador,
contram-se basicamente no princípio
possuindo quatro elementos básicos:
de feedback, que, como já pontuado,
uma unidade de entrada (input), uma
consiste na possibilidade de autoa-
unidade de armazenamento (storage),
daptação de todo o sistema em face
uma unidade central de processamen-
das diferentes informações de reali-
to (central processor) e, finalmente,
dade. O princípio de retroalimentação
uma unidade de saída (output).41
(feedback) não está presente na meca-
Esses quatro elementos básicos
nização; assim, quem percebe a mu-
permitem que os dados que chegam –
dança de realidade e deve, se neces-
através da unidade de entrada – se-
sário, introduzir novas instruções ao
jam armazenados e comparados com
sistema para que trabalhe da melhor
outros arquivados em momentos dis-
forma possível é o operário.
tintos. Caso ocorra uma modificação,
Rose Marie Murarro, utilizando-
a unidade de processamento realiza-
se de analogia, ensina que a tecnolo-
rá operações matemáticas, gerando

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gia da automação é extensão da inteli- uma demanda crescente da sociedade.
gência, do sistema nervoso central do Além disso, estudos científicos cada
homem, demonstrando que vez mais complexos possibilitam uma
os nossos sentidos correspondem ao ele- melhora na qualidade de vida global
mento da entrada, a nossa memória com e a expectativa de cura para doenças
o elemento do mesmo nome; o processa-
mento central corresponde à inteligência, que antes sequer se sabia existirem,
os nervos são os condutores de feedback, já que em períodos pretéritos as pes-
o elemento de saída corresponde à nossa soas morriam sem que a causa do óbi-
ação sôbre [sic] o mundo exterior, etc.43
to fosse conhecida. Por outro lado, no
Utilizando o raciocínio da auto- polo negativo do desenvolvimento en-
ra, a mecanização seria, então, a ex- contram-se o desemprego e a dispari-
tensão dos músculos do ser humano, dade social crescentes, e é nesse ponto
aumentando sua força, agilidade e que o presente escrito se concentrará
precisão, mas não se autoajustando a partir de agora.
instintivamente. Conforme já se salientou, na dé-
Assim, de modo pragmático, po- cada de 1980 a classe dos trabalhado-
demos dizer que a mecanização é a res presenciou a mais aguda crise do
síntese do trabalho físico, e a automa- século XX. A automação e a robótica
ção, em lapidar entendimento de Edu- passaram a fazer parte do universo
ardo Chuahy, demonstrado no prefá- fabril, inserindo-se e desenvolvendo-
cio da obra de Rose Marie Muraro, “a se nas relações de trabalho e de produ-
síntese do trabalho humano”.44 ção do capital. Essas transformações
atingiram profundamente o operaria-
Consequências sociais do industrial tradicional, acarretando
da automação frente às diversas mudanças no “ser” do traba-
lho. Houve uma diminuição da classe
relações de trabalho operária industrial, enquanto, parale-
lamente, verificava-se uma expressiva
Fazendo uma rápida revisão do
terceirização do trabalho, com base na
que já foi explanado até o momento,
enorme ampliação do assalariamento
vê-se que a automação trouxe para a
no setor de serviços. Além disso, ocor-
vida do homem inúmeras consequên-
reu uma alteração qualitativa na for-
cias, tanto boas quanto más. O lado
ma de “ser” do trabalho, uma vez que
positivo dos avanços tecnológicos pode
a substituição do “trabalho vivo” pelo
facilmente ser percebido em aspectos
“trabalho morto” oferece como tendên-
como, por exemplo, a rapidez da pro-
cia a possibilidade de se converter o
dução dos bens duráveis, que atende a

v. 24, n. 1, 2010 - p. 132-150 JUSTIÇA DO DIREITO

143
trabalhador braçal em supervisor e E os autores seguem posicio-
regulador do processo de produção. nando-se no sentido de que “com a
Assim, a tarefa básica dos operários extensão do maquinismo e da divisão
passa a ser a prevenção de danos e do trabalho, o trabalho perdeu todo
reparação das máquinas danificadas, caráter de autonomia e, assim, todo
além da pesquisa, administração e co- atrativo para o operário. Este torna-
mercialização da empresa. As novas se um simples acessório da máqui-
atividades baseiam-se no cérebro hu- na”.47 Tal visão, ainda que exposta no
mano, aliado ao poder de decisão e à ano de 1848, mostra-se plenamente
espontaneidade, o que ainda não pode atual e aplicável à sociedade contem-
ser suprido por computadores (pode porânea. Vislumbra-se no cotidiano
ser que no futuro até mesmo tais ati- fabril a execução da maior parte das
vidades venham a ser desenvolvidas atividades por máquinas desenhadas
por robôs).45 especificamente para o serviço, ao
Consoante afirmam Marx e En- passo que os trabalhadores limitam-
gels, se a regulá-las, prevenir seu desgaste
homem livre e escravo, patrício e ple- e desenvolver atualizações para seu
beu, senhor e servo, mestre e oficial, funcionamento.
em suma, opressores e oprimidos sem-
pre estiveram em constante oposição;
Mozart Victor Russomano de-
empenhados numa luta sem trégua, monstra semelhante visão ao afirmar
ora velada, ora aberta, luta que a cada que, à época da Revolução Industrial,
etapa conduziu a uma transformação
revolucionária de toda a sociedade ou o os trabalhadores
aniquilamento das duas classes em con- eram tão numerosos que chegavam em
fronto.46 quantidade excessiva aos portões da in-
dústria, ficando, a maior parte, ao relen-
Hoje em dia, o que se vê é a luta to, no desemprego, em virtude de estar
entre o homem e a máquina, verda- lá dentro um operário muito mais capaz,
infatigável, feito de ferro, sem nervos e
deira disputa entre criador e criatu-
sem amor, que trabalhava por cem e re-
ra, onde a criação parece dominar seu cebia por dez: a máquina (grifos do au-
mestre. A máquina mostra-se supe- tor).48
rior em diversos sentidos e acaba por Em visão oposta, Rose Marie Mu-
tomar o lugar do ser humano em seus raro analisa que “a tecnologia é neutra
postos de trabalho, mormente por ser em si. Ela não traz inelutàvelmente
mais barato e eficiente, adequando-se [sic] nem o bem nem o mal. Conforme
perfeitamente àquilo que buscam a o uso que o homem lhe der, ela pode
sociedade capitalista e suas empresas servir para a sua escravização ou para
multinacionais. sua libertação”.49 Seu posicionamento

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144
segue no sentido de que a automação Também o autor Ipojucan Demé-
substitui “não o trabalho muscular do trius Vecchi menciona em suas Noções
homem, e, sim, o do seu cérebro”,50 le- de direito do trabalho a questão da
vando a que rapidamente o ser huma- exclusão dos postos de trabalho pela
no se torne obsoleto. O que se vê nas automação industrial:
indústrias hoje em dia é semelhante A reestruturação produtiva, com a pas-
a isso. Ainda que não tenham o poder sagem de um sistema produtivo de tipo
taylorista/fordista para o toyotista e a
de decisão, as máquinas são capazes revolução tecnológica, combinadas com
de desenvolver atividades muito mais a retirada de proteção social por parte
precisas e complexas que o trabalho do Estado, tem provocado desemprego,
precarização e a diminuição drástica de
braçal humano, além de fazê-lo em qualidade de vida de imensos contin-
velocidades superiores, aumentando gentes humanos. Além disso, percebe-se
o nível de produção e a qualidade do um aprofundamento da violação e (so)
negação não só dos direitos sociais, mas
produto. A conclusão alcançada pela da própria dignidade pessoal dos traba-
autora é de que a automação repre- lhadores, desconsiderados como pessoas
integrais. No mundo do trabalho, nas
senta o fim do trabalho como neces-
relações de trabalho, a consequência de
sidade de sobrevivência, encerrando tudo isso é o surgimento do que se cha-
o ciclo histórico de dez mil anos que ma de “flexibilização”, com nítido cará-
ter neoliberal.52
teve início com a agricultura mus-
cular e iniciando o que ela chama de Dessa forma, o autor aponta
“civilização do lazer”. “Pela primeira como principal consequência do de-
vez, em seu todo, a humanidade vence senvolvimento tecnológico não só o de-
a carência e conquista a abundância”, semprego, mas a necessidade de flexi-
afirma. A proposta apresentada é de bilização dos direitos dos trabalhado-
que, a partir da automação de suas res para poderem se manter em seus
funções, os homens poderão “ter aces- empregos. A realidade atual é que
so à reflexão, ao mundo da cultura e à muitos empregados preferem ter abo-
plena gratificação”.51 lidos alguns de seus direitos sociais
Entretanto, deve-se ter em men- e fundamentais para não perderem
te que a mencionada obra de Muraro seu meio de sustento. A flexibilização
foi escrita na década de 1960, quan- consiste, portanto, na diminuição dos
do as perspectivas para o futuro eram direitos dos trabalhadores, tais como
muito diferentes das de hoje, de ma- a retirada do caráter salarial da sua
neira que as informações precisam participação nos lucros da empresa,
ser filtradas pelos acontecimentos da as quais são aceitas por esses para
atualidade. que possam manter seus empregos.

v. 24, n. 1, 2010 - p. 132-150 JUSTIÇA DO DIREITO

145
A moeda de troca é bastante simples: suma, assim como qualquer outra em-
se não forem aceitos os novos padrões presa incluída no sistema capitalista,
da prestação de serviços, o trabalha- as grandes indústrias com poderio
dor é demitido e logo aparecerá outro transnacional buscam o lucro acima
disposto a ocupar seu lugar e sujeitar- de qualquer bem-estar daqueles que
se às condições precárias. Não é difí- o provêm. Não importa o sacrifício
cil encontrar empresas com listas de dos trabalhadores explorados, sendo
espera de trabalhadores desemprega- contratados e mantidos no processo
dos, aguardando uma vaga para que produtivo aqueles que puderem pro-
possa ser feita sua contratação. porcionar a maior margem de ganhos.
Quanto ao desemprego originá- Assim, conforme afirma Paulo Sérgio
rio da exclusão dos postos de trabalho do Carmo, “no processo de rearranjo
pela mecanização e automação dos e de adaptação, as companhias deslo-
serviços prestados, há quem o deno- cam suas fábricas para outros países,
mine, especificamente, de “desempre- terceirizam parte do trabalho, auto-
go tecnológico”, o qual pode ser concei- matizam outras, e assim por diante”,55
tuado, conforme asseverado por Lauro sempre em busca da maior margem
A. Monteclaro César Jr., como de lucros possível.
o desemprego gerado pela combinação Na visão de Vecchi, “tudo isso
da utilização em grande escala da tecno- implica, portanto, uma subordinação
logia de informática e telecomunicações
ainda maior do trabalho perante o
aliada às novas técnicas gerenciais como
meio de aumentar a produtividade das capital, aumentando, principalmente
empresas com a consequente redução da nos países subdesenvolvidos, o fosso
necessidade de mão-de-obra.53
entre incluídos e excluídos do ‘merca-
Em paralelo à flexibilização do’, e, ainda, com um aumento signi-
dos direitos dos trabalhadores e ao ficativo do trabalho forçado”. O autor
desemprego tecnológico, outro efei- apresenta, ainda, uma pesquisa rea-
to que aparece como consequência lizada pela Organização das Nações
da evolução tecnológica é o chamado Unidas em 2005, a qual concluiu que
“dumping social”, que ocorre quando “a globalização faz mal aos pobres e
as “megacorporações podem escolher acentua as desigualdades entre povos
seletivamente onde irão produzir, le- e pessoas”. Os resultados apontaram
vando em conta, entre outros fatores, que 15% da população mundial se
as leis fiscais e ambientas e os direi- beneficiam de 80% da produção mun-
tos trabalhistas reconhecidos em de- dial; assim, os 20% mais ricos respon-
terminados Estados nacionais”.54 Em dem por 85% do consumo mundial,

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146
enquanto os 20% mais pobres não baixos encontram-se justamente na
conseguem consumir 1% do que é pro- substituição dos trabalhadores pelas
duzido. Dessa forma, vê-se que máquinas, acarretando o mencionado
as desregulamentações e flexibilizações desemprego tecnológico, e na explora-
do mercado de trabalho contribuem for- ção do máximo que aqueles puderem
temente para o aumento da desigualda-
de, causando erosão salarial, redução
oferecer, pela flexibilização dos seus
de postos de trabalho e causando uma direitos, ainda que isso possa lhe cus-
epidemia de informalidade e precarie- tar a saúde ou, até mesmo, a vida.
dade.56

O autor acrescenta a visão de Labour relations


Uriarte sobre a questão, o qual afirma
que
and industrial
o verdadeiro problema é um sistema automation: reflections
econômico que destrói mais do que gera
postos de trabalho. a substituição da
about historicals,
mão-de-obra por tecnologia, a possibi- economicals, socials and
lidade técnica de produzir com menos
mão-de-obra, mais a conveniência eco- conceptuals aspects
nomicista de manter um desemprego
funcional são os reais problemas.57
Abstract
Assim, a conclusão a que che-
ga, que é por nós compartilhada, é Automation is the process by which
a de que “existe um aumento brutal human labor is replaced by machines,
do desemprego, sobretudo nos Esta- which produce more accurately, qui-
dos menos desenvolvidos e que têm ckly and affordably. This process can
be described by both positive and ne-
menos capacidade de investimento.
gative aspects: on one hand, it makes
Dessa forma, a questão do emprego
the production of goods faster; on the
está diretamente ligada, como afirma
other, there is unemployment and gro-
Pochman, à capacidade de inserção wing social disparity. Since the First
de cada país na economia internacio- Industrial Revolution years, workers
nal, no mercado internacional”.58 So- are being forced to live in the midd-
mente podem sobreviver no mundo le of automation and robotics, seeing
capitalista aqueles que superarem as their jobs being replaced by machines,
margens de ganhos e lucros que os de- which as already said, are much more
mais e, para isso, é preciso buscar o efficient and fast. The competition is
menor custo de produção que se puder so unfair that causes humans to be-
alcançar. Com efeito, os custos mais come quickly obsolete. Therefore, as
companies seek ways to produce more

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147
12
economical and profitable, workers NASCIMENTO, Amauri Mascaro do. Direi-
to do trabalho na Constituição de 1988. 2.
give up their rights, easing them in ed. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 1.
an attempt to remain in employment, 13
NASCIMENTO, Amauri Mascaro do. Direi-
even though it might cost their health to do trabalho na Constituição de 1988. 2.
ed. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 8.
or even the life. 14
NASCIMENTO, Amauri Mascaro do. Direi-
to do trabalho na Constituição de 1988. 2.
Key words: Automation. Technological ed. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 9.
unemployment. Rights flexibilization. 15
NASCIMENTO, Amauri Mascaro do. Direi-
to do trabalho na Constituição de 1988. 2.
New technologies. ed. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 10.
16
NASCIMENTO, Amauri Mascaro do. Direi-
to do trabalho na Constituição de 1988. 2.
Notas ed. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 11.
17
NASCIMENTO, Amauri Mascaro do. Direi-
1
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de to do trabalho na Constituição de 1988. 2.
direito do trabalho. 5. ed. São Paulo: LTr, ed. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 11.
2006. p. 81. 18
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de
2
NASCIMENTO, Amauri Mascaro do. Cur- direito do trabalho. 5.ed. São Paulo: LTr,
so de direito do trabalho. 17. ed. São Paulo: 2006. p. 123.
Saraiva, 2001. p. 4. 19
VECCHI, Ipojucan Demétrius. Noções de
3
TONIAL, Maira Angélica Dal Conte. Dissí- direito do trabalho: um enfoque constitu-
dio coletivo: o mútuo consentimento como cional. 3. ed. Passo Fundo: Universidade de
requisito. Curitiba: Juruá, 2009. p. 104- Passo Fundo, 2009. p. 290, 292 e 326.
105. 20
CARMO, Paulo Sérgio do. O trabalho na
4
NASCIMENTO, Amauri Mascaro do. Cur- economia global. 2. ed. São Paulo: Moderna,
so de direito do trabalho. 17. ed. São Paulo: 2004. p. 13-14.
Saraiva, 2001. p. 10. 21
“Os valores sociais do trabalho e da livre
5
TONIAL, Maira Angélica Dal Conte. Dissí- iniciativa”.
dio coletivo: o mútuo consentimento como 22
“Erradicar a pobreza e a marginalização
requisito. Curitiba: Juruá, 2009. p. 106.
e reduzir as desigualdades sociais e regio-
6
TONIAL, Maira Angélica Dal Conte. Dissí- nais”.
dio coletivo: o mútuo consentimento como 23
“É garantido o direito de propriedade”.
requisito. Curitiba: Juruá, 2009. p. 107.
24
7 “A ordem econômica, fundada na valoriza-
NASCIMENTO, Amauri Mascaro do. Cur-
ção do trabalho humano e na livre iniciati-
so de direito do trabalho. 17. ed. São Paulo:
va, tem por fim assegurar a todos existên-
Saraiva, 2001. p. 31.
cia digna, conforme os ditames da justiça
8
NASCIMENTO, Amauri Mascaro do. Cur- social, observados os seguintes princípios”.
so de direito do trabalho. 17. ed. São Paulo: 25
MURARO, Rose Marie. A automação e o fu-
Saraiva, 2001. p. 34.
turo do homem. 2. ed. Rio de Janeiro: Vozes,
9
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de 1969.
direito do trabalho. 5. ed. São Paulo: LTr, 26
MURARO, Rose Marie. A automação e o fu-
2006. p. 105-106.
turo do homem. 2. ed. Rio de Janeiro: Vozes,
10
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de 1969. p. 76.
direito do trabalho. 5. ed. São Paulo: LTr, 27
MURARO, Rose Marie. A automação e o fu-
2006. p. 106-207.
turo do homem. 2. ed. Rio de Janeiro: Vozes,
11
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de 1969. p. 77.
direito do trabalho. 5. ed. São Paulo: LTr,
2006. p. 109-110.

JUSTIÇA DO DIREITO v. 24, n. 1, 2010 - p. 132-150

148
28 40
PASSOS, Fernando. O impacto da globaliza- SANTOS, José. J. Horta. Automação in-
ção da economia nas relações individuais e dustrial: uma introdução. Rio de Janeiro:
coletivas de trabalho. Revista Ltr, São Pau- Livros Técnicos e Científicos, 1979. p. 11.
lo, v. 62, n. 3, p. 339, mar. 1998. 41
MURARO, Rose Marie. A automação e o fu-
29
Contra: Rose Marie Murarro: entende que a turo do homem. 2. ed. Rio de Janeiro: Vozes,
invenção da mecanização teve como protóti- 1969.
po o método de impressão tipográfico inven- 42
SANTOS, José. J. Horta. Automação indus-
tado por Johannes Gutenberg (1969). trial: uma introdução. Rio de Janeiro: livros
30
PAPADOPOULOS, Evangelos. “Heron of Técnicos e Científicos, 1979, p. 11.
Alexandria”, capítulo em Distinguished 43
MURARO, Rose Marie. A automação e o fu-
Figures in Mechanism and Machine Sci- turo do homem. 2. ed. Rio de Janeiro: Vozes,
ence, Their Contributions and Legacies, 1969. p. 68.
Springer Netherlands, 2007. 44
31
MURARO, Rose Marie. A automação e o fu-
“Seus equipamentos eram movidos por pes- turo do homem. 2. ed. Rio de Janeiro: Vozes,
soas, água, vapor ou vento, os quais tinham 1969.
vários mecanismos simples. Suas maiores 45
invenções incluem o Aeolipile, a primeira ANTUNES, Ricardo. Para onde vai o mun-
turbina a vapor, máquinas automatizadas do do trabalho? In: ARAÚJO, Ângela Maria
para templos e teatros, instrumentos de Carneiro (Org.). Trabalho, cultura e cidada-
pesquisa, máquinas e equipamentos milita- nia: um balanço da história social brasilei-
res” (tradução livre). ra. São Paulo: Scritta, 1997. p. 105-114.
46
32
PAPADOPOULOS, Evangelos. “Heron of MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifes-
Alexandria”, capítulo em Distinguished to comunista. Porto Alegre: L&PM, 2001. p.
Figures in Mechanism and Machine Sci- 23-24. (Coleção L&PM Pocket).
47
ence, Their Contributions and Legacies, MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifes-
Springer Netherlands, 2007, p. 23. to Comunista. Porto Alegre: L&PM, 2001.
33
MURARO, Rose Marie. A automação e o fu- p. 35. (Coleção L&PM Pocket).
48
turo do homem. 2. ed. Rio de Janeiro: Vozes, RUSSOMANO, Mozart Victor. O emprega-
1969. do e o empregador no direito brasileiro. 7.
34
SANTOS, José. J. Horta. Automação in- ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 08.
49
dustrial: uma introdução. Rio de Janeiro: MURARO, Rose Marie. A automação e o fu-
Livros Técnicos e Científicos, 1979. p. 10. turo do homem. 2. ed. Rio de Janeiro: Vozes,
35
MURARO, Rose Marie. A automação e o fu- 1969. p. 17.
50
turo do homem. 2. ed. Rio de Janeiro: Vozes, MURARO, Rose Marie. A automação e o fu-
1969. p. 49. turo do homem. 2. ed. Rio de Janeiro: Vozes,
36
SANTOS, José. J. Horta. Automação in- 1969. p. 57.
51
dustrial: uma introdução. Rio de Janeiro: MURARO, Rose Marie. A automação e o fu-
Livros Técnicos e Científicos, 1979. p. 10. turo do homem. 2. ed. Rio de Janeiro: Vozes,
37
SANTOS, José. J. Horta. Automação in- 1969. p. 63.
52
dustrial: uma introdução. Rio de Janeiro: VECCHI, Ipojucan Demétrius. Noções de
Livros Técnicos e Científicos, 1979. p. 11. direito do trabalho: um enfoque constitu-
38
SCOPEL, L. M. M. Automação industrial: cional. 3. ed. Passo Fundo: Universidade de
uma abordagem técnica e econômica. Passo Fundo, 2009. p. 59.
53
Educs, 1995. CÉSAR JR., Lauro A. Monteclaro. Equacio-
39
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TION. Thesaurus 2005. Disponível em: co. Espaço Acadêmico, n. 36, 2004. Dispo-
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fev. 2010. 2010.

v. 24, n. 1, 2010 - p. 132-150 JUSTIÇA DO DIREITO

149
54
VECCHI, Ipojucan Demétrius. Noções de INTERNATIONAL LABOR ORGANIZA-
direito do trabalho: um enfoque constitu- TION. Thesaurus 2005. Disponível em:
cional. 3. ed. Passo Fundo: Universidade de <http://www.ilo.org/public/libdoc/ILO-The-
Passo Fundo, 2009. p. 65. saurus/english/tr933.htm>. Acesso em: 3
55
CARMO, Paulo Sérgio do. O trabalho na fev. 2010.
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2004. p. 28. MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifes-
56
VECCHI, Ipojucan Demétrius. Noções de to Comunista. Porto Alegre: L&PM, 2001.
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cional. 3. ed. Passo Fundo: Universidade de MURARO, Rose Marie. A automação e o fu-
Passo Fundo, 2009. p. 63.
turo do homem. 2. ed. Rio de Janeiro: Vozes,
57
VECCHI, Ipojucan Demétrius. Noções de 1969.
direito do trabalho: um enfoque constitu-
cional. 3. ed. Passo Fundo: Universidade de NASCIMENTO, Amauri Mascaro do. Di-
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