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História e Relações Internacionais - A prática diplomática na Europa ... http://books.openedition.

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História e Relações Internacionais | Luís Nuno


Rodrigues, Fernando Martins

Pedro Cardim
p. 11-53

Note de l’auteur

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Ο presente ensaio apresenta os resultados parciais do projecto de


investigação Optima Pars II – As Elites da Sociedade Portuguesa do
Antigo Regime, coordenado por Nuno Gonçalo Monteiro e financiado
pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (Ministério da Ciência e
da Tecnologia), pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de
Lisboa, pela Universidade de Évora e pela Universidade Nova de
Lisboa. Desejo agradecer a Isabel Cluny a leitura e a crítica de uma
primeira versão deste texto. As suas sugestões em muito ο
beneficiaram.

Texte intégral
1 No longo período compreendido entre 1450 e ο final do
século XVIII a diplomacia sofreu uma profunda
transformação. Em meados de Quatrocentos a interacção
diplomática surge ainda como uma actividade pouco
desenvolvida e pouco frequente; em pleno século XVIII,
pelo contrário, os laços diplomáticos apresentam já
contornos bastante complexos, afirmando-se como um
ramo cada vez mais importante da acção da Coroa. Foram
três séculos de mudanças, três séculos que alteraram por
completo a natureza das missões diplomáticas, bem como
ο seu lugar na política europeia.
2 Estas mudanças não passaram despercebidas à recente
historiografia, e a verdade é que, nos últimos quinze anos,
a diplomacia se converteu num dos temas mais
frequentados pelos historiadores que se ocupam da Europa
da época moderna. A este investimento historiográfico não
é certamente alheio ο facto de, entre 1996 e 1998, se terem
realizado vários encontros científicos para assinalar a
passagem de trezentos e cinquenta anos sobre a assinatura
dos tratados de Vestefália (1648-1998). As actas das
grandes conferências realizadas em Münster, em
Osnabrück, em Paris e em outros locais da Europa foram já
publicadas, proporcionando uma enorme quantidade de
novos dados e de novas perspectivas sobre a diplomacia e a
sua evolução histórica2. Como resultado desse inusitado
interesse, dispomos hoje de um considerável número de
trabalhos sobre as origens e ο desenvolvimento da
actividade diplomática, e, em especial, sobre ο impacto que

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os «tratados da paz geral», assinados em 1648, exerceram


sobre as relações externas.
3 Nesta recente massa de investigação sobre a história do
dispositivo diplomático há um aspecto que ressalta: a
análise da diplomacia e da sua evolução possui uma
relação cada vez mais estreita com ο estudo da formação
dos aparelhos de governo e de administração3. De facto, os
historiadores têm demonstrado que uma das facetas mais
importantes do desenvolvimento da actividade governativa
e administrativa terá sido ο crescimento do dispositivo
diplomático das diversas casas reais. Ο presente ensaio
tem precisamente como finalidade dar conta dos aspectos
mais salientes dos trabalhos produzidos pela recente
historiografia, concedendo uma especial atenção a esta
articulação entre ο desenvolvimento da diplomacia e ο
crescimento do aparelho administrativo. Como se poderá
verificar, ο ponto de vista adoptado será, em geral,
europeu, se bem que, aqui e ali, ο caso português seja
convocado.

A matriz itálica
4 Apesar de ser um fenómeno geral e registado à escala
europeia, não restam hoje dúvidas de que ο
desenvolvimento da diplomacia ocorreu, de um modo
especialmente precoce, no espaço italiano. A Itália do
século XV era composta por várias cidades-estado, cada
uma delas com um grau de organização e de
desenvolvimento bastante acentuado, contando com cinco
principais entidades - ο ducado de Milão, a República de
Veneza, a República de Florença, ο Estado da Igreja, ο
Reino de Sicília e Nápoles -, e com um número
significativo de cidades-estado com um menor poderio
político. Devido a esta situação de partilha do poder, a
Itália deste tempo costuma ser encarada como uma espécie
de microcosmos da evolução do dispositivo político-
diplomático, sendo costume dizer-se que ο facto de esta
região da Europa se caracterizar por uma acentuada

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fragmentação política foi propício ao desenvolvimento


prematuro de um sofisticado dispositivo diplomático. A
situação de fragmentação do poder proporcionou aos
italianos uma peculiar experiência, impondo ο convívio
quotidiano entre regimes governativos muito díspares, já
que principados e repúblicas coexistiam face-a-face. Ao
mesmo tempo, esta situação obrigou os grandes
potentados a relacionarem-se com as pequenas cidades-
estado, para além de ter levado as autoridades urbanas a
uma permanente vigilância face às ingerências vindas do
exterior. Em certo sentido, a Itália representava, em
miniatura, aquilo que a Europa viria a ser nos séculos que
se seguiram.
5 Entre os estados que compunham a Peninsula Itálica
chegou mesmo a existir uma certa ideia de «Lega Italica»,
de confederação, a qual foi concebida, pela primeira vez,
pelo papa Martinho V, com ο objectivo confesso de criar,
em torno da Santa Sé, uma cintura de protecção contra os
projectos de hegemonia europeia que estavam então a
surgir, sobretudo por parte das Coroas ibéricas, de França
e do Sacro-Império4. Como assinalou recentemente
Ricardo Fubini, independentemente da sua realização, a
mera formulação da ideia de «Lega Italica» representa ο
reconhecimento da existência de um novo tipo de estado
territorial, à margem das rígidas hierarquias feudais5.
6 Todo este ambiente político terá também sido favorável a
uma profusa reflexão sobre cerimonial e cortesias, e, ainda,
à curialização da elite aristocrática, a qual monopolizou os
principais postos nas várias cortes principescas da
Península Itálica. A aristocracia logrou controlar os
principais postos de governo, civil e militar, e os cargos
diplomáticos não foram excepção, pois também nessa área
se fez sentir ο predomínio aristocrático.
7 Por último, a circunstância de os italianos se encontrarem
geograficamente situados entre a Europa Ocidental e ο
Mediterrâneo Oriental também foi determinante, pois fez
com que entre eles surgisse uma especial aptidão para
desempenhar ο papel de interlocutores entre ο Ocidente e

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Bizâncio. A República de Veneza, em particular,


especializou-se nesta prática, e após a queda de
Constantinopla muitos venezianos continuaram a
monopolizar os contactos entre a Sublime Porta e os
príncipes ocidentais6.
8 A par da precocidade do caso italiano, um outro aspecto
que se destaca nos trabalhos dedicados à diplomacia do
Antigo Regime é a chamada de atenção para a dimensão de
alteridade. Na verdade, quase todos os estudiosos
sublinham as muitas diferenças que existem entre aquele
que era ο entendimento das relações externas durante ο
período que se estende do século XV ao XVIII, e aquilo que
actualmente se encontra por detrás da palavra Diplomacia.
A Diplomacia, hoje, é vista como um ramo da
administração pública, como uma actividade exclusiva da
instituição estatal de cada país, sendo assegurada por
funcionários públicos naturais do país que representam,
actuando em nome do Estado a cujo serviço se encontram,
e agindo em prol dos interesses da população que está sob
essa entidade estatal. Além disso, a actividade diplomática
é regulada por princípios e por normas que pertencem a
um ramo específico do Direito Público, ο Direito
Internacional Público, ο corpus normativo que disciplina a
interacção entre Estados soberanos.
9 José Calvet de Magalhães - um destacado diplomata
português e ele próprio um estudioso do fenómeno
diplomático - propôs recentemente uma definição de
diplomacia. Para Calvet de Magalhães, a diplomacia é ο
instrumento pacífico mais típico desse sector da acção do
Estado que é a «Política Externa», devendo ser definida,
fundamentalmente, como técnica de «contacto
internacional». Tal contacto supõe, desde logo, uma noção
mais ou menos consensual de paridade entre os vários
Estados envolvidos nessa interacção, bem como ο
reconhecimento de um determinado conjunto de normas
que governam esse relacionamento, ο qual, na sua
essência, procede por meios pacíficos. Quanto a métodos
de negociação, segundo Calvet de Magalhães a política

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externa assenta, fundamentalmente, em três


procedimentos: as negociações directas, a diplomacia e,
ainda, a mediação7. Por último, outra faceta da actual
diplomacia é ο facto de os representantes desempenharem
ο papel de expositores, e não de autores, da política
externa do Estado a cujo se serviço se encontram.
10 Na Europa de finais do século XV ο cenário diplomático
era bem diferente daquele que acabou de ser apresentado
de forma muito esquemática, pois boa parte dos traços
mais típicos da actual diplomacia estão pura e
simplesmente ausentes. Desde logo porque em vez do
Estado, eram as casas reais quem protagonizava a pouca
interacção diplomática que então existia, e até ao século de
Quinhentos as relações entre entidades políticas
resumiram-se, praticamente, aos laços de parentesco
estabelecidos entre membros de diversas casas reais. Em
vez de contactos pacíficos numa base permanente,
predominavam as situações de guerra, e as poucas
iniciativas diplomáticas que tiveram lugar nesses anos
visaram precisamente sanar conflitos militares. É certo
que, com ο tempo, a prática diplomática começou a dar
mostras de se querer autonomizar da mera tarefa de
resolver conflitos, passando a ser vista, também, como
instrumento de negociação sobre outro tipo de matérias
para lá das questões bélicas, como era ο caso dos interesses
comerciais. Todavia, a original ligação entre a guerra e a
diplomacia revelou-se perene, perdurando durante muito
tempo.
11 Outra faceta da prática diplomática desses tempos
recuados é ο facto de a Coroa não deter ο monopólio da
comunicação oficial com as autoridades exteriores ao
reino. De facto, nenhuma das coroas da Europa detinha ο
exclusivo da representação no exterior, pois para além da
família real, outras entidades mantinham uma
representação permanente além-fronteiras, como era ο
caso da Igreja e das principais casas aristocráticas. Como
se pode calcular, essas diversas representações
diplomáticas nem sempre actuavam de uma forma

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concertada. Acresce que não era raro um dignitário


representar, em simultâneo, vários príncipes, por vezes
nem sempre amigos entre si – prática que seria impensável
na diplomacia nos nossos dias.
12 Ainda assim, ao longo do século XV, e muito por influência
da experiência italiana, a actividade diplomática foi
apresentando contornos mais complexos, sendo já possível
encontrar uma prática negocial com uma componente de
representação mais vincada, ou seja, ο ambasciatore surge
já como ο representante, como aquele que fala em nome do
seu senhor, ο qual poderia ser tanto uma autoridade
secular como um dignitário eclesiástico. Além disso, alguns
diplomatas vão assumindo a função de recolha de
informação, tarefa que, no futuro, constituirá uma das suas
mais fundamentais incumbências. Por ultimo, neste
período surgem os primeiros diplomatas envolvidos em
negociações complexas e demoradas.
13 Como se sabe, a difusão da prática diplomática, desde
Itália, é um processo que se relaciona com a emergência de
novos potentados na Europa Ocidental de Quatrocentos e
de Quinhentos. Ao mesmo tempo que se afirmavam na
cena internacional, as casas reais que estavam à frente de
tais potentados desenvolveram ο seu dispositivo
governativo e administrativo, criando as condições
necessárias para encetar relações a uma escala muito mais
vasta. Com ο século de Quinhentos surgem os primeiros
príncipes seculares capazes de pôr em prática estratégias
políticas com uma projecção mundial, algo que, como não
podia deixar de ser, se reflectiu profundamente nos
processos negociais. Até aí as diferentes cortes régias
limitavam-se aos contactos bilaterais com os seus vizinhos
mais próximos, comunicando entre si numa base irregular,
mediante enviados ou outro tipo de intermediários mais ou
menos temporários. No século XVI, pelo contrário, as
possibilidades de comunicação a longa distância tornaram-
se muito mais amplas, ο que ditou ο alargamento do
espaço de interacção política.
14 Outra importante novidade da actividade diplomática

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desenvolvida nestes anos foi ο aparecimento de


representantes com um carácter permanente. As primeiras
embaixadas permanentes de que temos notícia são, uma
vez mais, italianas, tendo surgido ainda no século XV.
Porém, aos poucos as demais entidades políticas europeias
foram adoptando ο sistema de embaixador residente, ou
seja, passaram a contar com representantes com um
carácter permanente junto de cortes estrangeiras. Tanto a
Santa Sé como os Habsburgo austríacos – sobretudo sob
Maximiliano I –, implementaram muito rapidamente esse
sistema de embaixadores permanentes8. Na Península
Ibérica ο dispositivo diplomático desenvolveu-se no
mesmo sentido, tanto em Aragão como em Castela, se bem
que mais lentamente9. Em Portugal, um dos primeiros
embaixadores residentes em Roma foi designado em 1512:
tratava-se de João de Faria, um jurista de formação,
seguindo-se ο famoso D. Miguel da Silva. De acordo com
Calvet de Magalhães, a França também demorou algum
tempo a estabelecer ο seu dispositivo permanente de
embaixadores, mantendo-se apegada a um outro regime de
relacionamento entre diferentes casas reais, regime esse
que tinha origens ancestrais: os encontros pessoais entre
monarcas10.
15 Construida a partir do século XVI, a rede europeia de
diplomatas permanentes assumiu, rapidamente,
dimensões absolutamente inéditas, em termos da sua
extensão mas também da intensidade e da complexidade
das relações estabelecidas entre os diversos príncipes
seculares e eclesiásticos. E a despeito da radicalização do
antagonismo religioso entre Católicos e Protestantes, e do
esforço dos principes católicos para restringir a
comunicação com ο Norte Protestante, ao longo do século
de Quinhentos a actividade diplomática contou com
excelentes condições para se desenvolver.
16 Sintomaticamente, foi também em Itália que viu a luz um
dos primeiros tratados especificamente dedicados à arte
diplomatica: ο De officio legati, escrito em 1436 pelo
diplomata veneziano Ermolao Barbaro e impresso em

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Roma nos finais de Quatrocentos. Em face do grande


número de obras publicadas nos anos subsequentes,
podemos afirmar, com segurança, que ο interesse pela
temática diplomática não parou de aumentar: de 1498 a
1598 foram impressos dezasseis livros sobre diplomacia;
nas duas décadas que se seguiram, e até 1620, surgiram
vinte e um novos livros, um quantitativo sem dúvida
impressionante.
17 Devido a esta literatura, e também a toda a experiência que
ia sendo adquirida e acumulada, ο ofício de diplomata
começou a ganhar contornos mais nítidos, embora seja
notória, ainda, alguma fluidez. A designação que era então
atribuída ao servidor diplomático, por exemplo, denotava
uma certa indefinição: falava-se em Orator, em
Commissarius, em Nuncius, em Deputatus, em Legatus ou
em Consiliarius. Além disso, apesar da vulgarização da
figura do embaixador residente, vários príncipes europeus
continuaram a manifestar relutância em aceitar a presença
cada vez mais constante, na sua corte, de representantes de
príncipes estrangeiros. Muitas autoridades deste período
chegaram mesmo a recusar-se a receber enviados
diplomáticos, expressando a sua desconfiança face ao
verdadeiro propósito dessas missões, devido ao receio de
espionagem. A propria profissão diplomática, como
veremos mais adiante, tinha ainda fronteiras algo
ambíguas, e em certos momentos mal se distinguia da
função de agente secreto ou de espião. Significativamente,
no léxico coetâneo não marcam presença nem a palavra
«diplomata» nem ο conceito «diplomacia».

Ο projecto do «Império Universal»


18 Durante ο século XVI as relações diplomáticas entre os
diferentes príncipes (eclesiásticos e seculares) foram
fortemente condicionadas por um ideal que, apesar das
suas ancestrais origens, continuava a contar com muitos
adeptos: a ideia de «Império Universal». Como é bem
sabido, em pleno século de Quinhentos continuavam a ser

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numerosos aqueles que acreditavam que a humanidade


deveria organizar-se segundo um domínio único, alegando
que essa situação política era a mais conforme aos
desígnios da divindade.
19 Este ideal, que tinha também muito de crença religiosa,
estava estreitamente associado aquele que era ο
entendimento coetâneo do conjunto formado pelas várias
entidades políticas cristãs. De facto, em pleno século XVI
todas as entidades políticas continuavam a reconhecer-se
na ideia de que faziam parte de um cosmos
harmoniosamente ordenado pela divindade, estruturado
de forma orgânica numa estrita hierarquia de graus,
distinções e dignidades. Neste contexto, as repúblicas, os
marquesados, os ducados, os principados e os reinos eram
tidos como membros de um todo orgânico, membros
qualitativamente muito diversos, escalonados numa linha
ascendente convergente para Deus. Acreditava-se que esse
todo orgânico, criado por Deus, era, por isso, mesmo fixo,
imutável e indisponível para os homens. Todos os
propósitos de organização deveriam levar em conta essa
estrutura orgânica e respeitar essas diferenças, e para
aqueles que não respeitassem tais princípios ou que
atacassem essa organizaçao, a guerra era não só «justa»
mas também um dever de todos os cristãos11.
20 É inegável que esta maneira de conceber as relações no
espaço europeu reflectia, também, uma profunda
aspiração de concórdia e um desejo religioso de paz,
sentimentos ardentemente acalentados pelos europeus
numa época em que a cena internacional se revelava cada
vez mais competitiva12. Ο ideal de «Império Universal»
possuía fortes ressonâncias religiosas, pois estava
associado à noção de Respublica Christiana, expressão que
denotava um conceito de comunidade caracterizado, antes
de mais nada, por assentar em laços espirituais
instaurados pela religião. Na Europa de Quatrocentos e de
Quinhentos todas estas aspirações de unidade e de paz
estiveram bastante em voga e, à semelhança do que se
passara em épocas anteriores, muitos manifestaram a

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convicção de que certos príncipes – eclesiásticos ou


profanos – estavam investidos da missão divina de
instaurar essa comunidade espiritual e de promover a paz
em todo ο mundo. A nostalgia da idade imperial da
Antiguidade Romana, muito presente em toda a Europa
Ocidental deste período, também concorreu para manter
viva a admiração pelo poder universal.
21 Foi em Italia que estes ideais encontraram mais adeptos.
Nessa região chegaram mesmo a escutar-se apelos à
formação de uma «Lega Italica», a qual, para muitos, seria
ο primeiro passo para a unificação da Península Itálica, um
processo que tinha subjacente a ideia de que tal união iria
ser ο prelúdio de uma paz universal, uma reedição, uma
renovatio do imperium, da paz e da justiça. Esta ideia de
renovatio imperial inspirou muitos humanistas italianos,
para quem ο Latim iria ser como que a língua franca dessa
ordem universal. Cumpre não esquecer que ο irenismo, ο
profundo desejo de paz e a pacificação entre os homens – a
querelapacis, a «luta pela paz» de que falava Desidério
Erasmo – eram alguns dos temas mais salientes do ideário
humanista13. Marcel Bataillon, grande estudioso do
pensamento de Erasmo de Roterdão, demonstrou que ο
irenismo constitui um dos temas mais omnipresentes do
ideário erasmiano. Ainda que não tivesse dedicado uma
obra à temática imperial, Erasmo, em alguns dos seus
escritos, confessa a admiração que sentia pelo imaginário
do Império, associando-o a um projecto de paz universal, a
qual anunciaria a renovação da Cristandade e ο seu
regresso a uma certa Idade de Ouro14. Cumpre não
esquecer que, nas gerações que se seguiram, as posições
irenistas de Erasmo de Roterdão continuaram a ter muitos
adeptos, contando-se entre eles ο famoso Hugo Grócio.
22 Este excurso sobre a temática imperial poderá parecer,
talvez, demasiado longo, mas a verdade é que ele é
importante para ο tema que estamos a analisar, pois
permite compreender melhor ο modo como ο imaginário
do «domínio universal» condicionou toda a evolução da
diplomacia no século XVI. Na verdade, enquanto teve

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adeptos, este ideário favoreceu uma moral muito mais


voltada para os interesses do conjunto da Cristandade,
concedendo pouco espaço para a afirmação do
individualismo político. Além disso, ele serviu também
para justificar a subordinação dos vários principes cristãos
à autoridade que se apresentava como investida da
dignidade Imperial. Ο Papado, os Habsburgo austríacos e a
Monarquia Hispânica, cada um à sua maneira,
apropriaram-se deste imaginário, utilizando-o para
legitimar projectos políticos hegemónicos, ο mesmo
sucedendo, um pouco mais tarde, com a Monarquia
Francesa. Como consequência, a estratégia diplomática
destes vários potentados foi modelada por uma visão
imperial da política europeia, facto que concorreu para
converter os embaixadores dos Habsburgo e os legados do
Papado em representantes activos de projectos
universalizantes.

A Santa Sé e a pretensão do domínio


universal
23 A presença do imaginário imperial na diplomacia é muito
visível no caso da Santa Sé e na sua postura face às
autoridades políticas da Europa medieval e moderna.
Como mostrou Paolo Prodi15, desde meados do século XI ο
Papado teve de se adaptar à afirmação dos novos reinos
cristãos europeus, tendo sido precisamente nessa altura
que surgiu um sistema duradouro de coexistência entre a
Santa Sé e os príncipes seculares, sistema esse que só se
dissolveu a partir de 1648, com os acordos assinados na
Vestefália. De facto, até esse período a Igreja, enquanto
entidade supra-nacional, reivindicou uma autoridade
espiritual universal e, com base nisso, não se limitou a
desempenhar ο papel de árbitro entre as diversas casas
reais, acabando mesmo por intervir activamente nos
assuntos internos dos vários reinos cristãos. Para legitimar
esse seu comportamento ο Papado invocou, precisamente,
ο título de «Vigário de Cristo» e de «Chefe da Igreja», uma

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chefia que transcendia as soberanias temporais, em


especial em matérias que se relacionavam directa ou
indirectamente com a religião.
24 Ao comportarem-se deste modo, os sucessivos Papas
apresentavam-se como autoridades investidas de uma
missão providencial de pacificação. Porém, esta postura
interventora da Santa Sé supunha, igualmente, um
entendimento vertical e hierárquico das relações entre ο
Papado e os demais príncipes cristãos, no quadro do qual
se reconhecia ao pontífice ο direito de ingerência nos
assuntos internos de cada reino. A fim de pôr em prática
esses propósitos, ο Papado desenvolveu instrumentos que
regulavam ο seu relacionamento com as diversas
autoridades cristãs. Entre esses instrumentos destacam-se
as Concordatas e as Nunciaturas. As primeiras são, como
se sabe, acordos individuais entre autoridades espirituais e
políticas, acordos esses regulados, naquele período,
exclusivamente pelo Direito Canónico. Nesse sentido, as
concordatas podem ser vistas como um desenvolvimento
importante no que toca ao Direito Internacional, pois
reflectem um esforço para disciplinar, juridicamente, as
relações entre ο Sumo Pontífice e as diversas casas reais.
Porém, cumpre não esquecer que essas concordatas
tinham implícita a noção de que entre as partes não existia
uma relação paritária. Em vez disso, reconhecia-se à Santa
Sé uma posição jurisdicional mais preeminente, e muitas
dessas concordatas consagravam, precisamente, ο direito
que assistia ao Papado de intervir nas questões internas
dos vários reinos cristãos.
25 Quanto às Nunciaturas, elas eram os órgãos de ligação
entre ο Papado, as Igrejas locais e, sobretudo, os vários
príncipes seculares. As nunciaturas tinham à sua frente ο
Núncio, um ministro que, em termos de estatuto, possuía a
condição de representante de um príncipe – ο Papa,
suprema autoridade espiritual – junto de outro príncipe,
desta feita temporal. Ο Núncio representava ο estado
pontifício junto dos poderes seculares, e a sua presença nas
diversas cortes europeias generalizou-se no século XVI,

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substituindo os Legados, muito mais frequentes no


período medieval. A partir do século de Quinhentos cada
rei que reconhecia ο estatuto do Núncio enviado por Roma
ficava com a obrigação de manter um embaixador
residente na Santa Sé. Em nome do princípio da
reciprocidade, ο reino que recebesse um Núncio teria de
manter um embaixador residente em Roma, embaixador
esse que, ao chegar à sede pontifícia, deveria pronunciar a
chamada «oração obediencial», ou seja, a oração solene em
que ο diplomata – falando em nome do príncipe que ο
enviara – afirmava solenemente que ο seu senhor
reconhecia a autoridade do Papa e ο seu estatuto de
soberano espiritual16. Manifestações ritualizadas de
reconhecimento da soberania pontifîcia, essas orações
comportavam também ο reconhecimento, por parte do
senhor que enviou esse emissário, do lugar da sua coroa na
ordem hierárquica da Cristandade, no topo da qual se
encontrava ο Sumo Pontifice.
26 Os Núncios estavam investidos de vastos poderes fiscais e
jurisdicionais, representando, no fundo, um poder supra-
nacional que, em nome do Papa, interferia no espaço
jurisdicional das diversas coroas europeias. Em teoria, a
fînalidade do Papado era promover a paz entre as
autoridades cristãs, mas a verdade é que acabou por
provocar toda uma série de conflitos. Até 1559 a
diplomacia pontifícia teve uma actuação relativamente
moderada, pois estava condicionada pelo equilíbrio de
poderes na Península Itálica. Porém, nesse ano foi
assinado ο pacto entre Roma e a Monarquia Hispânica, ο
qual viria a tornar-se na base do sistema da Contra-
Refoma, conferindo à diplomacia pontifîcia – e também à
dos Habsburgo17 – uma feição muito mais autoritária e
interventora. Como se sabe, apesar da oposição que gerou,
esse tratado ditou ο alargamento da jurisdição da Igreja
nos diversos reinos católicos, autorizando a intervenção
pontifîcia em sectores muito vastos da política interna
desses territórios18.
27 Face à Santa Sé a situação da Inglaterra e da França era

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distinta, e nestes reinos a ingerência pontifícia enfrentou


sempre uma grande resistência, sobretudo no segundo
caso, pois no contexto francês existia uma antiga e pujante
tradição “galicana”. No contexto da fragmentação
confessional e das guerras da religião, ο Papa surgiu como
ο paradigma do príncipe simultaneamente espiritual e
temporal, um modelo que ja não era viável na paisagem
política francesa. Ainda assim, a interferência pontifícia
nos assuntos internos franceses continuou a ser fortíssima,
e ο Papado, juntamente com a Monarquia Hispânica,
estiveram por detrás das guerras civis e religiosas que
dividiram os franceses a partir de meados de Quinhentos19.
Em Inglaterra, por seu turno, a posição de cisma assumida
por Henrique VIII e a decisão de fundar a Igreja Anglicana,
tornaram a intervenção romana bem mais reduzida.
28 Os Concilies, enquanto assembleias que reuniam
representantes do clero de toda a Europa, eram outra
forma de ο Papado intervir na cena política. Aliás, até ao
século XV as grandes questões do interesse comum da
Respublica Christiana foram debatidas e resolvidas,
sobretudo, no quadro dos Concílios, onde ο papel mais
fundamental era desempenhado por dignitários com
formação em Teologia ou em Direito Canónico. Todavia, a
partir de meados de Quatrocentos a situação começou a
mudar, registando-se a mobilização de leigos para ο
desempenho de algumas dessas missões de representação.
Deu-se aquilo que Marc Fumaroli designou de «crepúsculo
político da teologia diplomática»20. Ainda assim, nos
concílios realizados durante ο século XVI coube aos
teólogos ο papel mais marcante, e ο Concilie de Trento,
mais do que qualquer outro, ilustra na perfeição aquilo que
acabámos de afirmar.
29 No que concerne à época em que se realizou ο Concílio de
Trento, cumpre referir que, na segunda metade de
Quinhentos e ao longo do século XVII, ο Papado, a fim de
vincar ο seu protagonismo politico, tirou partido dos dois
grandes conflitos em que os católicos se viram envolvidos:
a luta contra os Protestantes, e, sobretudo, ο combate

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contra ο avanço dos Turcos na Europa Oriental. Há que


não esquecer que, a pretexto da guerra contra os
Otomanos, ο ideal de cruzada voltou a ser reavivado, e ο
Papado liderou esses apelos, deles retirando dividendos
políticos muito amplos21. No fundo, através desses gestos ο
Sumo Pontífice procurava afirmar-se como ο principal
líder da Cristandade.

Os Habsburgo e ο seu projecto


hegemónico: hierarquia e ingerência
30 No seu magistral estudo sobre ο ideário imperial, Frances
Yates analisou detalhadamente a figura de Carlos de
Habsburgo, ο qual, como é bem sabido, foi sagrado
imperador em 1519. Após a morte de Maximiliano I, Carlos
conseguiu levar a melhor sobre os demais candidatos ao
título imperial. Uma vez no poder, e graças a uma
estratégia que conjugou as alianças dinásticas e a
conquista militar, Carlos V alcançou uma autoridade
efectiva sobre uma parte substancial da Europa,
submetendo, também, vastos territórios nos outros
continentes. Este domínio tão alargado conferiu ainda
mais força ao projecto imperial que, desde ha séculos,
andava associado à família dos Habsburgo, e sob Carlos V
ο desígnio de poder universal foi mais do que nunca
entendido como uma renovação, operada através da
instauração de um domínio único em todo ο mundo22.
31 De acordo com a mesma F. Yates, a personalidade de
Carlos V concorreu decisivamente para intensificar a ideia
de renovatio, não só na política terrena mas também na
sua dimensão mais propriamente espiritual. Ο imperador
sentiu-se continuador da tradição da monarchia
universalis, ο que comportava ο dever e a obrigação
sagrada de proteger a Cristandade. Porém, no caso
específico de Carlos de Habsburgo, este imaginário, de raiz
germânica, foi reforçado por elementos de variada
proveniência, como ο ideário de Cruzada de cunho
hispânico, ο ideal cavaleiresco e ο humanismo de raiz

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erasmista23. Profundamente religioso e piedoso, Carlos V


esforçou-se por assumir uma postura imperial, ostentando
constantemente um intenso sentido da responsabilidade
da sua missão. Dessa maneira, corporizou, de um modo
extremamente visível, a missão/vocação renovadora do
império, e os seus diplomatas personificaram essa postura
imperial, pois encararam as outras casas reais europeias
como entidades que deveriam acomodar-se aos superiores
desígnios do imperador.
32 A par dos propósitos hegemónicos, há que reconhecer que
a estratégia imperial dos Habsburgo envolvia um
determinado conceito de segurança e de equilíbrio à escala
europeia. De facto, ο projecto imperial visava instaurar
uma situação de convívio pacífico entre diversos
potentados, embora tal dependesse, necessariamente, da
submissão dos pequenos estados, dos príncipes e das
diversas comunidades, processo que nem sempre se
revelou pacífico. É bem sabido que, após Carlos V, ο título
imperial não passou para ο seu filho Filipe, e que este, logo
no início do seu reinado, deu mostras de não ter esperança
de algum dia poder governar todo ο mundo24. No entanto,
importa frisar que, apesar de tudo, a noção de Monarquia
Universal continuou associada à casa real dos Habsburgo
espanhóis, reflectindo não só a extensão do domínio, mas
também ο carácter heterogéneo dos reinos e dos territórios
sobre os quais essa casa dinástica era soberana25.
33 Foi justamente nesse contexto que ο monarca hispânico
passou a ostentar ο título de Rex Catholicus, assumindo ο
papel de Defensor Fidei, de defensor da «Cristandade
aflita» contra os ataques dos Protestantes26. Como
dissemos, Filipe de Habsburgo parece já não acalentar a
esperança de se converter em senhor de todo ο mundo.
Contudo, a despeito desta tomada de consciência de uma
relativa impotência, a noção de Monarquia Universal
permaneceu associada à casa real castelhana,
condicionando fortemente ο estilo das relações externas
que foram mantidas por Filipe II e pelos seus sucessores.
Os enviados dos Habsburgo espanhóis desenvolveram,

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fundamentalmente, uma diplomacia “confessional”,


marcada por uma estreita articulação entre as finalidades
religiosas e os objectivos políticos da Monarquia
Hispânica27.
34 Num estudo recente dedicado a esta temática, Miguel
Angel Ochoa Brun qualificou a política exterior de Filipe II
como «diplomacia de predomínio»28. Segundo Ochoa
Brun, este monarca promoveu uma prática diplomática
que jamais perdeu de vista um projecto de hegemonia
político-militar, algo que se tornou especialmente notório
no estilo de relações estabelecidas tanto com Inglaterra
como com França. Com os primeiros, os desentendimentos
políticos e religiosos estiveram na origem de uma situação
de fricção quase permanente. No caso francês, Filipe II
manteve uma rede de agentes e de espiões que apoiaram,
constantemente, a Liga Católica, interferindo, sem
qualquer pejo, nos assuntos da política interna francesa29.
Como consequência, no quadro das atribuladas relações
franco-espanholas da segunda metade de Quinhentos, a
fronteira entre a diplomacia e a espionagem tornou-se
muito ténue.
35 Nas demais frentes diplomáticas a postura de Filipe II não
foi muito diferente daquela que acabámos de descrever.
Isso mesmo é visível no estilo de relacionamento que
manteve com os estados de Itália, incluindo a Santa Sé. De
facto, entre Filipe II e ο Papado notam-se muitos sinais da
ancestral rivalidade entre os dois projectos de hegemonia
universal, e a postura regalista hispânica foi tenazmente
defendida pelos sucessivos embaixadores espanhóis em
Roma, os quais se intrometeram constantemente nos
assuntos da Igreja. Importa não esquecer, para além disso,
que a Coroa hispânica tinha uma forte posição territorial
em Itália, já que os reinos de Nápoles, da Sicília e da
Sardenha faziam parte dos domínios de Filipe II, ο mesmo
sucedendo com a região Lombarda. Como seria de prever,
tal situação gerou tensões tanto com ο Papado como com
as pretensões imperiais dos Habsburgo austríacos, pois
parte do Norte de Itália (Tirol e Trentino) pertencia ao

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ramo centro-europeu dos Habsburgo.


36 A mesma postura de predomínio caracterizou a diplomacia
de Filipe II em relação à Península Ibérica. A ingerência da
casa real castelhana nos assuntos internos Portugueses
tornou-se extremamente forte desde as primeiras décadas
do século XVI. Os seus embaixadores, e sobretudo as
princesas castelhanas que casaram com membros da
família real portuguesa, condicionaram fortemente a
política interna lusitana, desenvolvendo uma crescente
pressão durante ο tempo que antecedeu a crise sucessória
de 1580, como que preparando a união dinástica que viria
a consumar-se em 158130.
37 Filipe II manteve, com grande consistência, a mesma
atitude de predomínio em todos os palcos diplomáticos em
que se envolveu. Tal sucedeu no âmbito dos seus contactos
com ο Mediterrâneo Oriental, e também nas negociações
motivadas pela competição europeia na Ásia, em África e,
especialmente, na América. Ο incremento da pirataria,
aliado às primeiras incursões francesas e inglesas em
terras americanas, levou Filipe II a negociar, mas fê-lo
sempre, e uma vez mais, com uma postura de predomínio,
exigindo ο direito exclusivo a estabelecer-se nos territórios
americanos, africanos e asiáticos. Nos últimos anos de
Quinhentos a diplomacia de Filipe II manteve a sua já
habitual atitude hegemónica, não obstante ο impacto
negativo da derrota da «Armada Invencível» ao largo da
costa britânica (1588). Os seus sucessores, Filipe III e
Filipe IV, mantiveram, de um modo geral, esta postura de
predomínio ante os demais reinos europeus e face aos seus
intentos para ocupar parcelas do território ultramarino31.
38 Na primeira metade do século XVII a diplomacia da
Monarquia Hispânica permaneceu em consonância com ο
projecto hegemónico dos Habsburgo, embora se tenha
ajustado ao curso dos acontecimentos. Miguel Angel Ochoa
Brun considera que a política exterior de Filipe III e Filipe
IV foi animada por três sucessivas preocupações:
primeiramente, entre 1598 e 1621 (reinado de Filipe III),
nota-se um claro esforço de pacificação, preconizado por

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D. Francisco de Sandoval y Rojas, duque de Lerma e


durante boa parte do reinado ministro favorito do rei32.
Importa no entanto frisar que a Pax Hispanica instaurada
nestes anos era uma paz “à romana”, ou seja, era uma
situação inseparável do predomínio da casa de Habsburgo
e dos seus interesses. Como demonstrou recentemente
Bernardo Garcia, apesar dos esforços para encerrar
conflitos que lavravam desde há muito, durante as
primeiras décadas de Seiscentos a Coroa espanhola
continuou a preconizar uma «diplomacia de predomínio»,
não se vislumbrando nenhum entendimento mais paritário
da cena política europeia33. Todavia, a este período
sucederam-se duas décadas de grande envolvimento
bélico, uma época durante a qual ο conde-duque de
Olivares liderou a política hispânica, levando as forças de
Filipe IV a intervir em diversos teatros de guerra. Por fim,
a partir de 1640, e numa altura em que a Monarquia
Hispânica estava a ser derrotada em várias frentes
militares e a ser desestabilizada por graves revoltas
internas, a prioridade terá sido a defesa da reputação34.
39 Em síntese, até meados do século XVII predominou uma
prática diplomática muito marcada pelos dois principais
projectos de poder universal, ο Pontifício e ο dos
Habsburgo espanhóis. Esta situação fez com que a
diplomacia do período compreendido entre 1550 e 1650
fosse modelada por um entendimento organicista do
conjunto formado pelas entidades políticas cristãs.
Vigorava um sistema de relações vertical e fortemente
hierarquizado, pautado por uma flagrante ausência de
igualdade, dado que os estados pequenos tinham de
prestar vassalagem às autoridades que se apresentavam
como universais. Além disso, negava-se ο direito de
soberania a muitos estados pequenos, os quais foram
objecto de sistemáticas ingerências por parte dos poderes
com intenções imperiais, sem que tal tivesse sido
denunciado ou criticado. Acresce que as relações
diplomáticas quase que se resumiram à resolução de
questões entre diferentes famílias reais, ou a negociações

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preparatórias de uniões matrimoniais entre membros de


diferentes casas dinásticas.
40 Por último, é importante sublinhar que a postura de
predomínio dos Habsburgo não significou que ο
relacionamento entre essa casa dinástica e os demais
estados tenha sido necessariamente tirânico ou autoritário.
Estudos recentes demonstraram que organizações políticas
como a Monarquia Hispânica ou os domínios dos
Habsburgo austríacos se assemelhavam bastante a uma
confederação, pois garantiam às partes que as compunham
um grau muito acentuado de autonomia. Além disso, tais
organizações desenvolveram as suas próprias formas de
regulação, as quais, durante um considerável periodo de
tempo, se revelaram capazes de harmonizar as relações
entre os reinos e os territórios que integravam esses
grandes conglomerados políticos. No entanto, embora
desfrutassem de amplíssimas liberdades, os territórios que
integravam a Monarquia Hispânica viam negados alguns
direitos que, com ο tempo, viriam a ser considerados
fundamentais: não podiam optar por sair desse grande
aglomerado político, nem podiam desenvolver contactos
exteriores sem a prévia autorização dos Habsburgo.

Ο Congresso de Vestefália. Um momento


de viragem?
41 Os europeus acalentaram, durante muito tempo, ο ideal do
poder universal, revelando, até, alguma relutância em
abdicar dele, mesmo quando a Europa se viu mergulhada
em conflitos intestinos. A verdade é que, no século XVI,
esse “sonho” estava já a dar sinais de desgaste. A Reforma
Protestante, mais do que qualquer outro evento,
representou um rude golpe nos projectos universalizantes,
abalando seriamente os propósitos católicos de unidade. A
Inglaterra e a França, e mais tarde as Províncias Unidas,
tiraram partido do enfraquecimento sofrido tanto pelo
Papado como pelos Habsburgo centro-europeus. Quanto à
Monarquia Hispânica, desde ο final de Quinhentos e até à

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década de 1640 viu-se acossada em várias frentes bélicas,


envolvendo-se numa série de conflitos cuja intensidade se
acentuou a partir da década de 1620, altura em que a
chamada «Guerra dos Trinta Anos» assumiu proporções
europeias.
42 Retrospectivamente, podemos dizer que ο século de
Seiscentos acabou por ser marcado pelo grande desafio
que a Coroa francesa lançou à hegemonia dos Habsburgo.
Ao mesmo tempo que as forças hispânicas iam
acumulando derrotas militares, ο dispositivo agregatório
que durante algumas décadas conferira coesão à
Monarquia Hispânica foi, aos poucos, perdendo eficácia, e
os conflitos sucederam-se no interior dos domínios dos
Habsburgo. Com ο eclipse do poderio espanhol, iam-se
afirmando outros projectos hegemónicos, como ο da casa
real de França e, mais tarde, ο de Inglaterra, embora
nenhum deles tenha chegado a alcançar ο poderio que
caracterizara, nas décadas anteriores, ο Monarca
Hispânico. Na verdade, no vazio de poder resultante da
«Guerra dos Trinta Anos» nenhum potentado se revelou
suficientemente forte para alcançar a hegemonia, e tal
situação acabou por se revelar propícia ao aparecimento de
uma situação internacional caracterizada por um certo
conceito de equilíbrio.
43 Significativo é também ο facto de, ao longo destes anos, a
própria postura dos embaixadores de Filipe IV ter
começado a mudar. A partir de 1641, e depois de sucessivas
derrotas, a prioridade da diplomacia hispânica foi a defesa
da reputação da Coroa dos Habsburgo espanhóis, ο que,
segundo Ochoa Brun, terá implicado uma incessante
negociação, mas agora com uma disposição nova, já que os
embaixadores espanhóis desenvolveram um esforço
inédito de conciliação com as entidades políticas exteriores
à Monarquia Hispânica35.
44 A mudança estendeu-se a todos os sectores, e nem sequer
ο Sumo Pontífice foi poupado. Até aí assistira-se a
sucessivas tentativas da Santa Sé para condicionar as
opções políticas dos vários príncipes católicos, tanto

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mediante os Núncios e as Concordatas, como através de


expedientes punitivos como ο Interdite ou a Excomunhão.
Porém, a verdade é que, em pleno século XVII, esses
expedientes pontifícios estavam a tornar-se cada vez
menos eficazes. Ο protagonismo do Papado na cena
europeia estava claramente a diminuir, e ο que melhor
simboliza esta viragem são os termos em que assentaram
quer a paz de Vestefália (1648), quer a paz entre França e a
Monarquia Hispânica (1659). A Santa Sé foi praticamente
marginalizada dos tratados resultantes dessas negociações,
ο que representou uma clara derrota para os seus esforços
de protagonismo e para ο seu empenho em desempenhar
um papel de mediação36.
45 A prioridade passava agora por alcançar uma paz segura,
duradoura e mais ou menos digna para todas as partes.
Procurava-se criar um regime de relações que se
caracterizasse por uma certa complementaridade, à
semelhança do que já se passava no interior de cada reino.
Falava-se, com cada vez maior insistência, em «paz geral»,
expressão que, de resto, foi frequentemente utilizada pelos
diplomatas presentes em Münster e em Osnabrück em
meados da década de 1640. Sucederam-se as propostas de
dispositivos de segurança colectiva, começando-se a
conceber a noção de protecção das partes contratantes.
Vislumbrou-se uma certa ideia de “comunidade
internacional”, uma comunidade que, de alguma maneira,
deveria estar baseada no direito positivo, e na preservação
da qual deveriam participar todos os membros dessa
organização.
46 Podemos assim dizer que, desde meados de Seiscentos, a
generalidade dos reinos e das repúblicas se empenhou em
alcançar uma situação de paz na Europa, traduzindo-se tal
empenho na realizaçao de várias negociações multilaterais
para calar as armas e para que fossem firmados acordos.
Foi precisamente nessa altura que começou a estar em
voga um novo procedimento diplomático: a negociação
multilateral, através dos congressos de paz. A partir da
terceira década de Seiscentos os congressos tornaram-se

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eventos frequentes: um dos primeiros teve lugar em


Colónia (1636), realizando-se um outro em Regensburg
(1640), e outro ainda em Passau (1644). Finalmente, a
partir de 1643 teve lugar, nas cidades de Münster e de
Osnabrück, ο mais famoso destes eventos: ο «congresso da
paz geral».
47 As negociações de Vestefália – realizadas, como se sabe,
entre 1643 e 1648 – acabam por ser ο sinal visível de que ο
campo das relações entre os diversos potentados europeus
estava a sofrer uma profunda mutação. Mais do que
iniciadores da mudança, os tratados firmados em Münster
e em Osnabrück, para além de terem posto fim à «Guerra
dos Trinta Anos», representam uma das faces mais
notórias da emergência de um outro entendimento das
relações entre reis, princípes, repúblicas e Papado. A esse
novo entendimento do xadrez político europeu os
historiadores actuais costumam dar ο nome de «equilíbrio
do poder». Depois de séculos em que imperou uma visão
em que os aspectos mais salientes das relações externas
eram a hierarquia e a diferenciaçao qualitativa entre as
várias autoridades europeias, os líderes das diversas casas
reais começaram a falar, com crescente insistência, em
igualdade, em «paz duradoura» e em «equilíbrio do
poder». Na mente dos chefes dos principais reinos
europeus que se opunham aos Habsburgo, esse
«equilíbrio» significava, no fundo, a convicção de que era
necessário, e possível, instaurar uma partição razoável e
realista das forças em presença.
48 É certo que existia uma grande disparidade de opiniões
face aos congressos e face à negociação multilateral como
forma de concertação. Alguns princípes não esconderam a
sua oposição face a esses procedimentos diplomáticos.
Além disso, importa ter em conta que ο recurso a
congressos para resolver conflitos era um expediente mais
próprio da Europa Central, sendo visto com desconfiança
pelos governantes das regiões mais ocidentais do velho
continente. Seja como for, ο facto de os congressos se
terem tornado cada vez mais frequentes é um indício

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evidente de que estava em curso uma profunda mudança


na cena internacional. Eram eventos que, no fundo,
tinham subjacente ο reconhecimento do direito que
assistia aos pequenos estados de existir e de perseguir os
seus próprios interesses, sem verem a sua soberania
violada pelos demais potentados.
49 Estes valores estão na génese do Congresso de Vestefália, ο
qual, basicamente, visou substituir os mecanismos
reguladores da Monarquia Hispânica por um outro
dispositivo. Esse novo dispositivo regulador supunha, pelo
menos em teoria, ο reconhecimento da igualdade jurídica
entre todos os estados, grandes e pequenos. Heinz
Duchhardt, especialista alemão nas negociações de
Vestefália, recorda que por Münster e por Osnabrück
passaram delegações muito heterogéneas, representando
cento e quarenta e nove entidades políticas extremamente
diversas, caso das cidades alemãs (que se esforçavam por
obter a Reichsfreiheit ou Reichsstandschaft, ou seja, uma
autonomia alargada para as suas cidades); dos delegados
da Hansa; dos representantes de territórios em situação de
rebelião armada, como a Catalunha; ou, ainda, dos
diplomatas de casas reais em busca de reconhecimento,
como a de Bragança ou a da Transilvânia37.
50 Além disso, Vestefália representou, também, a relativa
consagração de uma série de importantes princípios:
estabeleceu, pelo menos no plano teórico, a igualdade de
direitos no que toca à crença religiosa;38; consagrou ο
princípio da intervenção; estatuiu ο direito de formar
alianças de uma forma livre e descomprometida; e, ainda
mais importante, de Vestefália saiu uma noção mais ou
menos consensual de que era necessário erigir um
enquadramento normativo que regulasse, de forma
pacífica e com eficácia duradoura, as relações entre as
diversas casas reais, as várias repúblicas e a Santa Sé.
Entre as principais características das propostas de
enquadramento entao debatidas destacava-se, como
vimos, ο seu caracter jurídico e positivo. Porém,
porventura ainda mais relevante era ο facto de muitas das

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entidades presentes na Vestefália manifestarem a intenção


de instaurar uma separação mais ou menos clara entre a
esfera normativa reguladora das relações exteriores e
aquilo que respeitava às questões religiosas. Dito de outra
forma, pretendia-se uma ordem internacional para a qual
as diferenças confessionais fossem irrelevantes.

Um novo entendimento das relações


exteriores
51 Ao multissecular período marcado por relações
hierárquicas e verticais entre as autoridades dos diversos
estados, sucedia assim uma época propícia a uma relativa
paridade. Esta mudança de cenário teve imediatas
repercussões no campo da diplomacia, pois exigiu, da
parte dos vários príncipes, um esforço diplomático muito
mais intenso e diversificado. Pouco tempo antes do
congresso de Vestefália, ο cardeal de Richelieu afirmara,
numa das suas mais famosas declarações, que a sua grande
preocupação enquanto governante era, cada vez mais,
«négocier sans cesse, ouvertement ou secrètement, en tous
lieus...»39. Após 1648, esta máxima tornou-se ainda mais
acertada, e a fim de dar resposta a essa exigência as várias
casas reais não tardaram em desenvolver serviços de
“relações exteriores” com maior capacidade de resposta.
52 Importa no entanto frisar que, apesar de tudo, a segunda
metade do século XVII é ainda muito marcada por
projectos de domínio universal, ou pelo menos de domínio
bastante extensivo, projectos esses que continuaram a ser
animados, de um modo mais ou menos explícito, por uma
fundamentação religiosa ou por reivindicações legalistas.
Os antigos territórios do império de Carlos Magno, por
exemplo, serviram de argumente para a Coroa de França
reivindicar ο direito à soberania sobre certas regiões40,
levando a cabo a chamada «politique des réunions».
Registaram-se, portanto, muitas continuidades,
designadamente no que respeita às ânsias de domínio
universal, ο que significa que Vestefália não representou a

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passagem súbita e imediata de um sistema hierárquico


para um regime paritário.
53 A este respeito, é importante dizer que a «Paz da
Vestefália» costuma ser objecto de alguma mistificação,
exagerando-se, frequentemente, ο seu impacto no campo
das relações externas. Na verdade, ao observarmos ο
panorama europeu posterior a 1648 rapidamente
verificamos que ο efeito da «paz geral», no que toca aos
princípios mais fundamentais, deixara bastante a desejar:
ο respeito pela soberania só pontualmente foi cumprido; a
noção de igualdade, apesar de tantas vezes proclamada, só
em raras ocasiões foi efectivamente aplicada; quanto à
neutralidade confessional, este princípio demorou muito
tempo até ser concretizado; por fim, da «Paz de Vestefália»
não resultou nenhum sistema eficaz de segurança
colectiva41. Em face disto, podemos dizer que, mais do que
um momento fundador, as negociações de Münster e de
Osnabrück foram sobretudo um sintoma de que algo
estava a mudar no campo das relações externas42, uma
mudança que, em alguns aspectos, antecedeu mesmo ο
Congresso da Vestefália.
54 É importante ter em conta que este novo entendimento da
interacção internacional, emergente em meados de
Seiscentos, se insere no movimento mais geral de
centralização administrativa, um movimento que teve
lugar um pouco por toda parte. No essencial, esse “impulso
centralizador” traduziu-se no esforço para conferir mais
eficácia aos aparelhos administrativos, e tal foi realizado
não só através de reformas institucionais, mas também
mediante a utilização mais generalizada das relações
contratuais. Por outras palavras, ο contrato tornou-se no
instrumento a que cada vez mais se recorria para regular a
interacção entre partes com interesses potencialmente
conflituosos43, recorrendo-se à força jurídica para
comprometer as partes e para as fazer cumprir as suas
obrigações. Este sistema, aplicado ao terreno dos negócios
estrangeiros, previa também a existência de um dispositivo
jurídico para vigiar ο cumprimento das condições

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contratuais, ο que era decisivo para gerar confiança e


previsibilidade às relações entre as diversas entidades
políticas. Vislumbrava-se, no fundo, ο aparecimento de um
determinado conceito de “sociedade internacional”, e a
pertença a essa “sociedade” supunha ο reconhecimento e ο
cumprimento de uma série de regras partilhadas. Como
notou Manuel Rivero, um outro sinal da valorização do
contrato como instrumento de regulação é ο aparecimento
de numerosas compilaçães de tratados, de que um dos
primeiros exemplos é a obra de Jean du Tillet, Recueil des
guerres et traités de paix, de trêve, d'alliance d'entre les
roys de France jusqu'à Henry II (Paris, 1577-78)44.
55 Para além destas novas perspectivas sobre ο
relacionamento entre estados, um outro traço marcante da
diplomacia do século XVII é a postura de pragmatismo que
caracteriza muitos dos que protagonizam essa actividade.
Isso mesmo é notório no campo da arbitragem
internacional. É bem sabido que os primeiros esforços
consistentes de arbitragem de conflitos entre casas reais
remontam ao século XV. Porém, foi realmente no período
de Seiscentos que tiveram lugar as iniciativas mais
notórias e com maiores implicações, tendo sido também
nessa época que surgiram algumas das mais marcantes
propostas de organização internacional, antes de mais da
parte de franceses.
56 Ο texto Sages et Royales Oeconomies d'Estat (ca. 1617), da
autoria de Maximilien de Béthume, duque de Sully, aponta
precisamente nesse sentido. Nesse texto, Sully propõe um
dispositivo jurídico de organização das relações entre os
diversos estados, e a finalidade confessa desta e de várias
outras propostas coetâneas era construir uma determinada
ordem que permitisse não só alcançar a paz, mas também
mantê-la durante um período longo. Além de um
entendimento tendencialmente paritário das relações entre
os príncipes, estas propostas implicavam, também, ο
redesenho dos limites territoriais dos diversos estados,
com ο intuito de conferir mais estabilidade a certas regiões
europeias caracterizadas por disputas fronteiriças

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endémicas45.
57 M. A. Anderson nota que algumas dessas propostas
estavam ainda marcadas por um claro idealismo, já que os
seus autores acreditavam que a convivência pacífica podia
depender, única e exclusivamente, de uma alegada boa
natureza dos homens que os encaminharia para a
concórdia e para colocar ο bem colectivo da Cristandade
acima dos seus próprios interesses46. Porém, figuras como
Hugo Grócio defendem concepções muito mais realistas e
pragmáticas, e nos seus escritos ο famoso jurisconsulto
neerlandês revela plena consciência dos choques de
interesses dos vários povos cristãos, bem como da
necessidade de criar um dispositivo que tornasse esses
conflitos mais raros47. Grócio, e depois dele Thomas
Hobbes, encararam mesmo ο campo das relações entre
diferentes potentados como ο espaço da desordem natural,
um espaço absolutamente carente de uma intervenção
organizadora por parte dos homens48.
58 Um dos sectores onde a regulação se revelava mais urgente
era a interacção nos mares, e foi precisamente Hugo
Grócio quem deu ο mais decisivo impulso àquilo que mais
tarde viria a ser conhecido por «Direito do Mar»49. Até
essa data, a Santa Sé, através das Bulas, ia introduzindo
alguma ordem nas relações marítimas entre os diversos
reinos cristãos, concedendo direitos de ocupação e
estabelecendo regimes de exclusividade. Estes, por sua vez,
costumavam estabelecer acordos e tratados entre si, como
ο famoso Tratado de Tordesilhas, de 1494, ou ο Tratado
de Saragoça, de 1529. Todavia, a eficácia desses pactos
deixou muito a desejar, tendo sido no Atlântico que se fez
sentir, de um modo mais premente, a necessidade de outro
tipo de regulamentação, devido à proliferação da pirataria
e do corso50. A obra de Hugo Grócio visou precisamente
dar resposta a estas necessidades. Em livros como Mare
Liberum ou De jure belli ac pacis, este último datado de
1625, H. Grócio retomou diversos problemas já discutidos
anteriormente, como a justeza da guerra ou os direitos dos
embaixadores, sublinhando, entre outros aspectos, que ο

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direito não cessava em situações de conflito militar51.


59 Um outro elemento que ressalta da obra de Hugo Grócio é
a ênfase que concede ao ser humano e ao seu papel no
processo de construção da ordem. Dito de outra forma, ο
jurisconsulto neerlandês propõe um dispositivo normativo
cujo artifice é ο ser humano (e não a divindade) e, nesse
processo de construção de uma ordem artificial, uma das
regras mais fundamentais – segundo Grócio – seria a
defesa do proprium de cada um e a não-invasão da esfera
alheia. À luz destas concepções, sobre cada um dos seres
humanos pesava ο dever de não subtrair os bens
pertencentes a outras pessoas. A esse dever correspondia ο
direito de reclamar aquilo que havia sido tirado
injustamente, e até à defesa do proprium em caso de
necessidade. Neste quadro, ο direito de obter respeito pela
esfera própria só se alcançava desde que se cumprisse a
regra de abstenção de invadir a esfera do próximo. Como
salientou Pietro Costa, a grande novidade do pensamento
de Hugo Grócio é a sua proposta de um sistema de relações
que escapa à lógica vertical, onde ο garante da ordem já
não reside na estrutura hierárquica dos diversos níveis da
realidade. A lógica predominante na proposta de Grócio,
pelo contrário, é claramente horizontal52.
60 A par do seu contributo para aquilo que viria a ser, décadas
mais tarde, ο Direito Internacional, as propostas de Grócio
representam igualmente uma contribuição importante
para a consolidação do jus legationis, um ramo do direito
que pouco tempo antes tinha começado a afirmar-se,
concorrendo decisivamente para a estabilização do serviço
diplomático. É certo que a questão da imunidade dos
representantes diplomáticos havia sido enunciada, e
reconhecida, em termos gerais, a partir do final da Idade
Média, sendo retomada periodicamente a pretexto de
querelas e de conflitos, os quais costumavam provocar
polémicas com uma ressonância muito alargada. Porém,
foi só no século XVII que surgiu, verdadeiramente, um
conjunto de normas jurídicas especificamente ligado ao
estatuto dos diplomatas, prefigurando uma jurisdição

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cujos titulares viriam a ser conhecidos por «corpo


diplomático». Consolidava-se assim ο carácter corporativo
dos servidores diplomáticos, um conjunto de oficiais
sujeito a normas e a regras comuns, normas essas que, aos
poucos, foram observadas em toda a Europa Ocidental53.

Ο desenvolvimento do dispositivo
institucional da diplomacia
61 Na segunda metade de Seiscentos ο esforço de
centralização atingiu todos os sectores da administração
régia, reflectindo-se, muito em especial, no modo como as
missões diplomáticas eram organizadas. Até esse período a
diplomacia costumava confundir-se com grandes missões
de ostentação, e muitos dos contactos acabavam por ter
muito pouco a ver com a negociação propriamente dita54.
Contudo, a partir do último quartel do século XVII as
embaixadas de aparato foram aos poucos substituídas por
comitivas mais modestas, menos dispendiosas e mais
“profissionais”. A embaixada “circular”, que costumava
efectuar um 'tour' por diversos locais, tendeu também a ser
substituída por embaixadas residentes. Quanto aos
juramentos de fidelidade dos embaixadores, eivados de
ressonâncias religiosas, começaram também a
desaparecer, e em vez deles surgiram «Instruções» e
compromissos de prestação de serviços, os quais fixavam,
de um modo mais objectivo e claro, as obrigações do
diplomata. A imunidade dos servidores diplomáticos face à
jurisdição do local onde se encontravam, por sua vez, foi
adquirindo contornos mais estáveis e delimitados55, e deste
modo ο serviço diplomático ganhou um perfil mais nítido e
uma vocação negocial mais vincada.
62 Como começámos por assinalar, ο aperfeiçoamento do
dispositivo diplomático esteve quase sempre ligado a
projectos de concentração do poder nas mãos do rei. Ao
reforço da autoridade no plano interno correspondeu
habitualmente a busca de reconhecimento no plano
internacional. Aliás, não por acaso, foi também nessa

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altura que surgiram, um pouco por toda a Europa, as


primeiras “juntas de negócios estrangeiros” com
capacidade e vocação para fazer face ao rápido crescimento
do volume dos assuntos que era necessário despachar. Este
desenvolvimento institucional intensificou-se ao longo do
século XVII, especialmente na França de Luís XIV, embora
seja notório, um pouco por toda a parte, ο incremento do
profissionalismo e a afirmação da noção de que a
diplomacia era um ofício distinto e específico56. Viviam-se
tempos em que dos diplomatas se esperava, cada vez mais,
um desempenho ágil, rápido e eficaz.
63 Ο mapa dos representantes diplomáticos, por seu turno,
alargou-se drasticamente, estendendo-se a todos os
continentes, registando-se igualmente um alargamento das
questões negociadas e do leque de países intervenientes na
cena internacional, sobretudo com a ascensão da Prússia e
da Rússia. Quanto aos assuntos debatidos, ο comércio era,
cada vez mais, a matéria que dominava as negociações.
Eram tempos em que as chamadas «doutrinas
mercantilistas» reuniam muitos adeptos, e em que a
principal prioridade era a acumulação de riqueza, através
da manutenção de um volume de exportações superior ao
das importações. Nesse contexto, muitos diplomatas
converteram-se em agentes transmissores de
reivindicações comerciais57.
64 E para além deste alargamento de incumbências, a
diplomacia foi apresentando uma especialização mais
acentuada, comprovada pelo surgimento dos primeiros
«adidos militares» e «adidos navais». A tipologia dos
enviados também foi assumindo contornos mais claros, e a
distinção entre «embaixador residente» e «embaixador
extraordinário» tornou-se mais nítida. Quanto à palavra
«plenipotenciário», no século XVIII, tendeu a ser menos
usada58. A par do aperfeiçoamento institucional,
registaram-se outros desenvolvimentos, como foi ο caso da
institucionalização do sistema de pagamento dos
diplomatas.
65 Um outro aspecto revelador do desenvolvimento

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institucional do sector da diplomacia relaciona-se com a


preparação daqueles que iam protagonizar as negociações
no exterior. De facto, foi no início de Setecentos que
surgiram as primeiras instituições especificamente
vocacionadas para ο ensino da arte da diplomacia. Até aí a
técnica negocial era um saber adquirido
fundamentalmente através da prática e da experiência.
Contudo, por iniciativa de figuras como ο marquês de
Torcy, a diplomacia ganhou um perfil teórico mais
marcado. Torcy criou, em 1712, uma academia política
especificamente vocacionada para a formação de
diplomatas, a qual, apesar de ter sido uma experiência
efémera e com pouca continuidade - foi abolida em 1721 -,
acabou por ficar para a posteridade como a primeira
instituição com esta vocação. Durante os anos que se
seguiram apareceram novas propostas educativas para
diplomatas: em Inglaterra foi criada, em 1724, uma cadeira
de «história moderna» em Oxford e uma outra em
Cambridge, ambas especificamente destinadas àqueles que
iriam servir no estrangeiro; em 1747 foi a vez de Frederico
II da Prússia fundar um «Seminário de Embaixadores», ο
qual, à semelhança dos seus antecessores, também teve
uma existência bastante efémera59.
66 Não obstante, aquilo que sem dúvida marcou esta época foi
ο aparecimento de orgãos de coordenação da actividade
diplomatica dotados de uma especificidade muito mais
nítida. Um pouco por toda a Europa, entre meados do
século XVII e os inícios de Setecentos, surgiram os
primeiros “gabinetes de negócios estrangeiros” destinados
a fazer face ao rápido crescimento dos assuntos que era
premente despachar. Importa não esquecer que, até essa
data, as questões ligadas às relações exteriores eram
resolvidas e despachadas por órgãos sem um perfil
específico. Na Monarquia Hispânica de finais de
Quinhentos, por exemplo, e segundo Miguel Angel Ochoa
Brun, os secretários do rei eram os principais executores
da política externa da casa real, sem que às relações
externas correspondesse um ramo específico e separado da

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acção governativa. Foi apenas sob Filipe II que a figura do


Secretário de Estado começou a surgir mais claramente
autonomizada, assumindo um papel de coordenação de
uma série de matérias governativas, entre as quais
figuravam as questões diplomáticas60.
67 Porém, ο aparecimento de órgãos verdadeiramente
especializados em assuntos externos, no quadro das várias
«secretarias de estado» europeias, só iria ocorrer bem mais
tarde. Foi apenas na segunda metade de Seiscentos que,
um pouco por todo ο lado, começaram a ser criadas as
«Secretarias de Negócios Estrangeiros e de Guerra» – a
designação dada ao órgão que foi criado em Portugal,
corria ο ano de 1736, uma data tardia, já que, pela mesma
altura, a maioria dos reinos da Europa Ocidental possuía,
desde há muito, estruturas análogas61.
68 No fundo, a criação de secretarias especializadas em
relações externas era ο corolário do atrás citado processo
de reorganização do dispositivo diplomático. A sua
principal finalidade consistia em tornar esse serviço mais
ágil, mais permanente e submetido a uma direcção política
mais clara. Trata-se de um processo que se insere numa
tendência europeia e que, como referimos, é inseparavel do
sistema surgido na sequência da paz de Vestefália. Na
segunda metade de Seiscentos, com ο desenvolvimento das
relações externas numa base tendencialmente mais
paritária, registou-se um claro alargamento da esfera de
intervenção da diplomacia. Em França, por exemplo, os
efectivos do corpo diplomático conheceram um grande
crescimento, sobretudo durante ο consulado do Cardeal
Mazarin, ao mesmo tempo que se incrementou ο controlo
político sobre a política externa, agora monopolizada pelos
principals ministros régios62.
69 As mudanças introduzidas na gestão da correspondência
diplomática confirmam esta impressão de que a
diplomacia estava a adquirir uma maior especificidade.
Caminhava-se para um entendimento mais “burocrático”
do serviço diplomático, e, nesse sentido, as autoridades
régias preocuparam-se também em formar os primeiros

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arquivos de correspondência diplomática, arquivos esses


que se revelavam cada vez mais indispensáveis enquanto
suporte de trabalho para a secretaria dos assuntos
exteriores. Desde meados de Seiscentos que se assiste à
criação de colecções documentais especificamente ligadas
à actividade diplomática, tendo em vista dar apoio à acção
dos enviados ao estrangeiro. As colecções de
correspondência eram como que uma “memória” que
apoiava as iniciativas governativas, e ο próprio
intercâmbio de cartas, entre embaixadores e enviados,
começou a obedecer a normas rigorosas. Não exageramos
se dissermos que a troca de missivas possuía uma
importância verdadeiramente estratégica, pois era por essa
via que se obtinha informação. Terá sido isso ο que
motivou ο aparecimento de directivas precisas quanto à
obrigação dos embaixadores de deixarem «memórias» da
corte onde se encontravam, as quais se destinavam aos
seus sucessores nesse posto.
70 Até este ponto enumerámos os desenvolvimentos
ocorridos na diplomacia de Seiscentos e de Setecentos.
Porém, é importante salientar que nem tudo foram
mudanças no sentido do aperfeiçoamento ou da
modernização. A par das transformações que acabaram de
ser referidas, detectam-se, também, numerosas
persistências. Desde logo porque muitas das mudanças
atrás referidas jamais foram postas em prática de um
modo sistemático e duradouro. Ο princípio da paridade
entre os estados, por exemplo, apesar de tantas vezes
defendido, em muitos casos acabou por não ser mais do
que uma mera intenção. Ο princípio da inviolabilidade da
soberania, por seu turno, foi frequentemente
desrespeitado. Quanto aos desígnios imperiais, a verdade é
que à ancestral ingerência dos Habsburgo e da Santa Sé
sucedeu uma política de ingerência – menos impositiva, é
certo – de reinos como a França ou a Inglaterra. No que
toca à identidade “profissional” do diplomata, cumpre ter
em conta que ela não deixou de apresentar, de um
momento para ο outro, os contornos fluidos que desde há

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muito a caracterizavam. A espionagem, por exemplo,


continuou a fazer parte do dia-a-dia do diplomata - ou pelo
menos dos agentes pagos por ele -, até porque uma das
principais incumbências de um embaixador residente era a
recolha de informação. Em muitos casos os diplomatas
mantiveram ο hábito de recorrer a meios ilícitos para obter
e para enviar essa informação, apesar de, com ο tempo, e já
no final de Seiscentos, se notar uma preocupação pela
«boa fé», pela honestidade e pela adopção de
procedimentos correctos63.
71 A mesma impressão de continuidade é visível no campo do
cerimonial. Na verdade, a preocupaçao pela ostentação,
pela cerimónia e pelas precedências permaneceu bem viva
durante toda esta época, e nem sequer os apelos para uma
maior contenção foram suficientes para moderar os
excessos ostentatórios. Não exageramos se dissermos que a
preocupação pelos tratamentos se tornou verdadeiramente
obsessiva, ο que revela que, em certo sentido, continuava a
prevalecer um entendimento hierarquizado do conjunto
formado pelas entidades políticas europeias. Só assim se
percebe porque é que as grandes conferências de paz do
século XVII exigiram preparativos cénicos tão complexos.
Na ilha dos Faisões, por exemplo, aquando da ratificação
do Tratado dos Pirenéus, assinado por França e pela
Monarquia Hispânica em 1659, os preparativos ligados ao
cerimonial revelaram-se complicadíssimos, ο mesmo se
podendo dizer da Paz de Ryswick (1697), entre a Suécia e a
coligação pró-francesa. Ο principal objectivo desses
aturados preparativos era organizar a cerimónia de modo a
que todos os dignitários aparecessem em público numa
posição equivalente ou, pelo menos, num lugar
consentâneo com aquele que julgavam ser ο seu estatuto. Ο
mesmo tipo de problemas continuou a marcar presença
nas negociações realizadas ao longo de todo ο século
XVIII.
72 Por fim, um último elemento de continuidade é a situação
mais ou menos permanente de guerra que se viveu na
Europa após 1648, algo que está obviamente relacionado

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com ο facto de a cultura das elites dirigentes dos diversos


reinos europeus continuar a assentar num ethos onde os
ideais cavaleirescos eram dominantes. Como bem frisou
Manuel Rivero, não obstante todos os apelos à paz,
continuava muito presente a antiga crença de que a força
militar e a aquisição de territórios era algo que prestigiava
os príncipes e que beneficiava os súbditos, materializando-
se numa sucessão de conflitos onde ο critério
predominante era a força, e não propriamente ο respeito
por princípios como a igualdade ou a inviolabilidade da
soberania64

Os métodos e ο «carácter» dos


diplomatas
73 A prática diplomática posterior a 1648 continuou a
apresentar duas principais vertentes: ο elemento de
representação oficial, e a componente de negociação. Os
métodos de negociação então desenvolvidos alternavam
entre a «diplomacia bilateral» e a «diplomacia directa»65.
Quanto à primeira, a «diplomacia bilateral», ela estava
fundamentalmente a cargo dos embaixadores, enquanto
que a «diplomacia directa» era incumbência dos próprios
reis e príncipes, através de entrevistas pessoais.
74 As entrevistas e os encontros entre figuras régias foram
uma prática corrente na primeira metade do século XVI, e
ο imperador Carlos V, incansável viajante pelos seus
domínios europeus, constitui uma das figuras que melhor
personifica esse estilo de diplomacia presencial. Contudo,
na segunda metade do século XVI ο panorama modificou-
se bastante: ο conflito político-religioso adensou-se, e este
facto, aliado ao temperamento dos reis de finais de
Quinhentos, contribuiu para tornar menos frequente a
diplomacia directa. As entrevistas entre monarcas
converteram-se, por conseguinte, em eventos mais raros,
mas ainda assim alguns reis viajaram para se avistarem
directamente com autoridades não-naturais do seu reino.
Ο próprio Filipe II, apesar do seu temperamento mais

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recolhido, realizou algumas jornadas no interior da


Peninsula Ibérica, com ο intuito de se avistar com a elite
dirigente de cada reino e, desse modo, apaziguar ο
ambiente politico. No século XVII as entrevistas entre
monarcas continuaram a ser eventos mais ou menos
frequentes, realizando-se alguns importantes encontros, de
que um dos mais celebrados foi ο que reuniu Filipe IV e ο
jovem Luís XIV de França, na fronteira dos Pirenéus, para
a assinatura da paz entre os dois reinos (1659).
75 Porém, a verdade é que, desde finais do século XVI, a
negociação diplomática estava cada vez mais a assumir a
forma bilateral, a qual assentava numa rede de embaixadas
permanentes e escalonadas segundo uma hierarquia de
postos, uns mais importantes do que outros66. Importa
assinalar que a diplomacia bilateral implicava uma regra
tácita de reciprocidade, quer dizer, se um monarca
aceitasse um embaixador de um determinado rei, então
teria como que a obrigação de manter um representante de
igual dignidade junto desse seu homólogo. Além disso, só
os principes soberanos reconhecidos pelos demais
potentados europeus - e muito em especial pela Santa Sé -
podiam enviar embaixadores ou representantes com um
estatuto de topo, ou, nas palavras do famoso Abraham de
Wicquefort, de «primeira ordem»67. Ο mesmo critério não
se aplicava a enviados com outro «carácter», como sucedia
com os «residentes» e com os «enviados extraordinários».
Quanto aos líderes de territórios ou reinos que se
procuravam desligar da Monarquia Hispânica, tiveram
sempre grandes dificuldades para conseguir que os seus
enviados fossem aceites como interlocutores válidos.
76 Em meados do século XVII os representantes diplomáticos
de Portugal perceberam bem ο que significava não serem
tratados condignamente. Como se sabe, após 1640 a
dinastia de Bragança não foi formalmente reconhecida por
nenhuma autoridade estrangeira, razão pela qual os seus
embaixadores e enviados sentiram enormes dificuldades
para serem tratados como interlocutores legítimos68. Ο
mesmo se pode dizer dos emissários das Províncias

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Unidas, os quais, nesse mesmo período, sempre exigiram


que tivessem ο mesmo tratamento que os representantes
de estados considerados equivalentes, como era ο caso da
República de Veneza. A verdade é que os neerlandeses nem
sempre conseguiram concretizar esse objectivo, em boa
medida porque cabia à Monarquia Hispânica, à França e à
Santa Sé ditar ο modo de tratamento, ο qual, como já se vê,
dependia dos interesses próprios de cada um desses
potentados.
77 No que concerne ao «carácter» dos diplomatas, importa
lembrar que, desde ο final de Quinhentos, se encontrava
consagrada uma determinada tipologia de missões
diplomáticas. Existiam vários tipos de missão, e cada um
deles articulava-se com um «carácter» conferido ao
enviado. Assim, as missões de representação permanente
eram desempenhadas, em regra, pelo Embaixador
Ordinário ou pelo Residente, enquanto que as enviaturas
de índole extraordinária podiam ser desempenhadas por
ministros com diverso carácter. Quando se tratava de
condolências pela morte de um rei ou do acompanhamento
de uma princesa estrangeira para casar em Portugal, essa
tarefa era por norma confiada a Embaixadores
Extraordinários. No caso de missões especialmente
urgentes - por exemplo a angariação de auxílio militar -,
era costume recorrer-se a Enviados Especiais ou a
Agentes. Finalmente, para assegurar a participação em
congressos e em conferências internacionais, a Coroa
recorria normalmente aos chamados Ministros
Plenipotenciários, ou seja, a enviados investidos de uma
certa margem de poder para tomar decisões e para assinar
acordos em nome do rei seu senhor.
78 Ο Legado era, em princípio, um servidor diplomático
ligado ao mundo eclesiástico – daí a expressão Legado a
Latere, a qual designava os ministros eclesiásticos que
serviam junto da pessoa do Papa. Com ο tempo, porém, a
palavra “legado” passou também a designar os
representantes diplomáticos não-eclesiásticos. Importa
referir, de resto, que ο termo Legatus surge, sobretudo, na

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literatura escrita em latim que discorria sobre política


externa, designando, aí, ο servidor diplomático em geral,
sem especificar ο seu estatuto. Já a palavra Residente
denota ο representante de menor dignidade estabelecido
em cidades capitais de grandes reinos. De uma forma
geral, ο Residente substituía, a título permanente, ο
Embaixador, embora tivesse uma margem decisória muito
menor. Significativamente, a palavra Diplomata não surge
nos dicionários ibéricos do século XVII, ο que indicia que,
pelo menos até às primeiras décadas de Setecentos, este
vocábulo ainda não era correntemente utilizado, apenas
entrando em uso algum tempo mais tarde. Em vez dele, os
termos mais habituais são Embaixador e Enviado.
79 Em face do que acabou de ser exposto, podemos dizer que
estes diversos cargos supunham não só uma certa
especialização funcional, mas também uma determinada
hierarquia. No conjunto dos postos atrás enumerados, os
embaixadores eram os servidores que desfrutavam da
posição mais elevada, primando sobre os restantes em
virtude do carácter de que estavam investidos, algo que era
também fundamental para determinar a imunidade de que
desfrutavam. Esta supremacia hierárquica tinha amplas
consequências, antes de mais porque ditava quem detinha
a principal capacidade decisória no quadro de uma missão.
Além desse importante aspecto, a disparidade hierárquica
afectava também ο modo como os diplomatas
comunicavam entre si e com ο Príncipe em cujo nome
falavam. Cumpre lembrar que apenas os representantes de
maior dignidade podiam contactar directamente com ο rei,
e muitos estavam somente autorizados a escrever à pessoa
do secretário de estado, ο qual seria como que um
intermediário entre ο enviado e ο monarca. Quanto aos
diplomatas de menor dignidade, em regra estava-lhes
vedada a comunicação directa com ο rei, sendo obrigados a
recorrer a diplomatas de maior dignidade para que
desempenhassem ο papel de intermediários.
80 A diferença hierárquica reflectia-se, igualmente, no
processo de tomada de decisões. De facto, em princípio a

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autonomia do embaixador ordinário era muito mais


alargada do que a de um servidor de menor dignidade, ο
mesmo se podendo dizer de outras questões fulcrais, como
era ο caso da escrita de correspondência ou da gestão do
dinheiro para financiamento das actividades fora do reino.
A diferenciação no seio do corpo diplomático era de tal
modo vincada que se estendia, até, ao próprio grupo dos
embaixadores: no caso português, ο embaixador em Paris
costumava ser aquele que gozava de uma maior
preeminência, acabando mesmo por coordenar ο conjunto
da actividade desenvolvida pelos restantes diplomatas
espalhados pelas diversas cortes do norte e do centra da
Europa, trocando informação com eles e seleccionando os
dados que deveriam ser remetidos para a corte.

Ο recrutamento do pessoal diplomático:


entre a fidelitas e ο contrato
81 Em princípio, a escolha e a nomeação dos embaixadores
era uma atribuição que pertencia, em exclusivo, ao rei.
Contudo, de uma forma geral ο processo de selecção
acabava por ser complexo, pois era sempre fortemente
condicionado pelas diversas sensibilidades e facções
existentes nas cortes régias.
82 No que toca ao recrutamento para a diplomacia é possível
identificar um aspecto comum a toda a Europa Ocidental:
a partir de meados de Quinhentos os diversos monarcas
recorreram sistematicamente às principais figuras da
aristocracia para preencher os postos de embaixador. Era
opinião bastante consensual que a diplomacia constituía ο
terreno por excelência dos grandes aristocratas, razão pela
qual os monarcas não tinham outra alternativa a não ser
escolher os seus embaixadores quase que exclusivamente
entre a grande nobreza. Porém, cumpre não esquecer que,
do ponto de vista da Coroa, a escolha de aristocratas tinha
algumas vantagens, antes de mais, porque se confiava na
natural autoridade moral dos membros da nobreza.
Depois, porque se esperava que esses dignitários

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pagassem, do seu bolso, parte dos custos da missão. A


escolha de nobres abonados constituia afinal uma forma de
financiar a embaixada e de fazer face às grandes despesas
que as missões normalmente envolviam.
83 É importante frisar, por outra lado, que alguns desses
diplomatas de nobre estirpe podiam ser do sexo feminino.
No quadro das relações entre famílias régias, varias
mulheres tiveram um forte protagonismo, e as princesas
da casa de Habsburgo, mais do que quaisquer outras,
revelaram uma especial apetência por essas tarefas. Na
verdade, tanto a rainha Catarina de Áustria – mulher de D.
João III de Portugal – como a princesa D. Joana – irmã de
Filipe II e esposa do príncipe D. João de Portugal – foram
interlocutoras muito activas nas relações diplomáticas da
Coroa portuguesa de meados de Quinhentos69.
84 A opção por aristocratas para servir na diplomacia
relacionava-se, também, com ο que era exigido àqueles que
partiam em missões: saber comportar-se e adaptar-se a
cortes estrangeiras, bem como representar condignamente
ο seu senhor. À excepção daquilo que era implícito ao
estilo de vida aristocrático - e cuja aprendizagem ocorria,
fundamentalmente, durante a infância, no ambiente
doméstico das casas nobres -, até ao início do século XVIII
não encontramos praticamente nenhuma disposição
específica relativa à preparação teórica do diplomata.
Como vimos, até bastante tarde não existiram nem escolas
nem centros de formação especializados no treino de
diplomatas. Em vez disso, todos consideravam que a
melhor escola era, por um lado, a formação recebida no
seio da casa aristocrática e, por outra, a iniciação numa
missão diplomática. Compreende-se assim porque é tão
frequente encontrar jovens nobres integrados na «família»
do embaixador. E a verdade é que muitos dos aristocratas
que melhor serviram como diplomatas iniciaram a sua
carreira precisamente como acompanhantes ou como
membros da comitiva de um embaixador.
85 Por todos estes motivos, no período compreendido entre ο
final de Quatrocentos e ο início do século XVIII ο topo do

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universo diplomático caracterizou-se por uma clara


dominância aristocrática. Nos anos que se seguiram a
conexão entre diplomacia e estatuto nobiliárquico
continuou a ser forte, ao ponto de esse tema se converter
num topos da literatura que discorria sobre ο perfil do
perfeito embaixador. É claro que esta situação de
predomínio aristocrático no terreno da diplomacia se
relaciona também com ο processo de curialização da
nobreza a que fizemos alusão no início deste texto.
Referimos que, um pouco por toda a parte, a grande
nobreza se agrupou em torno das cortes régias,
monopolizando os principais postos de governo, entre eles
os cargos de embaixador. Para os chefes das casas
aristocráticas, ο serviço diplomático, tal como ο serviço
militar, era algo de dignificante e honorífico, para além de
ser uma importante fonte de proveitos materiais, através
das mercês concedidas pelo rei como recompensa pelos
bons serviços recebidos.
86 À semelhança do que se passava nos demais sectores do
governo, a relação instaurada entre ο rei e os diplomatas
aristocráticos assentava em laços fortemente
personalizados. Tanto ο rei como a aristocracia
partilhavam um ethos onde eram predominantes as
relações de confiança pessoal, os laços de serviço e os
vínculos de fidelitas70. Todavia, a prazo esta modalidade de
delegação da autoridade acabaria por colidir com os
intuitos centralizadores que atrás assinalámos, pois a
cultura de serviço que animava ο laço entre a Coroa e a
aristocracia pouco tinha a ver com ο emergente
entendimento comissarial e jurídico das obrigações do
embaixador, no quadro do qual ο representante
diplomático era cada vez mais visto como uma espécie de
“funcionário” obrigado a envolver-se em negociações cujo
carácter técnico não cessava de aumentar.
87 Significa isto que, no seio do universo diplomático,
coexistiam entendimentos bem diversos do serviço no
estrangeiro, entendimentos esses que apontavam para
modalidades muito diferentes de delegar a autoridade. É

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certo que, durante todo ο Antigo Regime, a diplomacia


jamais deixou de ser ο terreno por excelência da
aristocracia, ou seja, de dignitarios que representavam ο
monarca seu senhor animados pelos valores da cultura de
serviço71. Porém, não ha dúvida de que os aristocratas
seiscentistas e setecentistas tiveram de conviver com uma
visão cada vez mais funcionalizada da diplomacia. Ε não
deixa de ser sintomático que os principals representantes
desse entendimento mais “burocrático” da diplomacia
possuam, na maioria dos casos, uma formação
universitária em Direito.
88 Cumpre não esquecer que um número significativo de
diplomatas tinha formação jurídica72, e foi precisamente
nos escritos e na prática destes jurisconsultos que a
diplomacia adquiriu contornos mais nítidos. No âmbito
jurídico a diplomacia, enquanto actividade administrativa,
surgia cada vez mais associada à contratualização das
relações, ao esforço de centralização, e a princípios como ο
respeito pela soberania de cada entidade política, ο
empenho em instaurar um enquadramento jurídico para as
relações externas ou, ainda, a noção de paridade entre os
vários estados, fossem eles grandes ou pequenos.
89 Assim, tal como sucedeu em outros terrenos do governo e
da administração, no seio da diplomacia também se fez
sentir a tensão entre dois conceitos diametralmente
opostos de serviço ao rei: de um lado, a «honra»
aristocrática; do outro, a preocupação pela
«funcionalidade», pela objectividade e pelo
pragamatismo73. Todavia, e na linha do que sugerimos
atrás, é imprescindível ter em conta que os esforços no
sentido da burocratização enfrentaram pesadas inércias, e
a este respeito a estudiosa italiana Daniela Frigo notou
que, na segunda década do século XVIII, ο laço que unia ο
rei ao seu servidor diplomatico continuava ainda a
pertencer à esfera privada. Continuava a ser uma relação
que se encontrava mais próxima do status de secretário
privado do rei, do que do estatuto de ministro ou de
funcionário. Continuava a ser uma relação fortemente

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personalizada, ο que explica a profusão de recomendações


acerca do perfil moral e das qualidades pessoais do
servidor que se preparava para representar ο seu senhor
junto de uma corte estrangeira74. A mesma ambiguidade é
notória ao nível do governo, na distinção entre assuntos
internos e assuntos externos. De facto, as fronteiras entre
esses dois campos nem sempre eram claras, e os ministros
de secretarias especializadas em assuntos internos
interferiam amiúde em áreas que, em princípio, eram do
foro externo.
90 Em termos doutrinais, foi nas universidades setecentistas,
e mais precisamente nas faculdades de Direito, que ο ofício
diplomático começou a ser entendido de outra maneira. Na
segunda e terceira década do século XVIII alguns docentes
das faculdades de Direito Civil começaram a contemplar a
introdução de mudanças no curriculum dos estudos
jurídicos, nomeadamente através da criação de novas
cadeiras relacionadas com ο «direito natural». Em França,
a recepção do ideário de figuras como Hugo Grócio ou
Samuel von Pufendorf foi até bastante precoce, e vimos já
que em terras gaulesas ο marquês de Torcy, secretário de
estado, se destacou na criação de aulas sobre jus gentium,
aulas essas que decorriam na atrás citada Académie
Politique (criada em 1710).
91 Nas décadas que seguiram, a grande prioridade da
tratadística jusnaturalista foi encontrar uma forma de
instaurar uma coexistência pacífica entre os diversos
poderes europeus. Vários foram aqueles que encararam ο
acordo tácito e partilhado como a melhor forma de
instaurar a convivência europeia – caso de Emerich de
Vattel, autor de Le droit des gens, ou principes de la loi
naturelle appliqués à la conduite et aux affaires des
nations et des souverains (Londres, 1758) –, a qual
passaria a ser regulada por um conjunto de normas que
remeteriam para ο direito natural. No entanto, de um
modo geral a introdução de liçoes de «direito público» nos
curricula das universidades acabou por ser um processo
muito lento, encontrando, como seria de esperar, bastante

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resistência. Como se sabe, essas propostas de mudança


estavam integradas no quadro da renovação geral dos
estudos jurídicos, razão pela qual enfrentaram a relutância
e a oposição dos sectores mais tradicionalistas75. Ainda
assim, a partir de meados do século XVIII ο processo de
reforma tornou-se irreversível, surgindo, um pouco por
toda a parte, lições sobre os princípios fundamentals do jus
gentium, algo que esteve sem dúvida relacionado com ο
esforço de centralização e com a preocupação por dotar os
servidores diplomáticos de uma preparação mais técnica e
mais adequada ao novo tipo de funções que iriam
desempenhar. Ο facto de os embaixadores contactarem
com ambientes estrangeiros, e sobretudo com ο ideário
que se respirava nas Províncias Unidas, foi também
determinante para que muitas destas concepções se fossem
impondo.
92 Ο corolário desta evolução foi a reivindicação, por parte
dos príncipes de cada reino, do direito exclusivo de se
fazerem representar junto de autoridades estrangeiras. Ο
neerlandês Abraham de Wicquefort escreveu que a mais
ilustre marca da soberania era ο direito exclusivo de enviar
e de receber os Embaixadores. No fundo, aquilo que estava
em jogo era a transformação do instituto da representação
diplomática, ο qual, originário do âmbito privatístico, foi
aos poucos transitando para ο campo do Direito Público,
um processo que fez com que a capacidade de enviar
embaixadores se convertesse numa faculdade detida, a
título exclusivo e monopolístico, pela Coroa.

Comentários finais
93 Para a maioria dos estudiosos, ο «equilíbrio de poder» tera
sido ο sistema vigente na Europa durante ο longo período
compreendido entre 1648 e a Revolução Francesa. Era um
sistema que, como assinalámos, implicava uma noção de
paridade e de equidistância entre os diversos estados, para
além de depender de mecanismos de controlo recíproco.
No fundo, era um regime de relações que existira desde

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tempos antigos, mas sempre a uma escala reduzida. Esse


sistema já estava presente, por exemplo, dentro de alguns
reinos ou no quadro de uma região, como sucedia na
Península Itálica, ou ainda no interior dessa vasta e
plurifacetada organização política que era a Monarquia
Hispânica. Esta última, é importante não esquecer,
enquanto monarquia compósita, deu corpo a uma situação
de coexistência pacífica entre territórios com estatutos
muito diversos, os quais, dessa forma, mantiveram
praticamente incólume a sua identidade jurisdicional,
encetando uma convivência que obedeceu a um conjunto
de regras que acabou por adquirir um carácter
“constitucional”.
94 Ο dispositivo organizativo desenvolvido pelos monarcas
hispânicos revelou-se eficaz durante varias décadas,
proporcionado a uma parte substancial da Europa - e a
vastas regiões dos outros continentes - uma existência
mais ou menos pacífica.
95 A partir da segunda metade de Seiscentos, com a falência
dos projectos universalizantes dos Habsburgo e do Papado,
as relações externas assumiram uma configuração bem
diversa, a qual pode sintetizar-se da seguinte forma: a
França e a Inglaterra passaram a disputar entre si a
hegemonia europeia, sem jamais a alcançarem de uma
forma plena. Os Países Baixos, por seu turno, foram um
caso especial de conflitualidade, pois os diversos acordos e
tratados celebrados desde meados do século XVII
revelaram-se pouco eficazes para organizar e pacificar as
relações naquela região. Por outro lado, nota-se a
preocupação por fazer respeitar, com mais rigor, os limites
fronteiriços entre os diversos reinos, registando-se um
esforço para organizar as linhas fronteiriças, tornando-as
mais lineares, ο que supunha a aceitação da noção de que
as fronteiras eram algo que ο homem podia modificar.
Verifica-se, também, ο recurso à cartografia para aumentar
ο rigor das demarcações fronteiriças e para clarificar
situações de disputa endémica. Nota-se, igualmente, um
empenho para estabilizar fronteiras, ο que conduziu a um

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crescente investimento nos sistemas defensivos, caso das


fortificações seguindo ο modelo de Vauban.
96 Em termos de idioma diplomático, é de registar ο gradual
abandono do Latim como língua franca das negociações,
notando-se, paralelamente, a afirmação dos idiomas
vernaculares, em especial do Francês, como língua de
negociação. No que toca aos actores da interacção
internacional, ja no século XVIII teve lugar a afirmação da
Prússia e da Rússia, ο que implicou uma alteração
substancial dos termos em que assentava ο equilíbrio no
espaço europeu. Por fim, outro atributo marcante da
diplomacia destes anos é ο empenho dos pequenos estados
em se afirmarem internacionalmente através do
desempenho de um papel de mediação de conflitos entre
grandes potências.
97 Esta foi também a época em que se generalizou ο hábito de
encetar negociações multilaterais para pôr fim a conflitos
militares e para instaurar, em acordos sucessivos, a paz.
Curiosamente, para os diplomatas que prestaram funções
no período posterior a 1648, a «Paz de Vestefália»
representou um símbolo e um modelo a seguir nesse
esforço para implementar um «equílibrio europeu».
Assim, e como notou Heinhard Steiger76, ο texto dos
tratados de 1648 é citado em quase todos os grandes
acordos posteriormente assinados, sendo a «Paz de
Vestefália» aí apresentada como ο melhor exemplo de um
pacto sólido e duradouro. Tal sucede no tratado que a
França e a Monarquia Hispânica assinaram nos Pirenéus
(em 1659), na «Paz de Oliva», entre a Suécia e ο Sacro
Império (em 1660), na «Paz de Nimwegen», entre França e
as Províncias Unidas (1678-79), na «Paz de Utrecht»77
(1713-1714) e, ainda, na «Paz de Rastatt», entre a França e
ο Império (1714).
98 Como facilmente se compreende, a ideia de «equilíbrio de
poder» só teve condições para perdurar devido ao
ambiente político-religioso que se viveu na Europa de
Setecentos. Trata-se de um período em que não se
registaram movimentos generalizados de radicalização

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religiosa ou militar, existindo, por isso, condições para ο


desenvolvimento de esforços no sentido da pacificação. No
campo doutrinal, a afirmação do jusnaturalismo
racionalista também desempenhou ο seu papel nesta
constante busca de harmonização das relações entre as
diversas casas reais, mas, como é óbvio, não impediu que
este sistema tivesse disfunções. Os conflitos militares
continuaram a ocorrer, quer no interior da Europa -
Guerra da Sucessão da Polónia, Guerra da Sucessão da
Áustria, Guerra dos Sete Anos -, quer no exterior,
nomeadamente nos impérios ultramarinos detidos pelos
europeus. De resto, ο incremento da exploração económica
das colónias, assim como a intensificação das trocas
comerciais transoceânicas, foram fenómenos geradores de
bastantes tensões, e os territórios extra-europeus
acabaram mesmo por ser ο palco de alguns dos mais
graves conflitos entre os potentados do velho continente78.
99 Além disso, e para concluir, cumpre frisar que ο terreno
diplomático continuou a apresentar vários traços de
ambiguidade. Ao longo do século XVIII muitos diplomatas
actuaram ainda como espiões, e em diversos momentos é
difícil distinguir, com clareza, se os embaixadores estavam
a representar os interesses dinásticos do soberano e da sua
casa familiar, ou se, em vez disso, defendiam já eventuais
“interesses gerais” do conjunto da população do seu país.
Como assinala Daniela Frigo, não devemos esquecer que
lidamos com uma época em que os estados eram ainda
realidades que estavam longe de serem pensadas como
qualquer coisa de abstracto, impessoal e separável da
dinastia familiar que os conduzia. Ο Estado, à semelhança
de quase todas as instituições que compõem ο sistema
político em que hoje vivemos, estava ainda por nascer.

Notes
2. Veja-se, sobretudo, Heinz Duchhardt (org.), Der Westfàlische
Friede. Diplomatie, politische Zäsur, Kulturelles Umfeld,
Rezeptionsgeschichte, Munique, R. Oldenbourg, 1988; Lucien Bély
(org.), L'invention de la Diplomatie. Moyen Age – Temps Modernes,

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actas da mesa redonda realizada em Paris, 9-10 de Fevereiro de 1996,


Paris, Presses Universitaires de France, 1998; e, também de Lucien
Bély & Isabelle Richefort (orgs.), L'Europe des Traités de Westphalie.
Esprit de la Diplomatie et Diplomatie de l'Esprit, Paris, P.U.F., 2000.
3. Cfr. in genere Daniela Frigo (org.), Politics and Diplomacy in Early
Modern Italy. The Structure of Diplomatic Practice, 1450-1800,
Cambridge, Cambridge University Press, 2000; Lucien Bély, Les
Relations Internationales en Europe, Paris, Presses Universitaires de
France, 1992; e, de Μ. A. Anderson, The Rise of Modern Diplomacy,
1450-1919, Londres, Longman, 1993. Para Portugal, ο melhor estudo
sobre esta temática é D. Luis da Cunha e a Ideia de Diplomacia em
Portugal, Lisboa, Livros Horizonte, 1999, da autoria de Isabel Cluny.
4. Cfr. Manuel Rivero Rodríguez, Diplomacia y Relaciones Exteriores
en la Edad Moderna. 1453-1794, Madrid, Alianza Editorial, 2001, pp.
37 segs.
5. Ricardo Fubini, «Aux origines de la balance des pouvoirs: le système
politique en Italie au XVe siècle» in Lucien Bély & Isabelle Richefort
(orgs.), L'Europe des Traités de Westphalie..., cit., 2000, pp. 111-121.
6. Para esta prioridade italiana no desenvolvimento da diplomacia terá
também contribuído a influência bizantina, civilização que, em muitos
aspectos, possuía um dispositivo diplomático mais aperfeiçoado do
que ο dos príncipes ocidentais.
7. José Calvet de Magalhães, A Diplomacia Pura, Venda Nova,
Bertrand, 1995, pp. 27-29. Ο mesmo estudioso lembra, porém, que os
Estados actuais dispõem de outros instrumentos de contacto
unilateral, os quais não passam necessariamente pela diplomacia: a
propaganda; a espionagem; a intervenção económica de um Estado
contra ο outro (por exemplo, ο bloqueio); a intervenção; a política (por
exemplo, a ingerência nos assuntos internos). Cfr., também de Calvet
de Magalhães, «A Acção Diplomática no Pensamento dos Diplomatas
Portugueses dos séculos XVII e XVIII» in AA. VV., A Diplomacia na
História de Portugal, Actas do Colóquio, Lisboa, Academia Portuguesa
da História, 1990, pp. 15-28.
8. Friedrich Edelmayer, «Kaisertum und Casa de Austria. Von
Maximiliam I. zu Maximilian II.» in Alfred Kohler & F. Edelmayer
(orgs.), Hispania-Austria. Die Katholischen Könige, Maximilian I.
und die Anfdnge der Casa de Austria in Spanien, Munique, R.
Oldenbourg Verlag, 1993, pp. 157-171.
9. Miguel Ángel Ochoa Brun, «Die spanische Diplomatie an der
Wende zur Neuzeit» in Alfred Kohler & F. Edelmayer (orgs.),
Hispania-Austria. Die Katholischen Konige, Maximilian I. und die
Anfdnge der Casa de Austria in Spanien, Munique, R. Oldenbourg
Verlag, 1993, pp. 52-66.

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10. José Calvet de Magalhães, A Diplomacia Pura..., cit., 1995, pp. 61


segs.; Meredith Kingston de Leusse, Diplomate. Une sociologie des
ambassadeurs, Paris – Montréal, l'Harmattan, 1998, pp. 21 segs.
Acerca das relações entre a Coroa portuguesa e as suas congéneres
ibéricas, ao longo do século XV, consulte-se os importantes trabalhos
de Luis Adão da Fonseca; veja-se, também, de A. H. de Oliveira
Marques, «O Estado e as Relações Diplomáticas» in Portugal na Crise
dos Séculos XIV e XV, Lisboa, Presença, 1987, pp. 279-334.
11. Cfr. Manuel Rivero Rodríguez, Diplomacia y relaciones
exteriores..., cit., 2001, pp. 12 segs.
12. Cfr. in genere Frances Yates, Astraea. The Imperial Theme in the
Sixteenth Century, Londres-Boston, Routledge & K. Paul, 1975.
13. Veja-se in genere ο excelente estudo de Francisco Rico, El Sueno
del Humanismo. De Petrarca a Erasmo. Madrid, Alianza, 1993.
14. Cfr. Marcel Bataillon, Erasmo y España, Estudios sobre la
Historia Espiritual del siglo XVI, Mexico, Fondo de Cultura
Economica, 1983. Contudo, de acordo com M. Bataillon, para Erasmo
ο Império não passava de um projecto teórico - mas ainda assim
sedutor -, pois ο próprio humanista não parece acreditar na
possibilidade da sua efectiva realização.
15. Paolo Prodi, The Papal Prince. One Body and Two Souls. The
Papal Monarchy in Early Modern Europe, Cambridge, Cambridge
University Press, 1982 (tradução do original italiano publicado em
1982), pp. 157 segs.
16. Veja-se, por exemplo, Justino Mendes de Almeida, «A Diplomacia
Portuguesa no Periodo Áureo dos Descobrimentos. As Orações
Obedienciais (De Oboedientia) ao Papa» in AA. VV., A Diplomacia na
História de Portugal, Actas do Colóquio, Lisboa, Academia Portuguesa
da História, 1990, pp. 59-77.
17. Cfr. José Martínez Millán, «Introducción. Los estudios sobre la
Corte. Interpretación de la corte de Felipe II» in J. Martínez Millán
(org.), La Corte de Felipe II, Madrid, Alianza Universidad, 1994, pp. 21
segs.
18. Para ο contexto português, veja-se ο recente estudo de José Pedro
Paiva, «Interpenetração da Igreja e do Estado» in João Francisco
Marques & Antonio Camões Gouveia (coords.), Humanismos e
Reformas, vol. 2 da História Religiosa de Portugal, Lisboa, Círculo de
Leitores, 2001, pp. 138-185.
19. Alain Tallon, «Les puissances catholiques face à la tolérance
religieuse en France au XVIe siècle: Droit d'ingérence ou non-
intervention?» in Lucien Bély & Isabelle Richefort (orgs.), L'Europe
des Traités de Westphalie..., cit., 2000, pp. 21-30.

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20. Cfr. Marc Fumaroli, «La diplomatie de l'esprit» in Lucien Bély &
Isabelle Richefort (orgs.), L'Europe des Traités de Westphalie..., cit.,
2000, pp. 7 segs.
21. Paolo Prodi, The Papal Prince..., cit., 1982, 157-181.
22. Frances Yates, Astraea. The Imperial Theme in the Sixteenth
Century, Londres-Boston, Routledge & K. Paul, 1975.
23. Cfr. Manuel Rivero Rodríguez, Diplomacia y relaciones
exteriores..., cit., 2001, pp. 59 segs.
24. Alfred Kohler, «Vom Habsburgischen Gesamtsystem Karls V. zu
den Teilsystemen Philipps II. und Maximilians II.», Wiener Beiträge
zur Geschichte der Neuzeit, 19 (1992) pp. 13-37.
25. Jesús Lalinde Abadía, «España y la Monarquia Universal (en torno
al concepto de "Estado Moderno")», Quaderni Fiorentini per la Storia
del Pensiero Giuridico Moderno, 15 (1986) pp. 138 segs.
26. Em Astraea..., cit., 1975, Frances Yates lembra que no contexto
francês, em contrapartida, ο rei ostentou ο título de «Rex
Christianissimus», ou «Roi très Chrétien», noção reforçada pelo
carácter sagrado da monarquia gaulesa, cujos reis eram ungidos e
coroados. Além disso, os monarcas franceses pretendiam descender
directamente de Carlos Magno, apresentando-se, desse modo, como
aqueles que mais mereciam ο título e os direitos imperiais; a ideia de
missão universal e imperial da monarquia francesa foi retomada, entre
outros, por Guillaume Postel, no seu Les Raisons de la Monarchie
(1551). Quanto à dinastia dos Tudor, em Inglaterra, também ela
incorporou algo da noção de renovatio inerente ao império de Carlos V
– Isabel I foi, em termos simbólicos, a Astrea, a «Virgem Justa» da
Idade de Ouro, e em The Fairy Queene, epopeia cavaleiresca dedicada
à rainha Isabel, Edmund Spenser parafraseia passos de Orlando
Furioso, ο famoso poema de Ludovico Ariosto, uma vez mais no
sentido de renovatio, de ressurreição do ideal imperial.
27. Cfr. Jesús Lalinde Abadía, El Estado en su Dimension Histórica,
Barcelona, Promociones Publicaciones Universitarias, 1984; José
Martínez Millán, «Introducción. Los estudios sobre la Corte..., cit.,
1994.
28. Miguel Ángel Ochoa Brun, Historia de la Diplomacia Espanola. VI
– La Diplomacia de Felipe II, Madrid, Ministério de Asuntos
Exteriores, 2000, pp. 46 segs.
29. Veja-se, por exemplo, os comentários tecidos por Alain Talion
acerca deste tema, em «Les puissances catholiques face à la tolérance
religieuse en France au XVIe siècle: Droit d'ingérence ou non-
intervention?» in Lucien Bély & Isabelle Richefort (orgs.), L'Europe
des Traités de Westphalie..., cit., 2000, pp. 21-30.

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30. Cfr. José Martínez Millán, «Familia Real y Grupos Políticos: la


Princesa Doña Juana de Austria (1535-1573)» in J. Martínez Millán
(org.), La Corte de Felipe II, Madrid, Alianza Universidad, 1994, pp.
73-105.
31. Enquanto a Monarquia Hispânica desenvolvia esta estratégia de
predominio à escala mundial, no final do século XVI ο italiano
Tommaso Campanella fazia reviver ο ideário imperial, em La città del
sole (1599), um livro onde é descrita uma cidade ideal cujo chefe era ο
sol, figura que desempenhava simultaneamente as funções de príncipe
e de sacerdote. A religião dessa cidade imaginada por Campanella era
um sincretismo de todos os sistemas de crença e de todas as confissões
religiosas, formando, no seu conjunto, uma espécie de paraíso
terrestre modernizado. Ο livro visava instaurar essa cidade ideal em
Nápoles, mas Campanella acabou por ser preso devido ao facto de
algumas das suas ideias serem classificadas como heterodoxas.
Contudo, anos mais tarde, em 1620, escreveu uma nova obra, com ο
título Monarchia di Spagna, onde apresentou a realeza espanhola
como a verdadeira monarquia católica em todo ο mundo, associando ο
ramo ibérico dos Habsburgo ao projecto de domínio universal. Em
1634, contudo, ο irrequieto Campanella estabeleceu-se em França,
onde desta feita profetizou ο declínio espanhol e a irresistível ascensão
da França. Sobre Campanella e sua relação com os desígnios imperiais
da Monarquia Hispânica, veja-se, de Anthony Pagden, Spanish
Imperialism and the Political Imagination. Studies in European and
Spanish-American Social and Political Theory, 1513-1830, New
Haven, Yale University Press, 1990.
32. Antonio Feros, Kingship and Favoritism in the Spain of Philip III,
1598-1621, Cambridge, Cambridge University Press, 2000, pp. 232
segs.
33. Bernardo García García, La Pax Hispanica. Política Exterior de
Felipe III, Lovaina, Leuven University Press, 1996.
34. Miguel Ángel Ochoa Brun, «La diplomatie espagnole dans la
première moitié du XVIIe siècle» in Lucien Bély & Isabelle Richefort
(orgs.), L'Europe des Traités de Westphalie..., cit., 2000, pp. 537-554.
35. Miguel Ángel Ochoa Brun, «La diplomatie espagnole..., cit., 2000,
pp. 537-554.
36. Em termos doutrinais, muitos foram aqueles que questionaram ο
alcance universal da jurisdição pontifícia. Entre eles contavam-se não
só publicistas protestantes, mas também teólogos católicos, como ο
dominicano Francisco de Vitória – cfr. Anthony Pagden & Jeremy
Lawrance, «Introduction» in Francisco de Vitória, Political Writings,
Cambridge, Cambridge University Press, 1991, pp. XIII-XXVIII.
37. Heinz Duchhardt, «Un regard nouveau sur les traités de

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Westphalie: Le colloque de Münster de 1996» in Lucien Bély & Isabelle


Richefort (orgs.), L'Europe des Traités de Westphalie..., cit. 2000, pp.
16 segs.
38. A efectiva aplicação deste princípio, no entanto, demorou bastante
tempo, e Richard Bonney lembra que, após Vestefália, todas as casas
reais católicas continuaram a manter uma política de séria restrição
dos direitos dos seus súbditos protestantes – cfr. «La France après la
paix de Westphalie: absolutisme ou pluralisme confessionnel?» in
Lucien Bély & Isabelle Richefort (orgs.), L'Europe des Traités de
Westphalie..., cit., 2000, pp. 147-162.
39. Citado por Françoise Hildesheimer, em «Guerre et paix selon
Richelieu» in Lucien Bély & Isabelle Richefort (orgs.), L'Europe des
Traités de Westphalie..., cit., 2000, pp. 31-54.
40. Fanny Cosandey & Isabelle Poutrin, Monarchies Espagnole et
Française. 1550-1714, Paris, Atlande, 2001.
41. Cfr. Heinhard Steiger, «Der Westfalische Frieden – Grundgesetz
für Europa?» in Heinz Duchhardt (org.), Der Westfalische Friede.
Diplomatie, politische Zäsur, kulturelles Umfeld,
Rezeptionsgeschichte, Munique, R. Oldenbourg, 1998, pp. 66 segs.
42. Na linha do que sugere José Manuel Pureza em «Eternalizing
Westphalia? International Law in a Period of Turbulence», Nação e
Defesa, 2a série, n° 87 (Outono de 1998) pp. 31-48; veja-se, também,
de Stephen Krasner, «Westphalia and all that» in Judith Goldstein,
Robert O. Keohane (orgs.), Ideas & Foreign Policy. Beliefs,
Institutions, and Political Change, Ithaca, Cornell University Press,
1993.
43. Daniela Frigo, Principe, Ambasciatori e "Jus Gentium".
L'Amministrazione della Politica Estera nel Piemonte del Settecento,
Roma, Bulzoni, 1991, pp. 6 segs.
44. Cfr. Manuel Rivero Rodríguez, Diplomacia y relaciones
exteriores..., cit., 2001, pp. 104 segs. e 136 segs.
45. Ο Congresso de Utrecht, para Daniela Frigo, representou uma
etapa fundamental no processo de racionalização das fronteiras
centro-europeias – cfr. Principe, Ambasciatori e "Jus Gentium"..., cit.,
1991.
46. M. A. Anderson, The Rise of Modem Diplomacy..., cit., 1993, pp.
204 segs.
47. Pietro Costa, Civitas. Storia della Cittadinanza in Europa. Dalla
Civiltà Comunale al Settecento, Bari, Laterza, 1999, I, pp. 141 segs.
48. Sobre este tema, Richard Tuck, «The 'modern' theory of natural
law» in Anthony Pagden (org.), The Languages of Political Theory in

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Early-Modem Europe, Cambridge, Cambridge University Press, 1987,


pp. 106 segs.
49. E. H. Serra Brandão, As Relações Intemacionais antes de Hugo
Grotius, Lisboa, Academia de Marinha, 1985.
50. Cfr. Margarida Garcez Ventura, João da Silveira, Diplomata
Português do século XVI, Lisboa, Gabinete Português de Estudos
Humanísticos, 1983; e, de Ana Maria Pereira Ferreira, Problemas
Maritimos entre Portugal e a França na primeira metade do século
XVI, Cascais, Patrimónia, 1995.
51. É importante não esquecer que, em parte, ο labor de Hugo Grocio
tinha como finalidade proporcionar uma base doutrinal legitimadora
das incursões neerlandesas nas águas dos outros reinos; dito de outra
forma, a obra de Grocio é inseparável das pretensões neerlandesas de
assegurar a liberdade de exploração, de comércio e de navegação – cfr.
Manuel Rivero Rodríguez, Diplomaciay relaciones exteriores..., cit.,
2001, pp. 115 segs.
52. Pietro Costa, Civitas. Storia della Cittadinanza in Europa..., cit.,
1999, pp. 144 segs.
53. Contudo, ο desenvolvimento da prática diplomática no Ocidente
europeu teve contacto com evoluções paralelas ocorridas em outras
áreas, como era ο caso do Mediterrâneo Oriental. Há que não esquecer
que vários príncipes da Europa Ocidental mantiveram um
relacionamento assíduo com os Turcos Otomanos. Esse foi, alias, um
dos terrenos onde se verificaram maiores desencontros, pois entre os
Otomanos vigorava um «idioma» diplomático profundamente
diferente daquele que estava a ganhar forma no Ocidente Europeu.
Sobre este tema consulte-se, maxime, os trabalhos de Dejanirah
Couto.
54. Um dos exemplos mais flagrantes é a faustosa embaixada que, em
1513, D. Manuel I, rei de Portugal enviou a Roma, liderada por Tristão
da Cunha. Sobre ο tema, veja-se, de António Alberto Banha de
Andrade, História de um Fidalgo Quinhentista Português. Tristão da
Cunha, Lisboa, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 1974.
55. M. A. Anderson, The Rise of Modem Diplomacy..., cit., 1993, pp.
47-54.
56. A respeito da Inglaterra, de acordo com Kevin Sharpe foi em Abril
de 1635 que surgiu, no quadro do governo inglês, um «Comité dos
Assuntos Estrangeiros». Porém, este órgão foi profundamente
afectado pela convulsão política vivida em Inglaterra no final da
década de 1630, e a partir de 1642 ο governo inglês deixou de contar
com estruturas diplomáticas de facto – cfr. Kevin Sharpe, The
Personal Rule of Charles I, New Haven e Londres, Yale University

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Press, 1992, pp. 536 segs.


57. Manuel Rivero Rodríguez, Diplomacia y relaciones exteriores...,
cit., 2001, pp. 142 segs.
58. M. A. Anderson, The Rise of Modem Diplomacy..., cit., 1993, pp.
81 segs.
59. M. A. Anderson, The Rise of Modem Diplomacy..., cit., 1993, pp.
92 segs.
60. Gonzalo Pérez, conselheiro de Filipe de Habsburgo desde os
tempos de Bruxelas, apreciava todo ο tipo de questões governativas,
ocupando-se, também, das relações externas, detendo a palavra mais
decisiva na nomeação dos embaixadores e no despacho dos assuntos
ligados à política exterior. Em 1567, e já depois da morte de G. Pérez,
Filipe II decidiu dividir a Secretaria de Estado em duas secções: a do
«Norte», onde pontificava Gabriel de Zayas; e a de «Itália», cuja figura
mais preeminente era Antonio Pérez. Trata-se de uma reforma onde
era manifesta a intenção de conferir mais eficácia à acção desenvolvida
no interior dos domínios da Monarquia Hispânica – Miguel Ángel
Ochoa Brun, Historia de la Diplomacia Espanola..., cit., 2000, pp. 354
segs.
61. Eduardo Brazão, «A Secretaria de Estado dos Negócios
Estrangeiros de D. João V», Revista Portuguesa de História, tomo
XVI (1978) pp. 51-61.
62. Fanny Cosandey & Isabelle Poutrin, Monarchies Espagnole et
Française. 1550-1714, Paris, Atlande, 2001, pp. 513 segs.
63. Veja-se in genere Lucien Bély, Espions et Ambassadeurs au
Temps de Louis XIV, Paris, Fayard, 1990.
64. Manuel Rivero Rodríguez, Diplomacia y relaciones exteriores...,
cit., 2001, pp. 113 segs.
65. Miguel Ángel Ochoa Brun, Historia de la Diplomacia Espanola...,
cit., 2000, pp. 349 segs.
66. A Monarquia Hispânica, por ser tão vasta e integrar territórios tão
díspares, desenvolveu aquilo que Ochoa Brun designou de «diplomacia
interior», ou seja, a presença mais ou menos permanente de
representantes dos vários territorios que integravam ο domínio dos
Habsburgo espanhóis. Alguns desses territórios, devido à sua
importância, chegaram mesmo a manter uma diplomacia própria, caso
dos Países Baixos no último quartel de Quinhentos – Miguel Ángel
Ochoa Brun, Historia de la Diplomacia Española..., cit., 2000, p. 363.
67. Como é bem sabido, ο neerlandês Abraham de Wicquefort é autor
de L'Ambassadeur et ses fonctions... (1681), um dos mais famosos
tratados dedicados à diplomacia.

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68. Cfr. Pedro Cardim, «Os "rebeldes de Portugal" no congresso de


Münster (1645-1648)», Penélope. Fazer e desfazer a história, 19-20
(1998), pp. 101-128.
69. Cfr. José Martínez Millán, «Familia Real y Grupos Políticos..., cit.,
1994, pp. 73-105.
70. Sobre este tema veja-se, de Renata Ago, La Feudalità in Età
Moderna, Roma-Bari, Editori Laterza, 1994.
71. Acerca desta questão, é fundamental ο estudo de Nuno Gonçalo
Monteiro, «O 'Ethos' da Aristocracia Portuguesa sob a dinastia de
Bragança. Algumas notas sobre a Casa e ο Serviço ao Rei», Revista de
História das Ideias (Coimbra), vol. 19 (1997) pp. 383402. Para uma
interessante perspectiva europeia sobre esta matéria, veja-se, de
Renata Ago, La Feudalità..., cit., 1994, em especial ο Capítulo V – «Il
sistema culturale», pp. 137 segs.

72. Cfr. a este respeito Pedro Cardim, «Embaixadores e representantes


diplomáticos da Coroa portuguesa no século XVII», Cultura, revista do
Centro de História da Cultura da FCSH-UNL, 2002, IIa Série, vol. XV,
pp. 47-86.

73. Ο mesmo tipo de tensões ocorreu entre os representantes franceses


presentes nas negociações de Münster, um tema analisado por Frank
Lestringant em «Claude de Mesmes, comte d'Avaux, et la diplomatie
de l'esprit» in Lucien Bély & Isabelle Richefort (orgs.), L'Europe des
Traités de Westphalie..., cit., 2000, pp. 439-455.
74. Cfr. Daniela Frigo, Principe, Ambasciatori e "Jus Gentium"..., cit.,
1991, pp. 26 segs.
75. Veja-se, de Mário Júlio de Almeida e Costa e Rui Manuel de
Figueiredo Marcos, «Reforma Pombalina dos Estudos Jurídicos» in
Ana Cristina Araújo (org.), Ο Marquês de Pombal e a Universidade,
Coimbra, Imprensa da Universidade, 2000, pp. 97-125.
76. Heinhard Steiger, «Der Westfälische Frieden – Grundgesetz fur
Europa?» in Heinz Duchhardt (org.), Der Westfälische Friede.
Diplomatie, politische Zäsur, kulturelles Umfeld,
Rezeptionsgeschichte, Munique, R. Oldenbourg, 1998, pp. 55 segs.
77. Acerca do Congresso de Utrecht e a participação de Portugal nessas
negociações, cfr. Eduardo Brazão, Portugal no Congresso de Utrecht
(1712-1715), Lisboa, e.a., 1933; e Isabel Cluny, «A Diplomacia
Portuguesa no Congresso de Paz de Utreque» in Zília Osório de Castro
(org.), Portugal e os Caminhos do Mar, Lisboa, Inapa, 1998, pp.
29-49.
78. Veja-se, por exemplo, Luís Ferrand de Almeida, A Colónia do
Sacramento na época da sucessão de Espanha, Coimbra, 1973.

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Pedro Cardim
© Publicações do Cidehus, 2004

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Référence électronique du chapitre


CARDIM, Pedro. A prática diplomática na Europa do Antigo Regime
In : História e Relações Internacionais : Temas e Debates [en ligne].
Évora : Publicações do Cidehus, 2004 (généré le 15 mars 2018).
Disponible sur Internet : <http://books.openedition.org/cidehus
/156>. ISBN : 9782821869905. DOI : 10.4000/books.cidehus.156.

Référence électronique du livre


RODRIGUES, Luís Nuno (dir.) ; MARTINS, Fernando (dir.). História
e Relações Internacionais : Temas e Debates. Nouvelle édition [en
ligne]. Évora : Publicações do Cidehus, 2004 (généré le 15 mars 2018).
Disponible sur Internet : <http://books.openedition.org/cidehus
/148>. ISBN : 9782821869905. DOI : 10.4000/books.cidehus.148.
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História e Relações Internacionais

Temas e Debates

Ce chapitre est cité par


Biedermann, Zoltán. (2005) Portuguese Diplomacy in Asia in
the Sixteenth Century: A Preliminary Overview. Itinerario, 29.
DOI: 10.1017/S0165115300023603

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