UERJ
2014
JORNALISMO INVESTIGATIVO: UMA ANÁLISE DO
PROGRAMA PROFISSÃO REPÓRTER
BANCA EXAMINADORA:
__________________________________________
RAFAEL ORAZEM CASÉ – ORIENTADOR
Professor Adjunto FCS / UERJ
__________________________________________
FÁBIO MARIO IÓRIO
Professor Adjunto FCS / UERJ
__________________________________________
PATRÍCIA DE MIRANDA IÓRIO
Professora Adjunta FCS / UERJ
Resultado:____________________
Conceito:_____________________
Grau obtido:__________________
Rio de Janeiro,___ / ___ / _______
DEDICATÓRIA
Agradeço a minha irmã, Mariany Bittencourt, que mesmo longe fisicamente é uma das
presenças mais marcantes na minha vida, cedendo sempre mais do que pode por mim.
Aos mestres, que por toda minha vida acreditaram em meu potencial e se dispuseram
para me auxiliar. Principalmente, ao meu orientador Rafael Casé, que com sua
experiência e paciência me guiou da melhor forma para a realização deste trabalho.
Agradeço especialmente aos amigos que tive a sorte de conhecer dentro da UERJ e me
guiaram com sabedoria e afeto nessa jornada: Fabíola Duarte, Thayz Guimarães,
Fernando Borges, Lina Soares, entre muitos outros. Agradeço também aos que conheci
nesse período e foram essenciais para a minha formação: Diego Schueng, Lucas Veloso,
Cassio Matos, Filipe Brandão e Marvin Duarte.
ABSTRACT
This paper aims to analyze the journalistic program Profissão Reporter, from TV
Globo. Inside the perspective of investigative journalism, it has as its main objective
dissect what is a deep report program and point out characteristics of the attraction that
confirm its insertion inside the basic parameters of the format. In it, the term definitions
will be presented, a theoretical and methodological panorama that guides brazilian TV
shows of investigative journalism. And also will be study the Profissão Reporter to
understand how it contributes in the construction of a valuable and transparent news
reporting to society.
INTRODUÇÃO ................................................................................................... 8
INTRODUÇÃO
jornalismo feito pelo programa comandado pelo veterano Caco Barcellos, o que
despertou o interesse por esta pesquisa.
Para embasar esta pesquisa, são usados como fundamento teórico principal os
livros “Jornalismo Investigativo”, de Leandro Fortes e, em especial, “Jornalismo
Investigativo: o fato por trás da notícia” da pesquisadora Cleofe Monteiro de Sequeira.
Pretende-se com isso compreender a postura da série diante do campo de ação do
jornalista investigativo, diferenciar e analisar outras estratégias de reportagem
aprofundada, tais como: o livro-reportagem, o jornalismo interpretativo e o jornalismo
policial; e como estes modelos podem inserir-se uns nos outros para gerar material de
impacto na sociedade perante preceitos básicos de ética.
Além de, é claro, perceber que o baixo custo de se realizar uma reportagem
dessas para um veículo impresso comparado ao audiovisual é gritante, já que para
televisão é necessário investir em equipamentos de alta tecnologia além de equipe de
câmera, áudio, produção e reportagem, o que justificaria um menor número de
reportagens desse nível em televisão. No entanto, percebe-se também que apesar de
demandar maior despesa para as emissoras, o valor do espaço comercial no horário
10
destes programas é bem mais alto se formos comparar com outros produtos exibidos no
mesmo horário, possibilitando, de certa forma, financiar mais trabalhos investigativos
para televisão.
Desse modo, este trabalho será dividido em três capítulos: “História e preceitos
do jornalismo investigativo”, com o objetivo de esmiuçar as definições do termo, a
história da imprensa investigativa, quais critérios noticiosos e éticos balizam a ação do
repórter investigativo e as primeiras experiências no campo da grande reportagem;
“Programas investigativos de destaque no Brasil”, que é uma análise de diversas
atrações especializadas que foram ao ar em nosso país; “Profissão Repórter: os
bastidores da notícia na investigação jornalística”, que visa entender o programa e o
método de trabalho da equipe de Caco Barcellos e como o jornalismo investigativo tem
se transformado a partir do que foi visto.
Este trabalho vai buscar entender como o jornalismo investigativo atua, seus
objetivos e história, para, então, mapear, analisar e compreender os métodos de
construção de enredos no formato executado pelo programa da TV Globo e como ele
contribui para o engrandecimento do jornalismo investigativo no Brasil. Tomo como
premissa que a multiplicidade de olhares, abordagem definida para o programa, é
determinante na execução deste projeto para TV e define que tipo de jornalismo ele
pretende ser.
Um exemplo que ilustra essa afirmação é um caso que ganhou muito destaque na
imprensa no ano de 1994, o da Escola de Educação Infantil Base. No dia 28 de abril,
duas mães acusaram os proprietários Icushiro Shimada e sua esposa Aparecida Shimada
1
O endereço eletrônico da definição é: http://www.abraji.org.br/?id=78
2
DINES, Alberto. Uma incursão no denuncismo comparado.
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/uma_incursao_no_denuncismo_comparado.
Acessado pela última vez em 25 de maio de 2014.
12
Da imprensa, apenas o jornal Diário Popular estava presente no local, mas este
decidiu não publicar nada no dia e nem nos três meses seguintes de inquérito policial
devido às declarações em juízo das crianças, que provaram-se contraditórias durante a
investigação da polícia. Porém, Cléa Patente, mãe de uma das crianças, na delegacia,
ligou para a TV Globo passando os detalhes do ocorrido e, com a história nas mãos, o
Jornal Nacional transmitiu a informação da mãe para todo o Brasil, com repercussão em
outros veículos no dia seguinte.
Como resultado, a vida social dos acusados foi esmagada pelo descrédito.
Ocorreram ameaças de morte pelo telefone, saques e depredação à escola. Diante disso,
Paula e Maurício moveram uma ação no ano de 1995 contra a Fazenda Pública e,
posteriormente, contra a Rede Globo, SBT, Folha de São Paulo, Revista Veja, Record,
3
Publicado no jornal Notícias Populares em 31 de março de 1994.
4
Publicado na revista Veja em 6 de abril de 1994.
5
Entrevista concedida a TV Cultura em 22 de junho de 1994. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=ba7WOYfPbm0. Acessado pela última vez em 26 de maio de 2014.
13
Por isso, o trabalho de todo repórter investigativo tem como pano de fundo o
contexto político de uma sociedade democrática e segue o princípio de responsabilidade
mútua, revitalizando o espaço público (AGUIAR, 2006, p. 75). Uma de suas intenções é
contribuir para o desenvolvimento dessa sociedade democrática e o fortalecimento do
sentimento de cidadania. A ação da reportagem investigativa em campo traz como
discussão questionamentos a respeito da ética profissional. A partir de então, somos
forçados a elaborar mais perguntas do que respostas, que são importantes reflexões
15
ficou conhecido por criar o primeiro aparelho voltado para transmitir a voz humana
através de ondas eletromagnéticas, o rádio. Este formidável invento tomou conta dos
lares de grande parte do mundo, aproximando as pessoas e proporcionando maior
velocidade no recebimento de notícias.
Ainda de forma receosa, esse meio demorou a ter grande aceitação e criação de
um público fiel e massivo. Porém, com o tempo, telenovelas, programas de auditório e
telejornais tornaram-se audiência certa para emissoras que cresciam cada vez, a
exemplo da TV Tupi, no Brasil. McLuhan desenvolveu uma tese que sintetizava o efeito
dos meios de comunicação massivos na vida em sociedade. Para ele, "a tecnologia
reduziria o planeta de tal forma que ele se transformaria em uma pequena aldeia, na qual
todos teriam conhecimento de tudo que nela acontecesse" (PATERNOSTRO apud
MCLUHAN, 2006, p. 21). A profética definição não englobava o contexto dos dias
atuais, em que a internet está ao alcance das mãos de qualquer pessoa, mas retrata bem a
sensação de estar cercado por meios de comunicação a todo o momento e sentir-se parte
de um grupo social que compartilha e multiplica valores.
espetáculo não é recente e atinge não somente o modo de produção das notícias como
também a economia e a política. Na Grécia Antiga, por exemplo, houve a efervescência
da poesia, da dramaturgia e da retórica. Assim como atraíam espectadores, os Jogos
Olímpicos e os gladiadores de Roma. Porém, o conceito formal de "sociedade do
espetáculo" só foi ser desenvolvido no ano de 1967 pelo teórico francês Guy Debord.
Debord descreve o espetáculo como "uma grande diversidade de fenômenos aparentes
[...] de uma sociedade de mídia e de consumo, organizada em função da produção e
consumo de imagens, mercadorias e eventos culturais" (KELLNER apud DEBORD,
2004, p. 5).
comunicação visual, analisar imagens é também uma tarefa de função pedagógica, pois
desmistifica contextos inventados e abre um leque de possibilidades a respeito de como
e porquê uma mensagem visual é mediada de tal maneira. Assim,
Ela sugere que para isso, nós devemos aprender a "desmontar" a imagem a ser
analisada e ver como funcionam seus mecanismos dentro do contexto inserido. É
preciso percebê-la como uma linguagem específica e heterogênea, portadora de signos
particulares e detentora de ferramentas perceptíveis à visão humana. A televisão carrega
diferentes formas de transmissão de uma mensagem, que vão além da palavra falada na
voz do locutor em off. A escolha de imagens, enquadramentos, planos e edição fazem
parte dessa gama que compõe a mensagem final a ser estudada. No caso desta pesquisa,
a análise de um programa é "a busca ou verificação das causas do bom ou do mau
funcionamento de uma mensagem visual." (Ibid., p.47). Para isso,
Devemos dizer que as representações da mídia são mais do que discursos. Elas
são um amálgama complexo de texto escrito ou falado, imagens visuais e várias
técnicas para modular e sequenciar a fala, as fotografias e a localização de
ambas. [...] A dimensão visual implica técnicas de manejo de câmera e direção,
que são apenas secundariamente texto. Elas produzem sentidos, certamente,
mas esses sentidos são gerados por técnicas de especialistas (BAUER &
GASKELL, 2011, p. 345)
Entre as décadas de 1960 e 1970, um grupo seleto de autores surgiu para contar
histórias de caráter jornalístico com uma roupagem literária, na busca de fornecer uma
visão ampla do mundo que os cercava e romper a estratégia narrativa do lead – as cinco
perguntas básicas para a composição de uma notícia (o quê-quando-como-onde-por
quê?).
6
BRASIL, Antonio. 60 Minutes
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/antonio_brasil__25863. Acesso pela última vez
em 28 de maio de 2014.
22
No começo dos anos 1980, com a crise nos Diários Associados, pertencentes ao
empresário Assis Chateaubriand, e a consequente falência da TV Tupi perante uma série
de dívidas trabalhistas, a concessão foi transferida pelo governo militar ao gráfico
Adolpho Bloch, que lançou após três anos de planejamento e montagem, a Rede
Manchete de Televisão. Conhecida por slogans famosos entoados na voz do locutor
Eloy Decarlo como “a TV do ano 2000” e “TV de Primeira Classe”, a Manchete caiu no
gosto do público por firmar-se como uma emissora que priorizava a qualidade da
programação, a independência e a ousadia criativa. Essa fórmula foi essencial para fazer
frente à TV Globo, famosa por suas telenovelas e jornais, detentora da maior fatia de
lucros e audiência da época. Esse conteúdo, porém, contrastava com outro Brasil pouco
explorado em narrativas midiáticas. Para a pesquisadora em comunicação Beatriz
Jaguaribe,
como a vasta maioria do público brasileiro não tem acesso aos enredos literários
e não se engaja nas explicações sociológicas ou antropológicas da realidade
social, a realidade produzida pelas imagens e narrativas midiáticas é uma fonte
crucial de constituição de mundo.
O cinema vérité ou cinema verdade surgiu nos anos 1960, marcando um dos
grandes momentos do documentarismo no mundo. Para Nichols, o cinema vérité pode
ser conceituado como um modo observativo no qual as formas de controle do cineasta
na “composição de uma cena foram sacrificadas à observação espontânea da
experiência vivida” (CHIOQUETTA apud NICHOLS, 2005, p. 146-147)
7
Informação do site do IBOPE: www.ibge.gov.br
8
O Nagra apesar de ser considerado leve pesava cerca de 8,5 quilos.
26
Claro que existem mais razões para o crescente aumento da cobertura policial e
todas elas somadas geram, talvez, o principal motivo para os meios de
comunicação dedicarem cada vez mais espaço ao noticiário criminal: o interesse
pelo assunto por grande parte da audiência. (FUCCIA, 2008, p. 15)
Mesmo que das formas mais peculiares, foram vários os programas de televisão
no Brasil que investiram na abordagem de assuntos que poderiam deslanchar em
reportagens investigativas, nascidas da vigilância diária da rotina policial. Um deles foi
o Aqui Agora, lançado pelo SBT no ano de 1991, às 18h de uma segunda-feira. A
atração nasceu sob a autoclassificação de "jornalismo-verdade", conceito inspirado no
Documento Especial trazido da TV Manchete e tirado do ar pelo SBT pouco tempo
antes da estreia do Aqui Agora. Além disso, trazia como lema uma frase imortalizada
pelo escritor Nelson Rodrigues: “a vida como ela é”. O programa ficou conhecido por
dar destaque a reportagens que valorizavam imagens de impacto e histórias de crimes,
roubos e assassinatos, narrados pela voz de repórteres e apresentadores que buscavam
dar mais dramaticidade às notícias, aproveitando muito mais do sensacional do que os
jornais de bancada concorrentes no horário. Um formato que a emissora de Silvio
Santos destaca como “o modelo para a concorrência até hoje”9.
9
Citação disponível no site SBT: http://www.sbt.com.br/institucional/32anos/default.asp?ano=1991.
Acessado pela última vez em 15 de junho de 2014.
28
era repórter policial desde 1968, quando foi trazido para o SBT para integrar a equipe
do Aqui Agora. Com ele, apareciam na tela outros repórteres: Sônia Abrão, Celso
Russomanno, Wagner Montes e Jacinto Figueira Júnior, que ia encarnar a figura do
“Homem do Sapato Branco”.
Pela crescente difusão de notícias policiais e pelo grande interesse que elas
despertam, a reportagem policial requer especialização dos profissionais,
embora isso seja desejável aos jornalistas de todos os segmentos. Aliás, além do
jornalismo, os demais ramos de atividade exigem cada vez mais especialização.
Dessa forma, em sua corrida rotina produtiva, ao fazer uso muitas das vezes de
técnicas de apuração do jornalismo investigativo, a reportagem policial também
29
Cabem a eles também ser a linha de frente de situações de alto risco de vida,
principalmente aos que se expõem nas ruas, favelas e delegacias às mais inusitadas
adversidades, sofrendo muitas das vezes retaliações e ameaças de bandidos e da própria
polícia, em frequentes casos de corrupção.
Nos primeiros anos, a direção do programa estava a cargo de Paulo Gil Soares,
muito ligado a indústria do cinema. Com ele, vieram para a Globo profissionais
renomados da área como Eduardo Coutinho, Walter Lima Júnior, Luiz Carlos Maciel,
Maurice Capovilla e João Batista de Andrade. A busca por estes profissionais tinha o
objetivo de transformar a atração semanal em um programa de bom gosto, com
informações aprofundadas. Para isso, foi importado o estilo e a técnica do documentário
para a televisão.
Nos seus primeiros 10 anos, o Globo Repórter possuía um vínculo maior com o
cinema. Dos profissionais que ali trabalharam, a maioria vinha da experiência do
Cinema Novo e na TV Globo puderam por em prática seus conhecimentos na televisão,
o que permitiu uma aproximação pioneira das duas mídias no Brasil. Muitos
trabalhavam por meio da produtora Blimp Films, produzindo documentários para o
programa. Eduardo Coutinho, ao contrário, era contratado da TV Globo e nela firmou-
se como importante diretor da primeira fase do programa. Neste período, ele conviveu
com diferentes brasileiros e deles ouviu seus cantos, paixões, crenças e produziu em sua
linguagem característica seus documentários, como Teodorico, Imperador do Sertão
32
(1978). Estes profissionais tinham em mente alcançar mais espectadores, além de ter
acesso a recursos de gravação com maior frequência, o que não era possível trabalhando
em cinema, devido a recursos financeiros e técnicos limitados.
Já nos anos 1980, com mudanças técnicas previstas pela emissora - o fim do uso
da película para a gravação e a transição do filme para o vídeo - a produção das edições
do Globo Repórter passou a ser controlada internamente, com uma equipe própria de
jornalistas. O documentarismo típico da primeira fase perde força. Em 1983, quando o
programa passou a ser dirigido por Roberto Feith, correspondente da Globo em
Londres, traçou-se uma linha divisória da substituição do modelo cinematográfico para
33
Embora ainda sofra críticas, esse formato novo permitiu que o tratamento dos
temas fosse mais solto, ou seja, independa da ação do diretor cinematográfico e até
mesmo do conteúdo do programa, que poderia abrigar mais de um assunto por edição.
Isso reconfigurava a estratégia de “contação de histórias” para grandes reportagens
especiais. O assunto abordado semanalmente é inserido em uma das temáticas
fundamentais, ou selos do programa, que são: aventura, comportamento, ciência e
atualidades (MEMÓRIA GLOBO, 2008). O tema semanal pode ser aprofundado em
diferentes ângulos e equipes de reportagem presentes em qualquer parte do mundo. A
partir desse modelo, o jornalista é o investigador e condutor da matéria que ele tem em
mãos, não mais os diretores de cinema focados no documentário que querem produzir.
E qualquer que seja o tema, ele é tratado como uma novidade, descoberta e
exclusividade do programa (COSTA, 2011, p. 158). Veja no exemplo, nas locuções do
apresentador do Globo Repórter em diferentes datas:
Sérgio Chapelin – “Uma nova descoberta médica: quem tem amigos corre
menos risco de ficar doente”11;
11
Globo Repórter, programa exibido em 19 de setembro de 2008. Selo Comportamento
12
Globo Repórter, programa exibido em 19 de setembro de 2008. Selo Aventura
34
O Globo Repórter foi agraciado com muitos prêmios, como o Prêmio Líbero
Badaró, na categoria de telejornalismo, pela reportagem Roubo de automóveis (1989),
de Domingos Meirelles, o Prêmio Vladimir Herzog e Prêmio Volvo de Segurança no
Trânsito para a reportagem Morte no trânsito (1994), do repórter Carlos Dornelles, com
direção de Suzy Altmann. Em 1995, Caco Barcellos, ainda repórter do programa, recebe
o Prêmio Caixa Econômica Federal de Jornalismo Social, pela reportagem
13
Globo Repórter, programa exibido em 26 de agosto de 2008. Selo Ciência
14
Globo Repórter exibido em 24 de maio de 2012. Selo Aventura
15
Globo Repórter exibido em 13 de junho de 2008. Selo Aventura
16
Globo Repórter exibido em 1º de agosto de 2008. Selo Aventura
35
Podemos, portanto, entender o Globo Repórter como uma das experiências mais
relevantes da grande área do jornalismo de investigação. Mesmo que transitando em
diferentes modos e temáticas para a elaboração de seus programas,
17
Globo Repórter exibido em 21 de julho de 1995. Disponível em: http://globotv.globo.com/rede-
globo/memoria-globo/v/globo-reporter-desaparecidos-politicos-1995/2559993/
36
entraram para a história as séries exibidas a partir de 1978 sobre David Vetter, o
‘menino da bolha’, condenado por uma doença rara a viver dentro de um
ambiente estéril, semelhante a uma bolha de plástico, em um hospital em
Houston, Massachusets. Mais tarde, cientistas desenvolveram uma vestimenta
que permitiu ao garoto sair da bolha. Hélio Costa acompanhou o drama de
David até sua morte, aos dez anos, em 1984.18
18
Memória Globo. Disponível em: http://memoriaglobo.globo.com/programas/jornalismo/programas-
jornalisticos/fantastico/jornalismo-cientifico-e-reportagens-internacionais.htm. Acessado pela última vez
em 19 de setembro de 2014.
37
por ser um mix de reportagens investigativas, humor, esportes, entre outros segmentos,
tudo em um mesmo programa. Analisando seu endereçamento e angulação, percebe-se
que o Fantástico busca estabelecer uma relação comunicativa construída através da
conversa entre o social e o entretenimento (COSTA, 2011, p. 14) de forma dinâmica
desde 1973.
19
LIMA, Nathalie. Disponível em:
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/asp3110200192.htm Acesso pela última vez em 19 de
setembro de 2014.
20
Fantástico exibido em 19 de março de 2006.
38
21
Disponível em: http://memoriaglobo.globo.com/programas/jornalismo/programas-
jornalisticos/fantastico/denuncias-e-reportagens-investigativas.htm
22
Fantástico exibido em 29 de abril de 2007.
39
Além de não revelar seu rosto ao espectador, Eduardo Faustini faz uso frequente
de identidades falsas para flagrar e denunciar diversos crimes que acontecem pelo
Brasil. Devidamente autorizado pelo Ministério Público e em acordo com instituições
que querem punir corruptos que atuam travestidos de funcionários honestos, este
repórter investigativo não hesita em se valer de estratégias pouco convencionais para
exercer seu trabalho.
23
Fantástico exibido em 9 de janeiro de 2011.
24
Fantástico exibido em 21 de abril de 2012.
40
Em entrevista à revista Trip, Eduardo Faustini revelou que não se incomoda com
o uso das câmeras, uma vez que para ele isso não é um crime, apesar das retaliações que
sofreu.
No entanto, para ele, ao seguir esse preceito ético o repórter deve ter cautela.
Lage ressalta a necessidade de analisar as balizas éticas que norteiam os profissionais e
o quão é importante para o repórter investigativo o uso de câmeras e gravadores
escondidos durante o tempo de estudo de viabilidade da reportagem. Também ele
afirma que o profissional não deve agir por conta própria, e sim, sempre com o aval da
empresa jornalística, a fim de medir o impacto da matéria para o jornalista e como
resguardá-lo em caso de uma retaliação legal (SEQUEIRA apud LAGE, 2005, p. 96).
25
Reportagem disponível no site da revista Trip: http://revistatrip.uol.com.br/revista/196/paginas-
negras/o-cara-sem-cara-da-globo.html. Acessado pela última vez em 19 de setembro de 2014.
26
Código de Ética dos Jornalistas. Disponível em:
http://www.fenaj.org.br/federacao/cometica/codigo_de_etica_dos_jornalistas_brasileiros.pdf. Acessado
pela última vez em 19 de setembro de 2014.
41
O nome surgiu pela modernidade que sugere que a informação nos tempos de
hoje viaja por conexões cada vez mais velozes e sofisticadas. O uso da palavra
“repórter” foi estrategicamente usado para destacar o formato e a disposição do
apresentador. [...] A exclusividade é o lema do programa. 27
Roberto Cabrini é quem apresenta a atração. Ele aparece no vídeo com o papel
de repórter, mediador da informação, analista e juiz da “verdade dos fatos” para o
telespectador. O jornalista tem longa carreira na televisão, iniciada aos 17 anos de idade,
quando foi trabalhar na TV Globo. Já atuou como correspondente em Londres e Nova
Iorque para a emissora e por seu trabalho ganhou os principais prêmios na categoria
jornalismo investigativo: Esso, Líbero Badaró, Imprensa, Tim Lopes e Vladmir Herzog.
No ano de 1993 descobriu a localização do fugitivo da justiça Paulo César Farias, mais
conhecido como PC Farias, em Barcelona, na Espanha, tomando a frente até mesmo da
investigação polícia brasileira. O criminoso foi indiciado em 41 processos por tráfico de
influências e corrupção no governo Collor (MEMÓRIA GLOBO, 2014). 28
27
Definição disponível em: http://www.sbt.com.br/conexaoreporter/programa. Acessado pela última vez
em 20 de setembro de 2014.
28
Definição disponível em: http://memoriaglobo.globo.com/perfis/talentos/roberto-cabrini.htm. Acessado
pela última vez em 20 de setembro de 2014.
42
O programa Conexão Repórter foi desenhado por Roberto Cabrini e uma equipe
contratada pelo SBT. Em 2010, o programa levou a premiação mais importante do
jornalismo no Brasil, o Prêmio Esso, pela reportagem Sexo, intrigas e Poder na Igreja
Católica32. Durante uma hora de programa foram revelados casos ocultos de pedofilia
dentro da Igreja Católica na cidade de Arapiraca, em Alagoas, envolvendo religiosos.
Fazendo uso de câmeras e microfones escondidos com o aval do Ministério Público, a
equipe de produção se infiltrou na rotina de um grupo de religiosos que abusavam de
menores de idade frequentadores da Igreja. Como resultado, três sacerdotes da ordem
foram presos e condenados a até 21 anos de reclusão por abuso sexual de menores. A
partir desse caso, o Vaticano assumiu publicamente que existia pedofilia na Igreja
Católica.
29
Conexão Repórter exibido em 24 de maio de 2010. Reportagem “Tráfico de Crianças”.
30
Conexão Repórter exibido em 11 de março de 2010. Reportagem “Sexo, Intrigas e Poder na Igreja
Católica”.
31
Conexão Repórter exibido em 11 de junho de 2011. Reportagem “No rastro do preconceito”.
32
Conexão Repórter exibido em 11 de março de 2010.
33
Conexão Repórter exibido em 23 de agosto de 2012.
34
Conexão Repórter exibido em 3 de setembro de 2014.
43
do Conexão Repórter e os resultados desse trabalho: "o jornalismo e a sua função social
no mais alto grau"35.
Essa perspectiva expõe que a imprensa muitas vezes é vista como parte do
sistema de pesos e contrapesos característicos dos regimes democráticos. O contra poder
aqui é o que tem força para barrar o poder autoritário e as injustiças sociais. Isto é, a
imprensa é a força existente para impedir os excessos públicos. (Ibid apud MESQUITA,
2011).
Muitos autores acreditam que essa visão apenas serve para alimentar o ego dos
jornalistas, mais ainda dos que trabalham com reportagens investigativas. Porém, é
preciso ressaltar que estar atento aos interesses da sociedade e servi-la perante injustiças
e crimes é dever do jornalista, informado no Código de Ética Profissional, ainda que de
forma pouco detalhada.
35
CABRINI, Roberto. Disponível em: http://www.sbt.com.br/conexaoreporter/noticias/14795/Roberto-
Cabrini-volta-a-Casa-dos-Esquecidos.html#.VB-iofldWSo. Acessado pela última vez em 20 de setembro
de 2014.
36
Disponível em: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/o_cao_de_guarda_da_sociedade
37
Código de Ética dos Jornalistas Profissionais. Disponível em:
http://www.fenaj.org.br/federacao/cometica/codigo_de_etica_dos_jornalistas_brasileiros..pdf. Acessado
pela última vez em 20 de setembro de 2014.
44
38
Conexão Repórter exibido em 10 de outubro de 2013.
45
39
BARCELLOS, Caco. Disponível no site: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2008/08/437538-
olhar-do-jovem-gera-material-mais-rico-diz-jornalista-caco-barcellos.shtml. Acessado pela última vez em
23 de setembro de 2014.
46
Este tipo de trabalho (a exibição das dificuldades para se encontrar uma fonte ou
revelar "a verdade dos fatos") transfere ao Profissão Repórter uma aura do profissional
da notícia como "herói da informação". Este é colocado em uma posição frequente
daquele que não teme correr riscos ou viajar a lugares distantes para conseguir um dado,
uma entrevista, uma resposta. De acordo com Tatiana Vieira Lucinda, existe uma
tentativa evidente de angulação do Profissão Repórter em fazer uma analogia entre o
jornalista e o herói clássico em sua jornada, proposto por Christopher Vogler.
47
Herói porque lida com qualquer desafio em prol de um bem coletivo. Passa por
dificuldades, mas as vence. E quando devolve o resultado de seu trabalho (a
informação) à comunidade, seu “elixir” (= troféu, prêmio) é o aprendizado
conquistado durante a aventura e também o reconhecimento pelo bem social
que proporcionou" (LUCINDA apud VOGLER, 2008, p. 36)
40
Fantástico exibido em 07 de maio de 2006.
41
Fantástico exibido em 07 de maio de 2006. Quadro Profissão Repórter.
48
apresentação in loco. Como objetivo desse capítulo final faz-se necessário desnudar o
seu formato, equipe, discurso e recursos imagéticos, analisando a atração pela
perspectiva do jornalismo investigativo e fazendo uso do embasamento prático-teórico
apresentado, para então compreendermos de que forma o Profissão Repórter contribui
para um jornalismo transparente e de valor para a sociedade.
Seu chefe era Carlos Alberto Kolecza, jornalista experiente e que o ensinou os
rumos da reportagem investigativa. Após um semestre como estagiário, Caco largou a
área de Exatas e passou a se dedicar integralmente ao jornalismo. Nos primeiros anos da
profissão trabalhou nas revistas Veja, Isto É e Repórter Três. A carreira televisiva foi a
que mais demorou a chegar à vida de Caco. Isso porque ele acreditava que a televisão
não era um bom espaço para desenvolvimento de reportagens aprofundadas. Para ele, a
TV , “era oficiosa demais. Desprezava a reportagem, evitava a investigação, nunca
perseguia a informação exclusiva, o furo jornalístico”. (BARCELLOS, 1994, p.21)
Longe da ditadura militar brasileira, durante os anos que passou nos Estados
Unidos, Caco Barcellos manteve contato direto com a imprensa local que e se
diferenciava muito do jornalismo do Brasil. Eram os anos de grandes reportagens
investigativas, do Caso Watergate, da valorização do profissional como "cão-de-guarda"
da sociedade, de grandes documentários e de jornalismo investigativo na TV. Isso o
49
Seu começo na televisão foi a partir da São Paulo na TV, da produtora Abril
Vídeo. Não demorou muito para que o seu talento o levasse à Rede Globo, trabalhando
como correspondente internacional. Contratado para atuar no exterior, cobriu o atentado
terrorista de Madri, em 2003, e a morte do papa João Paulo II. Durante a produção dessa
última cobertura, em 2005, Caco esperou por 18 horas em uma fila de fiéis que
aguardavam para dar o último adeus ao Papa42. A matéria foi exibida como destaque do
Jornal Nacional daquele dia. Na Globo, Caco também no Globo Repórter, Fantástico e
em sua criação mais recente, o Profissão Repórter (MEMÓRIA GLOBO, 2014).
42
Jornal Nacional exibido em 07 de abril de 2005.
50
sociedade. Caco assume que se não fosse pela criteriosa checagem de informação, a
checagem frequente de fontes e a perseverança, seu trabalho nunca seria bem feito.
Há armadilhas muito mais sutis que podem nos levar ao erro. A própria fonte do
jornalista, por exemplo, pode representar um grande perigo. [...] Antigamente
eu investigava para encontrar provas, levar adiante a denúncia. Hoje,
frequentemente sou obrigado a investigar para descobrir as mentiras embutidas
nas falsas denúncias. (BARCELLOS, 1994, p.20).
43
Canal da Revista Veja publicado em 28 de novembro de 2011. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=Hc7JwVCuf3w
51
programa como Profissão Repórter, não tem a tarefa de fornecer juízos de valor, e sim
os dados que guiarão a opinião do público ao qual ele serve. Segundo Beltrão (1980, p.
82),
Eles são muito mais bem informados. [Na minha época] Para buscar uma
informação qualificada, aprofundar a sua pesquisa, tinha entrar em uma
biblioteca pública, enfrentar um sistema... E esse povo pode fazer isso em
poucos segundos, em qualquer biblioteca do mundo. E eles fazem. Eu acho isso
fundamental para iniciar o trabalho. Outra coisa é a rua. Buscar o inusitado, o
novo, o exclusivo lá fora. Esse background [a pesquisa] é fundamental até
mesmo para selecionar o que é novo na história.44
44
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Hc7JwVCuf3w. Acessado pela última vez em 24 de
setembro de 2014.
53
presente e encarar os fatos para entender melhor o universo a ser retratado. De posse
dessas informações, os “focas” do Profissão Repórter permitem-se entregar à notícia e
emocionam-se com os dramas humanos e a dor alheia. Ocasionalmente essas reações
são exibidas durante o programa, derrubando também o mito da objetividade no
jornalismo. Um exemplo aconteceu no programa Estrangeiros45, que mostrava a jornada
de pessoas que querem recomeçar a vida no Brasil. Em sua primeira reportagem para o
Profissão Repórter, o jornalista Estevan Muniz foi encarregado de procurar refugiados
da Guerra Civil da Síria. O conflito foi iniciado a partir de uma série de protestos em
janeiro de 2011 e, na época, já havia matado mais de 130 mil pessoas. Ao entrevistar
Hifa Alshaar, refugiada síria em São Paulo, que teve que escapar para o Brasil deixando
sua família para trás, Estevan se abraçou à entrevistada quando ela começou a chorar.
Logo em seguida, ele justificou dizendo que entendia a situação de Hifa e imaginou
como seria se aquilo acontecesse com a mãe dele. A série, como se vê, aproveita
momentos como este da subjetividade adjacente ao mediador, em que ele relata seus
sentimentos aos telespectadores e coloca-se no lugar da vítima para refletir a respeito e
promover uma maior comoção do público, sem dúvida, já que essas cenas dificilmente
estariam em um jornal tradicional que se baseia na “imparcialidade”.
45
Profissão Repórter exibido em 3 de junho de 2014.
46
Profissão Repórter exibido em 13 de agosto de 2013.
54
Em seguida, entra a vinheta, que tem 12 segundos. Da primeira versão até hoje
pouca coisa mudou. Nela, imagens em tom de azul e amarelo transitam rapidamente em
diversos momentos. São vistos equipamentos da rotina do repórter, como computadores,
câmeras, refletores e microfones com canoplas. Apresenta-se um plano geral da redação
do programa, que foge para a rua, onde passos apressados sugestionam o movimento. A
imagem some em fade-out e aparece a logomarca do programa. A trilha sonora que
acompanha a vinheta é vibrante e semelhante ao som emitido por modens de internet. A
vinheta estabelece um sinal de alerta. Essa estratégia é pertinente ao meio televisivo,
uma vez que o programa é na sua maioria recepcionado no ambiente doméstico,
marcadamente dispersivo.
47
Profissão Repórter exibido em 12 de agosto de 2014.
55
Com base nas rotinas de trabalho dos repórteres investigativos, pode-se concluir
que, se cada reportagem investigativa é única necessita de técnicas e
metodologia próprias durante uma apuração, cada repórter também é único, na
sua forma de avaliar e se relacionar com suas fontes.
Muitos autores vistos afirmam que para se realizar uma reportagem investigativa
é preciso revelar versões escondidas dos fatos. E isso não se aplica somente às
denúncias. Jornalistas como Caco Barcellos estão acostumados a buscar o "outro" lado
da informação, que seria a versão do réu. Sem a necessidade de apontar culpados, ele
assume que "nós quando fazemos matéria investigativa com teor de denúncia damos a
oportunidade de o acusado falar das circunstancias que o levou a cometer determinado
delito e compor a história com mais equidade"48.
48
Entrevista concedida a Veja: https://www.youtube.com/watch?v=Hc7JwVCuf3w. Acessado pela última
vez no dia 25 de setembro de 2014.
56
CONSIDERAÇÕES FINAIS
aprofundada por receber diferentes tratamentos e segue cada vez mais uma tendência da
junção de informação com entretenimento. Emergem, portanto, novos modelos, híbridos
e que buscam no novo o modo de se fixarem e ganharem o gosto do público.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BACELAR, Luciane & BISTANTE, Luciana. Jornalismo de TV. São Paulo: Contexto,
2005.
BAUER, Martin W. & GASKELL, George. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e
som: um manual prático. Petrópolis – RJ: Vozes, 2011.
BUCCI, Eugênio. Brasil em tempo de TV. São Paulo: Boitempo Editorial, 2000
SILVA, Fernando Lopes da. O caso Escola Base e a importância da ética na prática do
jornalismo. In: Revista Católica, 2009, Urbelândia – MG.
VIEIRA, Anamaria Modesto & PENTEADO, Claudio Luis Camargo. Ligações entre os
conceitos de Marshall Mcluhan e do interacionismo simbólico na compreensão do
fenômeno da comunicação na Internet e em sites de redes sociais. São Paulo, 2008.
PEREIRA, Jhonatan. “O olhar do jovem gera material mais rico”, diz jornalista Caco
Barcellos. In: www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2008/08/437538-olhar-do-jovem-gera-
material-mais-rico-diz-jornalista-caco-barcellos.shtml. Folha Ilustrada, 2014.
ANEXO
Eu fui para a Manchete alguns meses antes da emissora entrar no ar. Lá, eu participei da
organização do jornalismo. Como eu estava insatisfeito e já querendo sair, fui mandado
para o núcleo de Projetos Especiais, onde eu criei o Documento Especial, que ficou na
Manchete até 1992, quando eu fui para o SBT. Nesse núcleo eu tinha duas funções:
receber os projetos que chegavam à Manchete, avaliar e mandar um relatório disso para
o diretor geral. E a outra era criar, ter novas ideias. Eu sentia falta de um programa na
televisão brasileira que fosse ousado, investigativo, que fugisse dos parâmetros normais.
E algumas situações me incomodavam muito na televisão brasileira - e na Manchete, em
especial. Uma delas era um estreitamento muito grande das possibilidades temáticas da
televisão. Por exemplo: você bota o nariz para fora de casa e tem bandidagem, existe
sexo... Na televisão não existia nada disso. Havia um mundo fora da televisão e outro
dentro que não tinha nada a ver com o mundo real. Daí eu disse: eu vou fazer um
projeto nesse sentido. Então, eu fiz uma coisa que era literal mesmo. Peguei uma folha
de papel e nela escrevi algumas coisas que eu não gostava na Manchete, como "não
pode aparecer gente feia, não pode prostituta, travesti, religião, corrupção, drogas..." E
eu levei esse projeto para o superintendente da Manchete na época, que era o Jaquito.
Supreendentemente, ele veio me dizer: "O que você precisa para fazer um piloto do
programa?" Eu disse: "preciso de um mês e sete pessoas". A gente fez o piloto e exibiu
para toda a direção. Então, quando acabou a exibição, o Jaquito veio me dizer que era a
melhor coisa que já foi produzida dentro da Manchete. Então, nós estreamos o programa
de agosto de 1989. A gente sabia que estava ousando muito. E eu tinha arranjado para
fazer o programa pessoas que já estavam para morrer dentro da Manchete - que já
estavam em vias de serem demitidas. Porque eu pensei que o programa não ia durar
nada. Eu produzi dois programas. Um falso e outro verdadeiro. Peguei o falso e a
direção da emissora aprovou. Daí eu troquei as fitas e mandei para a programação o
verdadeiro, que era bem mais pesado do que aquele que havia sido aprovado. Eu me
surpreendi com isso. Porque como a gente sabe, a televisão comercial vive de
62
resultados. Ele estreou numa quarta-feira, às 19h. Nesse horário, a Manchete sempre
dava entre traço e 1 ponto no Ibope. Na primeira semana deu 7 pontos, na segunda 8 e
na terceira 13. E assim ele se consagrou. Na época, eu tive uma liberdade imensa. E
colocávamos chamadas fortes, instigantes. Assim ele foi se modificando aos poucos,
conforme os feedbacks que eu recebia do público. A gente recebia muita carta. E de 10
cartas que recebíamos, 9 gostavam do programa e 1 tinha restrição quando ao tempo das
matérias. As pessoas queriam matérias maiores. O programa tinha 30 minutos com 3
matérias. Passou a ter 1h com 1 matéria. A partir de quando começamos a conseguir
prêmios tivemos um retorno muito forte. Era mesmo um programa muito revolucionário
e fizemos uma coisa que nunca havia sido feita na TV. Odeio ser autorreferente, mas, de
fato, mudamos a televisão brasileira.
colocamos dentro de uma Bíblia de madeira. Para definir o tema do programa, a gente
tinha como parâmetros ampliação do universo temático da televisão e também o
tratamento horizontalizado com o espectador. Eu não queria ser o intelectual que olha
para as coisas de cima para baixo, como quem detêm um meio de comunicação. A gente
queria entrar e ter uma relação mais direta com os marginais que a gente estava
abordando ali. Isso era imperioso para eu fazer. Em muitas pautas eu ia, e em outros era
impossível. E, então, consegui montar uma equipe extraordinária de colaboradores, que
depois se dispersou.
Era perigoso gravar na rua sim, bastante. Nós tivemos alguns problemas. E isso é
interessante falar disso porque o Tim Lopes, que era muito meu amigo, pouco antes de
morrer, a gente estava almoçando e ele disse “Nelson, o que eu faço, eu me inspiro
muito em vocês”. E o Tim morreu exatamente ao fazer uma dessas reportagens ousadas
que ele fazia de forma extraordinária, brilhante e inteligente. A televisão sempre foi
muito oficialista. Primeiro porque ela é uma concessão, depois porque ela sempre
dependeu muito de verbas públicas. Ela tem um sentido que só agora está mudando. A
maneira da televisão de falar com o espectador ainda é muito oficialista, inclusive no
jornalismo. Se você separar o Ricardo Boechat ou o Bóris Casoy, percebe que todos os
outros falam com você como se fossem a expressão de algo maior ou te tratam como
um imbecil. Chegar nesse ambiente e, por exemplo, invadir com uma câmera oculta no
paletó do repórter o gabinete de um deputado, perguntar se ele estava lá numa quinta-
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feira e a secretária responder rindo “Numa quinta-feira, você acha que ele vem aqui pra
Brasília?” é realmente algo que muda essa perspectiva. Eu lembro que uma vez fizemos
um programa sobre prostituição masculina que foi um escândalo, já que ninguém nunca
tinha feito nada parecido. Tivemos acesso, conversávamos com vários garotos de
programa e tal e, logo depois, a Globo fez uma novela que tinha um personagem assim.
Hoje eu não vejo com tanto cuidado os programas investigativos que vão ao ar. E eu
tenho participado de júris e percebo que uma coisa que me desagrada é uma
manipulação formal – uma música forçando muito a barra, uma câmera lenta, uma
pergunta que foi obviamente colocada ali para causar um efeito desejado... E faz parte
disso que eu falei sobre ver o espectador como um ser inferior. Ele tem que ser
motivado por uma música, que é uma música que diz qual a emoção ela precisa ter
naquele momento. Já no Documento, o repórter não aparecia. E muito frequentemente
ele faz um papel de Deus. Esse é um personagem que eu não gosto muito. E ele não
aparecia porque a minha ideia era fazer um programa de material 100% jornalístico,
mas com uma linguagem ficcional. O meu desejo era que você assistisse ele como quem
segue uma obra de ficção. E esses programas todos, como Conexão Repórter e Profissão
Repórter eu não respondo bem porque eu não os conheço com profundidade. Mas eu
rejeito comparações com produções policiais como o Aqui e Agora, por exemplo. E o
Documento nunca foi assim. O programa policial sempre houve na televisão e o que
fazíamos ali não tinha nada a ver com isso.
Muita gente garante que a TV do futuro voltará a ter a programação toda ao vivo,
como acontecia antes do VT. Você acredita nessa tese? Vale a pena investir em
programas investigativos, que apesar da qualidade tem um custo alto na sua
produção?
66
A televisão não pode se pasteurizar mais do que ela já está. O jornalismo hoje, na sua
própria natureza, é investigativo. Os grandes jornais brasileiros (Folha de S. Paulo / O
Globo / O Estado de São Paulo) eles são grandes pelas investigações que são capazes de
se produzir. Senão eles já teriam sucumbido também. E o mesmo que acontece com a
televisão. O custo para se produzir é alto, mas é necessário se investir.
O Silvio Santos me chamou para almoçar, eu avisei a direção da Manchete, e fui. Ele
perguntou quando eu ganhava lá e multiplicou esse valor por um bem mais alto.
Perguntou minhas exigências e eu falei: quero que leve toda a equipe ganhando mais e
quero fazer o programa no Rio com total liberdade. E, então, assinei o contrato na hora.
Foi um período ótimo, mas no finalzinho, o que motivou minha saída foi a interferência
do Luciano Callegari, que tirou o programa do ar e me mandou embora. Eu acho que,
visto hoje ainda, ele continua sendo incrivelmente inovador, verdadeiro, ousado. E não
tem paralelo nisso, passado esse tempo todo.