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Página Textos da Reforma

Sola Scriptura, Sola Gratia, Sola Fide, Solus Christus, Soli Deo Gloria
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Responsável: Dawson Campos de Lima
E-mail: dawson@samnet.com.br

CARACTERÍSTICAS DA IGREJA VERDADEIRA


Bruce Milne

Onde pode ser encontrada hoje a igreja verdadeira e quais


os seus aspectos essenciais? Em primeiro lugar devemos
distinguir os vários significados da palavra igreja:
1. Todo o povo de Deus em todos os séculos, o conjunto
total dos eleitos. Os Reformadores falaram disto como
sendo a igreja invisível.
2. A comunidade local dos cristãos, reunidos visivelmente
para adoração e ministério; este significado abrange a
vasta maioria das referências à igreja (ekklesia) do Novo
Testamento.
3. Todo o povo de Deus no mundo, em determinada época,
talvez melhor definida como a igreja universal. Esse
sentido ocorre apenas ocasionalmente no Novo
Testamento (1 Co 10.32; Gl 1.13).
4. “A igreja dentro da igreja”. Notamos antes a distinção
feita entre a edah (toda a congregação visível) e os gahal
(aqueles dentro dela que respondem ao chamado de
Deus). Jesus ensinou que o reino corresponde a este
padrão: o joio está misturado com o trigo (Mt 13.24-30;
36-43). Dentro do grupo identificado com Cristo acha-se
o povo de Deus, a verdadeira igreja. Não existe, então,
uma igreja pura; em meio a cada igreja pode haver
pessoas que não professaram a sua fé e outras cuja
profissão será desmascarada no último dia (Mt 7.21-23).

Admitindo-se assim que uma igreja pura ou perfeita não é


possível deste lado da glória, onde podemos descobrir o
verdadeiro povo de Deus visivelmente reunido?
Tradicionalmente, são reconhecidos quatro sinais da igreja
autêntica.
UNA
A unidade da igreja procede de seu fundamento do único
Deus (Ef 4.1-6). Todos os que pertencem verdadeiramente à
igreja são um só povo e, portanto, a igreja verdadeira será
distinguida por sua unidade.
Esta unidade, porém, não implica necessariamente
uniformidade total. Na igreja do Novo Testamento havia uma
variedade de ministérios (1 Co 12.4-6) e de opiniões sobre
assuntos de importância secundária (Rm 14:1-15:13). Embora
houvesse uniformidade nas convicções teológicas básicas (1 Co
15.11, BLH; Jd 3), a fé comum recebia ênfases diversas,
segundo as diferentes necessidades percebidas pelos apóstolos
(Rm 3.20; cf. Tg 2.24; Fp 2.5-7; cf. Cl 2.9s).
Havia também uma variedade de formas de adoração. O
tipo de culto em Corinto (1 Co 14.26ss) não era comum nas
igrejas palestinas, onde a adoração se baseava no modelo da
sinagoga judaica e tinha um padrão mais formal, centrado na
exposição da palavra escrita. Este modelo tirado da sinagoga
justifica o fato de as igrejas do primeiro século serem
consideradas um ramo do judaísmo. Tiago 2.2 usa até mesmo a
palavra sinagoga para a reunião dos cristãos. Existem também
elementos discerníveis de mais de uma forma de governo da
igreja.
A verdadeira unidade no Espírito Santo de todo o povo
regenerado é um fato independente da desunião
denominacional exterior. O chamado para a unidade no Novo
Testamento é, portanto, uma ordem para manter a unicidade
fundamental da vida que o Espírito concedeu através da
regeneração (Ef 4.3). Os Reformadores salientaram este ponto,
distinguindo entre a igreja invisível (todos os eleitos que são
verdadeiramente um em Cristo) e a igreja visível (um grupo
misto de regenerados e não-regenerados). A unidade da igreja
invisível é um fato consumado, concedido com a salvação.
Roma tem usado este sinal de maneira polêmica, a fim de
proclamar sua unidade, comparando-a à fragmentação do
protestantismo, como uma evidência de ser a verdadeira igreja.
Isto, no entanto, ignora três pontos: (i) A própria Roma
separou-se da igreja ortodoxa em 1054, e jamais tinha sido
considerada universalmente como a única igreja verdadeira em
séculos anteriores; por exemplo, a igreja celta floresceu na
Inglaterra, e Patrício fundou a igreja inglesa muito antes de os
missionários romanos terem chegado a Inglaterra. (ii) Os sinais
devem manter-se juntos. A sucessão histórica e a unidade
exterior não têm validade quando não associadas à lealdade e
ao evangelho apostólico. (iii) Embora o protestantismo tenha-se
mostrado às vezes necessariamente desagregador, pode ser
argumentado que, através de seu desvio da doutrina bíblica, é
a própria Roma que tem sido a maior causa de cismas no
correr dos séculos.
As Escrituras encorajam a mais plena expressão de
unidade possível entre o povo de Deus, mas elas também
tornam claro que a divisão acha-se perfeitamente de acordo
com a vontade divina quando a essência do Cristianismo
Apostólico estiver em risco. Esta foi a razão da discórdia entre
Paulo e os judaizantes (Gl 1.6-12), e entre Jesus e os fariseus
(Mc 7.1-13). É significativo notar que quando Judas pretendeu
escrever sobre a salvação que temos em comum, ele achou
necessário insistir com os leitores para “batalhar
diligentemente pela fé que uma vez foi entregue aos santos”
(Judas 3). Para o Novo Testamento, a unidade está baseada em
um compromisso consciente com as verdades reveladas do
Cristianismo Apostólico.
O Novo Testamento dirigiu seus ensinos sobre a unidade a
grupos específicos, com implicações imediatas para seus
relacionamentos visíveis (Ef 2.15; 4.4; Cl 3.15). Jesus orou pela
unidade, que ajudaria o mundo a crer (João 17.21); embora o
paralelo entre esta unidade e a dEle com o Pai (17.11,22)
confirme o caráter essencialmente espiritual da unidade
bíblica, esta certamente inclui identificação visível de vida e
propósito, pois Jesus em toda a sua missão expressou uma
união visível e demonstrável com o Pai. Em outras palavras, é
preciso buscar uma unidade visível mais plena do que aquela
que está sendo experimentada pelos que são fiéis ao evangelho
apostólico.
Este fato tem especial importância quando dois ou mais
grupos que têm uma fé bíblica estiverem operando na mesma
área, como, por exemplo, em um campus universitário. O
desafio mais profundo deste ensinamento, porém, situa-se ao
nível dos relacionamentos na igreja local. Nesse ambiente, a
unidade da vida em Cristo deve expressar-se através do
cuidado e compromisso genuínos e tangíveis de uns para com
os outros. Na ausência disto, a reivindicação de ser uma
verdadeira igreja cristã é posta em dúvida (1 Co 3.3s).

SANTA
O povo de Deus forma a nação santa (1 Pe 2.9). No sentido
mais profundo a igreja é santa, da mesma forma que todo
indivíduo cristão é santo em virtude de estar unido a Cristo,
separado para ele e revestido com sua justiça perfeita. Na sua
posição diante de Deus em Cristo, a igreja é irrepreensível e
isenta de qualquer mancha moral. A distinção entre a igreja
visível e a invisível aplica-se aqui, desde que esta santidade
imputada não pertence aos membros da igreja não confiam
pessoalmente em Cristo como Salvador.
A união com Cristo envolve também uma santidade de vida
que seja visível. Desse modo, a relação da igreja com Cristo, o
seu cabeça, será expressa no caráter moral e nas
características especiais de sua vida e de seus relacionamentos
comunitários. A igreja alheia à santidade é alheia a Cristo.
Quando Cristo dirigiu-se à sua igreja, ele esperava dela essa
mesma diferença moral e foi severo em seu julgamento quando
observou que ela lhes faltava (Ap 2.-3).
A fim de não desanimarmos ao aplicar este teste, vale a
pena lembrar que grande parte da vida da igreja do Novo
Testamento foi eivada de erros, divisões, falhas morais e
instabilidade. Não obstante, a presença de um sinal visível de
santidade é uma característica invariável da igreja de Deus.
CATÓLICA
O termo católico significa literalmente abrangendo ao todo.
E em seu uso primitivo, significava ser a igreja universal,
distinguindo-a da local; mais tarde, veio significar a igreja que
professava a fé ortodoxa, em contraste com os hereges. Com o
passar do tempo, Roma adotou o termo para referir-se a si
mesma como instituição eclesiástica, centrada no papado,
historicamente desenvolvida e geograficamente difundida. Os
reformadores do século dezesseis procuraram restaurar o
significado anterior da catolicidade, em termos do
reconhecimento da fé ortodoxa; nesse sentido, argumentavam
eles, a igreja católica era de fato eles e não Roma.
O principal aspecto da catolicidade da igreja primitiva
estava na sua abertura para todos. Distinta do judaísmo, com
seu exclusivismo racial, e do gnosticismo, com seu
exclusivismo cultural e intelectual, a igreja abriu seus braços a
todos que quisessem ouvir a mensagem e aceitar seu salvador,
sem levar em conta cor, raça, posição social, capacidade
intelectual e antecedentes morais. Ela surgiu no mundo como
uma fé para todos (Mt 28.19; Ap 7.9). A única exigência para
admissão era a fé pessoal em Jesus Cristo como Salvador e
Senhor, com o batismo como o rito autorizado de entrada,
porque manifestava o evangelho da graça (Mt 28.19; At
2.38,41).
É neste nível fundamental que esta característica (a de ser
católica) deve ser entendida. As igrejas que exigem outros
testes devem ser consideradas como suspeitas. Não existe lugar
numa verdadeira igreja para a discriminação de qualquer tipo,
seja racial, de cor, social, intelectual ou moral, neste último
caso desde que haja evidência de verdadeira arrependimento. A
discriminação denominacional também precisa ser examinada
com cuidado nos casos em que as doutrinas fundamentais
bíblicas sejam claramente reconhecidas.

APOSTÓLICA
O apóstolo é uma testemunha do ministério e da
ressurreição de Jesus; é um arauto autorizado do evangelho (Lc
6.12s; At 1.21s; 1 Co 15.8-10). Os arautos tomam posição
entre Jesus e todas as gerações subseqüentes da fé cristã; nós
só nos achegamos a ele por meio dos apóstolos e de seu
testemunho sobre ele, incorporado no Novo Testamento. Neste
sentido fundamental, toda a igreja é “edificada sobre o
fundamento dos apóstolos” (Ef 2.20; cf. Mt 16.18; Ap 21.14). A
apostolicidade da igreja encontra-se, portanto, no fato de ela
conformar-se à fé apostólica “que uma vez por todas foi
entregue ao santos” (Jd 3; cf. At 2.42). Os apóstolos ainda
governam e organizam a igreja na medida em que esta permite
que sua vida, seu entendimento e sua pregação sejam
constantemente reformados pelos ensinos das Sagradas
Escrituras.
Desde que o apóstolo significa literalmente enviado, não é
de surpreender que o Novo Testamento refira-se
ocasionalmente a outros apóstolos (Rm 16.7). Neste sentido
geral, todos os que são hoje enviados pelo Senhor como
evangelistas, pregadores, iniciadores de igrejas, etc. são no
grego do Novo Testamento, apostoloi, enviados. Isto não
subentende de forma alguma que eles tenham uma posição de
autoridade especial, competindo com a do grupo original cujo
governo continua através das escrituras apostólicas.
Reivindicar o cargo apostólico em nossos dias é compreender
erradamente o ensino bíblico e oferece na prática um desafio
grave com respeito à autoridade e finalidade da revelação divina
do Novo Testamento.
É igualmente errado entender a apostolicidade como uma
continuidade histórica do ministério, retrocedendo até Cristo e
seus apóstolos através de uma sucessão de bispos. Esta
interpretação não tem nenhum apoio bíblico. Toda noção da
graça de Deus comunicada mediante uma sucessão histórica
de dignatários da igreja contraria o caráter da própria graça,
conforme os escritos bíblicos. Além disso, como garantia da
verdade da mensagem apostólica, a sucessão episcopal
evidentemente falhou. Foi uma igreja perfeitamente
enquadrada nesta sucessão histórica que precisou da Reforma
do século dezesseis, para não mencionar outras reformas
menores, como o despertamento do século dezoito com
Whitefield e os Wesleys.
O catolicismo romano estende esta interpretação de
“apostólico” para incluir a reivindicação de que o Bispo de
Roma é o sucessor histórico de Pedro e o guardião especial da
graça de Deus na igreja. A alegação é insustentável. A primazia
de Pedro entre os apóstolos não passou de uma clara liderança
no período da primeira missão cristã. Ele claramente recuou
para um segundo plano à medida que a igreja avançou fora de
Jerusalém, sendo Paulo nomeado para liderar a missão fora da
Palestina e quando João lutava para corrigir as igrejas
prejudicadas pelos falsos mestres. É bem significante que
Pedro não apareceu no papel principal no Concílio de
Jerusalém (At 15), e que ficou claramente à sombra de Paulo
no incidente registrado em Gálatas 2.
Roma alega ainda que esta suposta supremacia de Pedro
deveria continuar para a salvação eterna e bem contínuo da
igreja. Nenhum dos versículos citados como apoio escriturístico
(Mt 16.18s; Jo 21.15-17 e Lc 22.32) faz qualquer referência a
um sucessor de Pedro. Essas duas reivindicações romanas
contrariam a evidência manifesta no Novo Testamento, e a
terceira, de que a primazia de Pedro se estende ao bispo de
Roma, é ainda menos digna de crédito. O fato de Pedro ter
terminado sua vida como mártir em Roma é uma tradição
primitiva que encontra apoio razoável; as dificuldades histórica,
porém, para mostrar que houve uma sucessão estabelecida de
bispos monárquicos de Roma, a partir do primeiro século, são
intransponíveis.
A sucessão apostólica é na verdade a sucessão do
evangelho apostólico, quando o depósito original de verdade
apostólica é passado de uma para outra geração: “homens fiéis
... para instruir a outros” (2 Tm 2.2). A igreja é apostólica à
medida que reconhece na prática a autoridade suprema das
escrituras apostólicas.
OS SINAIS DOS REFORMADORES
Embora os Reformadores não pusessem de lado esses
quatro sinais tradicionais, as controvérsias em que se viram
envolvidos prenderam sua atenção em outras coisas. Eles
identificaram duas características da igreja verdadeira e visível.
“Onde quer que vejamos a Palavra de Deus pregada e ouvida
em toda a sua pureza e os sacramentos ministrados segundo a
instituição de Cristo, não há dúvida de que existe uma igreja de
Deus” (João Calvino).
“A Palavra pregada em toda a sua pureza” trouxe à tona a
supremacia do evangelho bíblico e forma precisamente nesse
ponto que surgira a verdadeira ruptura com Roma. Atrás desta
ênfase havia uma convicção quanto ao elo indissolúvel entre a
Palavra escrita e o Espírito; pertencer à comunidade do Espírito
iria necessariamente refletir a submissão à Palavra que o
Espírito havia inspirado. Os Reformadores desconheciam
qualquer Espírito que não levasse à Palavra; desconheciam
qualquer amor por Deus que não estivesse ligado à fé e à
verdade. O outro ponto em que discerniram a verdadeira igreja,
os sacramentos, era também polêmico, já que foi no aspecto do
ensino e da prática com relação aos sacramentos que os
Reformadores viram a mais clara violação da religião bíblica por
parte de Roma.
A existência de grupos cristãos (p. ex. o Exército da
Salvação e a Sociedade dos Amigos) que não possuem
sacramentos faz-nos hesitar quanto à afirmação de que os
sacramentos são essenciais para que a igreja seja verdadeira.
Não obstante, nosso Senhor claramente considerou o batismo
como intimamente ligado à mensagem da igreja e à resposta
humana a ela (Mt 28.19s), e a participação na Ceia como
fundamental para a vida da igreja (Lc 22.19; 1 Co 11.24s).
Podemos generalizar esses sinais afirmando que o sinal
supremo para os Reformadores era o próprio Cristo. Ele é o
centro da Palavra e o cerne dos sacramentos.
A MISSÃO – UM SINAL AUSENTE?
Nas instruções de Jesus sobre a vida da igreja (Jo 13-16;
Lc 10.1-20; At 1.1-8), encontramos um elemento não abordado
nas características da igreja identificadas até agora, que é a
missão: a responsabilidade de levar as boas novas de Jesus aos
confins da Terra.
Existe certamente grande significado no fato de a história
da igreja do Novo Testamento, o livro de Atos, Ter como seu
tema principal a expansão sucessiva na pregação do evangelho:
Jerusalém, Judéia, Samaria, e, em seguida, o mundo gentio
(1.8; cf. 6.8s; 7; 8; 10.34-38; 11.19-26; 13.1ss). A igreja é
missão talvez seja uma frase exagerada, mas em seu serviço
total ao propósito e à glória de Deus, a missão é um ingrediente
bíblico fundamental.
Assim sendo, uma igreja que não prega o evangelho não
sente a responsabilidade pelo bem-estar moral e espiritual dos
que a rodeiam, nem expressa interesse pelos pobres e
necessitados onde quer que eles sejam encontrados, perdeu
seu direito à autenticidade, constituindo-se numa negativa viva
de seu Senhor.
Para resumir: a verdadeira igreja será reconhecida pela
sua unidade nos relacionamentos, pela sua santidade de vida,
pela sua abertura a todos, pela sua submissão à autoridade
das escrituras, pela sua pregação de Cristo em palavras e
sacramentos, e pelo seu compromisso com a missão.

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