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Este livro de Selma Schons vem Gee sa Tes sO a Lelio micamente. a bibliografia que, desde finais dos anos oitenta, os Greet ecoecee Ieee cut gels Ee elo ears Le eco téncia, Re lees eel cae Belt cieTean fel) Cee lee ote MeN oa) pesauisas conduzidas na pés- Clexetreca-(nte chal Alaa oleae das indicacées de alguns de seus docentes derivou uma docu- Mentacao que, em seguida ex- (ellole- Cor tee UNCC eel Cisne aan oe Een ee esac Glee Taleeere 1 itaa es TE) ETT (odo Meo a acetate hel Gower ene ea itor odniten Ui tare teretth core tel ete ficado num debate que hoje transcende as fronteiras das Gisele Coco meee (ts Ce Tee ae ocera(earerer erie leurs e tine Snir} fassistente social cujo desem- Pereislatemel terete Tun act (ots Gaara Eiger tela ecole Cle Tata ents aca (od ore tica) beneficia-se desse acumulo Gee Moca sas Deno r elo etoe LT feist letie Pals tals eats) utilizada até agora no debate, Assisténcia Social entre a ordem ea ‘des-ordem” Iistificacdo dos cireitos socials @ da cidadania iu Registro: 002472 Dados Internacionais de Catalogag’o na Publicagae (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Schons, Selma Maria Assisténeia social entze a ordem e a “des-ordemt” : mistificagho. os direitos sociais ¢ da cidadania / Selma Maria Schons. — ‘So Paulo : Cortez, 1999, DBibliogratia ISBN 85-249-0714.2 1. Assisténcia social 2, Cidadania 3. Ciencias sociais 4, Direitos civis 5, Estado do bem-estar 6 Serviga social 1. Titulo, 99.2048 epp-361 Indices para catdlogo sistematico: 1. Assisténcia e diteitos sociais : Remn-estar social 361 2. Assistencia social : Bem-estar social 361 Selma Maria Schons Assisténcia Social entre a ordem ea “des-ordem Mistifica¢éo dos direitos sociais e da cidadania \ \ a 3 os . s RTEZ SOB ss” se ASSISTENCIA SOCIAL EXTRE A ORDEM A *DiSORDEN direitos sociais e da cidadania. ese SELMA MAIDA SCHON Misticagao. dos Constioeditrtat: Adee Aves da Silva, Diséa Siva, Nai Lica Siva Baro, Maia Rectan Banton” Mat bisa Caro Capa: DAC Preparagis de originals: Aww Movin Barbosa evisdo: Agnaldo Alves, Masia de Louies de Almeida Compostetor Dany Eaitora Lada Goarderaio editorial: Danito A. Q. Morales Assensorteeitarat. Bisabeie Borgia NNenluma parte desta cla pode ser reprouzi Nena poe dest ee :produzida ou duplicada Sern autovicagao expnessa da © 1999 by Autora Ditstos para esta edigao cortez EDITORA aa Barca, 387 — Perdizes .95000-000 — Sio Pauto-s? ‘Tels 1) 864-0111 — Fax: (O11) 864-4290 Brmll: cover @stcombr Inmpresso n0 Brasil ~ julto de 1999 AGRADECIMENTOS ‘A retrospectiva de um proceso de trabalho faz recordar momentos ¢ pessoas que, pela sua presenga € prestimosidade, dele passaram a fazer parte de forma tio efetiva, que sem elas um trabalho desses dificilmente viria A luz.! Quero referir-me com destaque a Nobuco Kameyama, que, como orientadora e professora de varias disciplinas, foi desafiadora, sibia, estimulante © amiga em todo o processo. Por ela nutrimos um imenso sentimento cle carinho, Aos demais professores, que, além do desafio, marcaram pela acolhida, permitindo um. clima favordvel para que nossas buscas pudessem se dar de forma criativa livre, ‘Aos colegas © coordenadores dos Seminérios de “Estudos da Assisténcia”, tanto da PUC-SP, coordenado pelas professoras Maria Carmelita, Maria do Carmo ¢ Aldafza, quanto da UFRI-RJ, coor: 1. Este lives sesutow basicorente da nosin Dissertagto de Mestre: AssstOnea social entre a orden ¢ a "des-onten” — Musifieagto dos dirctas socials e da eldadante, spreseiada a PUC-SP, 1994, so 4 orintigio da Prof Dit Nobuco Komeyana Para 0 eligi deste live, suprimimes todo o primeito capitulo: “Assistncia Soil © seus quadios’cxplicativos", que coniém o registro das andlises que realizamos das prevlugtestecricas no Servigo Soci, dog, ao enlant,fizemes alguns gists concWsivos a introdugio desta obra, Outras molificagSes menores foram ineluidas a pair de algunas tservagies dos profesores Maria Carmelita Yaubek e José Paulo Neto, que, junto com [Nabnes Kemeyam, constainim @ banca esaminadora. Da mes fomia,elabosmos ami rovisio bibliggfic, atalizando alguras questies na dea da Assistéacia sobretudo com relugio a8 pretagaes te6rcae no Servigo Sova denado por Nobuco © Zé Paulo, pela importiincia e pelo elevado nivel te6rico, como também pela troca da riqueza que cada qual 44 acumulara no cotidiano do tato da questio da Assisténcia, somos imensamente gratos. Aos demais colegas dos mais distantes rineBes, que a cada encontro nos contagiavam com a vibragio de gnem se encontra na busca de novas descobertas, em especial meu carinho para Marcia Helena Carvalho Lopes, Maria do Rosicio de &. € Silva, Maria da Coneeigao C. G, da Silva, Ana Cartaxo, Elisabete Borgianni, Marcia C, Paixio ¢ Blenize F, Scherer, entre muitas outras. A Roque Zimmermann, que, ao ler meus rascunhos, qual um artista, coubo com muita pacitncia © pes tunts observagdes contribuir Para que esse trabalho tivesse alguma forma. Sou grata a cle, por quem guardo uma grande estima, porque com sua perspicdcia, propria de alguém que sempre aceita desafios, me apresentou eriticas que valem demais numa busca como esta, Aos familiares, em especial aos “pequeninos”, que souberam agiientar as minhas desatengées nesse perfodo, com distinezo maior para Anita © José Valentim, meus pais, que desde cedo souberam me deixar livre para buscar um caminho proprio. A UEPG, aos colegas professores ¢ alunos do Departamento do Servigo Social, pela compreensao e apoio, pelo estimulo ¢ aprendizagem reciprocos de frutuosos anos de convivio, nosso respeito © admiragio. Uma palavra de gratidio muito especial aos autores dos textos que serviram de base para a andlise da Assisténcia no Servico Social. A maioria ja conhecemos pessoalmente. Isto nos exigin uum esforgo constante para manter & necesséria distancia que uma andlise requer. Mas em algum momento podemos mio ter sido Justos na interpretago. Aceitem-no como um limite nosso. Passei a admiré-los pela busca sincera na construgito do novo. Sintum-se gratificados, nio por mim, mas por todos aqueles que mais de- mandam os servigos da Assisténcia, os sempre exclufdos de qualquer beneficio que a “ordem” oferece. Por isso, sou grata, enfim, a fodes 0s que sonham e lutam para que esta “ordem” se subverta € uma ordem mais justa e igual, ao menos como horizonte, se estabeleca, 0 que alids foi apelo maior para a realizagao deste trabalho. SUMARIO Preficio . Introdugao .... erent CCASSISTENCIA COMO “DIREITO": A MISTIRCAGAO DOS DIREITOS SOCIAIS E CIDADANIA ....c0s ee 1.1. Da AssistGncia aos direitos sociais 1.2. A dindmica do direito e da cidadania ....... 1.2.1. Representagiio goral . 1.2.2. Direitos: 0 que so? cette 1.2.3. Fundamentagio, reconhecimento © protegio dos direitos veces CAPITULO 2 LEI DOS POBRES B LEI DO MERCADO 2.1, Caracterizagio geral da Lei dos Pobres € da Lei do mercado sim w a1 2.2. Assisténcia e a formagiio do mercado de trabalho 2.3. A ordem agora € do mercado PORMAGAO DO ESTADO SOCIAL EA AFIRMAGAO DOS DIREITOS SOCIAIS v.65... .eee + ces 3.1, A formagdo do estado de direito e 0 inicio da discussio sobre os direitos sociais woe 3.2. O Welfare State como safda para 0 novo dilema da Oem seve cece sees eee e ee eeeeees 39 39 353 53 55 58 63 64 4 93 - 101 118, CAPITULO 4 CRISE DO WELFARE STATE E A ASSISTENCIA SOCIAL NA PERSPECTIVA DO NEOLIBERALISMO 4.1, Concepgées de “crise” e causas 4.1.2, Por que a crise se apresenta na dé 4.2. A Assisiéncia Social na perspectiva do neoliberalismo CONSIDERAGOES FINAIS ANEXO I: Bibliografia Analisada: ordem cronolégica ANEXO Il: Atualizagio bibliogrifica . Bibliografia 139 140 . 14 . 172 191 201 - 209 - 217 PREFACIO Nobuco Kameyama* presente livro, de autoria da Selma Maria Schons, constitui um estudo de duplo interesse: de uma parte, ele analisa 0 nexo centre a crise contemporanea ¢ seus desdobramentos produtivos; de outta parte, permite uma compreenstio da constituigio, desenvol- vimento ¢ crise do Estado de Bem-Estar, Na estrutura do livro, 0 corpo € constituide pela exposigao da autora sobre 0 tema assisténcia e direitos sociais. Esta expos jo & precedida por um conjunto de ponderagées acerca do ratamento que & dado, nas produgées sobre a temética, pelos pesquisadores brasileiros e, particularmente, pelos assistentes sociais; quanto & andlise teériea, a autora abre um debate que no se encerra, porque se trata de um tema que ganha sua centralidade na area de conhecimento de Ciéncias Sociais.! Aasistemte Social, Dowora pela Hoole de Hautes Eudes en Sciences Sociales (Pats, 1978), Professort Titular da Escola ve Servigo Social da Universidade Federal do Rio de Jneito (UFR), 1. Na sea de conhecimento de Serviga Social, a iemdiica Potties Social, © em particular a Politica de Asssticia, teve unt expansio significaiva nos skimos aos. No Cinalago de Dissertardes de Mestiada e Tetes de Dowtorado ~ 1975-1997 (Kameyama, 1088), das 1028 publicagées, 123 — ou set, 12% des produges — tata da Poin falém das 41 somonieagdes apresentadas no. IX Congresso dos Assistents Socials realizado em Goianie em 1998, ¢ 20 eomuticagoes apresemtaias no IV Bacontso dos Pesquisadares, ocarido em Basia em 1998, 9 A reflexio sobre assisiéncia e direitos sociais, tema no qual @ autora centrou todo 0 seu esforgo investigativo, demonstra que, como assistente social, ela pode aliar a vocagio cientffica e a yoeagio politica, pois o Servigo Social configura-se como uma forma particular de insergao na sociedade, caracterizando-se pela ‘maneira de intervir na vida social, contendo uma dimensio intelectual © uma dimensio interventiva Os estudes sobre 0 tema niio se configuram como um “modismo", mas resultado de realidades cotidianas vivenciadas pelos assistentes sociais, que o transformam em objetos de inves- Liyuga0, pois estes enfrentam o desafio de decitrar a dinimica da sociedade © do Estado e suas determinagées no mbito profissional ‘Trata-se, portanto, de um movimento que procura articular to riwrealidade, de busca de producdo de conhecimento, apontando como subjacente um movimento de critica is dimensées aparentes, Tenoménicas ou reificadas do real. Os dex anos de crise (1973/1983) do sistema capitalista mundial caracterizaram-se pelo choque do petrdleo, pelo choque da taxa de juros © a conseqiiente instabilidade financeira, & pela expressiva redugiio das taxas de incremento da produtividade (Cou- tinho, 1992:74) — configurando-se como uma “grande crise”, de transformagéo histérica, de encerramento de_um ciclo, de esgota- mento de um paddio de acumulagao capitalista. Nao se trata de uma crise cfclica de cariter conjuntural, mas de uma crise que coloca em xeque 0s elementos de regulacdo fordista/keynesiana (Oliveira, 1985:3), engendrando a crise do welfarefkeynesiano © do sindicalismo de mussas. Esta crise niio é apenas internacional: trata-se de uma crise mundial, jf que mesmo os paises entZo caracterizados como so- cialistas foram também afetados, até porque o grau de interagées miituas entre os dois sistemas aumentou consideravelmente. Para sair dessa cise, os paises capitalistas contrais, assim como os periféticos, realizaram reformulagdes profundas no aparelho institucional da sociedade ¢ do Estado, com introdugéo de novas tecnologias (expansio do complexo eletrénico), inovagdes institu- cionais de monta, provocando uma mudanga nas relagdes sociais 1no interior do capitalismo e a emergéncia de uma nova sociabilidade. 10 Além das reformulagdes acima citadas, emerge no cenério mundial nos Gltimos anos, ¢ ganha corpo a0 longo dos anos 90 partir das inovagdes tecnoldgicas, um novo paradigma de produgio industrial — a automagio integrada flexivel. Essa tendéneia d flexibilidade, ja caructerizada nas economias lideres, responde as hecessidades oligopolisticas de competir em qualidade e em dife~ renciugtic de produtos, sofisticando e adequando suas Finhas as caracteristicas ¢ demandas das economias desenvolvidas. A conexiio interativa entre usuérios e produtores vem assumindo importincia crescente ¢, indubitavelmente, representa um fator-chave na mol dagem da ‘trajetéria tecnolégica pussivel — isto € trata-se de ender as demandas e preferéncias dos usuirios, de incorporar com criatividade os avangos tecnolégicos disponfveis e, ainda, de encontrar formas mais adequadas para economia de custos © cliciéneia na produgio (Coutinho, 1992:74). ‘A tendéncia & acumulagio flexivel significa uma revolugio nos processos de trabalho que se afustam cada vez mais do paradigma tayloristufordista © uma ripida transformagio das es- tratégias de organizagio e cultura empresarial no contexto das mudangas em curso, A reestruturagiio da economia capitalista mundial, denominada como “reestruturagéo produtiva", “globalizagio", “mundializagio” ou “restauragio do capital”, que se profonga na década de 80/90, efetiva-se por meio da expansio sustentada, com estabilidade de pregos, provocando uma sensivel recuperagao do incremento da produtividade © uma aceleragiio erescente da difusdio de inovagbes econdmicas (téenicas, organizacionais © financeiras) nas principals economias industriais. Ao mesmo tempo, no plano politico, no final dos anos 80 © inicio de 90, abre-se uma perspectiva de mudangas de grande alcance e profundidade: delineia-se 0 novo ordenamento do sistema internacional, com o processo de liberalizagio do Leste Europeu, de derrocada do socialismo autoritario ¢ de consolidagiio democritica nos paises da América Latina, Redefiniram-se, também, as posiges hegeménicas entre as grandes poténcias, atenuando as barreiras ideolégicas, ao lado da predomindneia da tendéncia A formagiio de blocos, integrando a mercados e interesses econOmicos comerciais, que exige dos paises do Terceiro Mundo um grande esforgo para buscar novas formas de insergo no cenério internacional. § nesse sentido de uma transigfio para uma nova configurago da economia mundial que situamos 0 problema do crescimento econdmico contemporineo na América Latina, Na década de 80, as elevadas taxas de juros © a falta de fnanciamento extemo Ievaram o Brasil e outros paises da América Latina a promover um ajuste intermo sem precedentes, Este ajuste materializou-se no aprofundamento da recessin, na esealada infl a, no estrangulamento das finangas piiblicas, na depreciagao dos salirios reais, no baixo padrlo de consume interno, nas quedas no nivel da atividade econdmica, do investimento, de importagoes € em crescentes desvalorizagées cambiais, que rebatem fortemente sobre o estoque da divide externa, que se concentra cada vez mais nas mos do Estado. O crescimento da divida externa, o fraco desempenho da economia dos paises devedores ¢ 0 agravamento da “questio social” leva os governos destes paises a perceberem que as medidas utilizadas até 1992 foram ineficuzes para promover a estabilizagio © © ajuste macroecondmico, A despeito, porém, da relevincia dos impactos da reestruturagio produtiva, a redefinicao das prioridades em favor de uma nova agenda nfo pode ser explicada em fungio exclusivamente do impacto da estruturagdo de uma nova ordem mundial. E preciso também considerar 0s processos inlernos que, ao longo do tempo, contribuiram para o desgaste da matriz politico-institucional que moldou a ordem estatista, sob cuja ordem evoluiria a industrializagao por substituigiio de importagdes (Diniz, 1996:13). © ajuste estrutural imposto pelo Fundo Monetério Internacional — FMI e Banco Mundial aos paises da América Latina, também conhecido por ofensiva neoliberal, condiciona sistematicamente scu “auxilio” financeiro 4 concretizagio, ao nivel da pritica, dos planos claborados © definidos por sua tecnoburocracia. mundial. Tais medidas de austeridade objetivam alcangar todas as categorias de despesas piblicas, De acorde com Braga (1997:189-190), a estabilizagio ma- eroecondmica de curto prazo compreende: a desvalorizagio da 12 moeda, liberalizago dos pregos e austeridade fiscal, seguida pela colocagiio em pritica de um certo néimero de reformas estruturais necessirias: — tedugiio de emprego no setor ptiblico, acompanhado por cortes drdsticos nos programas de caréter social; — redugio das despesas piiblicas, eliminande os subsidios aos produtos e servigos fundamentais com imediato e evidente impacto sobre o nivel salarials — desregulumentagio dos pregos dos produtos alimenticios de primeira necessidade, como os cereniss — liberalizagio das importagdes de reservas de alimentos; — compressio salarial; — privatizagio dos bancos estatais © de desenvolvimento; — privatizagdo das empresas estatais, que se encontra indis- soluvelmente articulada & renegociagiio da divida externa. Estas propostas podem ser reduzidas a dois pontos basicos: redugao do tamanbo do Estado ¢ abertura econdmica ao mercado internacional, O processo de abertura econdinica ao mercado in- temacional ¢ 0 programa de privatizagio © do desmonte do Estado iniciam-se, no Brasil, @ partir do governo Collor. A aplicagio do programa de ajuste estrutural em um grande niimero de paises devedores favorece a internacionalizagio da politica macroeconémica sob o controle direto do FMI ¢ do Banco Mundial, agindo em fungio, por sua vez, de poderosos interesses. financeitos © politicos (por exemplo, os clubes de Paris ¢ de Londres © 0 G-7} (Chossudovsky, citado por Braga, 1997:187). As transformagées em curso no Brasil, resultantes da imple- mentagéo do Programa de Ajuste Estrutural © aprofundamento da internacionalizagao, apontam para a queda do trabalho industrial, provocando a desregulamentagdo das relagdes de trabalho, favore- cendo a flexibilidade dos. contratos. A flexibilidade do trabalho no Brasil implicaria 0 desmonte da Legislagio Trabathista do pais (no caso a CLT) © uma série de direitos sociais e trabalhistas inscritos na Constituigo de 1988, inclusive os direitos adquiridos com os Dissidios Coletivos de 13 Trabalho, realizados a partir de 80. Tratasse da incorporagiio do dissidio coletive ao corpo de direitos racionais legais, reconhecidos como direitos possessivos nos limites da racionalidade juridica que garantia ¢ reproduzia 6 primado dos direitos essenciais & acumulagio. No entanto, todos esses direitos constitufam direitos exclusives dos trabathadores que vendem sua forca de trabaho ao capital, denominados direitos contratuais. Com certeza, este & um dos projetos de Reforma Constitucional ensaiada pelo goverto de Femando Henrique Cardoso, sedento de adotar um tipo de Mlexibilidade & nova légica neoliberal, voltada para atrair os investimentos de capital, haja vista que o' contrato temporirio de trabalho foi aprovado em primeira instincia e nao se assistiu a nenhuma reacio. A. desregulamentaciio das relages de trabalho fayorece a Mlexibilidade nos contratos (lempo parcial, precarizados), dispensa dos trabalhadores, alta rotatividade, descompromisso no treinamento € qualificago dos trabalhadores, baixos salérios, aumentando con- sideravelmente a taxa de desemprego. A resultante é uma sociedade extremamente desigual, em que as canais de participagao politica estéio fortemente obstrufdos, os sindicatos acuados, 08 partidos politicos de oposigio fragilizados e a sociedade civil incapacitada de esbogar reagdes. A climinagiio ou redugao dos direitos dos (eabalhadores tem uma implicagao imediata: a ampliagao da exelustio social, entendida como falta de acesso as garantias minimas de sade, educagio ¢ velhice digna. Os fenémenos atuais de exclusio nfio se remetem &s categorias antigas de explorugio. Trata-se da emergéncia de uma nova “questtio social” (Rosanvallon, 1999:7) que assume configuragées © formatos inéditos, inclusive nos pafses centrais (por exemplo, nos paises da Unido Européiay. No entanto, “ao vincular 0 atendimento de necessidades socinis ao contrat de trabalho e, portanto, encerrande-se no espago de uma grande cor- porago empresarial, os direitos consteuidos « partir de experiéneia de classe reduzem-se a dimensto do direito contratual, em oposigio & consteugdo de direitos saciais que implicam, necessariamente, em uma perspectiva mais ampla e democratica de enfrentamento e 14 reconhecimento das necessidades sociais ¢ sua institucionalisagio em uma esfera de direitos que néo 0 do contrato de irabalho ou da corporacdo empresarial” (Cardoso, 1995:174). Isto significa que, ao retirar a seguranga reprodutiva da esfera contratual dos direitos civis, transladando-a para a regulacao so- ciopolitica, a regulacio estaial dos direitos diferenciades mantém © exercicio da cidadania fora do mundo do trabalho, ou melhor, extemo aos conflitos, negociagdes ¢ acordos diretos entre classes, ‘A separagio entre produtor ¢ cidadio passa a ser reproduzida social ¢ juridicamente nio mais pela exclisto do trabalhador do cexercicio concreto da cidadania, mas sim pela separagio funcional de direitos individuais/privados que garantem autonomia da producio ea posse de direitos coletivos publicizados. Nesse sentido, 0% direitos sociais estio vinculados As transformagées da pritica de obrigagSes, porque geralmente o proceso de socializagao do direito envolve 0 processo de transformagio da racionalidade politica governamental demoordtica. No direito civil, as relages no contrat cléssico se realizam como uma relagdo imediata de individuo para individuo, ambos soberanos ¢ auténomos, onde a competéncia do Estado € limitada a garantir os contratos realizados sem sua intervengiio. No contrato Ge direito social, a relacio entre os individuos ¢ mediatizada pela sociedade, que desempenha © papel de regulador e redistribuidor. Os direitos civis ¢ politicos podem ser considerados come direitos universais; nos direitos civis, a igualdade formal perante ode cer obtida para todos, com o estabelecimento de Ges legais, independentemente das condigées individuais No direito politico, © acesso formal & participagio politica pode ser proporeionado instituindo o sufrégio popular sem considerar as condigdes individuais. a lei No entanto, niio podemos conceber os direitos sociais como direitos universais, porque os servigos sociais tém de ser delineados segundo as necessidades particulates. “Os direitos sociais _niio podem conferir seguranga econdmica numa base universal, porque a seguranga econdmica nfo se submete a expressiio formal da mesma forma como o fazem a iguaklade perunte a lei ¢ a patticipacao politica” Barbalet, 1989:111). 15 Ao contrério dos diteitos civis e politicos, os direitos sociais requerem certas atividades de distribuigdo) por parte do Estado. Neste sentido, o Estado necessita de uma estrutura administrative € um modelo de gestio social para a prestagdo de servigos sociais que por si sé aumenta os custos financeiros dos direitos sociais. A prestagao de servigos sociais como direitos esté, portanto, necessariamente condicionada pela base fiscal do Estado para pagé-los. Barbalet (1989:107) afirma que os direitos sociais sio signi- ficativos apenas quando siio substantivos, ¢ os direitos substantivos nunca podem ser universais. Os diteitos sociais esto sempre condicionados a uma infra-estrutura administrativa © profissional, e, em tltima andlise, a uma base fiscal. A efetivagio, a ampliagio e a extensio dos direitos sociais dependem portanto da dimensio dos recursos nacionais que estio condicionados as prioridades do govern. No entanto, na medida em que as instituigées politicas tenham condigées de exercerem seus direitos politicos, as prioridades podem ser alteradas. Isto significa que, embora os direitos sociais estejam inscritos, na Constituig#o, como aconteceu na Constituigdio de 1988, em que a assisténcia passa a ser considerada direito social para ampliagiio da cidadania, constituindo juntamente com a saiide e a previdéncia social 0 tripé de seguridade social, o direito social € anulado na medida em que ele ndo se coneretiza, Do diteito civil ao direito social, 0 que muda, do ponte de vista de dircite, 6 que apelamos a “regra geral de julgamento”, isto é: — a regulagto das relagdes sociais é pensada de acordo com © tipo de racionalidade; diz respeito as condigées de acesso — a definigio de competéncia do direito na esfera de obri- gagdes sociais, que traga o limite entre © dircito © o nao direito; — as regras como se julgam no caso onde surgem conflitos. 16 Se pensarmos 0 direito social como processo de transformagio do direito civil ligado a uma pritica governamental especifica, ¢ como desenvolvimento de um tipo de direito que nio obedeceu As mesmas regras de julgamento do direito civil, ele assume outra extensio, reduzindo-se apenas ao direito de trabalho e seguridade social (Ewald: 1986). A estrutura do direito social nfo pertence necessariamente ao direito do trabalho ou de seguridade social, porque © processo de socializagio de direito nfio se limita a um s6 dominio. Ele se estende a outros dominios, como: o direito de acidentados, o dircito do consumidor, © direito contra perigos e poluigao, 0 direito internacional € 0 direito em desenvolvimento. Barbalet (1989: 106) considera que “os direitos soci politica social s4o analiticamente bem distintos e a relagio empirica entre os dois nao € direta”. O conceito de direitos sociais pode ser um elemento de critica A politica social, na medida em que questiona se determinadas politicas sao de fato expresses de direitos sociais. Os direitos sociais, de acordo com Ewald (1986:451), apre- sentam as seguintes caracteristicas: 1) € um direito que no toma 6s individuos isoladamente, mas enquanto grupo; uma cidade ou uma categoria socioprofissional; 2) nao é um direito de igualdade em que as regras de julgamento passam pela igualdade de direitos; a0 contrario, é um direito discriminatério, um direito de preferéncias. Um direito que leva em conta, na sua técnica e na sua formulagio, as diferengas, as disparidarles, as forgas em presenga, que as mede € tem em conta as quantidades respectivas. Esta estrutura desigual © sogregativa dos direitos sociais deve ser de alguma forma desproporcional. Ele tem como objetivo estabelecer uma ordem coexistente para além das particularidades individuais ¢ restabelecer 08 equilibrios desfeitos, de compensar as desigualdades, de favorecer 08 fracos em relagdo aos fortes; 3) o direito social & necessariamente um direito 2 base da sociologia — e niio de filosofia, como 0 diteito civil classico —, na medida em que a sociologia foi historicamente constituida como critica da filosofia, de suas abs- tragSes ¢ de sua metafisica, ao privilegiar a apreensio de sujeitos e de grupos tomando-os na sua realidade concreta. A sociologia 7 € orginica ao direito social, pois ela oferece 0 tipo de saber de que 0 direito social precisa para “apreender a soviedade”, decompor em elementos constitutivos e dividir de acordo com as linhas de foreas que sao social e politicamente pertinentes. Para 0 enfrentamento da questo social, atualmente existem duas propostas: © programa de renda minima e a rede de solida- tiedade, criada © gerenciada pela sociedade civil. Nos paises de capitalismo avangado, onde foi implementado © Welfare State, a protegio social tnha earéter universal © $e constitufa em “direitos sociais”. No entanto, no cendrio da rees- Emig gratin a eid, 0 Ge Stciale a 2 Muskaan reduziram os beneficios de cobertura do seguro-desemprego, dimi- nuiram © salério minimo_e reduziram a semana de trabalho. Atwalmente, os paises da Comunidade Européia esti formulando uma proposta de protegiio social de formato mais cconémico enxuto, porém de caréter universal. Mas a expansio de servigos sociais no implica necessariamente aumento do funcionalismo ou pessoal estatutdrio, Tal expansio poder ser realizada por meio de contratagio ¢ convénios com empresas privadas, assim como com ‘empresas piblicas com um regime de gestiio, na medida em que reconhecem a inadequagio de métodos tradicionais de gestao social. Ao lado dos investimentos sociais, desenvolvem-se atualmente programas para expansio de empregos. Em relago 4 protecio social, a Prana implementou no inicio da década a renda minima, assim como a Espanha. A tendéncia é a implementagao do programa de renda minima nos paises da Comunidade Européia, adequando-a as caracterfsticas de cada pafs. Vale ressaltar que os servigos © beneficios, embora reduzidos, tém cardter universal. No Brasil, enfrentamento das seqiielas da nova e velha “questo social”, aliado falta de fundos sociais e subordinada & proposta neoliberal de “Bstado Minimo”, configura um fenémeno de refilantropizagio da assisiéncia, na medida em que © governo transfere para sociedade civil a responsabilidade de solucionar os impactos do Programa de Ajuste Estrutural preconizado pelo FMI © Banco Mundial. Esta proposta, de acorde com as andlises de Cohn (1997:2), Vai ao encontro da proposta governamental, pois, na atual conjuntura, 18 a agenda publica dos debates sobre a realidade social brasileira gira em tomo das virtudes ¢ necessidades de preservar 0 Plano de Estabilizagdo Econémica. A agenda do debate piblico que vem sendo definida pelo atual governo em toro da relevancia dese Plano — ow seja, do seu custo social — desloca-se da questio de renegociar um novo pacto de solidariedade social, que efetiva- mente permita a formulagio de politicas econdmicas ¢ sociais redistributivas, para politicas que seguem centradas na questio da pobreza. “De imediato, isto reduz as politicas sociais, incluidas af aquelas relativas ao eompromisso firmado junto 4 ONU, & politica de altvio da pobreza, uma vez que se parte do prineipio que as politicas de superagiio da pobreza sfio aquelas atinentes ao Plano de Bstabilizacao Econdmiea e de ajuste esteutural da nossa economia” (Cohn, 1997:2). Neste sentido, 0 governo tem adotado o principio de autofi- nanciamento, que se traduz em uma regra de ouro das politicas os usuarios devem pagar pelo que recebem. No limite, esta regra desemboca na privatizagéo dos servigos sociais, que seguem quatro tendéncias: 1) A privatizagio explicite — uma forma de articulagio bastante estruturada entre 0 aparelho do Estado € © setor privado, produtor de servigos (hospitais) ou fomecedor de “produtos sociais” (empreiteiras de construgio civil), Cria-se, pois, uma divisio de trabalho entre © Estado, que estabelece as regras e transfere os recursos, ¢ 0 sctor privado, que se enearrega da produgdo de bens € da distribuigio de servigos. 2} Deslocamento da produgio e/ou da distribuigiio de bens servigos piiblicos para setor “privado nao lucrative”, constituide pelas instituigbes filantedpicas ou organizagSes comunitati novas formas de organizacdes néio-governamentais, como as ONGs. 3) Descentralizagio ou municipalizagiio, que se apresenta como um recurso utilizado para repasse de responsabilidades aos municipios e estimular a participagao de todos na perspectiva de criar uma rede de solidariedade. Caleada nos moldes liberais, esta supde rpida e total transferéneia das competéncias aos municipios, 19 sem contrapartida de recursos necessérios, Trata-se, portanto, mais de uma descentralizagiio da intervengio. 4) Filantropia empresarial ou pol Os processos de descentralizagio das politicas sociais vém possibilitando a multiplicagao de experiéncias inovadoras no nivel Tocal, dentre as quais o setor de satide © os programas de renda minima de insergiio. Estas experiéncias que ocorrem no pais sao de iniciativa municipal, contando atualmente com cerca de 80 {oitenta) municipios que vém tentando implementar o programa, entre os quais o de Campinas (SP) e a Bolsa Escola, associaca 4 educagio implementada sob o governo de Cristovain Buarque em Brasilia (DF). A implementagiio desta proposta pelos governos municipais apresenta visibilidade na medida em que assumem uma pratica caleada na cultura de cidadania © direitos sociais. © trabalho de Selma Schons traz contribuigées significativas para o debate que se trava na categoria dos Assistentes Sociais, sobre “direitos sociais” enquanto componente para ampliagio de cidadania, Sua andlise privilegia o resgate historico da constituig: dos direitos sociais ao nivel dos pafses capitalistas centrais. No entanto, a reflexdo da autora nao se encerra neste livro, pois sua reflexiio desloca-se para a particularidade brasileira no contexto da reestruturagdo produtiva. ficas sociais empresariais. liografia ABREU, H. B. A cidadania na sociedade capitalista: um estudo sobre a legitimagdo da ordem. Dissertagio de Mestrado, Rio de Janeiro, UFRI, 1994, BARBALET, J. M, A cidadania. Lisboa, Estampa, 1989. BRAGA, R. A restauragdo do capital, um estudo sobre a crise contempordnea. S80 Paulo, Xami, 1997 CARDOSO, A. L Reestruturagiio industrial e politicas sociais empresariais no Brasil nos anos 80. Dissertagio de Mestrado, Rio de Janeiro, UFRJ, 1995. 20 CARLEIAL, L. M. F, Firmas, flexibilidade ¢ direitos no Brasil. Stio Paulo em perspectiva. Si Paulo, 1997, pp. 22-32. COHN, A. Contesto: pobreza, desigualdades e politicas sociais. Rio de Janeiro, IBASE, 1997 COUTINAO, L. A terceira revolugdo industrial e tecnolégica: as grandes tendéneias de mudanga. Economia e Sociedade. Cam- pinas, UNICAMP, 1992, pp. 68-129. DINIZ, E. Em busca de um novo paradigma: a reforma do Estado do Brasil. Sao Paulo em perspectiva. Sio Paulo, 1996. EWALD, F. L’Etat providence. Paris, Grasset, 1986. NAVARRO, V. Neoliberalismo y Estado del Bienestar. Barcelona, Ariel, 1997 OLIVEIRA, F. Além da transigdo, aquém da imaginagio, Novos estudos. CEBRAP. Sao Paulo, 1985, pp. 2-15. KAMEYAMA, N. Crise ¢ reestruturagdo do capital tardio — elementos pertinentes para 0 Serviga Social. Texto de con- feréncia para 0 concurso de Professor Titular. Rio de Janeiro, UFRJ, 1994, . Cattlogo de dissertacdes de mestrado e teses de doutorado — 1975/1997, Rio de Janeiro, UFRJ, 1998. Editado em disquete, A trajetdria da produgio de conhecimentos em Servigo Social: avangos ¢ tendéncias. Cadernos ABESS n° 8. Sio Paulo, Cortez, 1998, pp. 33-74. ROSANVALLON, P. La nouvelle question soctate: repenser {état providénce, Paris, Seuil, 1995, p. 3. 21 INTRODUCAO “Assist@ncia”, “Previdéncia”, “Seguro Social”, “Direitos So- ciais”, “Bem-Estar Social”, e tantos outros, certamente sio conceitos, palavras ou termos usados sob as principals parimettos” (Rossnvalicn, 1986112, 28. Nese periodo a Assistincia elow administagio da Poor Law era dat por um tendimento muito locaizada. Bolisio nes informa que “toda comiidade gue tinh que plover ao sistent dos scus poles procures, mi realidad, expulsé-loe © deixar entat o ‘menor mimcio possfvel. Af © ineio do séoulo XIX, a (area essistencial era confacn is coeporaptes de artes © ofcios. 0 fie dae eneporaine foi Inve avante polis sciedades de socono miu” (1986:403). Bin Rossnvalion (1984-112) etos que “o dunlio devia ser ‘organizado numa base paroguial. Pata Pokayi, “oda a carga di Assistéaci recy sobre 8 paréqui’, 2 qua ele se reer como “unidade fnsgniicane” (198098). Indepeadenerente 4 pacdguia aqui signfice a unidade eclesfstica da Tgteja catdca clos de outes ‘denominagées rligioas (Gnicas entdades que possulam os ntimeros eeniiios da Europa ‘cident, ou uma divsio politica administativa civil, o certo qe a Assistéacia ert de responsabiidade focal muito resets (paca, 29. 0 det of Settlement (Decreto de Domitlio} de 1662, que “precsava a arganiagio ‘emitoral dese sistem, proibindo bs purdquias de se lvrarem dos seus pots, abriganda fsset_mesmos pobres a nso se mudatem de domicic” (Rowanvallon, 1984112), 6 oi sivandido om 1795 (Polanyi, 1980.89), quando ja aio mais constiuin pergo wn invasio {hs “melhores partguiss”, uma vex que neste mssio ano To} poclanada a Speeshanand Lav, que subsidion os necesito cum azauos, Na anise de Poly, esas kis Se comptam (1980 283), 67 © Paula, esse tipo de “legislagtio social” restringiu sobretudo “a mobilidade © disponibilidade da forga de tribalho” (1986:9), Entretanto, esse tipo de legislago no mais se conformava & necessidade da “ordem capitalista” que, gradativamente, se im- plantava c que desde essa época carecia de miio-de-obra mével cada vez mais abundante. Por seu tumo, essa legislagio se opunha a0 espitito dos direitos civis que j4 haviamn sido assumidos como “status legal do povo” — prinefpios de liberdade e igualdade —, que, no dizer de Polanyi, a partir de entdo se “tornavam sujeitos a limitagdes incisivas”, sendo “iguais perante a lei e livres como pessoas, mas ndo eram livres para escolher suas acupagSes ou as de seus filhos; nao cram livres para se estabelecer onde quisessem © eram forcados a trabalhar” (1980:99) independentemente do salirio que viessein a receber. Marshall também aponta a lei elisabetana como um dos fatores da negagilo do direito civil, visto gue “no setor econdmico, o direito civil bisico é 0 direito de tabalhar, isto é, 0 de seguir a ocupagio de seu gosto no lugar de sua escolha, sujeito apenas a legitima exigéncia do treinamento tGenico preliminar” (1967:67). No entanto, essa lei, ainda segundo Marshall, limita o homem a um determinado local, bem como “destinava certas ocupaces a certas classes sociais” (id.:67). Alids, em relagio & constituigio dos direitos, especialmente os civis ¢ sociais, Marshall, tragando um paralelo entre © desenvolvimento desses direitos ¢ a instituigao das diferentes “Poor Laws”, mostra como eles se constituem num elemento central na luta’ que se processa entre a velha © a nova ordem, acentuando a “posigao ambfgua” das mesmas (id.:70-71). A respeita da Poor T betana, afirma ser cla mais do gue um “meio de aliviar a pobreza © suprimir a vadiagem”, uma vez que seus “objetivos consirutivos, sugeriram uma interpretago do-bem-estar social que lembrava 0s mais primitives, porém os mais genuinos, Direitos Sociais, da qual ela [a Poor Law] tinha, em grande parte, tomado o lugar” (id.71). Isto porque a Poor Law era um “item num amplo programa de planejamento econdmico, cujo objetivo geral nfio era criar uma nova ordem social, © sim preservar @ existente com um minimo ce mudanga essencial” (id71). A Assisténcia aparece aqui como substituta dos direitos sociais & com a fungi de preservar ordem afirmada. 68 a Da Speenhamland Law*° Marshall diz que, segundo Polanyi, ela “parece marcar e simbolizar o fim de uma época” (1967:71). Na medida em que adentramos em seu contesido mais profundo nao temos ditvidas em dizer que tal afirmacio € procedente. Por outro lado, a Speenhamland Law ou Lei de Assisténcia 0s pobres na Inglaterra, de 1795-1834, € também conhecida como um Sistema de Abonos. Como ja pudemos ver, fornecia um auxilio as familias, em abonos, até completar a ragilo mfnima, independentemente se estas estivessem ou ndo empregadas, ‘Um autor que dedica especial atengio € importincia A andlise da Speenhamland € Karl Polanyi em sua obra a grande transfor- magdo. Segundo Marshall (1967:71), Polanyi dedica tal importincia a essa lei que chega mesmo a surpreender alguns leitores. Para Polanyi, essa Iei baseada em abonos foi efetivamente algo novo e surpreendente para o espirito da época, tempo em que o liberalismo se afirmava no campo econdmico como um sistema auto-regulade pelo mercado. Foi considerada ainda como “marca € simbolo do final de uma 6poca” ou entio, “como origem de nossa época”, conforme sugere 0 proprio subtitulo da obra de Polanyi, Deveras, sua importéncia deve-se ao fato de que por meio dela conseguimos 30, Sobre a Speenfunfand Law (1995-1834) Polanyi aos diz sepuinte: “otzes de [Berks mum ncnato no Pelikam tna, em Speenanoanc,proxio a Newbury, em seis (6) de mato de 1795, muma epoca de grande perturbagso, deidizam coneederahonos, em ‘disntamoaio noe airs, de doordo com a tela que deponderia do prego do pio. Arsen fieara assegurada no pobre om rena minima independente de seus proventos” 1980.9) {Algm dos tamnstomos proprios de todo o poriodo da Grane Revolugae Francesa, que exigia haves propostis para as mais difercntes frente, Inara aia se encontmva enn gverea com 1 Franga (1793-1815). Para mnis clas, ver Bergeron et alll (198616839). Conforme ‘Thompscn, “1795 Toi © ano da crise, ato aa Franga como mt tnglatena 0 inverno excepcionalmente foete de 1794-1795, 0 wanstorno da guera, as quebras da sla, uxlo contcibuiu ara elevar 0 prego dos alimentos, Maio de 1795 ¢ a data da famosa decisaa 4a Specanmiland, gue regukiva o aumento des sires de-acordo eam 0 prege do po" (19874157). Rosanvallon assim se telere 8 Speeuhamland Lay? “Kealizado gum covtesto de erive econdimct & de forte reorndeseenela do pauparisme, reeoabeccu o dive de todos fs homens wen misinn de subsisténcia: se 56 pudesegaabar uma pute peko seu ath ‘nbia A sockade Fornecer-Ihe 0 earplemento, Ese primi exboge' de rede main {rantido Fixava umsi,escala de xe joporcionsl 20 prego do igo © a0 mero de thos” (1984112). ro) entender melhor qual tenha sido o significado da Assisténcia nesse periodo, uma vez que, sempre segundo Polanyi, ela “introduziu uma inovacao social ¢ econémica que nada mais era do que 0 ‘direito de viver' ¢, até ser abolida em 1834, impediu efetivamente © estabelecimento de um mercado de trabalho competitive” (1980:90).. No tocante & andlise de Polanyi, quanto as conseqiiéncias que a mercantilizagdo “de homem, da terra e da moeda” deixa sobre 0 homem, nao queremos dizer que no seja pertinente, tanto assim que a utilizamos amplamente, sobtetudo porque nos indica sretate sam ictris aur yuan riomtenr 161 yoyaud ua Lise ud aritmagad da economia capitalista, pelo “moinho satanico” do mercado, na expressio do autor, © nos situa na anilise das feigdes e fungées que a Assisténcia social assumiu nese processo, Poderiamos, no enfant, apontar sua anilise como nao suficiente on, talvez, in- completa. A nosso ver, ele reduz a economia capitalista a uma economia de mercado. Por isso apontamos para uma leitura mais ampla sobre 0 capital, Ou seja, ele necessita ser visto num processo de (olalidade entre a produgdo, distribuigio, intercdmbio e consumo. Para 0 momento nos reportamos a leitura feita por Enrique Dussel_numa interessante recuperagdo dos Grundrisse de Marx. Segundo ele, 0 processo do capital se di numa totalidade na qual as categorias de produgio, distribuigao, intereambio e consumo se determinam mutuamente. Citando 9 Marx dos Grundrisse, conclui: “O resultado a que chegamos nao é que a produgio, a distribuigio, © intercambio & 9 consumo sejam idénticos, senao que constituem as articulagées de uma totalidade, diferenciagdes dentro de uma unidade” (jn Dussel, 1985:46). Ademais, agora conforme Dussel, © num linguajar hegeliano, “a produgio determina as outras de terminagdes materialmente; consumo tendencial ou idealmente; a distribuigdo praticamente; 0 intercimbio economicamente’. Sao 31, Para nos intxtir na compreensto da “produsio em gert!", Basse! parle 3 Fato de que © homem como “sujelto de necessidades” se pe a taalhar sobre inatéria ‘universal (ou patureza) Gom un instruments (Anica = tabs 3 seumnulade). De sajelta de necessidades cle se toma sujeto que produz, buscando tm siisfatr, converiendo-te sum sujeto de consumo (1985-29-38) Desa foun iatradue 4 eaepone a economia capitalist seri cena 70 “oniituas determinagdes que atuam sincrénica e diacronicamente, em muitos graus de determinagio determinantes determinadas” (id:46-47).” Portanto, o modo de produgo capitalista é um todo renengecesiso com movimentos Yisiintos que se Ueternimnar mata mente, © imperativo nesse proceso, para Polanyi, é 0 mercado; Jf para Marx, & © trabalho enquanto produgdo, mas produgéo enquanto “termo universal”; j4 que a distribuiciio © o interedmbio so 0 termo particular © 0 consumo € 0 temo singular com 0 qual 0 todo se completa (Dussel, 1985:40). Para compreender 0 todo do modo de producto capitalista, portanto, é necessirio ir além de Polanyi, uma vez que a economia capitalista nao se resume i economia de mercado da qual € um dos elementos. A sociedade como um todo nfo é regulada s6 pelo mercado (distri- buigio © intercmbic). Vimos que hd nela outras determinagdes ‘Mesmo no tocante ao mercado, € preciso ainda distinguir o mercado do periodo da livre concorréncia, em que os pregos sc ajustam as leis da oferta e de demanda, enquanto que as do perfodo dos monopélios se complexificam, jf que os monopétios — criando pregos artificiais — ditam os pregos, de modo que, mesmo com demanda em baixa, os pregos podem se clevar. Cénscios de que Polanyi faga uma leitura insuficiente da sociedade capitalista e/ou mesmo, conforme diz O'Connor, “nio problematiza suficientemente a sociedade, que passa a nfo ser entendida como ‘sociedade dividida em classes'”, concordamos com O'Connor que “tampouco formula uma teoria adequada do Capitalismo © da crise” (1993:40). Mesmo assim, Polanyi serd um de nossos interlocutores pre ferenciais na andlise que pretendemos, visto que ao fazer uma critica a0 mercado, afirmando mesmo que “as ciladas do sistema de mercado nao eram prontamente visiveis” (1980-93), nos apresenta com total crueza 0 que a “mercantilizagao do trabalho, da terra da moeda” provocou na sociedade, situando-nos ainda quanto &s 32, 0 Marx dos Grundrsse jé descobrira que: “Uma peodusso determined (1 determina um consumo. determinado ("Hine bestinewe Produktion [..] bestimmt sso bstiramie Konsumtion” (ef. in Dussel, 1985:¢7, nota M4) n formas © A fungio da Assisténcia desse perfodo de afirmagio da economia capitalista. % Feito este nfo tio breve paréntese, voltemos & nossa andlise sobre a Speenhamland. Aqui importa que observemos sua relagio com 0s direitos sociais que neste perfodo j estavam se apresentando como pontos sensiveis. Tragando um paralelo entre o sistema da Specnhamland ¢ 08 direitos sociais, Marshall assim se expressa: “O Sistema Speenhamland oferecia, com efeito, um salério minimo um salério familia garantidos, combinados com 0 direito uo trabalho ou sustento, Estes, mesmo pelos padrdes modernos, cons- tituem um conjuito substancial de direitos sociais, indo mvito algm do que se poderia considerar como terreno proprio da Poor Law" (1967:71, grifo nosso). Esse fato procede em parte, uma vez que nesse perfode ainda niio se pode falar em direitos sociais no sou pleno sentido, embora jé tenhamos algumas pistas apontando para eles, ainda mais quando nos situamos no espirito do perfodo em que se afirma a nova ordem liberal. Ela — a Poor Law pode mesmo significar o meio pelo qual “a velha ordem reuniu suas forgas que se esvaiam e langou um ataque ao territério inimigo” (Marshall, 1967:71), numa tentativa de, por meio de um mecanismo de Assisténcia regular, conseguir o que de momento nifio se conseguia com o sistema de mercado de trabalho que se afirmava inapelavelmente. Ainda na linha da constituigdo dos direitos ¢ sua relagio com a lei dos pobres, Marshall, ao se referir 8 Speenhamland Law, diz que “nese breve episédio de nossa hist6ria [1975-1834] vemos a Poor Law como defensora agressiva dos Direitos Sociais de Ci- dadania, Na fase seguinte [agora jé referindo-se A Poor Law de 1834], encontramos a agressora:rechagada muito abaixo de sua posicio original, Pela lei de 1834, a Poor Law renunciou a todas as reivindicagSes de invadir o terreno do sisiema salarial ou de interferir nas forgas do mercado livre” (Marshall, 1967:72}. Assim, 6s incipientes “direitos sociais” no s6 deixaram de existir, como 33. A Poor Law 1834 “oferecia Acsisncia gomente Agucles que, devide & idade ou 8 doenga, cram incapazes de contiauir a tuia © dqueles outs Tacos que desist da Tota, admitiam a cerroia ¢ clamavam por miseries” (Marshall, 1967272) R também transformaram o seu usudrio em mero indigente. E mais ainda, “os direitos sociais minimos que restaram foram desligados do status da cidadania” (id.:72). E nfo bastasse isso, afetaram também os demais direitos inerentes & cidadania, diluindo-se sim- plesmente em Assisténcia, uma vez que “a Poor Law tratava as reivindicag®es dos pobres no como parte integrante de seus diteitos, mas como uma alternativa deles — como reivindicagdes que poderiam ser atendidas somente se deixassem inteiramente de ser cidados” (id.:72, grifo nosso). Aqui Marshall passa a mostrar como, na pritica, 0 atendimento dessas reivindicagSes implicava a rentincia dos demais direitos, ow seja, do direito civil, pois os obrigava a “abrir mao da liberdade pessoal” com o retorno aos albergues ¢ asilos; do politico, pois que eram “obrigados, por lei, a abrir mflo de quaisquer direitos politicos que possufssem” (id.:72)."* Nesse contexto podia usufruir da Assisténcia quem se conformasse 2 lei dos pobres. Pode-se concluir, entéo, com esse paradoxo: tinha “direito” 2 Assisténcia quem renunciasse absolutamente a quaisquer direitos Marshall vai mais Jonge quando nos diz que a “Poor Law nao constitui um exemplo isolado desse divércio entre os direitos sociais ¢ 0 status da cidadania™ (1967:72). Também as primeiras leis fabris teriam mostrado a mesma tendéncia, Noutro lugar, a0 se referir As Poor Laws anteriores, constata-se que “A medida que © padrio da Velha Ordem foi dissolvido pelo impeto de uma economia competitiva € o plano se desintegrou, a Poor Law ficou numa posigio privilegiada como sobrevivente ‘nica da qual, gra- dativamente, se originou a idéia dos direitos sociais™ (id.:71). Disso se conclui assim mais uma vez a ambivaléncia existente no interior das Poor Laws. Partindo disso, nao duvidamos em afirmar que as agdes da Assisténcia, ainda hoje, muitas vezes manifestam essa mesma ambivaléncia, exatamente porque foram constitufdas para exercer fungdes contraditérias no préprio sistema econdmico, politico € social. Assumem, por isso mesmo, fungGes de carter conjuntural 34, © importante acentuar agul que estio de voli a0 govero of Whigs — agora 48 tsansformador em partido iberal —e que jf fl reaizada a reforma cletoal p ‘ampiaeao do direly aa vow polo. projeto de’ Reforma de 1832, O pobre, entctanto, continua nto tendo espgo, mesmo nessa “ampliagso” do direito ad voto. B ou predominantemente estratégico na manutengdo da “ordem” es- tabelecida. Tudo isso poderd ser entendido melhor quando voltarmos a observar a relagio da “Speenhamland” com a formagdo da classe proletéria. Para entender sua “I6gica” € preciso que nos situemos no periodo assinalado (1795-1834) — auge da Revolucio Industrial —, perfodo esse em que o desenvolvimento industrial se encontra numa fase tal que necesita de um mercado de trabalho mais competitive c, para tanto, precisa criar uma classe trabalhadora industrial. Por sua yez, pare que 0 “grande mercado” auto-reguldvel se afirme, era necessério ainda que a economia de mercado se completasse, nfo sendo mais possivel retardar o estabelecimento do mercado de trabalho. Enfim, esse periodo mostra-nos ainda como wm mecanisme de Assisténcia esteve presente no retardamento do processo como um todo, processo esse que, logicamente, a partir da economia de mercado, estava por se afirmar. Por outro lado, mostra-nos também como @ lei da Assisténcia aos pobres de 1601 — basicamente uma Assisténcia de vizinhos e “paroquial”, quando 0 atendimento ao pobre fica sujeito as Casas de Trabalho (Work houses) ¢ a mendicdncia é passfvel de punigio — ¢ retomada na Nova Lei dos Pobres de 1834, embora jé sob o prisma de uma Assisténcia Pablica, limitando-se aos que abdicaram de quais- quer outros direitos. A Assisténcia desse periodo tem o estigma de set para agueles que desistiram de lutar, ou seja, é uma Assist@ncia para doentes, velhos c/ou para preguigosos. E, nova- mente, um mecanismo de Assisténcia (embora com caracteristicas distintas da anterior) se torna um marco para a afirmagao da lei do mercado, sobretudo do mercado de trabalho. Esse aspect & que se tentard aprofundar no item seguinte. Notadamente se pretende situar melhor qual foi o pano de fundo e qual a forma de Assisténcia que foi sendo gestada no momento da emergéncia e afirmagio da economia capitalista de mercado. 2.2. Assisténcia e a formacia do mercado de trabalho Uma vez que as leis da Assisténcia contribuiram tanto no retardamento como na implantagiio e na afirmagio do mercado de trabalho, torna-se imperioso aprofundar o significado e a parcela 74 | de responsabilidade que teve a Assisténcia na constituigio dessa ordem. 6 por isso que importa ainda abordar aqui, mesmo que de forma breve, a natureza da economia do mereado auto-regulivel, como também pereeber como as ages da ordem transformam 0 povo da aldeia roral em mercado de trabalho. Pretendemos, porém, dar um acento maior, por um lado, ao retardamento da constituigio do mercado de trabalho © como isso foi ocasionado também com a ajuda de um dos mecanismos da Assisténcia e, paradoxalmente, Por outro, como uma certa forma de Assisténcia foi instituida para ser 0 facilitador da implantagao definitiva desse mesmo mercado de trabatho. Admitindo-se que é a filosofia liberal que dé a directo cultural, politica, econdmica e social a todo esse perfodo, a fim de evitar definigées fechadas do liberalismo, sentimos imperioso situarmo-nos nas fuses ¢ respectivas caracteristicas dese mesmo liberalismio. Bntretanto, 0 libetalismo, suporte te6rico-filosético da formagio ¢ afirmagiio da economia de mercado, nio é um bloco homogéneo de doutrinas, Também ele apresenta fuses evolutivas, que, por sua vez, marcam os diferentes momentos dessa economia. Para situarmo-nos methor nessas fases ¢ suas caracteristicas, acre- ditamos que nada possa ser melhor que ouvir 0s préprios liberais para sabermos o que eles mesmos pensam de si e do sistema que defendem. Efetivamente, quase que numa tentativa de auto-avaliagio, cles mesmos poder nos situar com mais originalidade em suas respectivas fases. Buscamos, como interlocutores, a John Gray que, ja no prefacio mesmo de seu O tiberatismo, afirma categoricamente: “Bscrevo como liberal, sem pretender que meu trabalho ocupe um, espaco de neutralidade moral ou politica” (1988:9), ¢ a José Guilherme Merquior, de cuja ortodoxia liberal ninguém ousaré duvidar, ainda que se trate de um pretenso “social-liberalismo”, coisa mais de certo gosto “novidadeiro” do que de uma doutrina com suporte tedrico efetivamente bem embasado.™ 35. Revista Ito Seniors Apropriagio Libeeal «1163.22.24, 1992, Quereinios observar agui que bucamos Gray © Merquior somente para nos sitvarmos as fases respectivas e refeidas caracteistcas apreseniadas pelos proprios Wberas. Isso po quer dizer que suas idéias sejam usadas como suporte teérico de anise. 15 Ordem Liberal — fases e caracteristicas © liberalismo, situado historicamente “como corrente politica € tradigo intelectual ... s6 aparece venindeiramente com 0 século XVII” Gray, 1988:11). Suas origens devem ser buscadas, em “circunstncias culturais © politicas determinadas, [...] no contexto do individualismo europeu do inicio da época moderma” (id.:11), em que termo “liberal” funcionou mais como um “derivative de liberdade, virtude clissica da humanidade, generosidade e espirito aberto” (id.:11). Merquior também se refere a essa fase, tratando-a como de um “protoliberalisma”, constantemente associada a0 “sis- tema inglés”, ou seja, numa “forma de governo fundada em poder juico limitado ¢ num bom grau de liberdade civil e religi (1991:16). Para Merquior, trata-se do liberalismo entre os séculos XVII © XVII, como sendo o “século que medeia a Revolugio Gloriosa” (1688) ¢ a “Grande Revolugdo Francesa de 1789-1799”, (id: 16), periodo do “tiberalismo cléssico”, cronologicamente falando, abrange praticamente todo o século XIX. A denominagao “liberal” & propria de um movimento. que aparece pela primeira vez ¢ apenas no século XIX, precisamente quando em 1812 foi adotado pelo Partido Espanhol de liberais” (Gray, 1988:11). O que caracteriza especificamente 0 liberalismo classico € © que se convencionou chamar de “laissez-faire”, embora seja “um erro supor que alguma vez houve um periodo de puro ‘a conelusiio meditada dos laissez-faire” (id.:62). No entanto, melhores historiadores ainda consiste em que o século XIX, como um todo, foi de fato ‘uma idade de laissez-faire” (Merquior, 1991:81). Em sua forma ortodoxa, 0 liberalismo se caracteriza pela pregagio da méxima liberdade individual, quando maximizar a Felicidade comum depends da busca livre da felicidade de cada individuo, devendo a acio do Estado limitar-se 2 defesa e garantia dos direitos do individuo ¢ deixando liberdade a0 mercado e vigéncia aos contratos entre as partes. 36, Merquior situa 6 Hberalsmo elisice entce 1780 © 1860 (1991:65). 76 Caracterfsticas liberais distintas sto apontadas na Alemanha, na Inglaterra, na Franga e na América. Mas a concepcio de individuo © sociedade de matriz “individualista — igualitéria — universalista e melhorista permaneceram como fundamento” de todos eles (Gray, 1988:12). Na Alemania, segundo Gray, 0 liber ralismo retrocedeu sob 0 efeito da “politica protecionista de bem- estar de Bismarck (1870). No “conjunto, porém, a Europa do século XIX esteve, e permaneceu até a Grande Guerra, sob a Ordem liberal” (id.:65), surgimento de mavimentos demoeriticos de massa, 0 avango gradativo ©, as vezes, violently de leses © mvbilizagdes. socialistas © a “cxpansio das instituigdes democriticas” geraram grandes mudangas no campo politico, E foi exatamente no campo politico gue “a catéstrofe da Primeita Grande Guerra desirogou 0 mundo liberal que dominara de 1815 a 1914" (Gray, 1988:62). Para compreender de forma critica toda essa evolugiio, mais propriamente © desenvolvimento da “democracia de uma sociedade de mercado capitalista”, seria de bom auxilio recorrer a Macpherson em sua obra A democracia liberal, na qual analisa diferentes. “modelos democriticos” com o objetivo de “examinar os limites © possibi- lidades da democracia liberal contemporiinea” (1978:14). Para Macp- herson, ““liberal’ pode significar a liberdade do mais forte para derrubar 0 mais fraco de acordo com as regras do mercado” (id.:9). Como que sintetizando o ocaso da fase acima referida, Gray afirma, enfaticamente, que, “se houve sinais de um crescente niio-liberalismo nas ultimas décadas do século XIX, a Primeira Grande Guerra quebrou a ordem liberal em pedacos e iniciou uma era de guerras ¢ tiranias” (Gray, 1988:66). B isso porque a emergéncia de “movimentos nacionalistas”, 0 “colapso dos antigos impérios", 0 surgimento de “regimes socialistas totalitérios [..] infligindo injirias colossais &s proprias populagdes", suprimiram “a liberdade em quase todo o mundo civilizado” (id.:66), Enquanto isso acontece em tantas partes do mundo “civilizado", por sua vez, “na Inglaterra, entre as duas guerras, J ™M. Keynes, Beveridge ¢ outros liberais revisionistas tentaram abrir um caminho de compromisso entre a velha e a nova ordem nn SNe — capitalista ¢ 0s novos ideais socialistas” (Gray, 1988:66, grifo nosso), propiciando os alicerces daquilo que posteriormente viria a ser caracterizado como Estado de Bem-Estar Social. Conforme Merquior, Keynes aparece como uma alternativa entre o leninismo, que estaria “decidido a destruir 0 capitalismo”, © 0 fascismo, que “sacrificava a democracia para salvar a sociedade capitalista”. © revisionismo econémico de Keynes seria, entio, a “opsio para salvar a democracia, renovando o capitalismo” (Mer quior, 1991:174-175). Acreditamos ser quase dispensiivel dizer que esse periodo se caracterizou por uma forte decisiva intervencdo estatal macros- societaria, tentando administrar, a partir de uma 46gica técnica, 0 principio daquilo que agora pode ser denominado de justiga social. A partir da década de 1970, com a desintegragao do paradigma keynesiano, jf encontramos 0 que hoje se costuma denominar como neoliberatismo. Bo renascimento, ou a tentativa de renascimento do liberalismo clissico que se caracterizou sobretudo como uma critica sistemética & intervengio do Estado no mercado. Esse perfodo tem seu “reconhecimento piblico com a atribuicio do prémio Nobel a Hayek e Friedman” (Gray, 1988:75), “os pontifices do Neoliberalismo” (Merquior, 1991:189-196), Suas “idgias ¢ propostas” logo passaram a ser “moeda corrente, citadas por figuras como Margaret Thatcher e Ronald Reagan ¢ largamente distinguidos por amigos ¢ inimigos do liberalismo que Ihe reconheciam a real importancia da politica” (Gray, 1988:75). Embora seja uma fase ainda a se definir mais claramente entre os varios pensadores, jé se diz que “os Neoliberais ‘hayekianos” tendem a desconfiar da liberdade-positiva como uma permissio para o ‘construtivismo’, julgam a justi¢a social um conceito des- provido de significagao, defendem um retorno 20 liberalismo e recomendam um papel infnimo para o Estado” (Merquior, 1991:218) Ainda tentando ser figis aos autores liberais, observamos com Merquior que, “no decurso de trés séculos, 0 liberalismo enrique- ceu-se verdadeiramente com temas € t6picos, mas o enriquecimento a doutrina liberal raramente foi um processo linear. Muitas vezes, progressos numa directo foram contrabalangados por relrocessos" 8 (1991:35), Certamente devemos lembrar uma vez mais, como ja fizemos anteriormente, que © liberalismo nfo se constitai num loco homogéneo de teses ¢ idéias e que sua fisionomia no é a mesma em todos os tempos ¢ lugares. Filosofias, politicas, ideologias, movimentos de massas retardam ou propiciam avangos a filosofia liberal neste ou naquele lugar ou perfodo. O proprio Merguior € quem nos diz que “qualquer impressdo triunfalista deve ser evitada, porque o liberalismo teve de aprender coisas importantes com o desafio de ideologias rivais” (id.:35). Importa salientar aqui que © objetivo da apresentagio dessa (0 cucinta do liberalismo foi somente o de situar suas fases ¢ caracteristicas a fim de entender melhor as fases da economia de mercado e da Assisténcia que se formaram, amparadas nessa ideologia. Uma possivel anilise ou confronto com o tratamento das quest®es sociais desse perfodo serd visto em outro lugar e seguramente a partir de outros paradigmas teéricos, Feita essa breve incursio nas fases do liberalismo e retomando nosso tema central — Assisténcia e formagio do mercado de trabalho —, é necessdrio agora situarmo-nos no perfodo da formagio da economia de mercado, periodo em que “a sociedade tem que ser modelada de maneira tal a permitir que o sistema funcione de acordo com as suas proprias leis”, de tal forma que se faca jus A afirmagio de que “uma economia de mercado s6 pode funcionar numa sociedade de mercado” (Polanyi, 1980:72). E a conseqién disso & que, “ao invés da economia estar embutida nas relagdes sutiais, SiO as selagdes sociais que esto embutidas no sistema econémico” (id.:72) Os mereados isolados e reguléveis passam a constituir uma forma de economia, ditigida por pregos de mercado, que se afirma cada vez mais como auto-reguldvel, significando’” que toda produgio 3?. Beonomia de mercado, confoeme sintese de Polanyi, & “um sistema econdaieo conti, regula e disigido apenas por mertadas. @ordem in produsio & a dstulga0 ‘de bens & confiads a esse mocinisno aulo-ogulivel, Uma eonomia desse dpo se origina ‘de expeclativa de gue of seres humanos se comportem de mneira ll a alingir 0 meio de ganhor monetisios. Bla pressupte mercadas bos quas © fommecimento de bens dispontvis Cinetoindo servis) um prego defindo igeatario a demands a esse mesmo prego. Presupoe 79 tem que ser vendida no mercado e que todo'o rendimento provém de tais vendas, Nesse sistema, nfo s6 todos os elementos da indéstria, mas também os bens, inclusive os servigos, assim como, “o mabalho, a terra ¢ 0 dinheiro, sendo seus precos chamados, respectivamente, precos de mercadorias, saldrios, aluguel ¢ juros” (Polanyi, 1980:82, grifo nosso), sto para o mercado, Nesse sistema nem “o prego, nem a oferta, nem a demanda” podem ser fixados ou regulados. $6 serio vélidas préticas “potiticas ¢ medidas que ajudem a assegurar a auto-regulacdo do mercado, criando condigbes para fazer do mercado 0 ‘nico poder organizador na esfera econémica” (id.:82). Entretanto, € nessa época também que se afirma o mercado, que é de alguma forma a negacdo dos grandes valores do iluminismo. Paradoxalmemte 2 economia de mercado emerge no marco de valor do iluminismo mas acaba por negé-lo. O centro que até entio era © homem passa a ser o do mereado. O homem deixa de ser centro © fim para tomnar-se instrumento e meio, Nao apenas o individuo deixa de ter importancia como um ser em si, mas & a propria sociedade que passa por uma total transformagio, Segundo Polanyi, essa “época do mercado”, no seu aspecto social, significow subordinagdo da “substéncia da prépria sociedade as leis de mer cado”, com a incluso do homem e da terra aos seus “mecanismos inelutdveis” (1980:84), 0 que seguramente tera conseqiiéncias bem especificas nas relagdes da sociedade em formagao. “O trabalho, a terra eo dinheiro, obviamente, ndo sio mercadorias”, diz Polanyi (id.:84), “Trabalho € apenas um outro nome pari a atividade humana que acompanha a prépria vida que, por sua:vez, udu & produzida para a venda [..,] no pode ser armazenada ou mobilizada. Terta € apenas 0 outro nome para a natureza, que no & produzida pelo homem... O dinheiro é apenas um simbolo de poder de compra e, como regra, ele mio & produzido mas adquire vida também a presenga do dinhero, que funcions como poder de compra ast mos de 3648 Possuidores. A produgto serd, eno, cortolada por preqas, pois of lucros daqueles que Aizigem a produpdo dependesio dosses regos, A distingao’ de bens tambem dependers de pregs, pols ests formam rencimentos, e é com @ ajuda desses rendkmentos que 08 bens produzidos so istibuidos ene as menrbnos da sociedad. Pastindo dessespresupertos, 4 orden na pradusto © na disitbuieuo de bens & assegurads apenas por pregos” (ef Pounyi, 1980-81), 80 através do mecanismo dos bancos ¢ das finangas estatais. Nenhum_ deles & produzido para a venda” (id.:85). Portanto, desctevé-los como mercadotias & algo “inteiramente fictfcio" (id.:85). Mas é com 0 auxilio dessa ficgdo que 0 trabalho, a terra e o dinheiro so organizados em “mercadorias reais”, passando como outras mercadorias a serem compradas € vendidas. Pior, “a ficgdo de serem produzidas tornou-se principio organizador da sociedade” (id:87). Resulta entio que o Estado e quaisquer outras instituicSes tm que ter a configuragio de miéxima distancia do mercado. A politica tem que ser tal que nao interfira nessa auto-tegulacio, Acontece que “permitir que 9 mecanismo de mercado seja 0 nico dirigente do destino dos seres humanos ¢ do seu ambiente natural e, até mesmo, o drbitro da quantidade & do uso do poder de compra, resultaria no desmoronamento da sociedade” (Polanyi, 1980:85). Tudo isso nos fornece elementos para compreender o que motivou o grande impacto que a Revolucdo Industrial teve, sobretudo sobre a vida do homem comum.™ Especialmente 0 fato de a forga de trabalho ter sido transformada de algo natural em “suposta ‘mercadoria”, quando “usada indiscriminadamente ou até mesmo no utilizada”, nao pode deixar de “afetar também 0 individuo [...] (que 6) 0 portador dessa mercadoria peculiar” (id.:85), sem jogé-lo num transtorno social to sério que o degrade para bem abaixo de sua condigto de homem. Ou ainda, “destiné-lo ao 38. "A Revolugdo Industrial nfo apareeeu como uma mudanga fepeatina.thiiow-se ‘em principios do século XVIIL,competanda-se em meadas do sGoulo XIX, sendo seguide fait tarde de\outras tanerormagces, A Revels Inhisi pole se cesta con foca do earvda edo ferro, que eanteasia com a postesior, a época da eletrcidade © do po" (Crossman, 1980-102}. Como a ngkira estvesse “ng vanguarda do processo da fndasiillzago,o8 demas patses pudesam puar © periado do ferr © do exrvio ntegrand-se tiretamente moma fase posterior do capititsmo” (k:102). Embora es demi pases vessem suas pecullaidades no. desenvolvimento indostial, tomamos (com of diversas autores) 2 referéncia da Inglaterra, por ter sido ah que © desenvolvimento industrial se dew por ‘rimeito, constituindowse como qve mim “modelo para todas a5 furwas mudangas industrials hos outs pes" Gel:102). Ernest Mando), ap analsar as "*Ondas Longs’ na Histéia do Capitatema”, desoobre quato ondes longs. Stuy a Revolugdo.ledasral a primeira Longa Ondi" (| “— © longo perfodo eompreendido eatre 0 fim do séeulo XVII © a crise de 1847, basieamente curacterizado pola difusio gradatva da maquina a vapor de brieagita artesanal ow manidateveira por txlos a8 ros indus ¢ rgides indasas ‘mais importantes. Ex8h foF a crda Honge d2 propria Revoluelo Industial” (1982-33). AS foutras ués s8o chamadas de primeira, segunda © treet omdas teenoldgias (84, 81 mercado provocava, igualmente, o estranhamento dos individuos consigo mesmos € perante outrem. Além disso, 0 mundo baseado na economia e no transito das mercadorias expunha as pessoas & fome ¢ & motte, pela possibilidade de elas ndo serem absorvidas pelo mercado de trabalho, © que abria as portas para uma catistrofe que a sociedade nunca experimentara’ (Fridman, 1989:173).° Esses encontros ¢ desencontros entre Polanyi ¢ Marx, conforme. pudemos ver na nota, € as diferentes safdas e esperangas que ambos nutrem pela felicidade do homem, s6 podem ser compreendidos quando observamos a causa central do “‘caos” produzido pela economia capitalista. Em Polanyi, cate s¢ centra na transformagio © destruigao dos valores na vida dos homens, transformando 0 homem em mercado. Da mesma forma toda a vida da sociedade se tora um apéndice do mercado, Por isso também "o futuro almejado por 39, Quando se tata da twansformaeso do homem, de terra € da mocda em metcadoris, na observajdo de Lais Carlos Feidanan, “Karl Polanys€ considertdo um orftico mais radical aque Marx da evonomia cissca e do pensimesto her, ainda que ambos tenhain pasado de mntos diganéstcos searea des contradiges etgencisis do fepime capitalsin” (yer em A teoria socal” de Keel Polanyi, em A gramde tsformagio (Feidmaa, 1989:166), Aaa, tuagando um cero paralelo entre Mars e Polanyi, 0 mesma autor aoe leva a pereter que, cembors Marx e Polanyi tenhim siio mordazes erficos da sociedade capitals, para Mate “nada poderia conter esse progresto € esse horror, cram predutos histéicos que poder ser barrados", enquacto que, pora Polanyi, “aa conto, a Grane Transormagio © com ela a ruina de sociedae, tiveram seu caminka desbravado pelos apéstalos da FE no mercado aulowepulivel” (id:176), Para Mats, “a feodmeno teve origens marctdamente condmieas” (ids176). Por isso sua utopia esarla numa sooiedade sem classes © nn patticipagdo ¢ cistrbuigio dos bens produzidos pela sociedad, ateadendo a necesidades das amplas iaiocas. 18 para Polanyi, 0 fendmeno “adveio de mlivagdes religosas, isto 4, do mercado auto-reglivel” GilI76). Pademos ver isto melhor no préptio Polanyi, fk ‘que para cle “e causa da degradasio nio 6 portant, a explragio ccombmies, como Se presume suuitas Vezes, mas a desinegragio’ do ambiente cultutl du vtima. ©. provesso conémieo pode, natualmente, fomecer o veteulo da destigko, e quare invariavelmente 4 Infertoridade econornica ard @ mats fraco se reader” (Polany, 1980160), Por iso, na Uwopia tmbém estria no fim da Sociedade de mercado, & partir dos "contramovimetoe” Aefersivos © amoprstetores da sociedade com a reeuporagio das referéncas espiitais « morais da natureza solidieia da convivéncis humana. Enquanto isso Marx conceberia © “gesenvolvimenso dis Torgas progulvas camo impo ininterrapo ¢necesshio & emancipayaio dos thomens” (Fridman, 1989:183). Ademais, sempre ainda segundo este autor, Mars screditava que "esses homers e mulheres que inhar pesdido tain Ilaviam pelo socialism © desiruriam esse mundo pela revolugio social” (4.167), enquanto que “Polanyi ao Aiscoréava, em getal, do seatido da ermncipagio sociaista, mas Ihe feria séras vestiges” (id168). Finalmente, nas palavcas do lniérprete, Poianys “oninede com @ mariamo na speranpa de emancipar os indivios da sign tégien da economia do eeceado™ (il: 163). 82 Polanyi” s6 pode estar “na recomposig#o ordenada das relagdes sociais-solidarias ¢ naturais”, na voz de Fridman (1989:168), a0 asso que em Marx “o desastre” se daa partir de um fendmeno econdmico da exploragiio entre classes, transformando © homem (0 trabalhador) em mercadoria, 5 nisto que consiste a sua fetichizagiio (cf. Marx,1978:878s). Isto tornara-se manifesto jé nos escritos da juventude de Marx, ou seja, nos Manuscritos econdmico filosdficos de 1844 — escrito ainda cheio dos mais puros resquicios hegelianos, tanto nas imagens quanto nos conceitos —, prineipalmente no segundo e terceiro manuscritos, onde lemos que “no operdrio temos pois, subjetivamente, que o capital é 0 homem totalmente subtraido a si mesmo, assim como no capital temos objetivamente que © trabalho € 0 homem que foi subtraido” (Marx e Engels, 1982:606). Apés uma ripida consideragio, na qual recorda que, infelizmente, “o trabathador tem a desgraga de ser um capital vivo", com todas as conseqiiéncias disso decorrentes, Marx volta ao tema, afirmando que 0 “tabalhador produz o capital, 0 capital produz a ele, 0 que significa que ele se produz a si mesmo, ¢ 0 homem enquanto trabathador, enquanto mercadoria € 0 produto de todo © movimento” (id.:606). As paginas do Segundo Manuserito que seguem sio extremamente clogtientes quanto 3s conseqiléncias dessa. produgio do homem como mercadoria, ou seja, a “mercadoria-homen” © sua fungio, mas nto ¢ aqui o lugar de nos determos sobre isso, bastando recordar que a classe trabalhadora s6 6 tal porque forgada a levar a sua “forga de trabalho ao mereado” para vend6-la, @ 6 neste proceso que uma parte do sem trabalho & apropriada pelos detentores dos meios ¢ do processo da produgio. Voltando ao “futuro” ao qual nos referiamos acima, Marx, apés ricas. paginas sobre a objetivagio do capital, descreve agora a esséncta subjeriva da propriedade privada, ou seja, “a propriedade privada como atividade que € para si, como sujeito, como pessoa”, identificando-a com 0 “trabatho", de tal forma que se estabelece como que uma unido intrinseca entve a propriedade privada e © homem, processo que perpassa as diversas fases da formagio do capital, “‘manifes- tando-se (Finalmente) em todo o seu cinismo” (id.:612-613), porque 40. Ver El catitr fetichista de Ia mercadoria © 88 scceto 83 “ao converter em sujeito propriedade privada em sua forma ativa, convertendo ao mesmo tempo o homem privado de entidade em esséncia, se torna claro que a contradicao da realidade corres- ponde plenamente a esséncia contradit6ria reconhecida como prin- cipio” (d.:613). E a mais perfeita consumacao do fetichismo! Assim o “futuro” ¢ a “desalienagio” (ou nas palavras de Marx, a superagdo da auto-alienagio) do homem © do trabalho 56 sto possiveis pela completa aboligio da propriedade privada objetiva- mente como “capital” e subjetivamente como “trabalho” ... “com © advento do comunismo”, porque “o comunismo € a expressto positiva da propricdade privada superada” (id.:615}, comunismo, bem entendido, “como superagio da propriedade privada enquanto auto-alienagdo humana e, portanto, como real apropriacao da esséncia humana por ¢ para o homem; por conseauinte, como total retormo do homem a si mesmo [...] humano [...] conseiente ¢ levado a termo no interior de toda a riqueza do desenvolvimento anterior” (id.:617). Portanto, para Marx, a superagio de classes e a conseqiiente participasio na produgdo ¢ redistribuigdio dos bens produzidos, por meio de uma revolugio, 6 a exigéncia. Assim vemos em ambos uma critica ao sistema capitalista que transformou o homem em mercadoria, mercadoria esta que, no entanto, tem suas particularidades se comparada as reais met cadorias. Claus Offe, comparando © mercado de trabalho com os outros mercados, nos afirma que “sio as particularidades” que 0 maream © que opie em “desvantagem”, limitanda assim siias Yopgies estratégicas” e, conseqilentemente, 0 colocam num “diferencial de poder” sempre — “favor‘vel ao lado da demanda [mercado] e numa desvantagem ao lado davoferta [forga de trabalhof” —, sempre que se trata de fixar “contratos de trabalho em situagio de livre concorréncia” (1989:26). Por se tratar de um carter “ficticio™! da “mercadoria", a forga de trabalho entra no mercado de forma distinta em relago 4s outras mercadorias, Enquanto “a entrada das ‘verdadeiras’ mer 441, Aqui Offe usa os termos de Polanyi, citando-o a patr de A grande sransfirmagao, 1930, 84 cadorias nos mercados 6 regulada, ou pelo menos co-determinada pelo critério relative as expectativas de venda de tais mercadorias, isso nfo acontece com a ‘mercadoria’ forga de trabalho” (Offe, 1989:27, grifo nosso). E isto acontece porque ela é determinada tanto “por processos demogrificos nfo estratégicos e pelas regras institucionais da atividade reprodutiva humana”, como pelos “pro- cessos sdcio-ecandmicos que ‘liberam’ a forga de trabalho das condigées em que poderia se manter de uma forma diferente da venda no mercado” (id.:27). E importante lembrar aqui que a Reyoluggo Agricola antecedeu a Revolugdo Industrial e que o “mercado de trabalho foi o ultimo dos mercados a sor organizado sob © novo sistema industrial” (Polanyi, 1980:89 © 102), impedindo dessa forma “modos de subsisténcia fora do mercado de trabalho (por exemplo, através da utilizagio da agricultura em terras. par- ticulares” (Offe, 1989:27, grifo nosso). Deveras, a terra jé havia sido transformada em mercadoria para o mercado, pois, “assim como o modo capitalisia de produgio pressupde, em geral, que exproprie aos trabalhadores das condigdes de trabalho, assim pres- supde, na agricultura, que aos trabalhadores rurais se Ihes exproprie da terra e se os subordine a um capitalista que explora # agricultura com vistas ao Incro” (Marx, 1986:792). Isto faz com que a forga de trabalho, que no tem como controlar a sua propria quantidade de oferta — de maneira estratégica — © a0 mesmo tempo se ve alijada de outras formas de sobrevivéncia, esteja assim, conforme Offe, diante de uma “desvantagem estraturat” em relagio i forga de trabalho no mereado (1989:28, grifo nosso). O mesmo autor aponta ainda uma outra desvantagem, na medida em que a “forga de trabalho continuamente depende dos meios de subsisténcia, que 86 podem ser adquiridos se cla for ‘vendida’” (id:28, grifo nosso), sem, no entanto, poder esperar por melhores condigdes para efetuar @ yenda. E isto se da porque jé no conta mais com os meios proprios (por exemplo, produtos agricolas ou manufaturas) para sua subsisténcia, sendo que “um aspecto fundamental do proceso de industrializagao capitalista consiste exatamente na destruigao dessas condigdes de independéncia econdmica (ou seja, da auto- suficiGneia-suficiéncia da produgao agricola familiar) e das condigoes de ‘espera’ estratégica por situagdes de demanda favordveis. A medida que essas precondigdes sio destruidas, a oferta da forga 85 de trabalho que no encontra demanda torna-se em si mesma ‘sem valor” (id.:28). E por isso que “sé através’ da presenca de um esquema politicamente organizado de seguro desemprego, 0s ven- dedores da forga de trabalho tomam-se capazes de ‘esperar es- trategicamente (a0 menos por algurn tempo), em lugar de aceitar ireta ou imediatamente qualquer demanda...” (id.:29, grifo nosso). Offe segue deserevendo ainda outras particularidades da “merea- doria” trabalho em telagto as demais mercadorias ¢ as conseqtientes desvantagens por “opgdes estratégicas” que poderiam ser favoriveis, 8 forca de trabalho, como 0 que acontece, por exemplo, através da mudanga e do avanco iecnoldgico, nos quais se manifesta “uma assimetria entre os dois lados do mercado”, pois a “produgio pode muito bem ser mantida mesmo com uma queda no uso do trabalho por unidade de produto, enquanto que a reprodugiio da forca de trabalho n@o pode ser mantida com uma queda na renda familia:” (id.:29), necessitando, ao menos, de um padrio minimo de vida para seguir produzindo.*? Outra desvantagem diz. respeito “ao potencial quatitative de adaptagio 20 lado da oferta ao mercado de trabalho” (id.:30), Nesse aspecto, 0 decisivo, conforme o autor, “6-0 maior grau de ‘Tiquidez’ qualitativa do capital em comparagio com © trabalho” (id.:30). Enquanto 0 capital se movimenta “em efrculos, renovando-se constantemente”, por seu turno “os vende- dores da forga de wabalho s6 podem variar a qualidade de sua oferta dentro de limites estreitos [...] €, somente devido a formas de apoio (politico) externo, como educagao e treinamento” (id.:30), para se adaptar as novas exigéneias da produgdo. Ainda que Claus Offe tcuha detertulo eoretuneme a contradi¢io do equilibr existente entre acumulagio do capital e o desenvolvimento da forga de trabalho, perde muito em @nfase quando confrontado com a petcepg’io que o proprio Marx (eve sobre o mesmo tema. Deveras, para Marx, “a lei, finalmente, que mantém um equilfbrio constante entre a sobrepopulagdo relativa ou exército industrial de reserva e 42, importante que nos reportemos agui A Ii getal da acumulago em Marx, para © qual, pelo fato de o incrememo dos mies de produgio © dt produlvidade do tabalho ‘rescerem sempre numa yelveidade maior que 9 da populagao preitiva, se express, Captalistcamente, em sou conte, ot se, "na fato de que populayzo opercia cesoe Sempre mais rapidamente que a vevessade de valoizagso do eaptal” (Mar, 1986 808) 86 © volume ¢ a intensidade da acumulagio, aprisiona 0 obreito a0 capital com grilhdes mais firmes que as correntes com que Hefesto prendeu Prometeo na rocha, Esta lei produz uma acumulagdo. de miséria proporcional & acumulacdo de capital. A acumulagao de riqueza num polo é pois, simultaneamente, acumulaco de miséria, softimento, escravidio, ignorincia, embrutecimento ¢ degradagio moral no pélo oposto, isto é, no lado em que se encontra a classe gue produz sew proprio produto como capital” (Marx, 1986:805). Diante dessas desvantagens para a forea de trabalho, no é dificil coneluir que ela demanda a afluéncia de uma regulagio dessas relagdes que & feita por um “fator externo ao mercado”, ou seja, o Estado, para regular inchusive 0 seu afluxo ao mercado e subsidiar, através de suas politicas sociais, 0 fator trabalho, para que este possa seguir produtivo para o capital e, por outro lado, “destruir outros modos de subsisténcia” de modo a que a forga de trabalho do campo se “liberasse” para 0 mercado de trabalho na inddstria” Para Thompson, as leis ou regulamentagio de acesso ais terras comunais, na Inglaterra, certamente se configuram nese exemplo. Mais especificamente a Lei dos “Cereamentos”, momento em que as terras passaram a se concentrar em poder de muito poucos, expulsando © “povo comum” do direito ao acesso das terras comumais € quando “os argumentos dos defensores dos cercamentos giravam em tomo do aumento das rendas ¢ da produtividade por acre”, para alimentar uma populagdo em cres- cimento, E assim, “de uma vila a outta 0 cercamento avangava, destruindo a economia de subsisténcia dos pobres que j4 era precéria” (Thompson, 198844, grifo nossa). 4, James O"Connce, om seu artigo sobre capitalisme € meio ambiente — cm que se diz xmparado por uma abordagem nova, definidi de marsista-polaista —, afta que, sendo que az condigbes de produeo nfo Sio produzidas como mercadorias, preciso que sam a torne cisnonives 20 eaplal ia guania, qualidse, tempes e lugares necessris [Este alguém € 0 Estado”, E sind, “iodes as atividades do Esto Hberal-barguts — com ‘exceed emigsdo da med e dts forgas armiadas — entram na categoria da ‘regulamentagao ‘ou produgdo das condigées de prodigio" (199340), 444. No Beal isto se faz com a Lei 601, do 18 do setembro de1850, a chaada Le das Teiras Devolutas, que representon o primeiroesfergo no scaido de diseipinar 0 deta agririo em nosso pats. Profbiu-se "2 ocupi;io das teas devolulas, 36 se admitinds a ‘compen mediante pagamento om cinheiro” Borges. 198416), “Punts termo ao segime fs posses, admilida a tansmiselo da propriedade apenas pela sucesso © pela compra © 87

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