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Resumo
Rees (2012) aponta para o ser humano como único capaz de promover uma sustentabilidade
ecologicamente estável e socialmente justa, destacando a função desempenhada pelos líderes
enquanto tomadores de decisões. Essa pesquisa relaciona a história de vida influenciando as
tomadas de decisões sustentáveis de um líder, embasada na teoria comportamental. Por meio de
um estudo de caso único, observou-se que experiências da fase inicial da vida e experiências
profissionais mais recentes proporcionam os principais motivadores para as tomadas de decisões
sustentáveis. Estudos de caso múltiplos podem ser desenvolvidos por futuros pesquisadores que
objetivam testar a teoria argumentada nesse trabalho.
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1. INTRODUÇÃO
Segundo Rees (2012), seres humanos bem educados e socialmente comprometidos são mais
capazes de desenvolver habilidades em prol dos interesses da sociedade do que o mercado global
como organizado atualmente. Uma sustentabilidade ecologicamente estável e socialmente justa
não irá emergir do mercado competitivo, mas sim das habilidades únicas dos seres humanos.
Portanto, está na hora de líderes corporativos reconsiderarem o papel que desempenham ao
dirigir a agenda política da empresa.
Diante dessa demanda, a função desempenhada pelos líderes enquanto tomadores de decisões
se mostra essencial na mudança destacada por Rees (2012). O desenvolvimento do conhecimento
sobre tomadas de decisão, lideranças corporativas e sustentabilidade tem muito a contribuir para
o avanço da incorporação de sustentabilidade pelas empresas. Uma vez que o principal fator da
mudança, segundo Rees (2012), se encontra nas capacidades dos líderes enquanto seres
humanos, pesquisas voltadas para a perspectiva desses profissionais enquanto sujeitos mostram-
se relevantes. Dentro desse contexto, e do gap encontrado na literatura sobre o tema, a presente
pesquisa objetiva relacionar a história de vida influenciando as tomadas de decisões sustentáveis
de um líder, com base nos pressupostos teóricos da Análise do Comportamento (Skinner, 2003).
Para isso, será realizado um estudo em profundidade de um estudo de caso único para
compreender as nuances e detalhes que envolvem essa relação (Eisenhardt, 1989). O caso
analisado será a experiência do dono do Verdemar, um supermercado referência em Belo
Horizonte, Minas Gerais.
O artigo é divido em cinco capítulos, sendo o primeiro a presente introdução. O segundo
capítulo é composto pelo referencial teórico, que aborda a literatura sobre sustentabilidade e
liderança corporativa e apresenta a relação proposta entre decisões sustentáveis e história de
vida, por meio de pressupostos teóricos da Análise do Comportamento. O terceiro capítulo
apresenta a metodologia do estudo, justificando a escolha pelo estudo de caso único e as
ferramentas metodológicas utilizadas na análise da entrevista. O capitulo quatro mostra os
resultados encontrados juntamente com a análise dos mesmos, em que trechos da entrevista são
utilizados como argumentos que defendem e embasam a hipótese levantada. Por fim, o capítulo
cinco consistirá de uma breve conclusão, na qual o objetivo é retomado e respondido, apontando
a contribuição desse estudo para o desenvolvimento do conhecimento no tema proposto, para a
prática de estudiosos do assunto e para o avanço de pesquisas futuras.
2. REFERENCIAL TEÓRICO
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evidências circunstanciais sobre como essas práticas podem fortalecer a vantagem competitiva
da empresa. Diversos autores (Ambec & Lanoie, 2008; Guenster, Derwall, Bauer, & Koedijk,
2005; Margolis & Walsh, 2001; Orlitsky, Schmidt, and Rynes, 2003 como citado em Fairfield et
al., 2011, p. 8) confirmam que escolhas de investimentos com responsabilidade socioambiental
estão relacionadas com retornos acima da média, confirmando que é possível “do well by doing
good” (Fairfield et al., 2011, p. 8).
Essa nova perspectiva exige uma mudança profunda da empresa, colocando à prova sua
capacidade de adaptação às circunstâncias. Reeves, Haanaes, Love e Levin (2012) defendem que
encarar a sustentabilidade como adaptabilidade é a maneira mais confiável de atingir a
integração entre os três pilares – econômico, social e ambiental. Mais especificamente, o
processo de adaptação corporativa é visto por Reeves et al (2012) como uma contínua renovação
e reajuste do modelo de negócio para evitar desequilíbrios e limites no fluxo de materiais,
trabalho, valor econômico e confiança, dentro e fora da atividade das três esferas da
sustentabilidade. Na esfera econômica deve-se adaptar o modelo de negócio às mudanças na
competitividade e nas circunstâncias econômicas. Na esfera ambiental, adaptar-se aos limites de
disponibilidade de recursos naturais é crítico para a sustentabilidade e sobrevivência da empresa.
Na esfera social, a empresa deve manter a confiança da sociedade e, consequentemente, atrair
consumidores e talentos, por meio da satisfação das aspirações éticas de seus stakeholders
(Reeves et al, 2012). Apesar da necessidade da adaptabilidade à mudança, Reeves et al (2012)
reconhecem a dificuldade envolvida nesse processo, especialmente em grandes empresas.
Diante desses desafios, ter executivos à frente das mudanças pode ser um facilitador,
principalmente quando são reconhecidos e ocupam cargos de grande alcance sobre os demais
colaboradores. O papel desses profissionais se mostra importante na incorporação da
sustentabilidade devido à influência que exercem sobre outros profissionais hierarquicamente
abaixo na estrutura da empresa, tendo em vista o papel da obediência no comportamento
humano, conforme demonstrado por Milgram (1963). Segundo Milgram (1963), para muitas
pessoas a obediência pode ser uma tendência de comportamento profundamente arraigada e, de
fato, um impulso primordial dominante no treinamento da ética e conduta moral, dois valores
essenciais da sustentabilidade. Mesmo que quem obedece não veja total significado e sentido em
determinada ação, muitas vezes se assume que a pessoa no comando vê esse sentido (Milgram,
1963), justificando a obediência. Segundo Eberlin e Tatum (2008), os líderes são os
representantes mais diretos de uma organização, e espera-se que seus comportamentos passem
um tratamento justo e ético para toda a força de trabalho. Tendo esses fatores em vista, torna-se
clara a influência das lideranças em propulsar a sustentabilidade dentro da empresa.
Nesse contexto, CEOs tem prestado cada vez mais atenção em questões relacionadas à
responsabilidade social corporativa, sustentabilidade e ética (Reeves et al, 2012). Segundo estudo
realizado pelo Boston Consulting Group e pelo MIT Sloan Management Review, mais de 2/3 dos
4.700 CEOs entrevistados concordam que sustentabilidade é essencial para a competitividade e,
por isso, esse assunto se tornou uma parte permanente de suas agendas (Reeves et al, 2012).
Reeves et al (2012) propuseram algumas práticas através das quais executivos sêniores poderiam
começar a desenvolver o potencial adaptativo de suas empresas. Sinteticamente, essas práticas se
resumem a: entender o ambiente estratégico e ajustar o planejamento de acordo com esse
ambiente; medir a adaptabilidade da empresa em comparação com a dos concorrentes e
estabelecer benchmarkings de capacidades adaptativas; mapear tendências e incertezas;
estabelecer uma iniciativa para lidar com cada tendência e incerteza; medir “economias da
experimentação” para cada iniciativa; simplificar as regras; criar uma opinião discordante
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compulsoriamente; identificar fluxos de incompatibilidade entre as três esferas da
sustentabilidade e olhar para o modelo de negócios que origina essa incompatibilidade,
transformando-o em fonte de vantagem.
Siegel (2009, como citado em Fairfield et al., 2011, p. 10) e Eberlin et al (2008) também
ressaltam a importância do papel desempenhado pela liderança em formular e implementar
iniciativas sustentáveis. Além disso, para Eisner (2011) uma das percepções relacionadas ao líder
amplamente compartilhada entre executivos é a sua responsabilidade em liderar mudanças e
tomar as decisões difíceis. Diante do contexto de instabilidade e mudanças trazidos pela
sustentabilidade, a importância desses profissionais como tomadores das principais decisões se
destaca. Segundo Eberlin et al. (2008), espera-se que líderes tomem decisões que irão impactar
basicamente todos os níveis da organização e stakeholders externos, tais como os consumidores e
a sociedade em geral. Esses autores também enfatizam a influência dessas decisões, “if
organizational decisions made by external companies can influence an organization, imagine the
impact of decisions made internally by its own leaders” (Eberlin et al., 2008, p. 311). Fairfield et
al. (2011) reforçam a importância dessa função ao mostrar a correlação entre tomadas de decisão
influenciadas por aspectos da sustentabilidade e práticas sustentáveis. Em outras palavras, esses
autores comprovaram a hipótese de que organizações nas quais questões relacionadas à
sustentabilidade são diretrizes mais importantes para as tomadas de decisão, as práticas
sustentáveis são mais extensivamente implementadas do que em organizações que consideram
essas questões como menos importantes. Fiorina (2007) faz a conexão entre liderança, tomada de
decisão e sustentabilidade afirmando que boas escolhas são resultados de pessoas razoáveis
engajadas em bons processos de tomada de decisão, e que grandes empresas são construídas por
grandes líderes, criando valor sustentável de longo prazo. Fiorina (2007) ainda acrescenta que
somente o julgamento, a perspectiva e a ética irão garantir que o líder tome as decisões certas
para construir uma grande empresa, uma vez que essas qualidades asseguram que se corre os
riscos certos e se faz os investimentos certos. Conforme mostrado por Rieley e Crossley (2000),
o crescimento e sucesso de empresas estão diretamente relacionados com o aprimoramento e
inovação de antigas formas de tomar decisões. Ainda segundo esses autores, com habilidades
decisórias melhores, a liderança se torna mais capacitada para lidar, de forma confiante, com a
complexidade e interdependência de questões que afetam tanto o desempenho quanto a
sustentabilidade empresarial.
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Comportamento é a relação entre o organismo e o ambiente, e essa relação é mutável, pois
tanto o ambiente quanto o organismo estão em constante mudança, uma vez que ambos são
afetados pela própria interação, o que torna o comportamento dinâmico (Lopes, 2008). Os
conceitos de ambiente e comportamento são interdependentes, de forma que um não pode ser
definido sem fazer referência ao outro (Todorov, 2007). O ambiente é divido em externo, o
mundo fora da pele, e interno, o mundo dentro da pele (Todorov, 2007). O ambiente externo é
composto pelo mundo físico e social com o qual o sujeito interage. Segundo Todorov (2007,
p.58), “as interações do organismo com seu ambiente social não são de natureza diferente
daquelas interações com seu ambiente físico; são apenas mais difíceis de descrever”. O ambiente
interno é composto pelas características biológicas do indivíduo e pelo seu histórico de
interações passadas. De acordo com Todorov (2007, p.59) “não há sentido em uma descrição do
comportamento sem referência ao ambiente”, uma vez que não é possível entender o
comportamento fora do contexto no qual ocorreu.
Na Análise do Comportamento, existem três tipos de variáveis que afetam o comportamento,
quais sejam, variáveis filogenéticas – relacionadas à história da espécie –, variáveis culturais –
relacionadas à cultura na qual o indivíduo está inserido – e variáveis ontogenéticas, que dizem
respeito à história de vida específica de cada pessoa. O primeiro tipo de variáveis, as
filogenéticas, corresponde aos produtos da seleção natural e evolução, de acordo com os
conceitos de Darwin, que ocorreram ao longo de toda a história da humanidade. As variáveis
culturais correspondem ao cenário posto com o qual o indivíduo se encontra ao nascer e com o
qual terá que lidar e se relacionar ao longo da vida, o que origina a afirmação de que o indivíduo
é historicamente determinado (Albuquerque, 2002). Segundo Albuquerque (2002), a consciência
de um indivíduo se constitui a partir de elementos que compõem a cultura na qual cresceu, e é
necessário estar ciente desses elementos para compreender o comportamento. Para explicar
melhor, o autor define cultura como
(...) um conjunto relativamente organizado de padrões de comportamentos,
crenças, rituais, símbolos, conhecimentos, técnicas, enfim, todo um acervo
simbólico codificado numa determinada linguagem, e que é utilizado,
realizado, praticado, e eventualmente modificado, na vida cotidiana pelos
outros de sua sociedade. (Albuquerque, 2002, p.81)
Em relação às variáveis ontogenéticas, Peter Berger (1977, como citado em Albuquerque,
2002, p.81) “afirma que ‘a biografia do indivíduo, desde o nascimento, é a história de suas
relações com outras pessoas’”. Conforme afirmado por Todorov (2012), é grande a
complexidade das possíveis interações entre comportamento e ambiente. Porém, a forma como o
sujeito interage com o ambiente depende da sua história de interação com o mundo, ou seja, da
sua história de vida. A história de vida de um indivíduo é responsável pelas suas idiossincrasias,
pelas particularidades de suas relações com o mundo (Tourinho, 2006). Ao se encontrar diante de
um determinado contexto, o indivíduo emite um certo comportamento, o qual é idiossincrático
por ser produto de suas experiências passadas de interação. Todo comportamento produz
consequências e a natureza destas determinará se o comportamento emitido irá se repetir ou não
no futuro, quando o indivíduo se encontrar diante de um contexto semelhante. Se as
consequências que seguirem o comportamento forem reforçadoras, a probabilidade dele se
comportar de forma semelhante, em um contexto parecido no futuro, aumenta. Caso as
consequências não sejam reforçadoras, é pouco provável que aquele comportamento seja
mantido. Na maioria dos casos, quando isso ocorre, o indivíduo se comporta de uma nova
maneira, com a intenção de buscar consequências reforçadoras para si. Essa variação é
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responsável pela variabilidade do repertório comportamental de cada um. É importante ressaltar
que nenhuma consequência é reforçadora, ou não, a priori. O caráter atribuído a cada
consequência depende da história de interação que o indivíduo tem com o mundo. Segundo
Tourinho (2006, p.6),
nas relações que os homens estabelecem com o mundo, as funções que
eventos diversos assumem para cada indivíduo são idiossincráticas por força da
história pessoal de cada um. Assim, não há regra para o significado que um
evento qualquer pode ter para um indivíduo (...).
Essas relações às quais Tourinho se refere, são relações comportamentais, definidas pelo
próprio autor como relações funcionais entre ações do homem e eventos do mundo físico e social
com o qual interage. As relações funcionais só existem quando alterações nos eventos externos
resultam em alterações no comportamento. Se uma mudança não for acompanhada pela outra,
não se pode dizer que existe uma relação funcional. Para que essas relações sejam, de fato,
estabelecidas, é necessário que ocorram diversas vezes. Se houver apenas uma ocorrência, é
pouco provável que o comportamento componha o repertório do indivíduo, com exceção dos
casos extremos, nos quais os efeitos das consequências são muito fortes. Mesmo que esse
processo de formação das relações funcionais seja geral, os produtos destas, qual seja, a
formação da pessoa, são diferentes para todos submetidos a ele (Micheletto & Serio, 1993). Essa
dinâmica de interação sujeito-mundo ocorre desde o primeiro dia de vida, e a história de vida
molda, continuamente, a forma como um indivíduo se comporta e interage, construindo um
repertório comportamental.
Por meio dessas interações, o homem modifica o mundo com suas ações e são modificados
pelas consequências das mesmas. Esse processo é claramente observado quando discussões
acerca da sustentabilidade estão em questão. Ações não sustentáveis foram realizadas ao longo
de décadas e as consequências dessas modificações no mundo estão sendo sentidas atualmente, o
que, por sua vez, está modificando o homem. Segundo Todorov (2007), se o meio se modifica,
formas antigas de comportamento se desaparecem enquanto novas consequências produzem
novas formas. Em outras palavras, há uma conscientização maior em relação à importância de
ser sustentável devido às mudanças percebidas no mundo, e a interação entre o homem e o seu
entorno, consequentemente, está mudando.
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probabilidade de que o comportamento realizado traga os resultados esperados – seja pela
empresa e/ou partes interessadas.
O foco da presente pesquisa é a tomada de decisões sustentáveis, portanto torna-se
imprescindível definir o que seria uma decisão sustentável. A partir dos pressupostos teóricos
apresentados anteriormente, pode-se afirmar que o caráter de uma decisão depende de suas
consequências. Uma característica primordial da decisão sustentável, portanto, consiste em ter
consequências positivas em questões relacionadas às três dimensões da sustentabilidade, quais
sejam, social, ambiental e econômica. Critérios para definir se as consequências se enquadram
dentro dessas dimensões são propostos na Figura 1, definida por Maia e Pires (2011). Maia et al
(2011) afirmam que se decisões corporativas estiverem de acordo com esses critérios e
abarcarem as três dimensões simultaneamente, a probabilidade delas alcançarem a
sustentabilidade é alta. Além disso, essas consequências devem ser sustentáveis a longo prazo,
isto é, devem resultar em consequências positivas que se sustentem ao longo do tempo, não
levando à empresa ao fracasso no futuro.
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Para facilitar o processo de decisão, Dittrich (2010) sugere alguns parâmetros que orientam a
construção das prováveis consequências. O primeiro deles é a categorização das consequências,
tendo em vista que uma única ação pode produzir diversas consequências de forma simultânea.
Na decisão sustentável, algumas categorias que podem ser utilizadas são as propostas por Maia
et al (2011) na tabela 1. O segundo parâmetro é definir as pessoas ou grupos afetados e como o
são. No caso das decisões tomadas pela liderança, pode-se considerar os shareholders e os
stakeholders, em especial os clientes, os funcionários e a sociedade. O terceiro parâmetro é
definir os efeitos seletivos das consequências, ou seja, a influência que as consequências de um
comportamento tem sobre a probabilidade dele ocorrer novamente no futuro. Segundo Dittrich
(2010, p.48),
consequências podem (ou não) ter efeito seletivo sobre comportamentos ou
práticas, alterando sua forma e/ou frequência. Na medida em que seja possível
prever tais efeitos, eles obviamente devem ser considerados.
Em outras palavras, os líderes delimitariam quais consequências da sua ação influenciariam
no comportamento e prática das pessoas e grupos afetados, especificando as possíveis mudanças
que seriam geradas. O último parâmetro proposto por Dittrich é definir a sequência temporal das
consequências. Essas existem a curto e a longo prazo, o que significa considerar as possíveis
consequências decorrentes das consequências imediatas da ação. Consequências a longo prazo
estão intrinsicamente relacionadas com atitudes sustentáveis, mas no processo de decidir entre
dois cursos de ação é importante a liderança analisar quais consequências imediatas aumentariam
a probabilidade das que se almeja a longo prazo ocorrerem.
Por fim, tendo em vista o papel da história de vida no significado das consequências para a
pessoa e na determinação de comportamentos diante de contextos específicos, surge a hipótese
de que a história de vida influencia diretamente no fato de líderes priorizarem decisões
sustentáveis. Consequentemente, o caráter sustentável de uma empresa estaria diretamente
relacionado com as escolhas da liderança, tais como do CEO. Diante disso, quais seriam os
principais fatores que motivam o líder a tomar decisões sustentáveis dentro de uma empresa? A
entrevista com Alexandre, dono do supermercado Verdemar, referência de qualidade e
sustentabilidade em Belo Horizonte, será o estudo de caso para verificar a presente hipótese e
responder à pergunta.
3. METODOLOGIA
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Este artigo é caracterizado pelo método indutivo, pois apresenta uma generalização derivada
de observações de um caso da realidade concreta. Essas observações são apresentadas no
formato de um estudo de caso, utilizado como base para o desenvolvimento indutivo de uma
teoria (Eisenhardt et al, 2007). A escolha do estudo de caso foi feita com base no argumento
apresentado por Eisenhardt et al (2007), no qual afirmam que a construção de teorias com base
em estudos de caso é uma das melhores pontes – senão a melhor – entre a rica evidência
qualitativa e a pesquisa indutiva, uma vez que teorias criadas a partir de análise de casos reais
são mais consistentes, verificáveis e retestáveis. A análise em profundidade de um estudo de caso
único permite que a existência do fenômeno seja ricamente explorada e descrita, e se mostra
apropriada uma vez que o objetivo da presente pesquisa é desenvolver uma teoria e não testá-la
(Eisenhardt et al, 2007). Os dados foram coletados por meio de uma entrevista semi-estruturada
realizada com o dono do supermercado Verdemar. Cabe salientar que a entrevista foi analisada
por meio de abordagem do tipo Grounded Theory (Glaser & Strauss, 1967) e codificada de
acordo com a Análise de Discurso, em que codings e sub-codings foram criados com base nos
temas abordados pelo entrevistado. A pesquisa foi embasada nos pressupostos teóricos da
Análise do Comportamento.
Figura 2: Modelo das principais motivações das decisões sustentáveis.
Fonte: Autoria própria.
A história de vida pode ser dividas em fases, nas quais diferentes experiências são vividas e
influenciam em maior ou menor grau nas decisões tomadas no presente. A Figura 3 apresenta
essas fases e a distribuição dos fatores motivacionais destacados pelo entrevistado ao longo
dessas. As motivações expressadas como características sempre presentes na vida do
entrevistado, tais como inovar e abertura ao aprendizado, foram encaixadas na primeira fase. É
possível observar que a fase inicial da vida, relacionada ao período da infância à adolescência, e
as experiências profissionais mais recentes, tidas já no cargo de alta gerência, proporcionam os
principais motivadores para as tomadas de decisões sustentáveis. Os motivadores extrínsecos se
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concentram nas experiências profissionais e os intrínsecos na formação do líder enquanto sujeito,
o que ocorre predominantemente na fase inicial da vida.
FATORES MOTIVACIONAIS
FASE
DESTACADOS
Valores dos donos; contribuir para uma
sociedade melhor; influência da profissão dos
Infância à adolescência
pais; inovar; abertura ao erro e tomá-lo como
aprendizado.
Estudos -
Primeiras experiências profissionais Clientes.
Tendências do mercado; necessidade de educar
Experiências da alta gerência os funcionários em relação à sustentabilidade;
convicção.
Figura 3: Motivações e a fase da vida correspondente.
Fonte: Autoria própria.
A principal decisão sustentável identificada na fala do entrevistado foi a de incentivar a troca
de produtos descartáveis muito utilizados no varejo, como a sacola plástica, por modelos
ecologicamente responsáveis desses produtos, a sacola retornável, no caso. Esse incentivo foi
realizado por meio do investimento no caráter estético das sacolas retornáveis, visando torna-las
objeto de consumo dos clientes.
“Então virou uma coisa legal, as pessoas podem trazer uma sacola bonita e vir
consumir, não ser brega, não ser cafona ou não andar com uma coisa
desconectada. Eu acho que conectou essa questão da sustentabilidade ao
momento da compra, ao momento da compra do supermercado com uma
sacola retornável. Eu acho que isso é um grande marco, sem dúvida nenhuma.”
Essa decisão teve uma clara consequência ambiental, qual seja, a criação do hábito dos
clientes de fazer compra com sacolas retornáveis, banindo o uso das sacolas plásticas, como pode
ser observado atualmente nos supermercados Verdemar. A decisão também teve consequências
sociais ao permitir o acesso desse produto à população em massa por meio do baixo preço, o que,
consequentemente, trouxe a consequência econômica, resultante do grande número de vendas e
popularização do produto, e da divulgação da empresa atrelada à imagem positiva na mídia
espontânea.
“Eu pensei: como que transformo isso para ser uma coisa de massa, de
consumo – nós vendemos 200 mil, 300 mil sacolas. (...) Nós lançamos a sacola
na época por R$2,40, R$3,00. E nós trouxemos um lado fashion para a sacola
com um preço muito acessível. Isso foi um motivador também, eu quis fazer
isso.”
“Deu uma mídia espontânea muito grande, e o cliente recebeu isso, e nós vimos
o depoimento de várias pessoas comprando a sacola aqui e levando para o
interior para vender nas feiras, todo mundo andando com a sacola. Eu fui ao
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clube uma vez, quando lancei a sacola, e vi todo mundo indo para o clube com
a sacola. Então virou uma coisa legal, as pessoas podem trazer uma sacola
bonita e vir consumir, não ser brega, não ser cafona ou andar com uma coisa
desconectada.”
“Aos valores dos donos, dos administradores. Estão dentro dos nossos valores,
das nossas crenças. Se nós donos não tivéssemos as nossas crenças, as nossas
vontades, elas não fariam isso. Começa por aí, começa do topo da pirâmide.
Você pode ter certeza que isso veio do topo, veio da cultura lá trás, veio de
tudo, e isso continuou a ser valor.”
O entrevistado também abordou a motivação para inovar diversas vezes em seu relato,
mostrando-se como um fator motivacional intrínseco importante.
“Eu tenho dentro de mim um perfil de não gostar de fazer igual às coisas que
todo mundo faz. Tentar fazer as coisas diferentes. Adoro copiar, mas adoro
copiar e melhorar.”
“(...)depois eu fui perceber que muita coisa era em cima da obrigação legal,
transformando a obrigação legal de uma empresa em sustentabilidade. Eu fui
entender o que era isso, e pensei: ‘mas será que sustentabilidade é só obrigação
legal ou podemos ultrapassar isso?’. Então eu tentei.”
“Eu chamei o Ronaldo [Fraga], tive a ideia e falei: ‘Ronaldo, desenha uma
coleção de sacolas?’ E ele achou um barato a história.”
“Com certeza quando eu lancei a coleção de sacolas do Ronaldo Fraga, que fez
com que o consumo com sacola retornável tornasse fashion.”
Pelo fato da sustentabilidade ser um tema relativamente recente e novo para a realidade
corporativa, estar aberto ao erro e toma-lo como oportunidade de aprendizagem são
fundamentais para se tomar decisões sustentáveis.
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“Adoro viver das experiências ruins para não repetir as experiências ruins dos
outros, e viver das experiências boas e transformá-las em boas atitudes.”
Experiências da infância também são relembradas sob o pedido de falar sobre a trajetória
profissional, a qual, teoricamente, se inicia quando jovem. Nesse momento se destaca a
influência da profissão dos pais nas escolhas profissionais presentes, o que inclui a própria
escolha por trabalhar com a sustentabilidade.
Entretanto, experiências mais recentes também exercem sua influência, o que sugere a
capacidade que experiências tem de influenciar a promoção da sustentabilidade entre
profissionais de qualquer idade e atuação.
“Foi uma coincidência, o meu sobrinho é geólogo e ele tinha um amigo que
estava estudando sustentabilidade, que veio me ensinar, me dar uma noção dos
três pilares da sustentabilidade, dentro da questão do lado ecológico, do
econômico e social. E eu percebi que eu podia tornar isso viável dentro do
Verdemar, dentro de uma empresa e já sentindo que, de certa forma, é muito
pessoal.”
“Eu sempre me coloco com a visão do cliente, um cliente leigo, um cliente que
vai chegar ali e vai ter que tentar entender aquela mensagem que nós estamos
passando, que não é tão simples assim.”
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“(...)escutando cliente, conhecendo cliente, que isso eu considero, acima de
tudo, importante, isso engradece no dia-a-dia.”
“Em primeiro lugar, atualmente, para você ser empresa nesse país você tem
que aprender de ‘tudo’, estar atento à todas as tendências do que acontece.”
“(...) O nosso público alvo, o nosso negócio, é muito voltado para um público
de alto grau de instrução, de percepção, isso me torna uma pessoa que tem que
estar antenado às tendências que estão ligadas a esse público, que estão ligadas
aos acontecimentos do mundo. Acima de tudo, você tem que estar bastante
atento a isso.”
“De trazer algumas coisas que são bacanas, de eu estar viajando e ver que em
alguns países cobrava sacola (...)”
“Eu acho que isso tem muito a ver, esse lado de uma vontade e da dificuldade
também, porque é muito difícil hoje ‘culturar’ as pessoas sobre a
sustentabilidade, torna-las preocupadas. Eu acho que nós não nos
preocupamos. Essa é a realidade.”
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é isso, você entra em uma determinada empresa e você percebe os valores. E eu
acho que os nossos valores são bastante percebidos pelos nosso clientes.”
Para tomar decisões sustentáveis, é preciso ter a convicção de que é o certo e o melhor a
fazer, mesmo que a empresa tenha que se sacrificar em alguns momentos.
“Com uma convicção de que muitas coisas que eu fiz dentro do Verdemar, que
são sustentáveis, não são economicamente viáveis, mas veio de uma vontade,
de uma vocação, eu acho que minha e do Verdemar, e nem tudo o que a gente
faz em alguns momentos é economicamente viável.”
Na entrevista foi possível observar que experiências pessoais passadas exercem forte
influência nas decisões tomadas no presente, conforme defendido pela Análise do
Comportamento. Pela análise dos relatos obtidos foi possível reconhecer os principais fatores
motivacionais das decisões sustentáveis e a fase da vida ao qual correspondem.
5. CONCLUSÃO
Este artigo teve como objetivo relacionar a história de vida com as decisões sustentáveis de
um líder, com base nos pressupostos teóricos da Análise do Comportamento (Skinner, 2003). O
estudo em profundidade de um estudo de caso permitiu observar como experiências da história
de vida influenciam e motivam as decisões sustentáveis. Foi possível observar que a fase inicial
da vida, relacionada ao período da infância à adolescência, e as experiências profissionais mais
recentes, tidas já no cargo de alta gerência, proporcionam os principais motivadores para as
tomadas de decisões sustentáveis. Os motivadores extrínsecos se concentram nas experiências
profissionais e os intrínsecos na formação do líder enquanto sujeito, o que ocorre
predominantemente na fase inicial da vida. Nessa fase, os fatores motivacionais destacados
foram os valores pessoais dos donos da empresa, a vontade de contribuir para uma sociedade
melhor, a influência da profissão dos pais, a motivação para inovar, a abertura ao erro e a tomá-
lo como aprendizado. Nada foi mencionado, direta e especificamente, sobre a influência dos
estudos. O cliente foi o fator motivacional destacado das primeiras experiências profissionais,
enquanto que em relação ao cargo de gerência foram destacadas as tendências do mercado, a
necessidade de educar os funcionários em relação à sustentabilidade e a convicção de que se está
fazendo o certo ao tomar decisões sustentáveis.
Os resultados encontrados contribuem para o desenvolvimento e avanço do conhecimento
sobre a tomada de decisões sustentáveis no âmbito empresarial, ao levantar fatores motivacionais
importantes para os principais agentes dessas decisões, a liderança. Conhecendo melhor as
influências, é possível ter decisões mais conscientes e manusear melhor as contingências a favor
do desenvolvimento da sustentabilidade no contexto corporativo.
Esse artigo desenvolveu uma teoria com base na análise de uma experiência concreta, por
meio de abordagem do tipo Grounded Theory (1967). Pesquisas futuras podem apresentar outros
estudos de caso visando contribuir para o desenvolvimento e melhoria dessa teoria, seja por meio
de corroborações ou refutações. Estudos de caso múltiplos podem ser desenvolvidos por futuros
pesquisadores que objetivam testar a teoria argumentada nesse trabalho. Dessa forma, o gap
encontrado na literatura poderá ser preenchido e o conhecimento no tema avançado, contribuindo
para a maior disseminação de práticas sustentáveis eficientes.
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6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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