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BREVE ANÁLISE DO CONCEITO DE SOBERANIA

FRENTE À GLOBALIZAÇÃO

Caio Rodrigo Josué Dias1

Sumário: Introdução. 1 Conceito clássico de soberania. 2 O


fenômeno da globalização e a soberania. 3 As organizações
internacionais e o poder de intervenção nos estados membros.
Considerações finais.

Resumo: O presente estudo tem como objetivo a análise, ainda que de maneira breve,
do conceito de soberania diante do contexto de globalização em que o mundo se
encontra e que se mostra cada vez mais presente e integrado à realidade. Se questiona se
há que se falar em mitigação, supressão ou qualquer outra ideia que denote alienação do
poder soberano dos Estados às organizações de caráter internacional, principalmente,
supranacional. O presente estudo foi realizado a partir de levantamento bibliográfico e
confrontação das ideias dos estudiosos sobre o tema. Conclui-se que no atual cenário
global, não há que se cogitar hipótese de mitigação, alienação ou caminho que leve à
extinção da soberania. Trata-se, na verdade, de reorganização do ideal de soberania para
que possibilite a convergência dos mais diversos interesses dos Estados soberanos. Para
isso, os Estados, no mais pleno exercício da sua soberania, podem optar por delegar
parte do seu poder para se verem mais fortes e consolidados no cenário internacional.

Palavras-chave: Soberania. Globalização. Organizações internacionais e


supranacionais.

INTRODUÇÃO

A ideia de Estado tem sido objeto de estudiosos das mais diversas áreas há
muito tempo, sempre na tentativa de identificar as condições sociais que o fizeram
surgir e os caracteres que o estruturam. Como se destaca logo a seguir, de certa maneira,
é a doutrina pacífica no sentido de que são elementos do Estado: o povo, o território e a
soberania.
Poder soberano é considerado como um dos elementos essenciais ao Estado,
assim como o território e o povo. Dizem-se essenciais, pois necessários à caracterização
do mesmo. (DALLARI, 2013, p. 79)
Nessa perspectiva, é objeto do presente estudo uma breve análise do
conceito de soberania dos Estados em face do contexto global que se apresenta. É
1
Aluno do curso de Direito da Faculdade 7 de Setembro – Fa7. Estagiário da Procuradoria Geral de
Justiça, lotado na 29ª Promotoria de Justiça Cível da Comarca de Fortaleza. rodrigjosue@gmail.com
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pertinente tal tipo de pesquisa, uma vez que diante de um contexto globalizatório e a
maior intensidade de relações interestatais, bem como a maior interdependência implica
em reanálise de conceitos até certo ponto suficientemente firmes e consolidados. Dentre
eles está a ideia de soberania.
Com as organizações internacionais, que surgem em um contexto em que se
busca soluções pacíficas de conflitos, bem como convergência de interesses entre os
Estados, inicia-se, ainda que timidamente a abertura para que entes externos, pudessem,
ainda que não de forma direta, intervir das decisões dos Estados, e sobre aquilo que, em
princípio seria exclusiva competência deste. Em seguida, surgem as chamadas
organizações supranacionais que conseguem redimensionar parte da soberania dos
Estados com possibilidade de intervenção direta nos Estados e seus cidadãos.
Diante desse contexto, o presente estudo se volta à breve análise do conceito
de soberania diante do presente contexto global que hoje se apresenta, buscando
identificar se há, de fato, que se falar em mitigação ou fulminação da ideia de soberania
com a globalização. Ou seja, se não seriam conceitos suscetíveis de coexistência
pacífica.

1 CONCEITO CLÁSSICO DE SOBERANIA

Conforme Jellinek (apud Bonavides, 2012, p. 71) Estado “é a corporação de


um povo, assentada num determinado território e dotada de um poder originário de
mando”. Para Mendes (2012, eBook) “a soberania, no federalismo, é atributo do Estado
Federal como um todo.” Segundo Dallari (2013, p. 79) são elementos do Estado “a
soberania, o território, o povo e a finalidade”. Como se vê, portanto, soberania, poder
soberano, poder de mando etc. constituem, para boa parte da doutrina, um dos
elementos caracterizadores do Estado. Na sua falta, estaremos diante de outro conceito
que não aquele voltado aos chamados Estados soberanos ou Estado-nação.
Soberania, em sua conceituação geral, é o poder supremo, maior que
qualquer outro, que não pode ser questionado nem posto a prova, que não se submete a
nenhuma ordem superior.
Destaque-se que, do ponto de vista jurídico, o ideal de soberania verifica
dois aspectos que não se confundem. A soberania interna que diz respeito ao exercício
de poder pelo Estado em face dos seus próprios súditos e a soberania externa que
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concerne, em princípio, no respeito recíproco entre os Estados soberanos de não


intervirem nos aspectos internos e externos uns dos outros.
A soberania continua a ser concebida de duas maneiras distintas:
como sinônimo de independência, e assim tem sido invocada pelos
dirigentes dos Estados que desejam afirmar, sobretudo ao seu próprio
povo, não serem mais submissos a qualquer potência estrangeira; ou
como expressão de poder jurídico mais alto, significando que, dentro
dos limites da jurisdição do Estado, este é que tem o poder de decisão
em última instância, sobre a eficácia de qualquer norma jurídica.
(DALLARI, 2013, p. 90)

Para José Joaquim Gomes Canotilho (2003, p. 90) “a soberania, em termos


gerais e no sentido moderno, traduz-se num poder supremo no plano interno e num
poder independente no plano internacional.”
Quando do estudo histórico da soberania, verifica-se que aparece
inicialmente em seu aspecto interno, com a finalidade de garantir a distinção dos
poderes (competências) do monarca e de outras organizações sociais, como a burguesia,
até que se chega ao chamado poder supremo.
Durante a Idade Média, sobretudo depois do estabelecimento de
inúmeras ordenações independentes, é que o problema iria ganhar
importância, pois, entre outras inovações, as próprias atividades de
segurança e tributação iriam dar causa a frequentes conflitos,
desaparecendo a distinção entre as atribuições do Estado e as de outras
entidades, tais como os feudos e as comunas.
Até o século XII a situação continua mal definida, aparecendo
referências a duas soberanias concomitantes, uma senhorial e outra
real. Já no século XIII o monarca vai ampliando a esfera de sua
competência exclusiva, afirmando-se soberano de todo o reino, acima
de todos os barões, adquirindo o poder supremo de justiça e de polícia,
acabando por conquistar o poder legislativo. Assim é que o conceito
de soberano, inicialmente relativo, pois se afirmava que os barões
eram soberanos em seu senhorio e o rei era soberano em todo o reino,
vai adquirindo o caráter absoluto, até atingir o caráter superlativo,
como poder supremo. (DALLARI, 2013, p. 82-83)

Seis séculos após, início do século XIX, ganha destaque os ideais sobre
soberania externa. Em virtude das já consolidadas e contínuas expansões territoriais, às
potências da época interessava a proteção de suas conquistas, o que passou a se dar a
partir da gradual implementação da ideia de soberania e o respeito e reconhecimento
recíprocos entre os Estados (DALLARI, 2013, p. 85).
Vale, neste ponto, destacar o conceito de soberania em uma perspectiva
externa defendido por Max Huber (apud Cretella Neto, 2013, p. 49):

Soberania nas relações entre Estados significa independência.


Independência em relação a uma porção do globo é o direito de
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exercer, nesse território, excluindo qualquer outro Estado, as funções


de um Estado.

Com o intenso desenvolvimento e maior complexificação das relações


sociais, que passaram a ultrapassar em larga escala as fronteiras de suas nações, passou-
se a verificar cada vez mais conflitos no que concerne à soberania externa e as relações
internacionais. A partir da reorganização social sob um ponto de vista global há a
inafastável necessidade de aperfeiçoamento do que se tem entendido por soberania.
Conforme Bonavides (2012, p. 133)
[...] a crise contemporânea desse conceito envolve aspectos
fundamentais: de uma parte, a dificuldade de conciliar a noção de
soberania do Estado com a ordem internacional, de modo que a ênfase
na soberania do Estado implica sacrifício maior ou menor do
ordenamento internacional e, vice-versa, a ênfase neste se faz com
restrições de grau variável aos limites da soberania, há algum tempo
tomada ainda em termos absolutos; doutra parte, a crise se manifesta
sob o aspecto e a evidência de correntes doutrinárias ou fatos que
ameaçadoramente patenteiam a existência de grupos e instituições
sociais concorrentes, as quais disputam ao Estado sua qualificação de
ordenamento político supremo, enfraquecendo e desvalorizando por
consequência a ideia mesma de Estado.
Vê-se, portanto, que quando da análise a partir de um contexto global, onde
deveria haver a existência das relações interpessoais e internacionais aliadas à
conciliação com o ideal de soberania, o conceito desta sofre necessariamente algumas
adaptações diante dos conflitos decorrentes de tais situações.

2 O FENÔMENO DA GLOBALIZAÇÃO E A SOBERANIA

O processo globalizatório, apesar de só ter sido suscitado e discutido com


mais intensidade nos últimos tempos, resulta de um longo período de relações entre as
mais diversas nações, intensificado veementemente a partir das relações econômicas.
Decorre daí uma tendência natural a associar a globalização às relações econômicas.
Todavia, devemos notar que a economia é um dos elementos propulsores do
processo de globalização, talvez o mais relevante deles, mas não o único, pois tal
processo implica na intervenção nos mais diversos campos, seja político, cultural,
social, ambiental e, evidentemente, econômico. Nesse sentido, as palavras de Gilberto
Sartafi (apud, Serra Neto, 2013, p. 228) que enxerga a globalização como um processo
[...] no qual as tradicionais barreiras entre os Estados caem, fruto do
avanço tecnológico, que possibilita intensa troca de informações entre
as pessoas no mundo. Esse fenômeno é observado virtualmente em
todos os aspectos das relações humana [sic], incluindo não somente a
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economia, como também cultura, meio ambiente, educação, imprensa


etc. [...]

Nessa linha de raciocínio sobre os efeitos da globalização, Lewandowski


(apud, Serra Neto, 2013, p. 229) que a entende como resultado da
[...] universalização dos padrões culturais e da necessidade de
equacionamento comum dos problemas que afetam a totalidade do
planeta, como a degradação do meio ambiente, a explosão
demográfica, o desrespeito aos direitos humanos, a corrida
armamentista etc.

Diante de tal situação, fica cada vez mais latente a constatação de que a
globalização intervém direta e necessariamente no conceito de soberania externa, vez
que implica considerações acerca do exercício desta, o que leva a alguns considerarem a
existência de uma “crise da soberania” (MIRANDA, 2004, p. 86).
Não há dúvidas acerca dos intensos questionamentos e tentativas de
previsão dos destinos da ideia de soberania. De um lado há os que consideram que a
globalização tende a mitigar, relativizar, chegando a fulminar com o que hoje se entende
por soberania, como Lôbo (2001, online) que acredita que a globalização se encaminha
“[...] a transformar o globo terrestre em um imenso e único mercado, sem contemplação
de fronteiras e diferenças nacionais e locais”.
Maluf (apud Serra Neto, 2013, p. 238) aponta que: “[...] a soberania estaria
em via de extinção, se não mesmo extinta, pelo menos no que se refere ao seu conceito
clássico”.
Por outro lado, há quem defenda que a ideia de soberania é necessária à
manutenção da globalização e integração, não podendo, pois, a globalização reduzir o
conceito de soberania a ponto de torná-lo irrelevante.
Somente uma composição política, legislativa e jurídica, interna e
externa, pode levar à realização do ideal integracionalista. Esta
composição é resultado do mais puro exercício de soberania interna.
Donde se conclui que nestes processos, do mais simples modelo (zona
de livre comércio) aos mais avançados (integração econômica total) é
impróprio falar-se em mitigação ou 'alienação de soberania'. Insistir
nesta afirmativa significa retornar no tempo, aos primórdios do Direito
Internacional Clássico, é deter-se somente sob o aspecto interno da
soberania que privilegia as relações internas do Estado, criando
barreiras teóricas intransponíveis para a realização dos modernos
processos econômicos. (MORE apud GABRIEL, 2005, online)

Nessa última perspectiva, seja talvez, mais corente falar em adequação,


adaptação e outros termos que denotem uma reestruturação da soberania diante das
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novas organizações globais, sem que se vislumbre o fim ou quebra do conceito de


soberania.
Considerando os efeitos que o dinamismo global impõe ao mundo, como
bem suscitados acima, é interessante verificar a globalização a partir dos efeitos
políticos e culturais que dela emanam. Ou seja, se permitir vislumbrar em que medida a
(re)organização dos Estados no âmbito internacional implica readaptação do que as
mais variadas nações concebiam como exercício do poder soberano, seja no âmbito
interno ou externo.

3 AS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS E O PODER DE INTERVENÇÃO


NOS ESTADOS MEMBROS

Diante dos mais diversos conflitos enfrentados pelos Estados soberanos em


suas relações recíprocas, que na maioria das vezes, após frustradas as tentativas
diplomáticas para solução, só se resolviam mediante sangrentas guerras, viram-se
compelidos a iniciarem uma busca por meios pacíficos de resolução dos conflitos.
Antes, vale lembrar, que em decorrência do poderio absolutista que
encontrava seu fundamento de validade em outorga divina, os monarcas, de certo modo,
se valiam das guerras para fundamentar e legitimar cada vez mais os seus títulos de
nobreza e principalmente sua própria soberania. Dificultando, portanto, a emergência de
uma ordem comum e pacífica. Era através da conquista de territórios que tinham seus
poderes cada vez mais legitimados. (CRETELLA NETO, 2013, p. 45)
Assim, tem-se que “o Direito Internacional, em sua concepção clássica, em
nosso tempo, tenha origem em um direito da guerra, dado que era evento por demais
corriqueiro entre os Estados.” (CRETELLA NETO, 2013, p. 45)
O cenário supranarrado começa a apresentar pequenas modificações a partir
do século XV quando em busca de conciliar os interesses inerentes a mais de um
Estado, deu-se início a um processo de relações internacionais que bem se divide em
consulares e diplomáticas. Aquelas voltadas aos interesses comerciais, enquanto as
últimas à representação dos Estados. Interessa a nossa análise, pelo menos em princípio,
as relações diplomáticas, que encontraram sua organização como hoje se entende a
partir do século XV. Sabe-se que as relações consulares encontram suas origens desde
os gregos e romanos.
Todavia, nesse período, as relações diplomáticas eram ainda tímidas e
bilaterais. Quando multilaterais, compostas por um pequeno número de membros, não
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possibilitando discussões sobre temas que envolvessem interesses legítimos de mais de


dois ou três Estados. Diante da insuficiência das relações estritamente bilaterais,
destacava-se a necessidade de uma cooperação internacional para que pudesse se
organizar e desenvolver ações de maiores proporções com vistas ao interesse da
sociedade para além das fronteiras de seus respectivos Estados.
A crescente necessidade de cooperação internacional, nos mais
diversos campos de aplicação do Direito, fez levar à criação e
desenvolvimento de instituições internacionais, capazes de coordenar
os interesses da sociedade internacional relativos a diversas
finalidades. À medida que o Direito Internacional se institucionaliza,
ele deixa de ser um direito das relações bilaterais ou multilaterais
entre os Estados para tornar-se um direito cada vez mais presente nas
chamadas organizações internacionais. (MAZZUOLLI, 2013, p. 629)

As organizações internacionais com os perfis de que hoje assumem são


resultado de uma estruturação moderna e relativamente recente. Provem de uma lenta e
gradual evolução das relações bilaterais e multilaterais, tendo o século XIX como marco
temporal da definição dos contornos que hoje as qualificam (MAZZUOLLI, 2013, p.
629).
A criação das organizações internacionais depende do consenso de outros
sujeitos de direito internacional (Estados e/ou outras organizações internacionais) e a
elas se atribui atividades específicas, conforme se define em seu ato constitutivo. Desse
modo, há organizações com as mais variadas finalidades, podendo se considerar desde a
Organização das Nações Unidas – ONU, que tem como objetivo a promoção na paz
mundial até a União Postal Universal – UNU que tem por finalidade regular o trânsito
postal em nível transnacional. “Resulta que suas atividades são estabelecidas por forças
exteriores, sobre as quais não exercem controle” (CRETELLA NETO, 2013, p. 81).
Conforme Cretella Neto (2013, p. 94), são características das organizações
internacionais: “a) são criadas por tratado internacional; b) praticam atos conforme lhes
autoriza o respectivo estatuto; c) são dotadas de competência funcional”, não territorial;
“d) são disciplinadas em grande medida, diretamente pelo Direito Internacional”.
Mazzuoli (2013, p. 632) define organização internacional como
[...] associação voluntária de sujeitos do Direito Internacional, criada
mediante tratado internacional (nominado de convênio constitutivo) e
com finalidades predeterminadas, regida pelas normas do Direito
Internacional, dotada de personalidade jurídica distinta da dos seus
membros, que se realiza em um organismo próprio e estável, dotado
de autonomia e especificidade, possuindo ordenamento jurídico
interno e órgãos auxiliares, por meio dos quais realiza os propósitos
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comuns dos seus membros, mediante os poderes próprios que lhes são
atribuídos por estes.

Tais organizações podem ser classificadas a partir de vários critérios, como


por exemplo, quanto à extensão do campo de atividade (vocação geral e regionais);
quanto à extensão de suas funções (cooperação e integração); quanto à participação dos
membros (universais e restritas); quanto à distinção entre organizações tradicionais e
supranacionais etc.
No presente momento, nos é oportuno dispensar breve análise acerca do
último critério, fundamental à nossa pesquisa. Ou seja, a classificação quanto à
distinção entre organizações tradicionais e supranacionais.
As organizações tradicionais são caracterizadas como aquelas entidades
criadas por Estados que permanecem com algum tipo de poder sobre elas e as financiam
e principalmente por não serem as normas por elas produzidas imediatamente aplicadas
(incorporadas) nos ordenamentos internos dos Estados membros, não tendo o condão de
vinculá-los às suas decisões (CRETELLA NETO, 2013, p. 108).
Por organizações supranacionais se entende aquela que se organiza de tal
forma que os próprios Estados instituidores, cedendo parte da sua soberania, permitem
interferência da organização internacional em seus aspectos externos, havendo, em certa
medida, incorporação de normas produzidas pela organização, no direito interno de cada
país, bem como vinculação dos Estados em relação às decisões tomadas. Conforme
Cretella Neto (2013, p. 108), na hipótese de organizações supranacionais, é comum
haver maior grau de integração econômica e política entre os Estados que a instituem e
observam as seguintes características:
a) Os órgãos da organização são integrados por pessoas que não são
representantes dos governos dos países-membros; b) Os órgãos
podem tomar decisões mediante voto majoritário; c) As
organizações têm autoridade para adotar atos vinculantes, como
decisões; d) alguns desses atos possuem efeito jurídico direto
sobre pessoas físicas e jurídicas de Direito Privado; e) o tratado
constitutivo dessas espécies de organização e as medidas adotadas
pelos seus órgãos passam a constituir uma nova ordem jurídica e
f) o cumprimento das obrigações dos países membros e a validade
dos atos adotados pelos órgãos da organização estão sujeitos à
revisão judicial por um tribunal de justiça independente.

Tratando da interferência de entes internacionais no âmbito interno dos


Estados, em virtude da globalização e da interdependência dos Estados cada vez mais
presente, considera Rocha (apud Serra Neto, 2013, p. 238):
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[...] a globalização gerou modificações importantes em todas as áreas:


economicamente, há a desnacionalização da capacidade de
gerenciamento do Estado nacional; politicamente, os países integram
comunidades supranacionais com gradativa interferências nas, até
então, competências privativas do Estado e socialmente há o enigma
da cultura plural.

Como exemplo prático de organização supranacional, temos a União


Europeia. Pelas características apontadas em relação às organizações supranacionais, é
constatável o poder que as mesmas têm em interferir no âmbito interno dos seus Estados
membros, pois nesse tipo de organização, há transferência, por meio de acordo de
vontades, de parcela da soberania dos Estados para a organização internacional. Há,
entretanto, quem veja a situação de maneira diferente, considerando que não há
transferência de parcela da soberania, mas sim, exercício da própria soberania pelo
Estado membro para conceder competências à organização supranacional.
Na primeira linha de raciocínio, manifesta-se Cretella Neto (2013, p. 108)
considerando que nas organizações supranacionais pode-se “afirmar que a
transferência [destacou-se] de soberania dos Estados-membros ao nível internacional é
bastante mais acentuada.” Mazzuoli (2013, p.675), em relação a União Européia, fala
em delegação de direitos soberanos:
Daqueles predecessores descritos no tópico anterior, baseados no
projeto de interdependência (mediante integração) da Europa, nasce a
União Europeia (UE), organizada sob a ótica da delegação (para essa
terceira instância) de alguns dos direitos soberanos dos Estados.

Cumpre destacar também o as palavras de Serra Neto (2013, p. 241):


Neste caso se vê não o fim da soberania nacional em detrimento do
órgão comunitário. Percebe-se, em verdade, que o Estado no exercício
legítimo de sua soberania, delega parcela de suas competências. Ou
seja, a soberania em si não é perdida, delegar não significa alienar,
transferir em definitivo, podendo suas competências serem recobradas
a qualquer tempo, por mais difícil que isso possa ser na realidade
prática.

Como se vê há um intenso questionamento e opiniões um tanto quanto


diversas a respeito do conceito de soberania no atual contexto global em que vivemos.
Interessante é a indagação levantada por Rocha (apud Serra Neto, 2013, p. 238) sobre o
assunto, que bem exalta um dos objetos deste estudo. Veja-se:
[...] a soberania passa por um necessário questionamento quanto a sua
validade, ou melhor, a pergunta é: ainda resta espaço político para a
manutenção do conceito ou ele precisa urgentemente modificar-se
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para, respondendo às expectativas do mundo globalizado, poder


contribuir para a busca de soluções comuns?

É de se notar, então correntes dúvidas acerca da capacidade de reafirmação


e manutenção daquilo que até então se concebeu por soberania. Diante da reorganização
global, que não de hoje se vê, é presente a necessidade de uma reconstrução do ideal de
soberania, principalmente em virtude da atual relação de dependência recíproca
existente entre os Estados. Sabemos que diante do cenário mundial, os Estados são
incapazes de, isoladamente, suprirem suas necessidades e resolverem seus conflitos.
Trata-se da necessidade de conjugar esforços para o bem comum.
Como exemplo de reestruturação da ideia de soberania, considere-se a
União Européia, onde os Estados se desvencilham de pequena parcela de sua soberania
para instituir uma organização de caráter internacional que se dedique a objetivos
comuns aos Estados, facilite-lhes o crescimento e permita uma mais adequada solução
de controvérsia. Considera-se que é mais atrativo abrir mão de parcela da soberania para
formar um corpo mais denso e bem estruturado, que conjuntamente melhor pode
enfrentar a dinâmica internacional, do que, em nome de um ideal, em parte
ultrapassado, manter-se isolado, mas sem a necessária força para a atuação
internacional. Nesse sentido Lewandowski (apud, Serra Neto, 2013, p. 240) considera
que é melhor “[...] limitar alguma das prerrogativas estatais, mantendo-se forte na
unidade, do que permanecer isolados e fracos e com a soberania fortemente intacta.”

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A necessidade de organização humana se mostra presente desde as


primeiras relações interpessoais. É evidente que na medida em que essas relações se
expandem e atingem novas perspectivas as formas de organização e as regras a elas
aplicáveis devem também se estender, de maneira tal que permita sua adequação às
novas realidades que sejam apresentadas.
Diferente não ocorre com o ideal de soberania, que, como vimos, é um
dos princípios basilares que norteiam as relações entre Estados soberanos. É constatável
que diante de uma nova realidade global onde as relações interestatais acontecem de
maneira bem mais intensa, bem como que os Estados soberanos são reciprocamente
dependentes, se faz necessário repensar e reorganizar, do ponto de vista global,
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conceitos e estruturas para que se possa chegar aos objetivos comuns almejados pelos
Estados. Em relação aos objetivos não comuns, que se busque meios pacíficos de
convergência dos interesses inicialmente divergentes.
Nesse contexto, já bem apresentado, o ideal de soberania passou por
algumas transformações, chegando a se questionar se tais transformações não teriam o
condão de romper com esse que é um dos elementos essenciais do Estado.
Em verdade, pela análise das considerações feitas, entendemos não haver
uma fulminação da soberania ou um caminho que se esteja trilhando que leve a isso.
Verificamos que as organizações internacionais, dentre elas as supranacionais, não são
titulares de poderes originários como ocorre com os Estados, mas sim de poderes
derivados. Ou seja, a sua existência depende direta e exclusivamente da vontade dos
Estados em instituí-las. Não havendo obstáculos em seus respectivos ordenamentos
internos, podem, os Estados, no exercício pleno da sua soberania, delegar competências
que seriam, a priori, exclusivamente suas, a um ente organizacional de caráter
supranacional, aceitando, inclusive, se sujeitar às decisões deste.
Observe-se que não seria adequado, pelo menos no atual contexto, valer-
se de adjetivos que, erroneamente, nos leve a compreender que o fenômeno que se
analisa caracteriza uma alienação da soberania dos Estados ao ente internacional. Na
verdade, o que ocorre é, de fato, uma delegação, fazendo surgir, pela via derivada, uma
instituição de caráter supranacional que recebe delegação de alguns dos poderes que
antes eram inerentes aos seus membros.
Reafirma-se ainda a ideia de delegação quando se verifica a possibilidade
do Estado soberano recobrar os seus poderes, uma vez que a organização internacional
encontra o seu fundamento de validade na vontade dos Estados expressa por meio do
seu tratado constitutivo, que pode ser revisto e, inclusive, desconstituído.
De tal maneira, o Estado soberano, ao aderir a um sistema comunitário
como o europeu não se vê distanciado da sua soberania. Esta é mantida tanto do ponto
de vista interno, quanto do ponto de vista externo. O que há, repita-se, é delegação de
partes, definida por meio de tratado, do poder soberano do Estado.
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REFERÊNCIAS

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CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição.


7. ed. Coimbra: Almedina, 2003.

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