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RESUMO
INTRODUÇÃO
Havia uma disputa sobre o que era ser moderno. Nas artes plásticas do final do
século XIX e começo do século XX, no Brasil, o artista com vistas ao moderno
procurava romper com a perspectiva idealista e oficial da arte produzida durante o
Império, por meio da inserção de temas novos, ou interpretações mais críticas e
independentes igualmente alinhadas com tendências internacionais. Fato é que a arte do
século XIX foi desvalorizada, acusada de ser incapaz de entender o presente, por
consequência da autoafirmação dos “modernos” como artistas anti-burgueses que
representavam uma ruptura com a arte de mercado. O contraponto com a arte produzida
até então no Brasil e sua sistemática desconstrução favoreceu a institucionalização do
olhar modernista.
Para compreender o processo de institucionalização desse olhar é preciso
diferenciar a história da Semana de Arte Moderna de 1922 em relação à memória do
Modernismo nacional. Construiu-se em torno da história da primeira um mito fundador
do Modernismo brasileiro, a Semana é reconhecida como um acontecimento
emblemático do desejo coletivo de uma geração de tornar visíveis as novas ideias que
inquietavam o campo cultural. Ela representou:
Frederico Coelho em seu livro “A Semana Sem Fim” mostra que a cada ano as
memórias da Semana de 1922 são convocadas pelos contemporâneos no intuito de
realinhar criticamente suas épocas e que entre idas e vindas, oferece à população um
sentido de pertencimento nacional por meio da cultura (COELHO, 2012). Uma vez que
a partir dos modernistas dos anos 20, há uma substituição do conceito de “raça” pelo
conceito de “cultura” para pensar a nação brasileira, verifica-se também o
fortalecimento da pintura brasileira vinculada a uma plataforma nacionalista. Tornou-se
quase obrigatório pintar com temáticas nacionalistas.
Importante também ressaltar a força o paradigma paulista acerca do que foi o
Modernismo brasileiro, isto é, a compreensão do movimento modernista como resultado
natural do momento histórico de São Paulo e o consenso que se criou em torno da
Semana de Arte Moderna de 1922 como o momento de nascimento desse novo
momento cultural do Brasil. Nesse sentido, até mesmo Getúlio Vargas endossou essa
perspectiva: “as forças coletivas que provocaram o movimento revolucionário do
Modernismo na literatura brasileira que se iniciou com a Semana de Arte Moderna, em
1922, em São Paulo, foram as normas que precipitaram no campo social e político a
revolução de 1930”.1
Revisitar o Modernismo traz caminhos múltiplos e com diversos pontos de
chegada, tantas são as possibilidades de interpretação da cultura brasileira. “O grande
triunfo do Modernismo foi permanecer como um motor permanente entre a invenção e a
tradição no Brasil do século XX” (COELHO, 2012).
Frederico Coelho mostra que, a partir de 1950 o Modernismo passa a ser objeto,
não mais de desmonte crítico, mas de legitimação do seu papel determinante em nossa
cultura. “A Semana não houve. Está havendo. ” Rebateu Oswald de Andrade às críticas
de Luiz Martins. Havia muitas questões em trânsito e em conflito aberto sobre a semana
de 1922. Em 1952 não houve comemoração da Semana, apesar disso, Oswald capta o
momento em que a comunidade universitária em literatura passa a endossar o papel
capital do Modernismo para as gerações futuras. À época, ele defendia sozinho o legado
da Semana. Mario de Andrade estava morto, Manuel Bandeira dizia não se interessar
1
VARGAS, Getúlio. Mensagem ao Congresso Nacional. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1952 apud
COELHO, Frederico. A Semana Sem Fim: celebrações e memória da Semana de Arte Moderna de 1922.
Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2012.
mais pelos assuntos do Modernismo, já Sergio Buarque de Holanda se isentava do
debate. Este, em 1952, escreve criticando a simplificação do debate entre entusiastas
memorialistas e combatentes dos eventos de fevereiro de 1922 e atribui tal
reducionismo simplista a maneira como os modernistas homogeneizaram o movimento
a fim de dar-lhe um perfil unitário, que resultou impreciso. Tal simplificação mentirosa
serve tanto a seus “apologistas inadvertidos” como aos seus mais “rancorosos
detratores” (COELHO, 2012).
2
CANDIDO, Antonio. “Literatura e cultura de 1900 a 1945”, in: Literatura e Sociedade – Estudos de
teoria e história literária. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2010, 11 edição, p.19 apud COELHO,
Frederico. A Semana Sem Fim: celebrações e memória da Semana de Arte Moderna de 1922. Rio de
Janeiro: Casa da Palavra, 2012.
conformaram a sociedade brasileira. Diante disso, há um fortalecimento tanto do erudito
quanto do popular. Com o objetivo de redescobrir traços originais e singulares,
representativos da cultura brasileira, os Modernistas passam a pesquisar e classificar
nossos acervos e tradições. Com a intenção de ter um panorama geral da cultura
brasileira, os Modernistas realizavam viagens pelo interior do Brasil conhecendo
manifestações artísticas e fazendo registros e etnografias. “Entre as observações se
distinguia as que deveriam ser afirmadas como “patrimônio lúdico e estético” e as que
deveriam ser superadas por se remontarem a arcaísmos remanescentes da tradição
patriarcal” (MADEIRA, VELOSO, 1999).
...para Brito, bem como para a geração que lhe sucedeu e que hoje
detém uma posição de prestígio na crítica cultural nacional, as
primeiras produções modernistas não foram propriamente modernas.
Por estarem incumbidas de representar uma “cultura genuinamente
nacional”, consistiram antes em um “rito de passagem para a
modernidade”. E o fizeram “paradoxalmente às custas da conquista
cultural moderna por excelência: a autonomia da experiência do eu
lírico moderno e sua entrega total à aventura da obra” (BRITO, [1975]
2005, p. 137). Em seu entender, apenas na década de 1950, com o
triunfo das linguagens abstratas no país (o concretismo) e, em
especial, com a internacionalização promovida com as Bienais de Arte
de São Paulo, é que se configurou uma consciência estética
propriamente moderna no Brasil (BRITO, 1985)3.
Por outro lado, a historiadora da arte Annateresa Fabris, defende que mesmo que
as obras dos modernistas não possam ser consideradas modernas de acordo com os
critérios de Greenberg, elas são modernas à medida que produziram uma consciência
estética e cultural nova e radical para os meios locais (FABRIS, 1994b). “Paradoxal
vanguarda a nossa, dividida entre passado e presente, ainda incerta sobre o significado
da arte moderna, polêmica em relação a algumas de suas propostas mais extremistas,
mas assim mesmo consciente da necessidade de uma ação violenta se quisessem
imprimir novos ritmos à criação cultural no Brasil” (FABRIS, 1994a, p. 24-25 apud
SIMIONI, 2015, p. 10).
Contudo, à luz da teoria sociológica de Pierre Bourdieu, devemos analisar o
como um fenômeno relacional e histórico. O posicionamento de Greenberg é passível
de crítica por se colocar como uma teoria pura quando em realidade só se materializou
pela história e pelo lugar de fala de Greenberg, que favoreceu a conformação de uma
universalização do padrão estético.
3
SIMIONI, Ana Paula C. “Modernisme brésilien: entre la consécration et la contéstation », Perspective-
INHA, Paris, 2014 (numèro sur le Brésil). https://perspective.revues.org/3893?lang=pt;
traduz a partir da teoria do gosto e do impacto da obra sobre o espectador. E de outro
lado, pela teoria do gênio ao se interpretar o artista moderno. Quem fez a obra de arte
importa e muito, a obra já não se restringe a sua materialidade. Dessa forma, na
modernidade há uma inversão dos processos. O artista passa a ser valorizado pela
inovação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
4
Idem
que não se pensa, apenas se vive” (COELHO, 2012, p. 137). O Modernismo brasileiro
constituiu um novo habitus em nosso campo cultural.
BOURDIEU, Pierre. “As regras da arte: gênese e estrutura do campo literário”. São
Paulo: Companhia das Letras, 1996.
COELHO, Frederico. A Semana sem fim.RJ: Cada da Palavra, 2012.
FABRIS, Annateresa. “Modernidade e vanguarda: o caso brasileiro”, In: Modernidade e
Modernismo no Brasil.Campinas: Mercado de Letras, 1994.
GREENBERG, Clement. “Modernist painting”,Forum Lectures, 1960: In
http://cas.uchicago.edu/workshops/wittgenstein/files/2007/10/Greenbergmodpaint.pdf
MADEIRA, Angélica; VELOSO, Marisa. “Leituras Brasileiras: Itinerários no
Pensamento Social e na Literatura”, São Paulo, Paz e Terra, 1999.
SIMIONI, Ana Paula C. “Modernisme brésilien: entre la consécration et la
contéstation », Perspective-INHA, Paris, 2014 (numèro sur le Brésil).
https://perspective.revues.org/3893?lang=pt
SIMIONI, Ana Paula Cavalcanti; STUMPF, Lucia. “O Moderno antes do Modernismo:
paradoxos da pintura brasileira no nascimento da República”. Teresa (USP), v. 14, p.
111-130, 2014.