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Instituto de Estudos Brasileiros

Programa de Pós-graduação em “Culturas e Identidades Brasileiras”


Disciplina: Arte e Sociedade
Professora: Doutora Ana Paula Simioni
Mestranda: Luana Nascimento de Lima Souza
Número USP: 9526503
Data: 12/2015

A institucionalização do olhar: o triunfo do


Modernismo no campo artístico.

RESUMO

O presente artigo traz uma contextualização sobre o Modernismo brasileiro e a Semana


de Arte Moderna de 1922 como o momento que constitui seu mito fundador dialogando
com o conceito de campo de Pierre Bourdieu e com o papel que a crítica desempenha no
campo artístico a fim de evidenciar a institucionalização do olhar modernista no Brasil.

Palavras-chave: Modernismo, Semana de Arte Moderna, campo, institucionalização.

INTRODUÇÃO

A consolidação do projeto Modernista como o grande projeto cultural brasileiro


é resultado da relação entre a consolidação do modernismo em perspectiva histórica e o
papel da crítica de arte. O Modernismo, entendido como o movimento cultural que se
fortaleceu em torno da Semana de Arte Moderna de 1922, representou uma abertura de
possibilidades para a cultura brasileira, trazendo da investigação do passado, leituras da
nossa realidade sócio-histórica que apontavam um presente e um futuro alinhados com a
modernidade internacional. No sentido de aprofundar a reflexão sobre as conexões entre
as produções artísticas e os projetos culturais das elites políticas e intelectuais nacionais,
pretende-se aqui, traçar um panorama histórico pós Semana de Arte Moderna, a partir
do diálogo com a obra de Frederico Coelho e Ana Paula Simioni. Complementarmente,
explora-se o conceito de campo de Pierre Bourdieu trazendo elementos que evidenciem
o triunfo modernista no campo cultural a partir do papel desempenhado pela crítica de
arte de Greenberg e Antônio Candido.

O TRIUNFO E SEUS DESDOBRAMENTOS

Havia uma disputa sobre o que era ser moderno. Nas artes plásticas do final do
século XIX e começo do século XX, no Brasil, o artista com vistas ao moderno
procurava romper com a perspectiva idealista e oficial da arte produzida durante o
Império, por meio da inserção de temas novos, ou interpretações mais críticas e
independentes igualmente alinhadas com tendências internacionais. Fato é que a arte do
século XIX foi desvalorizada, acusada de ser incapaz de entender o presente, por
consequência da autoafirmação dos “modernos” como artistas anti-burgueses que
representavam uma ruptura com a arte de mercado. O contraponto com a arte produzida
até então no Brasil e sua sistemática desconstrução favoreceu a institucionalização do
olhar modernista.
Para compreender o processo de institucionalização desse olhar é preciso
diferenciar a história da Semana de Arte Moderna de 1922 em relação à memória do
Modernismo nacional. Construiu-se em torno da história da primeira um mito fundador
do Modernismo brasileiro, a Semana é reconhecida como um acontecimento
emblemático do desejo coletivo de uma geração de tornar visíveis as novas ideias que
inquietavam o campo cultural. Ela representou:

O ápice da movimentação de um grupo de artistas e intelectuais que


tinham, mesmo que de forma confusa, a intenção estratégica de mudar
certos aspectos da produção cultural brasileira, e que vinham se
articulando a partir de amizades, alianças, polêmicas e demarcações
explícitas de espaço no campo cultural de São Paulo (COELHO, 2012,
p. 33).

Frederico Coelho em seu livro “A Semana Sem Fim” mostra que a cada ano as
memórias da Semana de 1922 são convocadas pelos contemporâneos no intuito de
realinhar criticamente suas épocas e que entre idas e vindas, oferece à população um
sentido de pertencimento nacional por meio da cultura (COELHO, 2012). Uma vez que
a partir dos modernistas dos anos 20, há uma substituição do conceito de “raça” pelo
conceito de “cultura” para pensar a nação brasileira, verifica-se também o
fortalecimento da pintura brasileira vinculada a uma plataforma nacionalista. Tornou-se
quase obrigatório pintar com temáticas nacionalistas.
Importante também ressaltar a força o paradigma paulista acerca do que foi o
Modernismo brasileiro, isto é, a compreensão do movimento modernista como resultado
natural do momento histórico de São Paulo e o consenso que se criou em torno da
Semana de Arte Moderna de 1922 como o momento de nascimento desse novo
momento cultural do Brasil. Nesse sentido, até mesmo Getúlio Vargas endossou essa
perspectiva: “as forças coletivas que provocaram o movimento revolucionário do
Modernismo na literatura brasileira que se iniciou com a Semana de Arte Moderna, em
1922, em São Paulo, foram as normas que precipitaram no campo social e político a
revolução de 1930”.1
Revisitar o Modernismo traz caminhos múltiplos e com diversos pontos de
chegada, tantas são as possibilidades de interpretação da cultura brasileira. “O grande
triunfo do Modernismo foi permanecer como um motor permanente entre a invenção e a
tradição no Brasil do século XX” (COELHO, 2012).
Frederico Coelho mostra que, a partir de 1950 o Modernismo passa a ser objeto,
não mais de desmonte crítico, mas de legitimação do seu papel determinante em nossa
cultura. “A Semana não houve. Está havendo. ” Rebateu Oswald de Andrade às críticas
de Luiz Martins. Havia muitas questões em trânsito e em conflito aberto sobre a semana
de 1922. Em 1952 não houve comemoração da Semana, apesar disso, Oswald capta o
momento em que a comunidade universitária em literatura passa a endossar o papel
capital do Modernismo para as gerações futuras. À época, ele defendia sozinho o legado
da Semana. Mario de Andrade estava morto, Manuel Bandeira dizia não se interessar

1
VARGAS, Getúlio. Mensagem ao Congresso Nacional. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1952 apud
COELHO, Frederico. A Semana Sem Fim: celebrações e memória da Semana de Arte Moderna de 1922.
Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2012.
mais pelos assuntos do Modernismo, já Sergio Buarque de Holanda se isentava do
debate. Este, em 1952, escreve criticando a simplificação do debate entre entusiastas
memorialistas e combatentes dos eventos de fevereiro de 1922 e atribui tal
reducionismo simplista a maneira como os modernistas homogeneizaram o movimento
a fim de dar-lhe um perfil unitário, que resultou impreciso. Tal simplificação mentirosa
serve tanto a seus “apologistas inadvertidos” como aos seus mais “rancorosos
detratores” (COELHO, 2012).

Entre os acontecimentos mais expressivos da consolidação do Modernismo, e da


Semana de Arte Moderna como seu ponto de partida, está o ensaio de Antônio Candido
“Literatura e Cultura de 1900 a 1945” em que o crítico literário define como os dois
grandes momentos da literatura brasileira o Romantismo, no século XIX (1836-1870), e
o Modernismo, do século XX (1922-1945) 2. Coelho mostra em seu livro a mudança do
comportamento da crítica a partir do ensaio de Antônio Candido e a delimitação que se
traz ao estabelecer como marco inicial do Modernismo a Semana de 1922, considera
ainda que data de 1945 a morte física de Mario de Andrade ao passo que Oswald de
Andrade, Manuel Bandeira, Drummond, Sérgio Buarque, Menotti Del Picchia, Tarsila
do Amaral, Di Cavalcanti, todos continuavam vivos e indaga “se Mario estivesse vivo o
Modernismo teria acabado em 1945?”. O texto de Antônio Cândido torna o
Modernismo um cânone não apenas literário, mas também intelectual político e estético.

O Modernismo atualmente é considerado um divisor de águas na cultura


brasileiro por ter sido a primeira vez em que os intelectuais brasileiros assumiram uma
atitude positiva diante da diversidade étnica, das contradições e da riqueza cultural,
afirmando a força da cultura mestiça que aqui se constituiu. Os Modernistas faziam
conexões entre os conceitos civilização, cultura e nação trazendo novas perspectivas ao
olhar contemporâneo brasileiro. Havia uma preocupação em entender as raízes
históricas do Brasil e ao mesmo tempo de se inserir nos debates das grandes metrópoles
mundiais.

A partir da substituição do conceito de “raça” pelo de “cultura”, há uma


valorização das manifestações e práticas estéticas produzidas pelas diversas culturas que

2
CANDIDO, Antonio. “Literatura e cultura de 1900 a 1945”, in: Literatura e Sociedade – Estudos de
teoria e história literária. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2010, 11 edição, p.19 apud COELHO,
Frederico. A Semana Sem Fim: celebrações e memória da Semana de Arte Moderna de 1922. Rio de
Janeiro: Casa da Palavra, 2012.
conformaram a sociedade brasileira. Diante disso, há um fortalecimento tanto do erudito
quanto do popular. Com o objetivo de redescobrir traços originais e singulares,
representativos da cultura brasileira, os Modernistas passam a pesquisar e classificar
nossos acervos e tradições. Com a intenção de ter um panorama geral da cultura
brasileira, os Modernistas realizavam viagens pelo interior do Brasil conhecendo
manifestações artísticas e fazendo registros e etnografias. “Entre as observações se
distinguia as que deveriam ser afirmadas como “patrimônio lúdico e estético” e as que
deveriam ser superadas por se remontarem a arcaísmos remanescentes da tradição
patriarcal” (MADEIRA, VELOSO, 1999).

Na década de 1920, ficou evidente a necessidade de uma renovação estética e de


se formar um juízo crítico sobre os traços coloniais presentes na sociedade brasileira.
Com irreverência e criatividade, os modernistas enfrentaram e desdramatizaram a
condição de país economicamente periférico e culturalmente colonizado. Havia um
comprometimento dos modernistas com um ideal coletivo, muito deles atuaram como
homens públicos integrando grupos para realização de eventos, edições de livros e
revistas e fundando entidades culturais de enorme relevância para a política cultural do
Brasil como o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

“Traço marcadamente renovador do Modernismo brasileiro diz


respeito à vinculação entre ética, estética e política. Aqueles
intelectuais, imbuídos que estavam em sentido de missão, conscientes
de que eram atores de novos agenciamentos sociais, sentiam-se
capazes de transformar a sensibilidade estética e, ao mesmo tempo,
promover transformações institucionais para organização da cultura.”
(MADEIRA, VELOZO, 1999, p. 93).

Diferentemente das vanguardas internacionais, o Modernismo brasileiro tinha


uma interpretação positiva do passado histórico e da tradição. Havia uma estratégia de
releitura e reorientação do sentido das narrativas fundadoras da cultura brasileira. Estava
presente a exaltação ao progresso paralela à valorização seletiva do passado. Nesse
sentido, o barroco brasileiro passa a ser valorizado como detentor de valor artístico
universal.

A ideologia nacionalista foi o eixo aglutinador entre os modernistas imbuídos do


sentido de missão na reinterpretação do povo, da cultura e da nação brasileira.
Paralelamente ao inexorável processo de modernização da sociedade brasileira, houve a
consolidação definitiva da modernidade no âmbito das ideias por meio do
fortalecimento de novas categorias simbólicas e de novas narrativas de interpretação da
cultura, da nação e do povo brasileiro. Este tido como algo a ser tutelado, conduzido e
para tal não haveria melhores candidatos que os intelectuais com seu sentido de nação.

Para Ana Paula Simioni, a produção da primeira fase do Modernismo (entre


1910 e 1940) obteve um reconhecimento singular na história da cultura no Brasil:

Suas principais obras foram, e ainda são vistas como artefatos


materiais capazes de cristalizar simbolicamente uma cultura nacional
de valor internacional. A elas foram atribuídos não apenas valores
artísticos, mas também valores culturais e políticos mais amplos,
como o de símbolos identitários (SIMIONI, 2015, p.2).

Em seu artigo “Modernismo brasileiro entre a consagração e contestação”,


Simoni relata como muitos dos modernistas desenvolveram seu sentido de nação a
partir de suas produções no exterior. A interface entre a temática nacionalista e a
roupagem vanguardista compõe algumas das bases do Modernismo brasileiro. O pintor
Di Cavalcanti ao realizar, em Paris, seus primeiros desenhos de mulatas – “tema que se
tornou emblemático de seu trabalho e foi diversas vezes explorado em suas obras até o
fim de sua vida” (SIMIONI, 2015) – Em sua autobiografia, ele explica que: “[....] Paris
pôs uma marca na minha inteligência. Foi como criar em mim uma nova natureza e o
meu amor à Europa transformou meu amor à vida em amor a tudo que é civilizado. E
como civilizado comecei a conhecer minha terra” (DI CAVALCANTI, [1955] 1995, p.
142 apud SIMIONI, 2015, p. 2). De certa forma, a aceitação da categoria de
compreensão do mundo “civilizado” e sua relação com a Europa colocava os
modernistas diretamente enfrentados com a necessidade de se indagarem sobre o Brasil.
Há um fortalecimento da eminência de se entender o Brasil a partir da identificação do
outro como “civilizado”.

No mesmo sentido, Simioni mostra como Tarsila do Amaral correspondeu ao


interesse dos intelectuais franceses por particularidades culturais de outros povos. Havia
uma valorização da temática exótica e isso corroborava para o crescimento do
sentimento nacionalista entre os modernistas. Ao pintarem temas regionais se tomavam
por uma consciência de nação ao passo que seguiam a tendência do campo artístico
internacional. Nas palavras de Tarsila do Amaral:
“[...] Sinto-me cada vez mais brasileira: quero ser a pintora de minha
terra. Como agradeço por ter passado na fazenda a minha infância
toda. As reminiscências desse tempo vão se tornando preciosas para
mim. Quero, na arte, ser a caipirinha de São Bernardo, brincando com
bonecas de mato, como no último quadro que estou pintando. Não
pensem que essa tendência é mal vista aqui. Pelo contrário. O que se
quer aqui é que cada um traga contribuição do seu próprio país. Assim
se explicam os sucessos dos bailados russos, das gravuras japonesas e
da musica negra. Paris está farta de arte parisiense” (AMARAL,
[1975] 2003, p. 78 apud SIMIONI, 2015, p. 4).

Dessa forma, o Modernismo se consolidou como um movimento cultural


genuinamente brasileiro e nacionalista. Os modernistas obtiveram posição de grande
destaque e sua produção se tornou símbolo cultural e político das transformações em
curso nas nações periféricas. Além da assimilação modernidade e de seu modelo de
desenvolvimento agora havia também o alinhamento com a produção cultural
“civilizada” internacional que não prescindia de especificidades culturais ou
identificação com a ideologia nacionalista.
Após o momento de efervescência inicial do modernismo na década de 1920, a
década seguinte oficializou o movimento. A centralização cultural promovida pelo
governo de Getúlio Vargas (1930-1945) dialogava com as categorias de brasilidade
valorizadas e ressignificadas pelos modernistas. Em contraponto ao regionalismo que
ameaçou por diversas vezes a Primeira República (1889-1930) centralizar a cultura e a
educação eram prioridades relacionada à necessidade de moldar a “alma da nação”.
Diante disso, o modernismo alcançou elevado nível de protagonismo, em suas diversas
expressões artísticas, com ênfase para a pintura e a arquitetura que na década de 1940
receberam especial atenção das instâncias de governo no Brasil, como nos mostra
Simioni:
Com o Estado Novo, o modernismo alcançou uma proeminência
notável. Após o Ministério da Educação e Saúde, o Conjunto da
Pampulha, construído entre 1942 e 19439, também mobilizou grandes
nomes da arquitetura e das artes plásticas. Realizado em Belo
Horizonte, o projeto consagrou definitivamente Niemeyer e Portinari
como expoentes, respectivamente, da arquitetura e da pintura
modernista brasileira. Nos anos seguintes, seguiram-se outras
encomendas de destaque, como o Parque do Ibirapuera, inaugurado
em 1954 em São Paulo, e a cidade de Brasília, construída entre 1956 e
1960. Consagrado nacionalmente, o modernismo passou também a ser
exportado como “imagem do país”... Na década seguinte, Niemeyer e
Portinari foram consagrados definitivamente no âmbito internacional
ao colaborarem na construção da sede das Nações Unidas: o arquiteto
carioca foi um dos coautores do projeto arquitetônico e o pintor
paulista realizou dois imensos painéis representando a Guerra e a Paz.
A batalha para expandir e consolidar o modernismo brasileiro havia
sido vencida (SIMIONI, 2015, p. 6).

O triunfo modernista fica evidente ao constatarmos a força e fecundidade de


suas propostas no surgimento de novas interpretações originais que emergiram no lastro
do Modernismo: o concretismo e o tropicalismo. Até a década de 1960 e 1970 é notória
a presença dos valores estéticos modernistas na produção artística brasileira.

CRÍTICA DE ARTE E CAMPO ARTÍSTICO

A pintura moderna passa a ser consagrada em âmbito internacional a partir do


papel dos críticos de arte, com destaque para Clement Greenberg que foi o grande
construtor de Nova Iorque como o centro da produção artística do século XX. O que
era consagrado por ele entrava no MOMA. Seu texto “Modernist painting” defende que
no Modernismo havia uma crítica feita de dentro sobre si mesmo, que culminou da
crítica dos próprios meios de produção da arte. Isto é, na concepção de que a
irredutibilidade da pintura é o meio pictórico, dando assim grande destaque à
planaridade da tela como parte principal da experiência óptica na pintura, para ele a
pintura deveria ser apreendida num golpe de olhar. Sendo assim, a arte só é moderna a
partir do momento do momento que o campo pictórico exerce sua plena autonomia.
Trata-se da autonomização das esferas da arte. Enquanto crítico de arte, suas
observações eram vistas como um julgamento preciso e isento acerca da produção de
imagens pictóricas, dotadas de sentido prático e de verdade. Greenberg mostra que o
modernismo ao valorizar a planaridade nunca pretendeu contestar à tradição, mas sim a
autonomia de suas práticas no campo cultural. Se a arte modernista fosse compreendida
fora da tradição ela não seria arte. O Modernismo precisava se inserir na tradição da arte
ocidental e Greenberg faz isso a partir da sua crítica, apresentando a pintura Modernista
não como ruptura, e sim como continuidade.

Em relação ao Modernismo brasileiro há contestações sobre seu caráter


moderno. Simioni mostra que:

...para Brito, bem como para a geração que lhe sucedeu e que hoje
detém uma posição de prestígio na crítica cultural nacional, as
primeiras produções modernistas não foram propriamente modernas.
Por estarem incumbidas de representar uma “cultura genuinamente
nacional”, consistiram antes em um “rito de passagem para a
modernidade”. E o fizeram “paradoxalmente às custas da conquista
cultural moderna por excelência: a autonomia da experiência do eu
lírico moderno e sua entrega total à aventura da obra” (BRITO, [1975]
2005, p. 137). Em seu entender, apenas na década de 1950, com o
triunfo das linguagens abstratas no país (o concretismo) e, em
especial, com a internacionalização promovida com as Bienais de Arte
de São Paulo, é que se configurou uma consciência estética
propriamente moderna no Brasil (BRITO, 1985)3.

Por outro lado, a historiadora da arte Annateresa Fabris, defende que mesmo que
as obras dos modernistas não possam ser consideradas modernas de acordo com os
critérios de Greenberg, elas são modernas à medida que produziram uma consciência
estética e cultural nova e radical para os meios locais (FABRIS, 1994b). “Paradoxal
vanguarda a nossa, dividida entre passado e presente, ainda incerta sobre o significado
da arte moderna, polêmica em relação a algumas de suas propostas mais extremistas,
mas assim mesmo consciente da necessidade de uma ação violenta se quisessem
imprimir novos ritmos à criação cultural no Brasil” (FABRIS, 1994a, p. 24-25 apud
SIMIONI, 2015, p. 10).
Contudo, à luz da teoria sociológica de Pierre Bourdieu, devemos analisar o
como um fenômeno relacional e histórico. O posicionamento de Greenberg é passível
de crítica por se colocar como uma teoria pura quando em realidade só se materializou
pela história e pelo lugar de fala de Greenberg, que favoreceu a conformação de uma
universalização do padrão estético.

Para Bourdieu há uma constante tentativa de construir uma essência universal da


arte à custa de uma dupla des-historicização da obra e do olhar sobre a obra. Em sua
obra “As Regras da Arte” apresenta-se o estudo da beleza, da estética, e do campo
literário como campos de muito interesse para o sociólogo por esconderem melhor os
interesses próprios do campo. Revela-se a existência de um senso comum sobre a arte.
Costuma-se dizer que não se discute arte e gosto, mas de fato é sobre isso que se
discute.

Historicamente, observa-se um critério objetivo da obra de arte na antiguidade


clássica. A beleza, assim como a moral e o conhecimento não eram entendidos como
um processo de construção social. Na modernidade, o estudo da beleza de um lado se

3
SIMIONI, Ana Paula C. “Modernisme brésilien: entre la consécration et la contéstation », Perspective-
INHA, Paris, 2014 (numèro sur le Brésil). https://perspective.revues.org/3893?lang=pt;
traduz a partir da teoria do gosto e do impacto da obra sobre o espectador. E de outro
lado, pela teoria do gênio ao se interpretar o artista moderno. Quem fez a obra de arte
importa e muito, a obra já não se restringe a sua materialidade. Dessa forma, na
modernidade há uma inversão dos processos. O artista passa a ser valorizado pela
inovação.

A perspectiva sociológica de Bourdieu traz o fundamento do belo está contido


no homem social. No homem em quanto exercício de poder. A definição do que é belo é
um fato social. O campo artístico é constituído por vários campos. E os participantes
desse campo atuam de acordo com suas condições sociais para apresentar suas
manifestações. Sempre há que levar em consideração a posição ocupada no campo pelo
artista e seu reconhecimento.

É oportuno, fazer algumas considerações sobre o conceito de “campo” de Pierre


Bourdieu. O campo é um espaço de desvios de níveis diferentes no qual todos seus
produtos têm sentido apenas relacionalmente, por meio do jogo de oposições e das
distinções. Nele as distâncias simbólicas não são equivalentes às distâncias físicas. No
campo encontra-se uma referência para compreender os valores dominantes de
determinado espaço, sendo o instrumento sociológico legítimo para estudar o certo e o
errado, o aceito e não aceito. O campo é um espaço de luta e de enfrentamento, espaço
de dominação. Estratégias aceitáveis e inaceitáveis são determinadas pelo campo. O
campo não é um espaço democrático ou homogêneo. No campo existem dominados e
dominantes. Os primeiros são conservadores e os segundos, por sua vez, subversivos.
Porém, os processos de legitimidade são respeitadores das particularidades de cada
campo.

No campo artístico também há espaço para subversão. Na medida em que


ganham alguns participantes do campo legitimidade podem passar de dominados a
dominantes. Dessa forma, a definição de arte é sempre provisória. O que se entende por
belo tem que agradar a quem tiver que agradar nas condições históricas dadas. A
qualidade da obra de arte nada tem a ver com sua substância. Não há valor intrínseco a
obra de arte.

Diante disso, é preciso entender o modernismo como um fenômeno relacional.


Cabendo uma critica a Greenberg por se colocar como uma teoria pura sobre a pintura
modernista não levando em conta aspectos políticos ou históricos. Além disso, ao
observarmos a posição de Greenberg no campo artísticos vê-se que sua crítica se
materializou pela história por seu lugar de fala, contribuindo para uma universalização
do padrão estético.

É possível também no Modernismo brasileiro verificar o papel da crítica na


consolidação do cânone modernista a partir da importância da opinião de críticos
literários como Antônio Candido. Para Ana Paula Simioni:

... houve uma continuidade entre a geração modernista da década de


1920 e as análises de Antonio Candido Mello e Souza, bem como de
outros intelectuais que despontaram nos anos 1940 reunidos em torno
da revista Clima (PONTES,1998; PASSIANI, 2003). O fato de que
vários dos expoentes dessa revista, como Candido, Gilda de Mello e
Souza, Paulo Emilio Sales Gomes e Décio de Almeida Prado, tenham
sido professores da Universidade de São Paulo, uma das mais
importantes do país, possibilitou o que Pierre Bourdieu chama de
“imposição da taxionomia legítima” dos campos literário e artístico
(BOURDIEU, [1992] 1996, p. 253). Realizadas no interior do sistema
universitário e tomadas como referência de qualidade, rigor e
erudição, as obras desses intelectuais contaram, assim, com a
legitimação concreta e simbólica outorgada pela instituição. Pierre
Bourdieu, que caracteriza a arte moderna justamente como uma luta
permanente entre os membros do campo artístico pelo direito de impor
sua própria definição do que é arte e de quem é artista (BOURDIEU,
[1992] 1996, p. 255-281).4

Ao reconhecer o Modernismo brasileiro como fenômeno relacional fica mais


evidente de que é um termo em disputa cujo sentido é construído historicamente e
reivindicado de acordo com cada grupo ou participante do campo artístico, cada um
deles com suas subjetividades, capital simbólico e posições.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Atualmente o Modernismo e todo o imaginário em torno da Semana de Arte


Moderna de 1922 têm lugar privilegiado na cultura brasileira. A cada ano os
modernistas são celebrados diariamente em pesquisas acadêmicas, exposições,
publicações, em ícones de produtos diversos e em peças de audiovisuais. O ideário
modernista permeou diversas esferas e níveis da nossa sociedade, “uma espécie de DNA

4
Idem
que não se pensa, apenas se vive” (COELHO, 2012, p. 137). O Modernismo brasileiro
constituiu um novo habitus em nosso campo cultural.

Estudar o Modernismo brasileiro requer olhar histórico e sociológico, a crítica


deve ser recebida como mais um dos muitos produtos do campo cultural. Não é nosso
papel enquanto pesquisadores julgar ou tomar posições no debate, mas entender essas
posições a partir do contexto de seus atores. Há que se combater a universalização da
crítica como um valor em si. Para isso, deve-se fugir da importação de padrões e não
ignorar o campo.

A institucionalização do olhar Modernista na cultura brasileira evidencia a força


que os processos históricos podem exercer sob os fenômenos sociais. Revisitar o
Modernismo e a Semana de Arte Moderna de 1922 constitui um pertinente objeto de
pesquisa ainda hoje, especialmente, quando está dada a oportunidade de dialogar com
teorias adequadas ao estudo de objetos culturais, ainda que, parte de um esforço
principiante de ir além do dito e do escrito em busca dos nexos sociais.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

BOURDIEU, Pierre. “As regras da arte: gênese e estrutura do campo literário”. São
Paulo: Companhia das Letras, 1996.
COELHO, Frederico. A Semana sem fim.RJ: Cada da Palavra, 2012.
FABRIS, Annateresa. “Modernidade e vanguarda: o caso brasileiro”, In: Modernidade e
Modernismo no Brasil.Campinas: Mercado de Letras, 1994.
GREENBERG, Clement. “Modernist painting”,Forum Lectures, 1960: In
http://cas.uchicago.edu/workshops/wittgenstein/files/2007/10/Greenbergmodpaint.pdf
MADEIRA, Angélica; VELOSO, Marisa. “Leituras Brasileiras: Itinerários no
Pensamento Social e na Literatura”, São Paulo, Paz e Terra, 1999.
SIMIONI, Ana Paula C. “Modernisme brésilien: entre la consécration et la
contéstation », Perspective-INHA, Paris, 2014 (numèro sur le Brésil).
https://perspective.revues.org/3893?lang=pt
SIMIONI, Ana Paula Cavalcanti; STUMPF, Lucia. “O Moderno antes do Modernismo:
paradoxos da pintura brasileira no nascimento da República”. Teresa (USP), v. 14, p.
111-130, 2014.

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