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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 29: 63-78 NOV.

2007

GRAMSCI E A EMANCIPAÇÃO DO SUBALTERNO

Marcos Del Roio

RESUMO

Nos Cadernos do cárcere, Gramsci trabalhou com a noção de classes e grupos subalternos, conceito que vem
sendo utilizado pelas Ciências Sociais e pela Historiografia atual. De forma correlata, apresentam-se os
problemas do senso comum, do folclore e da religião. É importante questionar as implicações teóricas e
políticas da elaboração de Gramsci, contextualizando-a no conjunto de sua produção teórico-política, até
para que se conteste o uso corrente desse conceito e sua efetiva relação com Gramsci ou quanto pode esse
autor ser considerado atual para a interpretação das condições das lutas sociais no capitalismo contempo-
râneo.
PALAVRAS-CHAVE: Antonio Gramsci; emancipação; classes subalternas.

I. INTRODUÇÃO rico marxista um autor quase inócuo desse ponto


de vista. De fato, Bobbio (1969) foi um autor im-
Grande número de conceitos (re)elaborados
portante na indução da chamada crise do marxis-
por Gramsci em seus Cadernos do cárcere, de uma
mo na Itália de fins dos anos 1970 aos anos 1980.
ou outra maneira, nos últimos decênios, caiu no
uso comum dentro e fora da academia, ainda que Outra expressão de cunho gramsciano que caiu
com significados muito diferentes daqueles usa- em uso nas Ciências Políticas e Sociais é indicada
dos pelo intelectual revolucionário originário da por classes subalternas ou grupos sociais subal-
Sardenha. Assim, não é tão simples saber do que ternos, cujo estudo tornou-se uma tendência bas-
se trata quando lemos referências sobre temas li- tante influente na literatura científica. Desde os
gados a hegemonia e sociedade civil, por exem- anos 1950, quando da primeira publicação dos
plo. Seja pelo caráter de work in progress da obra Cadernos do cárcere, a Antropologia ou Ciência
de Gramsci, seja mesmo por sua fragmentação do Folclore, como se denominava, fez uso de
ou ainda por sua enorme complexidade, sua obra Gramsci para avançar nos estudos e na interpre-
foi disposta para muitos usos. Essa característica tação da cultura popular. E. De Martino iniciou
indica uma riqueza e uma possível permanência uma trajetória de estudos sobre as classes subal-
no tempo, mas também abre a possibilidade de ternas e sobre o folclore, particularmente do sul
ser apropriada ou decomposta por outras verten- da Itália, que alimentou o debate sobre esse ponto
tes culturais e políticas com as quais Gramsci não até os anos 1970 (cf. ANGELI, 1995).
poderia se reconhecer.
A difusão da obra de Gramsci pelo mundo
Certamente, a apropriação ou interpretação de anglo-americano num momento de refluxo da in-
maior impacto político e cultural foi feita com o fluência de seu pensamento na Itália e de frag-
conceito de sociedade civil. Um conhecido e in- mentação do movimento político e cultural de crí-
fluente texto de Norberto Bobbio, de 1967, apre- tica da economia política do capitalismo, que o
sentou uma leitura da noção de sociedade civil em movimento operário parecia encarnar, possibili-
Gramsci como se esta fosse uma parte das su- tou que seu pensamento fosse reapropriado e
pra-estruturas, de modo que haveria uma diferen- reordenado segundo uma perspectiva fortemente
ça fundamental em relação ao uso do mesmo ter- culturalista. Uma dessas posturas, vinculada aos
mo em Hegel e principalmente em Marx, para assim chamados cultural studies, tende a obser-
quem a sociedade civil seria identificada com a var a cultura como elemento determinante, en-
infra-estrutura. Essa interpretação, a rigor, colo- quanto outra – que não exclui a primeira –, de
ca Gramsci no campo teórico do liberalismo e até clara inspiração pós-moderna, tende a encarar a
por esse motivo teve grande repercussão na dis- fragmentação das classes subalternas como um
puta hegemônica, contribuindo para fazer do teó- pressuposto metodológico e como identidade his-

Recebido em 15 de agosto de 2007.


Aprovado em 25 de agosto de 2007.
Rev. Sociol. Polít., Curitiba, 29, p. 63-78, nov. 2007
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tórica marcada de positividade (cf. BUTTIGIEG, Claro que Gramsci não poderia prever o uso
1999). que foi feito dessa categoria de classes subalter-
nas, mas isso não resolve a questão do motivo
Muitos desses estudos, na verdade, referem-
pelo qual Gramsci passou a utilizá-la, aparente-
se à perspectiva teórica acoplada à elaboração de
mente em detrimento das noções mais consagra-
Foucault ou Derridà. Autores de grande impor-
das no âmbito do marxismo, como proletariado,
tância que ampliaram o campo de estudos sobre
classe operária, campesinato. Certamente que a
os grupos sociais subalternos são Raymond
hipótese de que seria para contornar eventuais
Willians e Edward Thompson, e mais recentemen-
problemas com a censura carcerária não é uma
te Edward Said e Stuart Hall. Importante assinalar
explicação razoável. Talvez seja mesmo mais ten-
a formação do grupo dos subaltern studies for-
tador afiançar que se tratou de um desenvolvi-
mado por intelectuais indianos como Ranajit Guha
mento em sua elaboração, que partiu da
e Gayatri Spivak. Mais do que discutir a diferença
especificidade da questão operária em direção a
entre esses autores ou avaliar a contribuição de
níveis sempre mais altos de complexidade e gene-
cada um, cabe assinalar como o uso do conceito
ralidade, sempre em busca de explicação para a
de “subalterno” se amplia enormemente. Parte-se
materialidade da esfera subjetiva antagônica no
de Gramsci como pressuposto, do camponês
decorrer da História. Em busca dos elementos que
meridional particularmente, mas se vai adiante,
poderiam compor uma nova sociedade civil
com o mundo colonial e pós-colonial, o migrante,
anticapitalista, a indeterminação e fluidez sugerida
o refugiado (CURTI, 2006).
pela expressão classes ou grupos subalternos po-
Não há dúvida de que a perspectiva deria ser enriquecedora.
universalizante de Gramsci sugere, mesmo para o
II. DE UM MERIDIONALISMO A OUTRO, COM
capitalismo contemporâneo, uma ampliação e di-
A MEDIAÇÃO DA CLASSE OPERÁRIA
versificação do conceito de subalterno, como te-
remos ocasião de discutir. Afinal, subalterno, do A experiência dos conselhos de fábrica foi cul-
ponto de vista etimológico, significa apenas o ou- minância de uma vivência intensa de Gramsci na
tro inferior ou inferiorizado. Mas o que deve ser “Torino operária e socialista”. A luta operária por
por agora destacado é que parte significativa des- melhores condições de vida e seu esforço para de-
ses estudos decorre de pressupostos teórico- senvolver sua auto-educação e sua formação cul-
metodológicos que se colocam num campo bas- tural à revelia da burguesia envolveram Gramsci
tante distante de Gramsci, que partia de pressu- em toda a profundidade de seu ser. A reflexão teó-
postos muito diferentes, quando não antagônicos rica que se desenrolou da experiência dos conse-
a esses. Para Gramsci, a determinação essencial lhos, particularmente pelas páginas do L’Ordine
encontra-se nos fundamentos materiais da reali- Nuovo, estimulou em Gramsci a concepção de uma
dade em movimento contraditório. Dizer que a revolução que nascia da autonomia e da auto-orga-
cultura ou a política está em toda parte da vida nização do processo fabril por iniciativa dos traba-
social, inclusive na economia, não é o mesmo que lhadores, na qual os conselhos se constituiriam nos
negar a determinação em última instância da re- fundamentos de uma democracia operária. A influ-
produção da vida material dentro do complexo de ência de Sorel é patente em Gramsci, mas também
determinações que compõe a totalidade. de Karl Korsch e de Rosa Luxemburg, quanto à
ênfase posta na auto-organização dos trabalhado-
A vida fragmentada das classes subalternas era
res e na centralidade da fábrica na luta política e
vista por Gramsci como uma característica da pró-
social. Em Torino, desenrolava-se, na verdade, o
pria situação social em que se encontram esses
último capítulo da revolução socialista internacio-
agrupamentos, submetidos à exploração e à opres-
nal originada na Rússia dos czares e que se difun-
são. Mas essa condição deve ser superada histori-
dira pelos chamados impérios centrais (Alemanha
camente, pois à medida que essas classes deixam
e Áustria-Hungria) (cf. DEL ROIO, 2005, cap. 1).
de ser subalternas e passam a disputar a hegemonia,
ganham organicidade e a perspectiva da totalidade. A derrota da revolução socialista internacional
É patente a diferença entre a visão conservadora colocou a diversidade nacional em primeiro pla-
que incorre o culturalismo e o pós-modernismo, no, como Lênin (1976) destacara precocemente
limitados à defesa da identidade e dos direitos par- em 1920. Foi paulatinamente, mas principalmente
ticulares, e a visão revolucionária de Gramsci. a partir de 1923, que Gramsci passou a buscar (e

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assim até o final de sua vida) as razões da derrota A partir de 1923, quando Gramsci abriu luta
do biennio rosso e os novos caminhos da revolu- contra Bordiga pela direção do PCI, por conta das
ção socialista na Itália e no mundo. Ampliando dificuldades no enfrentamento com o fascismo e
sempre seu ângulo de visão, encarando novos e principalmente pelos problemas de grandes dimen-
sempre mais complexos problemas, Gramsci ja- sões que os comunistas italianos encontravam em
mais deixou de conceber a centralidade do traba- seu relacionamento com a Internacional Comu-
lho na reprodução da vida social e da fábrica na nista, ocorreu enfim o encontro com a teoria po-
reprodução do capital, ainda que algumas leituras lítica de Lênin. O meridionalismo original de
desse autor pretendam o contrário. Gramsci facilitou em muito a compreensão e tra-
dução do pensamento de Lênin para as circuns-
Já em 1919, Gramsci, numa perspectiva for-
tâncias concretas da Itália. Ademais, a política de
temente marcada pela guerra e pela revolução so-
frente única sugerida pela Internacional Comunista
cialista internacional, notava que o campesinato
e a palavra de ordem do “governo operário-cam-
se tornava uma força motriz da revolução socia-
ponês” acabaram de propiciar para Gramsci uma
lista, fosse na Rússia ou na Itália. Percebia, então,
nova leitura da questão meridional e da relação
que “quatro anos de trincheira e de exploração do
entre a classe operária e o campesinato.
sangue mudaram radicalmente a psicologia dos
camponeses. Essa mudança se verificou princi- Em fins de 1923, completada a ruptura com
palmente na Rússia e é uma das condições essen- Bordiga, Gramsci já tinha a clareza da importân-
ciais da revolução. O que o industrialismo não cia da questão meridional como questão nacional
determinou com seu normal processo de desen- e da conexão que essa mantinha com a política de
volvimento foi produzido pela guerra” frente única que a Internacional Comunista pro-
(GRAMSCI, 1995, p. 93). curava desenvolver desde 1921, ainda que de for-
ma titubeante. Lamentava, então, o fato de que:
O marxismo de Gramsci se desenvolve em
“Nós não conhecemos a Itália. Pior ainda: faltam-
paralelo a esse novo meridionalismo. Mesmo pre-
nos os elementos adequados para conhecer a Itá-
servando a consciência da importância da ques-
lia, assim como é realmente, de modo que nos
tão camponesa, Gramsci se entrega à experiência
encontramos na impossibilidade de fazer previ-
dos conselhos de fábrica, defendendo ao máximo
sões, de nos orientarmos; de estabelecer linhas de
a centralidade da fábrica e do trabalho industrial
ação que tenham certa probabilidade de serem
na questão da transformação revolucionária, con-
exatas. Não existe uma história da classe operária
siderando ser esse o nicho principal da explora-
italiana. Não existe uma história da classe campo-
ção do trabalho e da reprodução do capital. A der-
nesa” (GRAMSCI, 1964, p. 268-269).
rota operária e as circunstâncias da fundação do
PCI, em meio ao avanço do fascismo, tornaram Sem o conhecimento da história da particular
incontornável a situação de submissão de Gramsci luta de classes que forjou o capitalismo italiano,
diante da perspectiva teórica de Bordiga. seria impossível a realização de uma frente única
antifascista e anticapitalista, assim como a for-
Bordiga seguia, de alguma maneira, a tradição
mulação de um projeto revolucionário centrado
socialista de desprezar a questão camponesa, in-
na classe operária e na aliança operário-campone-
sistindo na exclusividade da classe operária como
sa. A relativa ignorância do processo histórico era
força da revolução. Ainda que originário de Napoli,
agravada pelo invólucro ideológico imposto pelas
Bordiga entendia que a revolução socialista seria
classes dominantes italianas e alcançava em cheio
obra precisamente de um partido revolucionário
a classe operária industrial do Norte por meio de
dotado do conhecimento científico da História, o
certa concepção sociológica positivista, particu-
qual deveria difundi-lo entre a classe operária a
larmente conservadora e discriminatória em rela-
fim de que essa cumprisse sua tarefa de derrubar
ção ao campesinato. O próprio campesinato me-
o capitalismo. Quanto ao campesinato, importava
ridional, por sua vez, era mantido submisso por
que se transformasse o mais rápido possível em
meio da religião católica e do domínio clerical.
proletariado, de modo que havia apenas a questão
do capitalismo na Itália, mas não uma questão Contudo, durante o período em que desempe-
meridional como particularidade da questão agrá- nhou o papel de dirigente político no movimento
ria e camponesa. operário italiano (e internacional), Gramsci não

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pode mais que conhecer a classe operária italiana elemento da questão nacional, seguindo o método
por sua ação política e cultural e num momento leniniano e fazendo, portanto, sua tradução. Pu-
histórico muito particular de eclosão revolucioná- blicado no começo de 1930 – com o título de Al-
ria seguida de uma queda histórica de graves pro- guns temas da questão meridional –, o texto esta-
porções. O movimento dos conselhos de fábrica va de fato voltado para atrair o novo
que se conclui com séria derrota foi seguido pela meridionalismo, cujos intelectuais observavam no
marcha triunfante do fascismo. A fase de resis- campesinato do sul a força propulsora decisiva da
tência ao fascismo que se consolidava enquanto revolução nacional e democrática, mas percebi-
regime foi marcada pelo esforço de separar a classe am também a importância do operariado seten-
operária da tradição cultural e política do socialis- trional nesse processo (GRAMSCI, 1995).
mo italiano, enquanto este representava sua su-
Gramsci se colocava já o problema da unifica-
bordinação dentro do campo ideológico da bur-
ção das classes subalternas da Itália como uma
guesia e era responsável, em alguma medida, pela
contribuição à unificação do gênero humano. A
derrota recente.
questão meridional é então, de fato, uma questão
Uma das matrizes da formação cultural de internacional. A reflexão de Gramsci, na mesma
Gramsci é o meridionalismo, uma concepção po- medida que particulariza/nacionaliza a questão
lítico-cultural difusa e multifacetada, que teve em meridional italiana, a internacionaliza. A unifica-
Gaetano Salvemini uma personalidade de ponta. ção das classes subalternas da Itália, contudo, deve
Salvemini era um socialista cuja concepção des- unificar a classe operária dentro de uma perspec-
toava em muito daquela que prevalecia no PSI, tiva política e cultural que reconheça a necessida-
exatamente por perceber no campesinato meri- de da aliança com o campesinato, num contexto
dional um potencial voltado para a transformação internacional de atualidade da revolução socialis-
social. No entanto, assim como Croce, Salvemini ta.
prestou entusiasmado apoio à participação da Itá-
Um conjunto de fragmentos ideológicos siste-
lia na guerra, o que fez com que Gramsci dele se
matizados sob a forma de reformismo impedia a
afastasse. No pós-guerra, por meio de jovens in-
unificação da classe operária na perspectiva apre-
telectuais que travam contato com o mundo ope-
goada por Gramsci e também impedia a aliança
rário, começa a se formar um novo meridionalismo,
operário-camponesa. Já a canalização da rebeldia
de caráter revolucionário, que indica no
camponesa em direção à ação política
campesinato meridional uma força social propul-
transformadora de suas condições sociais só po-
sora de mudanças indispensáveis.
deria ocorrer em caso de fratura na burocracia
Na qualidade de deputado comunista e de prin- estatal e no bloco intelectual que dava sustentação
cipal dirigente do PCI, Gramsci encontrava-se àquela ordem social. Daí se segue a necessária
então tomado pelo empenho de desenhar a estra- crítica aos grandes intelectuais meridionais que
tégia da frente única para a Itália, que deveria en- elaboram a hegemonia burguesa na Itália, com
contrar na aliança operário-camponesa o núcleo Croce em primeiro lugar.
gerador da revolução socialista. A fórmula políti-
Na verdade, o debate travado entre Gramsci e
ca da frente única foi a chave para que Gramsci
a revista Quarto Stato era não só uma luta pela
não só traduzisse Lênin para a particularidade da
conformação da frente única e da aliança operá-
Itália, mas que pudesse encontrar um novo lugar
rio-camponesa, como uma disputa pela hegemonia
pra o campesinato na estratégia revolucionária.
no interior da coalizão das forças revolucionárias,
Esse sujeito revolucionário, tão importante quan-
situação na qual os intelectuais e a cultura desem-
to o peso econômico e demográfico que desem-
penhariam um papel essencial. É patente a analo-
penhava, foi, mais tarde – nos Cadernos do cár-
gia dessa disputa entre aliados com a disputa ocor-
cere –, colocado num conjunto denominado como
rida no processo revolucionário russo entre os
“classes subalternas”.
marxistas bolcheviques e os neonarodiniks.
No ensaio inacabado de 1926, na verdade um
Esse problema ganhava um destaque ainda
aprofundamento das teses do III Congresso do
maior na reflexão de Gramsci porquanto eram os
PCI, realizado em Lyon no início daquele mesmo
intelectuais tradicionais, o meridionalismo conser-
ano, Gramsci aborda a questão meridional como
vador, a preservar o bloco agrário, e com ele o
particularidade da questão agrária na Itália, como
domínio dos industriais e banqueiros do Norte.

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Assim que, graças à mediação de um bloco inte- Mais tarde, aprofundando suas observações,
lectual conservador “o Mezzogiorno pode ser de- Gramsci escrevia que eram quatro os Estados da
finido como uma grande desagregação social; os marginalidade meridional, acrescentando o Esta-
camponeses, que constituem a grande maioria da do calabrês aos três antes enunciados. Mas, des-
sua população, não têm nenhuma coesão entre si” sa vez, quase como uma nova descoberta, narra-
(idem, p. 174). va que “os sicilianos são um caso a parte; há mais
semelhanças entre um calabrês e um piemontês
A possibilidade de uma revolução camponesa,
do que entre um calabrês e um siciliano” (idem,
dada a incapacidade dessa camada de gerar inte-
p. 70).
lectuais orgânicos, estava em forjar uma aliança
com a classe operária por meio dos intelectuais O início da vida de prisioneiro foi uma experi-
meridionalistas liberal-revolucionários da estirpe ência que provocou em Gramsci o renovado inte-
de Gobbetti ou Dorso, aos quais – junto com os resse por temas que ocupavam sua mente de es-
comunistas – caberia cindir o bloco intelectual tudante universitário em Torino, temas ligados à
meridional e lutar contra o capitalismo, aliando o antropologia lingüística, ao folclore, à cultura ita-
campesinato à classe operária. liana. As observações “etnográficas” que teve oca-
sião de fazer no cárcere ofereceram também um
III. DAALIANÇA OPERÁRIO-CAMPONESA ÀS
material empírico bastante rico para pensar a com-
CLASSES SUBALTERNAS
plexidade dos grupos subalternos da Itália. Pode-
Gramsci, um meridionalista de novo tipo, que mos dizer então que essa pesquisa de campo for-
do Mezzogiorno só conhecia a Sardenha natal, çada – em que se misturavam prisioneiros políti-
extraordinariamente passou a ter ciência da enor- cos de diversas origens com marginais também
me diversidade cultural da Itália meridional ape- de origens bastante diferentes – sugeriu a Gramsci
nas no cárcere, de seu caráter de rebeldia pré- que as classes subalternas eram um universo muito
política, de como era real a “desagregação soci- amplo e complexo. Dar-se conta dessa realidade
al”, mas de como muitas mediações estavam pre- era imprescindível a fim de se realizar uma políti-
sentes. Em carta enviada ainda em 1926, da pri- ca revolucionária capaz de unificar esses grupos
são de Ústica, Gramsci dizia a Tânia da possibili- e elevá-los culturalmente a um nível superior de
dade de “fazer observações de psicologia e de consciência crítica.
folklore de caráter único”. Dizia que “quatro divi-
Essas observações que Gramsci identificava
sões fundamentais existem: os setentrionais, os
como sendo atividade “bizantina” certamente con-
centrais, os meridionais (com a Sicília), os
tribuíram para a formulação do projeto de pesqui-
sardos”. Notava que os sardos viviam apartados
sa que pretendia desenvolver no cárcere. Assim,
dos outros grupos, que os setentrionais não se
seu primeiro plano de estudo visava “uma pesqui-
organizavam, os romanos se organizavam bem, e
sa sobre os intelectuais italianos”, “uma lingüísti-
que “os meridionais são organizadíssimos, ao
ca comparada”, “a transformação do gosto tea-
quanto se diz, mas entre eles há subdivisões: o
tral italiano”, “os romances de apêndice e o gosto
Estado napolitano, o Estado pugliese, o Estado
popular na literatura”. O fio condutor de todo o
siciliano” (GRAMSCI, 1996, p. 19).
empreendimento estaria na busca dos graus e fa-
Agora Gramsci já começa a notar importantes ses de desenvolvimento do “espírito popular cria-
mediações na “desagregação social” dos subalter- tivo” (idem, p. 56).
nos, particularmente do Mezzogiorno. Havia dife-
Qual a relação existente entre esse início de
renças culturais e valorativas que distinguiam as
vida carcerária, com os sofrimentos e as obser-
diversas regiões de origem dos segregados, o que
vações e reflexões que ensejou, e particularmente
seria um impeditivo para se colocar toda a Itália
o plano de estudo elaborado com o escrito sobre
meridional dentro de um mesmo enquadramento.
a questão meridional, redigido apenas quatro me-
As observações de Gramsci continuavam e clas-
ses antes? Entre um texto de crítica política e
sificava até mesmo os prisioneiros políticos: “Os
polêmica ideológica como esse e o temário de perfil
mais calmos serenos e comedidos são os campo-
quase acadêmico agora apresentado no plano de
neses, depois vêm os operários, depois os artesãos,
estudo? Na verdade, há sim uma relação de conti-
por fim os intelectuais, entre os quais ocorrem
nuidade. No escrito sobre a questão meridional, o
explosões imprevisíveis de loucura absurda e in-
objetivo político imediato se fazia evidente na de-
fantil” (idem, p. 32).

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fesa da necessidade dos intelectuais críticos, fos- derno 3, redigido em 1930 e considerado de mis-
sem marxistas ou liberal-revolucionários, de pro- celânea, começa com anotações principalmente
ceder à fratura no bloco intelectual meridional sobre intelectuais e o americanismo, temas cruciais
conservador e assim possibilitar a organização do da pesquisa de Gramsci. Quase que
campesinato e sua aliança com a classe operária. improvisamente aparece uma curta nota, a de nú-
mero 14, nomeada História da classe dominante
Agora o plano é de maior amplitude e profun-
e história das classes subalternas, que traz uma
didade, mas é ainda o mesmo. Trata-se de conhe-
observação essencial de caráter metodológico.
cer a Itália, de conhecer a cultura popular, mais
Nessa nota extraordinariamente sintética, desta-
precisamente o folclore ou o senso comum das
cam-se, desde logo, duas observações decisivas
classes subalternas (embora essa expressão ainda
para se elucidar o raciocínio de Gramsci: 1) “a
não compareça). Mais ainda, de saber como esse
história das classes subalternas é necessariamen-
senso comum se articula com a concepção dos
te desagregada e episódica”; 2) “há na atividade
intelectuais e como podem ser ambas transfor-
dessas classes uma tendência à unificação, ainda
madas.
que em planos provisórios, mas essa é a parte
O “espírito popular criativo” que conduz e menos visível e que se demonstra somente com a
unifica a pesquisa poderia ser a busca de elemen- obtenção da vitória” (GRAMSCI, 1977, Q 3, §
tos de criação e de rebeldia popular diante das for- 14, p. 299-300)2.
mas diversas de dominação? Seria o folclore uma
A primeira afirmação tem um caráter bastante
forma de as classes subalternas interpretarem a
geral e indica a situação histórica das classes su-
visão sistematizada dos grupos sociais dominan-
balternas, que “sofrem a iniciativa da classe do-
tes e de seus intelectuais e de transformarem a
minante, mesmo quando se rebelam; estão em
opressão e a submissão em condição suportável?
estado de defesa alarmada”. A segunda observa-
Ou poderiam também mimetizar formas de recu-
ção, cujas implicações não são desenvolvidas nessa
sa e rebeldia? Não estaria Gramsci em busca de
passagem, sugere que as classes subalternas, por
elementos de rebeldia espontânea presente na vida
“iniciativa autônoma”, tendem à unificação e, nes-
social das massas, particularmente do
sa condição, à superação da subalternidade, à
campesinato, que tocaria aos intelectuais revolu-
hegemonia. As classes subalternas unificadas em
cionários canalizar como vontade coletiva? Ape-
torno de uma perspectiva autônoma propõem uma
sar das muitas modificações no plano de estudo
nova hegemonia, uma nova ordem social (ibidem).
na vida de prisioneiro, não parece que Gramsci
tenha fugido muito dessa impostação original, des- Essas observações trazem à tona, mais uma
sas perguntas. Nos Cadernos do cárcere, porém, vez, a continuidade e o diálogo permanente de
Gramsci não mais usou a expressão “espírito po- Gramsci com seus interlocutores quase que pre-
pular criativo”, possivelmente para se precaver de sumidos, mas que estiveram presentes em sua
cair em alguma armadilha de marca idealista1. concepção teórico-política, desenvolvida na ação
dos dias em que viveram os conselhos de fábrica
Por outro lado, sempre nos Cadernos do cár-
de Torino. As referências explícitas a Sorel e a
cere, Gramsci passou a utilizar a expressão “clas-
Rosa Luxemburg nunca foram numerosas em
ses subalternas” e “grupos subalternos”, numa
Gramsci, nem no período revolucionário de 1917-
possível ampliação do mesmo campo analítico.
1921, nem nos Cadernos do cárcere, o que não
Há alguma implicação teórico-metodológica nes-
significa que preocupações comuns e incidências
sa mudança? Há alguma implicação política?
no pensamento não estivessem presentes.
Já no primeiro caderno e no caderno 2, algu-
Como se sabe, Sorel foi importante expoente
mas notas de Gramsci sugeriam a ampliação da
teórico do sindicalismo revolucionário e Rosa
noção de meridione para todo o mediterrâneo,
Luxemburg uma notável personalidade da Neue
dentro da dialética nacional/internacional, da
Linke do SPD – Partido Social-Democrata da Ale-
subalternidade imposta pelo colonialismo. O ca-

1 Essa passagem em particular, mas o conjunto do texto se 2 A partir de agora, os Quaderni del carcere, de Antonio
deve ao estimulante diálogo com Giorgio Baratta, cujo ponto Gramsci (1977), serão referidos pela letra Q seguida do
de partida pode ser visto em Baratta (2003, p. 32-35). número do caderno, o parágrafo e a página.

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manha – e fundadora, depois, do KPD – Partido uma reforma moral e intelectual (uma revolução
Comunista da Alemanha. Guardadas as muitas di- cultural gerada na auto-educação das massas). Eis
ferenças entre esses autores, em Gramsci incidia a razão da grande importância do estudo do fol-
a comum preocupação com a auto-atividade das clore, da religiosidade, do senso comum, das for-
massas, a auto-organização e o autogoverno. Em mas de organização das classes subalternas. É o
suma, com um “espírito de cisão” presente na socrático “conhece-te a ti mesmo” como condi-
atividade das classes submetidas. O problema passa ção da transformação.
a ser o endereço que toma a “iniciativa autônoma”
IV. CLASSES SUBALTERNAS E INTELEC-
das massas e como a “tendência à unificação” deve
TUAIS
ou pode ocorrer.
Passagens dissociadas de diferentes cadernos
Gramsci não indica o como e o porquê dessa
podem fazer pensar que a expressão “classes su-
tendência, mas uma possível suposição encontra-
balternas” leva a um grau de abstração e generali-
se na proposição marxiana da dinâmica do capital
dade tal a torná-la estéril do ponto de vista analíti-
como agente da unificação da classe operária, mas
co ou mesmo político3. Por que então Gramsci a
essa suposição se mostra falsa se considerarmos
utiliza, além de ir ainda mais longe com o uso do
a presença de alguma forma de economicismo em
termo “grupos subalternos”? A resposta possível
Marx. Por outro lado, é falsa também essa supo-
pode apontar em duas direções diferentes e com-
sição, por certo, se considerarmos grupos sociais
plementares. A primeira é a possibilidade de se
subalternos de formações sociais pré-capitalistas.
estender o campo analítico no tempo e no espaço.
Gramsci parte desse substrato comum, dessa O indício claro disso está em parágrafos subse-
preocupação comum, com Sorel e Rosa, da inici- qüentes do caderno 3, nos quais Gramsci trata
ativa espontânea das massas, do que poderíamos das classes subalternas das comune italianas da
chamar “espírito de cisão” ou “espírito popular época medieval (§ 16) e da antiga Roma (§ 18).
criativo”. Em Sorel, critica a permanência na Com essas questões em mente, podem ser vas-
subalternidade cultural ao liberalismo por manter culhadas as diversas camadas culturais que com-
a divisão entre o econômico e o político. A con- põem o folclore e o senso comum da Itália, parti-
cepção teórica da organização dos trabalhadores cularmente do campesinato.
estritamente no campo econômico, educados em
Nessa lógica, pode (deve) ser estudada a ori-
torno do mito da greve geral contra o capital e o
gem e a formação da classe operária, como parti-
Estado político, era insuficiente para criar uma
cularidade essencial do mundo moderno. Essa
situação nova de hegemonia, exatamente por ne-
categoria de classes ou grupos subalternos per-
gar a política e a atividade intelectual revolucioná-
mite ainda que o campo analítico se amplie para
ria. O mesmo economicismo presente em Sorel,
zonas coloniais, como já foi sugerido, exatamente
Gramsci critica também em Rosa Luxemburg,
como Gramsci entendia ser a condição da própria
pelo menos em seu trabalho sobre a revolução
Itália meridional ou até mesmo a América Latina,
russa de 1905. Segundo o argumento de Gramsci,
como sugere o parágrafo 5 desse mesmo cader-
também em Rosa haveria uma tendência
no 3. Ou seja, a generalidade do termo “classes
economicista ao sugerir que crises econômicas
subalternas” ou “grupos subalternos” possibilita a
pudessem ser geradoras espontâneas de situações
análise apurada de particularidades as mais diver-
revolucionárias (Q 13, § 24, p. 1613).
sas dentro de uma tendência geral à unificação do
Os indícios são todos de que, para Gramsci, gênero humano.
qualquer forma de economicismo representa uma
Mas essa ampliação do campo de visão analí-
variante de subalternidade teórica. Mas essa afir-
tica não traria também como implicação a
mação tem um significado ainda mais incisivo: a
indefinição prática e política? Aqui a resposta não
emancipação do subalterno supõe que a unifica-
pode passar do terreno das hipóteses, a menos
ção passe também pela emancipação cultural, pela
que se proceda a uma pesquisa muito mais acurada.
percepção de que o econômico e o político (e o
A importância que Gramsci dava ao americanismo
filosófico) são expressões de uma mesma reali-
dade em movimento: a emancipação do subalter-
no passa pela construção de um novo bloco his- 3 O mesmo pode ser dito da categoria de “revolução pas-
tórico e, como constitutivo desse processo, de siva”, que está fora dos objetivos do presente escrito.

69
GRAMSCI E A EMANCIPAÇÃO DO SUBALTERNO

e ao fordismo como tema de pesquisa comprova seu formar-se como classe capaz de dirigir um
como a centralidade do trabalho fabril persistia arco de alianças composto pelo conjunto das clas-
em sua crítica da modernidade capitalista, o que ses subalternas contra a dominação burguesa.
aponta na direção oposta a uma possível diluição Permanece, portanto, no fundo, o problema da
da classe operária no seio de indefinidos e pulve- aliança operário-camponesa e da frente única,
rizados “grupos subalternos”. Mantida a esboçada no período imediatamente precedente ao
centralidade operária na construção de uma nova encarceramento, notadamente em Alguns temas
hegemonia antípoda ao domínio do capital, as clas- da questão meridional.
ses subalternas da época capitalista ganham uma
Gramsci se questiona sobre como se forma
coluna vertebral por meio da qual podem ganhar
uma vontade coletiva, ou seja, sobre o como se
organicidade e proceder na tendência à unificação
unificam as classes subalternas. Ou, dito de outra
e à hegemonia.
maneira, como a cultura das classes subalternas
O problema passaria, então, a ser aquele de se rompe e se transforma em cultura e vontade
distinguir social e culturalmente quais seriam, en- coletiva antagônica à das classes dominantes, rom-
tre os grupos subalternos, os possíveis aliados da pendo-se assim a subalternidade. Esse problema
classe operária. Seria apenas o campesinato? Ou é crucial não só no conjunto dos Cadernos do
o campesinato seria tão diverso em sua formação cárcere, mas em toda a elaboração da cultura po-
cultural, em seu folclore, que nem analítica e nem lítica do marxismo.
politicamente poderia ser visto como uma entida-
Um movimento de emancipação só pode par-
de exatamente homogênea, até mesmo por ser uma
tir da auto-atividade das massas, de sua autono-
classe de transição, uma classe do pré-capitalis-
mia, da cisão com a classe dominante. Gramsci
mo que deveria ser colaboradora da transição so-
interpreta O Príncipe, de Maquiavel, com as len-
cialista, conforme havia demonstrado a elabora-
tes de Sorel, exatamente para destacar esse per-
ção do último Lênin? Mais amplamente, seria ain-
sonagem imaginário como a representação da von-
da de se questionar o quanto haveria de particula-
tade coletiva autônoma que se auto-organiza em
ridades nos diferentes estratos camponeses her-
oposição à ordem social vigente, gerando uma ci-
dados da época feudal na Europa ou se o chama-
são que contesta a subalternidade. Esta demanda,
do campesinato das vastas zonas coloniais não
todavia, uma reforma moral e intelectual, uma
teriam também sua enorme diversidade?
transformação cultural de grande envergadura his-
A teoria da história que Gramsci desenvolveu tórica, que supere e substitua a cultura da velha
nos Cadernos do cárcere nada tinha de esquemática classe dominante.
ou linear, assim como sua concepção de classe
Entretanto, essas lentes não são suficientes
social. A noção de subalterno pode parecer de-
para enxergar que não basta a negação radical da
masiadamente elástica, mas é fato que a questão
ordem. É preciso também, e ao mesmo tempo,
meridional italiana já ganhava uma nova comple-
que se materialize a nova subjetividade, o que sig-
xidade, assim como a própria noção de questão
nifica organizar a vida material e cultural sobre
meridional já se ampliava para a zona colonial do
novas bases. A negação da velha ordem significa
imperialismo. A questão da unificação das classes
também elaboração teórico-prática de um projeto
subalternas italianas é uma questão nacional, mas,
de nova vida. Não um projeto em abstrato, mas
ao mesmo o tempo, é uma questão de unificação
construído segundo a condução possível do mo-
das classes subalternas de todo o mundo, uma
vimento do real e que parte “do acordo alcançado
questão de unificação do gênero humano.
nas vontades associadas” (Q 13, § 1, p. 1537).
Essa interpretação só é possível, porém, com
A nova subjetividade, crítica e negativa da con-
a leitura de outras muitas passagens dos Cader-
dição subalterna, parte necessariamente das con-
nos do cárcere, particularmente do caderno 13,
dições reais existentes, das contradições do real,
no qual Gramsci analisa formas e modos pelos
dos fragmentos que compõem a ideologia subal-
quais as classes subalternas podem superar sua
terna, dos impulsos de rebeldia dos dominados
condição. Na verdade, no caderno 13, no qual
(quase a dizer, do “espírito popular criativo”). A
retoma anotações feitas em cadernos anteriores,
recomposição dos fragmentos culturais e ideoló-
Gramsci trata particularmente da situação da classe
gicos emerso da rebeldia dos dominados, na pers-
operária, de um ponto de vista metodológico, de
pectiva de negação da subalternidade, demanda

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 29: 63-78 NOV. 2007

necessariamente uma reforma moral e intelectual Roma preservou e desenvolveu. O Renascimento


de largo alcance, no sentido da recomposição de foi um empreendimento cultural de elevada quali-
toda a vida material e cultural. dade e valor, mas foi uma iniciativa de frações da
nobreza que colocaram os artistas e intelectuais
Esse movimento histórico só se torna possí-
sob sua égide, não permitindo que se transfor-
vel desde que as classes subalternas gerem um
masse em fenômeno de massa, que atingisse as
grupo de intelectuais orgânicos. Orgânicos por-
camadas sociais subalternas.
que emersos do seio da própria classe e porque
atuam historicamente em razão dos interesses da A Reforma religiosa, pelo contrário, significou
classe da qual se originaram. Organizados, cons- uma reforma moral e intelectual de longo alcance,
tituem o Príncipe moderno, um organismo que é não só pela tendencial laicização da vida terrena,
“um elemento de sociedade complexo no qual já com a valorização do trabalho e da acumulação da
tenha início a concretização de uma vontade cole- riqueza, mas pela negação do universalismo da
tiva reconhecida e afirmada parcialmente na ação” Igreja de Roma. O contato imediato do fiel com
(Q 13, § 1, p. 1558). seu deus, mediado pelo pastor, rompeu a hierar-
quia católica e regionalizou a organização religio-
Se for assim, fica evidente que não se pode
sa, contribuindo assim na formação de Estados
pensar a condição subalterna e a luta por sua eman-
territoriais. Em determinadas regiões (como na
cipação dissociada dos grupos intelectuais. En-
Alemanha), a reforma reforçou o poder local da
tão, em Gramsci, a história do folclore, da reli-
nobreza, mas em outros contribuiu na gestação
giosidade, do senso comum das classes subalter-
da revolução burguesa (como na Holanda, na In-
nas enfim, não pode estar dissociada das formas
glaterra e nos Estados Unidos). De todo modo,
de domínio que lhe são impostas com decisiva
esteve muito longe de alcançar um padrão cultu-
contribuição dos grupos intelectuais. Assim tam-
ral que se aproximasse ao menos do
bém a negação/superação da condição subalterna
Renascimento.
não pode passar ao largo da formação de um gru-
po intelectual autônomo forjado pelas próprias Isso significa que a Reforma desenvolveu um
classes subalternas em luta contra sua condição. papel contraditório, mas contribuiu também para
Aqui se percebe como o caderno 12, que trata da que eclodisse o jacobinismo na Revolução Fran-
história dos intelectuais, e o caderno 27, que fala cesa. Jacobinismo aqui entendido como um gru-
da história das classes subalternas, fazem parte po intelectual que expressa a vontade coletiva na-
de uma mesma pesquisa. cional-popular. Pensando assim, Gramsci podia
ver em Maquiavel um precursor do jacobinismo,
De fato, no caderno 12, Gramsci se refere
como alguém que percebe no universalismo da
implicitamente aos intelectuais orgânicos da bur-
Igreja de Roma o inimigo a ser batido a fim de que
guesia e aos necessários ao proletariado: “Cada
prevalecesse uma vontade coletiva representada
grupo social, nascendo no terreno originário de
na figura do Príncipe, maneira pela qual as clas-
uma função essencial no mundo da produção eco-
ses subalternas se fariam protagonistas da forma-
nômica, se cria juntamente, organicamente, uma
ção de um Estado territorial pelo qual se difundis-
ou mais camadas de intelectuais que lhe dão
se o Renascimento como fenômeno de massa. A
homogeneidade e consciência da própria função
difusão do Renascimento como fenômeno de
não só no campo econômico, mas também no
massa poderia ser a geradora de uma civilização
social e político”. Depois é que amplia a questão
de homens universais, como Gramsci percebia em
para os intelectuais originados da época feudal e
Leonardo da Vinci.
arremata: “A categoria dos eclesiásticos pode ser
considerada a categoria intelectual organicamente Sorel notava os intelectuais e políticos das clas-
ligada à aristocracia fundiária” (Q 12, § 1, p. 1513- ses dominantes como partícipes de um mesmo
1514). bloco histórico, mas precavia a classe dos produ-
tores da geração de intelectuais ou dirigentes que
A explicação das razões pelas quais na Itália
poderiam vir a ser beneficiários de outras formas
do século XVI não se formou uma vontade cole-
de dominação. Daí seu antijacobinismo, sua pos-
tiva que unificasse a península sob forma de mo-
tura de cisão da vida política e intelectual dos do-
narquia absoluta, Gramsci encontra nas caracte-
minantes, sua negação da forma partido político.
rísticas cosmopolitas dos intelectuais, cuja origem
Gramsci, que na juventude teve uma visão bas-
remonta ao Império Romano, mas que a Igreja de

71
GRAMSCI E A EMANCIPAÇÃO DO SUBALTERNO

tante aparentada a essa, nos Cadernos passa a ver operária assuma a perspectiva da totalidade.
o jacobinismo precisamente como a ação de um
Assumir a perspectiva da totalidade comporta
grupo dirigente gerado e organicamente vincula-
dois significados plausíveis, que se completam.
do às classes subalternas, ainda que em graus e
O primeiro seria que a classe operária assume a
medidas diferentes.
perspectiva do interesse do conjunto das classes
Em seu diálogo com Sorel (mediado por subalternas no processo de negação da
Maquiavel), Gramsci concebe o partido revolu- subalternidade, ou seja, no processo de emanci-
cionário como um intelectual orgânico coletivo, pação da exploração e da opressão, implicando
formado como instrumento concreto capaz de ca- um programa, um projeto, um momento de cons-
nalizar a rebeldia dos subalternos, de recompor trução. O segundo seria que deveria se dotar de
os fragmentos ideológicos de recusa da ordem, uma perspectiva cultural e teórica adequada, que
de promover uma reforma moral e intelectual que metodologicamente parta do princípio que “eco-
negue a subalternidade, concebendo um novo pro- nomia” e “política”, sociedade civil e Estado são
jeto de vida social. A rebeldia espontânea das clas- uma mesma e única realidade, que pode ser abor-
ses subalternas é conduzida para um projeto de dada por diferentes pontos de aproximação; essa
hegemonia, não deixada entregue ao perspectiva da totalidade não poderia ser outra que
espontaneísmo, como em Sorel. a oferecida pela filosofia da práxis.
Continuando a interlocução com Sorel, sem- Decerto que as classes subalternas não são
pre no caderno 13, Gramsci discute como as di- apenas a classe operária e o campesinato, mesmo
versas formas de sindicalismo e corporativismo quando o argumento gira em torno da crítica ao
preservam a condição subalterna da classe operá- capitalismo, ainda que dependa muito do grau e
ria, exatamente por não colocar no horizonte o da fase de desenvolvimento em que se encontra
problema da hegemonia, imprescindível para a determinada nação ou povo. Artesãos também são
fundação de uma nova ordem, de um novo Esta- sobrevivências da ordem feudal ou outras, assim
do. O limite teórico do sindicalismo corporativo, como são estratos de comerciantes ou de intelec-
mesmo na vertente revolucionária soreliana é o tuais tradicionais. Todos esses grupos sociais são
economicismo, antes de tudo porque reproduz a subalternos e tendem sofrer a hegemonia burgue-
visão da vida social que é própria do liberalismo, sa, “a iniciativa da classe dominante”. Não é dife-
da ideologia da classe dominante. rente com a classe operária, com o proletariado
industrial, a não ser por um ponto decisivo: a classe
Ao identificar todo o político como instância
operária produz a mais-valia do qual o capital se
de dominação da classe no poder, o sindicalismo
alimenta, e é capaz, ainda que com enormes difi-
revolucionário reconhece como real a falsa
culdades, de produzir também intelectuais orgâ-
dicotomia entre o econômico e o político, entre a
nicos e cultura crítica. Por outro lado, “a massa
sociedade civil e o Estado. De modo que o
dos camponeses, ainda que desempenhe uma fun-
sindicalismo é uma variante do economicismo, é
ção essencial no mundo da produção, não elabora
ideologia de uma classe que continua a ser subal-
intelectuais ‘orgânicos’ próprios e não assimila
terna. O sindicalismo teórico “enquanto se refere
nenhuma camada de intelectuais ‘tradicionais’
a um grupo subalterno, ao qual com essa teoria se
[...]” (Q 12, § 1, p. 1514).
impede de vir a ser alguma vez dominante, de de-
senvolver-se para além da fase econômico- Caberia então à classe operária, uma classe
corporativa para elevar-se à fase de hegemonia subalterna particular, agrupar o conjunto das clas-
ético-política na sociedade civil e dominante no ses subalternas para a luta contra o capitalismo e
Estado” (Q 13, § 18, p. 1590). por uma nova ordem social. Para isso, era im-
prescindível conhecer/transformar suas culturas
Na teoria e na ação política, “a luta pode e deve
particulares e fragmentárias que se expressavam
ser conduzida desenvolvendo o conceito de
como folclore, como religião, como senso co-
hegemonia [...]” (Q 13, § 18, p. 1595-1596), con-
mum, e, por meio de um “progresso intelectual
dição para que a classe operária possa se emanci-
de massas”, gerar uma nova cultura, invólucro de
par da situação de subalternidade. O que pode sig-
uma nova hegemonia e de um novo bloco históri-
nificar essa afirmação? Que a condição subalter-
co. Para isso tudo, a formação de uma camada de
na só pode vir a ser superada desde que a classe
intelectuais orgânicos seria imprescindível.

72
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 29: 63-78 NOV. 2007

O que Gramsci faz é, ao fim das contas, de, nas condições de implantação do fordismo, “a
aprofundar e desenvolver a fórmula política da hegemonia nasce da fábrica e necessita apenas,
frente única e da aliança operário-camponesa, com para ser exercida, de uma quantidade mínima de
as quais trabalhava no momento da prisão. So- intermediários profissionais da política e da ideo-
mente uma coalizão do conjunto das classes su- logia” (Q 22, § 2, p. 2146).
balternas, orientadas pela classe operária e seus
Ora, a novíssima classe operária ainda está em
intelectuais orgânicos – o Príncipe moderno –,
construção, não é e ainda está longe de ser uma
poderia se constituir em força antagônica e alter-
classe em condições de colocar em questão a
nativa ao capitalismo.
hegemonia em disputa. Pelo momento, é ainda um
Assim, o conjunto das classes subalternas, grupo subalterno, uma classe subalterna que não
negando sua condição por meio de uma reforma consegue se unificar e muito menos ser o núcleo
moral e intelectual, com sua associação de vonta- de um arco de alianças no qual se veja a frente
des, transformar-se-ia em uma nova sociedade única das classes subalternas. Por um lado, é muito
civil (e em um novo Estado), materializando uma mais avançada do que a classe operária russa que
nova hegemonia. Quando fala de nova sociedade fez a revolução socialista ou a classe operária ita-
civil e de novo Estado, Gramsci supõe o Estado liana que pôs em prática a tão marcante experiên-
operário, o Estado socialista. Esse Estado é obra cia dos conselhos de fábrica, mas, por outro, é
do conjunto dos grupos sociais que se emancipa- uma força política e cultural apenas potencial e
ram da subalternidade e alcançaram o estatuto de muito embrionária. A racionalização capitalista da
construtores de uma nova civilização. produção sob a forma taylorista e fordista, como
avanço do maquinismo e do automatismo, gera
V. GRAMSCI EM FÓRMIA
uma situação contraditória de aprofundamento da
Um indício forte dessa leitura encontra-se pre- alienação e de criação das condições para a nega-
cisamente no desenvolvimento do trabalho de ção da subalternidade operária. Cria a condição
Gramsci depois de ser transferido do cárcere de para que o indivíduo trabalhador se aproprie par-
Turi para a clínica de Fórmia. Retoma, então, no cialmente da técnica produtiva, mas o isola e frag-
caderno 22, o projeto de reflexão crítica sobre o menta do ser classe operária.
americanismo e fordismo, que parecia ter sido
No caderno 25, Gramsci recolhe, com pou-
deixado para trás, voltando a insistir e mostrar a
cas mudanças, as anotações anteriormente feitas
importância crucial da classe operária no mundo
e atribui o nome, nesse caderno especial, de Nas
moderno.
margens da história. História dos grupos sociais
Se, nos cadernos 25 e 27, Gramsci trata da subalternos. O convite ao trabalho é de uma
história e da cultura dos grupos subalternos que imensidão significativa e Gramsci oferece apenas
sobrevivem, no caderno 22, debruça-se sobre o alguns poucos indícios, mas a orientação da pes-
novíssimo produzido pelo capitalismo: o quisa está clara e definida. De certa forma, é um
americanismo fordista. O americanismo fordista contraponto com o temário do caderno 22.
é, para Gramsci, um intento de anular a lei
Nesse caderno 25, o parágrafo 14 do caderno
tendencial da queda do lucro capitalista, quando
3 é transcrito com modificações. Antes de tudo, o
então “as classes subalternas, que teriam que ser
título assume seu caráter de Critérios
‘manipuladas’ e racionalizadas de acordo com as
metodológicos. Percebe-se que a expressão “clas-
novas metas, necessariamente resistem” (Q 22, §
ses subalternas” é substituída por “grupos subal-
1, p. 2139). Aqui, a iniciativa da classe dominante
ternos”, mas não desaparece do texto. Agora,
é de tal ordem que “a racionalização determinou a
Gramsci explicita que a tendência à unificação
necessidade de elaborar um novo tipo humano,
desses grupos é continuamente destroçada pela
adequado ao novo tipo de trabalho e de processo
iniciativa dos grupos dominantes, de modo que
produtivo” (Q 22, § 2, p. 2146).
essa tendência pode ser demonstrada apenas em
A classe operária fordista ainda está sendo ela- caso de sucesso. Gramsci também explicita me-
borada pela iniciativa hegemônica da burguesia, lhor a passagem do caderno 3: “Os grupos subal-
de modo que ainda não se mostrou capaz de criar ternos sofrem sempre a iniciativa dos grupos do-
supra-estruturas de classe que a levassem a colo- minantes, mesmo quando se rebelam e se insur-
car em pauta a questão da hegemonia. Na verda- gem: só a vitória ‘permanente’ rompe, e não ime-

73
GRAMSCI E A EMANCIPAÇÃO DO SUBALTERNO

diatamente, a subordinação. Na realidade, mesmo ternas tendo em mente o projeto de sua emanci-
quando parecem triunfantes, os grupos subalter- pação. Historiador aqui não é apenas o especialis-
nos estão só em estado de defesa alarmada” (Q ta nos estudos dos acontecimentos do passado,
25, § 2, p. 2283-2284). mas é o intelectual orgânico que faz a história jun-
to com as classes subalternas, no sentido de
Essa passagem é mais explícita e, ao mesmo
práxis. É preciso conhecer a origem e o desen-
tempo, mais ampla e profunda. A expressão “gru-
volvimento dos grupos sociais subalternos, seu
pos subalternos” refere-se também a camadas
grau de adesão à ordem existente, sua capacidade
sociais que não podem ser definidas como classe
de impor reivindicações próprias, o surgimento
propriamente dita, como o caso de grupos inte-
de formações dos grupos dirigentes voltados a
lectuais ou mesmo de classes que não se forma-
manter a subalternidade, o surgimento de forma-
ram ainda como tal. Por outro lado, Gramsci acen-
ções dos grupos subalternos que afirmem seus
tua a dificuldade em se romper a subalternidade e
interesses dentro da ordem ou que lutem contra a
o risco da ilusão de vitória. Parece que, aqui,
subalternidade.
Gramsci repercute as dificuldades e os proble-
mas que se desdobravam na União Soviética4. Ao fim das contas, Gramsci insiste no proble-
ma posto em 1923, sobre a necessidade de se
Gramsci aprofunda suas observações
conhecer a Itália a fim de transformá-la. Apenas
metodológicas no parágrafo 5, no qual mostra
que agora seu ângulo de visão é muito mais amplo
cabalmente a impossibilidade de se fazer uma his-
e universal. Continua também acompanhado da
tória (e de se fazer política) das classes subalter-
interlocução com Sorel. Para Gramsci, em sínte-
nas dissociada da totalidade social, que se expres-
se: “o historiador deve notar e justificar a linha de
sa a partir do Estado das classes dirigentes. Diz
desenvolvimento em direção à autonomia integral,
Gramsci a propósito: “A unidade histórica das clas-
desde as fases mais primitivas, deve notar cada
ses dirigentes ocorre no Estado e a sua história é
manifestação de soreliano ‘espírito de cisão’”. São
essencialmente a história dos Estados e dos gru-
imensas, porém, as dificuldades para o historia-
pos de Estados”. De modo que “a unidade históri-
dor que projeta a história, não só por conta da
ca fundamental, pela sua concretude, é o resulta-
fragmentação dos grupos subalternos, mas tam-
do das relações orgânicas entre Estado ou socie-
bém em razão das “repercussões das atividades
dade política e ‘sociedade civil’. As classes subal-
bem mais eficazes, pois que surgidas do Estado,
ternas, por definição, não são unificadas e não
dos grupos dominantes sobre aqueles subalternos
podem unificar-se até que não possam vir a ser
e sobre os seus partidos” (Q 25, § 5, p. 2288-
‘Estado’: a sua história, portanto, é entrelaçada
2289).
com a da sociedade civil, é uma função
‘desagregada’ e descontínua da história da socie- Gramsci começa o caderno 25 exatamente
dade civil e, por esse trâmite, da história dos Es- com a sugestão de um trabalho monográfico de
tados e dos grupos de Estados” (Q 25, § 5, p. pesquisa. Aborda o fenômeno histórico-social de
2288). Davide Lazzaretti (1834-1878), um líder rebelde
emerso das camadas subalternas da Toscana. Pro-
As classes subalternas podem compor um novo
feta místico, Lazzaretti era também um pregador
Estado, uma nova totalidade, precisamente a par-
em oposição à monarquia, tal como se apresenta-
tir do momento em que negam a subalternidade e
va a Igreja. Gramsci critica a bibliografia existen-
se emancipam. Conhecer e transformar são as-
te sobre o evento, identificando a tendência a se
pectos e momentos da filosofia da práxis, da ci-
isolar o fato, a fim de que fosse atribuída uma
ência da história e da política. Por isso, Gramsci
natureza patológica ao personagem central da tra-
enuncia alguns pontos essenciais de pesquisa para
ma, já que, “para uma elite social, os elementos
quem se arrisca a fazer história das classes subal-
dos grupos subalternos têm sempre alguma coisa
de barbaresco e de patológico” (Q 25, § 1, p.
4 É sempre bom lembrar que uma citação isolada muito 2279).
pouco pode garantir, mas se observarmos outras linhas dos Assim, a literatura existente, na verdade, con-
Cadernos nas quais Gramsci sugere estar a União Soviética
templando os interesses das classes dominantes,
em estágio “econômico-corporativo”, percebemos como
entende a subalternidade não ter sido efetivamente vencida procurava “esconder as causas do mal-estar ge-
naqueles países. ral que existia na Itália depois de 1970, dando a

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 29: 63-78 NOV. 2007

cada um dos episódios de explosão de tal por sua vez, manifestam sua autonomia por meio
mal-estar, explicações restritivas, individuais, de organizações econômicas, políticas e culturais.
folclorísticas, patológicas etc. A mesma coisa O empenho do Estado e da classe dominante é
ocorreu em maior dimensão para o ‘brigantaggio’ submeter essa autonomia e bloquear o eventual
meridional e das ilhas” (Q 25, § 1, p. 2280). desenvolvimento do “espírito de cisão”, caminho
para a negação da subalternidade, constituindo a
O interesse de Gramsci nesse episódio parti-
hegemonia.
cular encontra-se precisamente na manifestação
de “popularidade e espontaneidade”, assim como Nessa mesma linha de reflexão segue o cader-
“qual tendência subversiva-popular-elementar po- no 27, composto apenas por algumas poucas pá-
dia nascer entre os camponeses em seguida ao ginas tratando de Observações sobre o “folclo-
abstencionismo político clerical e ao fato de que re”. Gramsci observa como a literatura existente,
as massas rurais, na ausência de partidos regula- sendo sempre uma expressão da “ciência” das
res, se procuravam dirigentes locais que emer- classes dominantes, concebe a Ciência do folclo-
giam da própria massa, misturando a religião e o re apenas como uma coleção de informações pi-
fanatismo ao conjunto de reivindicações que de torescas que podem se manifestar como conhe-
forma elementar fermentavam nos campos” (Q cimento erudito. Para Gramsci, no entanto, o fol-
25, § 1, p. 2280 bis). clore deveria ser estudado, tal como entendem
certas correntes da Antropologia, como cultura,
Nas páginas desse caderno, Gramsci tece con-
mais especificamente como cultura popular. Diz
siderações sobre aspectos da história dos grupos
então Gramsci sobre o folclore: “Ocorreria estudá-
subalternos na Roma antiga e na época feudal e
lo em vez como ‘concepção do mundo e da vida’,
destaca que “no Estado antigo e naquele medie-
implícita em grande medida, de determinados es-
val, a centralização, seja político-territorial, seja
tratos (determinados no tempo e no espaço) da
social, (e um não é mais que função do outro) era
sociedade, em contraposição (também essa no
mínima”. Nessa situação, “os grupos subalternos
mais implícita, mecânica, objetiva) com as con-
tinham uma vida própria, em si, instituições pró-
cepções do mundo ‘oficiais’ (ou em sentido mais
prias etc., e às vezes essas instituições tinham
amplo das partes cultas da sociedade historica-
funções estatais, que faziam do Estado uma fede-
mente determinadas) que se sucederam no de-
ração de grupos sociais com funções diversas não
senvolvimento histórico. (Assim a estreita relação
subordinadas [...]”. Em contraposição, “o Estado
entre folclore e “senso comum” que é o folclore
moderno substitui o bloco mecânico dos grupos
filosófico). Concepção de mundo não só não ela-
sociais pela subordinação à hegemonia ativa do
borada e sistemática, porque o povo (ou seja, o
grupo dirigente e dominante, de modo que abole
conjunto das classes subalternas e instrumentais
algumas autonomias, que porém renascem de outra
de cada forma de sociedade que até agora existiu)
forma, como partidos, sindicatos, associações de
por definição não pode ter concepções elabora-
cultura”. Referindo-se ao fascismo, Gramsci anota
das, sistemáticas e politicamente organizadas e
ainda que “as ditaduras contemporâneas abolem
centralizadas no seu contraditório desenvolvimen-
legalmente também essas novas formas de auto-
to, mas que pelo contrário são múltiplas – não só
nomia e se esforçam para incorporá-las na vida
no sentido de diverso, e justaposto, mas também
estatal: a centralização legal de toda a vida nacio-
no sentido de estratificado do mais grosseiro ao
nal nas mãos do grupo dominante se faz ‘totalitá-
menos grosseiro – se até mesmo não se deve fa-
rio’” (Q 25, § 4, p. 2287).
lar de um aglomerado indigesto de fragmentos de
Gramsci avalia então como os grupos subal- todas as concepções de mundo e da vida que se
ternos da Antiguidade Clássica e da época medie- sucederam na história, das quais a maior parte,
val se acoplavam ao grupo dominante, mas tinham ou seja, só no folclore se encontram as sobrevi-
uma vida própria, normas e padrões culturais pró- vências documentais mudadas e contaminadas”
prios. Em caso de sanada a dificuldade documen- (Q 27, § 1, p. 2311-2312)
tal, a história desses grupos não seria difícil de
Essa longa e pouco clara passagem exige bem
ser elaborada. Na época burguesa, o Estado tende
um comentário. A rigor, para Gramsci, o folclore
a centralizar a atividade da classe dominante, ten-
é composto pela concepção de mundo e de vida
de a coordenar a hegemonia sobre a classe operá-
das classes subalternas. Mas essa concepção de
ria e o conjunto dos grupos subalternos. Estes,

75
GRAMSCI E A EMANCIPAÇÃO DO SUBALTERNO

mundo e de vida também se contrapõe à visão de imposição da subalternidade. Mas Gramsci não
mundo e de vida dos grupos dirigentes e, mais deixa de notar a presença do “espírito popular
especificamente, de seus intelectuais. Essa criativo” no folclore, criações culturais espontâ-
contraposição, em geral, ocorre sob forma de neas que podem ser elementos de negação da
releitura fragmentada da cultura dos grupos diri- subalternidade. No folclore, aparecem esponta-
gentes em sucessão histórica. Ainda mais, a con- neamente momentos de autonomia e de antago-
cepção de mundo e de vida das classes subalter- nismo dos grupos sociais subalternos.
nas é múltipla, estratificada, justaposta e mistura-
Da mesma maneira, Gramsci também sugere
da, já que essas camadas sociais, por sua própria
que, frente à filosofia da práxis, toda a religião e
condição, não podem contar com uma visão de
toda a filosofia das classes dirigentes e de seus
mundo e da vida sistemática e elaborada como
intelectuais podem ser encaradas como folclore,
Filosofia.
como camadas culturais de um tempo que deverá
O “senso comum” é o sedimento superior do ser passado. Na verdade, a própria filosofia da
folclore, porquanto é folclorização da Filosofia das práxis pode encontrar aspectos de folclore em seu
classes dirigentes. Assim, a Filosofia e a Ciência processo de desenvolvimento e de difusão. So-
modernas oferecem sempre novos elementos que mente com o aprofundamento dessa perspectiva
se transformam em senso comum, em folclore. crítica é que se poderá induzir “o nascimento de
Parece que aquilo que Gramsci chama de uma nova cultura nas grandes massas populares,
“lorianismo” seja precisamente uma forma de fol- ou seja, desaparecerá o destaque entre cultura
clore da ciência. De modo que “o folclore pode moderna e cultura popular ou folclore. Uma ativi-
ser entendido só como um reflexo das condições dade desse gênero, feita em profundidade,
de vida cultural do povo, se bem que certas con- corresponderia no plano intelectual a isso que foi
dições próprias do folclore se prolonguem mes- a Reforma nos países protestantes” (Q 27, § 1, p.
mo depois que as condições sejam (ou pareçam) 2314).
modificadas ou dêem lugar a combinações bizar-
VI. CONSIDERAÇÕES FINAIS
ras” (Q 27, § 1, p. 2312).
Algumas conclusões muito provisórias podem
A religião é outro elemento conectado com o
ser avançadas ao fim deste breve escrito. Pode-se
folclore (e com o senso comum), particularmen-
dizer, antes de tudo, que há uma continuidade sig-
te por configurar uma moral. Note-se que, no
nificativa de preocupações no conjunto da obra
catolicismo, e também na vertente ortodoxa do
de Gramsci. Desde muito jovem, Gramsci esteve
cristianismo, há uma diferença significativa entre
voltado, em sua ação política e cultural, para o
a religião popular (dos simples) e a religião dos
problema da emancipação, para a questão da li-
intelectuais. Nesse campo da moral religiosa, tam-
berdade. Partindo de uma consciência relativamen-
bém devem ser discernidos os diversos estratos
te difusa da situação de opressão em que vivia a
culturais: “aqueles fossilizados que espelham con-
Sardenha, Gramsci concebe uma análise que ob-
dições de vida passada e, portanto, conservado-
serva toda a região meridional da Itália como uma
res e reacionários, e aqueles que são uma série de
zona colonial, que faz do campesinato uma cama-
inovações, muitas vezes criativas e progressivas,
da social particularmente submetida. No entanto,
determinadas espontaneamente de formas e con-
foi a vivência com a classe operária de Torino que
dições de vida em processo de desenvolvimento e
informou Gramsci da contradição e da explora-
que estão em contradição, ou somente diferentes,
ção capitalista, amadurecendo, então, nele, a con-
da moral dos estratos dirigentes” (Q 27, § 1, p.
vicção da necessidade do desenvolvimento do “es-
2313).
pírito de cisão” como condição fundamental da
Veja-se como, na reflexão de Gramsci, apare- emancipação do trabalho.
cem elementos que enriquecem e diversificam o
Assim, de suas ações e reflexões sobre os con-
conceito e o entendimento de folclore. Longe de
selhos de fábrica, em 1919-1920, até o estudo
ser um universo fixo e estéril, o folclore é apre-
sobre o americanismo-fordismo contido no ca-
sentado como um universo de representações
derno 22, de 1934, Gramsci esteve mergulhado
ideológicas no qual a religião, a moral, a ciência e
na questão da emancipação da classe operária. Na
a filosofia se estratificam e se misturam, ganhan-
verdade, mesmo antes, quando escrevia artigos
do formas diversas e móveis de dominação e de

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 29: 63-78 NOV. 2007

jornaleiros de crítica cultural, literária e artística, fendia. Da mesma forma, Gramsci ampliou seu
a reflexão de Gramsci guardava esse objetivo e raio de visão, perscrutando, a partir da questão
desde logo fê-lo compreender que a emancipação meridional italiana, uma questão meridional plane-
não poderia jamais se limitar a uma mudança pura tária, composta por imensa e diversificada zona
e simples das condições materiais ou jurídicas e colonial. Eis a importância cultural e política do
que mesmo essas exigiriam uma capacidade de estudo da lingüística, do folclore e de outros te-
auto-organização, de auto-educação e de autono- mas que se propôs a estudar na vida de prisionei-
mia das massas exercitando e desenvolvendo o ro do fascismo.
“espírito popular criativo”.
Gramsci notou também que a própria classe
Pode-se dizer que, mesmo antes da fundação operária era uma composição histórica e social
do Partido Comunista, em 1921, no cabedal cul- diferenciada. Não era a mesma na Rússia, na Ale-
tural e teórico de Gramsci, já se encontravam pre- manha, na Itália ou nos Estados Unidos. Por evi-
sentes os elementos que lhe possibilitaram o de- dente que possa parecer essa assertiva, nela está
senvolvimento teórico realizado em seguida e cul- implícita uma questão de método muito impor-
minado nos Cadernos do cárcere. Em sua fase de tante, com implicações políticas bastante sérias.
dirigente do PCI, Gramsci perseguiu o objetivo Avaliar a origem social e histórica, a experiência
de emancipar a classe operária da ideologia refor- pregressa de luta e a cultura popular é importante
mista positivista que garantia a subalternidade ope- no processo de constituição da classe operária,
rária e também contribuía fortemente para pre- de sua capacidade de se elevar culturalmente e
servar a condição de opressão na qual os campo- propor uma nova hegemonia, superando a
neses se encontravam reduzidos. De início (ainda subalternidade.
junto a Bordiga), preocupou-se com a unificação
Parece que Gramsci percebera, no cárcere, que
da classe operária, mas depois seu campo de vi-
a classe operária da Europa, com toda a sua di-
são se ampliou e se focou na questão da aliança
versidade, fora derrotada em 1921 e que a “época
operário-camponesa, no problema da unificação
de revolução passiva” que então se iniciara, entre
das classes exploradas e oprimidas sob o capita-
outras coisas, tendia a remodelar o perfil da clas-
lismo. Era o momento da ruptura com Bordiga e
se operária, como “iniciativa dos grupos domi-
da tradução de Lênin para a particularidade italia-
nantes”. Era o caso exemplar do americanismo-
na no contexto do capitalismo.
fordismo com seu potencial universalizante no
Gramsci era já ciente de como os intelectuais contexto do capitalismo. A classe operária havia
socialistas eram subalternos às classes dirigentes sofrido uma grave derrota histórica e começava a
e como serviam de intermediários para manuten- ser recomposta sob o padrão fordista-taylorista
ção da classe operária na situação de impotência. de produção capitalista e a própria União Soviéti-
Refletia com acuidade sempre maior no papel dos ca se encontrava em um estágio “econômico-
intelectuais na manutenção da situação de atraso corporativo”, ou seja, num estágio muito primá-
do Mezzogiorno. Sem que a classe operária for- rio da transição socialista.
masse seus próprios intelectuais e sem que se
Não seria então o caso de ampliar e aprofundar
desorganizasse o bloco intelectual meridional, a
o campo de visão analítica tanto da classe operá-
emancipação dos trabalhadores não seria possí-
ria, do campesinato, da intelectualidade, todos
vel. Às vésperas da prisão, Gramsci havia já con-
esses grupos sociais em mutação e vivendo tem-
cebido uma estratégia para a revolução antifascista
pos históricos diferentes, passando a se utilizar
e anticapitalista, sintetizada na fórmula política da
um conceito mais amplo, mais abrangente, como
frente única e da aliança operário-camponesa.
o de classes subalternas ou de grupos sociais su-
No cárcere, Gramsci aprofundou e ampliou balternos? O problema teórico-prático continua-
notavelmente essa linha de reflexão e pesquisa. va a ser o mesmo, apenas que ciente do grau imen-
Percebeu a enorme diversidade do mundo cam- so de complexidade: como se forjar uma frente
ponês, sua riqueza cultural, as manifestações do única das classes subalternas tendo em vista sua
“espírito popular criativo”, sempre em busca de emancipação da exploração e opressão do capital,
virtualidades antagônicas do campesinato e da partindo de sua diversidade e fluidez e da produ-
cultura popular que pudessem enriquecer a alian- ção de sempre novas formas de folclore, que fi-
ça com a classe operária, tal como Gramsci de- cou conhecida como cultura de massas. Catego-

77
GRAMSCI E A EMANCIPAÇÃO DO SUBALTERNO

rias fixas e imutáveis pouco ou nada contribuiri- mento operário, da sociedade do trabalho, do
am para a construção do devir histórico. fordismo, quando é colocada em discussão a pró-
pria existência de uma classe operária. A fluidez
Certo que o método de Gramsci, seu
da luta social, a existência de movimentos de gru-
historicismo radical, ofereceu condições não só
pos subalternos os mais variados, localizados ou
para que sua obra fosse mal-entendida ou mesmo
globalizados, permitem que Gramsci viva no sé-
manipulada, assim como categorias que foram de
culo XXI e nos coloque o desafio de descortinar
seu uso encontraram outros usos que em nada
o novíssimo, que poderá (ou não) conduzir a for-
coincidiam com os objetivos do autor sardo. Mas,
mação da frente única das classes subalternas do
por outro lado, a fluidez dos grupos subalternos
capitalismo mundializado como Império. Mas con-
percebidas por Gramsci no momento que escre-
dição para que isso ocorra é que a própria filoso-
via tem semelhanças significativas com o mundo
fia da práxis não seja dada por alguma espécie de
de hoje, quando muito se fala da crise do movi-
folclore (MONAL, 2003).

Marcos Del Roio (delroio@terra.com.br) é Doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo
(USP) e Professor de Ciência Política da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp).

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a realidade. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira.

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 29: 227-230 NOV. 2007

* * *
GRAMSCI AND THE EMANCIPATION OF THE SUBALTERN
Marcos Del Roio
In his Prison Notebooks, Gramsci worked with the notion of subaltern classes and groups, a
concept that has been incorporated by the Social Sciences and current Historiography. Correlatedly,
problems of common sense, folklore and religion are presented. It is important to raise the question
of the theoretical and political implications of Gramsci’s elaborations, contextualizing them within
the entirety of his theoretical and political production, even if only to contest the common uses of the
concept and their real relationship to Gramsci, or to examine to what extent this author can be
considered relevant for interpretations of the conditions of social struggle in contemporary capitalism.
KEYWORDS: Antonio Gramsci; emancipation; subaltern classes.
* * *

229
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 29: 233-236 NOV. 2007

* * *
GRAMSCI ET L’EMANCIPATION DU SUBALTERNE
Marcos Del Roio
Dans les Cahiers de Prison, Gramsci s’est servi de la notion de classes et de groupes subalternes,
concept employé désormais par les Sciences Sociales et par l’Historiographie actuelle. De même,
les problèmes du sens commun, du folklore et de la religion y figurent. Il est important de mettre en
question les implications théoriques et politiques de la pensée de Gramsci, et ainsi la constextualiser
dans l’ensemble de sa production théorico-politique, pour refuser l’usage courant de ce concept et
sa vraie relation avec Gramsci. Il faut aussi examiner à quel point cet auteur doit être considéré
comme actuel pour l’interprétation des conditions des luttes sociales dans le capitalisme contemporain.
MOTS-CLÉS: Antonio Gramsci; émancipation; classes subalternes.
* * *

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