Você está na página 1de 11
OS DES{GNIOS DE APOLO SOBRE A APOLOGIA E O CRITON DE PLATAO 1, Uma questéo a dilucidar Dois didlogos de Plato, escritos na sua juventude, a Apologia de Sécrates e o Criton levantam, ainda hoje, problemas delicados de interpretacdo. Pretendemos neste trabalho dilucidar a seguinte questo: existe ou nfo uma dissondncia entre os dois didlogos? Sejamos mais precisos. O que desejamos saber é se ha na Apologia uma rebeldia em relagdo as leis da Cidade e no Criton uma defesa da obediéncia a essas mesmas leis. Ora, é fundamen- talmente a esta pergunta que se dirige o presente ensaio procurando uma resposta para um tema que nao é facil. Aproveitemos, ainda, estas linhas introdutérias para referir outra dificuldade presente nos primeiros dialogos de Platéo. Como é sabido a Apologia e o Criton pertencem a um grupo designado, por vezes, como didlogos socraticos. Tal designagao pretende in- dicar que os primeiros didlogos de Plataéo expdem, ou pelo menos apresentam uma forte presenga da doutrina socratica. N&o sera nossa preocupagéo o resolvermos este problema. Abordaremos a Apologia e o Criton neste ensaio sem tentarmos discernir 0 que é pertenga de Sécrates ou de Platao. ‘Anotemos, apenas de passagem, que algumas linhas de forca presentes nestes didlogos se prolongam noutras obras de Platao. Mas este ponto nao sera o fundamental do nosso trabalho. 2. Uma incumbéacia da divindade A Apologia tem como cenario o tribunal de Atenas onde S6- crates faz a sua defesa contra as acusag6es que lhe so movidas. — 39 Esta defesa assenta no sentido que deve ser conferide a sua inves- tigagfo filoséfica. Isto é, Sécrates vai mostrar qual a natureza da sua indagac&o que 0 levou a discutir com os politicos, os poetas € os artifices pondo a descoberto a sua ignorancia, procedimento esse que o levou a possuir uma série de inimigos, E importante para a compreensfo deste assunto a seguinte passagem da Apologia: “.-, OS que assistem a estas discussdes pensam sempre que eu sou sabio naquelas matérias em que demonstro a ignorancia dos outros. Tal sabedoria, Atenienses, possui-a certamente o deus, que, muito provavelmente, quis significar com o seu ordculo que a ciéncia do homem é de escasso ou nulo valor. E é evidente que, ao falar de Sécrates, se serviu apenas do meu nome para me apresentar como exemplo, como se dissesse: «O mais sabio de vés, 6 mortais, € aquele que, como Sécrates, reconheceu que © seu saber é, na verdade, inteiramente desprovido de valor». Estas investigacées, continuo ainda hoje a realiz4-las pela cidade, interrogando, de acordo com o oraculo do deus, todo aquele cidadao ou estrangeiro que me parece ser sabio. E, quando chego & conclusao contraria, € em defesa do deus que demonstro a sua ignorancia» (+). Acusado de introduzir novas divindades e de corromper a juventude Socrates defende-se apresentando a origem e o signi- ficado da sua indagacao. (2) Platio, Apologia de Sécrates. Criton, Coimbra, I.N.LC., 1984, Intro- ducio, versio do grego e notas de Manuel de Oliveira Pulquério, 23 a-b. As citagdes destes dois didlogos sio extraidos desta edicao, Tndiquemos, ainda, as seguintes edigdes portuguesas destes didlogos de Platio: Eutifron. Apologia de Sécrates, Criton. Traducio, introducdo e notas de José Trindade dos Santos, Lisboa, Imprensa Nacional -Casa da Moeda, 1985; Apologia de Sécrates. Tradugio de Anténio Monteiro e notas de Lu{s Martins, Sintra, Mar-Fim, *1988; Apologia de Sécrates, Tradugio, prefécio e notas de Pinharanda Gomes, Lisboa, Guimarges Editores, 1988, 40 — f relevante nesta passagem uma concepcio de sabedoria que entronca, por sua vez, no corpo de saber mais antigo. Dois pontos podemos destacar para uma melhor compreensao de um tema impor- tante para a nossa interpretacao: a) a sabedoria s6 pertence a divindade: 5b) Sécrates € 0 porta-voz do deus. Os pontos destacados, como ja dissemos, remetem-nos para 0 mais antigo corpo de saber que encontramos presente, igualmente, nalguns pré-socraticos. Na passagem que estamos a analisar nao encontramos qualquer inovagdo quanto & natureza do saber, isto 6, encontramo-nos perante uma continuidade. De facto, a sabedoria anterior a Tales de Mileto defendia a longa distancia entre o deus e o homem no respeitante ao saber. E a filosofia pré-socratica, através de alguns dos seus represen- tantes, ira acentuar a mesma tonica. © que dissemos mostra o cruzamento entre a religiéo e a filosofia bem patente, ao que nos parece, na Antiga Grécia até aos inicios do século IV a.C., época em que sdo escritos a Apologia e 0 Criton. Embora os dois pontos que destacamos estejam ligados entre si, 0 segundo 6, porém, o mais importante para os objectivos da nossa indagagio. A diferenca entre o saber divino e o saber humano é facil de compreender devido ao abismo que separa os deuses dos mortais. Porém, o tema do filésofo como porta-voz do deus, introduz, todavia, uma dimensfo que convém analisar, embora, com brevidade. Ser representante do deus, no campo do saber é algo de com- plexo. No caso de Sécrates, aquele que nos interessa neste mo- mento, com base na passagem que vimos analisando, esta posico significa 0 seguinte: a) 0 saber do deus é 0 mais importante; b) um preceito do deus pode ser difundido entre os homens; c) aquele que difunde o preceito divino é um instrumento do deus; d) 0 homem que é um instrumento divino n&o é importante por ele préprio na medida em que recebeu uma deter- minada missfo: importante é apenas o deus. — 41 A partir dos tracos que assinalamos compreende-se agora me- Thor qual € 0 néicleo da defesa de Sécrates, Sécrates ndo se considera culpado dos crimes que lhe sio imputados porque a sua accéo nao é mais do que a obediéncia a um mandamento de Apolo. Ao considerar que é um instrumento ou um porta-voz do deus, Sécrates prolonga uma tradigdo: alguns pré-socraticos apresenta- ram-se desempenhando um papel andlogo aquele de Sécrates. A filosofia surgia como algo de tao importante aos olhos dos seus cultores que as palavras do filésofo ou eram ditadas por um deus ou podiam ter sido proferidas por ele. Boa parte da filosofia até aos inicios do século IV a.C. para se apresentar como o saber mais elevado, como uma paideia digna de crédito, devia trazer, portanto, a chancela da divindade. E o filésofo nesta esteira comportava-se como um homem divino na perspectiva da concepgao grega deste termo. Todas estas consideragdes, em que nos alongamos, iréo aju- dar-nos, assim o esperamos, a analisar outra passagem da Apologia: «.., dir-vos-ei mais, Atenienses, tanto faz que acrediteis em Anito como no, podeis absolver-me ou ndo me absolver, mas a minha atitude no futuro nao sera modificada, nem que eu tenha de sofrer mil vezes a morte» (?). As palavras proferidas por Sécrates tém sido encaradas, por vezes, como um desafio, como uma rebeliao contra as leis. Todavia, ao que nos parece, ndo € esta a leitura correcta da passagem, se levarmos em linha de conta o contexto em que esta inserida. Se atentarmos bem, em quaisquer circunstancias, a atitude de Sécrates teré sempre de ser idéntica em todos os momentos. De facto, se Socrates tem uma missdo a cumprir, misso essa, convém sempre relembrar, que lhe foi confiada por Apolo, ela tem de prosseguir sob pena de o filésofo cometer uma impiedade. A relac&o entre Sécrates e Apolo podera verificar-se, em nossa opiniao, num episédio extremamente curioso. Quando o filésofo tem de escolher a pena para o crime de que é acusado vai afirmar @) Apologia, 30 b-c. 42 — que ele é digno de ser alimentado a expensas da Cidade (*). Nao se trata, como se podia pensar a primeira vista, de uma bravata ou de uma atitude desdenhosa em relacao ao tribunal. Em nossa opini&o, 0 que é expresso nesta passagem é a cons- ciéncia de Sécrates em considerar-se um homem divino (‘). Mandatado pelo deus, Socrates tem de comportar-se dentro dos pardmetros que ja foram assinalados por nés. Pensamos que toda esta série de consideragées abrem 0 cami- nho para a interpretagéo global da Apologia e do Criton que ensaiaremos na parte final deste trabalho. 3. A filosofia e as leis Debrucemo-nos, agora, sobre 0 dialogo Criton, que, como veremos mais tarde, completa a Apologia. Escrito logo apés este ultimo, o Criton descreve os momentos de Sécrates na prisio ¢ 0 esforco do seu amigo Criton em persuadi-lo a evadir-se. O Criton, como ja tivemos ocasido de dizer, constitui uma pega importante para o nosso trabalho na medida em que é apon- tado como 0 dialogo em que surge a defesa das leis da Cidade. Uma breve analise ao diélogo Criton prepara-nos o caminho, assim 0 esperamos, para responder a questéo se existe ou nao uma contradicao nos dois dialogos mencionados. Numa primeira leitura a Apologia pode surgir como mais agressiva apresentando um Sécrates desdenhoso da Cidade en- quanto o Criton pode transmitir a sensagao de um dialogo sereno no qual se faz a defesa da obediéncia as leis da Cidade. Boa parte dos comentadores de Platéo nfo tem posto em relevo, ao que nos parece, a falsa acomodagao representada pelo Criton. Este dialogo, porém, representa uma critica contundente (@) Apologia, 36 d- 37 a. (4) Signi tivo desta consciéncia so as seguintes passagens: «Pois se me fizerdes morrer, no achareis facilmente outro homem como eu ligado a esta cidade pelo deus ...» (Apologia, 30); «Ora que eu sou realmente um homem dado pelo deus & cidade ...» (Apologia, 31 a-b). — 43 ao regime democratico, critica essa que Platdo mantera, pelo menos, até a Repiiblica, De facto, uma das linhas de forca que podemos destacar consiste em nao considerar o parecer da multidéio como critério de verdade: «Quem dera, Criton, que a multidao fosse capaz de rea- lizar os maiores males, contanto que fosse igualmente capaz de realizar os maiores bens! (...) 0 que faz é pura e simples- mente ao acaso» (°), Sendo assim, € necessdrio utilizar outro critério para avaliar da justeza dos argumentos avancados por Criton a favor da evaséo de Sécrates: «Os principios que até aqui afirmei no posso agora repudié-los, sé porque me encontro nesta circunstancias, A verdade € que eles me parecem exactamente os mesmos e continuo a venerd-los e honré-los como antes. (...) con- vence-te de que ndo me veras ceder as tuas razes, nem que a forga da maioria tente assustar-nos, como a criangas, com © espantalho de males piores do que os actuais, ameagando-nos com prises, mortes, confiscos de bens» (*). O Criton nao fala da missao divina levada a cabo por Sécrates. E provavel que Platio considerasse tal facto como adquirido com a Apologia. Mas nao deve passar despercebido que a andlise que Socrates vai realizar tem por base os principios que sempre defendeu. Ao longo do Criton dois pontos podem ser realgados na pers- pectiva do tema que nos interessa. O primeiro diz respeito ao elogio da Patria: «...a Patria € algo mais precioso, mais veneravel, sagrado e digno de apreco do que uma mae, um pai e todos os antepassados» (*). (©) Criton, 44 4. ©) Criton, 46 b-c, (©) Criton, 51 b. 4 A passagem que citémos poe a tonica na importancia da Cidade, no respeito que se Ihe deve manifestar, 0 que é importante para afastar (ow tentar afastar) as suspeitas que podiam existir em relagio a Socrates. O segundo ponto que desejamos mencionar pode ser ilustrado pela seguinte passagem: «Obedece-nos, pois, Sécrates, a nés [as Leis] que te cria- mos, e nao prezes os teus filhos, a tua vida, ou o que quer que seja, mais do que a justica, para que, ao chegar ao Hades, possas alegar isto em tua defesa aos que ali governam (...). Se deixares esta vida agora, morrerds vitima de uma injustica, praticada nao por nés, as Leis, mas pelos homens; se, pelo contrario, te evadires assim vergonhosamente, responderes injustica com a injustica e ao mal com o mal (...) a nossa célera perseguir-te- durante a vida...» (*). Os principios que Sécrates sempre defendeu so aplicados para se saber se € justo ou nao evadir-se do carcere e através da andlise a que procede, Sécrates conclui que a evasdo representaria um atentado contra as leis: portanto, a fuga é injusta. Ent&o, como conciliar, se o é@ possivel, os dois dialogos? A breve analise a que procedemos prepara a resposta 4 questao. A primazia dada a filosofia no Criton estabelece, em nossa opinio, a ligasdo com a Apologia: assim, estabelece-se nos dois didlogos uma linha continua. A accao de Sécrates junto dos seus concidad&os assim como a defesa no tribunal tem como base a filosofia, e na prisio para saber se o evadir-se € justo ou ndo sera ainda a filosofia, e nao a opiniio da maioria, a fornecer a resposta. Os designios de Apolo A Apologia e 0 Criton reflectem, em boa parte, a problematica e a actuacdo proprias dos finais do século V. Tendo como pano de fundo a crise aberta pela Guerra do Peloponeso deve-se por (*) Criton, 54 b-c. — 45 cm rclevo 0 empenhamento do cidadéo nos negécios da Cidade assim como a sta relagdo com as leis. Em Atenas, durante o regime democratico era normal o inte- resse e a actividade politica do cidadéo. Assim, nfo é para admirar que na Apologia Sécrates se veja obrigado a justificar o seu alhea- mento em tal matéria, alheamento esse que poderia levantar sus- peitas quanto ao seu respeito pela Cidade. A justificagao dada por Sécrates assenta na sua falta de tempo para se dedicar a actividade politica. E se é certo que o filésofo se move com dificuldade em tal terreno é certo, também, que a sua tarefa especifica lhe retira disponibilidade (°). Nesta linha é pertinente notar-se que Platdo, mais tarde, con- tinua a adoptar a mesma postura perante a actividade politica. O filosofo é desajeitado num campo onde proliferam os jogos e as intrigas: o Sécrates da Apologia assim como 0 Platéo que escreve a Repablica encontram-se afastados da vida politica quotidiana por razSes que s&o substancialmente as mesmas. O afastamento de Sécrates de uma actividade propria do cidadao ateniense, como ja dissemos, podia suscitar dividas quanto ao seu respeito pelas leis da Cidade. Ora, este era um ponto importante nas concepgdes da segunda metade do século V, tornado mais sensivel pela crise que se abatia sobre a polis desde os finais desse mesmo século. A critica dirigida aquele que conspira contra a Cidade pode observar-se com toda a clareza numa passagem célebre da Antigona de Séfocles: «se da terra preza as leis e dos deuses na justiga faz £6, grande é a cidade; mas logo a perde quem por audacia incorre no erro. Longe do meu lar © que assim for! E longe esteja dos meus pensamentos © homem que tal crime perpetrar!» (*°), (©) Socrates dedica-se a tempo inteiro & sua missiio e a prova consiste na sua pobreza. Mas nio deixa de afirmar, também, perante os juizes que se se tivesse dedicado a actividade politica, devido ao seu sentido de justica, j& teria morrido! (Cfr., Apologia, 31 a - 3ie). ($9) Séfocles, Antigona, Coimbra, LN.LC., 1984, Introducio, versio do grego ¢ notas de Maria Helena da Rocha Pereira, wy, 369-377, 46 — Sendo assim, nfo é para espantar que o Criton insista no respeito pelas leis da Cidade. Mas a Apologia e 0 Criton, como ja dissemos, nao apresentam versdes diferentes quanto a esta matéria. Ha nos dois didlogos, que estamos a examinar, de uma forma subjacente, o tracar de uma fronteira que nos permitira descortinar © nticleo da concepg&io que é defendida. A Cidade surge com o poder sobre a vida e os bens do cidadao assim como impée a este um conjunto de obrigages civicas. Mas as convicgées religiosas, o que levanta problemas delicados, encon- tram-se igualmente sob a alcada da Cidade. Como pudemos ver, na Apologia Socrates comparece no tri- bunal e é condenado pelas suas ideias religiosas assim como pela sua actuagéo junto da juventude. E, embora, no Criton surja a possibilidade da fuga, Socrates permanecera na prisdo para cumprir uma pena que ele, todavia, considera injusta. E, assim, claramente aceite o poder da Cidade sobre a vida do cidadao. Na Apologia assim como no Criton, conforme o que j& foi analisado, a actividade filoséfica entendida na perspectiva de So- crates permanece inalteravel através de todas as circunstancias. Ora, como é que tudo isto é possivel? A resposta esté no facto de a Cidade nao ser considerada com o poder de interferir em determinado plano e em determinado tipo de actuagdo. Se é apresentada a concepgio segundo a qual o saber pertence a divindade e que esta pode incumbir um homem, no caso concreto Socrates, de uma misso cujo niicleo € a transmisséo de um man- damento, ent&o estamos perante um plano que esta acima dos homens e da Cidade. Sendo assim, Sécrates tem de cumprir uma missio que, em- bora, se processe no interior da Cidade tem uma origem divina. Subjacente a Apologia descortina-se um conflito, ja antigo, entre 0 que se denomina lei no escrita (ou divina) ¢ a lei escrita (*). (1) Manuel de Oliveira Pulquério apresenta um cotejo, muito sugestivo, entre a Antigona de Séfocles e 0 Criton: «Antigona é a jovem heroina que se revolta contra 0 édito do soberano Creonte, seu tio, que proibe dar sepultura a Polinices, irmao de Antigona, morto em combate contra Tebas, Ao prestar honras finebres ao irmio, — 47 Encontramo-nos, segundo a nossa opinido, perante a grande ques- ‘Go que os dois dialogos procuram resolver. & aqui que vamos encontrar a resposta ao problema que levantamos. E ainda, em nossa opinido, a Apologia e o Criton vao resolver este problema, de uma forma original, embora, nao isenta de alguma ambiguidade. Socrates, tendo de obedecer ao deus, deve continuar a filosofar, mesmo que isso the custe a vida. Mas se se deve respeitar a lei divina, por outro lado nao se deve subverter as leis da Cidade. Pensamos que neste momento se torna clara a posigéo de Sécrates na Apologia e no Criton: acusado por trés cidad&os com- parece no tribunal, é condenado, embora o considere de uma forma injusta e permanece na prisdo aguardando a morte, nao obstante ser possivel a sua fuga. E nesta perspectiva que o Criton é fundamental para a com- preensio de todo este problema, embora prolongue a Apologia, como ja tivemos ocasiao de dizer. possivel que a Apologia nao fosse suficientemente clara quanto A relacdio do filésofo com as leis da Cidade. O Criton representa um esclarecimento quanto a este Ponto e esta preocupado em mostrar a actividade filoséfica de Sécrates como nao representando uma subversSo para a Cidade. Como ja vimos, 0 Criton ao fazer a apologia da obediéncia as leis considera, como é ébvio, uma falta grave o desrespeito as leis da Cidade. Sendo assim, condenado a morte o filosofo deve aceitar essa deciséo, néo devendo fugir, 0 que seria um atentado 4 Cidade, ou seja, uma subversdo as suas leis. Neste momento, ao chegar-se ao final deste trabalho poder- *se- dizer que a soluco para um tema complexo é ela propria complexa e mesmo heterogénea, se a nossa leitura estiver correcta. Mas podemos dizer que a complexidade nasce, em boa parte, da defesa realizada por Plato para mostrar, por um lado, a importancia Antigona sabe que infringe a lei do Estado, mas fé-lo em nome da obediéncia a leis mais altas, as leis divinas (...). Divergirio, em matéria tio importante, 0s pensamentos de Séerates e Séfocles? Parece que nio. Recorde-se que, no caso de Sécrates, nio ha oposicio entre as leis do Estado e as leis divinas, em vigor no Hades. A obediéncia no se encontra, assim, dilacerada entre dois deveres> (ob. cit. p.61). Como se poderd verificar pelo nosso texto nfo seguimos a conclusio de Oliveira Pulquério. 48 — da miss&o de Sécrates, e por outro, 0 seu comportamento exemplar de cidadao. Surge, assim, uma dupla obediéncia, ao deus e & Cidade, que reduz ao minimo o conflito. Ao obedecer ao deus, Sécrates é alvo de uma condenac&o e na perspectiva dos dois didlogos analisados essa condenacdio tem de ser suportada para salvar as leis da Cidade. Em boa parte, o que podemos constatar é que Sécrates da a divin- dade o que lhe pertence e a Cidade o que é igualmente devido. E assim, se cumpriam os designios de Apolo. Alvaro José dos Penedos — 49

Você também pode gostar