DELIBERAÇÃO
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sido lavrado como provisório por dúvidas e estas não se mostrem removidas”.1
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Questões prévias
Uma brevíssima palavra para explicar a apreciação unitária dos dois recursos, que
no caso a sua completa e patente homogeneidade flagrantemente justifica: recorrente e
recorrido são os mesmos, é a mesma a questão jurídica debatida, é o mesmo o título
base dos registos de cuja qualificação se discorda.2
Incontroversa é também a admissibilidade da impugnação da recusa de
conversão, mesmo quando, como no caso sucede, o escopo do pedido recusado
claramente seja o de induzir o conservador a reponderar a bondade da qualificação
minguante vigente, que no tempo próprio logo se não impugnou.3
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Digamo-lo já: a causa de recusa tipificada na al. e) do n.º 1 do art. 69.º não tem ao caso aplicação.
A denegação que nessa norma se determina, com efeito, visa o novo pedido de registo de facto de que tenha
havido anterior registo provisório por dúvidas entretanto caducado, contanto que as mesmas iniciais dúvidas
permaneçam irresolvidas. A recusa, sendo devida, era antes no n.º 2 do art. 69.º que caberia fundá-la.
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Ver, sobre a matéria da apensação, a deliberação tomada nos P.ºs RP 1 e 2/2009 SJC-CT.
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Neste sentido, cfr. o parecer emitido no P. RP 94/99 DSJ-CT, in BRNP, Dezembro 1999, p. 16.
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Deliberação
Seja qual for a expressão negocial por que se concretize, não está sujeita à
incidência da verba 17.1 da TGIS a cessão onerosa de créditos hipotecários de que não
resulte a efectiva utilização de crédito (financiamento) que uma das partes disponibilize à
outra, pelo que, em sede de registo da cessão, mostra-se impertinente impedir-lhe o
registo definitivo com fundamento na não comprovação do pagamento do indicado
imposto.4
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É inquestionável ser o objecto do tipo tributário aberto da verba 17.1 da TGIS a utilização de crédito
no âmbito de uma operação financeira – a utilização, note-se bem, que não a simples concessão ou
disponibilização dele. (Sobre a “abertura” ou plasticidade do tipo, no contexto da tributação das operações
financeiras, cfr. CARLOS BAPTISTA LOBO, “As Operações Financeiras no Imposto do Selo: enquadramento
constitucional e fiscal”, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, ano I, n.º 1, p. 85.) É no momento da
realização da operação de crédito, entendendo-se por tal o da efectiva mobilização dos fundos disponibilizados,
que a obrigação tributária surge (CIS, art. 5.º/g). Isso mesmo foi confirmado pela administração fiscal na
Circular da DGCI n.º 15/2000, de 5-7 (acessível em http://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt), em cujo ponto 14.
da parte II-A por forma expressa se diz que “O momento da ‘realização’ da operação de crédito é aquele em
que o crédito é utilizado”.
Nesta linha de entendimento, exemplo paradigmático de utilização de crédito, e de consequente
sujeição ao imposto da verba 17.1, é-nos oferecido pela celebração de mútuo (CCivil, arts. 1142.º e ss.), de
cuja essência constitutiva, atento o seu carácter real (quoad constitutionem), faz parte a imediata entrega do
dinheiro (sendo esse o objecto) ao mutuário. E exemplo paradigmático do oposto – de contratualização de
crédito desde logo não traduzida na sua imediata utilização, com a consequente não sujeição, nesse preciso
momento, ao imposto da verba 17.1 – é-nos por outro lado oferecido pela celebração de abertura de crédito.
Como bem acentuam J. SILVÉRIO MATEUS e L. CORVELO DE FREITAS, in ”Os Impostos sobre o Património Imobiliário
– O Imposto do Selo”, 2005, p. 734, “O facto gerador da obrigação tributária é, de acordo com a alínea g) do
artigo 5.º, a utilização do crédito, não sendo, pois, as aberturas de crédito especialmente tributadas enquanto
tal utilização se não verifique”, de modo que “a abertura de crédito poderá… não vir sequer a ser tributada em
imposto de selo se… não chegar a haver utilização do crédito concedido”.
É verdade que, ao densificar o conceito de “utilização de crédito”, o texto do artigo 17.1 alude à
possibilidade de ela se processar por via de cessão de créditos – mas isso sempre na condição de que na
operação se envolva “qualquer tipo de financiamento ao cessionário”. Resulta portanto bem claro que a simples
cessão de créditos, em si mesma, enquanto deslocação da titularidade do lado activo da relação obrigacional,
não pertence à área de incidência da norma. (Especificamente sobre as circunstâncias em que pode haver lugar
à tributação do selo da verba 17.1 no âmbito de cessão de créditos, cfr. J. SILVÉRIO MATEUS, op. cit., p. 735).
Ora, definidos e esclarecidos os pressupostos da tributação – que se materializam na utilização efectiva
do crédito disponibilizado –, deles com toda a evidência se não divisa, na cessão trazida a registo, nos termos
contratuais consignados, o mais ténue sinal da presença, ou seja, da existência aí dum concomitante
financiamento prestado por uma e usado por outra das partes. Com o que se haverá de concluir pela
ilegitimidade da dúvida levantada – o registo da transmissão dos créditos hipotecários deve pois ser convertido.
O que pode perguntar-se é em que termos, seja na veste de “titulador” (num sentido muito amplo,
tendo por referência as competências reconhecidas no art. 38.º do DL n.º 76-A/2006, de 29-3), seja na veste
de registador, se deve reflectir nos actos que seja chamado a praticar uma eventual obrigação que sobre o
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Termos em que aos recursos se deve conceder provimento.
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