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Para o meu amor, por ter sido meu grande incentivador, mesmo quando criticava.
Você sempre disse que eu conseguiria, mas nunca entendeu que eu só consegui porque você estava meu lado.
Agradecimentos
Chegar até aqui foi a realização de um grande e antigo sonho. Não é o ponto de chegada,
mas o ponto de partida para uma longa caminhada.
Nessa caminhada, não posso deixar de agradecer ás pessoas importantes que estiveram ao
meu lado.
Agradeço aos meus pais e familiares que me incentivaram e estiveram comigo sempre,
mesmo antes disso tudo começar. Vocês são as minhas raízes, e uma árvore com boas raízes suporta
qualquer tempestade.
A Wendy e a Camila porque nunca me deixaram desistir e sempre me ajudaram á ir além do
que eu achava que conseguia. Vocês foram minhas fadas madrinhas e as melhores amigas que alguém
poderia querer.
Ao quinteto mais cheio de amor que eu poderia encontrar. Wendy, Margarete, Alessandra e
Janaina, vocês tornam os meus sonhos mais possíveis e eu sempre vou precisar do apoio de vocês.
Á Monica, minha amiga e revisora, por se preocupar em me ajudar a tornar o livro lindo
para que vocês pudessem aproveitá-lo melhor.
A Daiane que me fez ficar super orgulhosa da minha nova assinatura, criada por ela.
Obrigada Dai, você é uma daquelas pessoas que a gente sabe que já conhece de muitas vidas.
Á todas as minhas, novas e nem tão novas assim, amigas do Wattpad. Graças á vocês, eu
comecei a acreditar que isso tudo aqui poderia realmente dar certo. Vocês são como luzes na minha
vida, sempre me mostrando o caminho á seguir.
“Como é por dentro outra pessoa
Quem é que o saberá sonhar?
A alma de outrem é outro universo
Com que não há comunicação possível,
Com que não há verdadeiro entendimento.
(Fernando Pessoa)
Prólogo
Era uma tarde chuvosa quando eu a deixei. Era uma tarde fria, chuvosa e triste.
Meu corpo estava prostrado, ajoelhado contra a grama molhada. A calça do meu terno preto
estava molhada e suja de lama, pela terra recém-revolvida.
Apoiei minha mão contra a lapide de mármore, correndo os dedos pelas inscrições, sentindo
como se fosse um ultimo adeus. Uma ultima vez em que eu iria tocar algo que ainda tivesse o cheiro
dela.
Fechei os olhos, deixando minha mente vagar em busca da garota de olhos verdes. Linda,
cheia de vida. A garota que eu havia ajudado a destruir. Eu lembrava exatamente da primeira vez em
que a vi. Eu me lembrava de pensar que nunca uma garota como ela iria querer um cara como eu. Eu
me lembrava do primeiro beijo e de como ela tentava parecer confiante, mesmo estando assustada em
meus braços, quando eu a fiz minha. Suspirei, sentindo as lágrimas completarem o trabalho que a
chuva havia começado.
Nesse mesmo instante, a mão repousou sobre meu ombro, calma, gentil, mas forte, como eu
precisava que fosse. Virei-me para encontrar os olhos claros de Alexander. Meu amigo. Meu irmão.
Ele não disse nada. Tinha os mesmos olhos vermelhos, o mesmo semblante triste, cansado que eu
tinha. Haviam sido muitos meses de dor e sofrimentos. Muitos meses de noites em claro com um bebê
recém-nascido nos braços esperando que a mãe estivesse forte o suficiente para embalá-lo, até que
ele mesmo desistiu, apegou-se ao colo que podia ter. Meu, de Alex, de John, foi assim, até que ela
finalmente desistiu. Não podia mais lutar e eu não podia mais vê-la lutar.
Levantei-me e olhei ao meu redor. A maioria das pessoas já haviam ido embora. Estávamos
apenas Alex, John e eu. Meu filho tinha uma rosa cor de rosa nas mãos. Ele caminhou até a grama
revolvida da lapide e a colocou ali, correndo os dedos pela placa de mármore fria, como eu havia
feito á pouco. Olhos vermelhos perdidos no horizonte, jovem demais para aquele terno preto.
Lembro-me de tudo como se fosse hoje. Lembro-me do cheiro da terra molhada e da dor
lancinante que senti ao ver meu filho sofrer daquele jeito. Eu me lembro de sentir que faria qualquer
coisa para que a dor que ele sentia viesse toda para mim. Eu não pude. Não havia nada que eu
pudesse fazer naquela hora. Eu havia passado tempo demais preocupado comigo mesmo para
entender que eles precisavam de mim. Eu havia passado tempo demais aproveitando minha vida, meu
dinheiro, minha fama. Tempo demais perdido comigo mesmo.
Egoísta – minha mente repetia em silencio – tudo isto está acontecendo porque você foi
egoísta demais para olhar ao lado e perceber que eles precisavam de você.
Apertei meu filho contra os meus braços, sentindo sua resistência em ser consolado. Ele era
forte. Era maduro e bom. Muito melhor do que eu nunca havia sido.
Fechei os olhos, sentindo finalmente sua cabeça pender contra o meu peito, soltei o ar
devagar, jurando que nunca mais me permitiria estragar a vida de alguém. Eu viveria por eles. Eu os
protegeria. Cuidaria deles. Eu seria o pai que não havia sido até agora. Eu seria o pai que o meu não
foi. Eu nunca mais me permitiria ser levado por sentimentos. Nunca mais.
Capítulo 1
Acordei um pouco antes do despertador – o que não acontecia com frequência – tomei um
banho relaxante, penteei os cabelos no meu coque costumeiro, vesti uma saia lápis verde escura e
uma blusa bege de seda fina com um padrão floral. Encarei a figura no espelho feliz, depois do monte
de merdas com que tenho lidado desde a formatura, me sentir bonita e respeitavelmente profissional
certamente contribuiria para um dia agradável no escritório. Calcei meus scarpins* pretos e peguei
minha pasta. Enchi um dos potinhos de Mia com leite e o outro, que ficava ao lado da água, com
ração para gatos. Olhei para a almofada sobre o parapeito da janela e a vi ali, preguiçosamente
procurando um raio de sol. Esticada sobre a almofada bordada, encarando os transeuntes pelo vão da
cortina semiaberta. Se você nunca visitou Amsterdã, certamente irá estranhar o quanto o povo
Holandês não se preocupa em ser observado.
Confesso que nos primeiros dias em que me vi em um apartamento tão pequeno que era
possível ver toda a área comum pela janela da frente, eu estranhei e corri até a primeira loja de
departamentos que encontrei em busca de uma cortina. Tarefa quase impossível – Holandeses não
usam cortina. Nunca. Em lugar algum. Eles não se importam em serem vistos e menos ainda em ver
os outros. Nesses quase seis anos em que me encontro por aqui, foram raras ás vezes em que percebi
alguém de olho no meu apartamento – Que fica no térreo de uma ruela não muito movimentada, no
Jordaan** - e percebi na hora que se tratava de um turista e não de um local.
Tranquei a porta da frente e dei uma ultima olhada em minha grande e gorda gata laranja,
esticada ao sol, pensando em como ela tinha sorte de ter á mim. Ou seria eu que tinha sorte de ter á
ela? Não sei. O fato é que formamos uma boa dupla, desde sempre.
Continuei caminhando até o ponto do tram*, observando o vai e vem de turistas nas ruas
principais, maravilhados com a arquitetura e a beleza dos canais. Amsterdã é uma cidade
encantadora. Mesmo morando aqui á tanto tempo, eu ainda não me canso de encarar a beleza da
cidade.
Eu estava á alguns quarteirões do ponto quando uma brisa caramelada golpeou meu estomago
com tanta força que eu tive que parar e me permitir um stroopwafel**. Eu simplesmente não consigo
enjoar desse maldito biscoitinho holandês e atribuo á ele o fato de nunca mais ter perdido aqueles
“três quilinhos” que todas nós queremos perder. Peguei meu biscoito, um copo de café daqueles
com tampa, encaixei a alça da pasta de couro ao redor do antebraço, copo em uma mão, biscoito na
outra e lá fui eu, ainda mais feliz, esperar meu transporte até a área comercial da cidade.
Que a Holanda é o país dos moinhos, praticamente todas as pessoas do mundo sabem, mas
poucas delas pensam sobre as razões praticas disso – vento. Na Holanda o vento é constante. Sim,
constante. Oscilando entre brisa e vendaval com a mesma velocidade em que alguém pisca.
Estávamos num momento brisa, e de repente, um vendaval golpeou-me com força, soltando algumas
mechas castanhas dos meus cabelos e me deixando momentaneamente sem enxergar. Eu estava ali,
tentando colocar meu cabelo rebelde atrás da orelha com a mão que segurava o biscoito e
equilibrando a pasta e o café quando me choquei contra algo duro. Não tive muito tempo para pensar
ou reagir. Tudo que consegui foi perder o equilíbrio e lambuzar meu cabelo com o caramelo quente
do biscoito, enquanto meus sapatos patinavam naquela lamazinha nojenta que se forma quando a neve
derrete nas ruas e o sol não é suficientemente quente para secá-la. O copo se foi em direção ao muro
de terno na minha frente e eu juro que quis impedir, mas não pude, eram os meus joelhos contra a
calçada ou o café contra o terno do homem. Pensei que ele sentiria menos dor em sujar o terno do que
eu sentiria em ralar os joelhos no cimento da calçada. Antes que eu tivesse certeza de que não cairia,
senti sua mão firme em torno do meu pulso, sustentando-me e colocando-me em posição
confortavelmente vertical novamente.
Eu ainda não tinha olhado para cima, mas então, pareceu inevitável encarar meu salvador. O
salvador sujo de café, graças á mim. Meus olhos subiram pelo terno escuro, minhas bochechas
corando pela mancha grudenta e escura na camisa imaculadamente branca – até segundos atrás – era
um peito forte e definido, mesmo sob o terno, eu podia ver que ele tinha uma bela constituição física.
Gravata de seda cinza, ombros largos, pele clara com uma barba bem aparada que oscilava entre o
castanho claro e o louro e a boca mais linda que eu já havia visto em um homem, e então eu parei nos
olhos.
* Tram – um tipo de bonde ou trem pequeno que circula em algumas cidades europeias.
*stroopwafel – é um biscoito de origem holandesa, em uma tradução livre significa "waffle com calda". Trata-se de
um biscoito formado por duas finas partes de massa, unidas por uma espessa calda, em formato de disco.
Os olhos dele me queimavam de dentro para fora. Aquele tipo de olhar que faz você querer se
cobrir porque sente que o outro está olhando dentro da sua pele. Os olhos eram castanhos, levemente
esverdeados. Estreitos e profundos como se o mundo o entediasse. Ele tinha a mão ainda em torno do
meu pulso – seu toque firme não era gentil, nem delicado. Nada naquele homem era delicado. Eu
sabia que ele deixaria uma marca e sabia que não seria apenas no meu pulso.
- Desculpe – pronunciei no holandês mais polido que eu consegui, embora meu holandês fosse ruim
como o inferno.
Ele não respondeu pelo que me pareceu tempo demais, os olhos perdidos dentro dos meus. E
então ele se abaixou elegantemente, sem deixar os olhos se perderem dos meus, os lábios apertados,
sem nenhum esboço de sorriso em sua boca linda. Eu só percebi o que ele ia fazer, quando me
entregou as primeiras folhas de papel manchadas de lama e café que haviam caído da pasta com
nosso choque. Ele as pegou, uma á uma, e me entregou. Quando eu peguei a ultima e coloquei dentro
da pasta, ele deslizou a mão pelo cabelo claro, ajeitando uma mecha que insistia em descer por sua
testa, alisando-a para trás novamente. Ele cheirava tão bem que eu rezava mentalmente para que ele
se movesse mais e espalhasse aquele aroma delicioso pelo ar em volta de mim, mas ele não era de
mover-se demais. Era contido, elegante e certeiro; calculista, planejado. Eu me sentia como uma
maluca nos poucos minutos em que estávamos perto um do outro. Eu gesticulava demais, movia os
pés demais, eu me sentia nervosa, descontrolada, ansiosa. Meus cabelos estavam uma bagunça de
vento e caramelo, o biscoito idiota repousando entre os meus dedos.
- Espero não tê-la ferido – ele me disse em inglês, com o sotaque mais erótico que eu já ouvi.
Provavelmente percebendo que eu não era holandesa. Eu queria cavar um buraco na calçada com
minhas unhas e me atirar nele, humilhada e suja de caramelo.
- Não. Não se preocupe. Eu sou desastrada mesmo – eu falava descontroladamente. Queria parar,
mas simplesmente não podia. Minha mente maluca tentando aumentar o que provavelmente era uma
despedida curta entre dois estranhos. Sinto muito pela camisa. Se quiser eu posso mandar lavar.
Basta dizer onde devo busca-la.
Eu rezava para que ele me desse um endereço. Que me dissesse onde buscar a maldita
camisa, provavelmente feita sob medida, para que eu tivesse alguma esperança de encontrá-lo
novamente. Corri os dedos por sua mão esquerda – Não havia aliança, mas havia uma pequena marca
ali, quase sumindo. Ele esperou pacientemente que eu terminasse de tagarelar como uma gralha,
sempre em silencio, os olhos focados nos meus. Eu sentia uma onda estranha de calor que começava
dentro do meu umbigo e se espalhava até minhas bochechas, que já pegavam fogo.
- Não será necessário, senhorita – sua voz apertava botões dentro de mim que eu nem sabia que
existiam – Espero apenas que me perdoe e desejo que tenha um dia agradável, apesar do ocorrido.
Ele acenou levemente com a cabeça, virou-se e se foi, sumindo na pequena multidão que
tentava atravessar a rua. Nem um nome, nem um aperto de mão, e menos ainda um convite para
qualquer coisa que me incluísse. Eu ainda estava meio atordoada com todo o acontecido quando vi o
pequeno trem aproximar-se e corri, sem um decimo da elegância do espécime perfeito de homem
com quem eu tive o prazer de trombar.
Entrei, passei meu cartão pela maquina de cobrança e me sentei. Fiz uma varredura de mim
mesma e conclui que nada – além do meu orgulho e do meu cabelo – havia se perdido com o fatídico
esbarrão. Encarei o maldito biscoito na minha mão e dei uma mordida, grande demais, tentando
compensar a fome que eu ainda sentia. Seu perfume estava no meu pulso, vermelho pelo toque, e eu
queria mais.
Cheguei ao escritório com dez minutos de atraso, esperando ser repreendida – ultimamente
eu vinha sendo repreendida muito mais do que gostaria – mas Hans não estava lá. Hans Andersen,
meu chefe, mentor e tudo mais que você possa considerar importante. Hans foi o responsável por eu
poder permanecer na Holanda, uma vez que eu não havia encontrado pista alguma do meu pai. Eu o
conheci seis meses depois de chegar aqui, enquanto ainda tinha esperanças sobre meu progenitor
misterioso. Ele me ajudou no que pode, dentro dos meus poucos euros disponíveis e me arranjou uma
bolsa para a faculdade depois de presenciar um dos telefonemas incrivelmente desconfortáveis que
tive com a minha mãe. Quando estava no terceiro semestre da faculdade de direito, ele me deu um
estágio. Pagava muito mais do que eu merecia e, apesar de tentar, compreendia minha dificuldade na
língua. Eu falava inglês muito bem, quase sem sotaque, mas o holandês era outra história, eu me
sentia como uma velhinha banguela falando e todo mundo me corrigia. Com o tempo, fui desistindo e
firmando meu inglês. Eu trabalhava com direito internacional, então não era assim tão difícil não
falar holandês, uma vez que meus clientes, em geral, falavam inglês.
Hans era para mim como o pai que eu nunca tive, uma vez que o maldito holandês que me
gerou, deixou minha mãe gravida com alguns milhares de reais e um pedido de aborto. Vida difícil?
Nem tanto. Essa é apenas a parte fácil. A parte realmente difícil foi descobrir que tudo isso podia
não ser verdade e que minha adorável mãe podia não ser tão sincera assim. Resumindo, quando fiz
dezenove anos eu fugi com meu passaporte e tudo que consegui de dinheiro com minha avó para a
Holanda. Eu tinha certeza de que minha vida acabaria como aqueles filmes em que a garota não sabe
quem é o pai e descobre que ele é algum tipo de príncipe. Como Anne Hathaway em “O Diário da
Princesa”. Não foi exatamente assim que as coisas aconteceram, mas eu considero que terminei
muito bem, considerando a vida que eu teria se tivesse ficado com minha mãe em São Paulo.
Voltei ao trabalho e passei a escolher casos menos polêmicos para meter meu narizinho
arrebitado. Já fazia quase um ano e eu ainda tinha que lidar com olhares tortos quando pisava em um
maldito tribunal de justiça, mas ali estava eu, uma brasileira que não desistia nunca – clichê, mas era
verdade.
Entrei em meu escritório, encostei a porta, sentei em minha cadeira e liberei todo o ar dos
pulmões, puxando uma lufada de vento para dentro pela primeira vez desde o fatídico esbarrão – eu
ainda podia sentir o peito firme dele contra a pele do meu rosto. O perfume delicioso de roupa limpa
e algo masculino e sofisticado. Lambi os lábios sem querer, caneta brincando na boca, olhos
perdidos na janela, mirando o mar lá no fundo, sentindo minha respiração se acalmar e fluir quando
minha porta bateu.
Hans estava lá, calça escura, camisa clara, blazer xadrez, óculos na ponta do nariz aquilino,
olhar de interesse.
- Ou eu estou perdendo meu faro para palpites, ou algo a deixou mais fora de controle que o costume.
- Hum – comecei – se foi pelo atraso, eu sinto muito Hans. Realmente não pretendia me atrasar, eu
não me esqueci do seu compromisso com o tal executivo importante. Sério. Se eu te contasse você
nem acreditaria – parei a historia por aí porque eu realmente não queria dividi-la com ele e nem
sabia como fazer isso sem parecer imbecil.
Ele sentou-se na cadeira de frente para a minha, do outro lado da mesa. Cruzou as mãos
sobre a mesa e me deu um sorriso divertido, acendendo um cigarro.
- Para a sua sorte, Srta. Soares, eu estou com muito tempo livre esta manhã, uma vez que meu cliente
teve um infortúnio e desmarcou nosso encontro, então, eu adoraria ouvir o que a fez se atrasar.
- Sr. Andersen – ela disse com a voz baixa – telefone para o senhor na linha dois. É o Sr. Persen.
Posso transferir para cá?
- Ele é metódico. Extremamente metódico. Confesso que fiquei curioso para conhecê-lo e um pouco
desapontado quando ele desmarcou, hoje de manhã.
- Sim, pois não, você fala com ele mesmo. Claro que sim Sr. Persen, eu mesmo irei á Roterdã pela
manhã – uma estreitada de olhos de Hans em minha direção e uma longa pausa na conversa me
deixaram nervosa – Claro. Eu entendo. Sei que sim – mais uma pausa – Não estou certo disso. Seria
arriscado demais. Não quero manchar a carreira dela – meu coração martelando em meu peito agora
– Bem, aí seria diferente, mas ainda assim Persen, você sabe que eu tenho muito apreço pelo trabalho
dela. Não eu não acho que nenhuma noticia seja verdadeira, eu conheço meus empregados – agora eu
estava desesperada, realmente desesperada. O homem era metódico, vai ver pediu minha demissão
como condição para entregar algum caso á Hans. Pronto, esse era o fim da minha carreira.
Hans desligou e eu fiquei sem saber se queria ou não ouvir o que ele tinha para me dizer,
esvaziando mentalmente minhas gavetas e olhando minha pequena planta carnívora sobre a janela,
pensando que ela teria que dividir a janela com Mia de agora em diante.
- Tenho boas e más noticias Laura, o que quer primeiro? – Hans me disse.
Respirei fundo, endireitei os ombros, soltei o ar com cuidado. Se ele iria me despedir eu
receberia isso de peito aberto, Hans merecia isso de mim, ele merecia que eu fosse corajosa e eu
seria.
***
Minha mente estava longe enquanto eu dava goladas esparsas no meu uísque. Longe.
Perdido. Sozinho. Minhas forças e minha paciência levadas ao limite. Eu estava á ponto de cometer
algum tipo de loucura. Eu os queria de volta. Eu os queria comigo. Eu não podia mais postergar isso.
Meu coração se apertava e eu não sabia mais o que fazer. Eu havia tentado evitar toda essa merda
judiciaria porque não queria procurar meu pai. Não queria ouvir ele me dizer que avisou. Dizer que
eu estava errado que tinha metido os pés pelas mãos que havia jogado meu futuro fora e todas as
coisas que nos fizeram discutir desde o nascimento de John. E então Collin me ligou chorando e me
disse que sentia saudades e que queria voltar. Perguntou-me sobre Chucrute e disse que sentia falta
de casa. Ele respirou fundo, e me perguntou se eu não o queria mais e então me coração desmoronou.
E tudo ao meu redor perdeu o brilho e o sabor e nada mais importava se eu não pudesse trazê-los de
volta, os três.
Liguei o notebook. Já fazia anos que eu não lidava com esse tipo de coisa, estava enferrujado,
mas minha licença era válida, e embora eu não pudesse cuidar desse caso sozinho, eu podia
encontrar alguém bom o suficiente para o caso. Pensei em Alex e descartei o pensamento assim que
me ocorreu. Eu precisava dele em outros assuntos, não poderia simplesmente comprometer meu
melhor advogado e deixar todo o resto desamparado e eu queria alguém á minha disposição. Eu sabia
que o caso exigiria algumas viagens e isso era impossível para Alex, especialmente com Alissa
prestes á dar á luz.
Respirei fundo, lembrando o momento exato em que segurei John em meus braços. Eu era um
garoto bobo e mimado e não tinha ideia do que estava fazendo, mas aquele pedacinho de gente nos
meus braços mudou tudo isso. Eu olhei nos olhinhos dele e prometi que faria meu melhor por ele. Eu
prometi que não permitiria nunca que nada o magoasse e eu falhei. E o vi derramar mais lagrimas do
que eu queria. E eu o vi crescer. E o vi tornar-se tão diferente de mim. E o vi se afastar. E agora ele
estava lá, com milhares de quilômetros de distancia de mim e tudo que eu queria era ele aqui,
ouvindo aquelas músicas barulhentas e chatas, e deixando os tênis sujos esparramados pelo meu
tapete de pele de ovelha. Minha casa estava silenciosa demais.
“Laura Soares, vinte e seis anos, brasileira, formada pela Academia de Direito Internacional
de Haia, concluindo especialização em direito corporativo”.
Era um curriculum impressionante para uma garota tão jovem. Ela lembrava á mim com a
idade dela. Ela havia trabalhado em vários casos importantes e, se não fosse toda a merda que a
Fergusson lançou sobre ela, ela já estaria muito longe do escritoriozinho em que trabalhava,
provavelmente ocupando uma cadeira no departamento jurídico da união europeia. Ela era
competente, mas esse não foi o ponto mais importante da minha escolha por ela. Ela era brasileira, e
isso sim era o diferencial. Eu queria alguém que pudesse falar com destreza, convencer o júri, ainda
que no Brasil, de que não havia lugar melhor para os meus filhos do que ao lado do pai.
Peguei o telefone e disquei o numero comercial. Uma voz feminina atendeu no segundo
toque.
- Sinto muito – ela me disse com pesar – A Srta. Soares não está pegando casos novos. Posso indica-
lo á outro advogado. O Sr. Andersen tem muita experiência em direito internacional. Eu poderia
agendar uma hora com ele – e completou – tenho certeza de que o Sr. Andersen poderá ajuda-lo no
que o senhor necessitar.
Respirei fundo – a pobre garota estava na geladeira. Hans Andersen não iria colocar sua
pequena reputação no lixo por causa de uma recém-formada, por mais que ela fosse brilhante.
Concordei.
- Seria ótimo que eu pudesse falar com ele amanhã, pela manhã – eu disse.
- Infelizmente a agenda do Sr. Andersen está completa pela semana. Poderia ser na próxima terça?
Ela demorou alguns minutos, provavelmente consultando o tal Hans Andersen. Eu estava me
afogando em frustração quando ela retornou.
Eu quase sorri. Albert Reign, o nome que abre portas. Todas as portas, sempre. Abri o
celular novamente e disquei para Alex. Ele atendeu no terceiro toque.
- Alex Persen.
- Alex. Preciso que me faça um favor amanhã. Preciso que me encontre em Amsterdã – Alex
permaneceu em silencio, então eu continuei – preciso que me encontre em um escritório da advocacia
no centro novo, perto do porto.
- Bem – comecei – eu preciso que convença o Sr. Hans Andersen que quero a funcionaria dele
trabalhando para mim – suspirei – Collin me ligou esta tarde.
Alex pensou por alguns minutos. A linha muda. Apenas sua respiração fazendo-se ouvir. Ele
era meu muito mais meu amigo do que meu advogado. Havíamos divido coisas demais nesses quinze
anos de amizade. Desde o quarto no dormitório da universidade, haviam sido noite e dias de
conquistas e decepções, todas partilhadas com ele. Éramos muito mais que amigos, éramos como
irmãos. Quando Collin nasceu, Alex foi o único que entendeu e ficou ao meu lado.
- Sabe que será um desafio trazer Collin de volta. Não sabe? – não respondi. Eu sabia – á uma hora
dessas os pais de Patrícia já devem ter feito todos os testes possíveis.
- Se quiser mesmo entrar com um processo, eu mesmo posso pedir a restituição de guarda. Hanna e
John estariam aqui antes do fim de semana. Quanto á Collin. Não acredito que esse tal Andersen
possa fazer algo melhor do que eu poderia. Francamente Adrian. Não entendo.
- Não vou apenas pedir restituição de guarda – continuei – eu vou processá-los por cárcere privado.
Meus filhos são menores. Vou me valer da convenção de Haia.
- Tem certeza de que quer entrar nesta briga? Você sabe que Patrícia usou certas – ele parou a frase
no meio sem saber como continuar – certas peculiaridades do relacionamento de vocês para deixar
os pais á favor dela. Será uma briga feia.
- Sei disso Alex. E é por isso que não quero você encarregado disso. Como sabe os negócios não
podem parar e eu não confio em ninguém mais para tocá-los enquanto eu estiver no Brasil.
- Sim. Estou – respondi – mas como você sabe não posso representar á mim mesmo e não sou fluente
em português como gostaria. Preciso que alguém faça isso por mim.
- Adrian, Adrian. Não me diga que está fazendo isso apenas para atingir o juiz.
- Não. Eu realmente acho que ela é capaz. É impetuosa, jovem, ousada. Não baixa a cabeça fácil. Ela
precisa de algo que limpe sua ficha – sorri – eu sou o cara certo para isso. Não acha?
- Nunca.
- Simples. Preciso convencer o Andersen de que a garota pode pegar o caso sem arrastar o nome do
escritório dele pela lama e estou sem vontade alguma de perder tempo com isso. Como eu nasci rico
e você não, você fará isso por mim enquanto eu esperarei por você e pela Srta. Soares tomando uma
bela xicara de café no Waldorf.
- Seu bastardo filho da puta! – ele xingou – se você não assinasse meu contracheque todos os meses –
brincou.
Não sei quanto tempo levei para pegar no sono naquela noite. Cenas antigas correndo em
minha mente. Cenas de um tempo que nunca mais vai voltar. Um tempo em que pensei que minha vida
estava certa, finalizada. Cenas de um Adrian que não existia mais. Acordei cedo demais, o corpo
doendo, a garganta seca. Andei por cada um dos três quartos vazios no andar de cima da minha casa.
Encarei a guitarra sobre a cama de John, os pôsteres de bandas de rock distribuído pelas paredes.
Revistas de criação de cavalos sobre a escrivaninha. Uma foto de Patrícia sentada sobre a grama na
fazenda. Será que meu filho me odiava tanto quanto eu odiava meu pai? Não eu não odiava o pai, eu
apenas não conseguia conviver com ele. Meu pai era um homem complicado, difícil – pensei por um
momento – John provavelmente pensava o mesmo sobre mim.
Caminhei até o quarto de Hanna. Minha menininha. As paredes tinham um tom de amarelo
suave como a luz do sol. Hanna era o meu sol. Sentei-me sobre o edredom de flores cor de rosa. Eu
me lembro de acordar no meio da noite apenas para vê-la dormir. Seus cabelos louros espalhados
pelo travesseiro brilhavam como raios de sol. Não importa o quão duro fosse o clima lá fora, aqui
dentro eu tinha sol. Agora minha casa estava perdida em um inverno sem fim. Ajeitei a boneca sobre
os travesseiros e me levantei.
Entrei no quarto de Collin e senti meu coração apertar. Os brinquedos empilhados nas
estantes. A cama feita, as almofadas no lugar. Nada costumava ficar assim com ele aqui. Collin era o
meu pequeno furacão. Eu quase podia ouvi-lo correr pelo quarto com a toalha nas costas me dizendo
que era o Superman. Collin era feliz e animado. Diferente dos irmãos ele não sofreu com a morte da
mãe. Era jovem demais quando ela o deixou. Quando Collin nasceu eu pensei que poderia corrigir
todos os erros que tinha cometido com John. Eu era mais maduro, menos infantil, mas nós não
tivemos tanto tempo quanto eu gostaria. Ele se foi rápido demais. Olhei uma fotografia de Collin no
berço, as mãozinhas estendidas em direção a Chucrute, que dormia debaixo do berço. Chucrute não
estava mais aqui. Eu o havia mandado para a fazenda. Não tinha condições de cuidar de mim e dele.
Além disso, ele era feliz demais para essa minha nova vida. Eu não queria um cachorro feliz
abanando o rabo para mim á cada manhã, quando tudo que eu queria era esquecer a vida.
Fechei a porta da minha suíte e acendi a lareira. Tirei o paletó e desatei o nó da gravata.
Abri os botões da minha camisa e deixei que ela caísse sobre o tapete. Desfiz-me dos sapatos e da
calça e caminhei até o banheiro. Encarei o homem no espelho. Ele parecia muito mais vivido do que
os trinta e sete anos que tinha. Ele parecia sofrido, triste. Os olhos pareciam nublados. E estavam. Eu
não via mais cor no mundo depois de tudo que vivi. Eu aprendi á duras penas que o dinheiro não
compra tudo. Não comprou para mim. Não comprou para minha mãe e não comprou para Patrícia.
Encarei meus braços tatuados. Pequenos pedaços de tudo que eu havia vivido até aqui.
Lucian, Mamãe, Galápagos, Patrícia, John, Hanna e Collin. Todos estavam ali, de alguma maneira,
tatuados sob minha pele. Tudo que era importante para mim estava ali, ao longo dos meus braços e
ombros, descendo até o meu tórax. Meu pai odiava tatuagens, então tudo tinha começado como uma
forma de dizer que eu não me importava com a opinião dele. Seis meses depois que Lucian morreu,
eu havia tatuado o nome dele, entre duas mãos estendidas, com asas de anjos ao redor, no centro das
minhas costas. Era minha maneira de dizer que o tinha entregado á Deus. Que ele agora era um anjo,
olhando por nós lá de cima. Então mamãe se foi e eu tatuei três rosas em meu peito, perto do coração.
Éramos eu, ela e Lucian e estaríamos sempre juntos.
Havia feito uma tatuagem no braço com um cavalo correndo na praia. Ela circundava toda a
parte superior do meu braço. Era meu Galápagos. Meu primeiro cavalo. Ele tinha esse nome porque
seu pelo era da mesma cor das areias que encontrei quando visitei Galápagos. Patrícia sempre me
perguntava por que eu não havia tatuado nada para ela. Eu me esquivava, não parecia certo. Não
queria que fosse eterno. Eu achava tudo efêmero e passageiro sobre nós. Eu estava certo. Depois que
tudo aconteceu eu soube que estava certo. E então ela adoeceu, e eu soube que estava errado, e
percebi nas lagrimas do meu filho que ela seria eterna em nossas vidas, mesmo que não fosse mais
minha esposa. Tatuei uma cena nas costelas, era uma garota entrando em um jardim, com um ramo de
margaridas na mão. Ela tinha os cabelos ondulados, varridos pelo vento. Era minha Patrícia. A
garota alegre que eu conheci na faculdade. A garota cheia de vida que me deu três filhos e que me
deixou estragar a vida dela com as minhas merdas.
Havia os três anjos pequenos e gorduchos tatuados no lado aposto das minhas costelas. Eram
John, Hanna e Collin. Meu outro braço era coberto por padrões de arabescos e algumas imagens que
eram importantes para mim. Um por do sol, uma gaivota voando, a data da minha formatura. E por
último, a dama da justiça na parte baixa das costas, com seu vestido esvoaçante e seus olhos
vendados, segurando a balança. Era minha ultima paixão, meu trabalho. Mesmo que eu estivesse
afastado dele, ainda era minha paixão.
Entrei na banheira e fiquei ali, deixando o tempo passar e esperando o dia clarear para me
trocar e seguir com os meus planos.
Capítulo 2
Eu tamborilava meus dedos sobre a mesa sem querer. Estava nervosa. Refazendo
mentalmente os planos de quantos meses eu poderia ficar tranquila com minha poupança depois que
Hans me dispensasse. Decidi que não tornaria as coisas mais difíceis pra ele e me adiantei.
- Hans, eu sei que é difícil para você. Sei que confiou em meu trabalho e eu o desapontei, então, tudo
bem. Eu entendo. Eu até acho que você tem seu ponto.
Hans fitou meus olhos por um tempo, estudando meu comportamento. Eu fiquei ali, pensando
em como um dia bom podia ter se transformado em um dia péssimo em menos de três horas – praga
do cara de terno! Só podia ser.
- Exatamente que ponto você acha que eu tenho Laura? – ele me perguntou.
Engoli em seco – ele realmente queria que eu pedisse demissão? Ajeitei uma mecha
insistente em meu coque recém-refeito.
- Em me dispensar – soltei de uma vez – você está certo. Não é como se eu pudesse esperar na
geladeira até que as coisas se acalmem. Você tem clientes importantes. Eu entendo.
Tentei levantar para começar a ajeitar minhas coisas, mas Hans fez sinal para que eu me
sentasse novamente.
Agora eu estava irritada! Maldito holandês do inferno! Eu não sei oras! Talvez porque o
ricaço metódico e chato não me queria perto dos seus negócios? – Não respondi por alguns
segundos, pensando no que falar.
- Pelo que eu entendi da conversa – comecei – Alexander Persen não me quer perto do caso dele.
Soltei o ar sentindo meus pulmões doerem. Era a verdade, mas era uma verdade dolorosa.
Eu, com minha experiência sexual irrisória, carregaria o estigma de prostituta de luxo para sempre.
- Alexander Persen me impôs apenas uma condição – Hans começou – a de que você tomasse conta
do caso dele pessoalmente.
Engasguei. E tossi. E senti como se minha glote se fechasse em um instante, fazendo todo o
ar faltar.
- Oi? – perguntei.
- Ele acabou de me ligar e dizer que, dado os problemas que teve hoje pela manhã, espera que você
possa encontra-lo ao final da tarde no Waldorf para uma xícara de chá. Ele quer discutir o caso com
você e ver se a interessa.
Minha boca parecia colada ás orelhas, impedindo-me de fechar o sorriso, mas o medo era
um fantasma rondando minha felicidade.
- Ao contrário, acho que nada poderia ser melhor para sua carreira. Persen veio com indicação do
Juiz Reign. É um homem influente. Eu fiz uma varredura sobre ele. Descobri que é um advogado
importante, braço direito de um grande empresário holandês. Se ele a escolheu tão especificamente
foi por seus méritos como profissional – Hans parou por um instante, descansando a mão sobre as
minhas, cruzadas sobre a mesa – só não queria que fosse sozinha. Eu preferia estar ao seu lado e
garantir que tudo sairia bem, mas ele foi muito especifico quanto á isso. Disse que quer você no caso.
Exigiu confidencialidade.
Acariciei a mão de Hans sobre as minhas. Então era isso, preocupação comigo. Eu quis
beijá-lo, mas os europeus não são como os brasileiros e eu aprendi nesses anos que contato físico
aqui é meio limitado.
- Obrigado – eu disse.
- Obrigado por me dar todas as oportunidades da minha vida. Obrigado por estar ao meu lado e por
confiar em mim quando ninguém mais fez. E, principalmente, obrigado por concordar com Alexander
Persen.
- Eu sei que tenho sido meio displicente, mas acredite desta vez vou tomar cuidado. Vou me proteger
e vou ganhar este caso. E vou trazer essa vitória para o nosso escritório.
- Dezessete horas no Waldorf – ele me disse levantando uma sobrancelha para mim enquanto passava
pela porta – não importa o que aconteça não se atrase Soares. Você se atrasa e Persen nunca mais a
recebe. Desgraça total para sua carreira. Ultima pá de terra sobre algo que já está semienterrado.
Passei o que restou do dia no escritório. Eu não queria dar chance para que nada
acontecesse entre o intervalo de tempo de minha conversa com Hans até o encontro com Persen. O
único momento em que saí foi para ir ao mercado orgânico que funcionava próximo ao escritório e
comprar macarrão integral e molho de tomates italianos com manjericão. Esquentei no micro-ondas
do escritório, abri minha embalagem de suco de toranja e comi com o máximo de cuidado que
consegui – já bastava o cabelo caramelizado, pelo menos minha blusa podia estar em sua melhor
forma.
Depois de almoçar, enquanto todos ainda estavam fora, eu caminhei ate a pequena varanda.
Ela estava ali apenas para abrigar o ar condicionado, mas era meu lugar preferido para pensar.
Debruçada sobre o parapeito da varanda, eu tinha uma visão completa da baía. Detive meu olhar no
horizonte, apreciando o movimento dos barcos, sentindo o vento balançar meus cabelos que agora
estavam soltos.
Olhei para o pulso, não havia mais uma marca ali. Não havia mais perfume. Tudo sobre o
misterioso homem de terno havia desaparecido. Porque então ele estava em minha mente? Ele era
bonito. Educado, cortês. Parecia rico e sofisticado. E isso tudo por si só já era razão suficiente para
que alguém se fizesse lembrar, mas havia algo nos olhos dele. Não exatamente no formato ou na cor –
por melhores que fossem – era o que ele escondia no olhar. Suspirei – eu queria ter a chance de vê-
lo novamente. Se pelo menos eu tivesse uma direção. Eu nem sabia se ele era holandês ou se era
apenas um executivo de passagem. Ele era uma agulha em um palheiro e já sabia pelo meu pai, que
não era boa em solucionar mistérios.
Fechei os olhos e deixei o tempo passar, fantasiando em minha mente como seria beijar
aquela boca linda pelo menos por um minutinho. Eu quase podia sentir o gosto do beijo dele. Olhos
fechados, cara de idiota, pensando em um homem que eu certamente não veria nunca mais. Céus
como isso soava preocupante – Eu precisava de um namorado, na velocidade da luz!
Quando meu relógio marcou dezesseis e trinta eu deixei o escritório. Meus cabelos soltos
sobre os ombros. Franja devidamente lavada e ajeitada com uma presilhinha para trás – coque não
tinha sido meu melhor visual de hoje. Peguei o Tram assim que cheguei ao ponto e desci á algumas
estações do terminal central de Amsterdã. Caminhei até o Waldorf, um hotel chique no centro velho.
Entrei, caminhei até o café e avisei o maitre* que esperava pelo Sr. Alexander Persen. Ele me
indicou uma mesa no fundo do salão, com vista para o Amstel**.
Eu me sentei, coloquei a pasta na cadeira ao lado, peguei meus óculos para ler o cardápio e
estava no terceiro nome de chá, quando o homem parou á minha frente.
- Eu sou Alexander Persen – o homem disse em um inglês britânico perfeito e quase sem sotaque.
Corri meus olhos para cima, observando o homem ali parado. Alto, esguio, apesar de forte.
Ombros largos. Terno impecável, sapatos lustrados, relógio caro. Ele tinha a pele clara e olhos
pálidos, que oscilavam entre o verde o avelã. Cabelo escuro e liso, penteado para trás, barba por
fazer que deixava sua pele ainda mais clara. Ele era bonito. Realmente bonito. Não bonito de um
jeito perturbador como o homem da trombada da manhã – Alexander Persen era o tipo de homem
confiável, de quem você fica logo amigo depois de uma xicara de chá e dez minutos de conversa.
Estendi minha mão em cumprimento e segurei a dele. Seu aperto era firme, seguro, gentil.
Alexander sorriu.
- Você é um pouco mais jovem do que eu imaginei – ele pontuou – e muito mais bonita também.
Corei. Não era algo que eu pudesse impedir, essa maldita pele branca herdada do meu pai
me fazia corar com a mesma facilidade que eu respirava. Sorri de volta, tentando não parecer
afetada.
- Obrigada – eu me limitei a dizer, evitando parecer que flertava, embora ele fosse realmente o tipo
com o qual eu gostaria de flertar.
Alexander fez sinal para que eu me sentasse e sentou-se á minha frente. Eu pedi uma xícara
de chá indiano e algumas Madeleines*
Encarei Alexander um pouco mais, enquanto ele escolhia o chá. Ele tinha mãos bonitas,
suaves, mas não delicadas. Dedos longos como os de um jogador de basquete, mas elegantes como as
de um maestro. Tinha pequenas sardas sobre o nariz e a boca tinha um tom rosado que causaria
inveja em metade das mulheres que eu conhecia. Não havia marca alguma de aliança em seu dedo.
Alexander Persen era um homem perfeito. Digno de um editorial de moda. Ele chamou o garçom e fez
o pedido em holandês. Sorriu de volta para mim antes de continuar a conversa em inglês.
- Então está familiarizada com direito internacional – assenti – já pegou algum caso de guarda, Srta.
Soares?
*Madeleines – biscoitos de origem francesa, em formato de concha. São macios e geralmente come-se acompanhado de chá.
Oh ele tinha filhos. Se tinha filhos talvez fosse divorciado. Ou talvez não usasse aliança. Eu
estava curiosa, traçando padrões para a vida de Alexander Persen.
- Estou mais familiarizada com direito empresarial, mas não tenho nenhuma objeção quanto á casos
diferentes.
O garçom voltou com uma bandeja. Deixou nossas xicaras de chá, meu prato de Madeleines
e um pedaço gigantesco de torta de maçã com sorvete de creme para Alexander. Ele deu uma golada
no chá e uma garfada certeira, bem no meio da torta. Parou um pouco antes de leva-la á boca e
respondeu minha pergunta.
- Não – ele disse – bem, não ainda – corrigiu – minha noiva está grávida. Esperamos nossa Louise
para o final da primavera. Alissa recusou-se a casar parecendo um balão – e sorriu – palavras dela,
não minhas.
Eu sorri, sentindo meu peito se apertar. Ele era realmente o homem perfeito e, fosse quem
fosse a tal Alissa, tinha muita, muita sorte. Meus olhos correram até meu estomago plano, liso, triste.
Eu provavelmente nunca teria essa sorte. Forcei o sorriso novamente.
- Alex – ele interrompeu – pode me chamar de Alex – e emendou – na verdade quando alguém me
chama de Alexander eu penso que estão falando com meu pai, sabe?
- Laura – eu o interrompi.
- Posso fazer uma pergunta Alex? – ele me encarou e assentiu – porque fala comigo em inglês?
Alex sorriu.
- Porque sei que não é holandesa, e esta é uma das grandes razões para que esteja aqui, sentada á
minha frente, Laura – ele parou, deu outra golada no chá e continuou – é brasileira – não era uma
pergunta e então eu não respondi – o caso que tenho para você envolve a justiça brasileira.
Wow! – Pensei, mas não falei. Fiquei com o olhar mais focado que consegui.
- Se você não tem filhos Alex, não entendo de que tipo de caso de guarda estamos falando.
- Não sou eu o solicitante, Laura. A corporação que eu represento, ou melhor, o diretor dela, é o
solicitante. Como deve imaginar ele dispõe de pouco tempo – assenti – e pediu-me que a inteirasse
do processo. Caso você aceite, marcaremos uma reunião com o Sr. Galagher.
Eu senti minha animação murchar um pouquinho, já tinha me afeiçoado á Alex e pensado que
seria realmente fácil trabalhar com ele e então havia um alto executivo – provavelmente o metódico e
chato da historia toda – com quem eu realmente trabalharia. Pensei em um daqueles holandeses
barbudos e carecas, com cara de pirata, que mal falava inglês e achava que o mundo todo tinha
obrigação de compreende-los – realmente, não era o meu dia de sorte, senti o doce sendo tirado de
mim pela segunda vez no mesmo dia.
- Laura? – Alex chamou e eu percebi que tinha fantasiado o pirata por tempo demais – o que você
acha?
- Desculpe – eu disse envergonhada – mas Alex, não sei por que um homem importante como o Sr.
Galagher poderia querer colocar um recém-formada como eu em um caso importante.
- Ah não, não se preocupe, Galagher é advogado. Um excelente advogado, diga-se de passagem. Ele
precisa apenas que você o ajude. Como você sabe, ele não pode representar á si mesmo.
Deus! O homem era advogado e faria de mim sua estagiaria – tudo que eu sonhei. Encarei
os olhos claros de Alex Persen – poderia pelo menos ser para ele que eu traria o café!
- São três menores. Com idades entre dezessete e quatro anos. Eles estão no Brasil contra a vontade
do pai.
- Entre outros, mas Galagher quer contar-lhe tudo pessoalmente. Quero apenas saber o que você acha
do caso. Se você tem disponibilidade para aceita-lo. Sabe que isso envolverá algumas viagens ao
Brasil.
Brasil – a palavra golpeando meu estomago como um soco. Brasil – minha mãe. Minha avó.
Meu passado. E então eu lembrei-me que o Brasil não é como a Holanda. E que eu provavelmente
poderia passar por lá sem nem mesmo deixar rastros. Qual era a chance do caso ser em São Paulo?
- São Paulo.
- Laura – Alex disse com os olhos focados em mim – eu sei que teve problemas com seu ultimo caso
– senti outro golpe no estomago – quero que saiba que não haverá problemas com esse. Galagher é
muitas coisas, muitas coisas mesmo – ele sorriu e revirou os olhos – mas ele sempre honra a palavra
dele. Se você tiver um pouquinho de jeito com ele – Deus o homem era a personificação do demônio,
pelo visto – sei que terá um grande aliado em relação aos problemas com Fergusson.
Engoli em seco. Eu precisava de dinheiro, claro, como noventa por cento da população
mundial, mas eu precisava muito mais de alguém poderoso o suficiente para carimbar meu passaporte
profissional de “não vadia” e talvez um velho e influente magnata holandês fosse perfeito. Eu teria
que aguentar algumas manias chatas? Talvez! Isso iria doer? Bem menos do que abrir os jornais e
ver meu nome arrastado na lama. E o mais importante – o homem queria o filho e isso era louvável.
Eu não via muitos homens por aí, brigando internacionalmente pela guarda dos filhos, como exemplo
perfeito estava meu próprio pai. Suspirei profundamente.
***
Depois do acontecido eu decidi voltar para Roterdã e desmarcar o encontro com o tal Hans
Andersen. Eu não estava mal humorado. Na verdade, para alguém que teve uma camisa Armani
manchada de café de copo de plástico, eu estava até bem humorado. Eu havia passado o dia todo em
casa. Abri a porta do quarto, desatei a gravata e abri os botões da camisa. Deixei a sobre a cama.
Caminhei até a varanda, acendi um cigarro, dei uma tragada longa. A sensação da minha mão fechada
em torno do pulso fino dela despertando coisas demais dentro de mim.
Eu a segurei firme, muito mais firme do que precisava, eu queria sentir a pele dela contra
meus dedos. Queria sentir sua pulsação. Queria deixar meu toque gravado ali, na pele clara dela. E
então ela se atrapalhou em um sorriso nervoso, os olhos curiosos sobre os meus. O peito subindo e
descendo nervosamente, a renda da lingerie apertando-se contra a seda fina da blusa. O vento
espalhava o perfume dela ao meu redor e eu tive que me segurar. Ela não parecia o tipo de garota
para o qual eu abro a porta do Mercedes e consigo uma noite de sexo. Ela não tentou me seduzir.
Estava ansiosa, eu podia jurar que ela me queria, mas ela não fez nada além de falar e falar. Sua voz
subindo meio tom a cada vez que eu estreitava meu olhar. Ela era como um coelho assustado e eu
adorava perseguir minha caça.
Sorri para mim mesmo – sorte dela que não faço ideia de quem seja. Eu havia examinado as
folhas caídas no chão em busca de algo que me fizesse encontra-la, caso eu desejasse, mas não havia
nada. Eram partes desconexas de coisas digitadas. Não havia nem um timbre ou logotipo. Sentei em
minha espreguiçadeira, sentindo o sol em minha pele, aproveitando meu cigarro. Talvez eu devesse
ter deixado meu cartão com ela. Ou pedido o dela. Não fiz nenhuma das duas coisas. As folhas das
árvores balançando suavemente, criando padrões de pequenas sombras sobre minhas pálpebras
entreabertas. Com o tempo elas foram ficando mais fechadas, o escuro dominando, mais fechadas,
mais fechadas. Adormeci.
Eu estava em meu escritório. Observando o porto pelo vidro da janela quando senti suas
mãos em mim. Meu corpo reagindo instantaneamente, Ela deslizou a mão pelo blazer até abrir os
botões, retirando-o pelos meus ombros. Seu toque era tão suave, arrastava uma onda de calor pela
minha pele.
- Você quer brincar, anjo? – eu perguntei e ela assentiu. Seu nariz tocando de leve minhas costas com
o movimento.
Eu me virei e a segurei junto á mim, uma mão em sua nuca, perdendo-se entre as ondas
castanhas, a outra segurando seu quadril junto ao meu, sentindo minha ereção pulsar contra seu
estomago. Ela fechou os olhos e sorriu e eu tomei sua boca na minha, abrindo caminho com a minha
língua. Mordi seu lábio inferior, segurando-o entre meus dentes, puxando o suficiente para suga-lo
inteiro. Ela gemeu, aumentando minha urgência. Virei-a de frente para a janela, apoiando minhas
mãos no vidro e baixando meu corpo o suficiente para que minha boca estivesse em sua orelha.
- Vê aquilo tudo lá embaixo? – ela assentiu – eu sou o dono de metade de tudo que você vê. Sabe do
que eu gosto? – ela negou – eu gosto de ter tudo. E nesse momento tudo que eu quero é você. O que
você quer anjo?
- Só tem uma coisa baby – eu continuei. Minha língua brincando na concha da sua orelha – eu quero
você aqui. Eu quero que o mundo lá fora veja que você é minha – completei – só minha.
Ela não se moveu. As mãos levemente trêmulas, a respiração descompassada num misto de
desejo e medo. Eu adorava essa sensação de controle. Abri os botões da sua blusa um á um, minhas
mãos brincando na renda da lingerie, apertando seus seios contra minhas palmas, comprimindo minha
ereção contra sua bunda, mais e mais forte. Escorreguei minhas mãos em seu corpo, descendo até a
barra da saia e a puxei para cima, expondo sua calcinha. Com a mão em sua nuca eu baixei seu
tronco, empinando sua bunda em minha direção. Eu acariciei sua pele branca contra a calcinha escura
e não resisti apertando a carne com força, marcando minha palma ali. Desafivelei meu cinto, abri o
botão e baixei o zíper, encaixando meu comprimento duro contra sua pele, sentindo como eu me
encaixava ali. Ela gemeu e se inclinou mais.
Puxei sua calcinha de lado e tracei o caminho com os meus dedos, sentindo sua umidade
quente contra minha pele. Ela me queria e eu podia sentir ali. Baixei minha boxer o suficiente para
liberar minha ereção e posicionei-me em sua entrada. Eu tinha uma visão maravilhosa dali. Podia ver
sua bunda redonda e empinada como um coração, ali, pronta para mim, com aquele pequeno pedaço
de renda completando o visual. Empurrei dentro dela com força, tomando o que eu queria. Ela
gemeu, arqueando um pouco as costas, sentindo-me preenche-la completamente.
- Queria que você pudesse ver o que eu vejo, baby – eu disse em seu ouvido, enquanto o vai e vem
do Porto continuava lá embaixo.
Eu gemia mais e mais, abafado contra seus cabelos, meu desejo se apertando, concentrando-
se no fundo do meu estomago e eu queria mais. Mais fundo. Mais forte. Mais intenso. E então o
telefone me acordou.
Eu pisquei algumas vezes porque não conseguia distinguir a realidade do sonho, meu corpo
suado, rígido, ofegante. O cigarro apagado caído contra o deck de madeira. Cocei a barba por fazer e
deslizei as mãos no rosto até os cabelos.
- Alex, seu maldito bastardo – eu disse assim que atendi – me diga que Louise nasceu ou eu mato
você por me acordar.
Alex sorriu.
Sorri.
- Houve um tempo em que eu não era milionário – parei por um segundo – não, na verdade não
houve.
- Seu arrogante filho da puta! Você deveria ser grato á minha competência.
- Ok. Que seja, mas veja como você deve me amar, eu acabei de falar com a tal Laura Soares – ele
parou e eu soube que sorria – sem Hans Andersen. Ela aceitou o caso. Agora diga se eu não sou seu
melhor amigo.
- Você é o melhor amigo que um cara pode ter, Alex Persen, e sou muito, muito grato mesmo por ter
colocado aquele anuncio no quadro de avisos dizendo que eu precisava de um colega de quarto, mas
você deve imaginar que eu quero mais detalhes do que isso.
Parei em frente ao armário, meio atordoado pelo sonho, o corpo trêmulo, a respiração ainda
alterada. Eu havia sonhado com ela. Ela, a moça da trombada de hoje de manhã. Fechei os olhos por
um segundo, sua imagem tomando forma em meu pensamento mais rápido do que eu gostaria. Havia
algo no olhar dela, em seu sorriso bobo e afetado. Um brilho que eu não tinha mais. Uma leveza fácil.
A garota era bonita. O corpo era atraente, mas não era exatamente isso. Ela havia me seduzido com
seu brilho. Eu a queria. Queria mais do seu brilho em meu mundo cinza. Apoiei a mão contra o
armário, suspirando fundo. Peguei uma camiseta e a vesti – Para a sorte dela, Adrian Van Galagher
não podia encontra-la.
Desci os degraus da escada com urgência, varrendo a garota e tudo mais que ela havia me
feito sentir para longe. Abri a porta. Alex estava lá, parado, esperando por mim. Fiz sinal para que
ele entrasse e caminhei até o bar. Destampei a garrafa de uísque e coloquei duas doses, uma em cada
copo. Entreguei um a ele.
- Tenho que dizer que ela é muito mais bonita do que eu imaginei. Acredite, o juiz seria um homem
de sorte se a tivesse levado para a cama.
- É gentil e sensível. Parece competente, mas eu senti alguma emoção borbulhando em sua superfície
quando mencionei o Brasil.
- Saudade talvez?
- Talvez. Sei que ela está aqui á quase seis anos. O que você disse á ela?
- Que são três menores. E que estão no Brasil contra a sua vontade.
- Sinceramente?
- Sempre.
- Que ela é jovem demais para lidar com um caso tão complicado – ele parou, tomou outro gole de
bebida – mas se for bem direcionada, pode dar certo. Laura me parece obstinada em limpar as
marcas do passado. Ela irá se empenhar em agradá-lo – eu quase sorri e então ele continuou – o que
me preocupa não é Laura – olhei curioso – o que me preocupa é você.
Ele terminou o uísque e levou o copo até o bar. O deixou sobre a mesinha. Andou até a
janela, encarou a noite lá fora. Eu estava tentando decifrá-lo. Não iria perguntar por que ele se
preocupava comigo porque eu tinha uma breve ideia da razão.
- Eu conheço você bem demais Adrian – ele continuou e eu levantei uma sobrancelha em sua direção
– Não brinque com Laura.
- Laura é doce e meiga. Ela é jovem. Bonita. Ela tem vinte e quatro anos Adrian, merece ter sonhos e
merece alguém que realmente a faça feliz. Não faça isso.
- Se eu não o conhecesse, Alex Persen, diria que quem está interessado em dar tudo isso á Srta.
Soares é você.
Alex limpou a garganta, pigarreando um pouco – a garota havia mexido com ele.
- E eu amo meus filhos Alex, nada, nem ninguém irá entrar em meu caminho até eles.
Capítulo 3
Passei o restou da noite e parte da madrugada debruçada em cima dos meus livros de
faculdade e pesquisando casos parecidos na internet – eu não podia desapontar o tal Sr. Galagher.
Abri meu exemplar da Conferência da Haia de Direito Internacional Privado e debrucei minha mente
sobre ela. Debrucei, literalmente, em algum ponto da noite. Acordei no outro dia, com o rosto
amassado e agradeci por meu livro não ser feito de papel jornal, ou eu estaria, de fato, marcada pela
lei.
Eu estava atrasada. Tinha dormido pouco e tarde demais. Era uma jornada de pouco mais de
meia hora de trem expresso e mais algum tempo caminhando de saltos pelas ruas, eu não sabia
exatamente porque não conhecia o lugar. Já fazia um tempo que eu não ia á cidade e Roterdã
continuava crescendo na velocidade da luz. Abri o pote de cereais e despejei na tigela, cobrindo com
leite. Comi três colheradas, entre o tempo em que calçava meus sapatos e vestia o casaco. O dia
estava frio – típico – e o vento sacudia ás folhas das árvores lá fora – ainda mais típico.
Desci na estação central de Roterdã com pouco mais de quarenta minutos para minha
reunião com o Sr. Galagher. Eu estava perdida. Completamente perdida e literalmente perdida, sem
saber em que direção ir e temendo qualquer minuto de atraso. Os holandeses são meio britânicos no
quesito “atraso”. Toquei na tela do meu celular e conversei com o “Google Now”.
- Google trace uma rota até o endereço da Galagher Corporation – eu ainda me sentia meio idiota de
falar com o celular, mas correndo pela rua, era a maneira mais segura de não trombar em outro
bonitão de terno.
O telefone me respondeu alguns minutos depois, com sua voz metálica, dizendo que eu
estaria á vinte minutos de distancia á pé. Segui pela rua e contornei na Hofplein e segui pela
Coolsingel até a Erasmusbrug*. O prédio da Galagher Corporation ficava em Katendrecht, um
braço debruçado sobre o canal. Assim que avistei os prédios imponentes do lugar soube que meu
prédio era, obviamente o mais alto. Era um prédio arredondado, todo em pele de vidro que se
estendia em direção ao céu. Era uma bela visão, ás nuvens refletidas sobre o vidro azulado.
Assim que passei pelas portas giratórias conferi meu relógio – 11h05min – o que significava
cinco minutos de atraso. Praticamente corri em direção á recepcionista.
- Eu tenho uma reunião com o Sr. Galagher – eu disse em holandês, rezando para o transito tê-lo
segurado por mais tempo do que eu.
*Erasmusbrug – ou Erasmus Bridge é um dos ícones de Roterdã. Uma das pontes mais famosas da Holanda foi oficialmente inaugurado
pela rainha Beatrix em 1996 como uma importante ligação entre as partes norte e sul de Roterdã.
- O Sr. Galagher a aguarda na sala dele – e continuou digitando algo em sua tela de LCD.
- Desculpe – comecei – é a primeira vez que venho até aqui, pode me dizer qual é a sala dele?
- O andar todo é do Sr. Galagher. Não se preocupe, o elevador parará exatamente na antessala, a
Srta. Helst a anunciará.
Ótimo. Além de velho e rabugento, o pirata ainda tinha mania de grandeza. Um andar
inteiro? Serio? Quem precisa de tanto espaço para trabalhar? Á menos que ele trabalhe montado
em um elefante indiano!
Entrei no elevador e fiz o que as estatísticas mostram que as mulheres fazem em elevadores
espelhados – conferi o visual. Eu estava bem. Minha saia preta combinando com as meias grossas de
inverno e os sapatos de bico fino. Uma camisa de botões rosada e meu casaco cinza comprido. Meus
cabelos estavam soltos. Ajeitei-os com as mãos, colocando atrás das orelhas. Repassei o batom e
coloquei meus óculos. Eu queria parecer menos jovem, depois da observação de Alexander –
príncipe – Persen.
- Você deve ser a Srta. Soares – ela me disse em um holandês pesado, arrastado.
- O Sr. Galagher á espera – ela se levantou e caminhou até a porta dupla, ao lado da sua mesa – tenha
a bondade.
Ela abriu a porta, eu passei por ela, e a porta fechou-se atrás de mim. Fiquei sem ar.
Observando a beleza da vista. O prédio era alto o suficiente para que tivéssemos uma vista
panorâmica privilegiada desde o Euromast* até o porto. O parque parecia uma colcha de retalhos
coloridos. Pisquei algumas vezes, enquanto o ouvia falar ao telefone em um idioma que eu não
conhecia, mas que parecia alemão.
Concentrei-me na conversa, apesar de não entendê-la. Ele não parecia velho. Tinha uma voz
sexy e profunda. Senti algo dentro de mim se revirando com o som. Era como se ele falasse ao meu
ouvido. Senti uma onda de arrepio percorrer meu corpo desde os dedos dos pés até o cabelo e dei
uma sacodida discreta para espantar. Abri minha pasta e comecei a revirar meus documentos em
busca das anotações – pelo menos eu estava preparada, fosse quem fosse. Pensei. E me enganei.
Sr. Galagher desligou o telefone e virou a cadeira em minha direção e eu senti como se um
furacão interno me atingisse de baixo para cima, arrepiando cada um dos pelos do meu corpo numa
espiral crescente de adrenalina e desespero – era ele. Simplesmente ele – o homem do encontrão da
manhã passada.
As folhas caíram das minhas mãos uma á uma, como se eu fosse incapaz de manter algo
entre meus dedos, espalhando-se ao meu redor, confirmando minha teoria do furacão interno.
Minha boca aberta, meus olhos esbugalhados em direção á ele. Eu balbuciei algo que nem
eu mesma compreendi, então não esperava que ele compreendesse e rezei para que não acabasse
babando nos sapatos lustrados dele. Ele caminhou até mim. A mesma boca sem sorriso. O mesmo
rosto sério. Os mesmo olhos perturbadores e enlouquecedores. O mesmo perfume incrivelmente
sedutor espalhando-se pelo escritório enquanto ele caminhava – Deus eu teria uma sincope. Antes
que ele me tocasse novamente, infelizmente.
Eu podia sentir meu coração batendo tão forte que dei uma olhadinha rápida para baixo,
conferindo se minha camisa não estava pulsando. Não estava, para minha sorte. Fechei a boca,
evitando engasgar com a saliva depositada ali e pisquei algumas vezes – sim, eu era idiota. E
deslumbrada, mas acredite, não era sempre que isso acontecia. Na maior parte do tempo, eu
parecia bem normal.
Sr. Galagher caminhou até mim com seu belo conjunto de calça e blazer claros, camisa azul
marinho, sem gravata. Sapatos sociais reluzentes e um relógio que provavelmente custava muito mais
do que eu ganharia em dez anos na Andersen Advogados Associados. Meu avô disse-me, muito
tempo atrás, que um homem se reconhece pelos sapatos e pelo relógio. Bem, daí vem meu fascínio
por homens que sabem usar esses dois itens. E o Sr. Galagher certamente fazia parte do diminuto
clube.
*Euromast – é a torre mais alta da Holanda e de onde se tem a melhor vista de Roterdã. No topo da torre existe um observatório
giratório, de onde é possível ver a cidade em 360°.
Ele abaixou-se, recolhendo as folhas com a mesma elegância de ontem, deixando uma
sensação de déjà vu* - Ele estava mais uma vez aos meus pés, mas eu sentia lá no fundo que a
posição inverteria em breve e eu não sei se me levantaria novamente.
Esperei que ele dissesse algo desesperadamente. Eu sentia minha mente girar. Queria ter
algum indício de que eu havia feito pelo menos cócegas naquela superfície inquebrável dele. Ele
estendeu as folhas para mim sem dizer uma palavra, deixando-me ainda mais desconfortável. Eu tinha
medo que se abrisse minha boca para dizer qualquer coisa seria uma avalanche de palavras sem
sentido. Segurei as folhas e ele estendeu-me a mão.
Estendi a mão e segurei a dele. Mão grande. Dedos longos e macios, pele grossa. Aperto
firme, sólido. Não era gentil como Alex Persen. Ele não tinha nada de Alex Persen. Era como se ele
achasse que fazia um favor ao mundo por existir. Sobrancelhas baixas, olhos estreitos, sorriso
escasso. Se Alex Persen era um príncipe, aquele homem na minha frente era um deus. E eu tinha
medo do isso significava.
- Sou Adrian Van Galagher – ele me disse em inglês com aquele sotaque que me atingia como um
soco, ou um beijo francês, ou os dois. Sua voz soava como um convite para qualquer coisa obscura
que eu já havia aceitado antes mesmo de saber o quê – você deve ser Laura.
Não havia emoção alguma em Adrian Van Galagher. Ele era uma rocha solida. Um iceberg
gigantesco e holandês, enquanto eu forçava minha boca idiota a manter-se reta, sem se curvar como
uma colegial idiota.
- Sim. Sou Laura Soares – eu disse rezando desesperadamente para que ele não percebesse meu
desespero iminente.
- Atrasos são comuns no Brasil, Srta. Soares? – ele me disse tirando a mão da minha e sentando-se
novamente em sua cadeira.
*Déjà vu - é uma reação psicológica fazendo com que sejam transmitidas ideias de que já se esteve naquele lugar antes, já se viu aquelas
pessoas, ou outro elemento externo. O termo é uma expressão da língua francesa que significa, literalmente, "Já visto".
Eu quis morrer. Todo o meu mundo de fantasia em que Adrian Van Galagher era um deus
cavalheiro e gentil, que me levaria para passear em um corcel branco se desfazendo em pequenas
bolhas de sabão, estourando uma á uma, ao me redor. Meu rosto queimando de vergonha e raiva.
Cinco minutos! Eram cinco minutos e não cinco horas! Maldito pirata presunçoso e arrogante! Só
não era velho.
- Não senhor. Peço que me perdoe, não estou familiarizada com a cidade, tive dificuldades para
encontrar o endereço.
Adrian me encarou por uns instantes antes de falar. Foram instantes, mas pareceram horas.
Eu me sentia desconfortável com seus olhar. Ele parecia ver dentro de mim, e eu ainda não sabia se
isso era bom ou ruim, mas era diferente. Seu olhar picava toda a superfície da minha pele.
Ele cruzou as mãos sobre a mesa e eu juro que pude perceber um principio discreto de
sorriso curvar sua boca linda.
- Não se preocupe, Srta. Soares, eu nasci aqui e ainda me perco nas ruas de Roterdã.
Sorri muito mais do que gostaria, mostrando um pouco dos meus dentes, ajeitando uma
mecha solta atrás da orelha novamente.
- Roterdã é uma cidade realmente bonita – eu disse – imagino que tenha muito para ver. Eu me
perderia com alegria – brinquei.
Adrian estreitou os olhos, naquela postura que lembrava um guerreiro, preparando-se para o
golpe final. Seus olhos eram como espadas, afiadas, rasgando o véu de controle que eu ainda tinha.
- Espero ter a oportunidade de leva-la para conhecer minha cidade, Srta. Soares. Seria um prazer.
Deus do céu! – ele flertou comigo? – Oh meu Deus! Oh meu Deus! Oh meu Deus!
Eu queria pensar em algo inteligente e perspicaz para responder á ele. Mas tudo que eu
conseguia pensar era em gritar “Sim!” e isso não era perspicaz. Era bem obvio até. Eu ali, naquela
guerra mental, e Adrian Van Galagher com os olhos dentro dos meus, divertindo-se muito mais do
que eu gostaria, quase sorrindo para mim.
Limpei a garganta fazendo o mínimo de barulho possível, mas parecendo Mia, minha gata,
quando queria comida e então eu tossi. Porque, obviamente, meu corpo pretendia me trair, deixando-
me idiota e vulnerável perto de Adrian Van Galagher.
- Seria um prazer Sr. Galagher. Tenho certeza de que teremos oportunidade, já que trabalharemos
juntos.
Fiquei feliz comigo mesma. Segura, gentil, sem parecer uma louca que não faz sexo á mais
de um ano, embora essa seja a verdade.
Adrian conferiu o relógio caro e em seguida olhou em minha direção novamente, aquele
olhar lançado por cima das sobrancelhas que me fazia apertar as coxas um pouco mais forte, como se
minha calcinha pudesse sair correndo, hipnotizada pela intensidade dos olhos dele.
- Creio que não tenha almoçado ainda, Srta. Soares - não era uma pergunta. Adrian Van Galagher era
um homem de respostas, não de perguntas.
- Então acho que teremos uma pequena oportunidade hoje – minha mente viajando nas palavras lentas
e profundas dele. Cada silaba soando como um convite sexual – a senhorita me acompanha no
almoço? – ele parou por um instante e eu tentei absorver tudo que ele causava em mim – podemos
discutir o caso durante a refeição.
Pronto. Não era um convite sexual, era um almoço de negocio, obviamente. Uma parte de
mim sentia-se segura novamente, confortável. Outra parte, a parte maior, sentia-se desapontada como
uma criança que descobre que papai Noel não existe. Sorri delicadamente.
- Será um prazer.
***
Eu não conseguia deixar de olha-la. Simplesmente não conseguia. Meus olhos varrendo ao
redor dela, meu olfato buscando o perfume da pele dela. Eu queria puxa-la contra mim com força,
queria enfiar minha mão no meio dos seus cabelos e puxar sua boca para a minha. As memorias do
sonho fazendo o espaço em minha calça diminuir insistentemente. Laura. Minha doce e delicada
Laura. As palavras de Alex sondando meus pensamentos.
“Laura é doce e meiga. Ela é jovem. Bonita. Ela tem vinte e quatro anos Adrian, merece ter
sonhos e merece alguém que realmente a faça feliz. Não faça isso.”
Havia um sentimento estranho, confuso, irritando-me. Encarei Laura uma vez mais, correndo
meus olhos detidos pelos seus lindos olhos castanhos, sua boca bem formada, doce, suculenta. Eu
queria morde-la inteira. Queria correr meus dedos em sua pele clara. Eu queria Laura. Cada parte do
meu corpo reclamando por ela. Exigindo o controle sobre Laura. Lembrei-me do desconforto de Alex
quando eu o questionei sobre ela. Agora eu sabia a razão. Laura era o tipo de mulher que mexe com
os instintos mais sombrios de um homem e o que não me faltavam eram instintos sombrios.
Pensei sobre minha promessa á Alex. Eu sabia que ele estava certo. Jovem demais, bonita
demais, sonhos demais. Demais. Laura era tudo que eu não precisava agora. Laura seria minha ruina
e eu sabia disso. E então ela sorriu, ajeitou o cabelo, espalhando aquele perfume enlouquecedor pelo
ar ao redor de mim e desculpou-se e eu me acabei naquele momento, pego em sua teia. Não importa o
que eu tivesse que fazer, ou eu a tirava daquele escritório ou a debruçaria sem calcinha, sobre minha
mesa.
Agradeci mentalmente á Deus por ela ter aceitado almoçar comigo. Caminhamos juntos para
fora da minha sala, em silencio.
- Karol, desmarque meus compromissos desta tarde. Tenho assuntos com a Srta. Soares.
- Sim Sr. Galagher. Devo dizer ao Sr. Persen que o senhor não voltará ao escritório?
Persen! Persen mais uma vez. Eu estava começando a me irritar com Alex, embora ele não
tivesse feito realmente nada. Não era uma manhã boa para ele.
- Diga á ele que quando eu estiver em casa ligarei e conversaremos. Não quero ser interrompido.
- Sim senhor.
Acabei soando mais autoritário do que gostaria, mas Karol estava acostumada com minhas
manias. Ela trabalhava comigo desde antes de tudo acontecer.
- Desculpe por isso – eu disse sem entender bem do que estava me desculpando – acredite, eu não
sou sempre assim.
Era verdade. Eu não era um bárbaro em tempo integral. Eu vinha tendo tempos difíceis e
esses tempos vinham se prolongando cada vez mais, mas algo na menina ao meu lado me fazia querer
ser melhor e isso era confuso, para dizer o mínimo.
Abri a porta do Mercedes e fiz sinal para que ela entrasse. Entrei em seguida e dei as
coordenadas ao motorista. Chegamos á torre alguns minutos depois. Subimos em silencio, Laura e eu.
Eu sentia aquela sensação estranha de que precisava tocá-la mais. Queria sentir meu toque em sua
pele. Queria saborear seu aroma espalhando-se ao redor de mim, mas me mantive focado, sério,
concentrado no foco do nosso encontro – meus filhos.
Agradeci com um aceno de cabeça e segui para minha mesa costumeira, no fundo do salão,
longe da agitação. Esperei que Laura se aproximasse e puxei sua cadeira. Ela sentou-se, os cabelos
esbarrando em minhas mãos, enviando ondas de eletricidade através da minha pele. Tudo que eu
queria era sentir os cabelos de Laura grudados de suor, escorrendo por suas costas nuas enquanto eu
investia dentro dela com força. Sentei-me antes que Laura ou outra pessoa qualquer percebesse
visualmente o quanto eu estava abalado.
Seus olhos estavam admirados, olhando ao redor, apreciando a vista em 360° de minha
cidade natal. Olhei ao redor também, apreciando uma vez mais minha vista preferida da cidade.
Aquele lugar era a razão de eu ter escolhido Katendrecht como sede do meu império. Era meu
pedaço de mundo preferido. Eu gostava de olhar o mar e pensar que nada mais me prendia. Nada
mais tinha fim, tudo se perdia num talvez, levado pelo horizonte. Laura deixava o mundo mais
colorido. Era como se eu estivesse descobrindo Roterdã pela primeira vez.
- Se me permite uma recomendação – continuei – você deveria provar o carré de cordeiro ao molho
de frutas vermelhas.
Meus olhos estavam escuros, pensando em degustar a boca de Laura. Absorvê-la entre meus
lábios e suga-la com força. Cordeiro nenhum no mundo mataria minha fome. Eu queria Laura. Uma
overdose dela.
Laura estava com o cardápio aberto na folha de saladas. Os olhos perdidos nos meus,
fazendo um esforço imenso para não transparecer o quanto minha presença mexia com ela.
- Esse é um terrível engano, Srta. Soares – era inevitável. Eu estava flertando, seduzindo Laura. –
Engano este que eu terei prazer em reverter. Não existe nada mais saboroso que um belo pedaço de
cordeiro, preparado com maestria. Experimente. Prometo que não irá arrepender-se.
Laura engoliu em seco, o movimento dos seus lábios aumentando meu desejo.
Não posso negar que o simples fato de que ela tivesse aceitado minha sugestão encheu
minha mente de ideias e que nenhuma delas era exatamente dobre o cordeiro ou qualquer outra coisa
que estivesse no cardápio.
- Ele me disse que tratava de um processo de restituição de guarda. Ou pelo menos uma parte de todo
o processo era isso. Ele realmente não me forneceu muitos detalhes.
- Está familiarizada com o assunto? – perguntei, mesmo sabendo a resposta. Eu esperava que ela
demonstrasse suficiente interesse.
- Não tenho experiência, se é o que deseja saber, mas garanto ao senhor que isso é uma questão de
tempo. Eu adoraria me envolver em algo novo. Diferente do que costume fazer.
Minha boca quis curvar-se em um sorriso muito mais irônico do que eu desejava, mas eu
não permiti. Eu tinha que deixar claro desde o inicio á Laura que não importava o tipo de arranjo que
teríamos, eu ditaria as regras. Sempre.
Abri minha carteira e coloquei uma foto sobre a mesa. Nela estavam Hanna e Collin,
sentados no deck, em frente ao rio que cortava nossa fazenda.
Ela pegou a fotografia, os dedos correndo sobre os rostos das crianças. Eu podia sentir uma
pequena ponta de emoção borbulhando em Laura. Ela permaneceu em silencio.
- Sim.
Sua curiosidade quanto ao meu estado civil deixava-me tentado. Eu queria sentir seu
interesse.
Eu queria aguçar sua curiosidade, leva-la ao limite. Queria ver até onde o interesse e a
curiosidade de Laura Soares iria.
Ela me encarou. Sobrancelhas baixas, rosto serio. Correu os olhos pela minha mão
esquerda, onde a marca da aliança quase não era visível.
Seu rosto se quebrou. Triste. Pesaroso. Senti meu coração se apertar – não era o que eu
queria.
- Obrigada – respondi – mas não se preocupe. Meu casamento não foi exatamente um conto de fadas.
Patrícia e eu tínhamos um acordo de separação de corpos quando ela faleceu. Eu decidi estar ao lado
dela durante a doença, apenas isso, cumpri com minhas obrigações – e adicionei – por meus filhos,
eles precisavam que eu estivesse ao lado deles.
Eu podia sentir a tensão como uma teia de eletricidade entre Laura e eu. Tínhamos tantos
fantasmas escondidos dentro de nossos corpos que estávamos pesados. Eu queria saber quais eram
os fantasmas de Laura, mas não tinha certeza se queria que ela descobrisse os meus. Havia coisas em
meu passado com Patrícia, coisas em meu próprio passado que eu não tinha certeza se queria que
alguém soubesse. Meu pai tinha razão, eu era monstro. Um monstro escondido atrás daquele terno
caro. Laura interrompeu meus pensamentos.
- Sim.
Retirei a fotografia de John. Era uma das poucas fotografias em que estavam juntos, John e
eu. O potro de Ginger havia acabado de nascer e John o segurava para a câmera. Suspirei fundo,
encarando as fotografias sobre a mesa – eu os queria de volta.
Laura pegou a foto de John e sorriu.
- Acho que o senhor foi pai realmente cedo, Sr. Galagher – ela disse encarando o garoto na foto.
John tinha a mesma altura que eu. Ombros largos como os meus. Um pouco mais magro, mas
forte, bem constituído. Meu filho já era um homem. Tinha cabelos castanhos como os da mãe, mas
tinha coisas minhas demais nele. Os mesmos olhos amendoados. A mesma boca arrogante. A mesma
teimosia – eu queria que ele se parecesse menos comigo. Eu não era uma pessoa fácil de conviver.
Laura continuou.
- Ele tem os seus olhos e imagino que se o senhor sorrisse, teriam o mesmo sorriso.
Encarei os olhos de Laura. Lindos e desprotegidos olhos castanhos. Eu queria saber o que
havia ali. Eu queria saber tudo que havia ali. Queria despir Laura completamente e eu não falava
apenas das suas roupas.
Ela sorriu mais. Por alguma razão ela estava se divertindo com a foto de John. Corri os
olhos pela fotografia. Era um momento diferente deste. Eu não estava trabalhando, não era diretor de
uma corporação, naquela imagem eu era um pai. Estava vestindo jeans desgastados e uma camiseta
branca que estava suja de feno e de Ginger – não havia sido uma boa escolha.
O garçom abriu a garrafa e me passou a rolha. Observei. Estava intacta, então ele serviu.
Agitei a taça, girando o liquido vermelho dentro dela, liberando os aromas frutados e amadeirados
da bebida. Laura me encarava, os olhos curiosos. Levei minha boca á taça com os olhos em Laura.
Inspirei o aroma com cuidado e então deixei que o líquido entrasse em minha boca. Laura mordeu o
lábio inferior e descansou a língua sobre ele.
- Oi? – ela me perguntou, como se voltasse de algum tipo de viagem interna – desculpe. Eu não bebo
quando trabalho.
Ela pensou por alguns segundos, não entendendo a pergunta e então respondeu.
- Sim.
- Então temos duas regras – comecei diante de seu olhar curioso – em primeiro lugar eu exijo
exclusividade total. Enquanto estivermos juntos nesse caso a senhorita trabalha apenas para mim.
Não se preocupe com honorários. Eles serão suficientes – continuei – Eu sou um homem egoísta,
Srta. Soares. Não estou acostumado a dividir o que quer que seja. E em segundo lugar, se come
comigo, bebe comigo. Eu exijo experiência completa – e acrescentei – concorda com minhas regras,
Srta. Soares?
Laura corou. A pele rosada e a respiração tensa. Eu podia imaginar o que se passava em sua
mente porque era exatamente o que eu queria despertar nela. Desejo. Desejo pelo desconhecido.
Desejo por mim, tanto quanto eu a desejava.
Ela não me respondeu. Segurou a taça e esperou que a servissem. Eu não disse nada
também. Ficamos em silencio até que o garçom estivesse longe e nossas taças cheias.
Dei a primeira garfada na minha carne, a faca escorregando por sua maciez. Era de longe o
prato mais bonito que eu já tinha comido na Holanda. Eu não era rica. Não tinha muitos encontros, e a
Holanda não era exatamente um país gourmet. Pelo menos para nós, meros mortais.
O sabor golpeou meu olfato antes de ser absorvido pelas minhas papilas gustativas. Quente,
macio, rico. Havia um leve gosto ferroso, diluído na imensidão silvestre das frutas vermelhas – eu
queria levar aquele prato para casa e coloca-lo ao meu lado na cama.
“Como se alguma vez você estivesse errado!” – pensei, mas não falei. Limitei-me a sorrir.
- Gostou do vinho?
Adrian não sorriu. Sua boca fez apenas menção de curvar-se e então parou, ali, naquele
estado tão “Adrian” de ser. Ele estava acostumado á elogios, obviamente, mas isso não significava
que ele não gostava de recebê-los.
Eu tinha decidido, depois de ouvir suas regras, que o deixaria ganhar esse jogo. Se ele tinha
suas duas razões, eu tinha uma lista de pelo menos dez para não desejar encrenca com Adrian Van
Galagher. Entre elas, a mais forte, era que ele poderia salvar minha carreira e não era esforço algum
estar ao lado dele.
Dei uma golada no vinho, observando o horizonte ao fundo. Eu não acreditava que em mais
de cinco anos morando na Holanda eu não tinha conhecido esse lugar. Deus era absolutamente
fantástico.
- Gosta da vista?
Suspirei.
As palavras deixaram minha boca rápido demais. Quando percebi que parecia, novamente,
uma adolescente deslumbrada, já era tarde. Adrian me encarava num misto de curiosidade e o que eu
chamaria de pena, contida, mas ainda pena – ou pelo menos era o que eu achava.
- Devo supor que você nunca subiu até o observatório – ele constatou.
- O senhor é bom em suposições, Sr. Galagher – brinquei.
Ele não disse mais nada. Esperou pacientemente que eu me deliciasse com meu cordeiro.
Terminou de comer e bebeu o vinho da taça. Chamou o maitre.
Assim, simplesmente “Fechem o lugar que eu quero usar”. Engoli meu ultimo gole de
vinho, encarando as pobres pessoas subindo aquele monte de escadas para descobrirem que o tal
Euroscoop estaria fechado.
Alguns minutos depois, o maitre voltou e falou algo próximo ao ouvido de Adrian que eu
não escutei. Ele se afastou e Adrian levantou-se.
Levantei, empurrei minha cadeira de volta ao lugar e vesti meu casaco, acompanhando
Adrian Van Galagher até a saída.
Como eu já disse e reitero, Holanda e vento são sinônimos. Quando passamos pela porta,
para a plataforma de acesso ao observatório, o vento praticamente me carregou, arrastando-me até
Adrian. Bati com o nariz em seu peito. Foi um segundo de toque, antes que ele me amparasse com
suas mãos grandes e firmes, mas eu juro que fui ao céu e voltei. Eu pude sentir o calor, a solidez, o
perfume de Adrian em cada ponto do meu corpo, do nariz ao estomago e Deus! Sim, eu estava
disposta a deixar Adrian Van Galagher ganhar. Por mim ele já tinha ganhado o jogo, eu faria qualquer
coisa por um pouco mais dele.
Adrian não se afastou. Sua mão esquerda permanecendo em meu ombro, amparando o vento
forte com seu corpo grande. Ele era alto, muito mais alto que eu, de forma que funcionava muito bem
como uma barreira para o vento, mas seu perfume estava todo em mim agora, espalhando e fundindo-
se em mim.
*Euroscoop – plataforma giratória no alto de um prédio em Roterdã. De dentro do Euroscoop é possível ter uma vista em 360° á 185
metro de altura de toda a cidade.
Entramos e subimos até uma câmara completamente escura. Eu estava excitada e ansiosa,
parte porque eu imaginava o que me aguardava e eu e alturas não nos dávamos muito bem, e parte
porque estava ali, no escuro, sentindo a presença de Adrian atrás de mim. Alguém fechou a porta e eu
senti a mão de Adrian deslizar para baixo, quebrando nosso contato. Praguejei mentalmente, mas
jamais eu daria á ele o prazer de saber que eu estava com medo.
O chão começou a se movimentar, subindo. Foi rápido, mas meu coração parecia que sairia
pela boca, minhas mãos suavam e eu sentia minha cabeça martelar. Apertei meu maxilar, impedindo
que ele tremesse. E então, as luzes se acenderam e eu me perdi. Estávamos no alto. Muito, muito alto.
Eu sentia que flutuava, enquanto a plataforma girava suavemente, mostrando uma vista completa de
Roterdã. Tudo que me separava da queda era o vidro, completamente transparente á minha frente.
Eu sentia minhas bochechas pegando fogo, mas imagino que a coisa toda era um pouco pior
do que eu pensava porque Adrian advertiu.
Pronto! Olhei! E quase morri – o chão, era todo feito de vidro. Eu flutuava em direção á um
abismo de cento e oitenta e cinco metros de altura.
Foi instintivo, nada intencional. Minha mão procurou um apoio, segurança e eu encontrei a
mão de Adrian. Grande e solida. Seu aperto firme, concreto, protetor. Pensei em soltar, mas não fui
capaz. Adrian entrelaçou os dedos nos meus, capturando minha mão pequena na sua. Eu me sentia
frágil, pequena, mas completamente protegida. Não tive mais medo. Encarei o horizonte, observando
a cidade girar ao redor, oferecendo-se para mim. Suspirei profundamente, deixando o ar sair devagar
dos meus pulmões.
- É uma bela vista. Não acha senhorita. Soares? – ele me perguntou sem me olhar. Minha mão
repousando dentro da sua.
- É a coisa mais incrível que eu já fiz – respondi por que era a verdade e eu não queria jogar agora.
Queria me perder naquele infinito.
Adrian aumentou o contato das nossas mãos um pouco mais. O esboço costumeiro de sorriso
em seus lábios, olhos perdidos no além mar.
- Essa não será a ultima vez que ouço essa frase deixar os seus lábios, Srta. Soares.
Novamente não era uma pergunta e eu não queria mesmo responder, mas queria que ele
estivesse certo.
Quando paramos, meu sorriso se perdeu – eu queria mais. Não queria parar. Não queria a
realidade de volta e principalmente, eu não queria perder o toque de Adrian em minha mão.
Abriram a porta e eu esperei que Adrian quebrasse nosso contato, ali, ressentida, triste, mas
ele não fez. Seguiu na frente, puxando-me pela mão atrás dele. E eu saí sorridente, feliz, rindo como
uma imbecil apaixonada.
Apaixonada? – talvez. Imbecil?- sem sombra de dúvidas. O que eu tinha na cabeça? Adrian
Van Galagher, desde nossa trombada, ontem pela manhã.
Não tive muito tempo para questionar minha capacidade mental. Passamos pela porta do
restaurante novamente e antes que pudéssemos seguir para baixo, demos de cara com Alex Persen.
Instintivamente, tentei soltar minha mão. Não que existisse algum problema em Alex me vir de mãos
dadas com Adrian, mas, naquela situação, eu me senti no mínimo fácil e previsível – seduzida pelo
milionário. E não era bem isso que estava acontecendo. Ou era? O fato é que Adrian não me
permitiu. Ao contrario, apertou o toque ainda mais, puxando-me suavemente para o seu lado. Alex
sorriu.
- Hey, Laura! Um prazer revê-la – ele me disse com aquele sorriso que fazia todo dia parecer
primavera.
Ele beijou meu rosto e eu fiz o mesmo. Não era exatamente um beijo, era mais um toque de
bochechas, como se faz quando se cumprimenta alguém, mas os olhos de Adrian pareciam gelo sobre
mim.
- Como vai Alissa e seu bebê, Alexander? – Adrian perguntou. As palavras calculadas, medidas,
certeiras. Se ele tivesse atirado elas com uma arma, marcaria o centro do circulo.
- Muito bem – Alex respondeu sem parecer abalar-se – ela foi ao banheiro – e adicionou fazendo
graça – Grávidas!
Eu sorri. Adrian não. Seus olhos continuavam focados em Persen, sua mão apertada na
minha. Eu me sentia como um tipo de osso, sendo guardado por um buldogue.
Uma moça jovem caminhou sorrindo para nós. Ela tinha os cabelos longos e lisos, em vários
tons de dourado, emoldurando seu belo rosto. Os olhos eram de um verde tão limpo e solido que
pareciam brilhar. Ela era alta e esguia, e parecia ainda mais bonita com a barriga redonda que
estava. A blusa descia solta até os quadris, fazendo um tipo de saia ao redor das calças justas de
gestante. Ela me fazia lembrar uma daquelas fadas de desenhos animados. Ela se aproximou e deixou
a cabeça cair contra o ombro de Alexander e ele a abrigou em seu peito, passando a mão por suas
costas.
Naquele momento eu percebi como eu não me encaixava naquele contexto. Como eu estava
perdida e sozinha e como eu era idiota. Alexander e Alissa pareciam um daqueles casais de filmes
da Disney que eu assistia quando ainda achava que romances davam certo. Alissa era a garota por
quem os príncipes se apaixonam, não eu. E se eu não era a garota certa para um príncipe, era ainda
menos certa para um deus como Adrian.
- ótima – ela disse e fez uma careta – e gorda. Já você continua galanteador como sempre, Adrian.
Diga como pode um homem como você continuar solteiro? – ela disse sorrindo e eu comecei a
pensar que a Cinderela estava mais para madrasta.
Adrian sorriu. Não foi um sorriso divertido e alegre, foi um sorriso mecânico, do tipo “vou
sorrir porque sou educado”. Eu não sorri – Não tinha sido tão bem educada assim.
- Eu já tive minha dose de casamento e ela não foi tão homeopática assim.
Isso! Muito bem! Ponto para Adrian Van Galagher! – permaneci em silêncio.
- Amor esta é Laura, ela também é advogada. Está trabalhando com Adrian no processo das crianças
– Acrescentou Alex.
Os olhos de Alissa caíram direto para minha mão, perdida dentro da de Adrian. Ela me
puxou em um cumprimento que forçou nossa pequena separação.
- Oi Laura, é um prazer conhecer os colegas de trabalho do meu noivo – ela disse – especialmente se
são jovens e bonitas como você – ela falava comigo, mas não era para mim que olhava. Ele olhava
na direção de Adrian e sorria. Não era um sorriso falso. Era um sorriso cortês, contido, discreto –
espero que tenha sucesso – ela disse olhando para mim agora – Especialmente no caso de Collin.
Adrian pigarreou. Alex tossiu e eu tive certeza de que o que eu sabia era apenas a ponta de
um grande iceberg.
***
Eu nem sabia por que aquele encontro me incomodava tanto. Na verdade eu nem tinha parado
para pensar até que o olhar de Alissa denunciou sua teoria – Laura.
Alissa era uma garota bonita. Era inteligente e bem educada. Eu a conhecia á muito tempo,
muito antes de Alex a conhecer. Ela era de uma família importante, ele não. Alexander Persen era o
filho bastardo de um corretor de seguros e uma estudante belga. Por isso ele não tinha o “Van” em
seu nome. E Alissa fazia questão de deixar claro sempre que podia, como ele tinha sorte de estar com
ela. Alex era meu melhor amigo e eu não me importava em que condições ele havia nascido. Toda
essa bobagem de sociedade importava para meu pai, não para mim, e importava para os pais de
Alissa também, para o azar de Alex. Ela o amava. Isso era um fato, mas em alguns momentos eu a
sentia recuar, fazendo o que os pais queriam.
Para ser sincero, eu sempre achei que o pai de Alissa esperava que nós dois terminássemos
juntos, já que nos víamos em muitos lugares quando mais jovens, mas eu decidi burlar todas as regras
e engravidei minha namorada do colégio, aos dezenove anos. Saí de casa, casei-me com ela. Então
deixei de ser o bom partido que ele me considerava. Anos mais tarde, após a morte de Patrícia, eis
que eu surjo como “novo bom pretendente” para a filha dele, o viúvo milionário. Para minha sorte e
terror dele, Alissa já estava saindo com Alex.
Eu ás vezes me pergunto se Alissa não estivesse grávida, se os dois ainda estariam juntos.
Bem, essa é uma resposta que não vou ter.
Quando Alissa puxou Laura eu senti uma sensação estranha. Não queria soltá-la. Não queria
deixá-la ir. Eu me sentia um pouco ridículo, mas ao mesmo tempo me sentia cheio, completo. Eu nem
lembrava mais como era me sentir assim.
Laura era doce e meiga. Seus olhos sorriam muito antes de sua boca se curvar. Ela ainda
sorria como uma menina, deslumbrada com a vida, e isso me fazia crer que talvez, só talvez, eu
pudesse voltar a sorrir assim.
Cruzei as mãos sobre meu colo, encarando o canal, enquanto passávamos pela Erasmusbrug.
Ela havia ficado em silencio desde o momento em que encontramos Alexander. Ela havia tentando
retirar sua mão da minha. É claro que sim. Ele era muito menos complicado do que eu. Laura não
fazia o tipo que se deslumbrava com meu dinheiro. Ela havia se deslumbrado com o que eu
apresentei á ela, não com quanto tudo aquilo custou. Suspirei. Alex tinha muito mais capacidade de
fazê-la feliz do que eu. Ele sabia como. Ele sempre sabia transformar as coisas ruins em coisas boas.
Ele havia feito isso para mim tantas vezes. Meus filhos o amavam. Patrícia o amava. Até meu pai o
amava. Eu não. Eu era o cara errado. O cara ruim. Eu era o monstro sempre. Eu era como Midas ao
contrário, que destruía tudo que tocava. E era por isso que eu devia ouvir o conselho de Alex e me
manter longe de Laura.
Encarei a garota ao meu lado, no banco de couro do meu carro de luxo – Eu não podia perder
meu foco com Laura. Ela não era uma mulher descartável. Eu precisava dela para outros fins. Tinha
que pensar com minha mente e manter minhas bolas fora disso. Não Laura. Não com ela. Mas uma
coisa era certa – se eu não teria Laura, Alexander Persen não teria também.
- Eu quero que entre em contato com o juizado de menores, Srta. Soares. Desejo ver meus filhos o
quanto antes e como deve imaginar, eu não domino o idioma. Quero que os informe que entrarei no
processo de restituição. John completará dezoito anos em menos de um ano. Eu o quero de volta á
Holanda antes que atinja a maioridade. Não vou perder meu filho – eu disse cortando o silencio
estranho entre nós.
Eu não pretendia parecer autoritário, mas acabei soando assim, pela segunda vez. Respirei
fundo, mas não me desculpei. Era melhor que ela percebesse de uma vez que eu estava longe de ser
um gentleman como Persen.
Laura virou-se em minha direção com o olhar quase triste, mas profissional. Eu não sabia se
era por minha causa ou se era por causa de Alex. E eu não tinha certeza se queria descobrir.
- Sim Sr. Galagher. Pode ficar tranquilo. Assim que chegar á Amsterdã farei isso.
- Eu prefiro que trabalhe aqui, no prédio da empresa temos escritórios que servem para uso
esporádico. A senhorita pode escolher um e utiliza-lo pelo tempo que durar nossa associação.
Era melhor que ela estivesse por perto. Assim eu poderia me focar nisso. Poderíamos
discutir sobre o caso e montar um processo sólido mais rápido. Era necessário que Laura estive
próxima. Não era? Necessário para o processo, claro – os pensamentos formando nós em minha
cabeça e ela parecia querer explodir.
- No entanto por hoje terminamos – eu disse taxativo – Harold a levará para sua casa assim que me
deixar no escritório. Ele também a pegará, amanhã pela manhã. Esteja pronta ás oito horas, Srta.
Soares. Eu gosto de começar o trabalho logo pela manhã.
- Ok.
Ok. Apenas ok e nada mais. Nem uma discussão, nem olhos brilhando nem nada mais da
garota com a qual eu havia trombado. Isso era estranho. Eu não estava familiarizado com a sensação
de rejeição e ela não entraria no hall das sensações que eu esperava repetir.
Entrei em meu escritório. Peguei minha pasta e saí. Passei por Karol sem dizer nada. Eu não
estava para muitas conversas nem explicações.
- Esta é uma das vantagens de ser o dono do negocio Karol. Eu decido quando é hora de parar.
Arrependi-me no segundo seguinte. Nem Karol, nem ninguém tinha culpa dos meus
problemas. Todos eles eram minha culpa. De um jeito ou de outro. Eu também não era bom em me
desculpar, na verdade eu era péssimo nesse quesito, como em nenhum outro. Esperei que Karol
compreendesse meu arrependimento.
- Se quiser, pode tirar á tarde de folga Karol. Não vou voltar ao escritório hoje – eu disse como um
pedido de desculpas silencioso.
Karol sorriu.
- Eu não sou o chefe Sr. Galagher. Preciso manter tudo em ordem. O senhor sabe, meu chefe é um
homem exigente.
Sorri.
- Sorte dele em ter uma secretária tão competente.
- Se o Sr. Persen aparecer por aqui diga á ele que deve se empenhar menos e passar mais tempo com
a noiva grávida.
Saí. Eu estava irritado demais com a possibilidade de encontrar Alex e eu realmente não
precisava de nenhum tipo de lição de moral ou coisa assim em resposta á minha mão na de Laura. Foi
uma bobagem. Não foi? Um toque casual. Algo perfeitamente dispensável e esquecível. Nada
demais. Então porque eu não conseguia deixar para lá?
Entrei em casa e verifiquei meus recados na secretária eletrônica. Nada de importante. Tirei
o blazer. Soltei os botões da camisa. Acendi a lareira. Servi-me de uma dose de uísque. Tirei os
sapatos e as meias e cruzei os pés sobre o apoio da poltrona de couro. Fechei os olhos. Laura. Laura
estava ali. Seu corpo tocando o meu pela segunda vez. Seu perfume impregnado em minha roupa. Em
minha pele. Ela havia procurado minha mão. Ela estava com medo e havia procurado meu toque.
Confiado em mim. Suspirei, deixando o liquido escorregar por minha garganta. Vinte e quatro anos.
Vinte e quatro anos.
- Você sabia que ela tem quase a idade do seu filho? – eu disse para mim mesmo.
Eu não deveria nem ao menos cogitar a possibilidade de me envolver com Laura. Laura era
uma menina. Doce e cheia de sonhos – palavras de Alex – e eu, bem eu era um homem que não
acreditava mais em finais felizes. Ou melhor, eu acreditava, mas meu final feliz envolvia outra garota
em minha cama, com seus cabelinhos claros e seus olhos amendoados. Era nisso que eu tinha que me
focar. Hanna. Hanna era a única garota da minha vida. E John e Collin.
Peguei o telefone e disquei. Tocou. Tocou e não obtive resposta. Eu estava mais irritado.
Com raiva.
- Com saudades!
- Eu estou indo á escola. Estou aprendendo muitas coisas. Acredita que eu até já consigo falar
português?
Senti uma punhalada no fundo do meu peito – se ela estava indo á escola era porque os avós
realmente pretendiam mantê-la no Brasil. Eu queria pegar o primeiro voo para São Paulo e arrancar
meus filhos de lá á força. Suspirei. Pensei. Acalmei minha mente, mantendo o foco na voz doce e
infantil de minha Hanna.
Suspirei novamente.
- E você está feliz aí anjinho? – perguntei com tanto medo da resposta que quase deixei o telefone
cair.
- Estou feliz papai – ela me disse e então suspirou – mas quero ir para casa. Sinto sua falta.
Meus olhos ficaram pesados de repente. Limpei a garganta e funguei, afastando o que quer
que fosse que tentava parar ali.
- Papai me responda uma coisa – Hanna me disse de repente, porque ela era assim, transformava tudo
em novidade. Meu raio de sol – já parou de nevar?
Sorri.
- Ah que pena! Eu queria esquiar – ela disse mal humorada – agora vou ter que esperar até o ano que
vem para treinar! Acredita que minhas amigas nunca viram neve? Eu disse que fazemos bonecos de
neve no quintal de casa todos os anos.
Funguei novamente – este inverno havia sido o pior de toda a minha vida.
- Não se preocupe anjinho. Quando você voltar para casa vou leva-la para esquiar em Chamonix*.
Combinado?
Ela se foi, gritando o nome do irmão pela casa e xingando em holandês – minha princesinha
delicada, como sempre.
- Houve um tempo em que eu achava que se plantasse uma moeda, nasceria uma arvore de dinheiro –
John retrucou.
- Sempre com uma resposta rápida e certeira, não é John Albert Van Galagher?
Eu quase sorri. Podia ver John deitado na cama, às mãos cruzadas atrás da cabeça, o
telefone sobre o peito, ligado no viva voz. Ele provavelmente sorria também. Era nosso pequeno
jogo de bate-rebate, mas funcionava para nós.
- Eles estão bem pai. Collin tem perguntado muito sobre você. Diga que tem pensando em uma
maneira de leva-lo embora.
Nós falávamos em holandês. Era nossa maneira de manter o assunto apenas para nós.
- Ele se sente sozinho pai. Não consegue fazer amigos porque não entende bem à língua. E pai? – Ele
disse e então parou. Suspirou. E eu senti meu coração diminuir.
- Eu estou entediado. Você sabe, sinto falta do vento. E das tulipas. Veja se não demora, ok?
*Chamonix - Chamonix-Mont-Blanc é o nome completo dado à cidade conhecida geralmente só por Chamonix, que fica
no departamento francês de Alta-Saboia, na região de Ródano-Alpes, e que tem em frente nada menos que o Mont Blanc, o mais alto
cume dos Alpes e da Europa Ocidental. Em Chamonix é possível esquiar em qualquer época do ano.
Ele brincou, mas no fundo eu sabia que era verdade – ele sentia falta de casa e eu sentia falta
dele. John não estava preso lá. Ele estava por vontade própria. Havia decidido ficar com os irmãos.
Collin não falava português e John era o elo que o ligava á esse mundo para o qual o tinham
arrastado. Eles estavam no Brasil á pouco mais de três meses. Tinham ido para o aniversario de
morte da mãe e não tinham mais voltado. Os avós haviam entrado com um pedido de guarda junto ao
juizado de menores, e dadas ás circunstâncias de Collin não tinha sido difícil. Eu não havia entrado
com nenhum processo. Conversei varias e varias vezes ao telefone com os pais de Patrícia. Eu não
queria uma briga judiciaria internacional. Não queria meus filhos envolvidos em todas essas coisas.
Eles já haviam sofrido demais. Eles viram meu casamento acabar, viram a mãe morrer. Eles
mereciam um pouco de paz.
- Eu estou aqui.
- Vou dar uma volta pai, tem muitas brasileiras por aqui que se amarram no meu sotaque. Até mais.
Eu sorri. E pude senti-lo sorrir também. Desliguei. Fechei os olhos novamente e deixei que
a lembrança de John afastasse Laura de minha mente.
Capítulo 5
Eu estava de volta á minha casa bem antes do que pretendia. Eu não entendia muito bem o
que havia acontecido. Adrian estava irritado, mal-humorado, contrariado. Eu não sabia o que havia
causado isso. Eu não sabia se era o fato de Alissa mencionar algo sobre Collin ou se era por termos
sido flagrados em um momento que ele provavelmente considerava errado. O fato é que eu nem
mesmo podia me desculpar, porque nenhum dos dois prováveis motivos tinha sido minha culpa.
Entrei em casa e encontrei Mia na janela. Sentei-me ao lado dela no parapeito e cocei a sua barriga
redonda e laranja.
- Você precisa de uma dieta. E eu, se continuar comendo como hoje, precisarei em breve.
Mia ronronou, demonstrando sua reprovação quanto ao meu pequeno exame em sua
condição física.
Tirei os sapatos e coloquei uma lista de reprodução do meu celular, deixando o som de
“Higher” encher meu pequeno apartamento com a sua batida marcada, envolvente. Tirei as roupas e
entrei no chuveiro, deixando a água descansar meu corpo do dia. Saí do chuveiro alguns minutos e
musicas depois. Cabelo molhado. Calça de flanela com desenho de carneirinhos e uma regata justa
de algodão branco, que eu amava. Meias nos pés, corri para a cozinha e fiz uma caneca de chá e
aqueci um sanduiche pronto – Amsterdã é a cidade mais prática do mundo, sério! Você pode
encontrar quase tudo pronto para ser aquecido.
Dei a primeira mordida e praguejei contra Adrian Van Galagher por me mostrar que comida
pode ser muito, muito melhor do que isso.
Abri meu computador e comecei a pensar no que escrever no e-mail que encaminharia para
o juizado de menores brasileiro. Tentei. Tentei. Meu pensamento girando em torno de Adrian. Suas
mãos. Seu toque. Sua boca mastigando. A maneira como seus lábios bem feitos recusavam-se a
curvar-se em um sorriso – Deus eu estava perdida! Perdida em Adrian Van Galagher! E o pior –
ele não estava nem perto de sentir-se igual.
“Idiota! Idiota! Idiota” – Quer tipo de garota amadora e deslumbrada se deixa encantar por
um homem como ele? Eu queria bater minha cabeça contra a parede repetidas vezes, mas não acho
que isso me faria esquecer o maldito pirata sexy.
Eu estava lá. Cara de nada olhando para o vazio da parede, parecendo um gato depois do
banho com o cabelo ainda encharcado. Computador aberto. Revirando meu chá com a colher e
pensando em desabotoar os botões da camisa de Adrian Van Galagher mentalmente, quando uma
batida suave na janela quase me faz cair da cadeira. Ele estava lá, lindo e príncipe como sempre –
Alex Persen, em seu terno bem cortado e cabelo penteado. Sorriso fácil mostrando um par de
covinhas de suspirar, enquanto me olhava lá de fora.
Caminhei até a porta como quem caminha para a forca, porque se eu me trocasse, ficaria
muito claro que havia sido por causa dele e isso seria bem estranho. Abri a porta e ele sorriu.
- O que foi – ele me perguntou rindo – é sério! É uma calça espirituosa! E fica uma graça em você!
- Bem, primeiro eu vou me explicar. Não estou seguindo você ou coisa assim – Alex me disse.
- Meu pai mora no final da rua. Eu estava na casa dele quando vi o carro de Adrian deixa-la. Quis vir
ver como estava. E se precisava de alguma ajuda. Acredite, eu conheço Adrian melhor que qualquer
pessoa no mundo – Alex sorriu meio sem jeito – sei lá, seria estranho se você descobrisse que
estávamos na mesma rua e eu não dissesse nada. Não queria parecer que estava espionando ou coisa
assim – ele não parava de falar e eu percebi que tentava se justificar, como eu fazia quando ficava
nervosa – é só que meu pai mora ali, então eu venho muitas vezes para cá – o homem coçava a barba
e falava sem parar.
Sorri.
Eu não queria que ele ficasse sem graça. Eu sabia exatamente como era sentir-se assim. Eu
gostava de Alex. Sentia-me confortável na presença dele. Alex não me perturbava, ele me acolhia. Eu
sentia como se fossemos amigos á anos.
- Cesta! - ele brincou – mas vamos lá, em quê minha presença veio á calhar?
Eu queria dizer: “Em tirar Adrian Van Galagher da minha mente!” – mas por questões
óbvias, eu não disse.
- O Sr. Galagher me pediu que entrasse em contato com o juizado de menores no Brasil, mas
sinceramente – eu o encarei com o alhar mais derrotado que tinha – não sei se estou fazendo isso da
maneira correta.
Alex retirou o paletó, ficando apenas de camisa. Afrouxou a gravata, sentou-se ao me lado e
virou meu notebook para si. Encarou a tela.
- Você traduz para mim? – ele disse puxando sua cadeira para mais perto de mim, esbarrando o
tecido fino da camisa contra o meu braço.
Eu me sentia estranha. Devia me sentir mal e errada, mas me sentia bem. Era bom tê-lo
próximo, mas não era nem de longe como tocar em Adrian. Pensei em Alissa e sua grande barriga e
tentei me sentir culpada, mas eu não conseguia. Nós não estávamos fazendo nada demais, certo? O
que era aquilo? Uma conversa de amigos? Colegas de trabalho? Não era como se Alex Persen
estivesse dando em cima de mim ou coisa assim! Ele não estava sendo sedutor. Estava? Ele era
apaixonado pela garota, não era? Sim ele era. Ponto. E eu não tinha absolutamente nada com
Adrian. Então não era errado!
Não achei que Alex tivesse concordado, mas ele seguiu em frente, fazendo o possível para
que a situação ficasse mais leve.
Sorri, mas foi mais de nervoso do que de graça mesmo. Li o e-mail todo, traduzindo para o
inglês.
- Sei lá Alex. Não acho que tenha ficado suficientemente embasado. Tenho medo de falhar.
- Não acho que esteja ruim – ele começou – na verdade está realmente bom. Achei ótimo que você
tenha citado o Princípio de Interesse Superior da Criança. Pelo que sei as crianças tem perguntado
muito sobre o pai. Eu sei como isso pode ser ruim na vida de uma criança.
Os olhos de Alex baixaram um pouco. Seu sorriso diminuiu. Eu não queria dizer á ele que
também sabia como isso podia ser negativo. Não queria encher a cabeça de Alex com os meus
problemas, porque ele provavelmente tinha os dele.
- Não vou encher você com os meus problemas Laura – ele disse lendo meus pensamentos – vamos
corrigir apenas a parte final. Imagino que Adrian queira vê-los ainda este mês. Hanna fará
aniversário no final do mês e ele certamente deseja vê-la antes disso.
Ele foi ditando em inglês e eu fui escrevendo em português, corrigindo o final do e-mail.
Terminei e sorri – parecia muito melhor.
- Leia para mim novamente Laura – Alex disse. Seus olhos focados nos meus. De repente eu sentia
um calor se espalhar em meu rosto e isso não era muito confortável.
- Acho que ficou muito melhor – comecei – acho que parece mais profissional, menos – eu girei os
dedos ao redor de mim – estagiária.
Alex ainda tinha os olhos nos meus e eu tentava não me concentrar neles.
- Acho que já estava muito bom – ele disse – mas acho que assim você vai ter uma resposta mais
rápida.
Falei sem pensar. Não deveria ter me referido á ele com o primeiro nome e, principalmente,
não deveria ter deixado meus olhos estúpidos brilharem com isso.
Alex sorriu, mas o sorriso morreu rápido demais. Seus olhos eram profundos e pesarosos.
Aquele verde límpido de repente parecia triste.
- Bem, ele me contratou para isso – comecei sem conseguir parar – eu ficaria feliz em seu útil –
continuei – seria bom ser reconhecida por um bom trabalho. Além disso, o Sr. Galagher certamente
merece ver os filhos. Eu acho uma atitude louvável.
Alex colocou a mão sobre a minha, cobrindo-a. seu toque gentil, quente, derretendo-se em
minha pele.
- O que foi aquilo que eu vi no Euromast? – ele me perguntou com a voz calma, suave.
Pensei por alguns segundos, revirando minha mente atrás de algo que pudesse explicar
Adrian e eu de mãos dadas.
- Nada! – eu disse por fim porque nada pareceu realmente funcionar – eu tenho medo de alturas e –
eu não sabia como continuar – bem, ventava bastante. Eu sou pequena, então – Alex interrompeu.
- Laura – ele continuou – Adrian é uma das pessoas que eu mais amo no mundo. Ele é realmente um
cara incrível – Alex suspirou – é um pai incrível. É um profissional incrível. Ele é bom em tudo que
faz. Construiu tudo aquilo com o talento que tem. Ele é o melhor amigo que eu tenho. Quase um irmão
– ele suspirou novamente – eu provavelmente não deveria estar aqui – seus dedos movendo-se sobre
a minha mão – não quero vê-lo se magoar. E principalmente, não quero vê-lo magoar você.
- Não se preocupe – eu disse sorrindo – não pretendo me envolver com o Sr. Galagher.
Minha voz soou decidida, firme. E eu me senti orgulhosa. Queria que Alex percebesse que
não existia possibilidade alguma de Adrian e eu, bem, existia?
Alex curvou a boca em um sorriso de lado. Um sorriso daqueles que me faziam ter certeza
de que Deus existia e amava o mundo, criando alguém como Alex Persen.
- A questão, Laurinha – ele me disse ajeitando uma mecha de cabelo atrás da minha orelha, e
escorregando os dedos pelo meu rosto, segurando meu queixo e mirando meus olhos nos dele – é que
você já se envolveu. E não há nada que eu possa fazer.
Eu não sabia o que dizer. Em parte porque ele tinha razão e isso era terrivelmente
assustador, e em parte porque com Alex assim, tão perto, tão quente e tão gentil e carinhoso, eu tinha
muitas duvidas sobre o fato de que ele não poderia impedir que eu me envolvesse com Adrian.
Alex quebrou nosso contato, beijando minha bochecha e levantando-se. Jogou-se em meu
sofá, deu uma golada na cerveja e fechou os olhos, balançando os ombros no ritmo da musica que
tocava.
Eu nem tinha percebido que a musica ainda tocava no meu celular. Sorri.
- Se você me disser que tem “Carry on My Wayward Son” eu sequestro você e mantenho em
cativeiro, no meu apartamento. Só para ter com quem dividir o gosto musical.
Pronto. Tudo estava bem. Alex parecia ter esse dom. ele parecia concertar tudo á sua volta.
Peguei o celular. Sentei-me ao lado dele e coloquei o Kansas para tocar.
- Diga-me quando sua sala começou a girar – ele me disse rindo alto.
Ele estava bêbado. Eu estava bêbada. Então tentei manter a maior distancia possível entre
Alex e eu.
- Ainda bem que eu tenho a chave da casa do meu pai – ele disse meio grogue – não acho que eu
deveria ir dirigindo para Roterdã agora.
- Acho que você está coberto de razão, Sr. Persen – brinquei – o que mostra que o senhor é um
homem sensato.
E então eu não sei o que houve. Em um momento eu estava ali, parada, fazendo piada, no
momento seguinte eu estava entre os braços de Alex Persen. Presa em um abraço do qual eu não tinha
certeza se queria sair. Suas mãos segurando meu corpo contra o dele. Era um abraço, nada demais,
mas eu não podia dizer que era completamente imune á Alex Persen.
Ele me abraçava por baixo dos meus braços, forçando meu corpo para cima, abaixando o
dele para se encaixar. Eu podia sentir o peito forte e o estomago plano e firme dele contra mim.
Minhas mãos em sua nuca, tentando conter-se em não acariciar seu cabelo macio. Seu rosto
encaixado na curva do meu pescoço, sua respiração fazendo cocegas em minha pele.
Fiquei parada. Imóvel. Mas não me afastei. Eu não queria e Alex não merecia. Toquei seu
cabelo com meus dedos. Sentindo o cheiro limpo do seu shampoo se espalhar em minhas narinas. Ele
se afastou. Segurou meu rosto entre suas mãos. Olhos tristes. Boca sem sorriso.
Caminhou até a porta e eu fiquei ali, meio sem entender, meio sem querer entender. Abri a
porta. Ele parou no batente e me deu um beijo suave na bochecha.
- Não se preocupe. Eu avisarei. Tenho certeza de que estarei com uma dor de cabeça daquelas
amanhã e vou precisar do seu bom gosto musical para melhorar minha manhã.
Não discuti. Não tinha razões para isso. Se eu ia conviver com Alex Persen por um período
razoável de tempo, precisava encontrar uma maneira de ser imune ao seu charme.
Faltava pouco mais de meia hora para ás oito horas, quando minha campainha tocou. Abri a
porta para encontrar um Alexander que eu ainda não havia conhecido. Ele estava escorado no batente
da minha porta, vestindo jeans escuros e uma camisa de botões listrada, com uma jaqueta de couro
por cima. Olhos cobertos por óculos escuros.
- Você me disse oito horas – brinquei.
Eu me lembrava. Não havia esquecido em nenhum momento e rezava para que Alex
lembrasse também. Pelo visto, a noite de sono o havia ajudado com isso.
Demorei exatos quinze minutos para vestir uma calça social ajustada nas pernas. Camisa e um
blazer de couro preto. Prendi meus cabelos em um rabo de cavalo alto. Coloquei meus óculos de sol
Clubmaster* e peguei minha bolsa.
Fechei a porta do meu pequeno apartamento para encontrar um Audi TT** prateado,
estacionado no meio fio.
Alex sorriu.
- Gosta?
- Gostar? – eu disse – eu gosto de café com creme. Gosto de torta de chocolate. Esse carro é o
máximo! Eu não gosto, eu amo esse carro! Ele é – eu andei até o carro e deslizei a mão por toda a
pintura brilhante do capô – ele é simplesmente o príncipe dos carros!
Olhei a chave reluzente em minhas mãos e quase tive um surto momentâneo. Corri até Alex e
me pendurei em seu pescoço, beijando seu rosto.
Alex sorriu sem graça e entrou no banco do passageiro. Entrei. Fechei a porta, ajustei o
banco. Girei a chave e deixei o motor rugir – Deus do céu. Eu poderia ter um orgasmo ali, ouvindo
o Audi gemer para mim.
Alex ligou o radio. E deixou um rock suave do “Foo Fighters”*** tocar. Seguimos em
direção á Roterdã.
Paramos em um drive thru e compramos dois copos de café. Entramos no prédio da empresa
de Adrian e havia uma vaga sinalizada com o nome de Persen. Estacionei o Audi ali, feliz em ver que
a vaga de Adrian permanecia vazia. Com sorte, eu entraria, tomaria meu café e poderia escovar os
dentes, antes de vê-lo.
Subimos pelo elevador rindo como dois bobos. Alex criticando minha excitação
aparentemente engraçada, atrás do volante.
- Hey – protestei batendo de leve em seu ombro – eu não dirijo sempre e certamente não dirijo um
carro desses!
- Baby você pode pegar meu carro quando quiser. Alguém precisa aproveitá-lo, já que Alissa espera
que eu o venda antes do bebê nascer.
Ele estava sorrindo, mas eu podia sentir uma nota de descontentamento por trás do seu
sorriso – cara, a garota devia ser uma chata mesmo!
Alex pegou meus óculos de grau e colocou em seu rosto, fazendo careta por trás da armação
vermelha. Eu sorri e o peguei de volta.
- Hey! Eu estou sem lentes. Não enxergo nada sem eles! – eu disse enquanto caminhava para fora do
elevador.
*** Foo Fighters – É uma banda de rock alternativo dos Estados Unidos formada por Dave Grohl em 1995 . Seu nome é uma referência
ao termo "foo fighter", usado por aviadores na Segunda Guerra Mundial para descrever fenômenos aéreos misteriosos,
considerados OVNIs.
Não dei muitos passos e me choquei contra o corpo duro e forte de Adrian Van Galagher.
Meu copo colidindo contra a imensidão dura do seu peito. Eu podia ver tudo em câmera lenta – o
copo se abrindo, o liquido escuro escorrendo camisa abaixo e minha boca se abrindo em desespero.
Perdi o equilíbrio em minha tentativa frustrada de impedir o desastre, e senti uma vez mais a força do
braço de Adrian, erguendo meu corpo como se eu não pesasse mais que alguns gramas.
Ele continuou em silencio. Aquele mesmo olhar que me fazia perder a noção do mundo ao
meu redor e esquecer de respirar.
- Perdão Sr. Galagher – eu não sabia o que fazer, estava entrando em “modo desespero” – Eu estava
distraída. Foi minha culpa. Eu realmente não queria – eu tentava me explicar, mas falava como uma
vendedora de telemarketing maluca – Alex e eu – emudeci.
Apertei meus olhos – “Ai caramba, usei o primeiro nome” – foi tudo que consegui pensar.
Adrian virou-se para Alex. O liquido melado empapando sua camisa azul clara, colando o
tecido ao seu abdome.
- Devo supor que esta pequena festinha era a razão para ter dispensado os serviços de Harold.
Eu não sabia se respondia ou não porque eu não sabia se ele falava comigo ou com Alex.
Então fiquei em silencio. Um terrível e constrangedor silencio.
***
Quando acordei naquela manhã, eu estava ansioso. Falar com meus filhos havia deixado o
caminho aberto para que eu sonhasse com Patrícia e sonhar com ela me deixava muito, muito
perturbado.
Desliguei o chuveiro e sentei-me na borda da banheira por algum tempo, deixando meu rosto
pesar sobre minhas mãos, analisando os últimos acontecimentos. Levantei-me, enrolei a toalha em
volta do corpo e caminhei até o armário. Peguei a caixa de madeira e sentei-me na cama, traçando
meus dedos em torno do padrão de rosas marchetado na tampa. Abri, encarando o conteúdo.
Meu álbum de casamento era simples. Quando me casei com Patrícia não éramos ricos nem
tínhamos apoio dos nossos pais. Éramos duas crianças brincando de casinha.
Fui passando as folhas envelhecidas pelo tempo uma á uma, encarando o sorriso no rosto da
minha garota e no meu. Eu podia ver o pequeno volume sob o vestido claro, arredondando suas
formas. John já estava ali, meu pequeno lutador.
O próximo álbum era dos nossos primeiros anos juntos. Havia fotos do primeiro
apartamento que dividimos. E fotos de um Alexander desajeitado tentando dar banho em meu filho.
Suspirei, afastando as primeiras lagrimas e engolindo-as em seguida. Sorri – nós éramos uma boa
família juntos.
Olhei todos os álbuns de fotos, percebendo a diferença em cada um de nós. Eu estava mais
altivo, mais arrogante, mais rico. Patrícia mais triste, mais sofrida, mais apagada. Eu fui apagando
sua luz com a minha arrogância pouco á pouco, até que não restou nada.
Corri os olhos por cada um dos bilhetes que eu havia mandado á ela. Bilhetinhos em
pedaços de folhas de caderno. Apaixonados e românticos como eu nunca mais havia sido.
Havia uma rosa seca sobre uma folha de papel. No papel havia uma data. Era
provavelmente o dia em que ela concebeu meu filho. Eu havia falhado tanto com ela e com eles que
nem sabia por onde voltar consertando meus erros.
Fechei os olhos e pensei em Laura novamente. Eu me sentia culpado pela maioria dos
sentimentos que Laura despertava em mim, mas eu gostava do homem que eu era quando ela estava
por perto. Eu me preocupava mais com a maneira como tratava as pessoas. Preocupava-me mais em
tentar ser parte de algo que não fosse apenas sobre mim e o meu dinheiro.
Estava divagando quando meu telefone tocou. Atendi preocupado assim que vi o numero
internacional piscando na tela.
- Aconteceu algo com os meus filhos Margarida? – perguntei sem saber se queria uma resposta.
- Bom dia Adrian! – ela me recriminou – não. Não aconteceu nada com os seus filhos. Eles estão
ótimos e estão dormindo ainda.
- Bom dia Margarida. Desculpe minha falta de educação. Eu estava um pouco absorto em
pensamentos e – antes que pudesse continuar, Margarida me interrompeu.
- Sonhei com Patrícia hoje, Adrian – ela confessou – tenho pensado tanto em minha filha ultimamente.
- Eu também – confessei tão baixo que não tive certeza se ela havia me ouvido.
- Eles estão bem aqui comigo – ela me continuou – quero que saiba disso.
- Sei que estão. Nunca tive duvidas de que você os ama, mas eles são meus filhos Margarida.
Margarida e eu não discutíamos. Éramos polidos demais para discutir. Na verdade não
trocávamos mais do que poucas palavras. Durante todo o tempo que durou meu casamento, havia sido
pequenas conversar medidas e pesadas, sem sentimento algum.
- Teve notícias de Jens? – ela soltou de repente, fazendo meu corpo se retesar.
- É um país pequeno – brinquei sem humor – Sempre ouço algo aqui e ali, mas nada realmente
preocupante.
Eu tinha medo também. Tinha muito. Não queria que aquele homem se aproximasse de da
minha família. Ele já havia causado danos demais. Mas eu tinha certeza de que ele não seria burro o
suficiente para tentar algum tipo de aproximação. Ele sabia que precisamos conviver pelos negócios
e ele amava dinheiro mais do que amava qualquer coisa em sua vida.
Jens havia cruzado meu caminho em meu segundo ano escolar. Não encontramos semelhanças
desde o inicio. Nenhum ponto de interesse comum, nenhuma razão para sermos amigos. Eu havia
decidido que ele era apenas mais uma pessoa no mundo, mas ele havia decidido que eu era o seu
rival e isso não havia mudado ainda hoje. Ele era sobrinho do primeiro ministro, e isso fazia com
que se sentisse o próprio rei da Holanda.
Eu era de uma família importante, mas havia renegado isso porque não pensava como eles. Eu
não era como meu pai e eu não era como Jens. Eu jogava o jogo, dançava a musica, mas esse não era
eu, esse era Jens. Ele gostava do jogo. Gostava de se sentir superior, de ser bajulado e aclamado nos
jornais pela Europa. Gostava de desfilar com belas mulheres á tiracolo e manter a fama de solteiro
cobiçado. Ele gostava de mentir e gostava de enganar e ele gostava, principalmente, de ter o que era
meu. Jens era como um rato, infiltrando-se pelos caminhos do palácio e tomando posse do que
achava necessário. Ele era sujo e desonesto, mas se escondia sob uma carcaça elegante e um sorriso
gentil que fazia com que as pessoas caíssem fácil demais em sua lábia. Patrícia, inclusive.
Eu havia lutado contra a vontade de soca-lo tantas vezes que podia sentir a sensação da minha
mão batendo contra os ossos da face dele só de imaginar.
- Não se preocupe. Eu mantenho Jens longe o suficiente – e completei – tenho meus meios.
- Também.
- Eu os quero de volta, Margarida – eu disse baixo, mantendo meu tom sob controle – se o problema
é Jens ou qualquer outra pessoa, eu tenho plenas condições de manter meus filhos seguros.
Ela não respondeu. Continuou aquele duro silencio que me fazia querer socar alguma coisa,
ou alguém.
E então eu desliguei o telefone porque já não havia razão para continuar a conversa. Se ela
pensava que poderia manter meus filhos longe de mim apenas porque tinha medo daquele calhorda,
ela estava enganada. Eu não aceitaria. Não me esconderia e não ensinaria isso aos meus filhos.
Terminei de me vestir sentindo minha cabeça latejar – não era, nem de longe, um bom dia.
Desci as escadas apressado. Entrei na cozinha e encontrei Harold e Martina tomando uma
xicara de café. Encarei o horário em meu relógio.
- Pensei que estaria em Amsterdã, buscando a Srta. Soares, como eu havia mandado – disse
encarando Harold.
- Bom dia Sr. Galagher – ele começou – recebi um telefonema do Sr. Persen dizendo que não
precisava me preocupar, que ele mesmo á levaria. Pensei que eram ordens do senhor.
- Da próxima vez que tiver duvidas sobre uma ordem minha, basta que faça uma ligação. É
exatamente por isso que você tem um celular com a conta paga pela empresa.
Era grosseiro, eu sabia, mas era verdade. Virei às costas e saí sem responder aos apelos de
Martina para que eu comesse algo.
Ela havia assumido minha casa como se fosse dela. Eu gostava de como cuidava das coisas e
mantinha tudo do meu agrado. Martina estava conosco desde os primeiros anos de Hanna. Era uma
boa mulher e me conhecia o suficiente para saber a hora de não insistir em algo.
Cheguei à garagem e encarei minha moto estacionada – era o que eu precisava. Um pouco de
vento no rosto e talvez eu me sentisse menos irritado com a petulância de Alexander.
Alguns minutos mais tarde, estacionei a moto e desci, ajeitando meu terno. Caminhei até a
vaga de Alexander e a encontrei vazia – ele queria mesmo arranjar um briga comigo!
Subi pelas escadas para ter tempo suficiente de me recompor, antes de entrar, mas tempo
algum seria suficiente para o que eu vi.
Eu sentia o sangue concentrar-se em minha cabeça. Latejando. Latejando. Eu não me importava com a
mancha na camisa. Não me importava com o liquido quente, escorrendo em meu peito. Meus olhos
estavam vermelhos focados no sorriso na boca de Alexander enquanto saia do elevador com Laura.
Quando foi que os dois ficaram amiguinhos? Que parte da historia eu havia perdido?
Eu queria cerrar minha mão em punho e acertar uma direita fechada, sem chance de defesa, na
lateral do rosto dele. Eu queria sentir o sangue jorrar do osso da face dele e melar os nós dos meus
dedos. Eu queria arrastar Laura pelos cabelos para a minha sala e ensinar á ela que não se brinca
com Adrian Van Galagher. Eu queria, mas eu me contive, encarando os olhos de Alex porque sabia
que ele entenderia o que eu não dissesse.
- Não houve festa alguma Adrian – ele iniciou a sessão desculpas – Laura apenas pegou uma carona
comigo. Acabei descobrindo que meu pai mora na rua da casa de Laura. Não é uma coincidência?
Ele coçou a barba. Deslizou a mão pelo cabelo. Encarou-me com seus olhos infantis de
sempre. Ele estava sem jeito. Pego em sua própria teia.
- E levaram pouco mais de meia hora para formar essa amizade solida.
Eu estava sendo arrogante e acido e eu sabia disso. A recepcionista baixou a cabeça atrás da
tela do computador, fugindo da situação.
- Deixei os processos da Calahan e da Metod sobre sua mesa Alexander. Espero um parecer até a
hora do almoço.
Comecei a andar em direção ao elevador que levava á minha sala. Laura continuou ali,
parada, meio atônita, me encarando.
- Acompanha-me Srta. Soares? – eu perguntei, mas soava mais como uma ordem – ou prefere um
escritório conjugado com o Sr. Persen?
Alex pigarreou e Laura engoliu em seco. Pelo menos os dois teriam o cuidado de não serem
pegos em outra sessão de risadinhas.
- Sr. Galagher – ela começou. A voz quase sumindo – eu espero que o senhor me perdoe. Eu
realmente não o vi. Eu estava colocando os óculos. Estou sem minhas lentes de longe. Sei que não é
um bom argumento. Eu realmente, realmente não queria sujá-lo novamente.
Ela estava usando o realmente pela terceira vez na mesma frase. Falando sem parar, como em
nosso primeiro encontro. Eu quase sorri. Quase. Ainda podia ouvir os risinhos dela com Alex no
elevador.
- Espero que seus argumentos jurídicos sejam mais contundentes, Srta. Soares.
Era uma piada. Ou deveria ter sido, mas ela não sorriu – eu definitivamente não sou bom com
piadas.
- Bom dia Sr. Galagher – Karol me disse com os olhos na mancha em minha camisa.
Abri a porta e deixei que Laura entrasse. Ela ficou parada, sem jeito, esperando por meu
segundo passo. Fechei as portas atrás de nós e passei por ela.
Laura estava linda. Radiante. Algo diferente brilhando em seus olhos, escondido atrás do
medo que ela sentia de mim no momento. Eu queria descobrir o que era e queria socar Alexander até
meus dedos doerem por ter sido ele à razão do que quer que fosse que a fazia feliz.
Eu não iria permitir que ele continuasse sendo a razão do sorriso por trás do rosto de Laura.
Eu precisava de algo. Algo que a fizesse sentir-se como ontem, noEuromast. Eu podia fazer isso. Eu
era muito bom com isso. Eu sabia seduzir. Esse era um jogo que eu gostava de jogar. Meu melhor
jogo.
- Conseguiu o que eu lhe pedi ontem, Srta. Soares? – eu disse afastando-me dela e mirando a janela,
de costas para ela.
- Sim senhor – ela respondeu – inclusive acabei de receber uma resposta. Se eu puder ligar meu
computador.
Eu a ouvi se afastar e colocar o notebook sobre a mesa. Alguns segundos depois, ouvi o som
de inicialização. Tirei o paletó. Soltei minhas abotoaduras e puxei a camisa para fora da calça,
soltando o cinto. Abri os botões da camisa. Virei para encontrar uma Laura observando-me. Ela
baixou os olhos no mesmo instante, mas eles não permaneceram lá. Correram através dos desenhos
em meu dorso e costelas. E pararam nas rosas em meu peito.
Caminhei até ela, meus olhos fixos nos dela, capturando sua atenção. Eu queria Laura. Não sabia se
era o correto, mas era o que eu queria e naquele momento eu realmente não me importava com muitas
coisas. Parei perto o suficiente para que ela tivesse uma melhor visão do meu corpo. Alisei meus
cabelos trás.
- Encontrou o e-mail que procurava Srta. Soares? – Perguntei consciente de nossa proximidade.
Laura piscou algumas vezes. Os olhos tentando decidir se encarava os meus ou se matava a
curiosidade sobre minhas tatuagens.
Eu tinha plena consciência do que meu corpo marcado causava. As pessoas não imaginavam
que por trás do executivo bem vestido havia um homem transgressor. Alguém capaz de marcar todo o
corpo com tatuagens. Eu gostava disso. Gostava de surpreender. E eu gostava especialmente da
reação que isso causava em Laura.
- Eu. Eu. Eu – ela não completava a frase e eu me aproximei mais, baixando um pouco meu corpo,
por trás dela na cadeira, falando perto do seu ouvido.
- Quer me mostrar Laura? – minha voz gutural, baixa, saindo direto da garganta.
Não era exatamente sobre o e-mail que eu falava. Eu falava sobre ela. Sobre qualquer coisa dela que
ela quisesse me mostrar. Queria vencer a barreira que ela havia erguido entre nós. Queria que ela me
visse como homem. Eu não queria mais ser o Sr. Galagher, queria que Laura me visse como Adrian.
Que me desejasse como Adrian e que me deixasse mostrar á ela que homem algum no mundo seria
como eu.
Umedeci meus lábios junto á sua orelha, soltando o ar da minha boca junto ao seu ouvido, sentindo os
pequenos pelos ali se eriçarem com a suavidade do meu toque. Eu tinha consciência de toda a
agitação do seu corpo e esperava por um mínimo sinal, como um leão, esperando pelo descuido da
gazela. Imóvel, controlado. E então meu telefone tocou, arrancando Laura e eu do nosso pequeno
impasse e me fazendo amaldiçoar o homem que inventou o telefone.
Capítulo 6
Meu coração queria sair pela boca. Meu corpo imóvel, tenso, sentindo a presença quente e
forte de Adrian em minhas costas. Mesmo sob o tecido grosso do blazer, eu podia sentir ondas de
calor vindas da sua pele chocarem-se contra minha pele. Eu sofria de uma overdose – bem vinda –
de Adrian Van Galagher, quando ouvi batidas na porta.
Adrian se afastou, caminhando lentamente até lá. Eu fiquei ali, sentada, mãos tremendo,
coração acelerado, corpo latejando.
Karol entrou e eu não me virei, desesperadamente tentando recuperar o controle sobre meu corpo.
Corpo estupido! Corpo estupido!
- Karol mande lavar minha camisa, por favor – eu o ouvi dizer – e consiga algo para que eu possa
vestir até a camisa estar limpa e passada. Não se preocupe em trazer. A Srta. Soares e eu estamos em
uma reunião importante.
Ouvi passos se afastando e então a porta se fechou. Meu coração gritando em antecipação,
sentindo a presença de Adrian aproximar-se. Ele parou ao meu lado, meu rosto na altura do seu
abdome. Virei o rosto sem querer. Cinto aberto, botão da calça também – ele não se deu ao trabalho
de fechar, providencial. O elástico da cueca aparecendo discretamente enquanto ele se movia –
Deus do céu eu estava enlouquecendo! Meu peito subindo e descendo tão rápido que eu tenho
certeza que ele percebeu.
Eu queria Adrian naquele momento muito mais do que eu queria respirar. Eu sentia meu
corpo á pouco graus de entrar em combustão espontânea. Sua respiração movendo os músculos do
seu corpo lindamente. Eu podia ver o quanto Adrian era belo e proporcional de muito mais perto do
que podia ser considerado seguro para alguém.
Inspire. Expire. Inspire. Expire – eu ordenava ao meu corpo, mas tudo que eu conseguia era
mais do perfume sedutor de Adrian Van Galagher. Minha mente projetando cenas eróticas com tanta
realidade que eu podia sentir a mão de Adrian sobre minha cabeça, conduzindo-me até o botão
aberto em sua calça. Eu podia sentir minha mão descendo o zíper devagar. Podia sentir minha boca
beijando sua pele quente, fina, ajustada aos músculos do quadril – Deus eu queria isso! Queria
beijar Adrian sob o elástico da cueca Calvin Klein e senti-lo arquear contra mim, gemendo de
prazer. Eu queria mais. Queria puxar sua cueca mais para baixo, queria senti-lo inteiro. Em minha
mão. Em minha boca. Eu queria senti-lo em minha língua.
Pisquei algumas vezes porque minha visão estava escurecendo de repente. Tirei os óculos
com o cuidado de não tocá-lo. Limpei as lentes com a barra da blusa e os coloquei novamente.
Tentando ganhar tempo antes de parecer mais uma vadia completa, jogada sobre Adrian Van
Galagher.
Adrian não se abaixou. Ele permaneceu ai, parado ao meu lado, a mão escorada no encosto
da cadeira, o corpo tão próximo ao meu rosto que se eu movesse minha cabeça um centímetro,
tocaria os lábios em sua pele. E se eu fizesse isso, provavelmente estaria perdida para sempre. Como
o homem iria acreditar que não houve nada entre o Juiz e eu se eu me comportasse como uma
vadia?
- Leia para mim, Srta. Soares – ele disse, quebrando minha pequena guerra mental.
Eu li. Engasgando em um inglês arrastado que nem parecia meu. Tão nervosa que demorei
alguns minutos para perceber o que tinha acabado de ler.
- Oh meu Deus! Eu consegui – eu disse tão espantada que me movi e toquei em Adrian muito mais do
que devia e muito menos do que queria.
Ele estendeu a mão em minha direção e eu o olhei em sua totalidade, realmente, pela
primeira vez, sem desviar os olhos, curiosa, hipnotizada.
Adrian era ainda melhor daquela posição. Sua pele clara e suave, marcada em quase toda a
extensão superior por uma série de desenhos em preto. Ele tinha músculos bem feitos e proporcionais
em todo o corpo esguio, forte. Seus ombros eram largos e os braços bem torneados. Sua cintura era
marcada por uma curvatura em forma de “v” que eu já havia notado e que sinalizava exatamente onde
ele deveria ser melhor, mas o que realmente me impressionava eram os olhos dele. Eles não tinham
mais a arrogância marcada de Adrian. Ele estava ali, inteiro, só para mim.
Estendi a mão e ele a segurou. Eu esperei um aperto de mão, mas não tive isso. Adrian levou
minha mão até seus lábios e a beijou, suavemente.
- Obrigada Laura, por tornar possível minha visita aos meus filhos.
Não havia jogo em suas palavras, nem sedução. Nada. Só havia Adrian e eu. Eu estava
derretida como um pote de manteiga no sol do meio dia no Nordeste. Eu teria feito qualquer coisa
que ele mandasse naquele momento. Fiquei imaginando como seria acordar todos os dias com um
homem como ele e tive pena da pobre esposa. Deixando-o tão cedo.
Lembrei-me da fotografia dele com o filho mais velho. Esse homem na minha frente tinha
muito mais á ver com aquele cara lindo e descontraído, segurando um filhote de cavalo. Imaginei
como ele seria como pai. Um Adrian acordando de madrugada para espantar monstros do quarto ou
empurrando a garotinha no balanço. Suspirei, perdida em mim mesma – eu queria isso. Eu queria
esse Adrian. Eu queria uma casa cheia de crianças sorridentes dos olhos caramelo. Eu queria,
mas eu sabia que não poderia ter. Essa era uma realidade impossível demais e eu poderia fazer uma
lista bem grande de motivos.
- O quê você olha tanto Laura? – ele perguntou curioso.
Percebi que estava em silencio á muito tempo. Boca meio aberta, cara de peixe fisgado pelo
anzol. Pisquei e limpei a garganta.
Sua postura era de controle, poder. Adrian sabia quem era. Sabia o poder que tinha e sabia
principalmente o poder que exercia sobre as mulheres. Sobre mim.
Eu não encontrava uma maneira de responder. Não podia simplesmente dizer que já estava
imaginando ele todo lindo e tatuado, esparramado sobre a minha cama e rodeado de crianças. Seria
meio assustador.
Ele deu alguns passos, diminuindo nossa distância, meus olhos vagando em seu corpo,
estudando os desenhos, focados nas flores sobre seu peito sólido. Ele esboçou um sorriso e fechou o
botão da calça, levando meus olhos direto do seu peito para a linha sua cintura. Adrian caminhava
como um felino ao redor de mim, espreitando.
- Acha que eu não faço o tipo tatuado? Com meu terno caro e meu carro de luxo. Você acha que sabe
quem eu sou Laura Soares – ele disse aproximando-se de mim ainda mais. Meus seios quase tocando
sua pele, minha pele arrepiada sob a roupa – você nem faz ideia Laura – meu nome soando sexy em
sua voz grossa, seu sotaque arrastado.
Se eu achei que minha calcinha poderia sair correndo antes, eu estava enganada, mas agora,
ela poderia se desfazer com uma pequena ordem de Adrian Van Galagher, meu pirata sedutor.
Adrian ergueu o braço e levou até o meu cabelo. Puxou o laço de uma vez, espalhando-o
redor do meu rosto. Ele se aproximou mais, segurando uma mecha e levando até seu rosto.
- Eu gosto do seu cabelo, Srta. Soares – ele cheirou meu cabelo, enviando ondas elétricas em todas
as partes do meu corpo e em algumas, especificamente – gosto do perfume que eles tem – seus olhos
nos meus. Minha boca seca, admirando a dele, sentindo o seu gosto – sabe por que eu gosto dos seus
cabelos Srta. Soares?
Sacudi a cabeça em negativa, como uma criança de dois anos. Eu tinha certeza de que se
tentasse falar, iria babar no sapato dele.
Adrian escorregou pelo meu rosto, enfiando a mão em meus cabelos, segurando-me pela
nuca, num aperto firme – eu quase gemi – e me puxou para si, a centímetros da sua boca.
- Seus cabelos só ótimos para puxar enquanto se faz amor, Laura. Serão perfeitos quando eu a
debruçar sobre a minha mesa. Vou poder trazê-la até minha boca assim. Seus dedos girando ao redor
do meu cabelo, segurando-o de uma vez, todo nas mãos de Adrian, prendendo-me, puxando-me.
Morri. Ou pelo menos quis morrer. Ali, nos braços de Adrian, nada poderia valer mais á
pena. Minha vida tinha sido completa. Adeus mundo!
Pisquei algumas vezes. Concentrei. Respirei fundo – seu eu queria ter alguma chance de ter
mais que uma transa rápida no escritório com Adrian Van Galagher, eu precisava ser mais que uma
dessas “modeletes” burras que devem fazer fila do lado de fora da sua casa.
Endireitei meu corpo. Meus lábios roçando os de Adrian. Encarei seus olhos, mordendo meu
lábio inferior. Eu estava de volta ao jogo. Tateei seu peito com as minhas mãos, contornando cada
musculo, sentindo as ondulações da tinta em sua pele. Eu podia sentir seu corpo acordado, vibrando
com o meu toque.
- Algumas experiências valem á pena, Sr. Galagher, mesmo quando deixam marcas.
O rosto de Adrian explodiu em um sorriso sexy, quase real, provocador. Seus olhos eram
uma linha fina e dourada, encarando os meus. Ele podia derreter o meu cérebro se continuasse
daquele jeito.
Sua mão desceu pela minha blusa, até o cós da calça, os dedos segurando ali, puxando-me
mais perto, tateando a renda da minha calcinha.
- Que graça teria uma vida sem riscos, Sr. Galagher? – eu provoquei e ele sorriu mais.
***
Saí da sala com a mão de Laura entrelaçada na minha. Aquele sorriso de excitação em seus
lábios mais uma vez – Eu estava me viciando naquele sorriso.
Não pensei muito em onde isso tudo acabaria. Na verdade, depois de muito tempo, eu me
permiti não pensar. Eu me permiti vivenciar. Eu precisava disso como precisava de ar. Eu queria o
velho Adrian de volta.
- Então Karol, conseguiu algo para eu vestir? Ou terei que sair seminu pelas ruas de Roterdã? –
brinquei – saiba que se eu for preso por atentado ao pudor descontarei a fiança do seu salário.
Ela me passou uma camiseta branca, dobrada e com etiqueta de nova. Puxei a etiqueta e
vesti, cobrindo meu peito. Era menor do que eu teria comprado, ficava ajustada, mas pelo menos
cobria um pouco de mim.
Ela saiu na frente e eu em seguida. Assim que passamos pela recepção, demos de cara com
Alex, voltando do departamento financeiro.
Ele correu os olhos de mim para Laura algumas vezes, tentando entender. Parou em mim,
estudando, mas não disse nada.
- Quando quer discutir o caso Calahan? – Alex perguntou – o caso Metod exige uma certidão que
ainda não tenho.
- Amanhã pela manhã discutiremos Alex – eu disse. Minha mão descansando nas costas de Laura,
entre as ondas dos seus cabelos – Não pretendo voltar ao escritório hoje.
Eu sorri quase sem querer. Alex era meu amigo, mas ele tinha pisado em terreno perigoso.
Eu queria Laura. Eu a queria desde antes de saber quem ela era e depois eu quis mais. Eu sabia
exatamente o que se passava na mente de Persen, mas eu não me importava, tudo que eu queria era
mostrar á ele que Laura era minha.
Laura foi saindo pela porta, mas eu a trouxe de volta ao elevador que dava acesso á
garagem.
- Achei que você tivesse vindo de motorista – ela me disse – seu carro não estava na vaga, então eu
pensei – eu sorri, interrompendo-a.
Eu a conduzi até a moto, parada ali, esperando por nós. Era meu brinquedo preferido.
Encarei os olhos curiosos de Laura.
- Vamos – eu disse entregando um capacete á ela – eu prometi que a levaria para conhecer minha
cidade. Eu sou um homem de palavra.
Laura sorriu e colocou o capacete. Eu subi na moto e liguei. Ela ficou ali, parada.
- Não me diga que tem medo de motocicletas também, Srta. Soares – brinquei.
- Pise aqui com seu pé esquerdo – eu disse indicando o pedal – agora jogue o corpo para cima e
passe a perna para o outro lado.
Ela passou as mãos por baixo dos meus braços, timidamente. Eu as puxei e cruzei em meu
abdome.
- Mais perto Laura. Eu preciso ter certeza de que você fará as curvas comigo.
E então ela se aproximou mais, colando o corpo no meu. Minhas costas preenchidas por ela.
Eu me deixei levar pelas ruas, sem lugar fixo, cruzando as grandes avenidas e as pequenas
vielas, mostrando uma Roterdã que ela não conhecia e da qual eu nem lembrava mais. Passamos pela
Erasmusbrug, em direção á outra parte da cidade velha, Hillegersberg*. Era uma parte especial de
Roterdã para mim. Eu havia crescido ali. Havia vivido boa parte dos meus melhores momentos ali.
Enquanto corríamos juntos pelas ruas quase desertas eu me lembrava de Lucian. De quando
éramos crianças. De nós dois chutando a bola no quintal de casa até mamãe nos chamar para comer
torta de maçã. Suspirei fundo. Essas lembranças não eram mais dolorosas. Eram lembranças boas.
Saudades boas. Eu não me culpava mais pelo acidente. A imagem do meu pai estava se formando em
minha mente mesmo sem eu querer. Já fazia tanto tempo que eu não o via. Ultimamente, John estava
mudando alguns dos meus velhos conceitos.
Eu me sentia estranhamente feliz ali. Encarei suas mãos pequenas ao redor da minha cintura,
sentindo o corpo de Laura contra o meu. Fazia tanto tempo que eu não me sentia assim. Realmente
muito tempo. Decidi que era hora de tentar. Hora de deixar o velho Adrian vir á tona, mostrar á
Laura quem eu era de verdade. Talvez ela se desiludisse de vez e se afastasse de mim, ou talvez – o
pensamento morreu em minha mente. Não Adrian, não existe talvez.
Parei a moto em um pequeno parque, á beira de um lago. O vento havia derrubando muitas
flores brancas sobre a água. Agora ela estava estática, límpida, coroada de flores. Laura desceu e eu
desci em seguida.
- Oh meu Deus Sr. Galagher – ela me disse com a mão tapando a boca – se eu tivesse doze anos diria
que estou em um conto de fadas!
- É uma pena que você não tenha conhecido esse lugar aos doze anos então – brinquei.
Ela tirou os sapatos de salto e pisou na grama, deslizando os pés pelo chão, amassando as
pequenas flores – essa maldita brasileira seria minha perdição.
Sentei-me na grama e deixei meu corpo cair contra o chão, cruzando as mãos atrás da
cabeça, fechei meus olhos. Fiquei assim até que ela sentou-se ao meu lado.
- Posso perguntar uma coisa Sr. Galagher? – ela me disse timidamente, e eu podia jurar que estava
mexendo nos dedos nervosamente.
- Claro.
- O senhor não acha mesmo que eu me envolvi com o Juiz Reign, acha?
Eu podia perceber o nervosismo ali, escondido entre as notas vocais. Ela tinha medo do
conceito que eu tinha dela. Eu quis sorrir – ela nem fazia ideia.
Permaneci parado, mãos cruzadas atrás da cabeça. Rosto sério. Eu me divertia em tortura-la
assim. Ela tinha muitas perguntas, mas tinha muito mais medo do que desejo de respostas.
- Tenho certeza de que não – respondi por fim, quebrando o desespero latente dela.
- Pode, se parar de me chamar de senhor. Talvez eu peça que me chame de senhor em algum momento
– brinquei, mas não era tão brincadeira assim – Acho que Adrian está bom por agora. Enquanto
estamos sozinhos.
- Como tem certeza de que eu falei a verdade no caso do Juiz, Adrian? – ela reformulou a pergunta,
acolhendo meu pedido.
Levantei, ficando de frente para ela. Apoiando as mãos nas pernas. Meus olhos encarando o
nervosismo nos dela. Sorri.
- É muito simples Srta. Laura Soares – eu disse e atirei uma pedrinha na água, fazendo-a quicar
algumas vezes sobre a superfície – O Juiz Albert Reign é meu pai.
- Por isso eu disse a Andersen que ninguém poderia ser melhor em limpar seu nome. Nada melhor do
que o filho do juiz para dizer que você é inocente. Ter sido contratada por mim redime você. Assim
que a imprensa souber – fiz uma pausa e tirei uma folhinha dos cabelos de Laura – e ela saberá, você
estará limpa.
- Obrigado – ela me disse ainda sem jeito – por me ajudar. Obrigado. Eu não sei como faria. Eu não.
Eu não – ela não sabia como terminar a frase e eu não queria que ela terminasse.
Puxei seu rosto para o meu, tocando meus lábios nos dela. Fazia tanto tempo que eu não
beijava alguém. Senti a maciez dos lábios dela com a minha língua. Lambendo ao redor deles
devagar, sentindo a antecipação de Laura. Capturei o lábio inferior entre os meus e a puxei mais,
colocando-a sentada sobre minhas pernas, de frente para mim. Eu queria que ela sentisse como me
excitava. Como eu estava pronto, preparado para ela. Ajeitei seu quadril e elevei minhas pernas,
encaixando-a ali. Minhas mãos na base das suas costas, pressionando-a contra mim, sentindo meu
corpo pulsar de desejo por ela.
Laura não recuou. Ao contrário, suas mãos estavam em minha nuca, acariciando meu cabelo,
sua boca pronta, desejando a minha, enquanto eu mordiscava seus lábios, aumentando o desejo dela,
e o meu.
Minha língua abriu espaço entre seus lábios, tateando a de Laura, buscando, sugando. Eu a
beijei como se dependesse dela para viver. Mais forte, mais profundo, puxando sua língua para a
minha boca, sugando-a mais forte até que Laura gemeu, tirando meu senso. Eu me deitei e a puxei
sobre mim, minhas mãos apertando seu quadril contra o meu. Eu estava dolorosamente duro por ela.
Virei de lado, colocando-a na grama.
Era um lugar afastado. Eu sabia que àquela hora do dia não teria movimento, mas ainda era
um parque e isso me excitava mais. Enfiei minha mão por dentro da blusa de Laura, apertando seus
seios em minha palma.
- Adrian – ela protestou – não acho que – eu não a deixei terminar. Coloquei meu joelho entre suas
pernas, apertando contra ela, com movimentos suaves sobre sua calça fina.
- Shhhhhhh – eu disse com o dedo em seus lábios – eu quero você anjo – eu disse contra sua orelha –
e me você, me quer?
- Eu quero ouvir você dizer. Diz Laura. Diz o que você quer.
- Então será como eu quiser. Sempre – eu disse enfiando a mão dentro da sua calça.
Eu não pretendia fazer amor com Laura ali. Não nos exporia. Eu era um homem conhecido
demais para me dar á esse tipo de luxuria, mas Laura precisava ser testada. Eu precisava saber até
que ponto ela estava disposta á ir. O que ela estava disposta á fazer comigo.
Deslizei a mão dentro da sua calcinha, tocando-a onde eu queria. Minha boca em sua boca.
Eu sugava sua língua para minha boca ao mesmo em tempo que mexia meus dedos em espiral em sua
carne suave, macia, quente. Eu sentia meu corpo todo gritar por Laura, meu membro duro,
dolorosamente latejando por ela.
Eu estava louco, descontrolado, perdido em Laura, possuindo-a com a minha boca, já que
não podia possui-la como eu queria naquela hora.
- Laura, Laura – eu disse cortando o beijo, passando a língua em sua orelha – você nem imagina
como eu quero foder você inteira. E eu vou.
Esperei alguma reação negativa dela. Algo que indicasse que ela estava desconfortável com
o meu linguajar. Eu precisava que Laura indicasse que não queria algo em mim porque se ela
quisesse, eu não seria capaz de negar.
Seu corpo amolecendo, perdendo as forças contra o chão, contorcendo-se em minha mão.
Enfiei um dedo dentro dela, sem parar o movimento, sentindo seu calor, sua umidade.
- Como você é pequena Laura – eu disse contra a sua boca – tão apertada. Acho que nós vamos ter
um probleminha com isso.
Ela não disse nada, enfiando a língua em minha boca, mordendo meu lábio. Continuei,
respondendo ao beijo.
- Isso anjo. Goza para mim. Goza na minha mão que eu quero sentir o seu gosto.
Não demorou muito – alguns segundo depois eu pude senti-la arfar, seu corpo ondulando
contra minha mão. Eu a beijei por mais alguns minutos, deixando-a recobrar os sentidos. Ela abriu os
olhos e sorriu. Parecia um pouco envergonhada, mas lutava contra – garota decidida.
Fixei meus olhos nos dela, retirando minha mão com cuidado da sua calça. Levei os dedos
até minha boca e chupei, absorvendo o gosto de Laura.
- Eu tenho uma tendência nata á me viciar em coisas que me fazem sentir vencedor.
Ela sorriu.
- Sinto que corro esse risco com você.
Laura se pendurou em meu pescoço, puxando meu rosto para o seu, deitando-me sobre ela na
grama. Ela me beijou. Docemente, profundamente, como se nunca mais fosse me ver. Meu corpo
ainda necessitava dela. Eu não estava satisfeito. Eu queria mais. Eu queria tudo.
- Se você continuar com isso eu vou esquecer que estamos na rua. Acredite, isso não seria um
problema para mim.
Ela não me deu atenção. Não respondeu. Abriu o botão da minha calça e enfio a mão lá
dentro, for fora da minha boxer, sentindo minha extensão rígida. Gemi contra sua boca.
Estava desesperado por liberação. Precisa dela. Eu queria entrar em Laura mais do que
qualquer coisa, mas não naquele lugar, não daquele jeito.
Laura continuou deslizando a mão desde a ponta até a base, por dentro da cueca agora,
enlouquecendo-me. Eu gostava do toque dela. Queria mais.
Ela me beijou mais forte, mais profundo, chupando minha língua e quase me levando para
longe da razão. Sorri contra sua boca.
- O que você quer Laura? Quer me fazer gozar na cueca é isso? Não basta sujar a minha camisa.
Puxei seus braços contra meu pescoço. Eu precisava parar o que ela estava fazendo ou ela
acabaria descobrindo que também não seria tão difícil assim. Afinal, que tipo de homem eu era? Eu
não era mais um adolescente bobo e apaixonado. Eu tinha controle sobre mim. Sobre meu desejo,
sobre meu corpo. Não tinha?
Eu não havia percebido coisa alguma quando Adrian levantou-se. Tão rápido que eu não
consegui acompanhar, e correu. Correu e correu e só depois de alguns minutos eu percebi a razão.
Havia um garoto. Pouco mais jovem que eu. Câmera na mão, vigiando Adrian e eu. Senti o medo
espalhar-se tão rápido que eu estava atônita, parada feito uma idiota, vendo a cena em câmera lenta.
Adrian não deu tempo algum para que ele pensasse. Arrancou a câmera com uma mão,
segurando-o pelo colarinho da camiseta com a outra. Eu não ouvi o que ele disse, mas sinceramente,
eu no lugar do garoto, teria feito o que ele quisesse. O garoto ficou ali, com as mãos levantadas em
sinal de paz, rosto corado de desespero, esperando o próximo passo de Adrian.
Levantei-me com cuidado, ajeitei os cabelos com as mãos e caminhei até onde eles estavam.
Ao lado da motocicleta agora.
Adrian retirou um maço pequeno de dinheiro e o entregou ao garoto. Parei ao lado deles, em
silêncio.
- Passe na sede da minha empresa e eu deixarei o restante separado, Sr. Willen – Adrian disse – e eu
espero que estejamos conversados.
- Sim, Sr. Galagher – o garoto respondeu, guardando o dinheiro no bolso – posso passar ainda hoje?
Adrian não o olhou mais. Subiu na moto e sinalizou para que eu subisse. A câmera do garoto
amarrada ao seu pulso. Ligou a moto.
Meu peito se apertou. O homem que estava comigo até alguns minutos atrás não existia mais.
Ele tinha dado lugar ao Sr. Galagher, o executivo frio de sempre.
Subi na moto e o segurei pela cintura. Nossos corpos estavam novamente próximos, colados,
mas Adrian não estava mais ali. Ele havia ficado para trás, no meu pequeno jardim de contos de
fadas, perdido entre o sonho e a realidade.
Paramos dentro da garagem do prédio de Adrian novamente. Eu desci. Ele desceu. Silencio
absoluto.
Subimos pelo elevador e paramos na recepção. Adrian pegou um pedaço de papel e escreveu
algo que eu não li. Estava desconcertada, envergonhada, sem entender muita coisa.
- Quando este homem vir até aqui – ele sinalizou o nome no papel para a recepcionista – entregue
este valor em dinheiro.
A moça assentiu. Não discutiu, não perguntou – ninguém questionava o Sr. Galagher.
Subimos pelo elevador que dava acesso á sua sala. Adrian caminhando em minha frente com
seus passos largos e eu tentando acompanha-lo.
- Espero que minha camisa já esteja seca e pronta para o uso, Karol – ele disse sem a menor sombra
de sorriso em seu rosto.
Ele entrou no escritório e eu o segui. Pegou a camisa sem falar comigo e entrou por uma
porta lateral, próxima á onde eu estava estática, mãos sobre o aparador, sem saber se corria ou se
ficava.
Adrian voltou alguns segundos mais tarde, impecavelmente vestido. Colocou o paletó
novamente.
- Vou pedir á Harold que a leve de volta para Amsterdã, Srta. Soares – ele me disse.
Havia uma nota diferente em sua voz que não reconhecia. Não era a arrogância costumeira.
Adrian estava pesaroso, culpado talvez. Eu não queria ir. Queria entender o que estava acontecendo.
Ainda pretendia conhece-lo melhor, entende-lo.
- Harold foi até o centro automotivo, ligaram avisando que o Porsche estava pronto. Assim que ele
voltar direi que o senhor o aguarda – ouvi a voz de Karol pelo viva-voz.
Era minha deixa. Um pequeno presente do destino. Ele não conseguiria me chutar tão rápido
para longe dele. Aproximei-me.
Ele pegou a câmera e a ligou. Entregou em minhas mãos. Eram fotos realmente ruins. A
câmera era muito, muito boa. Fui passando, passando e sentindo meu rosto corar.
- Entende porque o que houve hoje não vai se repetir, não é Srta. Soares?
- Eu não posso ter minha vida pessoal exposta desta maneira, Srta. Soares. Tenho clientes grandes.
Pessoas importantes. Não posso por tudo a perder com rompantes adolescentes.
E o sangue ia se concentrando mais e mais em minhas bochechas. Não era mais vergonha,
estava na raiva e ia seguindo em direção ao ódio.
- Se eu quero meus filhos de volta – ele continuou. Olhos perdidos na paisagem da cidade, revelada
pela parede de vidro – não posso vacilar. Não posso.
Engoli em seco. Ele não era tão egoísta assim. Estava preocupado com os filhos e não
estava errado. Fosse pelo que fosse que tivessem levado as crianças, certamente usariam aquelas
fotos para mantê-las longe.
Parei ao lado dele. Estávamos um ao lado do outro, sem realmente nos olharmos. Encarando
a cidade lá embaixo.
Uma onda de emoções inundando meu corpo todo. Vacilando as palavras em minha boca.
Lembranças remoendo dentro do meu coração, levando minha consciência para longe. Para outro
tempo. Para outra Laura. Uma Laura que ainda acreditava em finais felizes. Adrian me fez lembrar
que essa Laura não existia mais. Não eu não tinha.
- Não – limitei-me a dizer, sentindo as lagrimas queimando por detrás dos meus olhos.
Adrian disse isso e se afastou. Mexendo em alguns papeis sobre a mesa. Eu fiquei ali,
segurando o meu choro contido, mãos cerradas em punho. Maxilar apertado. Olhos perdidos na
imensidão azul do mar, quando a porta se abriu.
- Oh desculpe – eu ouvi a voz de Alexander – não sabia que Laura estava com você. Posso voltar em
outro momento – Alex disse vacilante.
Eu não me virei. Não sabia se conseguiria me conter se encontrasse Alex ali. Pude senti-lo
caminhar, seus sapatos batendo contra o piso brilhante.
Adrian vacilou. Eu o vi retomar sua postura tão rápido que poderia jurar que o vacilo só
houve em minha mente.
- Tem os números da Calahan para mim Alexander? – ele perguntou com sua voz autoritária de
sempre.
Alex demorou á responder. Imagino que tenha olhado para mim, mas eu ainda precisava de
mais alguns segundos para controlar o meu coração estúpido.
- Sim – ele disse por fim – eu preparei o processo. Pensei em deixar na sua mesa – mais uma pausa –
mas vejo que decidiu voltar mais cedo.
Eu não sabia se Adrian falava com Alex ou comigo. Suas palavras pareciam respingar em
mim como uma garoa fina em um dia de inverno.
Ouvi seus passos se afastando e aproveitei. Eu queria fugir e Alex era a melhor fuga que eu
poderia ter de Adrian.
- Alex? – Chamei e me virei – você poderia me dar uma carona até a estação?
Adrian estava parado. Mão perdida sobre o processo. Olhos contrariados, espantados.
Sobrancelhas baixas. Continuei.
- Não quero mais tomar o tempo do Sr. Galagher. Além disso, preciso conferir algumas coisas em
meu escritório. Tenho um estudo de caso sobre Sequestro Inter parental que eu gostaria de reler.
Os olhos de Alex vagaram de mim para Adrian algumas vezes. Sobrancelhas levantadas,
como se pedisse algum tipo de permissão ou se simplesmente esperasse uma negativa de Adrian.
- Não.
Praticamente corri para fora do escritório. Não olhei para trás nenhum momento sequer,
apesar de ter deixado uma boa parte do meu coração lá. Eu já estava acostumada a ir perdendo
pedaços dele pelo caminho.
Descemos pelo elevador sem dizer nada, Alex e eu, fugindo dos olhares um do outro.
Passamos pela Avenida da Estação Central. Alex não parou. Tomou uma estrada secundaria.
Uma que eu não sabia onde levava. Pouco mais de dez minutos depois, eu pude perceber o aumento
de espaço entre as casas. Mais distantes. Mais distantes. Plantações. Moinhos de vento. Pequenos
riachos. Alex estacionou em uma estrada transversal. Tirou o cinto de segurança. Virou-se em minha
direção, os olhos verdes encarando os meus. Não aguentei. Eu estava sendo forte á tempo demais. Eu
me perdi na primeira lagrima que escorreu. As outras vieram com tanta força que eu sentia como se
uma comporta tivesse sido aberta. Alex abriu os braços oferecendo seu abraço e eu me lancei nele.
Suas mãos eram suaves em minhas costas. Seu peito era quente e aconchegante, moldava-se á mim
com tanto carinho, tanta atenção. Afundei meu rosto em seu peito, sentindo o tecido da camisa molhar
com as minhas lagrimas.
- Baby. Baby. Eu queria tanto estar errado – foi o que ele me disse.
Ele segurou meu rosto em suas mãos e limpou meus olhos com os polegares. Seus olhos
tristes e profundos. Sua boca sem sorriso.
- Há tão pouco que eu possa fazer – ele concluiu – só posso dizer que estou aqui. Que vou tentar
curar as feridas.
Encarei seu olhar por alguns minutos. Deus! Seria tão fácil amar Alex Persen. Havia tanto
para amar ali. Seria tão fácil tê-lo em minha vida. Porque eu não conheci Alex Persen alguns anos
antes? Quando eu ainda esperava meu príncipe encantado. E ele não era noivo da madrasta má.
Sorri, mesmo sem humor.
- Nem preciso. Eu conheço Adrian á bem mais de uma década, baby. Conheço todos os seus jogos.
Não resisti.
- Sinceramente?
- Sim.
Quase tive que recolher os cacos do meu coração no piso do Audi. Eu não sabia se queria
continuar ouvindo, mas Alex continuou.
- Mas ele estava jogando agora, e não antes – afundei mais a cabeça em seu peito – aquele Adrian
que você viu, divertido e de camiseta, é mais próximo do cara que eu conheci, muito tempo atrás, do
que este executivo arrogante que deixamos lá.
- Ele parece bem real no papel de executivo arrogante – conclui.
Alex sorriu.
Limpei meus olhos uma vez mais. Encostei de volta no banco do passageiro novamente e
mirei a estrada á nossa frente.
- Isso é só uma casca, sabe? Um tipo de armadura. Quando alguém sofre demais, tende a tentar se
proteger – Alex me disse.
Pensei nas palavras de Alex por um tempo. Eu sabia exatamente como elas eram
verdadeiras. Eu só não conseguia ver em que mundo paralelo um homem como Adrian Van Galagher
poderia ter sofrido tanto. Ele ficou viúvo? Sim, mas segundo ele mesmo, o casamento não era assim
tão feliz. Estava longe dos filhos? Por pouco tempo e ele sabia disso. Ele era jovem, influente, rico,
bonito, atraente, talentoso. Eu não conseguia encaixar Adrian no perfil de sofredor.
- Acho que a armadura já virou parte dele, sabe, como o Duende Verde*.
- É uma ótima comparação. Temos que contar isso á ele algum dia.
Suspirei.
- Nem sei se vou querer falar com ele de novo, algum dia.
Alex deu um daqueles sorrisos de canto que enchiam o rosto de príncipe dele com um
charme irresistível.
Ele suspirou e acendeu um cigarro. Ele fez uma pausa, como se quisesse me contar algo
difícil. Encarou a estrada. Pensou.
- No Euromast, quando Alissa desejou sorte, era disso que ela falava. Você iria saber de qualquer
jeito, então não acho que seja um problema me adiantar. Só não diga á ele.
*Duende Verde – Álter ego psicótico de Norman Osborn. O Duende Verde original é a manifestação da insanidade gerada pela indução
de substâncias químicas (soro mutagênico) no cientista, dono da Oscorp. É um dos principais inimigos do Homem-Aranha e por
consequência um dos principais vilões do universo Marvel.
Oh meu Deus! – pensei. Mas não disse nada.
Adrian não parecia o tipo de homem que seria traído. Eu não o trairia, pelo menos. Fiquei
em silencio, esperando que Alex continuasse.
- Bem é uma longa história – ele continuou e olhou no relógio – espero que não esteja com fome.
Sorri.
- Estávamos na faculdade, quando nos conhecemos. Eu respondi á um anuncio e encontrei Adrian lá.
Não era um tempo fácil para ele. Adrian te contou que teve um irmão?
Neguei.
- Ele se chamava Lucian. Era quatro anos mais jovem que Adrian.
- O que houve?
- Lucian caiu na água e foi atingido pelo Jet Ski. Não houve muito que Adrian pudesse fazer. Lucian
morreu na hora.
- E nunca dirá á ele que faz – Alex advertiu – Adrian odeia falar do passado. Continuando a historia
– ele disse – eu o conheci pouco depois disso, quando Adrian rompeu com o pai e decidiu viver por
conta própria. O juiz o culpou pela morte de Lucian. Por isso dividimos o apartamento. Foram
tempos difíceis para nós dois. Eu havia acabado de me mudar da Bélgica.
- Ok Srta. Soares. Pronto. Já sabe um segredo meu. Eu não sou holandês – ele disse e sorriu – pelo
menos não sou de sangue puro. Azul, como o Sr. Galagher. Mas minhas histórias ficam para outra
ocasião. O fato é que Patrícia apareceu mais ou menos nessa época. Ela era perfeita. Ou nós
achávamos que era – ele fez uma pausa e suspirou – ela sabia que Adrian era filho do Juiz Reign. Era
uma garota esperta. Ela esperava que com a gravidez Adrian acabasse reatando com o pai, mas isso
não aconteceu, então o dinheiro começou a demorar mais do que ela esperava para chegar. Sabe
Laura, o dinheiro determina muitas coisas na vida de uma pessoa.
Baixei os olhos para o chão – eu sabia. Eu era a garota que havia sido paga para não existir.
- A mãe de Adrian morreu alguns meses antes de John nascer, o que tornou a reaproximação com o
juiz ainda mais difícil. Adrian lutou muito para se reestabelecer. Apostou em sua capacidade e usou
todo o dinheiro da herança da mãe para começar seu pequeno império. Quando Hanna nasceu ele já
era dono de metade Roterdã.
- Ela estava, mas Adrian não. Começou a sair. Jogar. Beber. Não existia fim para Adrian Van
Galagher. “O céu é o limite” – ele dizia.
- Eu não a culpo – Alex continuou – Ou pelo menos não a culpo tanto. Não era fácil estar ao lado
dele. Principalmente com duas crianças. Ela se deixou levar. Apaixonou-se por um oportunista.
Quando Adrian soube da traição, prometeu que não tiraria as crianças dela, se ela não levasse nada
do patrimônio. Ela concordou, mas o namorado não. Ele a deixou. Meses depois ela descobriu que
estava grávida de Collin.
- Oh – eu disse.
- Mas ela só descobriu a gravidez porque sentiu-se mal e foi á um hospital. Patrícia morreu com um
tumor no cérebro antes de Collin completar um ano. Adrian esteve ao lado dela todo o tempo. Não
pôde abandoná-la. Por mais que não houvesse relação alguma, ele sentia-se culpado. Ele ama Collin,
Laura.
Agora eu estava chorando. Não podia mais conter. Na verdade o que eu precisava conter era
a vontade de voltar correndo ao escritório e me pendurar no pescoço de Adrian.
- Ele realmente ama Collin. Adrian tem um grande coração. Só aprendeu a esconder isso das
pessoas.
***
Sentei em minha cadeira, girei-a de frente para a parede de vidro – No que eu estava
pensando? Não existia mais lugar em minha vida para o velho Adrian. Ele estava morto. Foi
morrendo aos pouco.
- E imagino que você tenha vindo até aqui defender a pobre donzela em perigo – eu disse com uma
nota de sarcasmo em minha voz.
- Não seu imbecil arrogante – ele esbravejou – eu vim dizer á você que a garota está apaixonada por
você. E que, por mais que você odeie todas as mulheres do mundo, Laura não tem culpa das suas
merdas!
Pensei por um instante, ajeitando os óculos em meu rosto. Ela não estava. Não poderia. Eu
havia sido realmente um idiota arrogante com ela. Estava?
- Como eu disse, Alex Persen sai em defesa de mais uma bela donzela em perigo – estreitei os olhos
para ele – como vai explicar essa sua paixonite por minha advogada á sua noiva?
Alex estava sem graça. Perdido. Ele não era bom em argumentar comigo. Ninguém era.
Comecei a estalar meus dedos, um por um, apertando os nós dos dedos com a mão oposta.
- Eu disse á você Adrian. Laura é uma garota doce – era quase uma suplica – não faça isso.
- Sim você já me disse. “Não envolva a pobre Laura em seu mundo destroçado” e todo esse blá, blá,
blá poético que você costuma usar. Você deveria mudar de profissão, Dr. Persen, e se tornar
psicólogo. Ganharia mais dinheiro do que eu.
- Você está errado – ele me disse – não pode agir como se todas as mulheres fossem Patrícia.
Explodi.
- Exato. Patrícia está morta. Mamãe está morta. Lucian está morto. Eu destruo tudo ao meu redor, não
é? Destruo tudo que toco. Era o que você ia me dizer, Alexander? – provoquei – ou prefere me dizer
que sou um maldito pervertido, como meu pai sempre diz? Que sou promíscuo e que não mereço
meus filhos? Ou tem uma nova teoria para mim?
Alex me encarou por mais tempo do que eu queria. Seus olhos estudando os meus, buscando
por uma brecha para entrar e vasculhar meu coração. Protegi-me o máximo que pude.
Ele caminhou até a bandeja. Serviu duas doses de uísque. Trouxe até a mesa e empurrou em
minha direção.
- Á nos dois e nossas vidas de merda!
Sorri.
Bebemos em silencio. Era um silencio confortável. O silencio de duas pessoas que já sabem
todas as respostas. Quando o uísque acabou, Alex se levantou.
- Só me prometa que desta vez você não vai jogar contra si mesmo.
- Dê a Laura o beneficio da duvida – ele fez uma pausa e soltou o ar dos pulmões de uma vez só –
acredite Adrian. Ela vale o risco.
Alex saiu e eu fiquei ali, sozinho em minha sala, vendo o sol se por no oeste, pensando em
tudo que havia acontecido em único dia com Laura. Eu soube que ela seria minha perdição no
instante em que a conheci, mas ela tinha me dado mais vida em alguns dias do que eu tive nos últimos
anos. Alexander Persen estava certo mais uma vez. Laura valia á pena.
Passei por Karol sem nem olhar. Não avisei aonde ia, não era necessário. Subi na moto e fui
deixando a cidade para trás. Meu coração estava pesado, tenso, mas ficou mais leve quando avistei a
placa “Amsterdam” em meu retrovisor.
Capítulo 8
Saí do chuveiro com um short jeans que um dia já tinha sido uma calça e uma camiseta
velha, da temporada passada do Feyenoord*. Cabelos presos em um coque bagunçado. Joguei-me no
sofá com o livro de direito internacional sobre a barriga. Peguei o celular e liguei para pedir um
sanduiche. Eu não estava com humor nem para colocar o nariz para fora de casa.
Fechei meus olhos, deixando o pensamento ir. Eu ainda estava furiosa com Adrian, mas a
fúria pouco á pouco, dava lugar á outras coisas. Eu bem sabia como era carregar esses demônios
dentro da gente. Não podia culpa-lo, mas não precisava aceita-lo também. Existia uma guerra interna
sendo travada pela boa Laura e a má Laura e, de certa maneira, as duas queriam Adrian por perto,
nem que fosse para chutar a bunda rica dele de vez em quando.
Minha mente vagou por corredores e mais corredores dentro de mim. Lugares que eu não
gostava de visitar. Coisas que eu não gostava de lembrar. Eu havia enterrado tudo tão profundamente
que nem sabia se tinha realmente lidado com o passado ou apenas escondido ele debaixo das
camadas da minha cebola interior. Suspirei fundo – eu não estava preparada para voltar ao Brasil.
Adrian havia me lembrado disso e eu queria socar ele por isso.
Quando a campainha soou, eu levei um susto tão grande que deixei o livro cair – e quase caí
junto – levantei e a campainha tocou novamente, insistente.
Eu queria xingar ele, mas sabia que este é um dos poucos lugares com entrega aqui no
Jordaan, então ajeitei o cabelo dentro do elástico novamente e gritei.
- Já vou! – no melhor e mais irritado português que podia, afinal ele não saberia mesmo o que eu
disse – vai tirar a mãe da forca?
Abri a porta colocando uma mecha de cabelo que insistia em cair atrás da orelha e quase
morri de ataque cardíaco – Não era o entregador de sanduiches.
Adrian estava lá. Cabelo levemente despenteado pelo capacete, vestido no seu terno de
sempre. Boca sem sorriso, olhar arrebatador, fazendo minha porta parecer pequena demais com seu
tamanho.
*Feyenoord de Roterdã – ou apenas Feyenoord é um clube de futebol neerlandês, com sede em Roterdã. É um dos principais clubes dos
Países Baixos.
- Caso não tenha ficado claro ainda Srta. Soares – ele me disse. Os olhos divertidos e instigantes nos
meus – eu não falo português, o que significa que se quiser me xingar terá que fazer em neerlandês*,
ou inglês. Podemos tentar também em francês, caso a senhorita prefira. A senhorita fala francês, Srta.
Soares?
Ele era bom. Muito bom. Era inteligente e perspicaz. Eu gostava de gente assim. Gostava
das piadas sarcásticas de Adrian. Bem, eu gostava de Adrian. Gostava de praticamente tudo nele, até
o humor ácido, eu gostava. Quase sorri, mas não daria essa vantagem á ele.
Era uma piada. O começo de uma piadinha manipuladora dele para me fazer cair em seu
jogo. O que ele ainda não sabia era que eu adorava ser desafiada. Finquei meus olhos nos dele,
esperando a próxima rodada.
- É uma pena. O francês é mesmo uma bela língua. Tem origem românica. Sabia Srta. Soares? – ele
me disse encarando uma pedaço de pele solto perto da unha – e cerca de cento e trinta e seis milhões
de pessoas em todo o mundo se comunicam assim – voltou á encarar meus olhos – Ainda que como
segunda língua.
Ele queria ganhar tempo. Não queria me dizer o que estava fazendo ali, parado na minha
porta. Queria que eu o ajudasse com seu pequeno passo em falso emocional, mas eu não estava
disposta a tornar as coisas fáceis para Adrian Van Galagher. Continuei.
- Espero que a fluência em francês não seja condição determinante para trabalhar com o senhor –
joguei – porque se for, imagino que o senhor terá que contratar uma dentre essas cento e trinta e seis
milhões.
Adrian quase sorriu, mas ele também não me daria essa vantagem. Seus olhos se estreitaram
e por um segundo, eu realmente achei que ele fosse dar um passo á frente e me beijar. Eu queria.
Sentia ainda a sensação da sua boca na minha, o gosto do seu beijo, e aquela proximidade toda não
me ajudava muito. O que nos salvou foi a buzina da bicicleta do entregador de lanches. Quando ela
soou próxima á motocicleta, Adrian deu um pulo e eu também, desconcertados, pegos com a “boca
na botija”, quase que literalmente.
*Neerlandês - A língua neerlandesa, conhecida também como língua holandesa, é uma língua indo-europeia do ramo ocidental da família
germânica, falada nos países baixos. É língua oficial da Holanda e uma das línguas oficiais da Bélgica, junto ao francês.
- Sim! Perfeito. Tenha uma boa noite – eu disse e ele sumiu pela rua com a sua bicicleta.
Eu estava parada na porta, e Adrian encarando meu pacote de sanduiche como se ele fosse
algum tipo de criatura alienígena que pudesse devora-lo.
- Algo contra sanduiches? – perguntei por que não pude manter minha boca fechada.
- Não especificamente – ele respondeu – desde que eu saiba a procedência e ele venha armazenado
da maneira correta. Além disso, pela quantidade de gordura que manchou a embalagem de papel,
devo presumir que você pretenda ter um acidente coronário antes dos trinta anos.
Sorri – esse era Adrian sendo gentil e divertido, era raro, então eu precisava aproveitar.
- Caso queira entrar e tomar parte nesse meu experimento alimentício – eu disse e me virei.
Ele bufou. Foi uma bufada suave, quase imperceptível. Adrian odiava ser contrariado e
questionado e principalmente não ser o centro do mundo, o que, aliás, era um problema existencial de
noventa e nove por cento das pessoas que combinam beleza e dinheiro.
Passei pela sala sacudindo suavemente meu pequeno saco sujo de gordura. Eu não tinha que
agradar Adrian Van Galagher! Tinha? Bem, ele estava aqui, não estava? Na minha porta? Então,
eu podia agir como Laura e não como Srta. Soares.
Escutei os passos medidos de Adrian e logo depois o baque da porta contra o batente. Ele
estava dentro – meu coração avisou. Dentro do meu pequeno apartamento. Sozinho comigo – de
repente todo aquele filé e queijo amarelo não pareciam mais tão saborosos. Eu sentia meu coração
bater nas orelhas.
*Gouda – É um queijo amarelo feito de leite de vaca. Recebe o nome da cidade de Gouda, nos Países Baixos.
Abri o pacote, tirei o sanduiche e o coloquei sobre um prato. Peguei uma cerveja e abri,
tomando uma golada, direto da garrafa – eu estava nervosa e gente nervosa fica meio idiota. Ele
estava ali, em silencio. E eu não conseguia parar de comer e beber, entupindo minha boca com
alguma coisa antes que não resistisse e me atirasse sobre Adrian.
- Laura – ele começou e eu quase engasguei com um pedaço de sanduiche – eu vim me desculpar.
Oh Deus! Oh Deus! Ele pode ficar ainda mais maravilhoso?
Meu coração parecia parado, esperando a próxima frase, o sanduiche meio mastigado em
minha boca.
Adrian caminhou até mim, tirou a cerveja da minha mão e bebeu um gole. Engoli o
sanduiche tão rápido que senti minha garganta queimar. Ele tirou o prato de sanduiche também.
Segurou minhas mãos. Seus olhos correndo sobre mim, me fazendo amaldiçoar a ideia de colocar
mais uma roupa velha – eu precisava renovar meu guarda roupas de ficar em casa, urgente!
Eu quase gritei que sim! Que eu perdoava qualquer coisa, desde que ele continuasse ali, com
aqueles lindos olhos amendoados parados nos meus, mas me contive.
- Eu fui impulsivo.
- Estava irritado.
Novidade! – pensei.
- Geralmente não me importo com o que os outros pensam á respeito de mim – ele continuou – mas
com você é diferente.
Opa! Isso sim é novidade! – meu coração martelando tão alto que eu podia sentir o sangue
sendo bombeando em minhas têmporas.
- Espero não ter estragado tudo – ele continuou e eu já estava quase me jogando em seus braços – nós
ainda temos algum tempo trabalhando juntos. Não quero uma situação constrangedora.
Pronto! Agora todo o meu sangue latino estava agitando, gritando, pulando e se sacodindo
dentro das veias. Eu queria matar Adrian Van Galagher, e queria mata-lo bem devagar, talvez
asfixiado com o saco engordurado do meu sanduiche.
Soltei minhas mãos e caminhei até a porta. Abri, tamborilando meu pé descalço no ladrilho,
rosto quente de tanta raiva.
- Se foi por isso que se abalou de Roterdã até aqui, Sr. Galagher, perdeu sua viagem. Não costumo
misturar assuntos particulares com profissionais e não costumo receber clientes em meu apartamento.
Se me der licença.
Eu estava lá, parada, esperando que ele passasse por mim como uma flecha, subisse na
maldita moto e fosse para qualquer maldito lugar onde os sanduiches não tinham gordura e as garotas
não eram idiotas, mas ele não foi. Cruzou minha sala em alguns poucos passos e colocou a mão sobre
a minha, na folha da porta.
Adrian não disse nada. Nem eu. Havia algo queimando, escuro e profundo em seus olhos. Eu
não sabia o que era, mas morria de vontade de descobrir.
Ele fechou a porta com um único toque, desequilibrando-me. Dei um passo para frente e me
choquei nele. Ele não me deu tempo. Passou o braço por baixo dos meus e me impulsionou com tanta
força até sua boca que foi quase doloroso. Quase. Eu não tinha do que me queixar.
- Você será minha ruina, Srta. Soares – ele gemeu contra o meu pescoço, mordiscando minha orelha.
Eu não tinha condições físicas e nem psicológicas para responder o que quer que fosse.
Sentia que todo o meu interior tinha sido liquidificado em algo quente e espesso. Eu nem conseguia
parar sobre meus próprios pés.
Adrian escorregou a mãos pelo meu short, apertando a carne descoberta da minha bunda.
Suspendeu meu corpo para cima e eu enrolei minhas pernas em sua cintura. Ele segurava meu corpo
perto com uma mão e com a outra segurava meu queixo. Mordendo minha boca enquanto sugava
minha língua na sua.
Ele não perguntou onde era o meu quarto. Caminhou até o sofá e me desceu. Virou-me de
costas e me empurrou contra o assento. Joelhos no assento, braços sobre o encosto, lá estava eu, de
costas para ele. Ele abaixou minhas costas com a mão, deixando-me parcialmente de quatro. Encarei
a janela á minha frente, agradecendo mentalmente por ter uma cortina, ainda que fina, tapando
parcialmente o que fazíamos lá dentro.
Adrian segurou meu quadril, encostando seu corpo no meu, encaixando sua ereção contra
mim. Segurou meu cabelo em sua mão, exatamente como tinha me dito que faria, puxando minha
cabeça para trás, encaixando-se entre minhas pernas.
- Tão fodidamente linda – ele grunhiu – caso eu não tenha dito ainda, Srta. Soares, eu não sou nada
bom em manter o controle.
Eu não me importava. Tudo que eu conseguia pensar era em como eu queria que ele tirasse
meu short e me deixasse sentir mais dele. Eu queria Adrian como nunca me lembrava de ter desejado
alguém.
Ele abriu o zíper do meu short, enfiando a mão por dentro da minha calcinha, me tocando
como no parque. Deus! Ele era bom nisso.
Adrian me tocava, enquanto apertava sua ereção dura contra mim. Eu podia sentir seu corpo
pulsar, enquanto deixava escapar gemidos contidos.
Ele tirou meu short e encarou minha calcinha da Betty Boop*. Aproximou o rosto da minha
orelha.
Pensei por um instante, amaldiçoando meu guarda roupas nada sexy de lingeries.
- ótimo.
E foi com um puxão certeiro na lateral que ele arrebentou minha pequena e ridícula calcinha
da Betty Boop. Não tive tempo de pensar muito á respeito. O pequeno pedaço de tecido vermelho
ficou ali, preso perto do meu joelho. Deixando-me completamente exposta.
Ouvi o som do zíper, tremendo de antecipação. Eu podia sentir o desejo latejando em mim.
Podia sentir o calor do corpo de Adrian contra o meu. Eu não conseguia organizar um único
pensamento em minha mente que não fosse sobre Adrian em mim.
***
Eu estava perdido. Sabia disso desde o momento em que subi naquela maldita moto que eu
estava. Na verdade, eu sabia desde o momento em que ela se chocou contra mim naquela maldita rua
que eu estava perdido. Eu não havia conseguido tirar Laura da minha mente um só momento depois
disso.
*Betty Boop - É uma personagem de desenho animado que apareceu nas séries de filmes Talkartoons e Betty Boop, produzida por Max
Fleischer e distribuídas pela Paramount Pictures em 1931.
Eu estava tentando alguma maneira menos idiota de dizer á ela que eu estava lá por ela. Que
eu a queria perto. A queria para mim. E então meu orgulho idiota não havia permitido. Eu quase
havia posto tudo á perder. Quase. Eu não perderia Laura. Não poderia. Resolvi arriscar. As palavras
de Alex martelando em minha mente.
Minhas mãos passeavam pelas curvas do seu quadril, ali, pronta para mim. Por um momento
eu quis prolongar a espera. Quis aproveitar a ansiedade. Eu queria sentir Laura de todas as maneiras
que fossem possíveis. Queria guardar mais de Laura em minha mente. Em minha memória.
Corri os olhos em seu corpo, debruçado sobre o sofá – eu não tinha ideia do que estava
fazendo, mas eu saia que não queria parar. Minha razão e minha emoção brigavam como loucas
dentro de mim. Eu sabia que não era certo trazer Laura para a minha vida complicada, mas eu sabia
que poderia protegê-la. Não poderia? Mas e então, quem protegeria Laura de mim?
Respirei fundo. Afastando a razão, sentindo o perfume dela se dissipar, sentindo o calor da
pele dela contra minhas mãos. Eu precisava de Laura, como eu precisava de ar.
Baixei minha boxer o suficiente para que eu pudesse encaixar meu corpo no dela, sentindo
minha ereção pulsar contra a sua carne macia. Laura arqueou o corpo, oferecendo-se para mim,
pedindo, gemendo. Eu não podia mais esperar. Segurei seu quadril e empurrei contra ela, de uma vez,
sentindo minha carne abrir espaço em seu interior apertado. Laura gemeu mais alto.
Enfiei minhas mãos por baixo da camiseta, sentindo seus seios contra a renda do sultien.
Apertando em minha palma. Beijando sua têmpora. Seu pescoço. Mordiscando sua orelha.
- Anjo eu disse que nós teríamos um problema – constatei – você precisa relaxar. Assim Laura – eu
disse aumentando os movimentos – relaxa para mim.
Baixei minha mão até seu umbigo, desci até a virilha, traçando círculos entre suas pernas,
sentindo-a relaxar. Afastei-me o suficiente para que pudesse sentir minha carne penetrando-a de
novo, enviando ondas elétricas em meu corpo, tirando minha razão.
Laura não protestou mais. Suas mãos relaxando sobre o encosto do sofá. Suas pernas
afastando-se mais, abrindo caminho para o meu corpo.
Segurei seu rosto e puxei sua boca para a minha, enquanto meu corpo continuava em
movimentos ritmados, arrancando gemidos dela.
Ela arqueou mais as costas, elevando o quadril, permitindo que eu estivesse mais fundo,
mais forte. Minha ruína. Ela era a minha ruína.
Ela me beijou. Mais forte. Mais intenso. Enfiando a língua em minha boca, arrancando o
pouco de sanidade que tinha restado.
- E se você continuar fazendo assim, Sr. Galagher – ela disse enfatizando meu sobrenome – não vai
precisar aguentar muito.
Não resisti. Aprofundei nosso beijo, mais e mais, até que eu podia sentir um leve gosto
metálico ali, em seus lábios. Meu corpo contra o dela. Mais forte. Mais fundo. Mais. Mais. Não
havia o suficiente de Laura para mim. Nunca haveria.
- Adrian – ela gemeu contra minha boca – acho que – ela parou e gemeu mais forte.
Eu sabia. Eu podia sentir seu corpo mais úmido, relaxado, quente, mas eu queria provoca-la.
- Acha que o quê, Laura? – provoquei.
- Eu trabalho com certezas, Srta. Soares – eu disse, encaixando meu corpo no dela, apertando sua
carne – Acha, ou tem certeza?
Ela sorriu e eu pude sentir pequenos espasmos espalhando-se por meu corpo. Segurei a
respiração – eu estava no controle. Não estava?
- O que você quer que eu diga, Adrian? – ela me perguntou, a voz derramando-se de prazer – que
você vai me fazer gozar? Que é o melhor? Que fode muito bem?
Minhas mãos apertaram suas coxas, perto da virilha, segurando o corpo dela o mais firme
que eu podia. Eu queria estar completamente dentro dela quando fosse gozar. Queria que Laura fosse
completamente minha. Deixei meu corpo ir, embalado pelos espasmos do corpo de Laura. Pequenos
movimentos que foram se intensificando, levando-me com ela.
- Não Laura – eu sussurrei, porque sabia que ela não iria me ouvir – você é quem é.
Deitei no sofá e ela deitou-se contra mim. O corpo cansado, entregue, pesando sobre o meu.
Alisei seus cabelos com os meus dedos, sentindo sua respiração contra a pele do meu peito. Eu não
tinha nada para dizer. Nada do que eu dissesse chegaria perto do que eu sentia e eu não era muito
bom em expressar o que eu sentia. Laura não parecia querer falar também, quieta, calada. Eu só
soube que não dormia porque podia sentir seus cílios batendo contra minha camisa. Sorri.
- Nunca pensei que algum dia eu fosse foder encarando o brasão do Feyenord – constatei. Eu
precisava quebrar aquela onda sentimentalista que estava me afogando.
Laura sorriu também, como se precisasse do mesmo. Ergueu o corpo, sentando-se sobre o
meu quadril, sem nada além da camiseta cobrindo sua pele. Prendeu os cabelos no elástico
novamente, botou as mãos na cintura.
Eu a segurei. Passei a língua pelo lábio inferior, consciente da garota incrível sobre mim.
- Se você continuar aí, Srta. Soares, eu vou fazê-la tremer mais que o Kuip** em dia de final.
- Isso seria muito – ela disse e me beijou – muito interessante mesmo, Sr. Galagher. Mas antes eu
preciso terminar aquele sanduiche antes que morra de inanição depois de tanto exercício.
Ela se levantou e vestiu o short. Fechei minha calça, deixando a camisa por fora. Ela estava
lá, sentada sobre o balcão da pia, comendo aquele pedaço estranho de pão meio murcho, meio
encharcado de gordura e todo lambuzado de queijo.
Adrian, Adrian, você está ficando velho! Houve um tempo em que você comeria isso e
acharia bom – pensei – mas também houve um tempo em que eu Punk Rock*** e achava bom e não
tinha saudades dessa época.
Ela deu uma golada na cerveja, já quente, e sorriu, com a boca cheia de sanduiche.
*Ajax – Também conhecido como Ajax Amsterdã, é um clube de futebol neerlandês, da cidade de Amsterdã e rival do Feyenoord.
**Kuip – ou Feyenoord Stadion é um estádio localizado em Roterdã, Países Baixos. É a casa da equipa de futebol do Feyenoord. De
Kuip é considerado o melhor e mais bonito estádio da Holanda.
***Punk Rock - é um movimento musical e cultural que surgiu em meados da década de 1970 e que tem como características principais
músicas rápidas e ruidosas, com canções que abordem ideias políticas anarquistas, niilistas e revolucionárias.
- Comendo desse jeito você vai acabar sendo a heroína do meu filho – eu disse puxando um
abanqueta e me sentando – Acredite, ele acha que isso é o máximo e que eu não entendo nada de
iguarias culinárias da moda.
- Nem todo mundo pode se dar ao luxo de comer carré de cordeiro todos os dias, Sr. Galagher – ela
disse provocativa.
- Então você acha que eu sou um esnobe comedor de carneiro – respondi fingindo-me de ofendido.
- Acho que você reveza entre vitelo e faisão, de vez em quando – ela continuou fingindo seriedade.
- Pois você está enganada, Srta. Soares. Eu posso comer esse sanduiche horroroso se for preciso.
Ela empurrou o que restou do sanduiche em minha direção. Um brilho divertido em seus
olhos. Empurrei de volta.
Acordei atrasada – o que estava mais rotineiro do que eu julgava bom para minha reputação.
Corpo cansado, dolorido, marcado. Estiquei os braços para cima e me alonguei. Sorri.
Laura, Laura, então você realmente fez isso – eu disse mentalmente – sexo selvagem, no
sofá, com seu cliente. O que o pobre Hans diria disso? – Sorri novamente.
Pulei da cama assim que tocaram minha campainha. Vesti um roupão e corri para a porta.
- Srta. Soares – o motorista me cumprimentou. Correu os olhos por mim e sorriu sem jeito – não se
preocupe. Leve o tempo que precisar. Sr. Galagher deixou-me á sua disposição esta manhã.
Sorri de volta, alisando a bagunça que era o meu cabelo dentro do elástico e coçando os
olhos. Bocejei – pobre homem! Ficaria traumatizado em me ver de manhã!
- Hum. Obrigado – eu disse meio sem jeito – quer entrar? Eu prometo que não sou dessas que
demoram a vida toda para escolher uma roupa – brinquei.
Harold sorriu.
- Certamente que não senhorita, mas não se preocupe comigo. Como eu disse, leve o tempo que
precisar.
Saí do chuveiro e escovei o dente. Deixei meu cabelo solto. Coloquei um vestido azul
marinho ajustado de mangas curtas. Já estávamos na primavera. E eu me sentia assim, florida, viva,
feliz.
Suspirei fundo, sentindo o medo se espalhar – felicidade não costumava ser uma coisa
constante na minha vida. Em geral, ela vinha acompanhada de coisas muito, muito ruins. Passei o
batom vermelho e mandei um beijinho para o espelho, afastando os pensamentos ruins.
Saí vinte minutos depois. Harold estava encostado na lateral do Mercedes, olhos fechados,
braços cruzados sobre o peito. Limpei a garganta para chamar sua atenção.
Ele sorriu. Abriu a porta de trás para mim e eu me sentei – eu poderia me acostumar com
isso!
Desci do carro, e assim que passei pela recepção, dei de cara com Alex.
- Laura! – ele disse abrindo os braços para mim – está linda, como sempre, mas seu sorriso parece
melhor. Espero que divida comigo essa felicidade toda!
- Efeito primavera – eu disse – sabe como é, garota tropical, primavera – movi meus dedos, fazendo
a ligação.
- Ah e só para que saiba – ele me disse voltando para sua sala – nosso amado chefinho está com o
humor interessantíssimo hoje.
Devo ter corado sem querer, porque minhas bochechas queimaram no mesmo instante.
- Deve ser esse “Efeito primavera” – ele disse imitando as aspas com os dedos – pelo jeito não são
apenas as garotas tropicais que são atingidas.
Senti meu sorriso murchar no mesmo instante – Adrian estava lá, encostado na mesa. Suas
mãos sobre a barriga de Alissa – Deus eu podia odiar mais essa garota? Podia!
Estreitei meus olhos – Louise eu não sei, mas eu queria. Queria me mexer e queria mexer
especificamente a minha mão na cara dela.
Virei ás costas para sair, porque se eu ficasse ali não iria me controlar o suficiente.
- Não se preocupe – a voz enjoada de Alissa me fez parar – eu não pensava em demorar. Estava
apenas esperando meu noivo fujão.
- Acredita que ele marcou comigo aqui para almoçar e saiu? – ela continuou, numa tentativa frustrada
de me fazer sorri. Não conseguiu – então eu decidi fazer uma horinha aqui com Adrian.
Eu queria vomitar. Todo o meu pão com filé da noite anterior se agitava aqui dentro.
Sorri sem vontade, estreitando meus olhos para ela perceber que era forçado.
- Imagino que esteja ansiosa por encontra-lo – eu fiz uma pausa e encarei Adrian – Sabe o que é
estranho? Acabei de encontrar Alex á caminho da sala dele.
Eu estava ali, parada, analisando em quantos artigos do código penal eu poderia ser
enquadrada, caso jogasse Alissa pela janela. O mesmo sorriso forçado curvando dolorosamente
minha boca.
Alissa pendurou-se em seu braço. Ele não se negou, mas não parecia a pessoa mais
satisfeita do mundo. E ela parecia não se importar. Ela parou assim que chegou até mim, tocando meu
braço nu com a sua mão fria. Eu quase recuei, mas me mantive firme.
Alarguei meu sorriso falso, tocando a mão dela com a minha, desejando ter algum poder
como o da Vampira, dos Ex Mens.
- O Sr. Galagher não me deve nenhum tipo de satisfação, Alissa, não se preocupe – eu disse
encarando mais ele, do que ela – além disso, eu realmente tenho trabalho á minha espera.
Puxei a cadeira, sentei, analisei a mesa que Adrian havia indicado como minha outro dia –
meu dia havia passado de ótimo a terrível em uma fração de segundos, mas eu não permitiria que
Alissa, a madrasta má, me pegasse em sua teiazinha de manipulações. Eu era maior que isso. Não
era?
Alguns minutos mais tarde a porta se abriu. Adrian entrou sem me olhar, uma onda pesada e
estranha de energia ondulando entre nós.
- Alex havia saído para resolver um problema no fórum para a empresa – ele disse sem que eu
perguntasse nada.
Alissa. Alissa. Alissa – era tudo que minha mente conseguia processar. Eu não estava
pensando claramente, então não queria continuar com o assunto.
- Ok – disse novamente.
Ele tirou o óculos e o colocou sobre a mesa. Esfregou o rosto com as mãos.
- Meu passaporte não estará pronto até a semana que vem, então imagino que o senhor terá que ir ao
Brasil sem mim – eu disse erguendo os olhos por trás do monitor.
- O que você espera Laura? – ele disse irritado – eu disse! Conheço Alissa á muito tempo. O que
acha que eu deveria ter feito?
Analisei a situação por um instante – ele estava irritado. Se ele estava irritado, significava
que minha raiva o incomodava e se minha raiva o incomodava – não pude concluir.
- Espera que eu mude tudo em minha vida porque nós dois fizemos sexo?
- Não senhor, Sr. Galagher. Se existe algo que eu aprendi foi a não esperar o que quer que seja de
pessoa alguma – eu estava irritada. O sangue pulsando em minhas têmporas novamente, o que
significava que eu não estava falando exatamente baixo.
- E você está sendo o mesmo babaca arrogante de sempre. Ah não, espera, você nunca deixa de ser!
- Vê Laura? – ele me perguntou – é isso que acontece quando as pessoas não se controlam! É por isso
que eu disse que precisávamos manter o foco do nosso relacionamento em nosso trabalho juntos.
Outro soco, na boca dessa vez. Eu podia sentir o sangue imaginário escorrendo. Eu queria
revidar. Queria fazer Adrian sofrer.
- Até onde eu me lembro Sr. Galagher, eu não fui até sua casa ontem á noite.
Wow! Ponto para mim! – ele estava ali, parado, analisando o que responder. Seus olhos se
estreitaram de um jeito triste. Ele virou-se para a janela e eu comecei a sentir que meu golpe tinha
atingido tanto ele quanto á mim. Doía.
Oh meu Deus! Eu odeio ter razão! – Geralmente quando eu tenho razão eu acabo mais
infeliz do que se não tivesse.
- Eu não deveria ter ido até lá. E mesmo que fosse, eu deveria ter mantido o controle – ele se virou
devagar, mas seus olhos estavam baixos, não estavam nos meus – Eu fui impulsivo e fui leviano. Eu
não deveria tê-la tratado daquela maneira – não era exatamente esse o problema, mas deixei que ele
continuasse – Quero que saiba que eu não costumo agir assim Laura. Pode ficar tranquila. Eu não
costumo me envolver com ninguém sem proteção.
Engoli em seco, sentindo a realidade bater contra mim como um saco, cheio de chumbo –
não era de nós que ele falava, era do sexo. Puro e simples. Sexo.
- Também não faço isso, Adrian. Não se preocupe – respondi tentando parecer o menos afetada
possível.
Tirei meus óculos e pisquei algumas vezes, tentando afastar a sensação ruim, puxando as
lagrimas para dentro com meu nariz.
- Imagino que você tome pílula anticoncepcional – ele perguntou sem me encarar.
Cocei meu braço. Meu queixo. Minha nuca. Esse era um assunto desconfortável que
certamente nos levaria a lugares que eu não queria ir. Eu queria correr. Queria passar pela porta e
correr de volta para a minha casa o mais rápido que eu pudesse. Eu queria me enfiar debaixo do meu
edredom e fechar os olhos e fingir que estava tudo bem, mas meus pés pareciam feitos de cimento.
Ele caminhou mais para perto de mim. Parou em frente á mesa. Olhos buscando os meus.
Adrian também não era a pessoa mais confortável do mundo.
- Laura. Eu espero que você entenda que eu não pretendo ter mais filhos. Eu já tenho problemas
demais. Não preciso meter outra criança no meio disso tudo.
Eu simplesmente não podia responder. Minha mandíbula parecia travada. Minhas mãos tão
apertadas que os nós dos dedos estavam brancos. Eu nunca mais havia falado sobre isso. Eu não
havia contado á ninguém. Ninguém além de Hans sabia do passado. Adrian continuou.
- Se você quiser. Eu posso providenciar uma pílula emergencial. Dessa maneira nós ficaríamos mais
tranquilos.
Eu sentia que meu corpo não era mais meu. Perdido nas memorias do passado, voando para
longe. Eu não sentia nada até que Adrian me tocou. Ele segurou minhas mãos cerradas em punho entre
as dele.
E então meus pés não eram mais de cimento e eu corri. Puxei minhas mãos do seu toque e
corri. Eu não olhei para trás, não me importei. Eu apenas ouvi os gritos de Adrian ficando mais e
mais fracos enquanto eu descia pelas escadas de emergência.
***
Eu estava ali, parado, gritando o nome dela, enquanto ela se afastava cada vez mais. Levei
um segundo para perceber que algo não estava certo. Laura não era assim. Ela não era do tipo que
corre das situações. Havia algo de errado com ela. Algo do que eu disse a havia magoado. Não
pensei mais. Eu apenas senti. Senti que precisava fazer algo. Laura havia levado uma parte do meu
coração com ela, despedaçado e culpado.
- Merda – xinguei.
Não respondi. Eu apenas corri pelas escadas amaldiçoando meu terno justo de corte italiano
– eu poderia correr muito mais rápido de jeans e tênis.
Fui segurando no corrimão e impulsionando meu corpo para baixo por mais de um degrau de
cada vez, na esperança de encontra-la ainda dentro do prédio, mas não encontrei.
Deus essa garota teria que me dizer como corria tão rápido assim de saltos!
E então eu descobri como. Seus sapatos estavam ali, entre o sexto e o sétimo andar,
provavelmente porque ela queria ser mais rápida do que eu. Peguei os sapatos na mão continuei.
Saí do prédio para o Kaappark*, procurando entre as pessoas por ela. Ela estava lá, á beira
da costeira, do outro lado do parque. De costas para mim. Os pés descalços no chão. Os cabelos
chicoteando com o vento frio do mar. Abraçando os próprios ombros. Eu não sabia se era de frio,
mas eu sabia que queria estar lá. Abraça-la. Protege-la. Corri até ela.
- Até onde eu me lembro, Cinderela só deixou um sapatinho – eu disse, na tentativa de que ela
pudesse me perdoar.
Ela não se virou, mas deixou os braços caírem um pouco mais, soltando os ombros, abrindo
a guarda.
- Talvez porque Cinderela tivesse uma carruagem á sua espera – ela disse e eu sorri.
Tirei meu blazer e o coloquei sobre os ombros dela, puxando seu corpo para o meu,
sentindo suas costas contra o meu peito, deixando meu rosto na curva do seu pescoço.
- Você quer uma carruagem, baby? – eu sussurrei – eu consigo uma para você.
Ela não respondeu, mas eu senti seu corpo um pouco mais relaxado. Apertei-a mais forte e
então eu senti a gota quente cair dos seus olhos contra a minha mão.
Virei-a de frente para mim. Seu rosto era triste, perdido. Não era minha Laura cheia de vida
e impulsiva. Ela estava quebrada, debruçada sobre mim, completamente vulnerável.
Senti uma onda de desespero tomar conta de mim. Eu não era bom em lidar com o sofrimento
das pessoas que amava. Eu sabia lidar com o meu sofrimento, mas com o sofrimento dos outros. Não,
eu não era.
Eu amava Laura? – o pensamento me golpeou e eu o afastei tão rápido quanto pude. Eu não
amava Laura. Era ridículo. Estava envolvido. Era isso.
Segurei seu rosto entre minhas mãos, limpando suas lagrimas com os meus polegares,
encarando os olhos castanhos dela ganharem um tom de caramelo com as luzes do sol – Deus eu
estava perdido.
- Ah baby, me diga como eu posso fazer você sorrir de novo? – eu perguntei desesperado por uma
resposta.
- Você quer um bebê, Laura? – eu perguntei sem ter certeza se queria uma resposta.
- Baby, acredite isso é tão complicado – tentei justificar, mas ela me cortou.
Eu podia sentir seu corpo tremendo, as lagrimas molhando minha camisa. Eu não sabia o que
dizer. Não sabia como dizer. Cenas dos meus filhos correndo perdidas em minha mente. Filhos. Era
isso. Ela não podia ter.
- Eu fiz uma bobagem Adrian – ela choramingou – eu fui inconsequente. Eu – as palavras morriam
entre o choro.
Eu queria impedir que ela sofresse, mas eu sabia por experiência que pôr para fora era o
melhor tratamento. Deixei que ela continuasse.
- Eu era jovem e era estupida. Mas não pense que eu tirei! – ela se justificou – eu não faria isso. Eu
queria. Eu queria muito. Mas – ela deixou a cabeça cair contra mim novamente.
- Vem baby, vamos sair desse vento e então você me conta tudo que quiser, ok?
Ela assentiu.
Levei Laura comigo. Debaixo do meu braço. Protegida, como ela deveria estar. Abri a porta
do Porsche. E a coloquei ali. Girei a chave e saí.
Estávamos na estrada quando ela suspirou. Ajeitou o cabelo, secou os olhos e me encarou.
- Desculpe por isso. Eu realmente não queria – ela parou a frase sem saber como continuar – eu agi
como uma criança mimada. Você nunca poderia saber.
Coloquei minha mão sobre sua perna. Laura não era uma criança mimada. Eu era, na maioria
das vezes, ela não. Ela era forte e era decidida e doce e suave ao mesmo tempo. Ela sabia
reconhecer que estava errada e ela fazia isso parecer tão certo.
- Não baby. Você só deixou a emoção vencer. Isso não te faz fraca, te faz humana.
- Além disso – completei para quebrar o gelo – eu preciso me trocar. Com essa são três camisas que
a senhorita mancha com algum liquido estranho.
Ela sorriu e eu relaxei.
- Tanto pior – brinquei – além de sujo corro o risco de uma contaminação por material biológico.
Estacionei em frente á casa e desci. Abri a porta e estendi a mão. Laura correu os olhos pela
fachada da casa.
- Vem baby.
Entrei com ela e dispensei os empregados. Eu não queria ninguém em casa além de Laura e
eu. Queria que ela se sentisse á vontade.
Subi até o meu quarto, segurando-a pela mão. Acendi a lareira porque o vento frio do mar
esfriava um pouco o ar lá dentro.
Tirei minha gravata e abri os botões da camisa. Deixei-a sobre a poltrona. Fui até o
banheiro e deixei a banheira enchendo.
Aproximei meu rosto do dela e a beijei. Suave, gentil. Eu queria sentir o sabor de Laura.
Aproveitar nosso tempo juntos e eu não tinha pressa para isso. Abri o zíper do seu vestido e o deixei
cair no piso. Livrei-me da minha calça e do seu sultien, sem cortar o contato das nossas bocas.
Apertei seu corpo contra o meu.
- Anjo – comecei – você pode ou não me contar o que você quiser. Quero que saiba que eu estou aqui
para ouvir você, mas que eu não me importo com o que quer que seja que tenha acontecido. Eu só me
importo com você agora. O que quer que seja que você tenha vivido contribuiu para que você se
tornasse essa mulher, e é isso que importa.
- Ah Adrian – ela disse e enlaçou as mãos em meu pescoço – não sei se estou preparada para um
príncipe encantado.
- Melhor assim – constatei – não estou disposto á me tornar um á essa altura da vida.
Por mais que meu corpo estivesse excitado – e ele estava – eu não queria sexo. Eu queria
Laura. Entrei na banheira de boxer, sentei, e puxei Laura para o meu colo. Ela ficou ali, encostada no
meu corpo, costas contra meu peito, respirando devagar.
- Tudo aconteceu muito tempo atrás – ela começou e eu a apertei contra mim, passando os braços em
volta dela – eu tinha acabado de chegar á Holanda. Como eu disse, eu era jovem e idiota – ela
suspirou – eu o conheci em um bar. Ele era gentil e educado. Tinha aquele maldito sotaque britânico.
Bem, eu fiquei gravida.
Ela parou aí. Suspirando devagar, sem dizer mais nada. Eu não sabia mais se queria ouvir a
historia toda.
- Acho que não vou te surpreender se eu disser que ele era um idiota
- Todos nós fizemos besteira baby, você não é a primeira e não será a última – eu sorri um pouquinho
contra os seus cabelos.
- Até aí tudo bem, eu seria apenas mais uma garota burra que teve um filho com um idiota, mas não
foi só isso Adrian. Evan era violento. Eu achava que ele melhoraria com o tempo, mas as coisas não
foram bem assim. Eu estava grávida de pouco mais de quatro meses quando voltei para o
apartamento que morávamos mais cedo. Eu o peguei com uma garota lá.
Traição. Eu sabia o quanto doía. Eu sabia exatamente. Puxei seu cabelo de lado e beijei seu
rosto.
- E foi aí que eu fui inconsequente. Deveria ter pensado no meu filho, mas eu não pensei. Fui para
cima dele. Eu bati nele, eu chutei, eu gritei e então ele me empurrou da escada.
- Acordei em um hospital. Meu bebê não estava mais lá. Eu havia sofrido um grave dano em um dos
ovários e ele foi retirado. Como resultado do procedimento, eu fiquei com uma cicatriz na parede do
meu útero. Ela torna uma futura gravidez praticamente nula. Os médicos não me deram esperanças.
Nem mesmo com um procedimento clínico.
Eu a virei para mim, de joelhos, entre as minhas pernas. Segurei seu rosto entre as minhas
mãos e beijei sua boca cuidadosamente.
- Laura você é tão incrível – eu disse por que era verdade – não deve se culpar. Foi uma fatalidade.
Acredite – eu disse e suspirei – eu entendo de fatalidades. E de culpa, principalmente.
Ela me beijou, passando a língua pela minha, mordendo meu lábio. Ajeitou as pernas de
cada um dos lados da minha cintura. Eu a puxei para mim, mais forte, ajeitando seu corpo no meu. Eu
queria qualquer coisa que ela quisesse.
- Quer fazer algo por mim Adrian? – ela perguntou e eu assenti – então me faça esquecer.
Capítulo 10
Eram quase cinco da tarde, quando eu finalmente tomei consciência de que estava acordada,
olhos ainda fechados. Eu estava enrolada em lençóis macios de algodão egípcio. Caros, muito caros.
Virei de lado e gemi – Deus eles valiam cada centavo!
Abri os olhos e busquei por ele no quarto. A cortina estava fechada. A luz no quarto era
fraca e avermelhada com o por do sol. Adrian estava sentado em uma poltrona de couro ao lado da
lareira. Usava uma calça de elástico e nada mais. Seu peito nu mostrava todos os desenhos, toda a
sua masculinidade, integra, elegante e ao mesmo tempo perigosa, instigante. Parei meus olhos nele.
Analisando sua figura. Perna direita flexionada sobre a esquerda, cotovelos apoiados nos joelhos.
Mãos segurando o caderno de investimentos. Ele me encarava com uma estranha calma que não era
costumeira. Sorri.
- Bom dia flor do dia – ele me disse com uma sombra de sorriso em seu olhar.
Levantei, enrolei-me no lençol e caminhei até ele. Tirei o jornal das suas mãos e os óculos
do seu rosto e os coloquei sobre a mesinha. Sentei em seu colo.
- Eu sempre digo isso á Hanna – ele me disse enquanto eu ajeitava meu rosto na curva do seu
pescoço.
Beijei a linha de barba em seu rosto, desde a mandíbula até a boca. Parei ali. Beijei
novamente, prendendo seu lábio entre os meus. Sorri.
- Não fico triste quando você fala dos seus filhos. Na verdade crianças me deixam feliz, Adrian, não
o contrario. Eu seria uma pessoa péssima se me sentisse mal por saber que você ama os seus filhos.
Ele tocou meu rosto, encarando meus olhos sem dizer nada. Olhar sério, profundo, eu não
queria que ele dissesse nada, eu só queria que ele continuasse perdido em mim, fazendo-me sentir
aquela onda de calor se espalhando por dentro, como se meu coração estivesse estourando de tanta
felicidade.
Adrian desceu a mão pela curva da minha mandíbula, traçando o osso da minha clavícula,
parando com a mão em concha sobre os meus seios. Beijou-me profundamente, sua língua
enroscando-se na minha. Virou-me de frente para ele, nua, montada sobre sua cintura. Sua mão na
parte baixa da minha coluna, segurando-me firme. A outra, traçando círculos com os polegares sobre
os meus seios.
- Em geral, Laura – ele disse contra a minha boca – eu gosto das coisas um pouco mais duras.
- Mas você tem me feito mudar alguns conceitos – ele deslizou a mão das minhas costas para baixo e
apertou forte a carne da minha bunda – mas só alguns.
Eu queria qualquer coisa que Adrian quisesse me dar. Queria me afogar nele, me jogar do
precipício e encarar a queda. Eu não me importava mais.
Pensei em tudo que Alex tinha me dito sobre o casamento de Adrian. Pensei na traição, na
doença da esposa. Eu tinha meus próprios problemas. Não sabia até onde estava preparada para ir
também. Suspirei fundo, sentindo como meu corpo se encaixava ao dele, tão fácil, tão certo, tão bom.
Desci minhas mãos por seu peito nu, sentindo o contorno dos músculos, ouvindo-o ofegar.
Baixei um pouco a sua calça e o encaixei para que pudesse me penetrar. Ele abaixou meu quadril de
uma vez, arrancando um gemido do fundo da minha garganta. Adrian gemeu também.
Cruzei minhas mãos atrás do seu pescoço, deixando que ele me apertasse contra ele, forte,
profundo. Eu podia sentir a ardência da pele dele roçando contra a minha, mas isso só me fazia
querer mais.
Adrian mordeu meu lábio e desceu pela minha mandíbula, até meu pescoço. Lambeu em
volta do meu mamilo e sugou para dentro, dando uma mordida suave.
- O quê anjo? – ele provocou – gosta quando eu faço isso? – ele disse e mordeu novamente.
- Sim – gemi.
- E isso, você gosta? – ele disse colocando os pés sobre a mesinha, mudando o ângulo da penetração
e atingindo alguma parte muito, muito sensível dentro de mim, fazendo-me arquear de prazer.
Minha pele estava arrepiada, sensível, qualquer parte minha que Adrian tocasse agora,
qualquer sombra de toque, fazia-me gemer e me contorcer, buscando mais.
- Isso Laura! – ele me encorajou – se entregue para mim. Assim baby. Assim.
Deixei minha cabeça cair contra o peito de Adrian, suada, ofegante, cansada. Suspirei.
Senti meu coração murchar um pouquinho. Eu pensava, idiota como era, que poderia dormir
com ele. Fiquei em silencio, curtindo o que me restava do momento. Ele podia pelo menos, ter a
decência de esperar que eu me recuperasse!
- A senhorita precisa fazer sua mala. Nosso voo parte amanhã ao entardecer.
- Voo? – confirmei.
- Adrian – comecei – não sei se você ouviu mais cedo, quando eu te disse. Eu estou com problemas
com o meu passaporte.
Eu queria socar a minha própria cara burra por ter deixado o maldito passaporte vencer sem
me preocupar em renova-lo. Eu era idiota. Burra e idiota. E agora, eu pagaria o maldito preço.
- Sim, Srta. Soares, eu ouvi. Não sei se a senhorita se recorda, mas eu tenho em meu time um
excelente advogado. Muito competente o Dr. Persen.
Sorri. Minha boca se alargando sem que eu conseguisse impedir. Eu ainda não sabia se
queria ir ao Brasil, mas apenas o pensamento de estar sozinha com Adrian do outro lado do oceano
já me deixava excitada. Ele continuou.
- O Dr. Persen regularizou sua situação e providenciou toda a documentação necessária para que
possamos embarcar amanhã.
Adrian sorriu. Acariciou meu rosto. Beijou minha testa, e então o sorriso murchou em seu
rosto.
- Preciso que você esteja lá, Laura – ele me disse – você me faz ser mais – ele parou, provavelmente
procurando pela palavra certa. Eu podia pensar em maluco, ou mentalmente desequilibrado, mas
fiquei calada – flexível. Você me faz ser mais flexível e acredite, flexibilidade não é uma das minhas
qualidades.
Eu sorri. Saber que ele não só queria como achava precisar da minha presença deixava a
viagem bem mais interessante. Levantei e caminhei até o banheiro. Adrian veio logo em seguida.
Abriu a ducha e se livrou das calças de elástico. Deus ele era ainda melhor sem nada.
- Cada vez que você me olha assim, com essa ruguinha na testa, eu fico pensando se você gosta ou
não do que vê.
Sorri.
- Ah eu gosto – disse rápido demais e então corei de vergonha – quer dizer. Eu acho. Você. Bem.
Saí do banho e vesti minha roupa. Eu precisava mesmo ir para minha casa. Precisava pensar
no que fazer com Mia e arrumar as malas.
Adrian vestiu um jeans desgastado e uma camiseta preta. Calçou tênis e penteou o cabelo
para trás. Ele parecia tão jovem e relaxado daquele jeito. Eu gostava do poderoso Sr. Galagher, o
chefe durão e sexy, mas aquele Adrian á minha frente era mais real, mais sincero. Eu sentia que ele
era um pouco meu. Nem que fosse só um pouquinho e isso me deixava num misto de felicidade e
medo.
- Vamos? – ele me disse colocando uma jaqueta de couro por cima da camiseta.
***
Entramos no Porsche e eu peguei a estrada. Laura estava ao meu lado. Olhos fechados. Os
braços cruzados sobre o encosto do banco, pernas relaxadas. Eu gostava de vê-la assim. Ela me
inspirava a relaxar.
- Vou alimentar você anjo – eu disse – não quero que me acusem de mata-la de inanição depois de
tanto sexo.
Ela corou. E depois sorriu sem mostrar os dentes. Um leve sorriso sexy que fazia o espaço
em meu jeans diminuir consideravelmente.
Dirigi pela cidade. Eu sabia que Laura não fazia ideia de onde estávamos. Eu estava
procurando por um lugar especifico. Queria mostrar á ela que ela não fazia ideia de quem eu era. Que
o que ela achava que conhecia era apenas a ponta do iceberg.
Estacionei e desci. Laura ficou ali, tentando entender. Encarando a placa do “Fat Louie’s”.
- Sério?
Eu quase sorri, mas não faria isso. Mantive meus olhos fixos nos dela. Sobrancelhas baixas,
boca reta, lisa, sem expressão.
- Eu me lembro de ter sido acusado de ser esnobe e elitista – comecei – bem, decidi mostrar-lhe que
está errada. Não gosto que me definam com estereótipos fracos, Srta. Soares.
Ela sorriu, eu não. Puxei-a para fora do carro e a levei para dentro do lugar. Tudo
continuava como eu me lembrava. Faziam o quê? Vinte anos? Talvez mais. Mas o fato é que Loui
não tinha nem mesmo trocado os estofados das banquetas. Meu interior sorria, mas meu exterior
permanecia encarando a reação desconcertada de Laura.
Bati minha mão sobre a banqueta ao meu lado. Laura tentou sentar e se desequilibrou um
pouco, puxando o vestido para baixo para cobrir melhor as pernas.
O “Completo” consistia em um prato de papelão com um lanche feito com pão, uma salsicha
enrolada em bacon e frita, repolho em conserva e muito, muito queijo cheddar derretido, circundado
por uma porção generosa de batata frita engordurada e coberta por maionese caseira.
- E então você decidiu, que por minha definição fraca sobre você, eu deveria consumir toda a minha
cota de gordura da vida de uma única vez.
Peguei meu sanduiche e dei a primeira mordida, mastigando com a boca cheia. Bebi um gole
de cerveja para ajudar a descer, como tinha que ser.
- Vamos Srta. Soares mostre como as pessoas não elitistas comem cachorro quente – provoquei.
Ela estreitou os olhos para mim. Pegou o lanche na mão e deu uma bela mordida, deixando o
queijo sujar o canto da boca. Esperei pacientemente.
Laura não largou o lanche nem um segundo, pelo curto espaço de tempo em que ele existiu
em suas mãos. Depois pegou a cerveja e bebeu até a metade sem parar para respirar.
Fiquei olhando a garota ali, sentada na banqueta da lanchonete, com seu vestido elegante,
pernas cruzadas e salto alto. Encarando-a beber cerveja, direto da garrafa, e sujar as mãos de
maionese e pensei onde ela esteve enquanto eu enchia a minha vida de merdas.
Adrian, Adrian, como você se deixou pegar pela recém- formada! Você não tem mais idade
para isso. Você deveria sentar-se em sua cadeira de couro e esperar pelos seus netos. Sorri do meu
próprio comentário – eu realmente esperava que John não seguisse meu exemplo.
Estiquei a mão e limpei o que tinha de molho no canto da boca de Laura, meus olhos mais
profundos do que eu gostaria. Ela sorriu, meio sem jeito.
Deixei Laura em Amsterdã com o inicio da noite. Ela precisava descansar e precisava
resolver o que quer que fosse antes da nossa viagem e eu precisava colocar minha cabeça no lugar.
Peguei o celular e disquei. Apertei o botão de viva voz enquanto dirigia de volta para casa.
Alex atendeu no terceiro toque.
- Você não está fazendo merda novamente, mas – ele enfatizou – acho que precisa de uma dose dupla
de uísque com o seu grande e sexy melhor amigo.
- Alexander, apenas esse comentário seria capaz de me fazer não querer encontra-lo nunca mais.
- Te vejo no Jack’s.
Entreguei a chave do carro ao manobrista e entrei no bar. O Jack’s era o lugar que Alex e eu
havíamos elegido como nosso ponto de encontro. Era nosso pequeno refugio, um lugar em que não
levávamos garota alguma, nunca.
John tentava parecer frio, sem emoção, mas eu podia sentir sua voz ondulando contra o
telefone. Eu sabia que meu filho estava cansado disso tudo. Ele não deveria ter que passar por isso,
não deveria ter que se preocupar com os irmãos. De qualquer maneira, era a primeira vez em mais de
três meses que ele me ligava então eu sorri.
Sorri novamente.
- Pode sim. Diga que chego depois de amanhã, perto da hora do almoço. Vou ligar para a sua avó e
tentar leva-los para almoçar.
Ele não respondeu por um tempo. Ficou calado, pensando. Eu queria saber o que ele
pensava tanto. Queria entender mais dos silêncios de John.
Pai – a palavra me golpeou forte, fazendo meu coração diminuir. Faltava tão pouco e
parecia uma eternidade.
- Hum. Ligação do filho rebelde numero um? – Alex disse atrás de mim – o mundo está mesmo de
ponta cabeça. Adrian Van Galagher apaixonado, John Albert Van Galagher sentindo falta do colo do
pai – ele brincou – Santo Deus! Quando dizem que o amor está no ar na primavera, eles não estão
brincando.
Desliguei o celular o coloquei no bolso.
- Não seja idiota – eu disse dando uma golada no meu uísque – eu não estou apaixonado.
Fugi dos olhos de Alex Persen. Ele me conhecia demais. Eu não gostava de ser estudado. Eu
sabia o que estava fazendo. Eu estava apenas aproveitando um momento bom, com uma garota legal.
Terminaríamos o nosso negocio e Laura voltaria para a sua vida. Ela era jovem, provavelmente
ainda esperava por coisas que eu não poderia dar á ela. Eu tinha muito com que ocupar minha mente.
Eu tinha duas crianças e um adolescente rebelde para tomar conta. Eu tinha meus negócios e eu tinha
muitas coisas na minha cabeça. Eu precisava ter. especialmente agora.
Cocei a barba.
- Laura não é Patrícia, Adrian – ele me disse, ignorando minha tentativa de fugir do assunto.
Ele serviu uma dose da garrafa em seu copo. Afastou a cadeira, cruzou as penas. Bebeu um
gole. Deslizou a mão pelo cabelo e as cruzou atrás da cabeça.
Eu não queria, mas ele diria de qualquer maneira. Esse era Alex Persen.
- Você está morrendo de medo, como um gatinho assustado. Mostra as garras de vez em quando, mas
está louco para ser adotado – ele sorria enquanto falava, imitando ter um maldito gato nos braços,
ninando e fazendo carinho – você quer ser um grande e gordo gato de apartamento.
Alex soltou uma risada alta e eu não pude deixar de sorrir junto.
- Se você não fosse o único imbecil que ainda atura minhas merdas eu juro que socava a sua cara por
esse comentário infeliz.
Encarei Alex por um instante. Ele não era um cara de reclamações, mas eu podia ver algo
pesar em seu rosto. Ele não estava feliz. Ele fingia que estava. Seu senso de justiça o deixava mais
suscetível á ser manipulado. Eu odiava isso. Odiava vê-lo assim.
- Sabe que não precisa se casar com ela, não sabe? – eu disse dando outro gole em meu uísque.
Ele suspirou, soltando o ar dos pulmões devagar.
- Não vou abandonar minha filha como meu pai fez comigo.
- Você não vai abandonar Louise se não se casar com Alissa, Alex. Não seja bobo, é uma situação
completamente diferente.
- Eu casei com Patrícia porque estava apaixonado por ela, Alex, você sabe disso. O que aconteceu
depois você também sabe. Não faça isso se não quiser realmente. Casamentos destroem as vidas das
pessoas.
Pensei por um instante – ele tinha razão. Alissa era capaz de fazer algo assim apenas para
fazê-lo sofrer. Eu conhecia o tipo dela. Eu havia sido do mesmo tipo, tempos atrás. Mimada e infeliz,
cansada dos brinquedos que sempre teve, das festas que sempre foi. Procurando por algo que nunca
encontrará.
- Seria muito idiota da minha parte se confessasse á você que eu já amo aquele pedacinho de gente
sem nem mesmo tê-lo visto? – ele me perguntou e eu sorri.
- Eu não posso abrir mão dela, companheiro. Sou escravo daquela pequena criaturazinha.
Pensei em minha Hanna. Em tê-la sobre o meu peito, descansando tranquila depois de
mamar. Meus dedos correndo em suas costinhas delicadas – eu precisava fazer alguma coisa.
Precisava ajuda-lo.
- E como iremos fazer isso, meu amigo? A lei não é tão manipulável assim.
- Talvez a lei não seja manipulável, meu amigo – imitei seu jeito de falar – mas ela tem seu preço.
Caso seja necessário.
- Como eu disse, a lei tem seu preço – bebi o ultimo gole de bebida – e neste país quem decide os
valores sou eu.
Alex sorriu. Era um assunto delicado, mas eu queria que ele soubesse que não precisava
fazer o que eu fiz. Que não precisava entregar sua vida á alguém que não a merecia apenas pela filha.
Se o que o unia a Alissa era o medo de perdê-la, então eu queria que ele soubesse que eu iria até o
inferno, mas colocaria Louise em seus braços.
Capítulo 11
Passei parte da manhã decidindo o que eu deveria levar para São Paulo. Clima inconstante,
situação inconstante, Laura inconstante. Coloquei um pouco de tudo, sem parecer que pretendia me
mudar para lá. Eu sabia que teríamos provavelmente reuniões e eu não era burra, sabia o meu lugar –
eu era a advogada coadjuvante do caso “Van Galagher contra a ex-sogra megera” era só isso. Eu iria
até lá e faria meu serviço, poliria minha carreira e com sorte, talvez conseguisse passar um par de
noites com Adrian. Era só isso não era? Ele havia deixado tudo muito claro! Então por que pensar
nisso me incomodava?
Fui até a cozinha e abri a geladeira – bem, pelo menos a parte sobre deixar a geladeira
vazia estava feita!
Abri a caixa de cereais e coloquei na tigela. Despejei um pouco de leite por cima. Girei a
colher algumas vezes, afundando as estrelinhas de mel – se ele me achava infantil por comer
sanduiche, precisava ver o que eu comi no café da manhã!
Sorri. E depois me policiei, desfazendo o sorriso bobo do meu rosto – eu andava sorrindo
demais por causa dele ultimamente.
Mia pulou da cadeira direto para cima da mesa, e ficou ali, parada com seu grande corpo
gordo, esperando a porção dela de leite.
- O que eu vou fazer com você hein Srta. Gorducha? Vamos ver se Hans ainda quer te alimentar.
- Diga que a moça que estou vendo na primeira pagina do jornal não é você.
Gelei e endureci, derrubando a colher na tigela e espalhando leite na cabeça laranja de Mia.
- Então me explique o que a senhorita faz em uma lanchonete suburbana com ninguém menos que o
único herdeiro do Juiz Reign.
Ah meu Deus Adrian vai morrer! – foi o primeiro pensamento que veio á minha mente.
- Hans – comecei tentando me explicar, mas eu não fazia ideia do que dizer – eu nem sabia. Na
verdade eu nem sabia quem ele era. Eles nem tem o mesmo sobrenome.
- Desculpe se eu não conheço todas as linhas de sucessão das famílias holandesas! – apelei.
- Isso não é importante – ele disse eu percebi que era uma oferta de paz – me diga o que estava
fazendo com o Sr. Galagher.
- Alexander Persen era apenas o advogado de Van Galagher – comecei – o caso é sobre a guarda dos
filhos de Adrian Van Galagher. Eu ia passar aí mais tarde e conversar com você, mas acho que não
fui rápida o suficiente. Os últimos dias tem sido bem malucos.
- Laura – havia uma nota de preocupação em sua voz – não é muito inteligente envolver-se com ele.
- Adrian vai magoar você. Ele não é o tipo de homem que se apaixona por uma menina como você
Laura.
- E por uma menina como eu, você quer dizer, pobre como eu.
- Eu ia dizer ingênua como você, mas pobre também se encaixa. Você sabia que ele tem sido visto
com a prima da princesa ultimamente?
Senti como se algo atingisse minha cabeça – é claro que ele estava. Quem era eu? Uma
pobre garota sul americana com quem ele teve uma foda rápida.
- Hans nós apenas saímos para comer – menti – não sei o que a imagem mostra, mas foi isso.
Enquanto eu falava com ele, fui digitando na ferramenta de busca o nome de Adrian. Estava
ali. Varias imagens dele. Muitas e com notícias diversas . “Van Galagher salva mais uma
corporação” ou “Van Galagher quer a Holanda para si” ou ainda “O playboy ataca novamente”
onde se via uma ruiva escultural entrando em seu carro. Fui baixando a tela e encontrei uma noticia
de quinze dias atrás. Ela trazia Adrian de smoking preto, cabelos penteados e aquele olhar que me
fazia esquecer meu nome, mas ao lado dele não era eu, obvio. A prima da princesa estava lá, com um
vestido vermelho absolutamente incrível que a deixava ainda mais nobre. Ela estava de braços dados
com ele. Sorrindo como uma idiota. Ele não sorria – ele nunca sorria – mas parecia satisfeito. O
título era “Os Dias de Viúvo Estão Contados”.
Então era isso. Todo aquele papo de não poder ir até sei lá onde eram na verdade uma fuga.
Ele não queria dizer que tinha um maldito tipo de compromisso com a branquela real.
- Sim. Procurando a maldita foto. Hans eu passo aí mais tarde ok? – eu disse por que não estava em
condições de prolongar o assunto – acha que poderia cuidar de Mia?
- Claro que cuido de Mia querida! Sabe que eu sou louco por sujar meus ternos com pelos
alaranjados – ele sorriu. Eu fingi que sorri. Então ele continuou – Laura, eu só estou preocupado com
você – ele disse por fim.
- Sei disso – respondi – e Hans. Não vou fazer besteira dessa vez. Eu juro.
Desliguei o telefone e abri a imagem. Éramos Adrian e eu, sentados na lanchonete. Ele tinha
a mãos no meu queixo e o polegar sobre o meu lábio. Ele estava limpando o molho, era só isso, mas
havia o olhar. Meu coração se apertou – não era o mesmo olhar que ele dirigia á garota no vestido
vermelho, aquele era o meu olhar. O olhar que me fazia querer que ele não fosse embora nunca.
Fiquei encarando a imagem, traçando meu polegar sobre o rosto de Adrian – eu não podia crer que
ele pertencia á outra.
Pronto! Agora o meu pequeno castelo de cartas começava a desmoronar, antes mesmo de eu
conseguir habitá-lo.
- Adrian me desculpe – disse de uma vez porque eu não queria entrar em outra discussão sobre
exposição – eu não fazia ideia de que aquela bobagem toda sobre Alissa e filhos pudesse terminar
desse jeito. Se eu pudesse voltar atrás eu juro que não tinha comido a porcaria do cachorro quente.
Eu. Eu – eu falava sem parar para respirar e sentia as primeiras lágrimas começarem a aparecer, lá
no fundo da minha garganta.
- Engraçado você chamar meu lanche preferido de porcaria porque você pareceu gostar bastante –
ele disse ignorando tudo que eu havia dito, exceto isso.
- Adrian não é uma boa hora para piadas. Além disso – eu não sabia se queria continuar – eu vou
entender se você – parei e respirei – se você preferir ir sozinho ao Brasil ou levar outra pessoa.
- A foto – eu disse – pensei que você não queria esse tipo de publicidade.
E analisando agora, ele provavelmente não queria porque se algo como isso vazasse a tal
namorada branquela real saberia.
- Laura eu posso ser gentil com as pessoas eventualmente – ele disse – não vejo problema em uma
fotografia que demonstra isso. Eu quis apenas avisá-la que seu rosto não ficou visível, e que,
portanto, ninguém poderá ligar isso ao problema com meu pai.
Fiquei muda por alguns instantes.
- Harold irá busca-la em três horas. Esteja pronta, não gosto de me atrasar.
Ele desligou o telefone eu fiquei com ele ali, parado no meu rosto, pensando na vida, como
uma idiota.
Olhei a imagem novamente – ele tinha razão. Era uma bobagem. Não tinha nada demais. Ele
estava sendo gentil com uma garota, e daí? Isso não mudava o fato de que os dias de viúvo dele
estavam contados. Senti uma onda de raiva misturada a dor dilacerar o meu coração.
Fazia menos de meia hora que eu havia voltado do meu escritório, quando Harold parou o
carro em minha porta. Peguei minha mala, conferi meu visual no espelho – profissional, muito
profissional – e saí.
Eu estava disposta a deixar claro para Adrian Van Galagher que, por mais que ele fosse
gostoso, eu não seria a despedida de solteiro de ninguém.
Mantive meu olhar na janela, vendo Amsterdã sumir lá embaixo, durante toda a decolagem.
- Não – eu respondi.
Ele não insistiu e eu não continuei o assunto. Algum tempo depois, anunciaram o serviço de
bordo.
A comissária passou oferecendo bebidas e eu me servi de uma dose dupla de uísque. Adrian
pediu uma taça de vinho e ficou me olhando.
Minha mente formava varias e varias frases para dizer á ele, nenhuma delas era gentil. E eu
não queria começar uma briga sabendo que ficaríamos pelo menos dez horas naquele mesmo lugar.
Eu queria dizer “E você não parece o tipo que procura por garotas da côrte, chatas
mimadas”, mas eu não disse nada. Limitei-me a sorrir.
Comi meu pato com laranja e tomei mais uma dose de uísque, sentindo o efeito do álcool me
acalmar. Quando as luzes se apagaram, coloquei meu fone de ouvido e apaguei também.
***
Pousamos pouco antes das nove da manhã. Laura mal falou comigo durante toda a viagem.
Eu não gostava de aviões, mas eu odiava ainda mais aviões com Laura emburrada. Eu estava
começando a me irritar.
Passamos pelo saguão de desembarque e eu logo avistei a placa com o meu nome. Caminhei
até o motorista.
Entramos no automóvel e seguimos para minha casa. Fazia pelo menos quatro anos que eu
não ia ao Brasil, mas São Paulo parecia á mesma, tumultuada e corrida, como sempre. Perto de São
Paulo, Roterdã era uma pobre prima do interior.
O carro passou pelos portões. O gramado estava bem cuidado e as cercas vivas aparadas. A
piscina limpa, as janelas abertas – pelo menos eu tinha bons empregados aqui.
O motorista abriu a porta para mim e eu desci. Ofereci á mão para que Laura pudesse
descer, ela aceitou, mas tirou a mão da minha assim que pode. Entramos e Elza veio nos receber.
- É um prazer revê-la – olhei em volta da sala – e ver que cuidou de tudo em nossa ausência.
Elza sorriu. Seus olhos passaram de mim para Laura e eu percebi que o “Nós” poderia ter
sido mal interpretado.
- Esta é Laura – eu disse gentilmente, com a mão sobre o ombro de Laura, mas antes que pudesse
concluir, ela me interrompeu.
- Sou a advogada do Sr. Galagher – ela disse estendendo a mão e depois ela terminou a frase em
português.
Elza sorriu. Laura sorriu. E eu fiquei ali, sentindo um pequeno complô feminino se formar.
O marido de Elza levou nossas malas para cima, enquanto ela e Laura caminhavam felizes e
sorridentes para a cozinha – aparentemente, o problema da Srta. Soares era comigo.
Entrei na cozinha e encontrei uma mesa posta. Havia muitas coisas sobre ela e eu não
conhecia uma boa parte delas. Laura gemeu e disse algo em português, enquanto enfiava um tipo de
panqueca branca e suja de manteiga na boca.
- Perdão, Sr. Galagher – Elza disse – é que a senhorita é tão gentil, percebeu minhas dificuldades
com a língua.
Ela sorriu – se Laura achava que colocaria minha empregada contra mim, estava enganada.
- Quero um pouco dessa panqueca também – pedi – já que a Srta. Soares parece gostar tanto.
Eu ainda sentia a maldita tapioca dentro do meu estomago, quando subi para o meu quarto.
Eu não sabia se me sentia mais enjoado pela panqueca grudenta e pesada, ou se era por causa de
Laura.
Tirei minha roupa, abri o chuveiro e tomei uma ducha rápida. Eu não queria perder tempo
algum que eu pudesse passar com os meus filhos e eu os veria em alguns minutos. Margarida e eu
havíamos decidido que eu poderia almoçar com as crianças, desde que fosse na casa dela. Eu não me
importava, desde que pudesse vê-los. Saí do chuveiro e vesti um jeans e uma camiseta, era um dia
tipicamente quente no hemisfério sul.
Desci as escadas com a guitarra de John presa na capa, pendurada sobre meus ombros.
Ela estava vestida como se fosse trabalhar. Calça social reta e ajustada nas pernas,
sandálias de salto alto e uma blusa de seda marfim que a deixava com um toque angelical.
Maquiagem feita e cabelos presos em um coque, com alguns fios emoldurando seu rosto. Linda. Eu
queria agarra-la ali, na escada e carrega-la para o quarto, não fosse aquele olhar mortal que ainda
pairava em seus olhos marrons.
- Não precisa vestir-se de advogada para visitar os meus filhos, Srta. Soares.
- Eu sou advogada Adrian, não me visto de uma. Além disso, não entendo qual é a necessidade de
que eu o acompanhe em um almoço.
Senti o efeito das minhas palavras direto em seu rosto, contorcendo suavemente seus olhos.
- Nenhum.
Pensei por um tempo, analisando a situação – Deus do céu eu havia me esquecido como era
difícil lidar com uma mulher quando você não a está fodendo.
- Laura – comecei – é importante para mim não parecer furioso e irritado frente á avó dos meus
filhos. Poderíamos pelo menos tentar, parecer amigáveis durante esse tempo?
Meus olhos estavam no trânsito, caótico e infernal, da cidade. Eu não queria encará-la.
Laura pensou por algum tempo também, olhos encarando a janela.
- Você tem razão Adrian – ela ponderou – eu estou agindo como uma criança mimada e eu não sou
assim. Não se preocupe, vamos fazer tudo dar certo nesse encontro.
Coloquei minha mão sobre o joelho de Laura. Eu queria que as coisas voltassem a ser como
eram, quando estávamos em minha casa.
Laura encarou a mão sobre sua perna por alguns segundos. Seus olhos pesados, lutando para
mantê-la afastada de mim. Tirei minha mão – se era o que ela queria, eu respeitaria sua decisão.
Estacionei em frente á casa de Margarida. Desci. Antes que eu pudesse abrir aporta para
Laura, ela desceu. Parei em frente ao portão, minhas mãos suando, punhos cerrados. Suspirei
profundamente. Não era fácil entrar aqui novamente. Não era fácil encarar tantos fantasmas de uma
única vez. Como se pudesse sentir meus medos, Laura tocou a mão em meu ombro.
Hanna estava á beira da piscina, pulando de um lado para o outro. Collin foi o primeiro a me ver. Ele
correu tão rápido que a baba demorou a perceber.
Peguei-o no colo no mesmo instante. Apertando seu corpinho pequeno contra o meu. Ele
parecia mais velho. Não se parecia mais com o meu bebê – Deus como eu senti falta desse garotinho.
- Hey filhote – eu disse esfregando meu nariz no dele – senti sua falta.
Ele não disse nada. Segurou meu rosto com as suas mãozinhas melecadas de algo que eu não
sabia o que e não me importava. Encarei seus olhinhos claros – Collin tinha os olhos da mãe. Ele se
parecia com ela.
- Papai você vai me levar para nossa casa? Eu acho que Chucrute sente a minha falta.
Sorri.
- Tenho certeza de que ele sente, amor, vamos resolver tudo – eu disse e toquei meus lábios nos dele,
aproveitando o cheirinho gostoso de bebê que ele ainda tinha – eu prometo que vamos.
Ajoelhei com Collin ainda em um dos braços e abri o outro para ela. Hanna se aconchegou
em meu peito, seus cabelos se espalhando em meus ombros.
Coloquei Collin no chão e passei a mão pelo rosto – eu estava melecado por algo, se era
pirulito eu não sabia, mas tinha cheiro de cereja.
- Aqui, com licença – Laura disse e esfregou um lenço umedecido em meu rosto.
Sorri, encarando seus olhos. Ela estava agachada em frente