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A PIOR FACE DA DEPRESSÃO


publicado em sociedade por Estêvão Reis
A pior parte de ter depressão é que você sabe o quão ridícula é a sua situação.

De uma hora para a outra ela volta.


Como uma visita indesejada, desarruma tudo de lugar, desorganiza os móveis e levanta a poeira.
Você então perde o interesse em fazer coisas que antes eram divertidas, mas não faz ideia do porque
isso está acontecendo. A depressão desestabiliza a mente, cega a visão e remove a perspectiva de
novamente enxergar luz.
Tudo é tão escuro!
A esperança vai embora e desta vez (posso jurar) jamais voltará. A mente, novamente em reclusão,
passa a criar histórias em uma tentativa de sobrevivência, cria roteiros e ensaia cenas de um futuro
que na verdade jamais acontecerá. É a demissão, é a solteirisse como ponto final, a inexistência de
amigos e a baixa auto-estima. Uma voz – que na verdade é o seu próprio pensamento – repete vez
após vez: você não vale nada, você não é nada, ninguém te ama.
As emoções se tornam maiores que os fatos. Para o depressivo, aquela é a verdade. Ele acredita
estar vivendo na maior completa realidade, mas são apenas percepções ilusórias.
Nada de bom cresce na escuridão. Nada! Mas tem algo que precisa desse tipo de ambiente: o
pensamento de morte.
A imaginação – leia novamente, a imaginação – de que apenas um final definitivo pode te remover
daquela areia movediça que te suga para baixo. Nada é pior do que só enxergar essa opção e o seu
único desejo é acabar com essa dor dilacerante.
Mas ainda que seja muito sofrido viver, as pessoas que nós amamos e que nos amam são motivos
suficientes para tentar mais uma vez.
Ela tomou o seu tempo, exigiu de seu pensamento muito mais do que um músculo é exercitado em
uma ginástica, sugou a sua energia e tempo e então, subitamente, vai embora. Tudo isso, luz-
escuridão-luz, durou cerca de cinco minutos.
A pior parte de ter depressão é que você sabe o quão ridícula é a sua situação.
Você sabe que aquilo já aconteceu uma vez. Você pode tentar utilizar de artifícios para distrair a
mente e espairecer um pouco mas, de alguma forma, você não enxerga uma saída. Feito um
pequeno monstro de estimação ela vem frequentemente para se alimentar e quando está saciada
volta a brincar.
Em momentos depressivos o mostro quer atenção integral e, como consequência, você se isola.
Uma ideia se instala em sua mente de que não há ninguém com quem buscar ajuda; que você é o
responsável por lidar com aquele monstrinho. A vergonha de – mais uma vez – estar naquele lugar
te impede de gritar socorro. Você pode olhar para o telefone e ainda assim não ter forças para
selecionar um contato e pedir ajuda.
Porém, feito uma bola de neve, cada vez que ela volta parece pior, o animal precisa de mais
alimento e sua alma vai se deteriorando. E então uma contestação: o silêncio piorou a situação.
Entenda, o humor do ser humano muda de acordo com a fase em que está vivendo. Em um mesmo
dia é possível sentir um espectro de emoções que varia de alegria à dor, do medo ao fracasso. Mas,
na depressão, não importa o que está acontecendo do lado de fora, por dentro é que está
desregulado.
Depressão não é o que você sente quando um parente morre, quando um amor se desfaz ou quando
o dia parece estar dando errado. A depressão é uma mente que está triste quando – aparetemente –
não há razão para tal. Depressão não é sinônimo de tristeza para perdas catastróficas. É muita
tristeza e por qualquer motivo.
Todos temos as nossas lutas e precisamos aprender a lidar com elas. O que um depressivo precisa
aprender é a tratar aquilo como uma visitante, não como uma hospede. Ela não faz e não deve fazer
parte de seu cotidiano. Não é algo para se domesticar, portanto, “não alimente os animais”. Deixe-o
morrer de fome.
Será preciso intervenção química, psicológica e espiritual.
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Para matar o monstrinho de fome, você é que precisa se alimentar. Você precisa consumir cultura,
entretenimento, alegria e muito, muito auto-conhecimento. A depressão fez com que eu conhecesse
o ser que habitava dentro de mim.
Você vai precisar cultivar amizades, aprender que outras pessoas podem caminhar ao seu lado e que
o monstrinho não deve possuir toda a sua atenção. Cultive fé. Deixe crescer perseverança e bom-
ânimo.
Pode parecer piegas, mas é exatamente uma atitude positiva com a vida que pode te tirar desse poço
aparentemente sem fim. E é claro, para começar esse processo uma coisa é essencial: assumir a
depressão.
Afastá-la e fingir que nada está acontecendo só a fortalecerá.
Não sinta vergonha de encarar isso. Não há problema algum em assumir a depressão. Não foi culpa
sua, ela é uma invasora e entenda que sim, é uma doença – que já foi diagnosticada, que atinge
muitas outra pessoas e que já possui tratamento. Você provavelmente precisará de ajuda e alguém
com quem conversar – que te entenda, que seja solidário, que abra o coração sem preconceito para
te ouvir e que abrace sua mão para buscar um tratamento adequado. E está tudo bem. De verdade.
E quanto aos remédios, o que é que tem? Não é um tratamento que visa trazer a felicidade mas sim
tornar a tristeza suportável para que você possa então perceber os pontos positivos de sua vida. E
acredite em mim quando eu digo que eles existem. Faça uma forcinha para percebe-los.
Mas lembre-se: ela é uma visitante, não uma moradora. Por mais bagunça que possa fazer, por mais
que atrapalhe a sua intimidade e te prive de fazer algumas coisas, ela um dia irá embora e você
novamente irá sorrir e, quando voltar, pare e reflita com bravura: o que eu posso aprender com essa
crise? É uma honra aprender, crescer e amadurecer dessa forma.

© obvious: http://obviousmag.org/vamos_falar_sobre_isso/2015/a-pior-face-da-
depressao.html#ixzz3cJyODGXs

A INSUSTENTÁVEL LEVEZA DE UM CORAÇÃO PARTIDO


publicado em sociedade por José Domingues
Você perdeu um grande amor?
Então leva consigo uma experiência única e necessária ao crescimento como ser humano. O fato em
si, aparentemente negativo, apenas nos torna mais fortes e preparados para enfrentar as
adversidades da vida.
Frases românticas, declarações amorosas e fotos de casais radiantes de felicidade movimentam as
redes sociais em junho, mês dos namorados. Porém, mesmo ambientado nesse cenário um tanto
shakespeariano, não dedico esta matéria aos enamorados, nem tampouco aos solteiros de plantão. O
assunto aqui é voltado àqueles que perderam um grande amor. Isso mesmo, os parágrafos seguintes
foram escritos para você, que está se sentindo solitário nessa multidão de corações apaixonados!
Numa época em que poemas e frases bombardeiam as redes sociais e os outdoors estampam
repetitivos slogans publicitários direcionados aos casais, é fazer justiça dedicar, alguns minutos
merecidos, digitando palavras solidárias aos corações partidos. E tais palavras, somente são válidas,
quando saídas de uma mente que vivenciou as mesmas experiências de alguém que perdeu um
grande amor.
Afinal, quem nunca se sentiu sozinho, mesmo na companhia de outras pessoas nessa época tão
romântica? Em um mês tão carregado de musicalidade, é gritante o vazio insustentável num coração
partido. Apesar da leveza do momento, até mesmo uma simples caminhada pelas ruas se torna
nostálgica quando nos deparamos com uma canção antiga ecoando pelas esquinas, trazendo-nos à
tona, turbilhões de lembranças relacionadas àquela pessoa tão especial. Isso sem falar daquele
aperto pungente no peito e da respiração ofegante, na ânsia de gritarmos aos quatro ventos: “Estou
aqui, amor!” – Qual a alma mortal que não passou (ou está passando) por essa sensação?
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Não quero ser piegas, mas, não estou falando daquela paixão que transita entre a balada e a cama.
Estou falando de um grande amor, pois ele existe, e, quem o nega, só pode ser comparado a um ateu
que ignora a existência de Deus. E, se você é uma dessas pessoas que acreditam que um grande
amor sempre acaba num final feliz, ao som da “marcha nupcial”, certamente deverá repensar sobre
o assunto.
Nada mais deprimente do que a ansiedade daquelas primeiras horas do dia, diante do telefone que
não mais toca naquele instante do “bom dia, amor!”, um ritual tão alimentado pelo casal. E no
intervalo do trabalho, quem nunca tentou dar uma “espiadinha” naquele perfil te encarando com
sorriso aberto, porém, estático, sem vida e inacessível?
“Para quem vou contar minhas tristezas ou minhas alegrias de cada dia?” “Quem vai ouvir com
tanto interesse aquela ideia maluca que, se contasse para qualquer um, logo seria taxada de
‘bobagem’?” – São essas as perguntas que se tornam importantes. São nesses momentos que
buscamos a todo custo, uma espécie de “soro do esquecimento” ou, até mesmo, um “guru” que nos
ofereça um alívio emocional. – “Foque no trabalho!” ou, “Procure sair mais!” – são as palavras de
praxe mais aconselhadas pelos amigos, porém, que não funcionam de forma alguma!

É aquela voz ecoando no silêncio, aquele perfume que emana no meio da multidão e te evoca na
mente a imagem de quem você tanto deseja ter ao lado. E as músicas que eram selecionadas a dois
como uma espécie de coletânea em homenagem aos bons momentos... Como esquecê-las? São esses
pequenos detalhes que destoam num cenário onde casais trocam presentes e juras de amor.
E, ao cair da noite, quando as estrelas oferecem um espetáculo aos enamorados, por outro lado, as
mesmas parecem tão distantes e inexpressivas aos solitários. Finalmente, quando é chegada a hora
de dormir, a Solidão, com seu manto frio e escuro, dá aquele abraço, afugentando Morpheus, e
convidando a Insônia para fazer companhia durante a madrugada... E, lá fora, uma canção faz-se
ouvir:
"Lembro de você/ Do seu cabelo ao vento/ Sua silhueta/ Ao fundo nascer do sol” (Guilherme
Arantes)

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partido.html#ixzz3cJyhSKBw
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SOBRE A SAUDADE QUE NÃO TERÁ FIM


publicado em recortes por Eliza Doré
Conviver com a perda de amigos e parentes queridos pode ser uma dificuldade quando não
compreendemos o sentido da vida. Somos feitos para nascer, viver e morrer.

A perda é um dos piores sentimentos pelo qual podemos passar. Mas a perda sem volta deixa a vida
num estado de inebria. A sensação é de que não fizemos nada para manter quem queríamos por
perto. A vida, essa chata, nos apresenta apenas uma condição: aqui se vive, aqui se morre. E então
devemos entender e aceitar que estamos em um ciclo, onde cedo ou tarde partimos para outro plano,
ou simplesmente deixamos de existir. Na terra ficam entes queridos, amigos e saudades, sempre
deixamos um pouco de nós.
Nada pior que um sentimento sem fim. No fundo, quando entramos naquele estágio de saudades
absurdas, e sabemos que as palavras “nunca mais” estarão no final de cada frase, sentimos que algo
está nos dizendo “tudo vai acabar bem, e um dia vamos nos encontrar”. É o meio que encontramos
de nos confortar, não há nada errado em acreditar que temos por perto o carinho daquela pessoa
especial.
Volta e meia escuto pessoas reclamando como estão ficando velhas, como se acabaram com o
tempo e que deviam ter aproveitado mais. Tenho vontade de lhes dizer: Aproveite enquanto está
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vivo, de graças a Deus que não morreu antes. A vida é essa mesma, um misto de despedidas
constantes e boas vindas aos poucos integrantes.

Dedico este texto a um grande amigo que perdi há anos, mas que nunca deixei de levar comigo.
Fazes parte da minha dor diária e de toda a saudade com a qual convivo.

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fim.html#ixzz3cJzB7wO4
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VÍNCULOS
publicado em recortes por Luciana Chardelli
Guarda compartilhada, alienação parental, abandono afetivo.
All we need is love

Imagem: Where the Wild Things Are


Grande parte das separações deixa cicatrizes, por mais elaboradas que sejam as partes envolvidas há
sempre um sentimento de rejeição, de falha, ainda que não seja verdade. É preciso distinguir a
verdade do real. Real é tudo o que acontece, e distingue-se da verdade. A verdade talvez não possa
durar, mas pode permanecer. Por exemplo, o fato de ter recebido flores, de viver, de amar alguém, é
real. Quando as flores murcharem, quando eu morrer, quando eu deixar de amar, já não será real.
Mas continuará sendo verdade que tudo isto existiu. Portanto há que se compreender que uma
separação não se aproxima de um sentimento menor, mas sim da constatação da real condição da
vida e de sua impermanência, bem como da constatação da verdade de um amor vivido.
Quando o luto pelo fim do relacionamento não é vivenciado de forma adequada e respeitosa, tem
início um processo amargo de descrédito do ex- companheiro e, infelizmente, muitas vezes o filho
torna-se o projétil da arma.Tornam-se instrumentos de um agressividade direcionada. O filho é
levado a afastar-se de quem o ama, em uma destruição lenta e perniciosa do vínculo afetivo.
A dissolução dos vínculos afetivos e o rompimento da vida conjugal dos pais não deve
comprometer a continuidade dos vínculos parentais. É imprescindível manter os laços de
afetividade, diminuindo os efeitos que a separação acarreta nos filhos.
A guarda compartilhada, que não deve ser confundida com a convivência alternada, pode
demonstrar aos filhos, na prática, a máxima: “seu pai/mãe separou-se de mim não de você.” A
guarda compartilhada elimina a figura da visitação. Pai ou mãe não é e não pode ser visita. E mais,
o direito de visita não encontra limites entre pais e filhos. A criança e o adolescente merecem
conviver com todos os que fazem parte de sua história. O menor precisa ser enriquecido de
referências e experiências. Padrinhos, tios, irmãos avós não podem desaparecer quando um
casamento acaba. Uma relação afetiva verdadeira não termina porque foi modificada. Laços
afetivos não podem e não devem ser desatados apenas porque algumas coisas mudaram. Separação
não é sinônimo de abandono afetivo; abandono afetivo é desprezo e desprezo é sempre injusto.
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“ Nossa vida é tão vã, que não é senão um reflexo de nossa memória”, dizia Chateaubriand.
Que nossa vaidade seja menor que nosso amor. Que nosso julgamento seja menor que nossa
compreensão. Que nosso amor seja maior que nossas mágoas. Que nossos filhos possam ter todas as
memórias que lhes são de direito.

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É PRECISO DIZER "NÃO"


publicado em sociedade por Veruska Queiroz
O "Não" é tão natural quanto o sim ou quanto o talvez e mais uma infinidades de palavras que
usamos para expressar mais concretamente nossas vontades. Mas, na prática, o "não" é sentido
como quase como uma ofensa, como se o outro não tivesse o direito de dizê-lo. E porque não?
Claro que sempre se faz necessário levar em conta a educação no tange à polidez e à maneira de
dizer, mas a educação deveria ser regra básica de civilidade em tudo na vida. O "não" é apenas um
direito do outro de não querer algo. Por delicadeza, acompanhado de "muito obrigado(a)", deve
sempre participar da vida de todos, pois é – ou deveria ser – algo natural da vida de todos.

O "não", assim como o "sim" é uma escolha. Para dizermos "não", naturalmente algo ficará para
trás, como em toda escolha. Mas sendo uma escolha, o "não" traz para cada um a responsabilidade
por sua vida, por seus quereres e não quereres e, principalmente, diz ao mundo que a vida que
pertence aquele ser humano tem alguém no controle, ele mesmo. O "não" é tão natural quanto o
sim. É um direito que todos temos de nos expressarmos para dizermos que não queremos algo, que
não estamos satisfeitos com algo, que não vamos fazer algo, que não. E ponto. Mas, muitas vezes
ele é sentido como uma ofensa, como uma recusa levada para o lado pessoal daquele que o escuta e
muda a configuração do que é e deveria ser normal na vida de todos.
Dentro deste contexto, o "não" pode até desestabilizar momentaneamente, alterar a ordem, fazer o
psiquismo trabalhar em cima da elaboração da frustração para criar novas possíveis saídas para o
temporário desequilíbrio das certezas - e incertezas. O "não" trabalha com nossas limitações, mas
também - e sobretudo - trabalha com nossas capacidades de superação, renovação, inovação e
recriação. O "não" deveria ser visto positivamente – ou pelo menos, não negativamente. O "não"
pode nos trazer um desconforto momentâneo e temporário. Mas o "não" é, exatamente por isso, um
ponto de viragem, mas é também uma instância de limites. Para quem ouve é a hora de reinventar-
se. Para quem diz pode significar necessidade - ou mesmo uma imposição saudável - de delimitação
de espaços ou até libertação.

Seja como for, o "não" - desde que não signifique autoritarismo, narcisismo e um meio de exercer o
mau poder, a humilhação e o controle que retiram a liberdade de uma pessoa e que desapropriam o
ser de si mesmo - retira para recolocar depois, o que grita necessidade de mudanças, tanto para
quem o diz, quanto para quem o ouve. Dizer "não" ao outro é, muitas vezes, dizer sim a si mesmo.
É preciso coragem, maturidade e muita responsabilidade, mas quem já descobriu-se, quem já travou
todas as suas lutas – internas principalmente - venceu todas elas e conquistou o que de maior um ser
humano pode conquistar e ter, que é pertencer-se a si mesmo, não tem medo do "não". Nem de
dizer, nem de ouvir e o entende como algo natural da vida, como a própria vida com tudo o que ela
nos traz.
O "não positivo", por sua natureza, coloca limites necessários para que as relações respirem e para
que cada um possa viver sua individualidade sem ser invadido, violentado. O "não" determina
espaços. O "não" é um balizador de éticas e caráter. O "não" é, assim como o "sim", um
representante do desejo. O "não" impede que excessos sejam cometidos, impede que os privilégios
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sejam vividos como direitos por quem não tem ética, bom senso e não respeita nada, ninguém e
nem a si mesmo e mostra a esses – nem sempre de uma forma suave - que os direitos são a colheita
de quem plantou deveres como eles devem ser plantados, ou seja, com ética, respeito, dignidade,
hombridade e honradez.
É preciso dizer "não". Dizer não ao que nos incomoda, dizer não ao que não queremos, dizer não ao
que nos sufoca, dizer não ao que nos invade sem nossa permissão, dizer não ao que nos violenta
como seres humanos, dizer não ao que não concordamos e temos, muitas vezes, de dizer sim para
nos proteger, para continuarmos a "fazer parte do sistema". Qual sistema? O sistema que retira
nossa principal condição de ser humano que é sermos livres? NÃO, muito obrigado(a). É preciso
dizer não quando se quer dizer não, pois o não é uma escolha e um direito como tudo na vida e é
preciso também saber lidar com as consequências, tomando para si a responsabilidade pelos
caminhos que surgirão a partir daí, pois é preciso caminhar. Mas, para isso é preciso dizer não tanto
quanto dizer sim para escolher qual caminho seguir.

O "não" modifica e vivifica. O "não" mexe com as vísceras, pode mexer com o orgulho de muitos,
mas promove a saúde do corpo inteiro – quando o psiquismo também é saudável, pois sabemos que
o "não", para algumas pessoas, não muda nada, pois o psiquismo delas funciona diferente. Quando
o "não" vivido por um psiquismo saudável mexe, balança e sacode todo o nosso ser, ele é um ponto
de construção. É neste momento que ele se converte em sim. O sim que nos faz donos de nossos
desejos, donos de nossa estória, donos de nossas escolhas, donos de nossas vidas.

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nao.html#ixzz3cJzyEcaX
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PROCURO MULHERES RODADAS


publicado em sociedade por Eduardo Lima Cabral
"Eu não mereço mulher rodada". É, o amigo da foto segurou um cartaz infeliz e, por conta de
montagens, disseminou 'sem querer' uma mensagem que ninguém diz acreditar, mas se cai no
anonimato, todos se mostram conservadores, preconceituosos e afins. Somos todos contra o
Bolsonaro, mas ele esta eleito, gritando homofobia e esbanjando racismo - quem elegeu? Nunca
ninguém de nós. Pois bem, vamos voltar ao básico, as mulheres, e ao básico do básico, o machismo
e a hipocrisia diária do nosso dia-a-dia. Eu procuro mulheres rodadas sim, e explico:


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Eu mereço mulher rodada. As rodadas que conheci até agora são as que mais tem assunto, as que
tornam o jantar sempre em algo de segundo plano, as que prendem pelo que falam, pelo corpo, pela
boca - foda-se, estas podem prender e devem, como qualquer uma, prender como quiser.
As mais rodadas tem sempre bagagem, são decididas, se posicionam, já viveram muito - não pela
idade, até porque, idade não é sinônimo de nada, mas sim por terem tido experiências. Conhecem
tudo, já viram muitos filmes de moleque se fantasiando de homem, já sabem e ter um radar forte
para os típicos machistinhas que sobrevivem se transvestindo de alternativo com discurso liberal em
prol de objetivos pessoais e o caralho todo.
Geralmente, mulher que não roda por aí acaba por ficar parecida com uns amigos meus, que passam
o dia coçando o saco, apesar dos mais de 30 aninhos nas costas, ainda vivem pegando troco no
bolso do pai para pagar de rei do camarote em festinhas semanais, cheio de djs descolados e bebidas
caras só para depositar todas as mágoas de nunca conseguirem ajeitar a própria vida, rodar por aí e
de, também, arrumarem uma mulher rodada - o que é do caralho.
Homens e mulheres que acham um absurdo este falso rótulo de 'ser rodada(o)' são, certamente, os
mesmos que ligam para o BBB e ficam aflitos na votação, são os que não sabem a diferença entre
voto nulo e branco, muito provável que apoiam o Levy Fidelix, partilham imagens que brigam pelo
direito de se ter um 'dia do orgulho hétero' e, certeza, nunca tem vocabulário, ou bom repertório
para quase nenhum assunto que não seja aquele em caixa alta e destaque de mídia.
Se você acha que sua mãe só namorou o seu pai, que sua namorada, noiva, avó, tia ou irmã nunca
fez sexo com mais de 10, 20, 40 parceiros - seja no carro, na rua ou durante o banho, bem,
querido(a), marca um dia na sua agenda que o mundo precisa descer uma rodada de realidade para
você.
Sou rodado pra caralho e também espero ter sorte de continuar e ter mulheres rodadas me cercando
e cruzando sempre. Afinal, se apegar a bosta de um rótulo machista e hipócrita em pleno 2015 é
deixar o quão claro que a porra do Bolsonaro representa SIM boa parte da sociedade e que - por
incrível que pareça - quando questionados, nunca tem um de nós no meio, é sempre o outro, mas
uma hora precisamos ser o outro: somos todos 'o outro'.
Por uma geração que assuma mais aquilo que fala em público e pratica na vida.

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rodadas.html#ixzz3cK0naRIq
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ESPELHO, ESPELHO MEU, EXISTE ALGUÉM MAIS SOLITÁRIO DO QUE EU?


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publicado em sociedade por Valter Geronimo Camilo Junior


Zygmunt Bauman está certo: vivemos em uma época de liquidez, de volatilidade, de incerteza e
insegurança.

Cena do filme
Her, de Spike Jonze
Amor líquido, modernidade líquida, relacionamentos líquidos. Tudo é passageiro, tudo é relativo.
Zygmunt Bauman está certo: vivemos em uma época de liquidez, de volatilidade, de incerteza e
insegurança. Observamos uma estrema fragilidade dos laços humanos.
Em tempos de vídeos virais, de contatos virtuais, de relacionamentos efêmeros, de consumo
desmedido, de assuntos tão banais, a solidão permanece uma constante. Solidão que nos
acompanha. Solidão que não é medida pela quantidade de likes, ou pelo número de comentários em
uma nova foto no Facebook.
Solidão que nos pega de surpresa, enquanto contemplamos mais uma ruga, depois de uma semana
de insônia, de doses cavalares de café, de estresse e raiva e angústia e saudade. Saudade do tempo
em que a felicidade era coisa comum no mundo.

Cena do filme Medianeras


A pior solidão é aquela que sentimos quando estamos em grupo. Não é preciso estar só para se
sentir sozinho. Cada um no seu pequeno planeta, ilhado por fones de ouvido, mensagens de texto,
compromissos agendados.
O despertador toca e o Sr. Ninguém levanta para mais um dia de trabalho. "Espelho, espelho meu,
existe alguém mais solitário do que eu", se pergunta. Ninguém responde.

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alguem-mais-solitario-do-que-eu.html#ixzz3cK10uYLa
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OS AMORES INVENTADOS
publicado em recortes por Thaísa Rochelle
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Tenho tanto sentimento


Que é freqüente persuadir-me
De que sou sentimental,
Mas reconheço, ao medir-me,
Que tudo isso é pensamento,
Que não senti afinal. [...]
(Fernando Pessoa)

Faz alguns anos que eu vi em algum lugar na internet a frase: “apaixone-se quando estiver pronto,
não quando estiver solitário”; alguns atribuem a Caio Fernando de Abreu a autoria dessa frase,
outros a escrevem colocando na autoria nomes de outras pessoas, eu não sei ao certo quem a
escreveu, mas isso não vem ao caso agora. Na época em que li essa frase não a enxerguei com tanto
significado como a enxergo hoje, depois de tantos tumultos, inconstâncias, e depois de ser jogada de
um lado para o outro pelo meu próprio coração.
Quando estudei Freud na faculdade eu conheci um mecanismo psicológico chamado projeção. A
projeção acontece quando enxergamos nossos próprios ideais, pensamentos, desejos, sonhos e até
sentimentos indesejáveis em outras pessoas. Praticamos a projeção rotineiramente, sem nos darmos
conta. Quando realmente compreendi esse conceito, percebi que eu era mestra em projeções na área
amorosa da vida, foi ai que a frase que citei acima passou também a fazer um sentido enorme para
mim.
Solidão e tédio, duas coisas que parecem nos sufocar devagar. Sábado à noite, duas comédias
românticas assistidas, comida descongelando no fogão, moletom surrado, e você decide ligar para
aquela pessoa, ela tinha um papo desinteressante logo na primeira conversa, mas quem sabe, você
precisa falar com alguém. Três semanas depois essa pessoa vira o único ser humano que te entende
no mundo e o único que consegue te tirar do fosso da solidão quando você, sem querer, cai nele.
Talvez você tenha projetado o que queria momentaneamente naquela pessoa; talvez ela seja
incrível, goste de te ouvir, tenha um abraço aconchegante, olhar apaixonado e talvez não, talvez seja
um amor inventado, fruto da monotonia e da solidão.
Há quem pense que essa é uma visão extremamente pessimista do amor, mas o amor inventado, a
paixão inventada, tem lá suas belezas também. Como já dizia Cazuza, “adoro um amor inventado”.
Gostamos, gostamos de achar justamente o que procuramos naquele momento, só há um ponto
negativo: a parte em que nos damos conta, ás vezes inconscientemente, que nosso amor está
encharcado de projeções, que a pessoa por quem nos apaixonamos não existe de acordo com todas
aquelas características pensadas. Descobrimos assim, de repente, como se fosse uma certa epifania,
levamos um tombo, os pensamentos se embaralham, um nó é feito. A parte boa é que degustamos a
ilusão, que, quando está pré-fabricada, pode ser doce. Com a parte amarga, crescemos. Foi com a
parte amarga da ilusão que eu fiquei sabendo sobre amores inventados e, assim, estou escrevendo
este texto agora.
Minha fase de amores inventados foi uma montanha russa, uma aventura cega. Seguramente, quero
agora me aventurar em amores de verdade, e com a expressão “amores verdadeiros” quero dizer
“apaixonar-se por alguém não porque quero me apaixonar, não porque disseram que tenho que me
apaixonar, porque me sinto solitária todos os finais de semana. Quero me apaixonar
involuntariamente, sem ficar sabendo antecipadamente”. Desejo isso pelo bem do meu coração e
pelo bem do coração de quem me “apaixono”. Gostar de alguém porque ele te completa ou porque
ele te vira do avesso e você nem sabe, gostar sem querer, sem ter nenhuma razão, em um primeiro
momento. Um amor inconsciente, isso é loucura? Acredito que no momento em que a solidão é
aceita e vista até de um ângulo positivo, quando somos libertos das amarras sociais, de opiniões
alheias, quando aceitamos nossa vida e nossa maneira de estar no mundo, os amores idealizados e
cortantes param de aparecer com tanta frequência.
Mas impossível é fugir a vida inteira dos amores inventados, você nunca sabe quando irá encontrar
um na próxima esquina, no barzinho em uma sexta de tédio, na internet, mesmo que ele more do
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outro lado do mundo. Eles são iminentes, a única maneira de sobreviver a eles é encontrar um
ganho pessoal ou uma beleza em cada um. Não há como escapar porque a vida inventada e a vida
real sempre se esbarram dentro da gente. Parafraseando o poema Tenho tanto sentimento, de
Fernando Pessoa, “todos temos duas vidas, uma que é pensada e outra que é vivida, qual a certa e
qual a errada, ninguém nos saberá explicar”.

© obvious: http://obviousmag.org/sutilezas/2015/06/os-amores-inventados.html#ixzz3cK1D0XuJ
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