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Os Regimes Democrdics: Fregiliade, Continidadee Transformabildade Ferree, Maurizio Anton Hemerjck e Martin Rhodes, Futuro de Europa Soca: Repenser 0 Trabalho ea Protec Socal na Nova Economia Fitouss, Jean-Paul, eFierre Rosanvallon, A Nove Era des Dsigualiads (1 reimpressio) Fortuna, Carlo (org.), Cidade, Cultura eGlobliagao:Ensios de Sociologia Fortuna, Carlos, lentiades, Percurss,Paisagens Culturnis Estudos Sovolgios de Cultura Urbana Giddens, Anthony, As Consequéncias de Modernidade (42 edigho) Giddens, Anthony, Dualidage da Estrutura Giddens, Anthony, Modernidadee Identidade Pessoal (2 edicGo) Giddens, Anthony, Para Além da Esquerda eda Dirita: Futuro da Poli Raia (1 reimpressio) Giddens, Anthony, Politics, Sociologia eTearia Seca: Confrontas com o Pensamento Socal Ciscoe Contemporines Giddens, Anthony, Transformagées da Intimidade:Sexualidade, Amar e Erotimo nas Socetades ‘Madernas (2° edigha) ober, Josep R., 0 Deus da Moderidade0 Desenvelimento do Nacionaiomo na Europa Ocidental Mozsieafred, Juan, Estdo-Providénci ¢Ciddania ent Portugal (2 eigao) Rodrigues, Maria de Lurdes, Os Engen em Portugal: Profsionlizaro eProagonismo Rodrigues, Maria de Lurdes, Sociologia das Profssdes ‘Viegas; José Manuel Leite, e Anténio Firmino da Costa (ongs), Portugel, Que Madernidade? 2 edigto) Viegas, José Manuel Leite e Eduardn Costa Dae (org), Cidadani, Integra, Globo Waters, Malcolm, Globalizagao de Benicio ULRICH BECK, ANTHONY GIDDENS E SCOTT LASH Ee MODERNIZACAO REFLEXIVA, POLATICA, TRADICAO E ESTETICA NA ORDEM SOCIAL MODERNA ‘Tradugio de Maria Amélia Augusto CELTA EDITORA ‘OEIRAS / 2000 (© Ubich Beck, Anthony Giddens e Scott Lash, 1994 Ulrich Beck; Anthony Giddens e Scot Lash Modernizagio Reflexiva: Politica, Tadigho e Estética na Ordem Social Moderna Primeira edigio: Outubro de 2000 ‘Tizagem: 1000 exerplares ‘Tradusio do inglés: Marla Amélia Augusto ISBN: 972.774.082-0 ISBN da ecto original: o/abe-tz7-4, Polity Press, Cambridge Dapsit legal: 15879/00 ‘Composigio (em caracteres Palatino, corpo 10) Celta alitora (Capa: Mario Vaz / Arranjo e imagem: Paula Neves Impressao e acabamentos: Tipografia Lousanense, Lda, Portugal Reservatdos todos os direitos para Portugal eos PALOP, ‘de acordo com a lgislagso em vigor, por Celta Editora, Lda, Apartado 151, 2781-901, Ociras [tel 21 4417498 / fan: 31 4467304 / e-mail celtgeditora@malelepac pt). iNDICE Prefaécio Areinvencao da politica . Ulrich Beck Viver numa sociedade pés-tradicional oe) Anthony Gidiiens Areflexividade e os seus duplos 105 Scott Lash 165 Réplicas e critica... Ulrich Beck, Anthony Giddens, Scott Lash PREFACIO Aideia deste livro foi originalmente sugerida por Ulrich Beck. Scott Lash lec- cionow por algum tempo na Alemanha, pelo queele e Beck acabaram por des- cobrir pontos comuns nos seus trabalhos. Giddens e Beck s6 mais tarde de- senvolveram uma correcta compreenséo das obras um do outro, Logo que este intercambio em trés direccdes foi estabelecido, daqueles que eram origi- nalmente corpos de investigacao separados, emergiram convergencias noté- veis. Estas convergéncias aglutinaram-se em torno de alguns temas domi- nantes, Areflexividade —ainda que esta seja entendida de um modo algo di- ferenciado pelos trés autores — é um dos mais significativos. O prolongado debate sobre a modernidade versus pés-modemidade tornou-se, para todos 165, cansativo. E tal como aconteceu com muitos debates deste género, ac: bou por produzir muito pouco. A ideia de modernizacio reflexiva, indepe dentemente do facto de usarmos ou nao o termo, quebra o estrangulamento que estes debates colocaram a inovacio conceptual. ! Annogio de destradicionalizacao, devidamente entendida, é 0 segundo tema em comum. Falar actualmente de destradicionalizacao pode parecer, & primeira vista, algo estranho, sobretudo se tivermos em conta a énfase posta no reavivar da tradigao por parte de algumas formas de pensamento pés-mo- demo. No entanto, falar de destradicionalizacao néo é o mesmo que falar numa sociedade sem tradicdes, Pelo contrério, o conceito refere-se a uma or- dem social em que a tradigao muda o seu status. Num contexto de cosmopoli- tismo global, as tradiges sto hoje chamadas para se defenderem a elas mes- mas: elas so, rotineiramente, objecto de interrogacio. Particularmente im- ortante, no que respeita a este tema, é a exposicao do “substracto oculto” da modernidade. Este envolve tradicdes que afectam o género, a familia, as co- ‘muunidades locais e outros aspectos da vida quotidiana, que se véem assim ex postos e alvo de debate puiblico. As implicagées so, simultaneamente, pro- fundas e de abrangencia mundial Apreocupacao com as questées da ecologia é0 terceiro tema em comum, vi MODERNIZACAO REPLERWVA da que, também aqui, existam divergéncias entre nés, concordamos que as|quest6es ecolégicas néo podem ser simplesmente reduzidas a preocupa- Ops para com o “ambiente”. O “ambiente” soa a um contexto externo da ac- humana. Mas, se as quest6es ecol6gicas tomaram a dianteira, tal deve-se 20 facto de o “ambiente” jé nao ser algo externo & vida social humana, e sim inpletamente impregnado e reordenado por ela. Se é que os seres humnanos alguma vez souberam o que eraa “natureza’”, hoje, jd ndo 0 sabem, O que era nafuralesté hoje tio completamente enredadocomo que ésocial” que, nesea la, nao podemos ter nada por garantido. De um modo semelhante a0 que acenteceu a muitos aspectos da vida regidos pela tradicéo, a “natureva” {rapsforma-se em dreas de acco, éreas em que o8 seres hutnaitus tem qute O- it decis6es praticas e éticas. A “crise ecoldgica” abre uma série de questoes, essencialmente relacionadas com a plasticidade da vida social de hoje: a ret. rada do “destino” de varias éreas da nossa vida social. Os paradoxos do conhecimento humano, que tanto alimentaram as visdes ‘P6y-modemas — normalmente relacionados com o legado da epistemologia — lem agora ser compreendidos em termos sociolégicos mais mundanos. O srundo social e 0 mundo natural estio, hoje, completamente infundidos pel conhecimento humano reflexivo; mas, tal nio conduza uma situagao em us, colectivamente, somos mestres clo nosso préprio destino, Pelo contrério, © fijturo parece-se cada vez menos como passadoe tornou-se assustador nal. dos seus aspectos mais basicos, Enquanto espécie, jénao temos garanti- nossa sobrevivéncia, mesmo a curto prazo—e tal é uma consequéncia Inossas préprias acces, enquanto humanidade colectiva. Amoco de “ris- \¢ hoje central na cultura moderna, precisamente porque grande parte do ‘pensamento é do tipo “se.... entao”. Temos, em muitos aspectos da nos- ida, quer individual quer colectiva, métodos para construir potenciais f- , sabendo, no entanto, que essa mesma construcéo pode impedi-los de chegar a acontecer. Novas éreas de imprevisibilidade s40 muitas vezes cria- das pelas proprias tentativas que visavam o seu controlo. E nestas circunstancias que ocorrem grandes transformagées na vida idiana no tipo da organizagao social ena estruturacdo de sistemas globais As fenciéncias que se dirigem para o intensificar da globalizagao interagem com a vida quotidiana, condicionando as mudangas que se operam a esse ni- vel. Hoje, muitas das mais influentes mudangas ou decisdes politicas nao deri- vam da esfera ortocoxa da tomada de decisio, 0 sistema politico formal. Em vez Hisso, moldam eajudam aredefinir o carécter da ordem politica ortodoxa, Da andlise destas questdes surgem consequéncias politicas praticas, Entyenés, diferimosnos nossos diagndsticos sobre quais paderdo ser estas ra- mifikagdes politicas. No entautlo, todos reeitamos a paralisia de vontade polt- tica presente nos trabalhos de alguns autores que, seguindo a dissolugao do sociplismo, nao véem espaco para programas politicos activos. A verdade é gue se pa ‘completamente 0 contrério. O mundo de wma reflexividade PREFACIO * desenvolvida, onde a interrogagao das formas sociais se tornou lugar co- mum, é um mundo que estimula a critica activa. O formato deste livro é 0 seguinte: cada um de nés escreveu, de um modo independente, um ensaio substancial em torno dos aspectos relaciona- dos com a modemnizacao reflexiva. Ainda que nao tenha sido feita qualquer tentativa de conciliar as nossas diferengas, os trés ensaios foram guiados pe- las perspectivas comuns antes mencionadas. Posteriormente, cada um denés realizou anélises criticas as contribuicbes dos outros. Estas aparecem no fim da obra, com a mesma sequencia dos ensaios da primeira parte Ulrich Beck Anthony Giddens Scott Lash Capitulo 1 AREINVENCAO DA POLITICA Rumo a uma teoria da modernizacio reflexiva Ulrich Beck Introdugdo: 0 que significa a modernizacio reflexiva? Qanode1988 ficard para ahist6ria, parece justo prevé-lo, como a data simbo- lica que marca o fim de uma épocat" Estamos hoje conscientes de que 1989 foi o.ano em que o mundo comuunista ruiu de forma inesperada. Mas, seré que é {sto qué ird ser lembrado daqui a cinquenta anos? Ou sera que o colapso dos Estados-nagdo da Europa oriental e central ird ser interpretado de forma simi- Jarao assassinato do Arquiduque, em Sarajevo? Apesar da sua aparente esta- Dilidade e do seu Estado auto-indulgente, ¢jé claro que o Ocidente foi afecta- do pelo colapso do Leste. “As instituig6es afundam-se no seu proprio suces- so” declarou Montesquieu. Uma afirmacao enigmética, mas excepcional- mente actual. © Ocidente vé-se confrontado com questées que desafiam as principais premissas do seu sistema social e politico. A questao-chave com. que nos defrontamos, actualmente, éa de saber até que ponto a simbiose his- CGrica entre o capitalismo e a democracia, que caracterizou o Ocidente, pode- 4 ser generalizada a uma escala global, sem desgastar os seus fundamentos fisicos, culturais e sociais, Sera que o regresso do nacionalismoe do racismo Europa ndo poderd ser entendido, precisamente, como uma reaccao a0 pro- cesso de unificagio global? Nao deverfamos, aps fim da guerra fria eda re- descoberta das amargas realidades da “convencional” arte da guerra, chegar &conclusao de que temos que repensat, ou melhor, de reinventara nossa civi- lizacio industrial, agora que o velho sistema da sociedade industrial se des- ‘como resultado do seu proprio sucesso? Nao estardo novos contra- a espera para nascer? 1 Este text trata, de forma muito resumida,o argumento do meu lveo Die Erfindung des Politichen, Frankfurt, Suhrkampf, 1993. Agradeco a Elisabeth Beck-Gernsheim, Wolf- {gang Bonss,Cristoph Lau, Ronald Hitzler Elmar Koenen, Maarten Hjere Michaela Pla- modemizacio simples (ou ortodoxa) significa, no fundo, primeiro o des- comtextualizar e segundo o recontextualizar das formas sociais tradicionais pel a du} es beh s formas industriais,entao, a modernizacao reflexiva significa primeiroa contextualizagao e segundo a recontextualizac3o das formas sociais in- ais por outto tipo de modemidade Assim, em virtude do seu inerente dinamismo, a sociedade moderna) Imodificar as suas formagbes de classe, de status, de ocupacio, os papéis senuais, a familia nuclear, a industria, os sectores empresariais e, claro, tom. 05 pré-requisitos e as formas do natural progresso tecnoecondmico. Esta oVa fase, na qual o progresso se pode transformar em autodestruiczo, na eu 2 gud! um tipo de modemizagio corta e transforma outro tipo, é aquela a que shamo fase da modernizagao reflexiva. “mag tind sca aera ee ery ni cum Gnas ig aa eae ght yo Pe feces pec eho et loa tae ocho a ats cles hy Goa Dons A amet: ey ie ten aan ca otc Or fed cet ey he en ota cio cna ci mem care intvoioear rey faanga meare amen oan Way Sante oy Seer. Ti ase rt Soe eran pas Gens ecu en oi [AREINVENCAO DA POLITICA 3 Aideia de que o dinamismo da sociedade industrial destréi os seus pré- prios fundamentos, relembra a mensagem de Karl Marx de que o capitalismo €0 seu proprio coveiro, mas, no entanto, significa outra coisa bastante dife- rene. Primeiro, e repito, a nova forma social no € produzida pelas crises, mas sim pelas vitorias do capitalismo, Segundo, isto significa que o que esta dissolveros contomnos da sociedade industrial nao é a luta de classes, massim amodernizacdo normal e a modernizagio avancada, Aconstelagdo que esté a surgir, como resultado de tudo isto, também nao tem nada em comum com as (por agora falhadas) utopias da sociedade socialista. O que se afirma é que o dinamismo industrial de alta velocidade est4 a dar origem a uma nova socie- dade, sem prinitiva explosio de uma revuluyao, escapando aos debates po- 08 ¢ as decisdes parlamentares e governamentais. Entdo, é suposto que a modemizacio reflexiva signifique que uma mu- danga na sociedade industrial, a qual ocorre sub-repticiamente e de modo nao planeado no acordar de uma modernizacéo normal, atitonomizada, ¢ com uma ordem politica e econémica intacta nao transformada, implique o seguinte: uma radicalizagto da modernidade, o que quebra os contornos e as premissas da sociedade industrial e abre caminho a uma outra modernidade. Aquilo que se afirma é exactamente o que era considerado fora de ques- 20, num antagonismo unanime, pelas duas principais autoridades da mo- dernizagao simples, os marxistas ¢ os funcionalistas, ou seja, uma nova socie- dade substituiré a antiga sem que haja uma revolugdo. O tabu, que deste ‘modo quebramos,é a técita equiparacao da mudanga social alaténcia ea ima- néncia. A ideia de que a transicao de uma época social para outra pode ocor- rer de forma nao intencionada e apolitica, escapando a todos os féruns de de- cis6es politicas, as linhas de conflito e as controvérsias partidarias, contradiz tanto o auto-entendimento democratico desta sociedade, como as convicgoes fundamentais da sua sociologia. ‘Na visio convencional, séo sobretudo os colapsos e amargas realidades que assinalam as revoltas sociais. No entanto, nao tem que ser assim. A nova sociedade nem sempre nasce com dor. O que produz uma mudanga primor- dial no tipo dos problemas, na relevancia e na qualidade da politica, néo é apenas acrescente pobreza, mas também crescente riqueza ea perda de um Leste rival. Nao sdo apenas os indicadores de colapso que podem libertar a tempestade que ird fazer navegar ou arrastar a sociedade industrial rumo a uma nova época, mas também o forte crescimento econémico, 0 rapido de- senvolvimento tecnoldgico e a grande seguranga no emprego. Amaior patticipagéo das mulheres em trabalhos fora de casa, por exem- plo, é bem vinda e encorajada por todos os partidos politicos, pelo menos a0 nivel do discurso, stas Lambém conduz a uma alteracao no ritmo lento da tra- dicional situacao ocupacional, politica e privada. A flexibilizagio temporal e contratual do trabalho assalariado é defendida e avancada por muitos, mas esta quebra as velhas linhas de fronteira entre o trabalho e 0 nao trabalho. 4 MODERNIZAGKO REFLEIVA Précisamente porque tais pequenas medidas, com grandes efeitos cumulati- vob, néo chegam com fanfarras, votos controversos no parlamento, antago- nigmos politicos programéticos, ou sob a bandeira da mudanca revolucioné- rio] a modernizacao reflexiva da sociedade industrial ocorre em pontas de pét, despercebida para os socislogos que, sem questionar, continuam a reco- Ihgr dados sobre as velhas categorias. A insignificancia e a familiaridade das mijdancas, e muitas das vezes, o seu desejo, escondem o seu potencial de tshsformacto sci Mais ainda, acredita-se que nfo podem produzi algo quplitativamente novo. Odesejado + 0 familiar = a nova modernidade. Esta f6rmula parece suspeita e paradoxal ‘A modernizagio reflexiva, enquanto modemizacdo a larga escala, livre e trensformadora da estratura, merece mais do que a curiosidade filantrépica como uma espécie de “nova criatura”. Esta modernizacao da modernizacao 6 também, politicamente, um fenémeno importante que requer a maior atenséo. Por um lado, implica insegurancas profundas, dificeis de delimitar, de toda uma jedade, com lutas entre facgdes a todos os niveis, também elas dificeis de deli- mitar. Ao mesmo tempo, a modemizacio reflexiva abarca apenas um dinamis- aa oe ne de on a oe opjstas. A isto se junta, em varios continentes e grupos culturais, o nacionalis- ‘mb,a pobreza em massa,o fundamentalismo religioso de varias facgbese credos, as|rises econémicas e ecol6gicas, as possiveis guerras e revolugdes, sem esque- cef 08 estados de emergéncia produzidos por acidentes catastr6ficos; ou seja, 0 ipamismo conflituoso da sociedade de risco, no sentido mais restrito. ‘Amodernizacio reflexiva deve ser analiticamente distinguida das cate gdrias conyencionais da mudanea social — crise, transformagdes ¢ revolu- dks sociais —, mas também pode coincidir com estas conceptualizagses tra~ difionais, favorecendo-as, sobrepondo-se-Ihe e intensificando-as. Assim sen- dq, temos que formular as seguintes questées: Primeiro, que tipos de crise social resultam da modemnizagio reflexiva, wb que condigoes? Segundo, que desafios politicos esto relacionados com os desafios re- fdxivos e quais s40, em principio, as respostas concebiveis? Terceiro, qual é 0 significado e a implicacao das sobreposigées da moder- nipagio reflexiva com desenvolvimentos antagénicos — prosperidade e segu- a social, crise e desemprego em massa, nacionalismo, pobreza mundial, letras ou novos movimentos migratérios? Como devera, entao, ser descodi- fidada a modernizacao reflexiva em constelacées contradit6rias numa compa~ raffo internacional e intercultural? Serd que a modeinidade, quanelo aplicada a si prépria, contém a chave a o seu autocontrolo e autolimitacao? Ou sera que essa abordagem apenas liferta mais um redemoinho no turbilhao de acontecimentos sobre 0 qual jé ngo existe qualquer controlo? |AREINVENCAO DA FOLITICA 5 « Autocritica da sociedade do risco Qualquer pessoa que conceba a modernizagao como um processo de inova- fo autonomizada, deve contar como facto de mesmo a sociedade industrial se tornar obsoleta. O outro lado da obsoloscéncia da sociedade industrial é a emergéncia da sociedade do risco, Este conceito designa uma fase de desen- volvimento da sociedade moderna na qual os riscos sociais, politicos, econd- micos e individuais tendem, cada vez-mais, a escapar as instituicoes de moni- torizacio e protecgao da sociedade industrial. Podem ser aqui distinguidas duas fases: a primeira, um estédio no qual 0s efeitos ¢ as auto-ameagas so sistematicamente produzidos, mas nio se tomam assuntos publicos, nem o centro de conflitos politicos. Aqui, o auto- conceito de sociedade industrial ainda predomina, multiplicando e “legiti- mando” as ameacas produzidas pela tomada de decis6es como “riscos resi- duais”(a “sociedade do risco residual”). Nasegunda, emerge uma situacéo completamente diferente, quando os perigos da sociedade industrial comecam a dominar os debates e 0s contlitos iiblicos, politicos e privados. Aqui, as instituicdes da sociedade industrial tomnam-se produtoras e legitimadoras das ameagas que nao conseguem con- trolar. O que se passa é que certos aspectos da sociedade industrial se tomam social epoliicamente probleméticos. Por um lado, a sociedade ainda toma de- cisbes e enceta acgées de acordo como padrao da velha sociedade industrial, ‘mas, por outro, as organizacbes de interesses, o sistema judicial ea politica es- tdo nublados por debates e conflitos que tém a sua origem no dinamismo da sociedade do risco. Reflex ereflexividade Aluzdestas duas fases, o conceito de“modernizagao reflexiva” pode ser dife- renciado por referéncia a um equivoco fundamental. Este conceito nao signi- fica (como poderia ser sugerido pelo adjectivo “reflexivo”) reflexdo, mas sim (esobretudo) autoconfrontagao. A transicéo do perfodo industrial para o perio- do do risco da modernidade ocorre de modo indesejado, invisivel e compul- sivo no surgimento do dinamismo autonomizado da modernizagio, seguin- do o modelo dos efeitos secundérios latentes. Virtualmente, podemos dizer que as constelagées da sociedade do risco sao produzidas porque as certezas dasociedade industrial (0 consenso em tomo do progresso ou a abstraccao de efeitos eacidentes ecoldgicos) dominam opensamento ea acco das pessoase das instimuigdes da sociedad inclustvial. A sociedade do risco nfo 6 uma op- «0 passivel de aceitagao ou rejeicio no curso de disputes politicas, Surge na continuidade dos processos de moderniza¢io autonomizada, que sio cegose surdos em relagio aos seus proprios efeitos e ameagas. Cumulativa e | « MODERWIZAGAO REFLEAWA lagentemente produzem ameagas que questionam e, inalmente, destréem os alikerces da sociedade industrial Este tipo de confrontacio entre as bases da modemizagao e as suas con- seguéncias deve ser claramente distinguido do incremento do conhecimento e da cigncia, no sentido de auto-reflexdo sobre a modernidade. A transigao autGnoma, indesejada e imperceptivel da sociedade industrial para a socie- dalle do risco chamamos reflexividade (de modo a distingui-la e a contrasté-la coma nosio da reflexdo). Entdo, a “modernidade reflexiva” significa autocon- frqntacao com os efeitos da sociedade do risco, efeitos esses que ndo podem set resolvidos nem assimilados pelo sistema da sociedade industrial, nem medidos pelos modelos institucionalizados desta dltima'. O facto desta mes- -mAconstelacéo poder, mais tarde e numa segunda fase, vira tomar-se objecto dereflexao (publica, politica ecientifica) nao deve encobrir o mecanismo nao rellectido e quase auténomo da transicao — é precisamente a abstraccao que Prpduz e torna real a sociedade do risco. Como advento da sociedade do risco, os conflitos em torno da distribui- de “bens” (rendimento, emprego, seguranca social) que constituiam o flito basico da sociedade industrial classica e levaram a tentativas de solu- por parte de instituigdes relevantes, esto sobrepostos com 0s conflitos torno da distribuicéo de “males”, Estes podem ser descodificados como flitos de responsabilidade distributiva. Irrompem da questo de como diftribuir, prevenir, controlar e legitimar os riscos que acompanham a produ- cap de bens (a megatecnologia nuclear e quimica, a investigagao genética, a azpeaca ao ambiente, a sobremilitarizagao e o crescente empobrecimento fora dd sociedade industrial ocidental). No sentido de uma teoria social e de um diagnéstico cultural, 0 con- celto de sociedade do risco designa uma fase da modernidade na qual as atheacas até agora produzidas no caminho da sociedade industrial come- sana predominar. Isto levanta 2 questo da autolimitacio desse desenvol- vinento, assim como a tarefa de determinar os modelos (de responsabili- dade, seguranca, monitorizacao, limitacao dos danos e distribuicao das suas consequéncias) até agora obtidos, tendo por referéncia as potenciais atheagas. No entanto, o problema é que estas ameacas nao escapam $6 a percepsao sensorial e & nossa imaginacéo, elas também nao podem ser de- tefminadas pela ciéncia. A definicao de perigo é sempre uma construsao cognition e social. As sociedades modernas esto, assim, confrontadas com as|bases e os limites do seu prdprio modelo, na relacdo directa com o seu gtpu de nao mudanga, de nao reflexdo e de continuacdo de uma politica idgntica. O conceito de sociedade do risco traz uma transformagao de épo- cale sistema om trés areas de referéncia, sa sal co 4. | Ce Boogie Poivies nthe Age of Risk, capituto IV. | INVENGAO DA POLITICA 7 Na primeira, esté a relagdo da sociedade industrial moderna com os re- cursos danatureza e da cultura, sobre cuja existéncia esta construida, mas que estdo a ser dissipados no emergir de uma modernizacio completamente esta- belecida, Isto aplica-se & natureza nao humans e & cultura humana em geral, assim como aos modos de vida cultural especificos (8 familia nuclear eaos pa- péisde género, por exemplo) eaos recursos de trabalho social (por exemplo,0 trabalho doméstico, que tradicionalmente nao tem sido reconhecido como trabalho, mesmo quando era ele que tornava possivel o trabalho assalariado do marido)? Nasegunda, esta a relacdo da sociedade com as ameagase os problemas porela produzidos, que exeedem os fundamentos das ideias sociais de segu- tanga. Por isso, estdo aptos a abalar as premissas fundamentais da ordem $0- nido publica e na politica durante 08 anos 80 ¢ 90. Para documentagao, ver Beck & ‘Beck-Gernsheim, Riskant Freiheiten ‘ndustrial avancada, tal como se desenvolveua partir dos anos 60 em muitos Datses ocidentasindustrializados 1“ MODERNIZAGAO REFLEXWVA * A individuatizagdo como forma social | Na imagem da sociedade industrial clissica entendia-se que os modos de | Yida colectivos se assemelhavam a bonecas russas, encaixadas umas nas ou- | thas. Aclasse pressupde a familia nuclear, a qual pressupde os papéis sexuais, 'es pressupdem a divisio do trabalho entrehomens e mulheres que, por sua Nez, pressupde 0 casamento. As classes so ainda concebidas come a soma as situagdes das familias nucleares que se assemelham umas as outras © 330 iferenciadas das “situag0es familiares’ tipicas de outras classes (as da classe ta, por exemplo). Atémesmoa definiso operacional do conceito de classe faz: uso do ren- mento familiar, isto 6, do rendimento do “chefe de familia”, uma designa- so inclusiva, mas que ilustra, na prética, as caracteristicas masculinas, Tal significa que a participacéo da mulher no trabalho ou nao € de todo “registax da” na anilise de classe, ou € “calculada fora’. Visto de um modo oposto: quem quer que seja que tome orendimento masculino e o rendimento femini- ®b separadamente, & partida, tem que tracar a imagem de uma estrutura special dividida, que nunca mais pode voltar a ser reunida numa imagem uni- tiria. Isto sdo apenas exemplos de como as categorias de situagbes de vida db estilos de vida da sociedade industrial, de um certo modo, se pressupdem jutuamente. E, sem ditvida, esto a ser sistematicamente descontextualiza- dhs erecontextualizadas —€ esse o significado da teoria da individualizacao. {| Bstascategorias nao esto a ser substituidas por um vazio (este é pee | stmente oalvo da maioria das refutagdes da teoria da individualizacao), mas Pprnovas formas de conduzir e organizara vida —jénao obtigatériase “con- textualizadas” nos modelos tradicionais (Giddens), mas baseadas nas regu- | ladies do Estado de bem-estar. anto, estas regulacdes pressupdem que ojndividuo seja o actor, o desenhista, arisia eoan isuia pro- * prtebiografaeidentidade, das sung tedes sociais, dos seus compromissos ‘convicges. Dito de uma forma simples, a “individualiza Siptegragio das certezas da soci ericontrar ¢ inventar novas certezas para si préprio e para os outros. Mas, ignifica Novas interdepencdencias, algumas delas globais. A indivi- duntizagie ea globalizayao storde facto, duas faces to TRESIHO processo de mpdlemizagio teflextva: Sn 15) A.Healthe. Britten, “Women'sjobsdomakea difference”, Socioiagy, vol. 18,n.°2,1990, ‘eas discussées que se seguem, [AREINVENGKO DA POLITICA 15 Posto ainda de uma ouira forma, as lamentagées sobre a individwaliza- sao, que estdo agora em moda — a evocacao do “sentimento donés”, a desas- sociagao em relagio a estranhos, a tendéncia para enfatizara familia e os sen- timentos de solidariedade, ransformaram-se numa teoria moderna, o comu- nitarismo— tudo isto é propagado tendo como pano de fundo uma individu- alizacao estabelecida. Trata-se, sobretudo, de reaccdes a aspectos da indi- vidualizacio que so sentidos como intoleraveis, e que esto a tomar tracos anémalos. Mais uma vez, a individualizagao ndo é baseada na livre decisdo dos in dividuos, Utiizando as palavras de Sartre, as pessoas estio condenadas 3 in-\ dividualizagdo. A individualizacao € wna compulsto, mas uma compulsao | para o fabrico, autodesenho e auto-encenagéo nao apenas da nossa propria | biografia, com também dos nossos compromissos e redes, 8 medida que as nossas preferéncias e fases da vida mudam, mas, é claro, sob as condic6es € 0s ‘modelos gerais do Estado de bem-estar, como seja o sistema educativo (ad- | quirindo diplomas), o mercado de trabalho, odireito laboral e social, o merca- do imobilidtio e assim por diante. Mesmo as tradicies do casamento e da fa- Iiflia esto a comecar a ficar dependentes da tomada de decisao, e devem, com todas as suas contradig6es, ser sentidas como riscos pessoas. Por conseguintea “individualizagio” significa que a biografia padrio| se ranSformarnmabiografa escola: mam “blogzalia aca Yoo’ mesma’? (Ronaid Hitzter), ou, no dizer de Giddens. ni a Tadd oquetmRomem ou uma mulher foi e 6, tudo o que quer que seja que ele ou ela pense ou faca, constitui a individualidade do individuo. Isso nao tem ne- cessariamente que ver com a coragem publica ou a personelicade,¢ sim com opinides divergentes e com a obrigatotiedade de apresentar e produzir estes “filhos bastardos” de nos mesmos © as decisbes dos outros como uma “unidade”. ‘Como deveremos conceber agora a conexao entre a individualizacoeo Estado debem-estare, mais precisamente,entre a individualizacioeomerca- do de trabalho legalmente protegido? Um exemplo pode ajudar a clarificar esta questo, a biografia do trabalho: para um homer é tomada por certa, mes para uma mulher é controversa. Nao obstante, metade das mulheres {pelo menos) em todos os paises industrializados trabalha cada vez mais fora de casa, mesmo aquelas que sho mes, Investigaces documentam que para a Proxima geragdo de mulheres, a carreira ¢ a matemnidade fazem parte dos 16 Giddens, The Consequences of Modernity, pp. 63 ¢ seguintes; I. Wallerstein, Te Modere World Syatom, Nova lorquc, Acadeti, 1974, Ressah, Petson/Panst dheCreatve Dish ‘ration of Industria! Society Londres, Gollancz, 1979, 17 Giddens, Modernity and Se-dentty; ver também, Lash e}. Friedman (org), Modernity Slidentity, Oxford, Blackwell, 1992 eS. Lash, Sociology of Postmodernism, Londres, Row Hedge, 1980, \ ses planos de vida, Se o movimento em direccdo a familias de duas carreiras conftinuar, enti terdo que ser perseguidas conjuntamente e mantidas juntas, so}]a forma da familia nuclear, duas biografias individuais —educagdo, em. rego, carreira Anteriormente, dominavam como imperativos as regras do casamento baseadas no status (a indissolubilidade do casamento, 0s deveres da materni- dade e outras relacionadas). Estas regras, com certeza, constrangiam a liber- | dade deaccao, mas também obrigavam e forcavam os individuos para a inti- midade e a unio familiar. Hoje, por contraste, nio existe modelos tnicos, ma mais propriamente uma diversidade de modelos, especialmente negati. ‘vos; modelos que exigem as mulheres que construam e mantenham as suas + carfeiras profissionais ¢ educativas enquanto mulheres, porque, de outro mofo, enfrentam a rusna no caso de divorcio e permanecem dependentes do dinheiro do marido no casamento — com todas as outras dependéncias sim- Dboljcas e reais que esta situacao acarreta. Estes modelos nao mantém as pes- soap unidas, quebram a unio e multiplicam as questoes, pois forcam cada hath ecada mer tanto dentro como fart do asamento-napensre sper sisthrcomeumagente-e unrdeseniste indivicuatda su al [Os tients socials sto direitos individuais. As familias nao os podem reisfindicar, 66 0s individuos, mais exactamente, individuos que trabalhem (culaqueles que estejam desempregados mas disposto a trabalhar). Apartici- Pasko nas proteccdes e nos beneficios materiais do Estado de bem-estar pres- supjoe, na grande maioria dos casos, a participacio no trabalho. Isto € contir- mayo pelo debate em torno das excepedes, entre outras,osalério para. traba~ Iho}doméstico, ou a pensio para as donas de casa vitivas. Por sua vez, a parti- cip#cdo no trabalho pressupde a participacéo na educacao, e ambas pressu- podm a mobilidade e a disposicao para ser mével. Tudo isto so exigencias { 9u4na0 comandam coisa alguma, mas que, afavelmente, apelam ao indivi- | dud que se constitua a si mesmo enquanto individuo, que planeie, compreen- |, da fonceba e aja—ou que sofra as consequéncias que, em caso de falha, se- \ raolauto-infligidas. ‘Também aqui a imagem é a mesma: decisées, possivelmente decisdes queindo se podem decidir, que, certamente, no sao livres, mas forcadas pelos outfos e arrancadas asi proprio, de acordo com modelos que conduzem a di- ems. Estas so também decisdes que péem o individuo, enquanto sujeito, no gentro das coisas e desincentivam os modos de vida e de interaccdo tra. dicibnais. Talvez contra asua vontade,o Estado de bemn-estar éuma combina- $0 experimental para o condicionamento de modos de vida egocentrados. Fodemosinjectar ober comm no coragto das pessoas como se fost una vacina obrigatoria, Esta ladainha da comunidade perdida permanece ambt- guale movalisertte ambivalente enquantoos mecanismos da individualizacio confinuarem intactos, e ninguém os questiona de um modo realmente sério; rninguém quer ou € capaz de o fazer. AREIVENCAO DA POLITICA wv Politica e subpolitica Este tipo de individualizagao n&o se reduz.ao privado: torna-se politico num sentido novo e definitivo: os sujeitos individualizados, improvisadores para com eles mesmos e para com 0 seu mundo, j4 nao séo os “seguidores de pa- péis” da simples sociedade industrial cléssica, tal como era assumido pelo funcionalismo. Os individuos s4o construidos por meio de uma complexe in- ter-relacto discursiva, qual é muito mais limitada do que admitiria omode- lo funcionalista de papel. Pelo contrério, a verdade é que os programas ¢ os fundamentos das instituigdes se esto a tornarirreais, e por conseguinte, de- pendentes dos individuos. As centrais nucleares que podem destruir ou con- taminar todo um milénio sao avaliadas como riscose “legitimadas” pela com- paragdo com o consumo de tabaco, o qual é estatisticamente mais arriscado. Esté a ser iniciada nas instituigdes uma busca pela perdida consciéncia de classe dos “de cima” e dos “de baixo”, porque foi com base nela que os sindi- catos, 08 partidos politicos e outros construfram os seus programas, a sua qualidade de membros e o seu poder. O liquefeito pluralismo pés-familiar das familias estd aser vertido nas velhas garrafas conceptuais, arrolhado ear- mazenado, Em suma, esté a surgir um mundo duplo, em que uma das suas partes ndo pode ser representada na outra: um mundo castico de confflitos, de jogos de poder, de instrumentos e arenas que pertencem a duas épocas dife- rentes, a da modernidade “inequivoca” ea da modernidade “ambivalente”” Num lado, desenvolve-se o vazio politico das instituigSes, no outro, um re- nascimento nao institucional do fenémeno politico. O sujeite individual re- toma as instituigdes da sociedade A primeira vista, quase tudo parece questionar isto. Os assuntos que es- toa ser debatidos nas arenas politicas — ou, quase nos apetece dizer, onde os seus antagonismos sio simulados— ja raramente oferecem qualquer explosi- ‘vo que possa produzir fafscas na politica. Consequentemente, esté a tornar-se ‘cada vez menos possfvel retirar sempre decisOes da superestrutura corporati- vista e dos partidos politicos. Por seu lado, as organizagdes dos partidos, os sindicatos e grupos de interesse similares fazem uso da grande quantidade de assuntos livremente disponivel para montar os pré-requisitos programaticos para a sua existéncia continuada. Ao que parece, interna e externamente, a politica esté a perder a sua qualidade polarizadora, utépica e criativa. Odiagnésticoreside, na minha opinido, num erro de categoria, a equi- valencia entre politica e Estado, entre politica e sistema politico; a correccéo deste erro nfo retira ao diagnéstico os seus elementos de verdade, mas transforma-o no seu oposto.”* As pessoas esperam encontrar a politica nas arenas determinadas para esce fim, esperam que ccja desempenhada por 18 B. Jessop, State Theory, Cambridge, Polity, 1990, MODERNIZAGRO REFLEXIVA agenfes devidamente autorizados: parlamento, partidos politicos, sindica- tre outtos, Segundo esta visdo, se 0s relgios da politica param por fendmeno politico, como um todo, deixa de funcionar. Istonegligen- 6 coisas. rrimeira, a imobilidade do aparato governamental e das suas agéncias. subsifiarias é perfeitamente capaz de acompanhar a mobilidade dos agentes em toflos os possiveis niveis da sociedade, o que quer dizer que a exaustao da politika pode acompanhar aactivacdo da subpolitica. Quem quer que seja que olhe ara a politica desde cima a espera de resultados esté a negligenciar a auto-prganizacao da politica, a qual — pelo menos potencialmente — pode “sulypoliticamente” pér em movimento alguns ou mesmo todos os campos da sokiedade. gunda, o monopélio politico das instituigbes e agentes politicos, que 10s exigem da constelacao politica da sociedade industrial classica, € orado em opinides e avaliagbes. Isto continua a ignoraro facto de que o a politico e a constelagao historicamente politica podem ter a mesma jo mudtua que tem realidades de duas épocas diferentes. Por exemplo, 0 to do Estado de bem-estar eo aumento dos perigos condicionam-se mente, A medida que isto se vai tornando (publicamente) consciente, os defensores da seguranca deixam de estarno mesmo barco dos planificado- rodutores da riqueza econémica. A coligacao entre tecnologia e econo- -se precéria, porque a tecnologia pode aumentar a produtividade, imultaneamente, coloca em risco a legitimidade. A ordem judicial dei romover a paz social, porque sanciona e legitima as desvantagens jun- as ameacas, et. ‘or outras palavras,a politica irrompe e emerge para além das responsa- Dilidgdes e hierarquias formais, Isto é particularmente mal compreendido por aquels que, sem qualquer tipo de ambiguidade, igualam a politica ao Estado, a0sisfema politico, as responsabilidades eas carreiras politicasa tempo inteiro. Esta aqui a set introduzido um "conceito expressionista de politica” Jurgen Habermas), ambivalente e que opera a varios niveis, que nos permite colocar a social ea politica como mutuamente varidveis,e tal prende-se com uma razid muito simples. E que ele abre em pensamento a possibilidade que, nos nosses dias, enfrentamos de um modo crescente: a constelacéo politica da so- ciedade industrial esté a tornar-se apolitica, ao passo que tudo o queera apoliti- conpindustrialismoseestéa tomar politico, Esta é ura transformacao da cate goria da politica que nao altera as instituigbes,e que deixaas elites de poderin- tactas, nao tendo sido substituidas por outras novas.” Estamos, assim, a procurara politica nos locais errados, nas tribunas er- radas e nas paginas dos jomais erradas. Essas areas da tomada de decisto, 19 | Cir. O-meu Risk Society torceira parte [AREIWENGAO DA POLITICA 9 que foram protegidas pela politica no capitalismo industrial —o sector priva- do, ocomércio,a ciéncia, as cidades, a vida quotidiana, ete. —, sd0 apanhadas pelas tempestades dos conflitos politicos na modemnidade reflexiva. Um as- pecto importante é saber até onde chega este processo,o que significa eaonde conduz, estando ele dependente de decisées politicas que nao podem ser sim- plesmente tomadas, mas que devem ser formadas, progrematicamente ela~ boradas e transformadas em possibilidades para a acco. A politica determi- naa politica, abrindo-a e conferindo-Ihe poder. Esta possibilidade de uma po- Iitica da politica, de uma (re)invengao da politica, apés o seu demonstrado fale- cimento, é 0 que devemios esclarecer e iluminar. © fenémeno dos anos 80 socialmente mais extravrdinario e surpreen- dente —e talvezo menos compreendido— foi orenascimento inesperado de uma subjectividade politica, dentro e fora das instituicées. Neste sentido, no Gexagerado afirmar que os grupos de iniciativa de cidados tém ganho poder politico, Foram eles que puseram em agenda o debate sobre um mundo em perigo, contra a resisténcia dos partidos instituidos, Em parte alguma isto é {0 claro come no fantasma da nova “moralidade simulada” que esta a as- sombrar a Europa, A obtigacao de envolvimento na salvagao ecolégica e na renovacao do mundo tornou-se universal. Une os conservadores com 0s socialistas e a industria quimica com os Verdes, seus criticos desde sempre Quase que podemos recear que as preocupacées quimicas sigam a letra os seus avisos de uma pagina e se restabelecam como associagoes ecologistas. Nao ha diivida de que tudo isto é apenas maquilhagem, oportunismo programético e talvez de vez.em quando um repensar realmente intencional. Isto dificilmente atinge as accdes e 0s pontos de origem dos factos. Noentan- to,ndo deixa de ser verdade que os temas do futuro, os que andam agora na boca de toda a gente, nio tiveram a sua origem na perspicécia dos governan- tes ou nas lutas no parlamento — nem, certamente, nas catedrais de poder nos negécios, na ciéncia eno Estado. Foram colocadas na agenda social, con- ttaa resistencia concentrada desta ignorancia institucionalizada, por emara~ nhados grupos moralizadores e por grupos dissidentes, lutando entre si por aquilo que consideravam adequado; grupos divididos e invadidos pelas dui- vidas. A subpolitica ganhou uma vitoria tematica bastante improvavel. Isto nao se aplica apenas ao Ocidente, mas também & parte oriental da Europa. Ali, os grupos de cidadaos —contrariamente a intelligentsia dascién- cas sociais — comegaram do zero, sem qualquer organizacao, num sistema de conformidade vigiada e, ainda que sem maquinas fotocopiadoras ou tele- fones, conseguiram obrigar o grupo governante a retirar e a ruir, apenas por meio de manifestagdes numa praca. Esta rebelidio dos individuos reais contra um “sistema” que alegadamente os dominava até nos mais infisnos porte resda existéncia quotidiana,é inexplicavel e inconcebivel nas categorias e teo- rias dominantes, Masao €56.a economia planificada que ests falida. A teoria dos sistemas, que concebia a sociedade como independente dos sujeitos, 20 MODERNIZAGAO REFLEXWVA tem sidp também duramente refutada. Numa sociedade sem consenso, desti- tulda dé um mticleo legitimador, é evidente que até mesmo uma pequena raja- Ga de vbnto causada pela reivindicagdo de liberdade pode fazer ruir todo 0 castelo fle cartas do poder. diferencas entre 05 vigorosos cidadios orientais e ocidentais so bvias, pd foram muitas vezes discutidas, no entanto,omesmonio se pode di- zer dos feus aspectos comuns, que so consideréveis: ambos se orientam para antos de base, si extraparlamentares, estio desligados de classes ou ; S40 organizacional e programaticamente difusos e conilituosos. censurallas, contrariadas, ridicularizadas, mas fazom parte dos programas dos partido} edas declaragdes do governo, ou mesmoda derrota de um governo. E flaro que'se poderia dizer: tempi passati. Tal discernimento poderd ser dificil ppra muitas pessoas, masaté os cacadores de cabecas da ala da extrema 1982, para se oporem aos “estrangeiros” (e a quem eles considerarem como tal), beth como 0 apoio encoberio e irritante que recebem desde baixo até 20 topo dalpolitica — a modificagao do importante direito constitucional ao re- apoiada no Parlamento por uma maioria de dois tergos,em Maio de 1993 —bim, até esta ralé estéa usar ea por em ac¢do as oportunidades da sub- politica isto contém uma licéo amarga. A subpoliticaestd sempre disposigao Go lado} oposto ou do partido oponente para os seus propésitos contraios. Aguilo que parecia ser uma “retirada apolitica para a vida privada’”, uma “nbva intimidade” oa cura de feridas emocionais" na velha interpreta- io da politica, pode representar, quando vista desde outro Angulo, a luta por a dimensio do fenémeno politic. Alimpressdo ainda dominante de que a consciéncia e o consenso sociais se“evaporam” no “calor” do processo de individualizacéo, ndo é de todo fal- sa, mas também néo é completamente correcta. Ignora as compulsées ¢ as possibilidades de fabricar compromissos e obrigagbes sociais, mesmo que se- jamapenas tentativas (como, por exemplo, a encenacéo donovo consenso ge- ral em tomo das questdes ecolgicas) Estas podem substituir as velhas cate- gorias, mas no podem ser expressas e compreendidas nelas. Faz sentido distinguir diferentes contextos e formas de individualiza- sf0. Nalguns Estados, particularmente na Suécia, Suiga,na Holanda ena Ale- manha Ocidental, estamos em presenga de uma “individualizagao a todo 0 risco”. Quer isto dizer que o processo de individualizacao emerge aqui de um ambiente de prosperidade e seguranca social (nfo para todos, mas para a maioria). Por outro lado, as condigées na parte oriental da Alemanha, espe- cialme|te nos palses antes comunistas e Terceiro Mundo, conduzem a um mal estar de uma dimensio bastante diferente. ‘ltrs quotidiana individualizada do Ocidente ésimplesmente uma cultura de conhecimento construido e autoconfianga: mais educagio e de (, & cur feel asim come maisenpregon oprt lades de ganhar dinheiro, na qual as pessoas jé nao se limitam a obedecer. As pessoas ainda comunicam dentro das velhas formas e insttuigées, ainda fazeni0 Seu Jogo, mas tambem imtEncia, da suaidentidade,

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