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ea Prez eer na era da PARA LER FREUD Organizagao de Nina Saroldi 201 ane “TERCEIRO CAPITULO: 0 MAL-ESTAR MELHOROU? [APERTINENCIA DO LIVRO HO}E A primeira coisa que salta aos olhos se uullzamos a teoria exposta por Freud em O mal-star na civilizagto para compreender os fenBmenos da vida contemporanea, ‘a mudanga de lugar que aideie de renincia (20 prine!- pio do prazer), considerada por ele fundamental para a vida civilizada,sofreu na atual ordem das coiss. Na hie rarguia dos valores que mover a sociedade, a importan- cia da rendncia € do sacrificio pulsionais em nome do ‘bem-estarcoleivo foi solapada pela importancia confert- da ao prazer — na forma de gozo irestrito — e a diver. so, A leveza : [Nao s0 a relagbes afeuivas eas experiencies sexuals devem ser, sobretud, “leves" e agradaveis; a esfera da producto, do trabalho e do estudo tambem se encontra _gravemente submetida a esse insustentavelimperativo da leveza, Para ficarmos na esfera do trabalho, desde que Hesfodo escreveu Os trabalhos eos dias, tentando ensinar seu irmdo as virudes da persisténcia na lida com a ter- ‘a, hd um certo consenso de que & preciso dar duro ees perar o tempo certo da colheta dos frutos;e que, mesmo procedendo assim, aquele que trabslha deve estar prepa- ‘ado para, eventualmente, nfo colher nada do que plan- tou, como o camponés que vé sua safradestrutda por uma HU Ges extopelas em reacto 20s powosrécém-V Sie, “Perversions forsale. Confer ambéma “Por ma erica da 5 economia bina (© primieiro caso apresentado ¢ o de uma Jovem que, as vésperas de um castmento pelo qual esperava com an- siedade, destrbi a fruigto do acontecimento com ciames terrveise paranoia persecut6ria. Ha também o caso de um professor que, a0 ser eanvidado para ocupar o lugar de seu reste, que hava se aposentado, deprecia seu talento cai em profunda melancolia, omando-se incapaz de trabalhar por um longo pertodo, Apesar das diferencas, ambos os ‘isos concordam no seguinte ponto: a doenca foi precipi- tada pela realizago de um desejo e impediv, naturalmente, que as pessoas aproveitassem 0 acontecimento feliz, com preendido aqui como a saisfacdo de um impulso reprimi- do por muito tempo. Para esclarecer 0 que esté em jogo nesses casos, Freud distingue dois tipos de frustracio, a intema € a externa, Quando o objeto do desejo se encontra na realidade, 180 constitu uma frustragSo externa que em si é, segundo Freud, incapaz de desencadear uma neurose, a nto ser que se junte a ela uma frustracio interna: Nos casos excepeionals em que as pessoas adoecem por causa do exito, a frustragio interna stua por si ‘mesma; na realidade, s6 surge depois que uma frus- traci externa foi substituida pela realizacao de um esejo, A primeira vista, ha algo de estranho nisso, mas, por ocasido de um exame mais detido, refleti= remos que no € absolutamente incomum para 0 ego tolerar um desejo tao inofensivo na medica em aque ele 36 existe na fantasia e cuja reslizagao parece “3 ydsiane; plo coniriio prem, o ego se defen frdentemente contra exse deseo ho logo exe tprodime da tealizago © amesce torarse realidade. ess cai sash ee os te tte aque conduzem & neurose como consequencia do éxito se acham inimamente relacionadss ao complexo de Eipé como talvez, na realidade, se ache relacionado todo senti-; mento de eulpa em geal © aspecto sombrio dessa con custo ¢aconsatato de que o plorobsticul felicidad no resde necesariamente (em alguns cass nao reside atsolutamente) ns asperezas da relidade material, esi nas proibigdes que propria concienciaimpoe ao suet to, Ninguém, neses cass, pode set responsabilzado pelo sofrmento acarretado pelo sucesso. O mal a oi pletamente destitutdo de seu cardter metalisico, ele € in teramenie subjetivo,€ a questo da responsabilidade 5 pode ser “culpado” por nao suportar a “felicidade’ que 0 acomete, Os arfbinados pelo éxito que Fred conheceu viven céavam o sucesso como uma espécie de injustica para com ‘© our), como uma didiva de alguma forma imerecida, Se Freud estivesseatendendo em nossos das, veria que a moca {Teta tentado seductr seu amado independentemente do} '°5. Feud Alguns tps de carter enconas no abo pcan 0", ESB, «XIV 1916p. 359. reconhecimento social de seu amor. Da mesma forma, 0 discipulodileto ja teria pedido tempos antes a seu professor ue usasse de sua influtncia para lhe obter wina vaga na universidade. Hoje, cbservaria © doutor, € 0 fracasso—en- tendido também de modo muito peculiar, se compararmos ‘com 0 sentido que esse termo possuia no século XIX e em boa parte do século XX — que “sobe a cabeca"; e, como 0 mundo no tem mais limites (“impossible is nothing’, afi- ‘mao antincio de uma famosa marca de produtos esporti- vos), qualquer frustracto pode ser facilmente interpreta- dda como tal Seria impossvel também, j& que falamos de fracasso, ‘nto mencionar as depressoes onipresentes. No ambito do presente livr, interessa-nos conhecer o lugar do tuto na vida atual, a que essa ¢ uma peca importante no quebra- cabeca do mal-star contemporineo. A psicanalista San- dra Edler afirma que a depressio ¢ um dos chamados no- vos sintomas da clinica psicanalitica e est referida a estrutura neurética" Aqueles que procuram 0s consult6- rios com quatiros depressivos no guardam relagdo com 0 ‘modelo do luto; sua fala expressa um misto de desinteres- se pelo mundo e descrenca em si mesmo. Como vimos no antigo de Freud *Luto e melancolia*, 0 luto exige um tra- balho de elaboracio e, como tal, pode ser bem ou malsu- cedido. Se for bem-sucedido, 0 sujelto resgata sua libido pode dispor dela para investir na vida, Para isso, no entanto, € preciso que haja um reconhecimento € uma "CEL ¢ mdnaake — A sombra do expec, pubcade nea cleo. “5 mac ‘sea, 0 sulelto precisa se ‘er como faltoso. Hoje, segundo Sandra Edler, ex maneiras de vivenciar a perda que elidem o luto ou, ‘mo em casos em que seu trabalho tenha sido iniciag ‘este ndo ¢ levado até o fim. Desse modo, aquilo que foi elaborado como luto reaparece sob uma mani épressiva Em nossa cultura fortemente narcissta e consumis ta até mesmo as perdas ineviaveis do cotidiano sto perdimensionadlas. Dito de modo eurtoe direto, nao vemos perder nada, devemos aproveita todas as oferta mesmo as que nio nos interessam, e acumular mihi para a viagem que, provavelmente, nio teremos temp ou dinbeiro para fazer. Contra as perdas inevtives, sui sem novas fantasia de onipoténcia: 0 remeédio que nid 50 aplacaré a dor como propoicionars felicidade, o prof cedimento estetico que nos traré uma beleza sonhada, ‘curso magico que nos dara um lugar, dé destaque ef nossa area de atuscto... O que outrora poderia ser perc bido conto' uma pequena perda pode causar, na socieds4 de das promessas em que vivemos atualmente, dondd natesios exagerados, na medica em que qualquer perd = pequena du grande — significa unt confronto com af casraco € 0 seconhecimeio de nosso desamparo fn damental, consttucional © que Freud ilustou em relagto 8 melancolia tam- bemaparece, em menores proporgdes, no quadro das de DressBes neurdtcas: 0 sentimento de inferioidade, a im- _Potencia ea desvalorizagdo. O depressivo se diminu aos thos do outro. ("Fiz 40 anos e nto bombel., por exem M6 plo, tomou-se um quetcume relativamente comum.) Os FF estados depressivos, relacionados ou nao com o modelo do ¥ Jato, se caracterizam essencialmente pela paralisacto do ‘movimento desejante (© sujeito contempordineo que se apresenta como de- primido nto possui, frequentemente, uma questdo ou tima davida a partir da qual seja posstvel iniciar um trabalho de elaboracao, Trata-se de um sujeito paralisado diante de li- ‘mitagdes que lhe parecem intranspontveis e absolutas. H, de salda, uma desistencia de tentar empreender uma modi- Ficagio das condigdes das quals se quebxam. Além disso, 0 fandamento da certza absoluta de sua incapacidade reside ‘a fantasia de que existe, em algum lugar, uma completude aque Ihe ¢ interditada. ‘A depressto contempordnea, para seguirmos a classi- ficacao de Edler, guarda uma relagao estreita com a ques- tao da inseguranca, que hoje nos provoca de novas e inu- sitadas formas. Conforme Bauman, damos grande atengdo 2 inseguranca fisica, a0 medo de sofrer algum dano na propria pele, quando na verdade outros problemas, como ‘orisco do desemprego, podem nos afetar de maneira mul- to mais frequente e provivel. Na Europa e nos Estados Unidos, cidadaos comuns temem um ataque terrorist, mas nao sentem nenhum receio especial ao entrar em um automével, mesmo sabendo que as chances de sofrer um acidente fatal so muito malores do que as de ser vitima de ‘uma bomba, 9 Vidas dperdgads, p14 As “redes’,afirma Beuman, substtuem as rlacbes, as parcerias € 0s parentescos. © termo sugere,e ss0 ndo F ¢ pouco, possbilidade de se estar ou no “conectado" ‘AM alternam-se momentos de contato com outros de mo- vimentagdo live ¢ sem orientaclo, As conexdes sto mais facilmente rompidas do que as relagdes. Os “elaciona- rentos virtuais"exigem rapides e € extremamente facil sair deles, basta deixar de responder a um e-mail ou apertar a tecla“apagar*. Os relacionamentos de earne e 380, em comparacio com eles, sto demasiadamente len- 105, pesados e confusos. Na “rede” por exceléncia, em sues de relacionamento, €possivel uma pessoa contabili- za 2 mil amigos e se orgulhar disso como um sinal de prestigio inquestiondvel. Evidentemente, boa parte des- $5 “amigos" que formam uma *éomunidade” jamals se encontrou em outro lugar que nao no ciberespaco, quan- do muito! Observamos que o mundo de hoje, com suas indme- J ras exigencias distacdes, nto tolera 0 estado de lito como normale necessrio.O psicanalista Charles Melman [observa que as presses da familia, da vida socal edo tra- batho simplesmente retiraram do sueito 0 direto 0 lie 10 preciso agi constantemente ¢o lui exige concen- teagdo em si mesmo. Como diz © compositor e escritor carioca Fausto Facet, vivemos como se alguem tivesse stitado “acio" em um set de filmagem. A cultura contem- Pordnea ¢, sobretudo, uma cultura “Jovem” e, por isso Essa esptcle de cisto da conscienciaafeta os dam dos de maneira center, Eles no fundo sabem que‘ que os faz sofer nem sempre € da ordem do repal thas meimo assim agem como se fosse e se quelsam ei # tivessem sido baridos por uma cancela legal em 1 via publica. Sem duvida, o insulamento das pessoas sociedade atual era um terreno fil para esse tipo de tasia de inferioridade e incapacidade. Afinal, € por ds convivencia honestae afetiva com outras pessous of Podemos medir, em tetmos mas realists, 0 que ¢ of mento comum € 0 que ¢ sofrimento, digamos, “privadg espeafco Em seu listo Amor liquide, Bauman observa que vinculs entre as pessoas, na contemporaeidade cate da gorania de permangneia que possutam outrova no universo'da economia e da politica, tudo depende “eenaros’. Se estes mudam, mudam também os vineulog@ 0 personagens de nossa vida aftva,E curiaso que oi to “ceniio", frequemtemente tlizado para defini af dancas puto concretas,traga consigo algo da irealida do teatro; 0 centro nto € 0 ainbiente,e sim o que sel para fori, ‘chamam a tengo, de maneirs diversas, para o uso b te difundido do termo “rede" Senne, em A corresto doc ‘ler, mostra como a organizacdo em rede substitutu ae trutur plramidal hierdrquica das empresas, mascara Dresenga da sutordade e isentaio, de cera forma, Componentes da responsshilidade nos casos em que algo Omer sem ronda, p 101 M9 ‘mesmo, tende a eliir, em suas préticas € em se 505, a existéncia da decrepitude, da finitude, da vvém. Além de atrapalhar o trabalho ea equacdo da nalidade que rege o curso dos acontecimentos, €c rado desagradavel & convivencia social. Melman obséff ‘que os psiquiatras, a0 estimular 0 uso de neuroléptig ansioliticos ou antidepressivos em casos de luto pur simples, prestam um grande servigo & cultura da prodif Vidade e da performance. Em um mundo no qual amo cenpregose st aranjs familiares sto exremamente vf tei, viver 0 luto de cada uma dessas coisas parece, a ‘olhos ds'maioria, uma enorme perda de tempo. No e to, se crer em Freud, sein 0 luto ndo,€ possivel 0 amoroso, entendido aqui como a entrega as coisas que’ zemos na vida. qual podemos ser deslocados a qualquer moment ‘Comé se sentir confortavel com alguém se o habito pat ce sero grande vilao do amor, € nao o lacus privilegiag do Norescimento-de suas virtudes? Como confiar na aj da do amigo se todas fomos ensiniados a lutar por ninguem? _» Emalgumas comunidades religiosas, consideradas 6 todoxas, o luto persiste como um perioda de sile ‘contrigdo, Luto fechado, vestes pretas; Into relaxado, [Peta e brancas. Sinais de um trabalho necessério de cat mulher da slta sociedade carioca perdeu 0 marido, Fssassinado com tios & queima-roupa, em uma festa, No ia seguinte ao ocorrido a referida senhora apareceu em um importante evento social e, como sinal de respeito & contriio pelo marido recém-enterrado, surgi sem ma- Guiagem! Outro caso que chama a atengdo sustra como lida hoje com o tempo do luto € o de um senhor que more numa sexta-feia e tem sua missa de sétimo dia cele- brada na quartefera da semana seguinte, sob a slegacto de que uma misa no dia previsio pela tradigto atrapalharia o leriadzo Freud afirma em *Luto e melancolia" que a perda do melancdlico € de natureza mais ideal. Hoje, mesmo {guardadas as diferencas mencionadas, o quadro deserito por Freud como melancolis € associado ao que a psi- aquiatria ea psicanslise denominam depress. A Organi- zacto Mundial de Sade tem afirmado, ha alguns anos, {que a depresstovisivelmente est assumindo um carster epidemic. uo serf assim por conta da sibida auséncia de desis? Nao somos, todos nbs — com excecdo dos funda mentalistas — fills do crepisculo dos fdolos? Nao s0- ‘mos nilstas da segunda geracio? Ou “bisnetos dos nilis tas", conforme afirmou aja citada escritora Juli Zeh em A menina sem qualdades? Se os primettos nilstas tiveram ‘como missto derrubar os ideais,julgados obsoletos contraproducentes para o desenvolvimento social, qual € 4 nossa missio? Minha hip6tese, apoiada nas teorias dos pensadores citados, € que a perda da capacidade de erigir 1s Ima consisténcia ¢ intencionalidade nos atos de enlagar € } puxar a ita = ara terminar, voltemos a Freud. Muitos coments dores consideram O mal-estar na civilizagdo um escrito cr eg pessimist; alguns chegam a evocar as dores devidas 20 eas ee Apices ‘Cancer para justfiar a suposta dureza das teses ali ex- a a em ao postas. Afasto-me dessa posicao, em primeiro lugar por- cina comercial, a indistra fxrmaQll que o livro no me parece pessimista, € sim licido, £ bem verdade que alucidez deriva de Lacifer, mas isso s6 teria importanicia para alguém que acredita em demo- nlos. Por outro lado, Lucifer ¢ “portador da luz", que ro caso de Freud significa que ele se coloca do lado do Esclarecimento contra toda forma de obscurantismo. ‘Ademais, o mundo parece comprovar dia a dia que 0 ite, assim chamado “pessimismo” € muito mais realists do aa = ‘ma, el xa dr automa, {que qualquer otimismo ingeauo, Outro motivo que me ee a cl ee os Impede de comparulher dessa avaliagio € distingui, no mes, Tvs, Gard mas esac ¢lptiidade Ilo, uma esa postin ado pot Freud ao longo : ira pudesse ampliar a capacidad de sua obra no que tange a0s julgamentos morais em ge- tal. Se Freud nao pode ser consideredo um pensadorale- {ge ampouco otimista, ndo € tio simples consideré-lo pessimista Freud dempre se absteve de lidar com questOes mo- tals in abstrato, delxando essa tarefa para 0 especiaistas em ética eafirmando, inclusive, em uma carta a0‘pastor, tedlogo e psicanalista suigo Oskar Pfister, que a psicana~ lise ndo criava valores, Enquanto citncia (como Freud |. gostaria que ela fosse classificada) e pritica clinica, a psi- canélise sempre precisou lidar com os valores morais vi- de estabelecer Lagos, etalvez nao vivessemos na era liquid ‘Joma Fotha dS. Poulo, em 30 de noverbro de 2008, ea entre, filesofo e pcaalina Jacques Alin Miler concdida vo hare 153 _gentes nas sociedades nas quals floresceu, e ¢ importa ressaltar que ela so floresceu em ambientes em que havi se no um regime democrético maduro, 20 menos ce Sigmund Freud, casado e pai de seis filhos, € algo com que temos que lidar, € algo que se impe a vida ‘em sociedad. (© que conhecemos¢ sua postura em relaglo as ques toes moraisconcretas dos pacientes. O psicanalista deve, ‘rosso modo, escutar e manter a neuitralidade, usar alive associagto ¢ 0 método de interpretagao no sentido de des- vvendar os conflits do paciefite € obter sua melhoria. £ claro que as ilusdes do desejo muitas vezes se misturam a ‘questdes morais, ¢ a psicandlise trabslha no sentido de separiclas do que seriam atitdes morais auténticas; a- sim como separa o sofrimento neurético da infelicidade banal ‘ j Sep civilzagto€ fonte de neuroses, iso nto faz dela algo menos necesstrio. A moral existe na medida em que cada individuo, nos caminhos e descaminhos de seu de- sejo, precisa lidar com a presto social, com o impacto de seu desejo sobre a vida alheia. A distancia que Freud rmanteve em relagio as questoes morais ¢, 2 meu ver, 0 que faz da psicandlise uma prética to potencialmente bertaria Se as restrigdes morais da civilizagto into se just ‘cam por qualquer doutrina ética criada por Freud e, a9 ‘ontririo, provocam sofrimento, a psicandlise nao tem nea fato evidente de que ¢ preciso viver em sociedade. De que ‘modo? Cabe a cada um descobrit, contando com sua pro- pia constituicto psiquica e, inclusive, com sua capacida- de de sublimacto. Na conferncia XXIV das Conferéncias introdutorias sobre psicandlise, 20 tratar do estado neurético comum, Freud observa que a doenca, em alguns casos, pode ser a timica solucto diante das pressdes da realidade e da vida social. Seu exemplo € o de uma mulher que, cativa de um. casamento infeiz e sem perspectivas de se separar — seja por motivos de ordem economica seja mesmo pelo desejo, que a prende ao marido—, encontra uma “saida” da situa cto na neurose, Pode acontecer também que essa mulher nto possua forca suficiente para se separar ou que se sin- ta moralmente impedida de se consolar com um amante. Se a sua constituigto permite que ela desenvolva uma neurose, a propria doenca se torna uma arma eficaz na ‘nganca contra 0 marido, exigindo que ele lhe dé aten- ‘elo, que gaste dinheiro com ela e permita que ela se au- sente, de tempos em tempos, por conta de seu tratamen- to, Além de todas essas “vantagens” que a doenca traz, consigo, ela permite que a mulher se queixe da doenca em lugar de se queixar do casamento, Essa situacao, s¢- sgundo Freud muito comum, representa bem 0 que ele chama de “ganho externo ou secundério da doenca’. A depender da proporgio desse ganho, 0 autor obseiva que ‘ha muito pouco que o psicanalista possa fazer contra a neurose instalada, (Ou se, para 0 mestre de Viena nto existe apenas s0- frimento neurético e sim sofrimento real, inabordével por 55 "qualquer trtamento. As vezes,o sacrificio de um s6 indivi duo, padecendo de neurose evita osofrimento de muitos @ 6 portato, uma solucio do tipo “mal menor” ea mais tole vel sociamente. (Nao) Respondendo & pergunta do titulo deste capitu- To, nto ¢ posstvelafimar se 0 mal-estar melhorou ot pio- rou, Como vimos em O mal-star na cilizacdo, no & poss vel medir 0 sofrimento em termos objetivos; o maximo qe se pode fazer € comparar suas configuragbes em diferentes pocas e grupos socials, ou, ainda, em diversas fases da vida cde uma mesma pessoa. Mais importante do que saber se 0 rmal-estar da civilizaglo a que pertencemos mellorou ou ‘no ¢constatar que ele persiste e que isso vem ao éncont9 das tees de Freud no lio, Certo ¢ também que as configuragoes do mal-esars rodiicaram de 1929 até hoje. Com certeza “melhoramos ‘substitu esses sintomas. (© que considero um saldp postivo da reletura livro de Freud € constatar que, nio importando a dit certeza de que ndo ha nada a fazer significa um p adiante em relagdo @luta init. A psicandlise — ou a --tura atenta de Freud — continu, portanto, sendo arma para combater os excessos de mal-esta, Basta que mantenha a lucdez e nfo se tore, ela mesma, presa de “metas morais* que Ihe sto, pelo menos na versto de seu fundador, estranhas.® ‘Jacques Lacan abordow a quests das ets mosis pcan, to- mando jusamenze Omalstarna ciao para critcar as excl ingest ‘america, no al de A ea da pvande — O sein, oo VI.

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