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Azevedo Junior et al., 2018. Revista Iberoamericana de Economía Ecológica Vol. 28: 52-71
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POTENCIAL DA ACROCOMIA ACULEATA NO DESENVOLVIMENTO ENDÓGENO DA


REGIÃO DE CUIABÁ, BRASIL

Wladimir Colman de Azevedo Junior


Economista. Doutorando em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido
(NAEA/UFPA). Professor Assistente da Faculdade de Economia da UFMT.
azevedocolman@gmail.com

Alexandre Magno de Melo Faria


Economista. Pós-doutor em Gestão e Economia pela Universidade da Beira Interior
(UBI/Portugal). Professor Adjunto IV da Faculdade de Economia da UFMT.

Antônio Cordeiro de Santana


Engenheiro-Agrônomo. Doutor em Economia Aplicada (UFV).
Professor Titular da Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA).

Willian Douglas da Silva Reis


Mestrando em Economia (UFMT)

Camilla Nathalia da Silva Almeida


Graduada em Ciências Econômicas (UFMT)

Resumo:
As condições edafoclimáticas propiciam a reprodução da palmeira da bocaiuva (A. aculeata) na
Região Metropolitana do Vale do Rio Cuiabá (RMVRC), e a cultura local de consumo de seu fruto a
colocam como possível recurso natural favorável ao processo de desenvolvimento endógeno da
RMVRC. Objetivando constatar esta potencialidade, foram estimadas a população de A. aculeata
nativas e seu potencial de cultivo, bem como identificaram-se os benefícios nutritivos e as
características químicas atualmente explorados no principal centro consumidor da região.
Procederam-se entrevistas aos comerciantes da fruta e de seus derivados. Como resultado, tem-se a
estimativa de produção anual de 38,7 bilhões de frutos por palmeiras nativas, e de 224,3 bilhões de
frutos anuais no cultivo. Embora as estimativas apontem para a viabilidade da exploração, apenas
cinco estabelecimentos comercializam a fruta e seus derivados em Cuiabá, indicando que a
potencialidade da fruta, ainda que existente, não é totalmente explorada.

Palavras-chave: Desenvolvimento Endógeno, Bocaiuva, Acrocomia aculeata, Região Metropolitana


do Vale do Rio Cuiabá.

Acrocomia aculeata potential in the Endogenous Development of Cuiabá Region, Brazil

Abstract:
The edaphoclimatic conditions favor the reproduction of the bocaiuva's palm (A. aculeata) in the
Metropolitan Region of the Cuiabá River Valley (in Portuguese, Região Metropolitana do Vale do Rio
Cuiabá - RMVRC), and the local culture of consumption of its fruit, place it as a natural resource to
the process of endogenous development of RMVRC. Aiming to verify this potential, the population of
native A. aculeata and its cultivation potential were estimated, as well as identifying the nutritional
benefits and the chemical characteristics currently exploited in the main consumer center of the
region. Traders of the fruit and its derivatives were interviewed. As a result, there is an estimated
annual production of 38.7 billion fruits from native palms, and 224.3 billion annual fruits from
cultivation. Though the estimations indicate the viability of the profiteering, only five business
establishments trade the fruit and its derivatives in Cuiabá, indicating that the potentiality of the fruit,
although existing, is not fully exploited.

Keywords: Endogenous Development, Bocaiuva, Acrocomia aculeata, Metropolitan Region of the


Cuiabá River Valley.

JEL: Q59

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1. Introdução cálcio, fósforo e manganês.


Adicionalmente, a polpa apresenta
As disparidades socioeconô-micas entre
elevado teor de óleo, que pode ser
regiões é objeto de estudo pelos
utilizado na produção de óleo de cozinha,
idealizadores do modelo de
bem como a amêndoa pode produzir
Desenvolvimento Regional Endógeno
azeite e biocombustíveis (Hiane et al.,
(Barquero, 2001; Buarque, 2008). O ponto
2006; Lopes; Neto, 2011; Lorenzi, 2006;
focal é a formação de capital pelos
Ramos et al., 2008; Santos, 2011).
agentes internos a partir da aplicação do
conhecimento tácito e formal, organização Encontrada em elevada densidade na
social, tecnologias tradicionais e Região Metropolitana do Vale do Rio
inovações envolvendo produto, processos Cuiabá (RMVRC) a A. aculeata possui
e gestão, informação e comunicação na atributos que permitem sua exploração
exploração das potencialidades econômica. Este trabalho tem como
econômicas, socioambientais e objetivo avaliar a potencialidade do uso do
institucionais locais com vistas a fruto da Acrocomia acuelata, como
aproveitar as vantagens comparativas e facilitador do Desenvolvimento endógeno
aglomerativas locacionais e criar da Região Metropolitana do Vale do Rio
vantagens competitivas (Porter, 1990; Cuiabá. O trabalho se restringe, portanto,
Fugita, 2002; Santana et al., 2008). Com a identificação dos benefícios nutritivos e
isto, pode-se alavancar o crescimento das características químicas atualmente
econômico a partir do local sem forte exploradas no principal centro consumidor
dependência de capital e tecnologia da região. O resultado servirá para
externa, além de permitir a diversificação constatar a possibilidade de venda da
da economia e a consequente atenuação fruta e seus derivados, tendo em vista que
dos problemas sociais de pobreza e de o consumo local da fruta é feito,
distribuição de renda. tradicionalmente, na forma in natura, dada
a facilidade de obtenção na natureza. Ao
A exploração dos recursos naturais como
encontrar estabelecimentos que
fonte abundante de matérias-primas e de
comercializam a fruta e seus derivados e
serviços ecossistêmicos, aliado ao capital
constatar a aceitabilidade do consumidor,
disponível, tecnologia desenvolvida/
pode-se motivar pesquisadores, Estado e
adaptada e a formação de capital social,
a iniciativa privada a aprofundar estudos
são as potencialidades fundamentais que
relativos à viabilidade econômica de
podem contribuir para aumentar a
exploração e da estruturação dos elos de
produtividade total dos fatores da
produção, processamento industrial dessa
economia local (Putnam, 2000; Barquero,
cadeia produtiva de produtos florestais
2001; Buarque, 2008). Nesse contexto, os
não madeireiros.
recursos naturais cuja especificidade é
inerente ao bioma a qual pertence a As seções seguintes discorrem sobre as
região, representa o potencial disponível características químicas e biológicas que
da biodiversidade regional, que a partir de se traduzem em potencialidades
seu manejo ecológico, pode representar econômicas da bocaiuva, bem como os
as vantagens comparativas naturais e atuais usos identificados na região de
criar vantagens competitivas. estudo. A segunda seção, após esta
introdução, relaciona o potencial
A Bocaiuva (Acrocomia aculeata) é uma
econômico da bocaiuva como
palmeira nativa do cerrado brasileiro,
componente da cesta de bens regionais
encontrada principalmente nas zonas de
que viabilizam o desenvolvimento regional
transição desse bioma para outros com
endógeno. Na sequência são
maior umidade. Seu fruto é indicado na
apresentados os materiais utilizados e o
composição da dieta alimentar de
método de obtenção dos dados. A quarta
crianças e adultos, principalmente por
seção dispõe a discussão dos resultados
meio de produtos derivados da polpa, rica
em β-caroteno, zinco, potássio, proteínas,

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e a última encerra o trabalho com as significativo nível de Capital Social Local,


considerações finais. de modo que a interação entre empresas,
instituições e demais agentes locais
conformem os interesses particulares,
2. Desenvolvimento regional endó- formando um sistema produtivo em que
geno: o potencial econômico da seus agentes possam interagir a nível
bocaiuva (Acrocomia aculeata) internacional, explorando os benefícios
2.1 A biodiversidade e o desenvolvimento oriundos de suas associações formais e
regional endógeno informais (Putnam, 2000). Esses
benefícios se referem à competitividade e
emergem da redução dos custos de
Para a equalização das diferenças transação que, por sua vez, viabilizam a
socioeconômicas regionais o instalação de empresas no local, podendo
desenvolvimento local, conforme Buarque gerar as Economias de Escala e de
(2008, p.25), deve exigir a “mobilização e Escopo e/ou somente Economias de
exploração das potencialidades locais e Aglomeração (lastres et al., 1998; Porter,
contribuir para elevar as oportunidades 1990; Fugita et al., 2002).
sociais e a viabilidade e competitividade O fornecimento de insumos para
da economia local”, além de assegurar a processos produtivos pode evidenciar
conservação dos recursos naturais. vantagem comparativa sobre outras
Esse modelo de desenvolvimento prioriza regiões, enquanto a biodiversidade ainda
o processo de mudança estrutural para não explorada pode possibilitar inovações
elevar o dinamismo econômico e a biotecnológicas capazes de impulsionar o
melhoria da qualidade de vida da desenvolvimento regional, ao passo que
população em pequenas unidades introduz o sistema produtivo local no
territoriais. O planejamento do mercado. A exploração sustentável da
desenvolvimento com tais finalidades biodiversidade local pode provocar a
deve ser pautado na cultura, organização “unidade do diverso” na medida em que
e conhecimento tácito como fundamento permite a integração das diferenças
para o uso dos potenciais sociais, provocadas por aspectos ambientais e
econômicos e ambientais locais e permitir institucionais que caracterizam a forma de
a formação e a reprodução do capital por inserção de determinada região no
agentes internos, de modo que o mercado (Costa, 2012).
excedente seja gerado e ampliado na O desenvolvimento regional endógeno
própria região (Barquero, 2001; Buarque, seria baseado, portanto, no aumento da
2008). competitividade regional pautada na
A globalização tem conferido importante reprodução do capital por agentes locais
papel as especificidades regionais no por meio da exploração sustentável dos
processo de desenvolvimento. As recursos naturais, beneficiados em um
consequentes aberturas econômicas de sistema de produção local em que o nível
países emergentes têm levado empresas de capital social permitiria a internalização
regionais à competição internacional. das economias de aglomeração,
Destarte, ainda que a maior parte do ciclo reduzindo as desigualdades de renda
de reprodução do capital local seja locais e regionais. Os aspectos
controlado por agentes internos, isso não econômicos, sociais e ambientais são
deve significar o isolamento territorial, ao intensamente relevantes ao processo de
contrário, o processo produtivo deve estar construção teórico e se formalizam em
imerso nas cadeias produtivas dimensões que se inter-relacionam,
internacionais (Barquero, 2001; Lastres et demandando igual atenção em todas as
al., 1998). frentes.

O sucesso da introdução de regiões no Esse trabalho se enquadra na dimensão


contexto econômico internacional exige econômica que se articula com as demais

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através da exploração da biodiversidade Encontra-se fortemente aderido ao


local por meio de comunidades rurais e endocarpo enegrecido com
sua interação com o mercado urbano. Os aproximadamente 3 milímetros de
atributos genéticos da bocaiuva a espessura e que envolve uma amêndoa
colocariam como importante recurso oleaginosa (endosperma) por fruto. A
presente na biodiversidade local e frutificação e amadurecimento ocorrem
passível de exploração econômica a partir durante todos os meses, porém com
do capital regional. maior disponibilidade entre setembro e
janeiro, variando conforme a
disponibilidade de chuva (Lorenzi, 2006).
2.2 Características e potencialidades da
Os componentes nutricionais do fruto
Acrocomia aculeata.
foram identificados em pesquisa realizada
As condições para reprodução da em Campo Grande-MS, Ramos et al.
Acrocomia aculeata ((Jacq.) Lodd. ex (2008), na polpa foram encontrados zinco,
Mart) são encontradas, principalmente potássio e cobre, além de β-caroteno em
nas florestas de transição dos biomas quantidades indicadas para dieta adulta e
úmidos para aqueles mais secos, como o infantil. Hiane e Ramos (1992), identificam
Pantanal e a Amazônia para o Cerrado, composição centesimal semelhante, além
onde se encontram áreas abertas e com de indicar significativo teor de óleo
elevada incidência solar (Lorenzi, 2006; (38,26%). Em estudo mais recente, Hiane
Morcote-Ríos; Bernal, 2001; Pintaud et al., et al. (2006), identificou a amêndoa da
2008). Por possuir o mesocarpo bocaiuva como importante componente
abundante, além de outras para dieta infantil, dada a significativa
especificidades, seu uso para alimentação quantidade de proteínas (principalmente
facilitou a dispersão da planta para países globulina e glutelina), além da presença
como México, as Antilhas, Argentina e o de cálcio, fósforo e manganês em
Paraguai (Morcote-Ríos; Bernal, 2001; quantidades superiores àquelas
Moura et al., 2009). encontradas nas amêndoas do caju e do
Popularmente conhecida como bocaiuva, coco.
macaúba ou macaíba, é uma das Essas qualidades nutricionais têm
principais espécies encontradas no motivado estudos relativos à incorporação
Centro-Oeste brasileiro (Almeida, 1998). da A. aculeata como ingrediente para
Da família das palmáceas, seu estipe alimentos já conhecidos. A análise
atinge altura de 10 a 15 metros e diâmetro realizada por Kopper et al. (2009)
de 20 a 30 centímetros, possuindo incorporou a farinha da polpa aos
espinhos escuros na região dos nós de ingredientes habituais para produção de
aproximadamente 10 centímetros. As biscoitos do tipo cookie, como resultado, a
folhas possuem tamanhos variados, entre farinha da bocaiuva (FB) mostrou-se fonte
4 e 5 metros, e aproximadamente 130 de lipídios, fibras, carboidratos, além de
folíolos de cada lado, além de espinhos vitamina A. A substituição de farinha de
na bainha (Lorenzi, 2006; Lorenzi et al., trigo por FB em 15% resultou em biscoitos
1996). O fruto é esférico, com diâmetro ricos em fibras e boa avaliação sensorial.
variando entre 2,5 e 5 centímetros, A incorporação da amêndoa na produção
coberto por epicarpo de coloração variável de barra de cereais foi objeto de pesquisa
entre amarelo e alaranjado e de fácil de Dessimoni-Pinto et al. (2010), cujo
rompimento quando maduro, resultado encontrou significativa
característica que potencializa a concentração de lipídios e alto valor
fermentação da polpa e o contato com energético, além de aceitação de 88,90%.
impurezas, exigindo maior cuidado na Munhoz et al. (2014) testaram a inclusão
coleta e em seu manuseio. O mesocarpo da farinha de bocaiuva oriunda da polpa e
é fibroso, de coloração amarelada com da amêndoa também para produção de
variação no tom e de sabor adocicado. barra de cereais; em ambas percebeu-se

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elevado teor de carboidratos, lipídios, (2009), cita o potencial das palmáceas


proteínas e fibras, o teste sensorial foi para produção de biodiesel. A bocaiuva e
significativo e a conclusão de que a o dendê (Elaeis guineenses) se
bocaiuva pode ser utilizada para entregar destacariam por seu potencial de
sabor e aparência diferenciados, seja por produção de até 6.000 litros de óleo/ha
meio da amêndoa como da polpa. por ano, superior a produtividade máxima
oriunda da soja. A E. guineenses já
A fruta também é utilizada como insumo
possui cadeia agroindustrial estabelecida,
para outros produtos. Lôbo et al. (2013)
porém restrita aos ambientes adequados
realizaram a caracterização de coletores
as duas exigências edafoclimáticas.
da fruta em comunidades rurais no estado
Embora a bocaiuva não possua uma
de Minas Gerais. Os principais usos
cadeia produtiva consolidada, sua
encontrados foram produção de óleo do
adaptação a climas secos permite a
mesocarpo e do endosperma para
exploração na maior parte do país. Em
produção de sabão e óleo de cozinha,
outro estudo, realizado, a partir de
além da ração animal. Em pesquisa
simulação computacional, Lopes et al.
exploratória-descritiva, Lorenzi (2006)
(2013) indicam potencial para produção
identifica os usos históricos e atuais da
do biodiesel por meio do óleo da amêndoa
bocaiuva por comunidades rurais na
da bocaiuva utilizando o processo de
RMVRC. Entre os usos identificados para
transesterificação, ressaltando, no
a estipe, folhas e fruto, tem-se a produção
entanto, a necessidade de controle e
de paçoca e combustível para lamparinas
cultivo.
a partir da amêndoa, licor, vinho,
hidratante capilar, óleo de cozinha e No mesmo caminho, César et al. (2015)
medicamentos a partir da polpa. apresentam a potencialidade da bocaiuva
Considerando os potenciais energéticos e para o biodiesel e também para a
nutricionais para produção de alimentos e produção de lubrificantes, no entanto, os
a densidade média de 68 palmeiras por autores concluem que o óleo extraído da
hectare e 266 frutos por palmeira, no semente tende a ser direcionado para a
Município de Barão de Melgaço indústria farmacêutica, dado o alto retorno
(LORENZI, 2006), pode-se tencionar financeiro desta. Neste sentido, é
sobre a A. aculeata como fonte de importante registrar que a produção de
incremento de renda para as famílias cosméticos já é realizada pela Macaúba
pertencentes a essas comunidades. Brasil (2015), empresa de Leopoldina-MG
que fabrica oito linhas de produtos
Destino alternativo para os carpos desta
profissionais com foco exclusivo para
palmeira seria a produção de mercadorias
salões de beleza.
industrializadas com alto valor agregado.
Estes seriam os casos da produção de Tem-se ainda a possibilidade de produção
cosméticos e de biocombustíveis. de etanol utilizando a torta da bocaiuva.
Considerando área de 22 mil hectares no Em estudo, Santos (2011) considera este
interior do estado de Minas Gerais, em coproduto da indústria de óleos vegetais,
que se encontram palmeiras nativas, com potencial para produção de etanol,
Vilela et al., (2014) estimam produção gerando 104 L a cada tonelada de torta.
média de 606.519 quilos de biodiesel por Embora interessante, é importante
ano e indicam a possibilidade de aumento registrar que a viabilidade da produção de
desta média com implantação do cultivo itens industriais de maior consumo, como
da planta. Pimentel et al. (2009), em os combustíveis, só é possível com a
experimento recente, estimou a produção garantia de fornecimento de insumo em
de 260 frutos por cacho e 16.380 quilos quantidade suficiente e com estabilidade
por hectare de plantio de bocaiuva ao longo dos meses. O cultivo da palmeira
consorciada com a pecuária. garantiria a produção em escala e a
estabilidade do fornecimento da bocaiuva,
Em estudo sobre a viabilidade econômica
neste sentido é que Machado, Figueiredo
do cultivo da palmeira Pimentel et al.

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e Guimarães (2016), avaliam eficiência do quilômetros de Cuiabá, a densidade


uso de fertilizantes no cultivo da média encontrada foi de 57 ind/ha,
palmácea, concluindo que o uso de quantidade que se ampliaria para 68
fertilizantes simples (NPK) resultam em ind/ha em 12 meses, com taxa anual de
maior rendimento. crescimento de 19,2%. O local de
realização da pesquisa é pertencente ao
mesmo bioma da região de estudo, de
3. Materiais e métodos modo que a densidade encontrada pode
A Região Metropolitana do Vale do Rio ser aplicada a zona rural de entorno. Em
Cuiabá foi selecionada para estudo, por outro inventário, realizado por Corá,
possuir as características edafoclimáticas Urbanetz e Salis (2013), no município de
coerentes àquelas demandadas pela Corumbá-MS, foram identificadas 172
planta, e o centro urbano de Cuiabá por palmeiras por hectare. Embora mais
se posicionar como maior mercado distante, este município também possuí
consumidor da região (Lemos et.al. 2003; características semelhante a RMVRC.
Garcia e Lemos 2009; Faria, Azevedo Desse modo, utilizou-se 68 ind/ha como
Junior e Dassow, 2015). Criada em 2009 referência mínima, 172 ind/ha como
pela Lei Complementar Estadual nº máxima e 120 ind/ha como a média, para
359/09, a RMVRC é formada pelos estimar três cenários possíveis. A área
municípios de Cuiabá, Nossa Senhora do considerada se refere àquelas destinadas
Livramento, Santo Antônio do Leverger e a pastagens naturais e plantadas,
Várzea Grande, totalizando 21.546 km². A degradadas e em bom estado, a exceção
população total correspondeu a 27,5% do das terras utilizadas para os sistemas
total de habitantes de Mato Grosso, agroflorestais fornecidas pelo Censo
conferindo densidade de 38,7 hab/km² em Agropecuário de 2006.
2010. A capital do estado, Cuiabá, A escolha das áreas de pastagem se deve
concentra 66% dos habitantes, se a adaptação da bocaiuva a locais que
firmando como principal centro urbano. A sofreram algum tipo de intervenção
região está imersa entre biomas cujas antrópica, pois ao eliminar a vegetação
características são a umidade do Pantanal invasora, tem-se o consequente aumento
e a seca no Cerrado. Conforme Morcote- da reserva adicional de nutrientes,
Rios e Bernal (2001), esta característica favorecendo a permanência das palmeiras
confere as condições edafoclimáticas adultas e a disseminação de novas
exigidas pela A. aculeata. plantas (SILVA, 1994). Além disso, a A.
Na ausência de inventários generalizados aculeata se reproduz mais facilmente nos
na RMVRC, realizou-se uma estimativa “clarões” que nos locais de mata fechada
relativa à densidade de palmeiras nativas (Lorenzi, 2006).
presentes na zona rural da Região Utilizando o resultado do trabalho de
Metropolitana, bem como sua densidade Pimentel et al. (2009), em que se estima a
potencial em cultivo. Em sequência, produtividade das palmeiras de bocaiuva
procederam-se visitas a órgãos públicos e plantadas no sistema de agroflorestal com
entidades privadas, além de comunidades espaçamento de 5 x 5 m para Minas
rurais, com a finalidade de identificar os Gerais, ter-se-ia 400 ind/ha com
estabelecimentos que vendem a A. produtividade de 910 carpos por palmeira
aculeata, após o mapeamento dos pontos entre o quinto e o décimo ano de cultivo, e
a serem entrevistados, confeccionou-se 1.225 carpos entre o décimo primeiro e o
formulário necessário para direcionar as trigésimo ano. Embora o Valor Presente
entrevistas. Líquido (VPL) encontrado justifique o
Em inventário da palmeira, realizado por cultivo, os autores não incorporaram ao
Lorenzi (2006), em região de mata em cálculo do VPL o rendimento da
recuperação após interferência antrópica, pastagem. Portanto, os resultados
no município de Barão do Melgaço, a 100 alcançados e aqui utilizados, se limitam a

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produtividade da bocaiuva quando ordenadas em três blocos, permitindo que


cultivada em conjunto com a pastagem. as entrevistas ocorressem respeitando
certo padrão que permitisse a
O cultivo da planta em consórcio com
comparação entre os entrevistados
pasto para pecuária facilitaria a introdução
(Marconi; Lakatos, 2013). O primeiro
da cultura, uma vez que não significa
bloco de questões se destinou a obtenção
substituição de capital aplicado e abertura
de dados pessoais para identificação e
de novas áreas. Selecionou-se a
categorização do entrevistado, o segundo
estimação resultante dos anos iniciais
foi destinado a captar as expectativas
para construir três cenários, um relativo a
sobre o produto e o último bloco foi
produção mínima em que se contempla
elaborado com a intenção de levantar
um terço da área total de pastagem na
dados quantitativos sobre o mercado. As
região, o cenário máximo formado pela
entrevistas foram realizadas durante o
totalidade da área e o cenário médio
mês de agosto de 2015 nas dependências
composto pela metade da área total.
dos estabelecimentos.
Nesta abordagem também foram
utilizados os dados de pastagens do
Censo Agropecuário de 2006, somados
4. O mercado da fruta da bocaiuva na
às áreas já exploradas pelo sistema
Região Metropolitana do Vale do Rio
proposto.
Cuiabá
A partir de pesquisas bibliográficas e de
Embora não se tenham inventários da
visitas a algumas comunidades rurais
palmeira para a totalidade da zona rural
situadas no entorno da capital, foram
da RMVRC, alguns estudos acadêmicos
encontrados 5 estabelecimentos que
estimaram a densidade em regiões com
comercializam a fruta, seja por meio de
características semelhantes, possibilit-
seu beneficiamento ou por sua venda in
ando estimar a densidade de plantas
natura. Necessitando obter informações
nativas existentes e do potencial de
relativas ao mercado existente para o
cultivo. O resultado é apresentado na
produto, foram realizadas entrevistas
Tabela 1.
individuais aos proprietários dos
estabelecimentos, estruturadas por meio
de formulário com questões abertas,

Tabela 1. Densidade estimada de palmeiras da Bocaiuva na Região Metropolitana do Vale


do Rio Cuiabá.

Quantidade de
Área Densidade Total de
Estimativa Frutas
(em ha)1;2 (ind/ha) Palmeiras (mil)
(mil)6;7
Mínimo 683 82.473 21.937.814
Nativa Médio 1.212.838 120 145.541 38.713.789
Máximo 1724 208.608 55.489.764
Mínimo 410.871 164.348 149.556.923
Cultivo Médio 616.306 4005 246.522 224.335.384
Máximo 1.232.612 493.045 448.670.768

Fonte: Elaborado a partir de Lorenzi (2006)3;6; Pimentel et al. (2009)5;7; Corá; Urbanetz; Salis (2013)4..
1Soma das áreas de pastagem naturais e plantadas. 2Soma das áreas de pastagens e das áreas

destinadas ao sistema agroflorestal (máximo é a área total, médio é a metade da área e o mínimo é
um terço da área total).

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Considerando as áreas de pastagem, ter- A dispersão das plantas nativas dificulta a


se-ia entre 82,5 milhões e 208,6 milhões coleta humana, pois exige mais horas de
de palmeiras nativas presentes na zona trabalho, encarecendo este elo da cadeia
rural da RMVRC. A taxa anual de produtiva (Lorenzi, 2006). Medida
crescimento estimada em 19%, ceteris alternativa e já proposta na literatura por
paribus, duplicaria as densidades mínima Pimentel et al. (2009) é o cultivo da
e máxima em 4 anos. Estas estimativas palmeira em sistema silvipastoril ou
resultam em disponibilidade anual de agroflorestal. Projetando a adesão
frutos entre 21 bilhões e 55 bilhões de equivalente a um terço, metade e a
unidades, totalizando média de 1.161 totalidade da área de pastagens e
toneladas. Estas estimativas, aliadas as daquelas destinadas aos sistemas
características químicas e biológicas já agroflorestais, foi possível estimar
apresentadas, confirmam o potencial quantidade mínima de 164,3 milhões e
econômico da A. aculeata em auxiliar no máxima de 493 milhões de palmeiras.
processo de desenvolvimento da região Assumindo espaçamento de 5 por 5
por meio do aumento da complexidade da metros entre as fileiras de palmeira, ter-
matriz econômica local, utilizando o se-ia elevação de aproximadamente
capital econômico, humano e natural 100% da quantidade de plantas, em
local. A estimativa média é a que se comparação a exploração de palmeiras
apresenta como plausível, pois traduz a nativas. O cultivo também resultaria em
média entre as densidades encontradas maior produtividade, a quantidade de
na literatura, nesse sentido seriam 145,5 frutas se elevaria entre 500% e 700%,
milhões de palmeiras, 38,7 bilhões de acarretando em 4.486 toneladas do fruto.
frutos que correspondem à oferta de A elevação da densidade facilitaria a
1.161 toneladas. coleta, provocando a redução do custo do
elo inicial da cadeia.
Ressalta-se que, embora a região
avaliada possua as características A estimativa mais coerente seria a média
indicadas pela literatura como suscetíveis em que se considera a metade da área de
à reprodução da palmeira, a área de 1,2 pasto disponível. Seriam 246,5 milhões de
milhão de hectares pode apresentar palmeiras, 224,3 bilhões de frutos que
características de solo, incidência de luz resultariam em 6.730 toneladas. Ressalta-
solar e índices pluviométricos ligeiramente se que a produtividade dependerá do
distintos, ocasionando produtividades espaçamento utilizado em cada
distintas. A existência de maior ou menor propriedade, de modo que o consórcio
número de animais que predam o fruto e não inviabilize a pecuária. A adesão dos
da exploração humana também pode agentes locais em direcionar o capital
ocasionar tal efeito. Entretanto, estes não econômico para cultivo ou coleta da
comprometem a estimativa realizada, uma bocaiuva na RMVRC potencializam a
vez que variações positivas ou negativas formação de economias de aglomeração,
ocorrem em torno da tendência central. reduzindo custos e possibilitando a oferta
Outra questão relevante é a dispersão dos organizada dos frutos para
indivíduos. As palmeiras tendem a se beneficiamento na principal zona urbana
espalhar em regiões abertas, isto porque da região.
a aglomeração da planta nos chamados
“bocaiuvais” aumenta a competição por O elo seguinte a etapa primária da cadeia
nutrientes e atraem predadores, da bocaiuva é encontrado principalmente
dificultando o crescimento das sementes. em Cuiabá. O autoconsumo e a
As sementes que brotam em locais mais abundância de palmeiras na zona rural
distantes possuem maior chance de inviabilizariam a comercialização da fruta
sucesso no crescimento. e de produtos derivados tradicionalmente
conhecidos, fato que tenderia a não
ocorrer no centro urbano, dada a baixa

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incidência da palmeira nas regiões originados da bocaiuva. Visando garantir


centrais. A verificação desta afirmativa foi o sigilo da identidade dos entrevistados,
feita por meio de entrevistas aos evitando assim, vieses nas respostas, a
estabelecimentos da capital mato- análise dos dados se dará com os nomes
grossense que comercializam a fruta ou fictícios, Banca A, Banca B, Banca C,
alguma forma de beneficiamento. As Sorveteria e Restaurante. A Tabela 2
entrevistas foram realizadas junto aos revela as respostas dos entrevistados
responsáveis pelos estabelecimentos sobre suas expectativas referentes a
identificados como comerciantes da fruta exploração da A. aculeata.
in natura e produtores de alimentos

Tabela 2 - Expectativas para exploração da bocaiuva, segundo os comerciantes.

Perguntas Sorveteria Restaurante Banca A Banca B Banca C


Bebida Bebida
Produto Sorvete In natura In natura
natural alcoólica
O que motivou a
Demanda Demanda Demanda Demanda Abundância de
comercialização
Elevada Elevada Elevada Elevada Matéria prima
deste produto?
Como classificaria
a aceitação dos Ótima Ótima Ótima Ótima Ótima
consumidores?
Pretende aumentar
Sim Sim Sim Sim Sim
a produção?

Fonte: Resultado da pesquisa.

Os dois estabelecimentos, que significativa demanda se deve a cultura


comercializam o fruto in natura, são cuiabana, que tem a fruta como parte da
bancas (ou quitandas) localizadas no dieta.
Mercado Varejista Antônio Moisés Nadaf,
popularmente conhecido como “Mercado Os outros três estabelecimentos
do Porto”. Esta é a principal feira de beneficiam a fruta para produção de
comercialização de produtos rurais da alimentos e bebidas a partir da polpa. De
RMVRC, responsável pelo abastecimento modo geral, os produtos ofertados pela
dos estabelecimentos comerciais da Sorveteria têm forte apelo regional, motivo
capital. O Mercado do Porto é formado pelo qual, atende consumidores locais e
por 171 bancas que ofertam peixes, turistas que desejam provar as frutas
queijos e doces, aves, cereais, hortaliças locais. Mais uma vez, a cultura local que
e frutas, raízes, confecções e artesanatos, incorpora a bocaiuva na dieta foi citada
além de outros 33 espaços dedicados a como principal fator originador da
açougues e 14 lanchonetes. demanda pelo produto. Adicionalmente,
tem-se a demanda por turistas. O produto
As Bancas A e B iniciaram a venda do comercializado no Restaurante analisado
fruto devido a procura recorrente de seus é o suco vendido em jarra de 1 litro.
clientes. Os entrevistados relatam que Localizado na região central de Cuiabá,
após a introdução do produto entre este estabelecimento atende
aqueles ofertados a procura cresceu trabalhadores de classe média e
ainda mais, a ponto de desejarem ampliar tradicionalmente ligados à região, fato
a oferta. Ambos afirmam que a apontado pelo proprietário como

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responsável pela procura. O início da bocaiuva ali comercializado é o licor,


produção se deu por interesse do bebida alcoólica oriundo de frutas. A
proprietário que, ao experimentar em sua motivação inicial da produtora se deu pela
residência, resolveu testar sua disponibilidade de frutos em sua
aceitabilidade. A contínua elevação da propriedade particular, a aceitação, por
demanda também o motiva a ampliar a parte da população é considerada, pela
produção. expositora, como ótima ao ponto de
justificar a expansão da produção.
A Banca C é uma banca expositora
cadastrada para comercialização de seus Todos os estabelecimentos entrevistados
produtos artesanais na feira organizada indicaram o desejo de ampliar a
pela unidade do Serviço Social do comercialização de seus produtos, pois a
Comércio (SESC) localizada no Centro fruta já estaria inserida na dieta dos
Sul de Cuiabá. Conhecido popularmente moradores originários, ressaltando-se o
como “SESC Arsenal” esta unidade abriga apelo de “produto regional” para consumo
o “Bulixo”, atividade desenvolvida as de turistas. O passo seguinte se refere ao
quintas-feiras entre 18h e 22h no pátio levantamento de dados sobre a
interno do estabelecimento, integrando comercialização, que são apresentados
vários expositores que comercializam na Tabela 3.
artesanatos e comidas típicas da região.
Com entrada franca, o evento atrai, em
média, 4 mil pessoas. O produto da

Tabela 3 – Oferta mensal por produtos oriundos da Acrocomia aculeata, em Cuiabá entre
2014 e 2015.

Perguntas Sorveteria Restaurante Banca A Banca B Banca C


Produção Total¹ 80** 7,5** 20* 5* 6**
Total vendido¹ 80** 7,5** 20* 5* 6**
Não possui
Região de coleta dos Nobres e
fornecedor Próprio Cuiabá Próprio
frutos Jangada
fixo
Valor Final R$ 50,00² R$ 8,00² R$ 6,00³ R$ 4.00³ R$ 40,00²

Fonte: Resultado da pesquisa. ¹Média mensal. ² Valor por litro. ³ Valor por quilograma *Em
quilogramas. **Em litros.

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Considerando a média semanalmente Todos os estabelecimentos afirmaram que
ofertada e a demandada dos produtos seus produtos foram bem recebidos por
comerciali-zados, todos os seus clientes, fato que justificaria a
estabelecimentos vendem a totalidade ampliação da oferta. A dificuldade na
dos produtos que dispõem. A venda da obtenção da fruta foi o obstáculo indicado
fruta in natura soma 25 kg e valor médio pelos produtores, primeiro por que o
de R$ 5,00 por quilograma, sendo a período de coleta se restringe a segunda
Banca A responsável por 20 kg e preço de metade do segundo semestre do ano,
R$ 6,00. A sorveteria produz e vende segundo porque a logística do elo primário
cerca de 120 kg de sorvete de bocaiuva não é profissionalizada. Não existe um
por semana. A venda é feita “por bolas” sistema de manejo que permita a coleta e
de 100 mililitros em média, que são entrega das frutas em quantidade
vendidas por R$ 5,00, totalizando uniforme ao longo dos meses, dada a
aproximadamente R$ 50,00 por litro. No sazonalidade. Os fornecedores são, em
total, são vendidos 80 litros por semana. sua maioria, pequenos proprietários rurais
O suco produzido pelo restaurante é que destinam suas horas vagas para a
vendido ao preço de R$ 8,00 por litro, coleta. Observa-se que o potencial médio
sendo entregues 7,5 litros, em média. O estimado de 38 bilhões de frutas
beneficiamento é realizado manualmente. produzidas por palmeiras nativas na
Os sorvetes são produzidos a partir da região não está sendo explorado. Dois
polpa da fruta obtida após lavagem em fatores podem explicar esta constatação:
água corrente e retirada do epicarpo com o fornecimento disforme da fruta ao longo
as mãos, permitindo a despolpa com do ano, abertamente relatado pelos
auxílio de facas de cozinha. A despolpa entrevistados, e o desconhecimento dos
para produção do suco é feita da mesma habitantes do centro urbano quanto aos
forma, se diferenciando apenas no benefícios nutritivos e potencialidades
armazenamento do mesocarpo. O químicas da fruta, dada a baixa
restaurante opta por armazená-lo quantidade de estabelecimentos.
despolpado, enquanto a sorveteria retira o
epicarpo e armazena o produto antes da Desse modo, pode-se dizer que a
despolpa. O epicarpo, o endocarpo e o existência da A. aculeata em quantidade
endosperma são descartados após a significante na região não é suficiente
despolpa. A Banca C, por sua vez, realiza para que esta possa ser considerada
o processamento da fruta e realiza o facilitadora do desenvolvimento
armazenamento em seu produto final cuja endógeno. Como afirmam Barquero
forma de produção se restringe ao (2001) e Buarque (2008), as dimensões
despolpamento e a mistura coma a que corroboram, para o caminhar sobre o
cachaça para produzir a essência. trilho do desenvolvimento e a
consequente redução das disparidades
A origem do fruto é diversificada. Os econômicas e sociais entre as regiões,
produtos vendidos in natura são obtidos envolvem a elevação da competitividade
em fornecedores localizados em Cuiabá, interna a partir da apropriação de capital e
em bairros periféricos e nos municípios de de sua reprodução por agentes locais. O
Nobres e Jangada, distantes em 122 capital social deveria ser o suficiente para
quilômetros e 74 quilômetros que as instituições permitam o
respectivamente. Os proprietários do surgimento, manutenção e o progresso de
restaurante e da banca afirmaram retirar sistemas locais que corroborem a coleta
todos os frutos de suas propriedades ou cultivo e a comercialização e
localizadas na RMVRC. A sorveteria beneficiamento da fruta. Ter-se-ia, desse
depende da entrega dos frutos, modo, diversos estabelecimentos
geralmente realizada por seus próprios dedicados a produção e comercialização
clientes. de vários produtos. As economias de
aglomeração envolvidas, seja de escala

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ou de escopo, resultariam em redução da Lorenzi (2006) como de conhecimento
fragilidade macroeconômica da região das comunidades rurais da região.
cuja matriz econômica seria menos Fazendo-se valer dos componentes
dependente, elevação da competividade nutricionais que qualificam seus derivados
com outras regiões, viabilizando sua como ricos em zinco, potássio e cobre,
entrada em cadeias de produção além de β-caroteno, proteínas, cálcio,
internacionais. fósforo e manganês (Hiane et al., 1992,
2006; Ramos et al., 2008).
O potencial da bocaiuva para atuar como
um dos diversos produtos fabricados por Caminho alternativo seria o cultivo da
agentes locais, articulados e engajados na palmeira. Essa trajetória alternativa seria
reprodução do capital, auxiliando no essencial para produção de mercadorias
caminhar para o desenvolvimento industrializadas com alto valor agregado e
somente será possível com a divulgação que demandam significativas quantidade
de suas potencialidades nos centros de insumos para validar sua operação. O
urbanos e zonas rurais da região e com a trabalho de Vilela et al. (2014) revela a
capacitação e acompanhamento técnico, viabilidade da produção de biodiesel da
a fim de promover a uniformidade no seu bocaiuva cultivada, sendo possível
fornecimento. O apoio técnico no que produzir 606.519 quilos do combustível
tange a tecnologia agronômica e de por hectare em um ano, conferindo
alimentos, visando a ampliação do retornos econômicos significativos e
período produtivo e a utilização de respostas superiores ao biodiesel
técnicas seguras de armazenamento e produzido a partir da soja e milho (CÉSAR
distribuição, poder-se-ia garantir a et al., 2015). Tem-se ainda a possibilidade
ampliação da comercialização nos de produção de etanol tendo a torta da
estabelecimentos atuais e também atrair bocaiuva como insumo, conforme
capital e políticas estatais, potencializando enumerado por Santos (2011). As
assim a cadeia como um todo. discussões atuais sobre este assunto se
referem à tecnologia que melhor se
Nesse sentido, pode-se visualizar ao adapta a este tipo de insumo. Neste
menos dois caminhos a serem seguidos, mesmo espectro, tem-se a produção de
um baseado no agroextrativismo e outro cosméticos como já é realizado por
no cultivo. No primeiro caso, o elo inicial Macaúba Brasil (2015) em Minas Gerais e
da cadeia produtiva da bocaiuva seria que é apontado por César et al. (2015)
liderado por pequenos produtores, como o destino ideal para o óleo da
assentamentos, comunidades e semente. Em síntese, este modelo de
associações rurais que, com auxílio ajustamento da cadeia produtiva
financeiro e técnico do Estado, poderiam dependeria da utilização de grande faixa
realizar o manejo sustentável da palmeira, de terra, capital para investimento e giro,
extraindo e armazenando sua fruta. Esta além de readequação do elo de
forma de estabilização no fornecimento da beneficiamento. Embora passiveis de
fruta seria estritamente extrativista e execução, tais características tendem a
executada em conjunto com as atividades centralizar a produção nas mãos de
habituais dos coletores, se caracterizando poucos produtores, reduzir a
como incremento de renda. Por respeitar biodiversidade e inviabilizar as atividades
os limites ecológicos para extração e por extrativas, dado sua eficiência.
não cultivá-las, este modo de obtenção da
bocaiuva condicionaria seu Os dois caminhos são perfeitamente
beneficiamento a produção de alimentos plausíveis e podem, cada uma a sua
como o sorvete e o suco, além daqueles forma, ocasionar em fortalecimento de
já desenvolvidos e testados por Kopper et uma cadeia que ainda se encontra
al. (2009), Dessimoni-Pinto et al. (2010) e desorganizada e contribuir para geração
Munhoz et al. (2014) e indicados por de empregos, renda e reprodução interna

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do capital. Barquero (2001) afirma que o associados à coleta dos frutos, dada a
tamanho das empresas não é relevante dispersão das palmeiras e possibilitar o
para o processo de desenvolvimento desenvolvimento da atividade. O cultivo
endógeno. Segundo ele, a característica tem potencial para atingir de 246,5
essencial é a interação entre os agentes milhões palmeiras adensadas em áreas
econômicos, possibilitando o exercício do hoje ocupadas com pecuária, dependendo
civismo em prol do fortalecimento do do modo como cada propriedade
intitucionalismo, essenciais ao aumento adequaria o cultivo da bocaiuva e da
da competitividade. pastagem. A relação entre a produtividade
da palmeira e da pastagem, em plantio
5. Considerações finais consorciado, carece de estudos
específicos que incorporem, ao VPL os
A exploração econômica da Acrocomia retornos da pecuária.
aculeata ainda é incipiente na RMVRC,
embora apresente potencial, pois os 6. Referências
atuais produtos comercializados indicam
boa aceitação pelos consumidores, Almeida, S. P. Cerrado: Aproveitamento
justificando a ampliação da oferta dos Alimentar. p. 188, 1998.
mesmos e o investimento em novos
produtos. A estimativa indicou a existência Barquero, A. V. Desenvolvimento Endógeno
em Tempos de Globalização. 1a ed. Porto
de aproximadamente 145,5 milhões de
Alegre: Fundação de Economia e Estatística,
palmeiras nativas na Região 2001.
Metropolitana do Vale do Rio Cuiabá,
quantidade suficiente para viabilizar o Buarque, S. C. Construindo o
aumento da comercialização do fruto para Desenvolvimento Local Sustentável. 4a ed. Rio
consumo em seu estado natural e para de Janeiro: Garamond, 2008.
beneficiamento. No entanto, o
fornecimento da fruta foi indicado como o César, A. D. S. et al. The prospects of using
principal entrave, pois o elo extrativo da Acrocomia aculeata (macaúba) a non-edible
cadeia não está organizado para a coleta biodiesel feedstock in Brazil. Renewable and
e oferta do produto em fluxo regular Sustainable Energy Reviews, v. 49, p. 1213–
1220, 2015.
(Banca B). A extração limita-se a sua
propriedade (Restaurante e Banca C) e/ou
Corá, T. C. L.; Urbanetz, C.; Salis, S. M.
as entregas feitas esporadicamente por Densidade de Acrocomia aculeata na
alguns clientes (Sorveteria). comunidade de Antônio Maria Coelho. Anais
do 6o Simpósio Sobre Recursos Naturais e
Dois caminhos se apresentam para a Socioeconômicos do Pantanal, v. Corumbá
profissionalização e estruturação deste 26, 2013.
elo da cadeia: a organização de pequenos
proprietários rurais para coleta, Costa, F. D. A. O momento, os desafios e
armazenamento e entrega das frutas de possibilidades da análise territorial para o
forma uniforme ao longo dos meses, planejamento do desenvolvimento nacional.
sendo voltado ao agroextrativismo e a IPEA - Texto para discussão1, v. 24, n. 1788,
p. 613–644, 2012.
realização de investimentos, capacitação
e viabilização do cultivo da palmeira. A Dessimoni-Pinto, N. A. V. et al. Características
profissionalização do extrativismo físico-químicas da amêndoa de macaúba e
depende de articulação dos pequenos seu aproveitamento na elaboração de barras
produtores rurais, por meio de suas de cereais. Alim. Nutr., v. 21, n. 1, p. 79–86,
associações e do poder público no que 2010.
tange a definição e treinamento dos
coletores quanto ao manejo sustentável Hiane, P. A. et al. Teores de Minerais de
da planta. Essa articulação entre Alguns Frutos do Estado de Mato Grosso do
produtores, coletores e o poder público é Sul. Boletim do Centro de Pesquisa de
essencial para redução dos custos

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