Você está na página 1de 4

A revolução digital do Magazine

Luiza
Comandada por Frederico Trajano, a empresa adotou
estratégias de startups para recuperar as vendas e o lucro em
meio à crise no varejo. saiba como o executivo está
conseguindo virar o jogo

A grande maioria dos clientes que entram diariamente na loja do Magazine Luiza da
Marginal Tietê, em São Paulo, provavelmente não sabe que no piso de cima são
planejadas todas as estratégias do quinto maior grupo varejista do Brasil, cujo
faturamento bruto atingiu R$ 10,5 bilhões no ano passado. É lá que 400
funcionários, boa parte deles com vinte e pouco anos de idade, trocam ideias em um
ambiente sem divisórias ou paredes entre os departamentos. Nem mesmo os
diretores possuem seus próprios espaços. Os cinco principais executivos da
empresa dividem uma sala cercada por vidros transparentes, dando o aspecto de
um aquário. O ambiente coletivo é uma forma de manter o time integrado, a fim de
tomar decisões rápidas – modelo comum em empresas de tecnologia do Vale do
Silício, o berço americano das startups.
Ali, todos podem enxergar o vaivém do CEO Frederico Trajano, 39 anos, o “Fred”,
dando expediente das 8h até altas horas da noite. É da mesa dele, posicionada ao
centro do “aquário”, que são definidos os rumos da companhia desde janeiro,
quando assumiu o cargo. Sua mãe, Luiza Helena Trajano, passou o bastão para
presidir o Conselho de Administração. A mudança ocorreu em um período crítico
para a companhia. A recessão econômica pegou em cheio o varejo, um dos
primeiros a sentir os efeitos da crise. Para o Magazine Luiza não foi diferente. “O
varejo está passando por uma transformação e muitas empresas vão sumir por
conta disso”, disse o executivo, em entrevista à DINHEIRO.
Para não ser uma dessas vítimas, o Magazine Luiza parte para o contra-ataque.
Pensar e ser digital é uma espécie de mantra dentro da companhia. E Frederico
Trajano está à frente de uma revolução que pretende mudar não apenas o modelo
de operação da rede varejista, mas também a forma como os clientes compram seus
produtos. Por meio de novos canais de venda e aplicativos para celular, a empresa
quer conquistar o consumidor da internet, oferecendo a ele um pouco da experiência
da pessoal das lojas físicas – e vice-versa. Será oferecida, por exemplo, a
possibilidade de comprar pela web e retirar em uma loja física mais próxima.
Com outras ferramentas e com a ajuda de seu banco de dados, a empresa também
conseguirá se antecipar às necessidades dos consumidores, oferecendo aos
clientes produtos relacionados aos seus hábitos de compra. Com essa estratégia,
até 2020, o Magazine Luiza tem a ambição de dominar uma boa parte do comércio
da internet e abocanhar a participação de mercado dos rivais, como B2W e Cnova.
Diante dos números do setor, a ofensiva de Trajano se mostra mais do que
necessária. Em 2015, o varejo recuou 4,3%. Se analisado somente o setor de
móveis e eletrodomésticos, exatamente no qual o Magazine Luiza atua, o tombo foi
ainda mais forte: 14%.
Apesar de ter ficado melhor que o mercado, a empresa também sofreu. As vendas
diminuíram 10,9% e seu faturamento foi reduzido em 8,9%. Isso foi preponderante
para, em dezembro, suas ações atingirem R$ 7,83, o mínimo histórico desde a
abertura de capital, em 2011. O detalhe é que os papéis foram a esse patamar
apenas três semanas após o anúncio de que Fred assumiria a presidência. Um teste
de fogo para o novo comandante, que foi o grande responsável pela implantação do
projeto de vendas digitais da varejista, que já representa 23% da receita. Para
enfrentar tamanho desafio, Trajano se blindou.
Contratou duas consultorias, a Galeazzi, reconhecida no mercado pela destreza na
redução de custos, e a McKinsey, para buscar as melhores oportunidades nas
formatações das lojas e nos mercados em que a empresa está presente –
atualmente, o Magazine Luiza possui 787 pontos de venda. O resultado foi o
mapeamento das oportunidades de ganhos de participação no curto e médio prazos,
além de uma redução de 10% do quadro, que passou a ser de 20 mil
funcionários. Oito meses depois, a despeito da contínua deterioração do cenário
econômico e do varejo, o Magazine Luiza virou o jogo. Ao contrário de boa parte do
setor, a empresa voltou a vender mais e alcançou o azul novamente.
No primeiro semestre, a receita bruta subiu 3,6%, a R$ 5,3 bilhões, e seu lucro
aumentou 166,1%, a R$ 15,7 milhões. O Ebitda, importante indicador de geração de
caixa, deu um salto de 21%, a R$ 307,3 milhões. Pode parecer pouco, mas não é.
No mesmo período, as vendas de eletrodomésticos caíram 16,5%, atingindo 16
meses seguidos de queda. Os resultados fizeram as ações dispararem. Na quinta-
feira 25, fecharam a R$ 61,76, uma valorização de 462% desde o anúncio da
efetivação de Trajano. Corretoras como a BB Investimentos e a Planner, que tinham
o preço alvo dos papéis na casa dos R$ 15, colocaram a empresa em revisão e com
viés de alta. “Não é uma surpresa que estamos colhendo os frutos antes do
mercado”, afirma o executivo.
Quando atuava em um fundo de private equity, em 1999, Trajano começou a
perceber que a internet poderia ser uma ameaça ao varejo. De lá, ele observou
diversas empresas do segmento fechando as portas, como as paulistanas Mappin e
Arapuã, ligando o sinal de alerta. Mesmo não sendo o seu objetivo de vida, decidiu
entrar na empresa da família. De lá para cá, muita coisa mudou. O Magazine Luiza
se tornou uma das maiores varejistas do Brasil e a sua mãe virou referência no
setor. E, como ele tinha percebido, a internet passou a ser um dos grandes motores
de vendas.
No ano passado, enquanto o varejo físico apresentou retração, a compra de
produtos pela internet aumentou 15,3% e chegou a movimentar R$ 41,3 bilhões – a
expectativa é de que esse percentual seja ainda maior em 2016. “Não existe mais
comércio físico ou virtual, ambos são reais”, diz Fred Rocha, consultor independente
de varejo e marketing digital. “Muitos varejistas não entenderam que atrás de um
clique no computador existe uma pessoa. O Magazine Luiza é uma das poucas
exceções.” A meta da companhia é ser uma empresa digital, com pontos físicos e
“calor humano”.
Em outras palavras, Trajano quer trazer as facilidades do ambiente online para o
offline, mas sem descartar os benefícios das lojas físicas, como atendimento
personalizado e o contato com os produtos. Também, é necessário aproveitar as
sinergias que um sistema integrado pode trazer: menores custos de estoque, além
da otimização da logística e da infraestrutura da rede. Para isso, a empresa continua
investindo e muito no seu laboratório de inovação, chamado de Luiza Labs. Lá,
cerca de 100 jovens formam 27 times focados na criação de produtos.
De acordo com Trajano, é de lá que sai tudo o que coloca a companhia na dianteira
do varejo multicanal. Um dos exemplos é o Magazine Você. O serviço, lançado em
2012, consiste na venda direta por pessoas físicas de produtos da empresa, prática
muito comum no setor de cosméticos. “O Brasil entrou em crise e começamos a
aparecer”, diz Trajano. “Muitas pessoas entraram no Magazine Você para gerar um
complemento na renda.” O executivo afirma que foi crucial para o crescimento de
30,69% nas vendas do comércio eletrônico no primeiro semestre.
Mais do que o aumento no faturamento, Trajano garante que o Magazine Luiza faz
algo que pouquíssimas varejistas conseguem na internet: ter a última linha do
balanço positiva. Embora não revele detalhes de sua tática, ele afirma que a
operação é lucrativa desde o seu primeiro dia. Isso porque a companhia, segundo
ele, não entra na guerra de preços promovida pela concorrência. Por conta da
facilidade que o consumidor possui para comparar preços na internet, as
companhias o disputam a tapa – nem que isso represente prejuízo.
“No Brasil houve uma concorrência muito selvagem e que levou a práticas
insustentáveis”, diz Alberto Serrentino, fundador da consultoria Varese Retail,
especializada em varejo. “Vender o produto com desconto, em 12 vezes sem juros e
ainda frete grátis faz a conta não fechar.” Por isso, o Magazine Luiza foca no
atendimento para fidelizar o cliente. No portal de vendas, além de ter todas as
informações do produto, o consumidor tem a ajuda da “mascote” Lu, uma espécie de
mulher digital. Por meio de vídeos interativos, ela explica mais detalhes da
mercadoria. Também ajuda a sanar as dúvidas dos clientes como a quantidade de
BTUs necessários para um ar-condicionado, por exemplo.
Até hoje, 15 mil vídeos foram publicados e mais de 60 profissionais contratados para
produzir o conteúdo. O grande desafio, atualmente, é o processo de integração da
logística e dos canais online e físico. Para acelerar a digitalização, Trajano
encomendou 10 mil smartphones – todos os vendedores, até o final do ano que vem,
atenderão os clientes nas lojas físicas com os celulares, algo adotado pela
americana Apple no mundo inteiro. Por meio do CPF do comprador previamente
cadastrado, eles conseguem agilizar os processos e reduzir o tempo de atendimento
da compra. “O que demorava 40 minutos, passou a ser feito em apenas cinco”, diz
Trajano, referindo-se aos projetos-pilotos.
Também está em fase de testes um aplicativo que recupera todas as páginas que os
consumidores visitaram no site do Magazine Luiza antes de irem para a loja. Com
isso, vendedores, por meio de seus celulares, podem indicar produtos e marcas para
os consumidores com taxas maiores de acerto. “Antes, o vendedor perguntava para
o cliente qual era a sua necessidade. Agora, estamos evoluindo para um modelo em
que os hábitos são observados e analisados e, antecipadamente, se oferece ao
consumidor o produto exato”, afirma Thiago Catoto, gerente de desenvolvimento da
Luizalabs.
O Magazine Luiza aumenta a velocidade desse movimento virtual para, de fato,
estar na dianteira do mercado. Suas principais competidoras preferiram criar
operações distintas quando iniciaram as vendas pela internet. A B2W não tem
sinergias com a sua controladora, a Lojas Americanas. Já a Cnova está negociando
agora uma integração das atividades com a Via Varejo – o que traria ganhos a
ambos, como desconto com fornecedores e utilização da mesma infraestrutura.
Neste ano, quem voltou para a rede mundial de computadores foi o Carrefour, após
um hiato de quatro anos. O Walmart, assim como a Magazine Luiza, também se
inspira em um modelo de startup para dar resultado no e-commerce.
CALOR HUMANO É uma unanimidade no varejo brasileiro que Luiza Trajano
conquistou os consumidores com o seu instinto de vendedora voraz e, ao mesmo
tempo, com uma relação cordial e próxima de funcionários e clientes – algo que seu
filho herdou dela . Ela se orgulha em dizer que ajudou a popularizar aparelhos que
facilitaram a vida dos brasileiros, como a máquina de lavar. Sua devoção à empresa
é tamanha que a empresária continua no dia a dia da companhia, mesmo tendo
como principal função presidir o Conselho de Administração. “Sou vendedora e
adoro ser vendedora, por isso não fico longe do balcão”, diz Luiza Trajano (confira
entrevista ao final da reportagem).
Até para manter a tradição, o filho mais velho Fred quer deixar a sua marca. “A
minha tia vendeu as primeiras televisões coloridas, a minha mãe deu acesso às
maquinas de lavar e quero que o meu legado seja a digitalização do consumidor”,
diz. Por isso, ele lançou em rede nacional um reality show que tem como missão tirar
o consumidor do mundo analógico. A Magazine Luiza, por meio do apresentador
Tiago Leifert, seu garoto-propaganda, visitará a casa dos clientes para explicar os
benefícios da era digital. “As pessoas não utilizam todo o potencial dos aparelhos”,
diz o CEO. “Queremos mostrar todos os benefícios que esses produtos podem
trazer para a vida das pessoas.” E, por que não, lucrar com isso.
-----
“O Brasil é maior que qualquer crise”
Leia a entrevista de Luiza Trajano sobre a nova fase da empresa:
Como é estar mais longe do balcão agora? Como avalia os primeiros oito meses do
Frederico como CEO?
Sou vendedora e adoro ser vendedora, por isso não fico longe do balcão. Gosto de
manter canais de contato direto com clientes e colaboradores. Estou muito confiante
com o trabalho do Frederico, que planejou e se preparou muito bem desde que
atuava com diretor-executivo.
Na sua opinião, a empresa está seguindo um caminho que você imaginava?
O Frederico apresentou um planejamento extremamente estudado e que privilegia a
inovação e isso passa por uma empresa digital com pontos físicos e calor humano.
Em 2014, a senhora negou que havia uma crise, que acabou batendo forte no setor
e na empresa um ano depois. Foi um erro de avaliação?
O que sempre acreditei e preguei foi que o Brasil é maior que qualquer crise. Nunca
neguei a crise, fui confiante. Otimismo é esperar pelo melhor, confiança é saber lidar
com o pior. Nesse sentido, orientamos toda a equipe a saber lidar com a crise e
transformá-la em oportunidade, tanto que os lemas da empresa nestes anos foram
“mais com menos” e “foca na venda”.  

Você também pode gostar