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Ly. he! A PARTICIPAGAO SUBORDINADA: INSTITUIGOES PARTICIPATIVAS LOCAIS NO SISTEMA FEDERATIVO BRASILEIRO Osmir Dombrowski Visto que ox dots principio: sobre os (quais repousa toda a ordem socal, a Autoridade a Liberdade, por um lado, so contrarios um ao outro € perpetuamente em luta,e que por ‘ouiro lado née podem nem anular- ste nem fundir-se, uma sransasto entre eles torma-se inevitdvel Todos 0s governos de fato, sejam ‘quis forem 05 seus mosivos ow reservas, reconducem-se assim a uma ow outra destas duas formu. las: Subordinagao da Autoridade A Liberdade, on Subordinagio da Liberdade a Autoridade, (Proudhon, Do Principio Federative) ‘Apecar de muito rica empiricae teoricamente,a literatura dedicada a democracia participativa e& andlise das instituigSes, participativas no Brasil, no incorpora, senio marginalmente, 0 processo de subordinagio das unidades subnacionais pelo strrun bes PARTICPATIVASLOCAIS WO SITTEMA: OsmirBombrovcki governo central percebido com maior clareza em andlises de politicas publicas, principalmente, aquelas que tomam o sistema federativo como variével explicativa, Endo é di imaginar que o desempenho de instituigdes participativas funcionando em nivel local em um sistemafederative complexo no pode ir além dos limites dados pela autonomia (oufalta de) ‘cil das unidades federadas: em muniefpios destituidos de autonomia politicaefinanceira, mesmo quando sio designados como “entes federados” como é 0 caso dos mun instituigSes participativas, necessariamente, também dectitu- ‘das de autonomia. Trata-se de uma limitage que é burocrética e legal, mas, sobretudo, de uma iniludivel codigo légica. jos brasileiros, subsistirao 0 presente ensaio, depois de discorrer sobre tragos histéricos da relagio entre o poder local eo central no federalismo e a autonomia politica e inanceira dos municipios, questionao cardter dapparticipag’o popular possivelno contexto das atuais relagSes, argumentando que na presente configu- rage de arranjo federativo, dada sua centralizago, nao existe espago seno para uma participagdo subordinada. FEDERALISMO E AUTONOMIA MUNICIPAL De inicio, registre-se que a reptblica federativa que sucedeuo Império Brasil para cima’, com as unidades lecais pactuando uma associago maior e cedendo parte de seus poderes para a garantia de interesses comuns. Pelo contrrio, o procesto de instituigo da em 1891 nao foi formada “de baixo federagao no Brasil se desenvolve de “cima para baixe", corres- pondendo ao que estudiosos denominam como “federalismo Aranricnasio susorn} nsTITUn Ss PARTICIFATIVAS LOCALS WO SIFTEMA FEBERATIVO BRASH OsmirBombrovcki centrifuga” que reculta de um Estado unitdrio que cede parte de seus poderes para provincias ou regises, as quais assumem a condigao de Estadas-membros da federago sem ter vivide a condigio de Estado independente. Nao fosse este vicio de origem adeterminar a superioridade do poder central ne federalismo brasileiro, hé que ce considerar que Stepan (1999), por exemplo, prefere adotar a distingao entre “federalismo para unir” e “federalismo para manter a unio" em lugar de “centrifuge e centripeto”, parecendo indicar com isso que, ao contrario do que se poderia pensar, em ambos 08 casos, o que est em Jogo € a supremacia do poder central: criado “para unir”, ou para “manter aunio", o resultado do federalismo tende aser a existéncia (mantida ou instituida) de um poder central superior e adependéncia politica e econdmica das unidades bsicas. Nao é0 intento neste trabalho saber se tal vicio de origem € incurdvel; se a centralizago do poder em regimesfederativos é inevitavel, ou se é possivel evité-la com o aprimoramento das instituigSes, ou coma queriaProudhon (2001), com o estabeleci- mento de um pacto de outro tipo; um pacto por intermédio do qual a comuna preserva uma parte da soberania maior, aquela abdicada em favor dafederag’o. Nesse momento, o que interessa mais diretamente éregistrar que aprevaléncia do poder central sobre os locais € uma constante ao longo de toda ahistéria do Brasil Republicano, De modo muito particular, segue-se aqui, invertendo o sinal, a sugesto de Kugelmas e Sola (1999) que chamam a atengZo para a continuidade de alguns elementos prdticos e institucionais, fator fundamental para compreender 0 movimento de centralizagdo e descentralizagdo que caracteriza ahistéria darelagdo entre poder central e municipal no Brasil. Assim, é possivel verificar que sem definigSes precisas na Constituigdo Federal, a sorte do muniefpio durante aPrimeira strrun bes PARTICPATIVASLOCAIS WO SITTEMA: OsmirBombrovcki Repiblica dependia politica e financeiramente da vontade da elite regional no poder: sem nenhum direito de arrecadagio constitucionalmente garantido, os munic eram administrados por dirigentes nomeados pelos presidentes, das provincias, e mesmo onde eram escolhidos por eleigSes, © eram em processos eleitorais corrompidos que além de excluir ios normalmente a grande maioria da populago adulta, eram distorcidos por manebras fraudulentas amplamente conhecidas que caracteri- zaram as disputas eleitor ais daquele periodo,tais como 0 “o voto de cabresto” eo “bico de pena’, institutes tipicos do sistema politico batizado de cororelismo por Vitor Nunes Leal (1975). Com a derrocada da Reptiblica Velha e a ascensio do governo revolucionério em 1930 a situagao dos governos locais se altera consideravelmente, A Constituido de 1934 estabelece pelaprimeira ves a competéncia tributaria municipal indepen- dente das determinacSes estaduais e atribui aos municipios, os impostos sobre a propriedade territorial urbana, diversdes, publicas, renda de iméveis rurais, licengas e as taxas por servigos municipais. Sabiamente aquela Carta previa também que novos impostos eriades pelos Estados deveriam ter parte do valor arrecadado repassado para a Unio e aos municipios. Este texto inaugura um princfpio de autonomia politica muni cipal no Brasil, definindo, pela primeira ver, a eletividade de prefeitos e vereadores (SILVA, 2002; INTO, 2002). Muito breve, entretanto, a eletividade seria suspensa pelo regime centrali- zado do Estado Novo, e a nova Constituigio outorgada criaria a figura dos Interventores Federais incumbidos de governar os Estados, os quais passaram ater a competéncia para esco- Iher e nomear os Prefeitos Municipais. E a recentralizagao que ocorre naquele momento nao é apenas politica, Estudos do sistema tributdrio apontam que em decorréncia de legislagao Aranricnasio susorn} nsTITUn Ss PARTICIFATIVAS LOCALS WO SIFTEMA FEBERATIVO BRASH OsmirBombrovcki infraconstitucional e a criagao de novos impostos e tributos, em 1944, quando comparado a 1940, os municipios apresen- tavam umareducio relativa de aproximadamente um tergo das suas receitas, caindo de 11,6% para 7,2% a participagio destes, no total da arrecadagao tributéri ‘Carta Constitucional de 1946, que substitui a legislacae autoritéria do Estado Novo, conferiu maior autonomia admi- nistrativa, politica e financeira ao Municipio. Nao obstante, um observader da evolusae politica municipal pode notar que as leis organicas municipais continuaram a ser impostas aos Segundo Déria (1992, p. 36), “s6 os municipios do Rio Grande os por governos e assembleias legislativas estaduais. do Sul e algumas capitais tiveram leis organicas elaboradas internamente” e as eleigdes para prefeito das capitais também dependiam de leis estaduais. Do ponto de vista das finangas, pibblicas, a Constituigao de 1946 no implantou nenhuma reformaprofundana ectruturatributéria, apenas instituiuum sistema de transferéncias de impostos que dava & Unio maior capacidade para exercer teu papel de coordenagie fiscal como formade enfrentar 0 antigo problemabrasileiro da disparidade inter-regional. Com apromulgarao daEmenda Constitucional nfs, de 1961, a Unio passou atransferir aos municipios 10% da arrecadagio do imposto sabre consumo e 15% do imposto sobre rendae proventos, sempre em partes iguais,fato que de acordo com um especialista “gerou impactos assimétricos ¢ favordveis as unidades locais de menor renda (VARSANO, 1996,p. 5). mesmo analista nota, porém, que “a criacao das transferéncias foi acompanhadapor restrigdes autilizayao dosrecursos” ereceitas foram vinculadas ao desenvolvimento do sistema de transporte "Paracaber mais sobre esse assunto, vejaaTabela4.2 disponivelem silva(2002). strrun bes PARTICPATIVASLOCAIS WO SITTEMA: OsmirBombrovcki ¢ aempreendimentos ligados & industria petroquimica, e ainda que, “pelo menos metade dos recursos do IR recebidos pelos, municipios deveria ser aplicada em beneficios de ordem rural” (VARSANO, 1996, p. 6). Ao final, governo federal e municipios perderam participago no conjunto da receita ea previdéncia ‘mais as autarquiasfederais se fortaleceram, refletindo a op¢o governamental hegemSnicane perfodo que atribuiu a estas um papel de relevo na gestio da economianacional. A precéria autonomia dos municipios ainda seria forte- mente atingida pelo golpe militar de 1964, JS o primeiro Ato Institucional da ditadura recém-instalada confere aa governo central poderes para suspender os direitos politices e cassar mandates legislativos, federais, estaduais e municipais, arevelia de qualquer processe legal. Pelo Ato Institucional n'3, AL3, 08 governadores des estados passaram a ser escolhidos em processo de eleigSes indiretas pelas assembleias legislativas (devidamente expurgadas de oposicionistas) e os mandatérios estaduais assim escolhidos tinham o direito de indicar os prefeitos das capitais de seus respectivos estados. Depois, pelaLei ni? 549 de 04 de junho de 1968, também os prefeitos dos muni- cipios considerados “areas de seguranga nacional" passaram a ser indicados pelos governadores dos estados e nomeados diretamente pelo presidente da repiblica. E por intermédio do famigerado ALS, 0: militares determinaram o fechamento do Congresso Nacional por tempo indeterminade e atribuiram ao presidente da reptblica, secundado por um Conselho de Seguranga Nacional, o poder de cassar mandatos de membros, dos legislativos federal, estaduais e municipais e colocar em rrecesso assembleias legislativas e cfimaras de vereadores. Com areforma tributria realizada pela aprovagao em 1965 daEmenda Constitucional #18, 9: municipios passaram a Aranricnasio susorn} nsTITUn Ss PARTICIFATIVAS LOCALS WO SIFTEMA FEBERATIVO BRASH OsmirBombrovcki ter exclusividade sobre dois impostos, 0 IPTU, Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana e o ISS, Imposto sabre Servigos de Qualquer Natureza. A mesma emenda efetiva 0 poder redistributive do governe centralno interior dafederag’o come instrumento para corrigir as evidentes desigualdades regionais e altera o sistema de transferéncias e participaySes: como os municipios e seus dirigentes nao eram considerados capazes de aplicar adequadamente os recursos & sua disposigao, boa parte destes recursos foi vinculada afins especificos, no excolhidos pelos governos locais, mas determinados pelo poder central. Como resultado destes procedimentos, a0 final do Regime Militar, durante o periode chamado de “abertura politica”, prefeitas de diversas regides do pais iniciaram uma série de“marchas aBrasilia’ reivindicando alteragSes no Fundo de Participagio eo fim das vinculagSes das transferéncias (prética novamente muito exercitada nos dias atuais com objetivos semelhantes). 0 professor Edgar Neves Silva (1995, p. 28) considera aquele movimento dos prefeitos como anun- ciador do car ter munici lista danova Constituigao que seria outorgada apés o fim do Regime Militar. NanovaConstituigao promulgada em 1988 os municipios brasileiros passariam agozar de uma autonomia politica efinan- ceirajamais desfrutada, Livres para elaborar suas préprias leis organicas e constituir seus poderes legislativo e executivo em cleigdes diretas, os muniefpios mantiveram do sistematributério anterior agesto do IPTU e do ISS e receberam, em acréscimo, duas novas fontes de receitas: o Imposto de Transmissao de Bens Iméveis ¢ 0 Imposto sobre a Venda a Varejo de combust vel liquide e gatozo.© grande ganho dos municfpios, entretanto, foi anova composico do Fundo de Participarao dos Municfpios por meio do qual 22,5% do total arrecadado com o Imposto sobre strrun bes PARTICPATIVASLOCAIS WO SITTEMA: OsmirBombrovcki Produtos Industrializados e com o Imposto deRendapassou aser dlistribuido aos muniefpios em base proporcional ao nimero de habitantes. Outro indicative danova condiao de autonomiafoi o desaparecimento das vinculagies, exceto pela cbrigatoriedade de aplicago de 25% das receitas em educago. Antes de continuarmos é bom deixar claro que quando se diz que aquele movimento dos prefeitos no final da dita- dura anunciava as mudangas que seriam consumadas naneva Carta, nio se est atribuindo unicamente a ele as conquistas, consumadas no novo arranjo federativo nacional. Embora 0 poder central houvesse sido sequestrado pelos militares - e também por isso mesmo ~ 0 poder local permaneceu como esparo acessivel que seria ocupade por movimentos socials e associagdes de defesa dos mais diversos interesses puiblicos e também por diferentes setores de elite em crescente conflito com o poder central autoritario que se mostrava incapaz de dar respostas adequadas para problemas sociais progressiva- mente agravados por uma severa crise econémica. £ no nivel ilitar,noves e local, portanto, quenos estertores daDitadura velhos atores protagonizariam uma prética politicarenovadora, A atuagao nao dirigida para 0 poder central seria uma das caracteristicas marcantes de que na academia se convencionout chamar de “novos movimentos sociais", incluindo af o “novo sindicalismo” (SADER, 2001; KRISCHKE, 1987) e experiéncias administrativas inusitadas surgiriam tanto nas periferias das grandes metrépoles, a exemplo dos conselhes populares de satide criados em Sao Paulo ainda nos anos 1970 (COUTINHO, 1999; BOGUS, 2003), como nas prefeituras de cidades como Lages/SC, Boa Esperanga/ES, Diadema/SP e Recife/PE (ALVES, 1988; SOUZA, 1992). Todo este conjunto de fatores conflui para a edigdo em 1988 de uma nova Constituigo que, em alguma Aranricnasio susorn} nsTITUn Ss PARTICIFATIVAS LOCALS WO SIFTEMA FEBERATIVO BRASH OsmirBombrovcki medida, refletia aspiragSes descentralizadoras difundidas por amplos segmentos da sociedade. O novo texto colocou io ao lado dos Estados e da Unio como ente fede- rado autGnomo e autogovernado, com executive e legis préprios e independentes, ¢ limitou o poder de intervengo das unidades superiores sobre as locais, condicionando este tipo de ago arazdes concretas sob o juizo do legislative. Tudo isto coroado com uma nova partilha da receita fiscal entre os diferentes niveis de governo que aumentou a receita dos ‘municfpios para um patamar inédito na histSria especialistas calculam que nos primeiros anos da década de 1990 a parcela da arrecadagio tributria nacional destinada aos municipios passouaser duas vezes maior que no inicio da década anterior (ALMEIDA, CARNEIRO, 2003; SILVA, 2002). Diante do arranjo federative pactuade na Constituigo de 1988, alguns chegaram a acreditar que a descentralizagio vislumbrada naquele texto propiciaria base para uma prética politica democr itica renovada, Um grande indicative dessa crenga é 0 fato de que mais de 1300 municipios foram criados naquele periodo (CARVALHO FILHO, 2001). Por diferentes razies, entretanto, muito cede noves mecanismos de restrigo 4 autonomia dos governos municipais comecariam operar. Conforme observou Almeida (2005, p. 35), 4 em meados da década de 1990, "comesou aganhar fora entre analistas e os, decisores federais” a ideia de que a autonomia dos governos subnacionais deveria ser restringida, “especialmente a auto- nomia para definir despesas e alocar recursos”, e © consenso que havia imperado durante a assembleia constituinte sobre as virtudes da descentralizagao deixava de existir. O governo federal pastou, ento, areduzir ao méximo as transferéncias no obrigatérias, cortando subvengSes e desguarnecendo as strrun bes PARTICPATIVASLOCAIS WO SITTEMA: OsmirBombrovcki politicas sociais que haviam se tornado também responsabili- dades dos Estados e dos Municipios (BERCOVICI, 2002). Pela lente da teoria econdmica neoliberal, hegeménica naaquele final de século, dentro do quadro de crise fiscal exta- belecido, quando o governo federal percebe o aumento das despesas estaduais e municipais, tal aumento é interpretado come "ma gesto", demandando medidas de controle federal sobre os gastos dos entes subnacionais com o abjetivo de controlar o déficit piblico e combater a inflago (BORCOVICI, 2002, p.21).A partir daf,medidas com objetivo de promover um equilibrio fiscal foram impostas de “cima parabaixo”,seguindo orientagSes dos organismos financeiros internacionais e no livremente negociadas entre os entes federados. Um estudioso do perfodo relaciona entre az medidas patrocinadas pelo governo federal que contribufram para um severo enfraque- cimento fiscal e financeiro dos entes subnacionais a partir de meados de 1990, a renegociagao das dividas dos municipios Junto a0 Governe Federal; acriagao de novos impostos e contri- buigSes por iniciativa do Governa Federal, cujas receitas nio so compartilhadas com Estados e Municipios, entre eles a Contribuigao Proviséria sobre Movimentagie Financeira (CPMF), A Contribuigao de Inter vengao no Dor (CIDE) e 0 Contribuigao para Financiamento da Seguridade Social (Cofins); e a Lei Kandir que isenta as exportagSes, de bens do Imposto sobre Circulayao de Mercadorias e Servigos e compensa os estados pelas perdas. (AMARAL FILHO, 2004, p- 18-9), Outra medida que teve forte impacto na limitago do poder des entes subnacionais foi a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nf 101, de 04/05/2000) que imps um rigoroso controle nos gastos publicos estabelecendo limites rigidos para despesas com pessoal e endividamento Aranricnasio susorn} nsTITUn Ss PARTICIFATIVAS LOCALS WO SIFTEMA FEBERATIVO BRASH OsmirBombrovcki do setor publice em todos os niveis, submetendo todas as unidades dafederago ametasfiscais também no negeciadas. ‘Ao fim e a0 cabo, um analista podia anunciar, no sem certa grandiloquéncia, “A Derrota da Federasio” e “a colapso finan- ceiro dos Estados e Municipios” (BARROSO, 2000). Enquanto a condigao financeira da Unio eraremediada com acriagao de novas “Contribuigdes Sociais” nao comparti- Ihadas com estados e municipios, estes tikimos ce viam cada vez mais incapazes de custear o cumprimento de cuas atribuigSes constitucionais, Essa condigo permitiu ao governo federal incrementar uma politica de transferéncias voluntarias, por intermédio de programas e politicas especificos sob aforma de fundos rigorosamente controlados. Almeida (2005) cbservou que tais transferéncias passaram a sustentar umanova “trama complexa de relagSes intergovernamentais". Escrevendo no inicio do novo século, a pesquisadora percebeu que ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, seb a justificativa de evitar a “instrumentalizagio clientelista dos programas pelas elites locais", a criago de novos programas e politicas centralizadas no governe federal eintroduziu'"a centralizagao da decisio, recursos e implementago na esfera federal” e que esta pratica permanecia inalterada nos primeiros anos do Governo Lula (ALMEDA, 2005, p. 38). Como se viu depois, tal préticando apenas foimantida, come foi aprofundada durante as ceguidas gestdes do Partido dos Trabalhadores. Em sentido semelhante, também Arretche (2003) sugere que durante todo o processe de redemocratizagio aautoridade do poder central para legislar em todas as dreas das politicas piblicas permaneceu intocada, inclusive, na capacidade de alterar a arrecadagio e o: gastos das unidades subnacio- niais, sem que estas pudessem sequer exercer algum poder de strrun bes PARTICPATIVASLOCAIS WO SITTEMA: OsmirBombrovcki veto. Destaque-se que o poder de veto dos membros é uma das condigdes basicas para aformagao de umafederago (RODEN, 2005). E as pesquisas de Arretche (2003, 2012) e Arretche e Vasquez (2010) nos informam que, de fato, muito embora os municipios tenham se tornado executores de importantes politicas em reas como satide bésica, educago fundamental, assisténcia social, coleta de lixo, transporte publica e infra- estrutura urbana, o poder de normatizagio e supervisio do governo federal, aliado & sua condigao privilegiada na distri- buigdo dos recursos tributrios, torna a compreensio das aes da unio essencial para entender a dinamica local das, politicas piblicas. Para esta autora, a autonemia de muniefpio no Brasil € grande quando comparada a outras federagSes no cendrio mundial, mas, ainda assim, trata-se de uma autonomia limitada & execugo: "As regras constitucionais, a autoridade dos ministérios federais pararegulamentar e supervisionar as politicas executadas, bem como o poder de gasto da Unio, so {fatores explicativos centrais da agenda dos governos subnacionais”, afetando diretamente o estabelecimento das prioridades de gasto e a implementagio de politicas pelos mun (ARRETCHE, 2012, p. 20, rifos nossos). CENTRALIZACAO E PARTICIPACAO, Omovimente efetuado no sentide de limitar a autonomia financeira e politica das unidades federadas foi acompanhado, de modo aparentemente contraditério, por uma decidida politica de institucionalizagao de insti -uigSes participativas no desenho da gecto das politicas publicas, notadamente, Aranricnasio susorn} nsTITUn Ss PARTICIFATIVAS LOCALS WO SIFTEMA FEBERATIVO BRASH OsmirBombrovcki na chamada rea social. Como resultado desta ago, na virada do milénio, momento em que a politica de (re)eentralizagao aparece consumada aos olhos dos analistas, mais de 2 mil Conselhos Gestores municipais eram mapeados em todo o pais, perfazendo umameédia de quate cinco conselhos por municipio, de modo que a existéncia de instituigdes participativas desse tipo eraverificada em quase todos os municfpios dafedera¢o, independente do seuporte ou localizagio e nas mais deferentes, reas de governo (DOMBROWSKI, 2007, 2008). Outras instituigSes participativas que se consolidam no periodo foram as Audiéncias ¢ Consultas Publicas, Previstas na Constituigao Federal de 1988 e devendo ocorrer para subsidiar a elaborago ou aprovardes, de leis e projetos, ou para a prestarao de contas pelo Poder Executivo ouLegislativo estes instrumentos foram inclusos com destaque no Estatuto das Cidades (Lei Federal, 10.257 de 2001) que tornoucbrigatéria suarealizagao para a aprovagae do Plano Plurianual, daLei de Diretrizes Orgamentria e do Orgamento Anual dos municipios. De modo que seu use foi disseminado desde entio, em todo o territério nacional e em municipios de grande, médio e pequeno porte. Pesquisa realizada junto um pequeno municipio com populagao estimada em 11.800 habitantes no estado do Rio Grande do Sul (CUNHA, 2012), permite estimar que, em média, sete audigncias piblicas foram realizadas por ano ao longo da primeira década do século. A disseminagao de IPs no periodo posterior & Constituigao de 1988 é um fato que vem sendo explicado por diferentes fatores, incluindo a presse de movimentos cociais e de setores progressistas, por um lado, e a sua adequagio a agenda neoliberal por outro, mas, como pode ser visto na estruturagao das principais politicas vigentes nas reas de assisténcia social, satide e educagao, é um fendmeno que strrun bes PARTICPATIVASLOCAIS WO SITTEMA: OsmirBombrovcki dificilmente pode ser devidamente explicado sem que se considere a relagao entre os governos central e locais ea sna estrutura federativa, posigio subordinada dos mun Seo desempenho de uma instituigae guarda alguma relagio com a sua origem, este fato deve permanecer no das anilises, que procuram dimensionar a efetividade das IPs.E 0 process de limitago das unidades subnacionais, percebido na litera tura dedicada 4 andlise de politicas piblicas referenciadas no arranjo Federative come varidvel que impacta diretamente a vida politica dos entes federados, ainda nao foi devidamente considerado pela andlise das instituigSes participativas (IPs). No correr do proceso de implantacao de instituigses, participativas os ocupantes do poder central nao demons- traram disposigio para abrir mao de parte de seu poder como forma de combater os velhos vicios da demecraciarepresenta- tiva, Pelo contrdrio, sempre pareceram mais interessades em sustentar o sistema oligérquico e clientelista, desde que este permanecesse sob seu controle, Em ver de efetuar uma trans- feréncia efetiva de poder decisério do governe central para as esferas subnacionais, na forma de autonomia administrativa efinanceira, escudada por instituigSes participativas capazes de impedir que tal poder fosce apropriado exclusivamente pela elite dominante local, o que se viu foi um processo de forte reverse dapartilha do montante arrecadado em favor do poder central em detrimento das unidades municipais, tornando o nivel local destituido de poder onde a participagio deveria operar, anulando com isso os anseios democriticos expressos na Carta de 1988 que reconheciam na participarie politica elemento fundamental do processo democritico. Parece um truismo, mas é necess4rio reafirmar que desempenho de instituigSes participativas instaladas em nivel Aranricnasio susorn} nsTITUn Ss PARTICIFATIVAS LOCALS WO SIFTEMA FEBERATIVO BRASH OsmirBombrovcki local em um sistema federativo nio pode ir além dos limites dades pela (falta de) autonomia daquelas unidades: em muni os destituidos de autonomiafinanceira e politica, apesar de constitucionalmente designados como “entesfederados”, as, Ps nascem limitadas pelos mesmos pardmetros. A abertura para a participagao tende a ser inécua, porque o préprio municfpio, licus da participago, na maioria das vezes possui uma capacidade extremamente limitada de interferéncia nos desenhos das principais politicas pblicas; come diz Arretche, no aleanga a condigao de policy decision-maker, Impossibilitada de criar e reduzida ao controle burocrético da execusao de tarefas definidas em outro nivel, o que vigora é uma partici- pacdo subordinada, Subordinada porque ocorre em um nivel subordinado da estrutura politica, mas também, porque no pode estabelecer seus préprios fins, nem eleger seus meias, € deve acontecer dentro de limites estabelecidos por outros. E uma participagio politica que nao representa o exercicio da liberdade do cidade, pelo contrdrio, trata-se de uma evidente reafirmagio da autoridade. Nachave propostapor Proudhon (2001) em seuDo Prinefpio Federativo, a histéria dos municipios no Brasil pode ser lida como capitulos da eterna luta entre a autoridade, consolidada no governo central, e a liberdade, criago do espirito humane, possivel apenas diretamente e, portanto, em nivel local. E nesse sentido, aparticipagao de que falamos, além de subordinada, é também subordinadora: por seu intermédio 0 cidadao em vez de se afirmar como sujeito auténomo do processo politico traba- Ihando narealizagae dos seus interesses, se coloca em posigao subalterna. cumpre um papel que lhe é determinado pelas elites detentoras do poder central. uma participagdo que ne cumpre o papel de cubmeter os governes avs cidados aumentando a OsmirBombrovcki sua liberdade em detrimento da autoridade. Em vez disto, ela subordina o cidadio, restringindo e dirigindo sua ago para o exercicio de tarefas previamente definidas pelo governo central. Arauricinacto susoRomtana TUNOES PARTICPATIVAS LOCALS SISTEMA FEBESATIVO BRASILEIRO OsmirBombrova REFERENCIAS ‘ALMEIDA, M.H. T.de; CARNEIRO, LC. Lideranga local, democraciae politicas puiblicas no Brasil. Revista opiniao pitlica, Campinas, v. 9,n. 1,p. 124-147, 2003 ALMEIDA, M.H, T.de. Recentralizando a Federacio? Revista de Sociologiae Politica, Curitiba,n. 24,2008, ALVES, M, M. A forga do pove: democracia participativa em Lages. So Paulo: Brasiliense, 198: AMARAL FILHO, J. do, Federalismo brasileiro e sua nova tendéncia de recentralizagao, 2004, Disponivel em:

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