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indd 2 13/12/2012 11:14:10


EXPEDIENTE

EDITOR Aline Akemi Freitas Flávio Amaral Garcia


Mestra em Direito pela PUC/SP; Assessora da Secretaria Execu-
Cerdônio Quadros tiva da Secretaria-Geral da Presidência da República; Advogada
Mestre em Direito Empresarial pela Ucam/RJ; Doutorando em
Direito Público pela Universidade de Coimbra – Portugal
(in memoriam – 1938-2011)
Aline Paola C. Braga Câmara de Almeida Flavio Corrêa de Toledo Jr.
DIRETOR Mestra em Direito Econômico pela UGF/RJ Servidor aposentado do TCSP
Angelo Iadocico Allan Vinicius de Moura Flavio Hiroshi Kubota
Administrador de Empresas Auxiliar de Fiscalização Financeira do TCSP; Bacharel em Direito
pela UnG; Pós-graduado em Direito Civil pela FMU e em Admi- Especialista e Mestrando em Direito Constitucional pela
Bacharel em Direito
nistração Pública pela UTFPR Universidade de Lisboa; Procurador Federal

EDITORA ADJUNTA Alvaro Lazzarini (in memoriam) Floriano Azevedo Marques Neto
Fernanda Freire dos Santos Desembargador do TJSP; Presidente do TRESP, aposentado Doutor em Direito Público pela USP
Advogada; Bacharela e Mestranda em Direito Constitucional André Saddy Geilton Costa da Silva
pela PUC/SP; Pós-graduada em Direito Ambiental pela USP e Doutor Europeu pela UCM; Professor da Faculdade de Direito e do Juiz de Direito e Juiz Eleitoral no Estado de Sergipe; Mestrando
em Direito da Comunicação pela ESA-OAB/SP Mestrado em Direito Constitucional da UFF/RJ; Diretor-Presidente em Direito pela PUC/PR (Minter PUC/PR-UNIT
do CEEJ e sócio do escritório de consultoria Saddy Advogados

CONSELHO DE ORIENTAÇÃO Antonio Carlos Alencar Carvalho George Ávila Matos


Procurador do Distrito Federal; Especialista em Direito Público e Pós-graduando em Direito Público pela UNIT/SE
DAS PUBLICAÇÕES Advocacia Pública pelo IDP/DF
Gina Copola
Antonio Carlos Torrens Advogada; Pós-graduada em Direito Administrativo pela FMU/SP
Adilson Abreu Dallari Doutorando em Sociologia pela UFPR
Guilherme Carvalho e Sousa
Professor Tit. de Direito Administrativo da PUC/SP
Antonio Cecílio Moreira Pires Advogado; Mestre em Direito e Políticas Públicas pelo
Dinorá Adelaide Musetti Grotti Mestre e Doutorando em Direito do Estado pela PUC/SP; Profes- UniCeub/DF; Doutor em Direito Administrativo pela PUC/SP
Mestra e Doutora em Direito do Estado pela PUC/SP sor de Direito Administrativo da Universidade Mackenzie/SP
Guilherme Luis da Silva Tambellini
Ivan Barbosa Rigolin Audrey Gasparini Graduado em Direito pela USP; integrante da Assessoria Jurídica
Juíza Federal em São Paulo; Mestra em Direito Público pela PUC/SP do TCSP (Gabinete do Conselheiro Sidney Beraldo)
Advogado
Bernardo Guimarães Loyola Gustavo Justino de Oliveira
Ives Gandra da Silva Martins Diretor de Licitações e Contratos do MPRJ Pós-Doutor em Direito Administrativo pela Faculdade da Univer-
Professor Emérito da Universidade Mackenzie/SP sidade de Coimbra–Portugal; Professor de Direito Administra-
Carlos Mário da Silva Velloso tivo da USP
Jair Eduardo Santana Ministro do STF, aposentado
Mestre em Direito do Estado pela PUC/SP Helita Barreira Custódio
Celso Antônio Bandeira de Mello Livre-docente pela USP
Jessé Torres Pereira Junior Professor Tit. da Faculdade de Direito da PUC/SP
Heraldo Garcia Vitta
Desembargador do TJRJ
Christianne de Carvalho Stroppa Mestre e Doutor em Direito do Estado pela PUC/SP
Márcio Cammarosano Mestra em Direito Administrativo pela PUC/SP; Professora de
Direito Administrativo da PUC/SP Hidemberg Alves da Frota
Mestre e Doutor em Direito Administrativo pela PUC/SP
Agente Técnico-Jurídico do MPAM
Maria Sylvia Zanella Di Pietro Cláudia Honório
Professora Tit. de Direito Administrativo da USP
Mestra em Direito do Estado pela UFPR Hugo de Brito Machado
Juiz do TRF5ªR, aposentado
Cláudio Ferraz de Alvarenga
Odete Medauar Conselheiro do TCSP, aposentado Ibraim José das Mercês Rocha
Professora Tit. de Direito Administrativo da USP Mestre e Doutorando em Direito pela UFPA; Procurador do
Clèmerson Merlin Clève Estado do Pará; Diretor do Ibap/SP
Ovidio Bernardi Professor Tit. das Faculdades de Direito da UFPR e da UniBrasil/PR
Doutor em Direito pela USP
Cynthia de Fáthima Dardes Jair José Perin
Advogado da União na PRU4ªR
Toshio Mukai Especialista em Direito Administrativo pela PUC/SP; Advogada;
Mestre e Doutor em Direito do Estado pela USP Consultora e Assessora Jurídica Jamile Gonçalves Calissi
Mestra e Doutoranda em Direito Constitucional pela Instituição
Daniel B. Lima Faria Corrêa de Souza Toledo de Ensino–Bauru/SP
Procurador do Município de São Leopoldo/RS
COLABORADORES João Gabriel Lemos Ferreira
Daniel Ferreira Mestre em Sistema Constitucional de Garantia de Direitos
Airton Rocha Nóbrega Mestre e Doutor em Direito do Estado (Direito Administrativo)
Advogado e Professor da UCB/DF pela PUC/SP João Parizi Filho (in memoriam)
Aldem Johnston Barbosa Araújo Denilson Marcondes Venâncio Procurador do Estado de São Paulo, aposentado; Advogado
Especialista em Direito Administrativo e em Direito Tributário
Assessor Jurídico da Diretoria de Vigilância em Saúde da Secre- pela PUC/SP; Mestre em Direito Administrativo pela PUC/SP; José Antonio de Aguiar Neto
taria de Saúde do Recife/PE Doutorando em Direito Administrativo pela PUC/SP Coordenador do MPOG

Alécia Paolucci Nogueira Bicalho Diogo de Figueiredo Moreira Neto José Augusto Delgado
Graduada pela Faculdade de Direito Milton Campos/MG; Advo- Professor Tit. de Direito Administrativo da Ucam/RJ Ministro do STJ, aposentado
gada Especializada em Contratações Públicas
Edvaldo Pereira de Brito José de Castro Meira
Livre-docente pela USP e Professor Emérito da UFBA Ministro do STJ, aposentado
Alexandre Cairo
Procurador da Fazenda Nacional/DF; Membro do Núcleo de Egle dos Santos Monteiro José Paulo Dorneles Japur
Defesa da União, da AGU, criado para atuar junto ao TCU Mestra em Direito do Estado pela PUC/SP Advogado; Bacharel em Direito pela UFRGS
Alexandre Manir Figueiredo Sarquis Emerson Garcia José Roberto Pimenta Oliveira
Doutorando e Mestre em Ciência Econômica pela UnB/DF; Doutor e Mestre em Ciências Jurídico-Políticas pela Mestre e Doutor em Direito do Estado pela PUC/SP;
Auditor do TCSP Universidade de Lisboa; Membro do MPRJ Procurador da República do Estado de São Paulo
Alexandre Santos de Aragão Eneida Bastos Paes José Souto Maior Borges
Mestra em Direito e Políticas Públicas pelo UniCeub/DF; Espe-
Professor das Pós-Graduações em Direito do Estado da UERJ cialista em Vigilância Sanitária e Monitoramento de Mercado Professor Tit. de Direito Tributário da UFPE
pela UnB/DF; Graduada em Ciências Jurídicas pela UFOP/MG;
Alice Gonzalez Borges Coordenadora do Núcleo de Elaboração Normativa e Acordos Juarez Freitas
Professora Tit. de Direito Administrativo da UCSAL/BA da Assessoria Jurídica da CGU Professor Tit. e Coordenador da Pós-graduação da PUC/RS

I
JAN/15
EXPEDIENTE

Kiyoshi Harada Maria Garcia Remilson Soares Candeia


Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro Professora de Direito Constitucional e Previdenciário da PUC/SP Auditor Federal de Controle Externo do TCU

Lair da Silva Loureiro Filho Maria Lúcia Miranda Alvares Rodolfo da Rosa Schöntag
Mestre e Doutor em Direito do Estado pela USP Pós-graduada em Direito Administrativo pela UFPA
Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV/RJ
Laís de Almeida Mourão Maria Tereza Pantoja Rocha
Advogada do Cepam/SP Procuradora do Estado do Pará Rosemeire da Silva Cardoso Ramos
Pós-graduanda em Gestão de Políticas Públicas pela USP;
Leandro Luis dos Santos Dall’Olio Mariana Mencio Agente da Fiscalização Financeira do TCSP; Advogada
Especialista em Finanças pela FGV; Agente da Fiscalização Doutoranda em Direito Urbanístico pela PUC/SP;
Professora de Direito Administrativo e Constitucional da FMU/SP
Financeira; Chefe do TCSP Sérgio Ciquera Rossi
Leandro Sarai Marinês Restelatto Dotti Secretário-Diretor-Geral do TCSP
Doutorando e Mestre em Direito Político e Econômico e Advogada da União
Sergio de Andréa Ferreira
Especialista em Direito Empresarial pela Universidade
Mackenzie/SP; Graduado em Direito pela Universidade São
Mário Henrique de Barros Dorna Desembargador do TRF2ªR, aposentado
Advogado; Bacharel em Direito pela PUC/SP
Judas Tadeu/SP; Advogado Público
Mauro Roberto Gomes de Mattos Sérgio Ferraz
Lenir Santos Advogado especializado em Direito Administrativo Procurador do Estado do Rio de Janeiro, aposentado; Doutor em
Advogada Especialista em Direito Sanitário Direito pela UFRJ
Leonardo Coelho Ribeiro Oswaldo Albanez
Pós-graduando pela Escola de Direito da FGV; Advogado
Economista e Orçamentista Público em São Paulo Sérgio Honorato dos Santos
Bacharel em Direito; Especialista em Políticas Públicas pela
Lesley Gasparini Patrick Roberto Gasparetto FCC–UFRJ
Mestre e Doutor em Direito Administrativo pela PUC/SP
Juíza Federal em São Paulo
Paulo Roberto Barbosa Ramos Sylvio Toshiro Mukai
Lúcio Feres da Silva Telles Pós-Doutor em Direito Constitucional pela Universidade de
Mestre e Doutorando em Direito do Estado pela PUC/SP
Mestrando em Direito Constitucional pela PUC/SP

Lucival Lage Lobato Neto


Granada–Espanha; Doutor em Direito Constitucional pela PUC/SP Thaís Boia Marçal
Especialista em Direito Público; Advogada
Pós-graduado em Ciências Contábeis pela FGV, Pedro Paulo de Almeida Dutra
Professor Tit. da Faculdade de Direito da UFMG
em Direito Civil e em Direito Processual Civil pela Ucam/RJ e em Tônia Magalhães Chalu Mendes
Direito Público pela UnP/RN
Pedro Tavares Maluf Advogada; Especialista e Mestranda em Direito Administrativo
pela PUC/SP; Professora da Cogeae PUC/SP
Luis Roberto Barroso Mestre em Direito do Estado pela PUC/SP
Ministro do STF
Pericles Ferreira de Almeida Uadi Lammêgo Bulos
Doutor e Mestre em Direito do Estado pela PUC/SP; Presidente
Luiz Henrique Antunes Alochio Procurador do Estado do Espírito Santo
da Sociedade Brasileira de Direito Constitucional (SBDC)
Doutor em Direito da Cidade pela UERJ; Mestre em Direito
Tributário e Empresarial pela Ucam/RJ; Procurador do Município
Rafael Carvalho Rezende Oliveira
de Vitória/ES
Procurador do Município do Rio de Janeiro/RJ Vitor Rhein Schirato
Doutor em Direito do Estado pela USP; Advogado
Marcelo Harger Rafael de Almeida Ribeiro
Mestre e Doutor em Direito do Estado pela PUC/SP
Assessor de Gabinete do Prefeito de Bauru/SP Wálteno Marques da Silva
Márcia Walquiria Batista dos Santos Rafael Ramires Araujo Valim Advogado e Consultor em Licitações e Contratos
Advogado; Mestre e Doutorando em Direito Administrativo
Doutora em Direito Público pela USP; Procuradora-Geral da USP pela PUC/SP Weida Zancaner
Professora de Direito Administrativo da PUC/SP
Márcio dos Santos Barros Raimundo Márcio Ribeiro Lima
Advogado; Professor e Mestre em Administração Pública pela Professor Especialista de Direito Administrativo da UnP/RN; Yaisa Aurélio Honorato dos Santos
FGV/RJ Procurador Federal da AGU Advogada e Especialista em Direito Público e Tributário

ORIENTAÇÃO NDJ CORPO JURÍDICO

Aniello dos Reis Parziale Adriane Maria Gonçalves Marcos Nicanor da Silva Barbosa
Gerente
Gilberto Bernardino de Oliveira Filho Meire Cristina O. da Silva – Pesquisadora
Jéssica Ciléia Cabral Fratta

DIRETORIA

Angelo Iadocico Martinho Alves da Costa Edna Lopes Quadros Ricardo Lopes Quadros
Diretor Diretor Comercial Diretora de Recursos Humanos Diretor de Vendas

Os artigos e pareceres assinados são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. As opiniões e julgamentos neles expressos não representam
necessariamente a posição desta Editora.
Os acórdãos e decisões publicados neste Boletim são cópias fiéis divulgadas pelos Tribunais, com adaptações de forma para publicação.
As questões práticas são oriundas da Orientação NDJ e dos eventos promovidos pela Editora e refletem o posicionamento do nosso Corpo Jurídico.

*E DITORA NDJ
*B D A – BOLETIM DE DIREITO ADMINISTRATIVO *B D M – BOLETIM DE DIREITO MUNICIPAL *B L C – BOLETIM DE LICITAÇÕES E CONTRATOS

*Marcas Registradas — Propriedade e todos os direitos reservados à


EDITORA NDJ LTDA. – NOVA DIMENSÃO JURÍDICA
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II
JAN/15
SUMÁRIO

DOUTRINA, PARECERES E ATUALIDADES formação, sem prejuízo da responsabilidade social que envolve
o ato – Não revogação do Dec. nº 80.419/1977 pelo Dec. nº
FACETAS DO DIREITO ADMINISTRATIVO CHINÊS: A REFORMA DE 3007/1999 – Ato internacional recepcionado no Brasil com status
2014 DA LEI DO PROCESSO ADMINISTRATIVO A JUSTIÇA ADMI de lei ordinária (STJ) 75
NISTRATIVA DE SEGURANÇA PÚBLICA O SISTEMA DE CARTAS E
VISITAS (Hidemberg Alves da Frota) 1 COMPENSAÇÃO FINANCEIRA PARA A EXPLORAÇÃO DE RECURSOS
MINERAIS (CFEM) – Acondicionamento/embalagem de água
A ARBITRAGEM NOS CONTRATOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E mineral em garrafas – Não caracterização como processo de
A LEI Nº 13.129/2015: NOVOS DESAFIOS (Rafael Carvalho Rezende transformação industrial – Valor correspondente que integra a
Oliveira) 25 base de cálculo da CFEM – Beneficiamento configurado (STJ) 82

O DIREITO À NOMEAÇÃO IMEDIATA DE CANDIDATO APROVADO ACUMULAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOS – Professor substituto e
EM UM CONCURSO PÚBLICO, DIANTE DA DESISTÊNCIA DE OUTRO tradutor e intérprete da Linguagem Brasileira de Sinais (Libras) –
EM MELHOR COLOCAÇÃO OU PELAS VACÂNCIAS CAUSADAS PELO Possibilidade – Conceito de “cargo técnico ou científico” que não
PEDIDO DE EXONERAÇÃO OU DEMISSÃO FORMULADO PELOS remete essencialmente a cargo de nível superior, mas à atividade
PRÓPRIOS CANDIDATOS APROVADOS E NOMEADOS NO CERTAME desenvolvida, em atenção ao nível de especificação, capacidade e
(Gustavo Brugnoli Ribeiro Cambraia) 39 técnica necessários para o correto desenvolvimento do trabalho –
O JULGAMENTO DA RCL. Nº 4.335/AC E O PAPEL DO SENADO FE Interpretação da al. b do inc. XVI do art. 37 da CF (STJ) 88
DERAL NO CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE (Flávio
PODER DE POLÍCIA – Anvisa – Autuação de empresa por veiculação
Quinaud Pedron) 50
de propaganda de iogurte em todo o território nacional atribuindo
efeitos e propriedades terapêuticas/medicamentosas para o trato
JURISPRUDÊNCIA E DECISÕES DOS TRIBUNAIS DE CONTAS
intestinal – Inobservância das disposições legais sanitárias – Auto
CONSTITUIÇÃO DE ESTADO MEMBRO – Dispositivo que impede de infração precedido de notificações – Inexistência de ofensa ao
servidor público estadual de substituir, sob qualquer pretexto, devido processo – Produto enquadrado como alimento – Legiti-
trabalhadores de empresas privadas em greve, ressalvada a le- midade de ato regulamentar – Proteção à saúde da população
gislação federal – Constitucionalidade – Ausência de comprome- (TRF1ªR) 93
timento das competências do Governador – Mera explicitação de
ADMISSÃO NO SERVIÇO PÚBLICO – Provimento de cargo efetivo
prática desabonada pela Constituição Federal (STF) 67
– Descumprimento pelos gestores de deveres constitucionais e
ENSINO SUPERIOR – Diploma de graduação emitido por estabe- legais quanto à comprovação da adequação orçamentária e fiscal
lecimento estrangeiro – Pretensa revalidação automática em uni- da despesa – Registro excepcional do ato de admissão – Instaura-
versidade brasileira – Não cabimento – Determinação de processo ção de procedimento autônomo de apuração de responsabilidade
seletivo – Verificação da capacidade técnica do profissional e sua em curso (TCRN) 98

1
FEV/16
SUMÁRIO
DOUTRINA, PARECERES E ATUALIDADES

Facetas do Direito Administrativo


chinês: a reforma de 2014 da Lei do Processo
Administrativo – a Justiça Administrativa de Segurança
Pública – o sistema de cartas e visitas1

Hidemberg Alves da Frota


Agente Técnico-Jurídico do Ministério Público do Estado do Amazonas; Assessor de Procurador de Justiça; Pós-Graduado (Especialista) em Direito
Público: Direito Constitucional e Direito Administrativo pelo Ciesa

1 Introdução. 2 A pirâmide normativa do ordenamento jurídico chinês. 3 A baixa influência do Direi-


to Constitucional, do Direito legislado e do Poder Judiciário na evolução do Direito Administrativo
chinês. 4 A Administração Pública em Juízo: aspectos da reforma de 2014. 4.1 Um diploma legislativo
para ações judiciais de Direito Administrativo. 4.2 A ênfase da reforma de 2014 no acesso ao Poder
Judiciário. 4.3 As hipóteses de cabimento de impugnação judicial contra a Administração Pública da
RPC. 5 A Justiça Administrativa de Segurança Pública e o Direito Administrativo sancionador. 5.1 As
prisões administrativas. 6 O xinfang zhidu: sistema de cartas e visitas. 7 Conclusão. Referências.

1 INTRODUÇÃO1 fatual revestida do objetivo de caluniar ou difamar


Ainda que a China tenha ascendido, em 2009, (CHINA, 2015a; CHINA, 2015b).
ao patamar de maior parceira comercial do Brasil “e À vista desse cenário, almeja-se neste artigo fa-
principal fonte de investimentos estrangeiros no País” miliarizar a comunidade jurídica de língua portuguesa
(HOLANDA, 2015, p. 68-69), pouco se conhece, na co- com facetas peculiares ao Direito Administrativo
munidade jurídica brasileira, acerca do ordenamento chinês, atinentes (1) às fontes normativas que influen-
jurídico e da organização estatal da República Popular ciam a modelação da legislação administrativista, (2)
da China (RPC). a aspectos relevantes da reforma de 2014 da Lei do
O controle administrativo e jurisdicional do ato Processo Administrativo (LPA), (3) à Justiça Adminis-
administrativo, mediante provocação, repousa o seu trativa e as prisões administrativas, a título de longa
alicerce constitucional no art. 41 (1) da Constituição manus do Sistema de Segurança Pública e do Direito
chinesa de 1982, reformada em 2004,2 o qual fran- Administrativo Sancionador, e (4) ao sistema de cartas
queia aos cidadãos da RPC (1) o direito de criticarem e visitas (xinfang zhidu), como não apenas serviço
e apresentarem sugestões a quaisquer órgãos ou formal de ouvidoria governamental e partidária, mas
agentes do Estado chinês, bem como (2) o direito de também instância informal de reforma de decisões
apresentarem aos órgãos estatais competentes recla- administrativas e judiciais, com esteio no exame da
mações e acusações ou denúncias contra quaisquer legislação da RPC, combinado com a análise da lite-
órgãos ou agentes estatais, por violação da lei ou ratura especializada de língua inglesa, constituída,
negligência no cumprimento de deveres funcionais, em sua maioria, por artigos científicos de juristas de
proibida, em todo caso, a invenção ou a distorção nacionalidade ou ascendência chinesa.

1. Artigo originariamente publicado na Revista Digital de Direito


2 A PIRÂMIDE NORMATIVA DO ORDENAMENTO
Administrativo, Ribeirão Preto, v. 3, n. 1, p. 184-216, jan./jun. 2016. JURÍDICO CHINÊS
2. Jianlong Liu vislumbra em tal norma constitucional (art. 41, § 1º, da
Constituição chinesa) a expressão do direito humano fundamental ao
A pirâmide hierárquica do Direito Positivo da RPC
acesso à Justiça (LIU, 2015, p. 215). compõe-se de seis patamares (CHINA, 2015i; FANG,

1
JAN/17
DOUTRINA, PARECERES E ATUALIDADES

2015, p. 913-914; LIU, 2015, p. 4; PEERENBOOM, sobre a Legislação da RPC), assim como os regu-
2002, p. 271):3 lamentos autônomos ou separados, expedidos
por Assembleias Populares de áreas ou zonas na-
1. Em primeiro plano, a Constituição de 1982, cionais autônomas, cujos habitantes apresentam
reformada em 1988, em 1993, em 1999 e em aspectos diferenciados em termos étnicos ou de
2004 (art. 78 da Lei sobre a Legislação da RPC). nacionalidade (art. 116 da Constituição).
2. Em segundo plano, as leis aprovadas ou 5. Em quinto plano, as nominadas regras (atos
reformadas pela Assembleia Nacional Popular,4 administrativos normativos) subdivididas em regras
seja em sua composição plenária, seja por meio governamentais, ditadas por Governos Populares
do seu Comitê Permanente (arts. 62, § 3º, e 67, locais,6 e em regras ministeriais, ditadas por órgãos
§ 2º, ambos da Constituição chinesa, c/c art. 79, e entidades vinculadas ao Conselho de Estado7 (arts.
caput, da Lei sobre a Legislação da RPC). 73 a 77 e 80 da Lei sobre a Legislação da RPC).
3. Em terceiro plano, os chamados regula- 6. Em sexto plano, os documentos normativos,
mentos administrativos, é dizer, as regulamen- assim entendidos os atos normativos dos Governos
tações do Conselho de Estado (art. 79, parágrafo e das Assembleias Populares que não se enquadram
nas demais espécies de atos estatais (supramencio-
único, da Lei sobre a Legislação da RPC), o órgão
nados), quer legislativos, quer administrativos.
máximo do Poder Executivo do Governo Central,
presidido pelo Primeiro-Ministro da RPC.5 3 A BAIXA INFLUÊNCIA DO DIREITO CONSTITU
4. Em quarto plano, os denominados regu- CIONAL, DO DIREITO LEGISLADO E DO PODER
lamentos locais, ou seja, as regulamentações JUDICIÁRIO NA EVOLUÇÃO DO DIREITO ADMI
das Assembleias Locais Populares (art. 80 da Lei NISTRATIVO CHINÊS
Ainda que repouse no cume da pirâmide norma-
3. A classificação acima exposta matiza a interpretação do Direito Po- tiva do ordenamento jurídico chinês a Constituição,
sitivo chinês com as classificações doutrinárias de Anyu Fang, Jingjing os Tribunais Populares, inclusive o Supremo Tribunal
Liu e Randall Peerenboom. Fang adota classificação quadripartite de
tal pirâmide normativa, ao unificar os três últimos patamares daquela, Popular, ressentem-se de manifesta regra de compe-
por meio desta divisão: (1) Constituição, (2) leis da Assembleia Nacio- tência que lhes respalde o exercício do controle de
nal Popular, (3) regulamentos administrativos do Conselho de Estado e constitucionalidade, atribuição que o Direito Positivo
(4) regulamentos das Assembleias Locais Populares, assim como regras
baixadas pelos Governos Populares locais e pelos Ministérios centrais confere, explicitamente, tão só à Assembleia Nacional
(FANG, 2015, p. 913-914). Já Liu opta por classificação tetrapartite: (1) Popular e ao seu Comitê Permanente (CHINA, 2015a;
Constituição, (2) leis da Assembleia Nacional Popular e do seu Comitê
Permanente, (3) regulamentos administrativos do Conselho de Estado, CHINA, 2015b; CHINA, 2015i; FANG, 2015, p. 913,
(4) regulamentos das Assembleias Locais Populares em geral e dos Comi- HAND, 2015, p. 62).
tês Permanentes das Assembleias Locais Populares de nível provincial e
(5) regras, sejam as regras governamentais de Governos Populares locais À Assembleia Nacional Popular, em sua compo-
de nível provincial, sejam as regras ministeriais, editadas por Ministé-
rios centrais, comissões e agências vinculadas diretamente ao Conselho
sição plenária, cabe, entre outras atribuições, (1) su-
de Estado (LIU, 2015b, p. 4). Peerenboom, por sua vez, abraça classifi- pervisionar a aplicação da Constituição, bem como (2)
cação hexapartite: (1) Constituição; (2) leis (emanadas da ANP e do seu reformar ou anular leis que, editadas pelo seu Comitê
Comitê Permanente); (3) regulamentos administrativos (promanados do
Conselho de Estado). (4) regulamentos locais (baixados por Assembleias Permanente, forem consideradas, pela ANP, inadequa-
Populares de províncias, regiões autônomas, cidades diretamente vincu- das, (3) além de anular os nominados regulamentos
ladas ao Governo Central e as cidades de maior expressão); (5) regras,
divididas em regras governamentais (editadas por Governos Populares
autônomos ou regulamentos separados que, embora
de províncias, regiões autônomas, cidades diretamente vinculadas ao chanceladas pelo seu Comitê Permanente, contrariem
Governo Central e as cidades de maior expressão) e em regras ministe- a Constituição ou violem as balizas legais destinadas
riais (editadas por Ministérios centrais, comissões, agências e entidades
vinculadas diretamente ao Conselho de Estado), e (6) documentos nor-
mativos (atos normativos dos Governos e Assembleias Populares não
enquadrados nas categorias precedentes) (PEERENBOOM, 2002, p. 271). 6. Na conjuntura específica das províncias e regiões autônomas, as regras
dos Governos Populares das Províncias e Regiões Autônomas prevalecem
4. A despeito da Assembleia Nacional Popular situar-se, sob o prisma sobre as regras dos Governos Populares de cidades de maior expressão
formal, na cúspide da estrutura organizacional do Estado chinês, a situadas nas áreas administrativas das próprias províncias e Governos
realidade político-institucional da China mostra que o cerne do poder Populares. Inteligência do art. 80, parágrafo único, da Lei sobre a Legislação
político irradia do Comitê Permanente do Politiburo do Partido Comunista da RPC (CHINA, 2015i).
Chinês (LIU, 2015b, p. 1).
7. As regras dos Departamentos do Conselho de Estados sujeitam-se à
5. Conforme se infere dos arts. 85, 86, 88 e 89 da Constituição chinesa chancela de Ministérios ou Comissões do Governo Central (art. 75, caput,
(CHINA, 2015a; CHINA, 2015b). da Lei sobre a Legislação da RPC) (CHINA, 2015i).

2
JAN/17
DOUTRINA, PARECERES E ATUALIDADES

à adaptação de leis e regulamentos administrativos cional, segundo preceitua o art. 67, §§ 1º e 4º, da
às peculiaridades de determinadas nacionalidades Constituição, c/c art. 42, §§ 1º e 2º, art. 43 e art.
chinesas (art. 62, §§ 2º e 15, da Constituição chinesa, 47 da Lei sobre a Legislação da RPC.
c/c art. 88, § 1º, e art. 66, parágrafo único, ambos
Em que pese a competência da Assembleia Nacional
da Lei da Legislação da RPC) (CHINA, 2015a; CHINA,
2015b; CHINA, 2015i). Popular e do seu Comitê Permanente de exercerem o
controle abstrato de constitucionalidade e apesar da com-
Já ao Comitê Permanente da Assembleia Nacional petência do Comitê Permanente de definir a interpretação
Popular, entre outras atribuições, incumbe (CHINA, jurídica do Estado chinês, o controle de constitucionalida-
2015a; CHINA, 2015b; CHINA, 2015i; FANG, 2015, p. de pelo Poder Legislativo é raramente exercido (CHINA,
913; HAND, 2015, p. 62): 2015i; FANG, 2015, p. 913; HAND, 2015, p. 62).
1. Efetuar o controle de constitucionalidade A inércia da Assembleia Nacional Popular e do
e de legalidade, por meio de procedimentos de seu Comitê Permanente, no tocante ao desempenho
anulação, (1) dos regulamentos administrativos, do controle concentrado de constitucionalidade, con-
(2) das decisões e (3) das ordens do Conselho de jugada com a ainda (1) incipiente aplicação direta de
Estado, na esteira do art. 67, § 7º, da Constituição. direitos constitucionais pelo Poder Judiciário,9 (2) a
2. Anular regulamentos locais e decisões de carência de autonomia dos Tribunais Populares para
órgãos estatais das províncias, regiões autônomas o exercício independente do controle externo da Ad-
e Municipalidades diretamente vinculadas ao Go- ministração Pública, bem assim (3) a relutância dos
verno Central, quando contrárias não só à Cons- Magistrados de se desincumbirem desse aspecto da
tituição e às leis (emanadas, repisa-se, da ANP), função jurisdicional do Poder Judiciário, (4) a deficitária
como também aos regulamentos administrativos formação técnico-jurídica dos Magistrados e demais
(baixados, lembre-se, pelo Conselho de Estado), profissionais do Direito, (5) o reduzido conhecimen-
nos termos do art. 67, § 8º, da Constituição, c/c to, por contingente significativo do povo chinês, dos
art. 88, § 2º, da Lei da Legislação da RPC. seus direitos e (6) o temor reverencial, por parcela
3. Anular regulamentos autônomos ou sepa- expressiva de administrados, das autoridades admi-
rados que, apesar de aprovados pelos respectivos nistrativas (uma espécie de transferência psicológica
Comitês Permanentes das Assembleias Locais a estas dos papéis sociais de pais e mães), redunda na
Populares de províncias, regiões autônomas baixa efetividade do Direito Constitucional Positivo e
e Municipalidades diretamente vinculadas ao na sua parca ressonância na modelação da legislação
Governo Central, contrariem a Constituição ou administrativista (FANG, 2015, p. 913; HAND, 2015, p.
violem as balizas legais para a adaptação de leis 62-72; PEERENBOOM, 2002, p. 9, 12, 17).
e regulamentos administrativos às peculiaridades
O aprimoramento do Direito Administrativo chinês
de determinadas nacionalidades chinesas, con-
vê-se prejudicado também pela ausência de controle
soante reza o art. 88, § 1º, c/c art. 66, parágrafo
único, ambos da Lei da Legislação da RPC. Essas disposições legais encontram-se em harmonia com a Constituição
chinesa, ao conferir ao Comitê Permanente da ANP o múnus de
4. Fixar a interpretação oficial e definitiva da interpretar a Constituição e as leis (art. 67, §§ 1º e 4º) (CHINA, 2015a;
ordem jurídica8 e, portanto, da ordem constitu- CHINA, 2015b; HAND, 2015, p. 62).
9. Embora o ano de 2001 tenha sido considerado auspicioso para o
fomento à aplicação de normas constitucionais pelo Poder Judiciário da
8. Conforme a Lei da Legislação da RPC, a competência de formular China, quando, no caso concreto Qi Yuling, o Supremo Tribunal Popular
a exegese jurídica a ser adotada pelo Estado chinês, com força de lei, autorizou o Superior Tribunal Popular da Província de Shandong a invocar
compete ao Comitê Permanente da Assembleia Nacional Popular, que o direito constitucional à educação, a posterior pressão do Partido
deve assentar a interpretação oficial do ordenamento jurídico, quando (1) Comunista da China (contrária à judicialização de matérias constitucionais)
indispensável clarificar-se o sentido específico de dado dispositivo legal e impediu a formação de uma jurisprudência consolidada em prol da
(2) nas circunstâncias nas quais fatos supervenientes tornarem necessário aplicação direta de comandos constitucionais e da análise de controvérsias
esclarecer o contexto em que deve ser aplicada determinada lei. O Comitê constitucionais em processos judiciais (HAND, 2015, p. 63-69). De toda
Permanente da ANP exerce essa função interpretativa oficial, mediante sorte, pondera-se que, de modo gradativo, o Poder Judiciário da RPC tem
provocação (1) do Conselho de Estado, (2) da Comissão Militar Central, aumentado sua relevância no desenvolvimento do Direito Constitucional
(3) do Supremo Tribunal Popular, (4) da Suprema Procuradoria Popular, da PRC, à medida que serve de caixa de ressonância de litigantes que
(5) de comitê especial da própria ANP e (6) de comitês permanentes provocam a tutela judicial com a finalidade não apenas de obterem
de províncias, além (7) de regiões autônomas ou Municipalidades determinado provimento jurisdicional, mas também de suscitarem dada
diretamente vinculadas ao Governo Central. Inteligência dos arts. 42, questão constitucional e de compelirem o Estado chinês a se posicionar
§§ 1º e 2º, 43 e 47 da Lei sobre a Legislação da RPC (CHINA, 2015i). a respeito (BALME; DOWDLE, 2009, p. 7).

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DOUTRINA, PARECERES E ATUALIDADES

judicial da razoabilidade do ato administrativo, em pro- duas semanas por ano11 (CHINA, 2015i; FANG, 2015, p.
cessos judiciais administrativistas, sob o pálio da Lei do 913-914; LIU, 2015, p. 4; PEERENBOOM, 2002, p. 271).
Processo Administrativo (LPA), uma vez que o critério De toda sorte, ao se comparar a evolução do Di-
da razoabilidade é invocado apenas nas vias recursais reito Administrativo Positivo da China contemporânea
administrativas redigidas pela Lei da Reconsideração (ciclo inaugurado, no plano formal, com a alvorada da
Administrativa (LRA) (HE, 2015, p. 263). Constituição chinesa de 1982, marco das reformas
Como empecilho ao aperfeiçoamento do Direito políticas, institucionais, administrativas e jurídicas
Administrativo da RPC, destaca-se, demais disso, a que iniciaram o período do burocratismo pragmáti-
circunstância de que (1) a maioria dos litígios judi- co12) com a fase inicial da República Popular da China
ciais administrativistas concerne ao ataque a atos (formalmente, durou de 1949 a 1982, assinalada pelo
emanados de autoridades estatais de modesto relevo idealismo revolucionário, com destaque aos anos de
1949 a 1976), nota-se, na atualidade, maior prestígio
na estrutura organizacional da Administração Pública
ao Direito Legislado (FANG, 2013, p. 1-12, p. 102-159;
(“weak administrative authorities”) e, lado outro, (2)
PEERENBOOM, 2002, p. 7, 9, 12, 17).
o fato das impugnações revestidas de controvérsias
mais complexas e sensíveis, com maior repercussão De fato, durante o ciclo revolucionário (1949-
geral, não chegarem às barras do Poder Judiciário (ao 1982), com apogeu na Era Mao Tsé-Tung (1949-1976),
se limitarem, tais demandas, a tramitação no seio do as bases normativas da Administração Pública chinesa
Estado-Administração, atendo-se, por exemplo, aos residiam mormente nas diretrizes do Partido Comu-
lindes do sistema de reconsideração administrativa), nista da China e nos atos administrativos normativos
em razão tanto do receio e desinteresse de Magistra- do Conselho de Estado (os precitados regulamentos
dos de intervirem na atuação de órgãos e agências do administrativos), inclusive em regulamentos interna
corporis desconhecidos da sociedade em geral (atos
Poder Executivo, quanto das limitações institucionais e
secretos, sem publicação na imprensa oficial ou qual-
políticas ao efetivo controle judicial da Administração
quer outra forma de divulgação ao público), ao passo
Pública (HE, 2015, p. 267-268).10
que, durante o ciclo do burocratismo pragmático
De outra banda, conquanto o Direito legislado (de 1982 aos dias atuais), os reflexos jurídicos das
da Assembleia Nacional Popular prepondere hierar- reformas políticas, institucionais e administrativas
quicamente não apenas sobre os atos legislativos principiadas na primeira metade da década de 1980
das Assembleias Locais Populares (regulamentos lo- ampliaram, de modo paulatino e significativo, o leque
cais) e das Assembleias Populares de zonas ou áreas
autônomas nacionais (regulamentos autônomos 11. Além da sessão ordinária anual da Assembleia Nacional Popular,
ou regulamentos separados), como também sobre afigura-se possível a convocação de sessões extraordinárias, a critério
do Comitê Permanente da ANP ou mediante o voto favorável de mais
os atos administrativos normativos do Conselho de de 1/5 dos deputados (art. 61, § 1º, da Constituição chinesa). O Comitê
Estado (regulamentos administrativos), dos Ministé- Permanente, ao contrário do Plenário da ANP, desempenha atividades
cotidianas, por meio de reuniões administrativas, de que participam o
rios centrais, comissões, agências e outras entidades Presidente, os Vice-Presidentes e o Secretário-Geral daquele Comitê (art.
vinculadas diretamente ao Conselho de Estado (regras 68, §§ 1º e 2º, da Constituição chinesa) (CHINA, 2015a; CHINA 2015b).
ministeriais) e dos Governos Populares locais (regras 12. A despeito do período do burocratismo pragmático começar,
formalmente, com o advento da Constituição chinesa de 1982, foram
governamentais), as leis infraconstitucionais da ANP precursores das reformas políticas, institucionais, administrativas e
também evidenciam acanhada influência na modela- jurídicas que marcariam os anos 1980 o restabelecimento, em 1978, do
Ministério Público (Procuradoria Popular) e, em 1979, do Ministério da
ção da legislação administrativista, devido (1) à quanti- Justiça (também chamado de Ministério do Judiciário), bem assim das
dade considerável de cláusulas genéricas contidas em Associações de Advogados, em 1979, de Pequim e de Xangai, fenômenos
tais diplomas legislativos, (2) ao expressivo grau de corolários da ascensão, em 1977, de Deng Xiaoping à liderança política da
RPC, momento a partir do qual a cúpula do Partido Comunista da China
delegação normativa pela ANP ao Conselho de Estado tem buscado implementar “o socialismo com características chinesas”,
e (3) à reduzida atividade legiferante da ANP, que ape- matizando a manutenção do intervencionismo estatal, do planejamento
de raiz socialista, do regime autoritário e do controle do Estado chinês,
nas se reúne, em sua composição plenária, durante via PCC, sobre dirigentes de sociedades empresárias e os trabalhadores
com (1) a descentralização administrativa, (2) a abertura às forças do
mercado, a investimentos estrangeiros, ao empreendedorismo privado, à
10. A tibieza do controle judicial da Administração Pública chinesa transferência de tecnologia e à produtividade econômica e (3) o fomento
evidencia-se, a título ilustrativo, pela escassez de julgamentos de ações à indústria de bens de consumo e ao aumento do poder aquisitivo do
judiciais contra atos administrativos em que tenha sido invocado, pelo povo chinês (BRUNET; GUICHARD, 2012, p. 116-120; FANG, 2013, p. 126;
Poder Judiciário, o instituto do abuso de poder (YU, 2015a, p. 61-81). KISSINGER, 2011, p. 388-389, 426-428).

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DOUTRINA, PARECERES E ATUALIDADES

de leis formais a estatuírem mecanismos de controle resses secundários, próprios de agências administrativas,
do Estado-Administração,13 o que ocasionou o relati- de Governos Populares Locais e de autoridades estatais
vo aumento de demandas judiciais e administrativas (PEERENBOOM, 2002, p. 18).
de Direito Administrativo, apesar das resistências
de ordem cultural, política e institucional, vigorosas 4 A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA EM JUÍZO: ASPEC
ainda na atualidade (FANG, 2013, p. 1-12, p. 102-159; TOS DA REFORMA DE 2014
PEERENBOOM, 2002, p. 7, 9, 12, 17). Em 1º .11.2014, na décima primeira sessão do
Todavia, a maior influência na gênese da legis- Comitê Permanente da Assembleia Nacional Popular
lação administrativista chinesa radica, até hoje, no da República Popular da China, decidiu-se pela reforma
Conselho de Estado, não só em virtude da sua intensa do ato legislativo oficialmente intitulado Lei do Processo
atuação normativa (por força da sua competência Administrativo da RPC, também denominada, na litera-
originária de cunho regulamentar e de atribuições tura jurídica anglófona, de Lei do Litígio Administrativo,14
normativas a ele delegadas pela Assembleia Nacio- alteração legislativa corporificada na Ordem nº 15, bai-
nal Popular, bem como da amplitude temática das xada pelo Presidente daquela República, cuja vigência15
suas regulamentações administrativas, a abarcarem principiou em 1º.5.2015 (CHINA, 2015j; CHINA, 2015l).
a maioria das questões políticas, sociais e econômi-
cas da China contemporânea), como também em Essa reforma, em novembro de 2014, da Lei do
decorrência de cerca de 70% das leis submetidas à Processo Administrativo da RPC constitui a sua primei-
apreciação da Assembleia Nacional Popular e do seu ra alteração, ocorrida poucos meses após completa-
Comitê Permanente derivar de projetos de lei cuja dos 25 anos de sanção presidencial (GLÜCK; TONG,
iniciativa legislativa e elaboração couberam ao próprio 2015; ZHIANG, 2015, p. 1).
Conselho de Estado (LIU, 2015b, p. 4). A redação primeva de tal diploma legislativo fora
A mitigada repercussão do Direito legislado na aprovada na 2ª sessão da 7ª Assembleia Nacional
legislação administrativa deve-se também ao usual Popular da RPC, sancionada em 4.4.1989, via Ordem
descompasso entre as balizas legais nacionais e as nº 16, também promanada do Presidente da referida
regulamentações levadas a efeito por agências admi- República, com entrada em vigência em 1º.10.1990
nistrativas e órgãos governamentais locais (PEEREN- (CHINA, 2015l).16
BOOM, 2002, p. 18).
4.1 Um diploma legislativo para ações judiciais de
Explica-se: ainda que as leis emanadas da Assem- Direito Administrativo
bleia Nacional Popular, em sua composição plenária, e do
seu Comitê Permanente estejam, muitas vezes, imbuídas Cuida-se do que se poderia nominar, de forma
de dispositivos de conteúdo genérico, por consequência mais didática, como a Lei do Processo Judicial Adminis-
da legítima finalidade de que sejam preservadas as es- trativo ou, mais precisamente, a Lei da Administração
pecificidades regionais, a ausência de meios eficazes de Pública em Juízo, haja vista que enfeixa o conjunto de
controle da ampla margem discricionária na aplicação
e na interpretação dos atos legislativos nacionais, pelos 14. Na literatura jurídica de língua inglesa, refere-se a tal diploma legislativo
agentes governamentais e administrativos, ocasiona a (inclusive em papers da lavra de juristas chineses) como Administrative
Litigation Law, Administrative Procedure Law e Chinese Administrative Suit
frequente deturpação, por meio de atos regulamentares Law (LIU, 2015, p. 205; YU, 2015a, p. 1; ZHANG, 2015a, p. 1).
de agências administrativas e dos Governos Populares 15. Acolhe-se a ponderação de que a vigência alude ao intervalo de tempo
Locais, do sentido e do teor das normas legais de Direito durante o qual dada norma jurídica possui força vinculante, ao passo que
Administrativo de alcance nacional, em benefício de inte- o vigor concerne à efetividade dos seus efeitos jurídicos (GAGLIANO;
PAMPLONA FILHO, 2008, p. 56, 59, 65).
16. A Lei do Processo Administrativo é um dos frutos jurídicos das
13. Dois exemplos de diplomas legislativos que hoje disciplinam matérias contínuas reformas administrativas (a exemplo das ocorridas em 1982,
de Direito Administrativo antes reguladas, à moda de decretos autônomos, 1988, 1993, 1998, 2003 e 2008), delineadas com o propósito de (1)
pelos chamados regulamentos administrativos: (1) A Lei das Sanções equacionar problemáticas socioeconômicas surgidas com o rápido
Administrativas de Segurança Pública (LSASP), sancionada em 1º.3.2006, crescimento e desenvolvimento da economia chinesa, (2) consolidar
que ab-rogou o Regulamento sobre Sanções Administrativas de Segurança as instituições estatais, (3) garantir a estabilidade social, (4) promover
Pública, de 5.9.1986, revisado em 12.5.1994 (CHINA, 2015m; CHINA, a segurança jurídica, (5) salvaguardar a esfera jurídica de investidores
2015q); (2) e a Lei da Reconsideração Administrativa (LRA), sancionada em estrangeiros e (6) assegurar a competitividade e o vigor econômicos, pela
29.4.1999, que ab-rogou o Regulamento da Reconsideração Administrativa, expansão do comércio exterior, transferência de tecnologia avançada e
de 24.11.1990, revisado em 9.10.1994 (CHINA, 2015d; CHINA, 2015h; manutenção de investimentos estrangeiros (FA; LENG, 2015, p. 1; PEI,
CHINA, 2015p; OHNESORGE, 2015, p. 141; WANG, 2015b, p. 160-161). 2015, p. 832; WANG, 2015a, p. 100-104).

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DOUTRINA, PARECERES E ATUALIDADES

normas processuais destinado a reger a parcela dos cia jurisdicional de processar e julgar, de maneira
feitos sob os auspícios do Poder Judiciário da RPC (e independente, sem a interveniência externa (seja de
não da Administração Pública chinesa ou de Tribunais órgãos administrativos e entidades públicas, seja de
vinculados ao Estado-Administração da China) que di- indivíduos), ações judiciais relacionadas a matérias de
zem respeito a litígios judiciais entre a Administração Direito Administrativo (CHINA, 2015l).
Pública (polo passivo) e administrados (polo ativo).
O referido dispositivo legal previra ainda a possi-
Em outras palavras, conquanto a denominação bilidade de que, em cada Tribunal Popular, houvesse
oficial de Lei do Processo Administrativo da República órgãos jurisdicionais fracionários (“divisões adminis-
Popular da China possa, na óptica de juristas de países trativas”, na dicção do art. 3º da LPA) especializados
de língua oficial portuguesa e espanhola, entre outras, em causas administrativistas (CHINA, 2015l).
levar à conclusão precipitada de que consiste em lei
de regência dos processos administrativos encetados 4.2 A ênfase da reforma de 2014 no acesso ao Poder
no seio da Administração Pública chinesa, em verdade Judiciário
consubstancia a disciplina legal a que se curvam os A despeito dos órgãos judiciais (consoante se de-
processos judiciais da seara da Justiça comum concer- preende do atual teor do art. 1º da LPA)19 continuarem
nentes a conflitos de interesse entre a Administração imbuídos da competência jurisdicional de processar e
Pública (demandada) e administrados (demandantes), julgar ações de Direito Administrativo, a nova redação
uma vez que tal diploma legislativo regula o direito do art. 3º da LPA voltou-se à efetividade do acesso ao
público subjetivo dos administrados de processarem, Poder Judiciário (CHINA, 2015j), ao impor aos Tribu-
no âmbito do Poder Judiciário, autoridades adminis- nais Populares, como desdobramento do direito do
trativas (GLÜCK; TONG, 2015; ZHIANG, 2015, p. 1). jurisdicionado de provocar a tutela judicial, o dever de
Tendo em mira a sua denominação oficial (ainda receberem (e, por conseguinte, de conhecerem das)
que tecnicamente imprecisa, aos olhos dos juristas ações judiciais administrativistas que contemplem os
lusófonos e hispanófonos, entre outros) e, lado outro, seus respectivos pressupostos processuais.
a necessidade de padronizar a terminologia a ser em- Embora, a rigor, desnecessário, porque redun-
pregada neste estudo, optou-se por a ela se referir, ao dante (exprime espécie de truísmo), o atual conteúdo
longo deste paper, como LPA, com a ressalva, lembre- do art. 3º da LPA, quando prescreve o respeito, pelo
-se, de que constitui diploma legislativo a balizar a Poder Judiciário, ao direito de ação e preceitua o pro-
composição dos litígios, sob a alçada da Justiça comum cessamento, na forma da lei, pelos órgãos judicantes,
chinesa, entre administrados (parte requerente) e a da parcela de ações judiciais administrativistas que,
Administração Pública (parte requerida). de fato, deva ser recebida,20 cuida-se de reforço nor-
Com efeito, o art. 3º17 da LPA, em sua redação
primitiva, conferira ao Poder Judiciário, composto unidades administrativas (1) com estatura de Prefeituras de províncias ou
de regiões autônomas, (2) em Municipalidades diretamente vinculadas ao
pelo sistema de Tribunais Populares,18 a competên- Governo Central, a províncias ou a regiões autônomas e (3) e em Prefeitu-
ras autônomas. Os Tribunais Populares Superiores funcionam nas unidades
administrativas (1) de províncias, (2) de regiões autônomas e (3) de Munici-
17. Inspirando-se na cuidadosa tradução brasileira, realizada por Virgílio palidades diretamente vinculadas ao Governo Central, conforme exegese do
Afonso da Silva (2008, p. 9), da obra Teoria dos Direitos Fundamentais art. 18, §§ 1º, 2º e 3º, do art. 23, §§ 1º, 2º, 3º e 4º, e do art. 26, §§ 1º, 2º e
(Theorie der Grundrechte), de Robert Alexy, neste artigo jurídico, na 3º, todos da Lei Orgânica dos Tribunais Populares da RPC (CHINA, 2015o).
medida do possível, adaptaram-se à técnica legislativa e à praxe jurídica 19. Eis o atual teor do art. 1º da Lei do Processo Administrativo (alterado
brasileiras as referências aos dispositivos normativos estrangeiros e pela reforma de 2014), ad litteram: “A fim de assegurar o julgamento
internacionais invocados ao longo deste paper, com vistas a facilitar a imparcial e célere, pelos Tribunais Populares, de causas administrativistas,
familiarização, pelo leitor brasileiro, de normas dimanadas do exterior. resolver conflitos administrativos [‘settle administrative disputes’],
18. Os Tribunais Populares consubstanciam os órgãos judiciários do Estado proteger os direitos lícitos [‘lawful rights’] e interesses dos cidadãos, de
chinês, à luz do art. 123 da Constituição chinesa de 1982, reformada em pessoas jurídicas e de outras organizações e supervisionar o exercício, na
1982, 1988, 1993, 1999 e 2004 (CHINA, 2015a; CHINA, 2015b). Integram o forma da lei, do poder por agências administrativas, esta Lei é elaborada
sistema judiciário da RPC (1) os Tribunais Populares Locais de vários níveis [‘is developed’] em consonância com a Constituição” (CHINA, 2015j,
(subdivididos em Tribunais Populares de Base, em Tribunais Populares Inter- tradução livre nossa para o português) (Citaram-se, em colchetes, trechos
mediários e em Tribunais Populares Superiores), (2) os Tribunais Militares e da tradução anglófona que podem suscitar controvérsia interpretativa na
outros Tribunais Especiais e (3) o Supremo Tribunal Popular, na esteira do art. comunidade jurídica de língua portuguesa).
124 (1) da Constituição da RPC, c/c art. 2º, §§ 1º, 2º e 3º, da Lei Orgânica dos
Tribunais Populares, de 5.7.1979, reformada em 2.9.1983 (CHINA, 2015a; 20. As paráfrases da nova redação do art. 3º da LPA mencionadas no corpo
CHINA, 2015b; CHINA, 2015o). Os Tribunais Populares de Base funcionam deste artigo jurídico foram extraídas da tradução anglófona realizada pelo
em unidades administrativas situadas (1) no nível de condado, (2) no nível portal jurídico Law Info China (http://www.lawinfochina.com), verbo
municipal, bem como (3) com estatura de condados autônomos e (4) de ad verbum: “Article 3 The people’s courts shall protect the right of a
distritos municipais. Os Tribunais Populares Intermediários funcionam nas citizen, a legal person, or any other organization to file a complaint, and

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DOUTRINA, PARECERES E ATUALIDADES

mativo empregado, em 2014, pelo legislador reforma- LPA,23 de evitar a obstrução do acesso ao Poder Judiciá-
dor, com a finalidade de remediar um dos principais rio (ZHANG, 2015a, p. 1) também se revela presente em
entraves à efetividade das impugnações judiciais tal comando legal, quando o indicado artigo proíbe, de
contra a Administração Pública chinesa, concernente modo expresso, a atuação de agências administrativas e
à relutância dos Tribunais Populares de processarem de seus funcionários que vise a interferir nos Tribunais
regularmente tais demandas, em virtude destes fato- Populares e a impedir que estes recebam ações judiciais
res inter-relacionados (KINKEL; HURST, 2015, p. 484, de Direito Administrativo (CHINA, 2015j).
486; ZHANG, 2015a, p. 1; ZHANG, 2015b, p. 118):21
A atual redação do art. 3º da LPA também deter-
1. O excesso de ingerências externas, prejudi- mina que a autoridade estatal encarregada de chefiar
ciais à independência judicial (o Partido Comunis- a agência administrativa situada no polo passivo da lide
ta da China e os Governos Populares representam comparecerá à audiência judicial ou delegará tal in-
acentuadas fontes de interferência exterior no cumbência a funcionário público da respectiva agência
Poder Judiciário). administrativa dotado de situação funcional relevante.
2. O receio de Magistrados de se indisporem Essa imposição legal direciona-se a prevenir
com o Poder Executivo, em um panorama ins- circunstância comum no cotidiano forense da China,
titucional em que as agências governamentais, referente a audiências de instrução probatória de
quando condenadas em Juízo, por vezes, retaliam ações judiciais contra a Administração Pública, em que
não apenas os administrados (autores das respec- o Poder Executivo, fazendo-se presente apenas por
tivas ações judiciais), como também os órgãos intermédio do advogado de defesa, deixa de designar
judiciários que proferiram decisões contrárias à agente estatal para prestar depoimento, inviabilizando
Administração Pública. a adequada instrução probatória (ZHANG, 2015a, p. 5).
3. A dependência de órgãos do Poder Judiciá- Lado outro, o § 1º do novo art. 26 da LPA (an-
rio de recursos humanos, financeiros e materiais tigo art. 25) impõe a presença, no polo passivo do
fornecidos por órgãos do Poder Executivo cujos litígio judicial, tanto da agência administrativa au-
atos são julgados por aqueles (verbi gratia, situa- tora da decisão administrativa primeva, quanto da
ções em que Tribunal Popular local julga ações agência administrativa que, ao negar provimento
judiciais contra provimentos administrativos do ao recurso administrativo (remédio processual no-
mesmo Governo Popular local do qual provêm minado, pela legislação chinesa, de “reconsideração
os recursos públicos que asseguram o funciona- administrativa”)24 interposto em face daquele decisum
mento daquela Corte).22
A tônica da reforma de 2014 da Lei do Processo aparelhamento de órgãos locais do Ministério Público, da Justiça e do
Sistema de Segurança Pública (KINKEL; HURST, 2015, p. 487). Em 12.11.2013,
Administrativo, refletida na nova redação do art. 3º da o Comitê Central do Partido Comunista da China lançou nova plataforma de
reformas, inclusive de âmbito judiciário, seara em relação à qual se incluem
(1) a centralização do custeio dos Tribunais Populares e da nomeação dos
accept, according to the law, administrative cases that shall be accepted. magistrados, (2) a criação de Tribunais Populares Regionais (distanciados
Administrative agencies and the employees thereof may not interfere da influência direta de autoridades locais), (3) o fomento da formação
with or impede the acceptance of administrative cases by the people’s técnico-jurídica de Magistrados e advogados, (4) a promoção de campanhas
courts. The person in charge of an administrative agency against which a de educação jurídica, (5) a expansão de serviços de assistência jurídica,
complaint is filed shall appear in court to respond to the complaint, or, if (6) o aprimoramento dos mecanismos de controle da discricionariedade
he or she is unable to appear in court, authorize a relevant employee of administrativa e (7) de responsabilização de agentes governamentais, (8) o
the administrative agency to appear in court” (CHINA, 2015j). aperfeiçoamento da legislação relativa aos meios de impugnação e revisão
de atos estatais e (9) ao cumprimento de decisões judiciais (PEERENBOOM,
21. Em complemento ao conjunto de ponderações assinaladas pelos 2015, p. 189, 198, 201).
pesquisadores acima enumerados, mencione-se o magistério de
Randall Peerenboom, ao acentuar que as propostas de reforma da LPA 23. As paráfrases da nova redação do art. 3º da LPA mencionadas no corpo
(materializada em 2014) visaram a ampliar a jurisdição do Poder Judiciário deste artigo jurídico foram extraídas da tradução anglófona realizada
pelo portal jurídico Law Info China (http://www.lawinfochina.com), verbo
chinês em matérias de Direito Administrativo, como reação (1) ao número
ad verbum: “Article 3 The people’s courts shall protect the right of a
relativamente baixo de ações judiciais contra a Administração Pública citizen, a legal person, or any other organization to file a complaint, and
ajuizadas a cada ano e (2) à relutância dos Tribunais Populares de julgarem accept, according to the law, administrative cases that shall be accepted.
casos controversos (PEERENBOOM, 2015, p. 190). Administrative agencies and the employees thereof may not interfere
22. A fim de atenuar a influência política de Governos Populares locais with or impede the acceptance of administrative cases by the people’s
sobre os Tribunais Populares locais e de diminuir a disparidade em termos courts. The person in charge of an administrative agency against which a
de remuneração e de formação técnico-jurídica entre os Magistrados complaint is filed shall appear in court to respond to the complaint, or, if
he or she is unable to appear in court, authorize a relevant employee of the
das zonas urbanas e rurais, advoga-se o custeio, pelo Governo Central,
administrative agency to appear in court” (CHINA, 2015j).
dos órgãos judiciários locais, meta a que o Conselho de Estado da RPC,
em 2008, comprometeu-se a implementar. Cerca de dois anos antes, em 24. O sistema de reconsideração administrativa consiste em mecanismo de
2006, o Governo Central destinara 5,93 bilhões de renminbis (RMB) ao controle interno que permite à Administração Pública chinesa, sem a intervenção

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DOUTRINA, PARECERES E ATUALIDADES

administrativo primitivo, ratifica o ato decisório da se alterasse a decisão administrativa recorrida (CHINA,
instância administrativa de origem (CHINA, 2015h; 2015l; CHINA, 2015j; ZHANG, 2015a, p. 5).
CHINA, 2015j; CHINA, 2015l). A reforma de 2014 da LPA igualmente fomenta o
Ao mesmo tempo, o § 4º do novo art. 26 da LPA direito à efetiva tutela judicial, ao se acautelar contra
determina a presença, no polo passivo do feito judicial previsíveis estratagemas do Poder Executivo de impedir
de Direito Administrativo, somente da agência admi- o cumprimento de eventuais condenações judiciais da
nistrativa que fora incumbida de apreciar o “pedido de Fazenda Pública, ao prescrever que a multa diária por
reconsideração” (cuja natureza jurídica corresponderia, inadimplemento de decisão judicial – astreinte, na lin-
no processo administrativo brasileiro, ao recurso hie- guagem processual civil brasileira, vocábulo jurídico de
rárquico próprio, porque direcionado à agência admi- inspiração francesa (SILVA, 2010, p. 152) – seja suportado
nistrativa de hierarquia superior),25 caso esta entidade, pelo patrimônio da autoridade administrativa (pessoa
na qualidade de instância revisora administrativa, tenha natural), e não mais pelo erário (GLÜCK; TONG, 2015).
se quedado inerte durante o prazo legal para julgar tal 4.3 As hipóteses de cabimento de impugnação judi-
impugnação administrativa (CHINA, 2015j). cial contra a Administração Pública da RPC
Por meio dessas inovações legislativas, almeja-se Com o propósito de ampliar o espectro do controle
inibir as circunstâncias em que a autoridade adminis- judicial do ato administrativo, a reforma de 2014, ao
trativa rejeita o recurso administrativo ou se mantém renumerar para art. 12 o outrora art. 11 da LPA, acres-
silente, com a finalidade oculta de não compor o futuro centou-lhe, em caráter exemplificativo (numerus aper-
processo judicial, uma vez que, de acordo com a reda- tus), 12 (doze) – em vez das antigas 8 (oito) – hipóteses
ção antiga do § 1º do art. 25 da LPA, caso improvido o legais de cabimento de ações judiciais de administrados
recurso administrativo endereçado à instância revisora contra a Administração Pública27 (CHINA, 2015j):
(denominado de “pedido de reconsideração”, porém, 1. Impugnações a sanções administrativas,
no processo administrativo brasileiro, correspondente, a exemplo de penalidades administrativas con-
lembre-se, ao típico recurso hierárquico próprio),26 o substanciadas em (a) prisões administrativas, (b)
posterior ajuizamento de impugnação judicial resulta- em suspensões ou (c) revogações de licenças ou
ria na compulsória presença, no polo passivo da lide permissões, (d) em suspensões de atividades de
judicial, apenas da autoridade administrativa a quo produção ou de comércio, (e) em confiscos de
(da qual emanara a decisão inicialmente atacada na renda de origem ilícita, (f) em confiscos de proprie-
via administrativa), de maneira que a autoridade ad- dade ilícita, (g) em multas e (h) em advertências.
ministrativa ad quem integraria o feito judicial tão só
2. Impugnações a medidas administrativas
do Poder Judiciário, revisar atos administrativos de efeitos concretos, com
compulsórias, tais quais restrições à (a) liberda-
espeque nos princípios explícitos da legalidade, da imparcialidade, da de pessoal, (b) sequestros de bens (“seizure”),
publicidade (“openness”), da celeridade (“promptness”) e da conveniência
popular (conjugados com os princípios implícitos da eficiência, da economicidade
(c) apreensões de bens (“impoundment”), (d)
e da razoabilidade, segundo se depreende da literatura especializada), com o indisponibilidades patrimoniais (“freezing of
propósito de assegurar a adequada implementação de leis e regulamentos, nos property”) e (e) exercício do poder de polícia
termos do art. 4º da Lei da Reconsideração Administrativa (LRA), sancionada,
rememore-se, em 29.4.1999, que ab-rogou o Regulamento da Reconsideração (“administrative enforcement”).
Administrativa, de 24.11.1990, revisado em 9.10.1994 (CHINA, 2015d; CHINA,
2015h; CHINA, 2015p; GAO, 2015, p. 32; OHNESORGE, 2015, p. 141; WANG, 3. Impugnações contra (a) indeferimentos de
2015b, p. 160-161; WANG, 2015c, p. 86).
pleitos na via administrativa, bem como em virtude
25. Em outros dizeres, os processos de reconsideração administrativa, (b) do silêncio administrativo (após escoado o prazo
na conjuntura chinesa, constituem, em realidade, não na reapreciação
do pleito pela autoridade que decidiu em desfavor do administrado, mas legal de resposta), além de impugnações a atos deci-
em recursos administrativos, por intermédio dos quais os administrados sórios administrativos relativos a (c) licenciamentos.
solicitam da instância revisora administrativa (hierarquicamente superior)
a reforma do decisum impugnado (LICHTENSTEIN, 2015, p. 17). 4. Impugnações a decisões administrativas que
26. No Direito Processual Administrativo brasileiro, o pedido de reconsideração reconheceram a (a) titularidade ou (b) o direito de
“significa um pedido de reexame de uma decisão, dirigido à mesma autoridade uso de recursos naturais, como o solo, os recursos
que a editou”, ao passo que o recurso hierárquico próprio constitui “o pedido
de reexame dirigido à autoridade administrativa hierarquicamente superior minerais e hídricos, assim como recursos naturais
àquela responsável pela decisão”, de que se diferencia o recurso hierárquico
impróprio, justamente porque este se direciona à autoridade “que não detém
vínculo de hierarquia com a autoridade ou órgão responsável pela decisão 27. Os 12 (doze) itens acima consignados são, em verdade, paráfrases dos
impugnada” (MEDAUAR, 2013, p. 429). §§ 1º a 12 da atual redação do art. 12 da LPA, respectivamente.

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DOUTRINA, PARECERES E ATUALIDADES

relacionadas a florestas, morros, pradarias, terrenos A par disso, o novo art. 25 da LPA (correspon-
baldios, áreas entremarés e áreas marítimas. dente ao antigo art. 24) permite ao sujeito passivo
5. Impugnações a decisões administrativas ati- de determinada ação administrativa (ou ao terceiro
nentes à intervenção do Estado na propriedade priva- interessado) impugná-la perante a Justiça comum,
da, quanto (a) a desapropriações, (b) a requisições e pela via da reclamação.
(c) a indenizações relacionadas a ambos os institutos. Portanto, à luz da interpretação sistemática da
6. Impugnações relativas à recusa ou à falha LPA, tendo como ponto de partida a função residual
de agência administrativa de cumprir (a) o dever do § 12 do seu atual art. 12 (mencionado, por último,
de agir e (b) de adimplir, a contento, outros deveres na enumeração acima), nota-se que são admissíveis
legais e responsabilidades concernentes a direitos em Juízo (na esfera da Justiça comum) quaisquer ações
pessoais e reais, bem assim (c) a outros direitos e cuja causa de pedir concirna à alegação, pelo autor,
interesses protegidos pelo ordenamento jurídico. de ofensa, pela Administração Pública da PRC (mor-
mente, por suas agências administrativas), de direitos
7. Impugnações a ações administrativas preju- e interesses acolhidos pela ordem jurídica chinesa e
diciais (a) à autonomia da gestão empresarial e (b) de que seja titular a parte requerente, contanto que
a direitos referentes a bens imóveis rurais. consistam em impugnações a atos administrativos de
8. Ações judiciais contra agências adminis- efeitos concretos, já que o regime jurídico-processual
trativas que supostamente incorreram em abuso da LPA não contempla o controle judicial de atos ad-
de poder, (a) ao obstarem ou (b) restringirem a ministrativos de caráter apenas genérico e impessoal
competividade empresarial. (KINKEL; HURST, 2015, p. 480).
9. Ações judiciais cuja causa de pedir (na lin- Ademais, por meio da interpretação sistemática
guagem processual civil brasileira)28 se paute na da LPA, detecta-se a ênfase legislativa, inaugurada em
alegação de que determinada agência administra- 1989 e reiterada em 2014, de enumerar, exemplifica-
tiva requereu a prática de atos contrários à ordem tivamente, hipóteses de ações judiciais a atacarem
jurídica ou inexigíveis, relacionados, por exemplo, provimentos administrativos corporificados (a) em
(a) à captação ilícita de recursos financeiros ou (b) sanções administrativas e (b) em interferências esta-
ao indevido rateio de despesas financeiras. tais na atividade de empresa, na ordem econômica e
10. Ações judiciais cuja causa de pedir se ba- no direito de propriedade.
seie na suposta mora de agência administrativa, Desse modo, a LPA, em suas redações original
materializada no inadimplemento (a) de indeni- (1989) e contemporânea (2014), ecoa as reformas
zação, (b) de subsídio mínimo de alimentação ou legislativas deflagradas pelo Governo Central na pri-
(c) de benefício de seguridade social. meira metade da década de 1980, para ampliar, em
11. Ações judiciais cuja causa de pedir consista benefício da comunidade empresarial, o leque de
em aventado descumprimento, por determinada meios de impugnação, perante a Justiça comum, de
agência administrativa, (a) ao previsto em lei ou atos da Administração Pública, inaugurada pela Lei do
em acordo, bem como (b) na indevida alteração Imposto de Renda das Joint Ventures Sino-Estrangeiras
ou rescisão de acordo, por exemplo, a respeito de 1980, seguida do Código de Processo Civil de 1982
de concessões públicas e indenizações em conse- (KINKEL; HURST, 2015, p. 481-482).
quência de desapropriações de imóveis urbanos.
É coerente com o art. 3º da Lei sobre a Legislação
12. Ações judiciais cuja causa de pedir diga da RPC, de 15.3.2000, o qual, ao definir o conjunto
respeito a outras hipóteses (critério residual) de de normas principiológicas e ideológicas em que de-
desrespeito, por agência administrativa, a direitos vem se inspirar as leis infraconstitucionais chinesas,
pessoais, direitos reais e demais direitos e interes- preconiza a deferência a princípios que priorizam,
ses agasalhados pelo ordenamento jurídico. como tarefa central, o desenvolvimento econômico
(“principles of taking economic development as the
28. Invocou-se, para fins didáticos, o constructo jurídico da causa de pedir, central task”)29 (CHINA, 2015i).
com este sentido (DIDIER JR., 2008, p. 400): “A causa de pedir é o fato ou
conjunto de fatos (fato(s) da vida juridicizado(s) pela incidência da hipótese
normativa) e a relação jurídica, efeito daquele fato jurídico, trazidos pelo 29. Tradução anglófona oficial da Assembleia Nacional Popular da RPC
demandante como fundamento de seu pedido”. (CHINA, 2015i).

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DOUTRINA, PARECERES E ATUALIDADES

5 A JUSTIÇA ADMINISTRATIVA DE SEGURANÇA de cunho extrajudicial) pela diferença fundamental de


PÚBLICA E O DIREITO ADMINISTRATIVO SAN que, na República Popular da China, agasalha-se, desde
CIONADOR a década de 1950, Justiça Administrativa composta por
órgãos de segurança pública e presidida pelas autori-
O Estado chinês, apesar de se assemelhar ao dades policiais, em que prepondera a ênfase na Justiça
Estado nipônico no que concerne, especificamente, à Substancial e na eficiente e flexível persecução dos
atribuição ao Poder Judiciário do múnus de processar ilícitos administrativos, em detrimento seja do controle
e julgar ações de particulares em desfavor da Adminis- externo da atividade policial, pelo Ministério Público e
tração Pública,30 distingue-se da estrutura organizacio- pelo Poder Judiciário, seja de formalidades e garantias
nal japonesa dos Poderes de Estado (modelada para processuais inerentes ao devido processo legal e ao
funcionar sem a presença de Tribunais administrativos Estado de Direito, déficit de accountability que a torna
mais vulnerável a arbitrariedades (LI, 2015a, p. 398-399,
30. A título de comparação com este outro relevante ator geopolítico do 401-402; LI, 2015b, p. 171).
Extremo Oriente, vê-se que no Japão também se radica no Poder Judiciário,
e não na Justiça Administrativa, a competência jurisdicional para processar Conquanto existisse, mesmo na Era Maoísta
e julgar ações de administrados em face da Administração Pública. É que,
na conjuntura político-jurídica japonesa ulterior à Segunda Guerra Mundial (1949-1976), verdadeira Justiça Administrativa do
(1939-1945), prepondera a interpretação restritiva do art. 76 da Constituição Sistema de Segurança Pública, cuja principal faceta
pacifista e democrática de 1946, exegese constitucional segundo a qual se
proscrevem, no Japão, os Tribunais administrativos e, em consequência, foram (e são) as prisões administrativas (concebidas
transferiu-se, integralmente, à Justiça Comum nipônica a incumbência
de compor litígios entre a Administração Pública e os administrados na década de 1950, em uma conjuntura política mar-
(OHNESORGE, 2015, p. 114-115). Conforme a exegese predominante acerca cada, de 1949 a 1953, pelos julgamentos em massa, a
do art. 76 da Constituição japonesa de 1946, veda-se a existência de Tribunais
administrativos no Japão, em virtude daquela norma constitucional, entre título de depuração ideológica da sociedade e do Es-
outras prescrições, agasalhar esta proibição (herança de um dos esboços tado chineses), não houve no período revolucionário
da Constituição de 1946, aquele encabeçado pelo Comandante Aliado
no Japão, General Douglas MacArthur, o MacArthur Draft): “Nenhum (de 1949 a 1982, com auge na Era Maoísta, de 1949
tribunal extraordinário será estabelecido, bem como nenhum órgão ou
agência do Poder Executivo terá poderes judiciais finais” (JAPÃO, 2015b, a 1976), nem há no período do burocratismo prag-
tradução livre nossa; OHNESORGE, 2015, p. 114-116; TSUJI; 2015, p. 171, mático (de 1982 em diante), Cortes Administrativas
180). Essa adoção extremada dos princípios da unicidade de jurisdição e da
separação de Poderes contrasta com o contexto político-jurídico anterior, independentes dos Poderes Executivo e Judiciário,
sob a égide dos arts. 60 e 61 da Constituição imperial de 1889, a chamada incumbidas de processar e julgar ações de administra-
Constituição Meiji, em que o Tribunal Administrativo Especial (ou Tribunal
Especial do Litígio Administrativo), extinto em 1948, processava e julgava, dos contra a Administração Pública chinesa, inclusive
com exclusividade (obstada, portanto, a interveniência do Poder Judiciário),
feitos relacionados a supostas medidas ilegais praticadas por autoridades suas agências administrativas (FANG, 2013, p. 1-12, p.
do Poder Executivo, de que resultava, naquela tessitura constitucional, 102-159; LI, 2015a, p. 398-399; LI, 2015b, p. 171; LI,
a interdição à revisão judicial dos atos administrativos (JAPÃO, 2015c;
MATSUI, 2015, p. 17; OHNESORGE, 2015, p. 115). Apesar do atual panorama 2015c, p. 150-166; LI, 2015d, p. 810).
constitucional do Japão, inaugurado em 1946, o Conselho de Reforma
do Sistema Judiciário nipônico (shihōkaikaku iinkai), em junho de 2001, Em suma, a Justiça Administrativa da República
ao influxo da intenção do Governo japonês de adotar políticas públicas
de estímulo à eficiência estatal, com vistas à retomada do crescimento Popular da China cinge-se aos órgãos de segurança
econômico, expediu recomendações finais destinadas ao Primeiro-Ministro pública (LI, 2015c, p. 180).
do Japão, por intermédio das quais preconizou, entre outras propostas, o
advento de Tribunais administrativos ou de ramos especializados do Poder
Judiciário em matéria administrativa, com o desiderato de colmatar o
As normas gerais do Direito Administrativo san-
baixo desenvolvimento do controle jurisdicional da Administração Pública cionador chinês corporificam-se na Lei de Sanções Ad-
japonesa, déficit histórico que permanece na atualidade e reflete a tímida
presença do Direito Administrativo na formação jurídica e nas carreiras ministrativas (LSA)31 (CHINA, 2015g), sancionada em
jurídicas daquele país, bem como espelha a superlativa autocontenção do 17.3.1996, cujo caráter de lex generalis evidencia-se,
Poder Judiciário nipônico, no exercício do controle do Poder Executivo e dos
atos administrativos, o que tem se abrandado a partir de 2002, mediante a contrario sensu, na Lei das Sanções Administrativas
avanços discretos, ilustrado por interpretações judiciais mais dilatadas das
hipóteses de intervenção do Poder Judiciário elencadas na Lei de Litígios
de Segurança Pública (LSASP),32 sancionada quase dez
em Matéria Administrativa (tradução livre inspirada na tradução anglófona,
Administrative Case Litigation Act (LCLA)), a Lei nº 139, de 16.5.1962, e pela
reforma de 2004 de tal diploma legislativo (também alterado em 1989, 1996, 31. Em língua inglesa, traduzida como Law of People´s Republic of China
1999 e 2007), ante a influência, entre outros fatores, das recomendações Administrative Penalty. Aprovada em 17.3.1996, pela quarta sessão da
finais de tal Conselho (JAPÃO, 2015a; MATSUI, 2015, p. 18-19; NOTTAGE; Oitava Assembleia Nacional Popular, e sancionada na mesma data, por
GREEN, 2015, p. 130, 134-135, 138, 141-143; OHNESORGE, 2015, p. 120- meio da Ordem nº 63 do Presidente da RPC (CHINA, 2015g).
121). Ante essa compleição constitucional do Japão, debate-se, em sua
comunidade jurídica, como alternativa à Justiça Administrativa, a gênese de 32. Em língua inglesa, traduzida como Law of the People’s Republic of China
novos órgãos jurisdicionais especializados do Poder Judiciário (a exemplo on Penalties for Administration of Public Security. Aprovada em 28.8.2005,
dos ramos especializados em propriedade intelectual e em Direito de pela décima sétima reunião do Comitê Permanente da Décima Assembleia
Família, já existentes) e de agências reguladoras independentes (TSUJI, Nacional Popular, e sancionada em 1º.3.2006, por meio da Ordem nº 38
2015, p. 176-175, 171-170, paginação decrescente). do Presidente da RPC (CHINA, 2015m).

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anos depois, em 1º.3.2006,33 cujo art. 3º, por sua vez, que cerceiam a liberdade pessoal, no que se refere
prevê, nos casos omissos, a aplicação subsidiária da ao exercício não só da função normativa (prescrição
LSA em processos administrativos sancionadores de de tipos e punições administrativas, conforme atrás
segurança pública34 (CHINA, 2015m). explanado), como também da função jurisdicional
(aplicação de sanção administrativa no caso concreto):
Despontam, ainda, diplomas legislativos e atos conquanto, de modo genérico, o art. 20 da LSA confira,
administrativos normativos de abrangência local. em regra, aos órgãos administrativos dos Governos
Essa pluralidade de atos legislativos e administrativos Populares locais, a partir do nível de distrito, a com-
na esfera do Direito Administrativo Sancionador é petência jurisdicional para o exercício da potestade
inferida do Capítulo II (arts. 8 a 14) da própria Lei de sancionadora prevista na própria LSA, a parte final do
Sanções Administrativas, intitulado “Tipos e Criação seu art. 16 adstringe aos órgãos de segurança pública
de Sanções Administrativas”, do qual se depreende, a competência para impor penalidades administrati-
inclusive, a possibilidade jurídica de normas adminis- vas restritivas da liberdade pessoal.
trativas e legislações locais inovarem a ordem jurídica,
ampliando, para além do Direito Legislado, o leque de À luz do referido art. 20 da LSA, depreende-se que
penalidades administrativas (CHINA, 2015g). a potestade administrativa sancionadora abrange não
apenas o Governo Central, mas também as unidades
Em outros dizeres, na seara do Direito Administra- administrativas situadas nos primeiros níveis de maior
tivo sancionador chinês, mitigam-se os princípios da relevância político-administrativa abaixo do Governo
legalidade em sentido estrito e da reserva de lei formal, Central, quais sejam o nível provincial (1º nível), o
na medida em que se faculta a criação de sanções nível prefeitural (2º nível) e o nível distrital ou de
administrativas, por meio de regras e regulamentos condado (3º nível).35
administrativos, salvo as punições limitadoras da liber-
dade pessoal (art. 10 da LSA). Permite-se o advento de Em consonância com os arts. 16 e 20 da Lei de
legislações locais a estatuírem sanções administrativas, Sanções Administrativas, de 1996, o art. 91 da Lei das
exceto as concernentes (1) à restrição da liberdade Sanções Administrativas de Segurança Pública, de
pessoal e (2) à cassação de licença de estabelecimento 2006, preceitua que as sanções administrativas em
empresarial (art. 11 da LSA) (CHINA, 2015g).
35. Acima do nível de condado ou distrital situam-se os níveis provincial
Ao mesmo tempo, confere-se a Ministérios e (1º nível) e prefeitural (2º nível), ao passo que abaixo do nível de condado
comissões vinculadas ao Conselho de Estado, assim ou distrital posicionam-se os níveis de cantão (4º nível) e de comuna ou
comunitário (5º nível). É que, a despeito da diversidade terminológica
como aos Governos Populares, a potestade normativa das traduções difundidas no Ocidente acerca da divisão administrativa
da China, verifica-se a predominância, atualmente, da classificação
de cominarem punições administrativas de (1) adver- de 5 (cinco) níveis (de cima para baixo): 1. Nível provincial (Shengji),
tência disciplinar e (2) multa, se silente a legislação em composto por (a) províncias, (b) regiões autônomas, (c) regiões especiais
administrativas (Hong Kong e Macau) e (d) Municipalidades diretamente
sentido amplo, isto é, nas circunstâncias em que se vinculadas ao Governo Central; 2. Nível prefeitural (Diji), composto por
denota faltante norma legal ou administrativa a coibir (a) cidades com estatura de Prefeituras, (b) Prefeituras, (c) Prefeituras
autônomas e (d) ligas; 3. Nível de condado ou nível distrital (Xianji),
o descumprimento de determinada espécie de ordem composto por (a) condados, (b) distritos, (c) cidades com estatura de
administrativa (arts. 12 e 13 da LSA) (CHINA, 2015g). condados, (d) Municípios ou distritos, (e) distritos especiais e (f) áreas
ou distritos florestais, bem como (g) condados autônomos, (h) bandeiras
Consoante assinalado em linhas anteriores, há e (i) bandeiras autônomas; 4. Nível de cantão (Xiangji), composto por
(a) cantões, (b) cidades, (c) subdistritos, (d) burgos, (e) distritos públicos
maiores limitações ao exercício do poder punitivo do oficiais, (f) cantões étnicos ou de nacionalidades, assim como (g) sumu e
Estado, quando se trata de sanções administrativas (h) sumu étnicos; 5. Nível de comuna ou nível comunitário (Cunji), cidades
com estatura de (a) comunas ou comunidades, (b) comitês ou grupos
de bairros, vizinhanças, vilas, povoados ou aldeias, (c) comunidades,
(d) comunidades residenciais, (e) bairros, (f) vilas, povoados ou aldeias
33. A Lei das Sanções Administrativas de Segurança Pública, por meio administrativas, (g) vilas ou aldeias naturais e (h) gacha. Assim se conclui
do seu art. 119, ab-rogou o diploma legislativo intitulado Regulamento mediante o cotejo entre (1) a padronização estabelecida em 2013, pelo
sobre Sanções Administrativas de Segurança Pública (em língua inglesa, Governo dos Estados Unidos da América, por meio do Comitê de Nomes
traduzida como Regulations of the People´s Republic of China on Estrangeiros (Foreign Names Committee) do Conselho sobre Nomes
Administrative Penalties for Public Security), de 5.9.1986, revisado em Geográficos dos Estados Unidos (United States Board on Geographic
12.5.1994 (CHINA, 2015m; CHINA, 2015q). Names), órgão interno da agência federal denominada Serviço Geológico
dos Estados Unidos (United States Geological Survey (USGS)), (2) as
34. Art. 3º da LSASP, in litteris: “Artigo 3º Aplicam-se as disposições desta classificações adotadas pelas Wikipédias de línguas francesa, espanhola,
Lei [Lei das Sanções Administrativas de Segurança Pública] ao processo italiana, inglesa e portuguesa e (3) a redação dos arts. 30 e 95 a 111 da
de aplicação de penalidades [administrativas] de segurança pública; e nos Constituição chinesa, de acordo com a tradução anglófona oficial de 2004
casos em que não forem aplicáveis as disposições desta Lei, aplicar-se-ão e a tradução lusófona não oficial de 1999 (China, 2015a; China, 2015b;
as pertinentes disposições da Lei da República Popular da China sobre Estados Unidos da América, 2015, p. 6-7; Wikipédia, 2015; Wikipedia,
Sanções Administrativas” (CHINA, 2015m, tradução livre nossa). 2015a; Wikipedia, 2015b; Wikipedia, 2015c).

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matéria de segurança pública serão aplicadas por Relativamente às prisões administrativas, de acordo
órgãos de segurança pública36 vinculados a Governos com a classificação doutrinária difundida em 2012 por
Populares do nível distrital ou superior, no âmbito Enshen Li, há quatro espécies: (1) Laodong Jiaoyang (“ree-
dos quais as delegacias de polícia poderão aplicar ducação por meio do trabalho”), (2) Shourong Jiaoyu (“de-
as sanções de advertência e multa até quinhentos tenção educacional”), (3) Qiangzhi Jiuedu (“reabilitação
iuanes37 (CHINA, 2015m). compulsória de drogas”) e (4) Zhi´an Juliu (“detenção para
Daí se percebe que o arcabouço normativo do a preservação da ordem pública”) (LI, 2015a, p. 398-399).
Direito Administrativo sancionador da China norteia-se No tocante a essa classificação divulgada em 2012
por ampla gama de atos normativos legais e infralegais, por Li, ressalva-se a posterior revogação, em 28.12.2013,
quer de alcance nacional, quer de abrangência local, de toda a legislação chinesa relativa à reeducação pelo
na qual prevalecem (1) os temperamentos à reserva trabalho (o denominado sistema Laojiao), de sorte que,
de lei formal e (2) a ampla autonomia normativa dos na atualidade, restam abolidas, no ordenamento jurídico
Governos Populares posicionados abaixo do Governo chinês, as sanções administrativas de trabalho forçado,38
Central, exceto quanto a sanções administrativas que cuja proscrição se atribui à finalidade do Presidente Xi
cerceiam a liberdade pessoal: trata-se matéria restrita Jinping de reformar o Estado chinês e o seu sistema polí-
ao Direito legislado das unidades administrativas de tico39 (CHINA, 2015c;40 DELURY, 2015).41
maior envergadura (de estatura igual ou superior ao
nível de distrito), cuja aplicação se comete, em caráter 38. Laojiao consiste na abreviatura da precitada locução Laodong Jiaoyang
exclusivo, aos órgãos de segurança pública (aos órgãos (LI, 2015a, p. 398). A “reeducação por meio do trabalho” (Laojiao) não
policiais vinculados a unidades administrativas de nível se confunde com a “reforma por meio do trabalho” (Laogai): enquanto
a primeira dizia respeito à sanção administrativa (a mais conhecida
igual ou superior ao de distrito reserva-se a aplicação espécie de prisão administrativa), expressão do poder decisório da Justiça
não só de sanções administrativas que tolhem o status Administrativa, composta por autoridades policiais, a segunda concerne à
sanção penal, decorrente de sentença penal prolatada pelo Poder Judiciário,
libertate, mas também a todas as punições adminis- ou seja, pela Justiça comum (KRINKEL; HURST, 2015, p. 474).
trativas relacionadas à segurança pública) (CHINA, 39. Em que pese o aparente caráter alvissareiro da abolição das punições
2015g; CHINA, 2015m; LI, 2015a, p. 398-399, 401-402; administrativas de trabalho forçado, o South China Morning Post (jornal
diário sediado em Hong Kong) noticiou, no primeiro semestre de 2014, a
LI, 2015b, p. 171). repressão política, por meio do aparato policial chinês, haver substituído
tais medidas administrativas por prisões provisórias de cunho processual
5.1 As prisões administrativas penal, de maneira que a perseguição política, via órgãos de segurança
pública, não teria diminuído, mas apenas substituído os trabalhos forçados
O Capítulo II da Lei das Sanções Administrativas pelas prisões cautelares (YU, 2015b). Antes, em novembro de 2013, na
influente Foreign Affairs, o historiador John Delury, especializado em
de Segurança Pública elenca 4 (quatro) espécies de assuntos chineses, já advertia para a permanência de outros meios estatais
sanções administrativas sob a égide de tal diploma de repressão política, a exemplo das demais espécies (atrás mencionadas)
de prisão administrativa, além da vigilância domiciliar e de julgamentos
legislativo: (1) advertência, (2) multa, (3) prisão ad- contra atos “subversivos” (DELURY, 2015). Harry Wu e Cole Goodrich –
ministrativa e (4) revogação de licenças baixadas por vinculados à Fundação Laogai (Laogai Foundation), destinada à pesquisa e
à denúncia da parcela das violações de direitos humanos levadas a efeito,
órgãos de segurança pública (CHINA, 2015m). na República Popular da China, por meio de prisões políticas –, em paper
publicado na primeira metade de 2014, vaticinaram que, se as autoridades
Já o Capítulo III da LSASP tipifica 4 (quatro) espécies policiais chinesas fossem privadas, em caráter absoluto, do poder de
de ilícitos, a título de infrações administrativas contra a decretar prisões administrativas prolongadas, aumentariam (como, de fato,
aumentaram, conforme o noticiado) os casos de prisões judiciais por ofensas
segurança pública em sentido amplo, é dizer, atos que políticas (WU; GOODRICH, 2015, p. 4). Randall Peerenboom, reconhecido
(1) perturbam a ordem pública (Seção 1), (2) prejudicam especialista no Direito chinês, alertou, em artigo jurídico publicado no
segundo semestre de 2014, para o perigo não só de que cresça o emprego
a segurança pública (Seção 2), (3) infringem direitos ati- (1) de outras espécies de prisão administrativa ou, ainda, (2) de prisões com
nentes à pessoa e à propriedade (Seção 3) e (4) obstam menor grau de regulamentação, mas também de que (3) outras hipóteses
legais de encarceramento sejam concebidas (PEERENBOOM, 2015, p. 203).
a administração social (Seção 4) (CHINA, 2015m).
40. Em 28.12.2013, na sexta sessão do Comitê Permanente da Assembleia
Nacional Popular da RPC, decidiu-se pela revogação da Resolução de
1º.8.1957, que chancelava o posicionamento à época do Conselho de
36. Segundo pesquisas estatísticas de Xin He, professor de Direito da Estado, favorável às penalidades de trabalho compulsório (CHINA, 2015c).
Universidade da Cidade de Hong Kong (City University of Hong Kong), No mês anterior, em 12.11.2013, o Comitê Central do Partido Comunista
veiculadas em artigo jurídico publicado no segundo semestre de 2014, a da China, ao trazer à baila nova plataforma de reformas, posicionou-se pela
maioria das matérias relativas a “pedidos de reconsideração administrativa” eliminação de todas as modalidades não apenas de prisões administrativas,
diz respeito ao Sistema de Segurança Pública, assim como a questões como também de prisões ilegais em geral (PEERENBOOM, 2015, p. 202).
relativas a recursos naturais do solo e ao bem-estar social e laboral (HE,
2015, p. 263). 41. A Agência de Notícias Xinhua (vinculada ao Governo chinês) atribuiu
a abolição do sistema Laojiao a 2 (dois) casos notórios, em que trabalhos
37. Optou-se pela grafia “iuane” (unidade da moeda chinesa, o atrás forçados foram aplicados com desvio de finalidade: (1) O caso de Tang Hui,
mencionado renminbi – RMB), tal como adotada pelo Dicionário Houaiss que protestara em público pela condenação à pena de morte das pessoas
da Língua Portuguesa (Instituto Antônio Houaiss, 2009). que sequestraram, estupraram e sujeitaram à prostituição compulsória sua

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A despeito de revogada, in totum, a disciplina externo, agravada pela frágil formação jurídica
jurídica das sanções de reeducação pelo trabalho, de parcela expressiva de membros do Poder Ju-
remanescem, no ordenamento jurídico da República diciário42 (e dos demais profissionais do Direito).
Popular da China, as demais espécies de prisões admi-
4. A dificuldade de aprimoramento dos
nistrativas, cujos regimes de execução, inspirados no mecanismos de accountability e de aplicação de
abolido sistema Laojiao, propendem ao arbítrio, aquém preceitos normativos que agasalham direitos e
dos padrões internacionais de proteção aos direitos hu- garantias dos administrados, devido (a) à resis-
manos (LI, 2015d, p. 813; WU; GOODRICH, 2015, p. 2). tência dos hierarcas do Ministério da Segurança
Permanecem, pois, relevantes estas críticas da lite- Pública43 e de líderes políticos provinciais e locais,
ratura especializada ao sistema punitivo administrativo (b) à exacerbada influência política de autori-
chinês (LI, 2015a, p. 398-399, 402-411; LI, 2015b, p. dades policiais, em detrimento da densidade
171-173, 208-209; LI, 2015d, 810-813; PEERENBOOM, política da Magistratura e dos integrantes do
2002, p. 9, 12, 17; WU; GOODRICH, 2015, p. 2-4): Ministério Público, e (c) à ascendência de líderes
políticos provinciais e locais sobre o aparato de
1. A vulnerabilidade à corrupção estatal e
segurança pública, em prejuízo do controle e do
à ingerência política, semeadas não apenas por
peso político do Governo Central.
integrantes do Partido Comunista e da comunida-
de empresarial, como também por autoridades 5. O desvirtuamento das prisões administra-
policiais que exercem cargos públicos ou pressão tivas. Embora devessem promover a educação
política em altos escalões governamentais e por moral e jurídica, a orientação profissional e o
líderes políticos influentes nos órgãos de segu- incentivo ao trabalho produtivo, denotam (a)
rança provinciais e locais. baixa eficácia no fomento à (re)inserção social
(ilustrada pela reincidência no (e o crescimento
2. A tendência de imposição de prisões ad-
do) consumo de drogas e prostituição) e (b) ser-
ministrativas por autoridades policiais pautada
vem de meio de persecução estatal a dissidentes
na invocação de atos administrativos normativos
políticos, a minorias étnicas, a segmentos religio-
de segurança pública, com esteio em ampla
sos e a pessoas classificadas como “riscos sociais”,
margem discricionária, à revelia de um efetivo
devido processo legal e do respeito aos marcos a exemplo da parcela de usuários de drogas e
constitucionais, sem a esclarecedora apresenta- prostitutas que, em razão de estarem desem-
ção de indícios fundados de conduta ilícita, nem pregados e desprovidos, na localidade em que
a posterior apuração dos fatos (sob o crivo do se encontram, de vínculos familiares e sociais,
contraditório e da ampla defesa), com tempo de recebem sanções administrativas mais rigorosas.
encarceramento extrajudicial, por vezes superior
6 O XINFANG ZHIDU: SISTEMA DE CARTAS E VI
(a) ao divisado, em abstrato, na norma jurídica
correspondente, (b) ou, em concreto, no ato SITAS
administrativo sancionatório, ou, ainda, à guisa No xinfang zhidu, também chamado de sistema
de comparação, (c) ao período máximo previsto de cartas (xin = carta) e visitas (fang = visita), bem
para prisões processuais penais.
3. A escassa possibilidade, mormente nos 42. O Estado chinês tem se empenhado em colmatar a deficitária formação
técnico-jurídica dos membros do Poder Judiciário. Em meados de 2005,
níveis locais, de haver, de modo efetivo, quer o cerca da metade do contingente de Magistrados da RPC possuía diploma
exercício, na via administrativa, do direito de de- de nível superior, crescimento de 6,9%, comparado com a década anterior
fesa, da assistência advocatícia e do recurso à ins- (LICHTENSTEIN, 2015, p. 24). O art. 9º, § 6º, da Lei dos Juízes da RPC, de
28.2.1995, conforme a redação insculpida pela sua reforma de 30.6.2001,
tância superior, quer a intervenção independente preconiza o treinamento técnico-jurídico dos Juízes que ingressaram na
e técnica do Poder Judiciário e, por conseguinte, Magistratura antes da entrada em vigência da lei reformadora de 2001, ao
a carência de mecanismos eficazes de controle mesmo que estabelece requisitos de escolaridade de nível superior e fixa
tempo mínimo de prática jurídica para os novos integrantes dos Tribunais
Populares, estatuindo especificamente para os novos integrantes dos
filha, então pré-adolescente de 11 anos de idade, bem como (2) o caso de Tribunais Populares Superiores e do Supremo Tribunal Popular requisitos
Ren Jianyu, servidor público de baixo escalão do Condado Autônomo de temporais diferenciados de prática jurídica, inversamente proporcionais
Pengshui Miao e Tujia, que reencaminhou, em rede social, mensagens em à titulação acadêmica (quanto maior a titulação acadêmica, menor o
prol da democratização da China e com críticas ao ex-líder político Bo Xilai, período mínimo indispensável de prévia prática jurídica) (CHINA, 2015f).
além de haver adquirido, pela Rede Mundial de Computadores, camisa
com os dizeres “Melhor morto que sem liberdade” (DELURY, 2015; WU; 43. Na literatura jurídica de língua inglesa, referido como “Ministry of
GOODRICH, 2015, p. 1-2). Public Security (MPS)” (WU; GOODRICH, 2015, p. 3).

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como de sistema de reclamações e petições, o cidadão sociedade chinesa, porquanto o serviço de cartas e
encaminha missiva ou solicita o agendamento de au- visitas deve (1) abarcar todos os níveis de Governos
diência, endereçado (1) a membro do Partido Comu- Populares (arts. 1º a 5º, 7º e 9º), (2) estender-se a
nista da China e/ou (2) a órgão público especializado organizações sociais, a sociedades empresárias e a
em receber essas petições administrativas, tais quais instituições situadas fora da estrutura dos Poderes
departamentos ou divisões de cartas e visitas (na de Estado (art. 49), notadamente quando se trata
ausência, por exemplo, em nível local, de repartições de reclamações quanto ao desempenho de agentes
públicas específicas, o administrado se reporta a fun- e entidades do setor público ou, ainda, de agentes
cionários públicos cujas atribuições dizem respeito a e entidades do setor privado que prestam serviços
esse mister), com a finalidade de levar ao conheci- públicos, atuam em matéria de interesse público ou
mento de hierarcas do Partido e/ou de autoridades são controlados pelo Estado (art. 14), e (3) ter como
estatais de alto escalão informações e ideias sobre destinatários (leia-se: autores de cartas e visitantes)
matérias de interesse público, assim como opiniões, cidadãos da RPC, estrangeiros, apátridas, pessoas ju-
sugestões e críticas sobre a atuação do Poder Públi- rídicas e demais organizações,44 inclusive estrangeiras
co, além de reclamações, recursos administrativos e (arts. 2º e 50) (CHINA, 2015e).
pleitos em geral, inclusive como caixa de ressonância
da insatisfação social com Governos Populares locais No contexto peculiar do sistema de cartas e visi-
e com a corrupção e a ineficiência na seara do Poder tas, o Dec. nº 431/2004, permite, em seu art. 2º, que
Judiciário (FANG, 2013, p. 1; LO, 2015, p. 120; MATSU- a manifestação do administrado materialize-se por
ZAWA, 2015, p. 82; WAYE; XIONG, 2015, p. 11, 24, 33; intermédio de informações, comentários, sugestões
WANG, 2015d, p. 155; WONG, 2015, p. 239). e reclamações, transmitidas via correspondência
(convencional), correio eletrônico (e-mail), fac-símile
Consiste em meio de pacificação social, contra-
(fax), telefonemas e visitas, entre outros (cuida-se de
peso às limitações do regime autoritário, por meio do
elenco exemplificativo) (CHINA, 2015e).
qual os Governos Populares e o Partido Comunista da
China estabelecem canais diretos de comunicação Em geral, de acordo com o art. 17 do Dec. nº
com a população, com o fim (1) de reforçar a confiança 431/2004, os meios de comunicação são em formato
no Estado chinês e na ideologia socialista difundida escrito, a exemplo de correspondência (convencional),
pelo PCC, (2) de atenuar o déficit de participação e-mail e fax, e, em caso de reclamações (em regra, escri-
popular nos processos decisórios estatais, (3) de mi-
tigar, de forma pontual e momentânea, as restrições 44. O Dec. nº 431/2004 não esclarece quais seriam as demais organizações
à liberdade de expressão e (4) de aproximar, autori- a que aludem os seus arts. 2º, 26 e 31, isto é, o ato normativo em tela
dades estatais e partidárias, dos diversos segmentos não dilucida em que consistem as organizações não enquadradas (ou
não enquadráveis) como pessoas jurídicas. O mesmo se percebe na Lei
da sociedade, ao conhecerem e, em determinadas si- do Processo Administrativo, a qual se refere, igualmente, não apenas a
tuações, atenderem demandas individuais e coletivas, pessoas jurídicas [“legal persons”], como também a outras organizações
[“other organizations”], a exemplo da atual redação (reformada em
salvaguardando direitos (à revelia, por vezes, das for- 2014) dos seus arts. 1º, 3º, 11, 25, § 2º, 26, § 4º, 29 e 40. Nesse sentido,
malidades do due process of law), informando-se, ao também, a Lei da Reconsideração Administrativa, arts. 1º, 2º, 5º, 6º, 7º,
9º, 10, 16, 19, 20 e 30. Apesar de parecer despicienda a menção à “outra
mesmo tempo, (5) acerca de relevantes questões de organização” ou a “outras organizações” (exempli gratia, arts. 2º, 26 e 31
interesse público, como também (6) da performance do Dec. nº 431/2004) e ainda que soe suficiente a referência genérica a
de agentes públicos de baixo escalão e de autoridades pessoas jurídicas, é crível a hipótese de que o emprego de tais expressões
jurídicas indeterminadas (“outra organização” ou “outras organizações”)
locais (MINZNER, 2015, p. 117-118, 135-136). tenha o propósito de incluir os entes despersonalizados no rol de autores
de cartas e de visitantes (Dec. nº 431/2004), bem como de autores quer
Atualmente, como reflexo da tentativa do Esta- de ações judiciais de Direito Administrativo, sob o pálio da Lei do Processo
do chinês de aproximar o sistema de cartas e visitas Administrativo, quer de requerimentos administrativos de reconsideração,
à moda chinesa, é dizer, com natureza jurídica de nítidos recursos
do formalismo próprio do devido processo legal, o hierárquicos, sob a égide da Lei da Reconsideração Administrativa. A
regulamento do xinfang zhidu consubstancia-se no plausibilidade de que essas expressões indeterminadas constituam
evidências da promoção, pelo Estado chinês, do amplo acesso aos seus
Dec. nº 431, baixado em 10.1.2004, pelo Conselho de sistemas de demandas e impugnações é fortalecida ao se constatar, no
Estado da RPC, cuja entrada em vigência ocorreu em amplo elenco de possíveis peticionários na seara do xinfang zhidu, a
presença, na qualidade de eventuais requerentes, não só de pessoas físicas
1º.5.2005 (CHINA, 2015e). e organizações de origem estrangeira, como também de apátridas, nos
termos do art. 50 do Dec. nº 431/2004, correspondente, neste aspecto,
O Dec. nº 431/2004 mantém a vocação do xinfang aos arts. 70 a 73 da redação original da LPA e ao art. 41 da LRA (CHINA,
zhidu de alta capilaridade na máquina estatal e na 2015e; CHINA, 2015h; CHINA, 2015l; CHINA, 2015j).

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tas, mas passíveis de serem verbais, reduzidas a termo processual, ensejará eventual protocolização, no igual
pelo órgão competente, em caso de apresentação oral, prazo de 30 (trinta) dias, de novo recurso hierárquico,
efetuada mediante visita, pelo interessado, ao serviço de direcionada, por sua vez, à autoridade imediatamente
cartas e visita, em vez do envio de correspondência ou da superior ao julgador do recurso hierárquico.46
protocolização de peça escrita), devem contemplar (mes- A apreciação do expediente administrativo, pela
mo as reclamações verbais, transcritas posteriormente) instância decisória de origem, deve ocorrer em 60
requisitos formais atinentes (1) à explicitação do nome (sessenta) dias, prorrogáveis, em casos complexos, pelo
do interessado e do seu endereço (equivalente, na práxis prazo inexcedível de 30 (trinta) dias (art. 33 do Dec.
processual brasileira, à qualificação do peticionário), as- nº 431/2004). Os eventuais julgamentos do recurso
sim como (2) dos seus pedidos, além (3) dos fatos e dos hierárquico e da revisão administrativa cingem-se ao
motivos em que se baseia (na prática forense brasileira, prazo mais exíguo de 30 (trinta) dias (arts. 34 e 35 do
estes últimos requisitos correspondem, em essência, às Dec. nº 431/2004). A revisão administrativa comporta,
razões de fato e de direito ínsitas à causa de pedir da no entanto, a realização de audiências, destituída de
petição inicial) (CHINA, 2015e). prazo normativo certo (art. 35 do Dec. nº 431/2004).
Conforme se infere do art. 16 do Dec. nº 431/2004, Uma vez indeferido o pedido de revisão administrativa,
os Governos Populares situados no nível distrital ou não serão conhecidas, pelo sistema de cartas e visitas,
de condado (3º nível de unidades administrativas) novas petições que, relativas àquele caso concreto,
ou acima (1º e 2º níveis de unidades administrativas, continuem a ecoar a mesma irresignação do autor (art.
de âmbitos provincial e prefeitural, respectivamente) 35 do Dec. nº 431/2004) (CHINA, 2015e).
deverão contar com departamentos administrativos Tradição imperial chinesa adaptada ao maoísmo
de cartas e visitas (CHINA, 2015e). na primeira metade da década de 1950,47 na qualidade
É possível, ainda, na forma do art. 16 do Dec. nº de ferramenta de governança espraiada por todos os
431/2004, que os Governos Populares situados no níveis de governo e todos os órgãos administrativos,
nível distrital ou de condado ou nos dois níveis acima, legislativos e judiciários da RPC, o sistema de cartas e
visitas, ao plasmar, em caráter extraoficial, meio alter-
bem como os Governos Populares do nível de cantão
nativo de impugnação de atos do Poder Público, não
ou cidade (4º nível de unidades administrativas)45
só mantém sua vitalidade nos dias atuais, mas também
designem equipes (unidades de atendimento) ou
experimenta o assoberbamento de demandas,48 diante
agentes públicos especializados no serviço de cartas
da insatisfação popular e de conflitos sociais crescentes
e visitas, os quais poderão fazer visitas ao local de (CAVALIERI, 2015, p. 4; HUMAN RIGHTS WATCH, 2015,
moradia do peticionário (art. 12), a fim de ter contato p. 8; LO, 2015, p. 120; MINZNER, 2015, p. 110-120;
presencial com o interessado e intercambiar com ele
ideias a respeito do objeto do expediente administra-
46. O atual regramento recursal do xinfang zhidu é referido, pela literatura
tivo (CHINA, 2015e). especializada, como sistema de duplo apelo: enquanto o primeiro recurso
hierárquico é nominado de fucha, o segundo recurso hierárquico se intitula
O sistema recursal, aos olhos dos arts. 34 e 35 do fuhe (MINZNER, 2015, p. 42).
Dec. nº 431/2004, traduz-se no Direito Público subjeti- 47. Para o aprofundamento das matrizes históricas e culturais do sistema
vo de que a decisão adotada pelo órgão administrativo xinfang zhidu, mostra-se oportuna a leitura da obra do historiador Qiang
Fang, tese de doutorado convertida em livro-texto, em que se debruçou
competente (incumbido de apreciar a matéria objeto sobre a evolução do sistema de cartas e visitas e de outros sistemas de
do requerimento ou de outro expediente da lavra do processamento e julgamento de demandas estatais, sejam administrativas,
sejam judiciais, durante o ciclo imperial (dinastia Zhou, de 1046 a 256
interessado, encaminhado ao órgão decisório pelo a.C., dinastia Han, de 202 a 220 a.C., dinastia Jin, de 265 a 420, dinastia
serviço de cartas e visitas) seja impugnada, no prazo do Estado de Wei, no Norte da China, de 386 a 584, dinastia Liang, de 502
a 557, dinastia Sui, de 589 a 618, dinastia Tang, de 618 a 907, dinastia
de 30 (trinta) dias, por intermédio de recurso admi- Song, de 907 a 1279, dinastia Mongol Yuan, de 1279 a 1368, dinastia
nistrativo revestido da natureza jurídica de recurso Ming, de 1368 a 1644, e dinastia Quing, de 1644 a 1911), bem como o
ciclo republicano de 1912 a 1949 (subdividido nos períodos de 1912 a
hierárquico, pois que dirigido à autoridade imedia- 1927 e de 1928 a 1949), a primeira fase da República Popular da China,
tamente superior, a qual, se não prover tal remédio de 1949 a 1982, e a quadra reformista, de 1982 em diante, com breves
considerações acerca do contexto posterior a 2005 (FANG, 2013, passim).
48. De acordo com a organização não governamental Human Rights Watch,
45. Sobre os níveis das unidades administrativas da RPC, confira nota de as estatísticas oficiais do Governo chinês informam que, de 2003 a 2007,
rodapé a respeito, consignada na seção deste artigo atinente à Justiça houve 10 milhões de expedientes administrativos deflagrados por usuários
Administrativa. do sistema de cartas e visitas (HUMAN RIGHTS WATCH, 2015, p. 8).

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WANG, 2015d, p. 155; WAYE; XIONG, 2015, p. 11, 24, crença (refutada, sob o prisma estatístico) de que
33; XIE, 2015, p. 24-25; ZHANG, 2015c, p. 4). o sistema de cartas e visitas é o mais eficiente na
resolução de conflitos.51
Desse modo, apesar da aparente similitude com
as ouvidoras dos órgãos públicos e entidades estatais 3. A tendência comportamental de parcela
brasileiras, o xinfang zhidu, em realidade, exprime, do povo chinês se valer do xinfang zhidu como
no mundo fático, para além da moldura formal deli- estratégia para burlar formalidades e balizas pro-
neada pelos seus marcos regulamentares, verdadeira cessuais dos sistemas administrativo e judiciário.
via oblíqua de ataque a atos estatais em geral, sejam 4. A visão popular de que o sistema de cartas
administrativos, sejam judiciais (em particular, deci- e visitas reveste-se de menor formalismo que
sões judiciais relacionadas a matérias administrativas outras instâncias estatais decisórias (adminis-
e, sobretudo, cíveis), em decorrência da conjunção trativas e judiciais), conjugada com a afinidade
dos seguintes fatores (CAVALIERI, 2015, p. 4; MAT- da sociedade chinesa com meios alternativos de
SUZAWA, 2015, p. 82; MINZNER, 2015, p. 125-126; resolução de conflito, porque imbuídos de apa-
PEERENBOOM, 2002, p. 9, 12, 17; WANG, 2015d, p. rência paternalista52 e conciliatória (ou de menor
155; WAYE; XIONG, 2015, p. 11, 24, 33; XIE, 2015, p. carga contenciosa), em prol do ideal da harmonia
25-26; ZHANG, 2015c, p. 4-8, 28, 64): social53 (a mediação, no sistema de cartas e visi-
tas, é divisada pelo art. 14 do Dec. nº 431/2004).54
1. O excesso de poder (em sentido amplo)49
fomentado pelo arcabouço regulatório e pela prá-
xis, (a) ao proporcionarem aos órgãos de cartas e 51. Segundo se conclui do cruzamento de informações feito por Taisu Zhang
(veiculado em artigo jurídico de sua autoria, publicado em 2006), com espeque
visitas dos Governos Populares a compleição típica nos levantamentos estatísticos registrados pela literatura especializada,
de esferas de controle da Administração Pública enquanto o sistema de cartas e visitas experimenta taxa de resolução de
conflitos da ordem de 0,2%, os litígios administrativos judicializados possuem
e do Poder Judiciário dotadas de potestade deci- taxa de sucesso de 20% a 30% (ZHANG, 2015c, p. 27-28).
sória, convolando aqueles Governos, de maneira 52. Reprisa-se: à luz da tradição paternalista chinesa, condiciona-se,
informal ou por força de regulamentos (por exem- culturalmente, o administrado a cultivar temor reverencial das autoridades
administrativas, qual criança receosa de contrariar a autoridade moral de
plo, atos regulatórios locais da década de 1990), seus pais, um dos motivos da relutância, verificada em parcela expressiva
em instâncias revisoras de atos administrativos e de cidadãos da RPC, de se impugnarem os atos administrativos nas
decisões judiciais, ou (b) expandindo, no âmbito vias administrativa e/ou judicial, conjugado, entre outros fatores, pelo
diminuto grau de consciência jurídica de segmentos da sociedade chinesa
local, o espectro de intervenção do Poder Judiciá- (PEERENBOOM, 2002, p. 9, 12).
rio, ao lhe conferirem atribuições coincidentes com 53. A aspiração a uma sociedade harmônica traduz influência, na cultura
competências próprias da Administração Pública.50 chinesa, do confucionismo, ajustada à propaganda político-ideológica do Partido
Comunista da China e do Governo Central (CHOUKROUNE, 2015, p. 497).
2. A baixa credibilidade dos órgãos judiciais 54. A promoção de mecanismos alternativos de resolução de conflitos
e administrativos, devido à formação técnica de- constitui política pública da RPC, com ressonância no Poder Judiciário,
abraçada, desde 2006, pelo Supremo Tribunal Popular, diretriz pretoriana
ficiente de seus quadros e à percepção popular consolidada mediante orientação jurisprudencial assentada em 6 .3.2007
de que se encontram contaminados de corrupção e em 24.7.2009, a ponto de configurar critério para a promoção de
Magistrados, os quais, quando não alcançam metas de conciliação,
(conjuntura agravada pela falta quer de remé- tornam-se suscetíveis de sanções disciplinares (CAVALIERI, 2015, p. 5-6;
dios judiciais eficazes, quer de imparcialidade e WAYE; XIONG, 2015, p. 20, 24-32). O art. 29, § 6º, da Lei dos Juízes da RPC
preconiza a premiação de Magistrados que se destacaram orientando as
independência do Poder Judiciário), somada à atividades dos Comitês Populares de Mediação (CHINA, 2015f). À vista
dessa tessitura, marcada pelo intervencionismo judiciário, em favor métodos
de resolução consensual de conflitos, o exercício da função jurisdicional
49. O excesso de poder em sentido estrito concerne à conduta do agente enfatiza a resolução da contenda, em detrimento da proteção de direitos
público de ir além do demarcado na regra de competência. Diz respeito à (WAYE; XIONG, 2015, p. 20-21). Destaca-se, ainda, a alvorada da Lei da
espécie do gênero abuso de poder, construção jurídica de matriz francesa Mediação Popular, de 28.8.2010 (em consonância com o art. 111 da
e italiana. O abuso de poder se biparte no excesso de poder e no desvio Constituição chinesa), a qual criou rede nacional de mediação, coordenada
de poder: enquanto que, no excesso de poder, o agente extrapola os pelo Departamento de Justiça do Conselho de Estado, em parceria com os
poderes previstos na regra de competência, no desvio de poder, embora Departamentos de Justiça dos Governos Populares locais correspondentes
proceda “nos limites de sua competência”, age com finalidade diversa da ao nível de condado ou distrito ou superior, encarregados, juntamente com
prevista na regra de competência (GARCIA, 2008, p. 306). No entanto, no as Cortes de Justiça locais, de orientar os Comitês Populares de Mediação,
parágrafo acima, a acepção de excesso de poder relaciona-se igualmente órgãos colegiados de base comunitária (compostos por moradores ou
à concentração em demasia de poder nos órgãos de cartas e visitas. habitantes das aldeias) incumbidos, de ofício ou por provocação, inclusive
em momento prévio à apreciação do caso concreto por órgão local do
50. Sintomática a informação, trazida a lume por Carl F. Minzner, Poder Judiciário ou do Sistema de Segurança Pública, de celebrar acordos
em artigo jurídico publicado em 2006, de que 70% dos expedientes extrajudiciais (passíveis de facultativa homologação judicial), invocando e
administrativos do serviço de cartas e visitas da Assembleia Nacional aperfeiçoando todos os meios lícitos de resolução alternativa de conflitos
Popular consubstanciam impugnações a decisões judiciais de primeira (inteligência dos arts. 5º, 7º, 11 e 17 do mencionado diploma legislativo)
instância (MINZNER, 2015, p. 119). (CHINA, 2015a; CHINA, 2015b; CHINA, 2015n).

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Em que pese o xinfang zhidu figurar como es- na possibilidade jurídico-processual de revisão judi-
coadouro da frustração popular com a Administração cial de sanções administrativas e de interferências
Pública e o Poder Judiciário chineses, a maioria dos estatais na atividade de empresa, na ordem econô-
expedientes não é respondida, silêncio administra- mica e no direito de propriedade.
tivo que serve de ensejo a protestos coletivos e a
Conquanto ausentes da RPC Tribunais Adminis-
reações violentas (MATSUZAWA, 2015, p. 82).
trativos especializados no controle dos atos admi-
7 CONCLUSÃO nistrativos, existe, desde a década de 1950, Justiça
Administrativa de Segurança Pública, presidida por
Embora a Constituição chinesa de 1982, refor- autoridades policiais, em que prepondera a ênfase
mada nos anos de 1988, 1993, 1999 e 2004, e as na Justiça substancial e na eficiente e flexível per-
leis infraconstitucionais defluentes da Assembleia secução dos ilícitos administrativos, em detrimento
Nacional Popular, em sua composição plenária, e seja do controle externo da atividade policial, pelo
do seu Comitê Permanente, situem-se no cume da Ministério Público e pelo Poder Judiciário, seja de
pirâmide normativa do ordenamento jurídico da formalidades e garantias processuais inerentes ao
República Popular da China, a maior influência na devido processo legal e ao Estado de Direito, déficit
modelação da legislação de Direito Administrativo de accountability que a torna mais vulnerável a ar-
chinesa deve-se, ainda, ao Conselho de Estado, seja bitrariedades.
no cumprimento de atribuições regulamentares
originárias, seja no exercício de função normativa As normas gerais do Direito Administrativo San-
delegada pela ANP, em virtude da inércia do Poder cionador chinês corporificam-se na Lei de Sanções
Legislativo quanto ao desempenho do controle Administrativas (LSA), sancionada em 17.3.1996, lex
abstrato de constitucionalidade, ao caráter ainda in- generalis secundada da Lei das Sanções Administrati-
cipiente do controle judicial do Poder Executivo, ao vas de Segurança Pública (LSASP), sancionada quase
desconhecimento, por segmentos do povo chinês, dez anos depois, em 1º.3.2006, bem como de atos
dos seus direitos e ao temor reverencial de admi- e administrativos normativos de abrangência local.
nistrados em relação a autoridades administrativas. O arcabouço normati vo do Direito Adminis-
A legislação administrativista também reflete os trativo sancionador da China norteia-se por ampla
efeitos das assimétricas regulamentações levadas a gama de atos normativos legais e infralegais, quer
efeito pelos Governos Populares locais, que detur- de alcance nacional, quer de abrangência local, na
pam o sentido e o teor dos marcos legais nacionais, qual prevalecem (1) os temperamentos à reserva de
demarcados pela ANP. lei formal e (2) a ampla autonomia normativa dos
A Lei do Processo Administrativo (LPA) con- Governos Populares posicionados abaixo do Gover-
substancia o diploma legislativo que disciplina as no Central, exceto quanto a sanções administrativas
impugnações judiciais contra atos concretos da Ad- que cerceiam a liberdade pessoal, já que se trata de
ministração Pública chinesa, a serem processadas e matéria restrita ao Direito legislado das unidades
julgadas pela Justiça comum (Tribunais Populares). administrativas de maior envergadura (de estatura
igual ou superior ao nível de distrito), cuja aplica-
A reforma de 2014 da LPA fomentou o direito à
ção se comete, em caráter exclusivo, aos órgãos de
efetiva tutela judicial, ao estabelecer mecanismos le-
segurança pública (aos órgãos policiais vinculados a
gais que dificultam seja o indevido não recebimento
unidades administrativas de nível igual ou superior
ou não conhecimento de ações judiciais dessa natu-
ao de distrito reserva-se a aplicação não só de san-
reza, seja estratagemas do Poder Executivo de obs-
ções administrativas que tolhem o status libertate,
truir a instrução probatória e o efetivo cumprimento
mas também a todas as punições administrativas
de eventuais condenações judiciais da Fazenda Pú-
relacionadas à segurança pública).
blica. Além disso, ampliou o rol exemplificativo de
ações cuja causa de pedir relacionem-se à alegação Ante a revogação, em 28.12.2013, de toda a
de ofensa, pela Administração Pública, a direitos e legislação chinesa relativa à prisão administrativa
interesses do jurisdicionado-administrado, com foco de reeducação pelo trabalho (o denominado sistema

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Laojiao, abreviatura de Laodong Jiaoyang), rema- Populares locais e com a corrupção e a ineficiência
nescem três espécies de prisões administrativas: (1) na seara do Poder Judiciário.
Shourong Jiaoyu (“detenção educacional”), (2) Qian-
Consiste em meio de pacificação social, con-
gzhi Jiuedu (“reabilitação compulsória de drogas”) e
trapeso às limitações do regime autoritário, por
(3) Zhi´an Juliu (“detenção para a preservação da or-
meio do qual os Governos Populares e o Partido
dem pública”), cujos regimes de execução, inspirados
Comunista da China estabelecem canais diretos de
no abolido sistema Laojiao, propendem ao arbítrio,
comunicação com a população, com o fim (1) de
aquém dos padrões internacionais de proteção aos
reforçar a confiança no Estado chinês e na ideologia
direitos humanos.
socialista difundida pelo PCC, (2) de atenuar o déficit
O microssistema de prisões administrativas de participação popular nos processos decisórios
tende à corrupção estatal e à ingerência política, à estatais, (3) de mitigar, de forma pontual e momen-
ampla margem discricionária da autoridade policial, tânea, as restrições à liberdade de expressão e (4)
à ausência de meios eficazes de controle admi- de aproximar autoridades estatais e partidárias dos
nistrativo e judicial, à realização de prisões ilegais diversos segmentos da sociedade, ao conhecerem e,
(com frequência, desprovidas de indícios fundados em determinadas situações, atenderem demandas
de conduta ilícita e de motivação que evidencie a individuais e coletivas, salvaguardando direitos (à
adequação e necessidade do cerceamento da liber- revelia, por vezes, das formalidades do due process
dade de locomoção e, ao mesmo tempo, imbuídas of law), informando-se, ao mesmo tempo, (5) acerca
de longo período de encarceramento, sem prévio de relevantes questões de interesse público, como
julgamento ou efetiva investigação dos fatos, em também (6) da performance de agentes públicos de
dissonância com as balizas do devido processo legal baixo escalão e de autoridades locais.
e do direito de defesa), e, lado outro, encontra-se O sistema de cartas e visitas, ao plasmar, em
propenso a resultar em baixa (re)inserção social dos caráter extraoficial, meio alternativo de impugna-
sancionados e no desvirtuamento de suas finalidades ção de atos do Poder Público, não só mantém sua
reeducacionais, em prol da repressão incondicionada vitalidade nos dias atuais, mas também experimenta
a opositores políticos do Estado chinês e do Partido o assoberbamento de demandas, diante da insatis-
Comunista da China, assim como a minorias, margi- fação popular e de conflitos sociais crescentes. O
nalizados, usuários de drogas e prostitutas. xinfang zhidu exprime, no mundo fático, para além
No xinfang zhidu, também chamado de sistema da moldura formal delineada pelos seus marcos
de cartas (xin = carta) e visitas (fang = visita), bem regulamentares, verdadeira via oblíqua de ataque a
como de sistema de reclamações e petições, o cida- atos estatais em geral, sejam administrativos, sejam
dão encaminha missiva ou solicita o agendamento judiciais (em particular, decisões judiciais relaciona-
de audiência, endereçado (1) a membro do Partido das a matérias administrativas e, sobretudo, cíveis).
Comunista da China e/ou (2) a órgão público espe-
cializado em receber essas petições administrativas, REFERÊNCIAS
tais quais departamentos ou divisões de cartas e AFONSO DA SILVA, Luís Virgílio. Nota do tradutor.
visitas (na ausência, por exemplo, em nível local, In: ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais.
de repartições públicas específicas, o administrado Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Ma-
se reporta a funcionários públicos cujas atribuições lheiros, 2008. p. 8-13. (Teoria & Direito Público, v. 1)
dizem respeito a esse mister), com a finalidade de
BALME, Stéphanie; DOWDLE, Michael W. Intro-
levar ao conhecimento de hierarcas do Partido e/ou
duction: Exploring for constitutionalism in 21st cen-
de autoridades estatais de alto escalão informações
tury China. In: BALME, Stéphanie; DOWDLE, Michael
e ideias sobre matérias de interesse público, assim
(Ed.). Building constitutionalism in China. New York:
como opiniões, sugestões e críticas sobre a atuação
Palgrave Macmillan, 2009. Cap. 1, p. 1-20.
do Poder Público, além de reclamações, recursos ad-
ministrativos e pleitos em geral, inclusive como caixa BRUNET, Antoine; GUICHARD, Jean-Paul. O
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24
JAN/17
DOUTRINA, PARECERES E ATUALIDADES

A arbitragem nos contratos da Administração Pública


e a Lei nº 13.129/2015: novos desafios

Rafael Carvalho Rezende Oliveira


Doutor em Direito pela UVA/RJ; Mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUC/RJ; Pós-graduado em Direito do Estado pela Uerj;
Procurador do Município do Rio de Janeiro; Professor do IBMEC/RJ, da Emerj e dos cursos de Pós-graduação da FGV/RJ e Ucam; Membro do Idaerj;
Consultor Jurídico

1 Introdução. 2 Mecanismos de resolução de conflitos administrativos: negociação, mediação, arbi-


tragem e os dispute boards. 3 A superação dos obstáculos tradicionais à arbitragem na Administra-
ção Pública. 3.1 A releitura do princípio da legalidade, eficiência e juridicidade. 3.2 A interpretação
adequada do princípio da indisponibilidade do interesse público no âmbito da Administração Pública
democrática e consensual. 3.3 O princípio da publicidade e a confidencialidade na arbitragem: uma
conciliação necessária. 3.4 Críticas e vantagens da arbitragem na Administração Pública. 4 Desafios
na interpretação e na aplicação da Lei nº 13.129/2015. 4.1 Arbitrabilidade subjetiva (Administração
Pública) e objetiva (direitos disponíveis). 4.2 Arbitragem de direito e a vedação da arbitragem por
equidade. 4.3 A publicidade da arbitragem na Administração Pública. 4.4 Regulamentação e autono-
mia federativa. 4.5 Cláusula compromissória e compromisso arbitral. 4.6 Arbitragem e a relativização:
prerrogativas administrativas. 4.7 Arbitragem ad hoc ou institucional. 4.8 Árbitro ou Tribunal arbitral.
4.9 Escolha do árbitro ou instituição arbitral: inexigibilidade de licitação. 5 Conclusões. Referências.

1 INTRODUÇÃO 2 MECANISMOS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS


O presente artigo pretende abordar a utilização ADMINISTRATIVOS: NEGOCIAÇÃO, MEDIAÇÃO,
da arbitragem em contratos celebrados pela Admi- ARBITRAGEM E OS DISPUTE BOARDS
nistração Pública. Inicialmente, é necessário destacar que a arbi-
Ressalvadas algumas previsões legislativas es- tragem revela importante instrumento de resolução
peciais, o tema não era expressamente previsto na extrajudicial de conflitos.
Lei nº 9.307/1996 (Lei de Arbitragem), o que gerava Destacam-se, como principais métodos alterna-
debates doutrinários sobre a juridicidade da arbitra- tivos ao Poder Judiciário de solução de conflitos (Al-
gem nos contratos da Administração. ternative Dispute Resolution – ADR’s), a negociação,
Todavia, a Lei nº 13.129, publicada no DOU do a mediação, a conciliação e a arbitragem.
dia 27.5.2015, alterou a Lei de Arbitragem para es- A negociação, a mediação e a conciliação são
tabelecer, de forma expressa, que a Administração formas de autocomposição de conflitos, uma vez
Pública direta e indireta, por meio da autoridade que as partes, com ou sem o auxílio de terceiro,
competente para realização de acordos e transações, solucionarão suas controvérsias.
poderá estabelecer convenção de arbitragem de
direito (e não por equidade) para dirimir conflitos Na negociação, as próprias partes buscam a
relativos a direitos patrimoniais disponíveis, respei- solução do conflito, sem a participação de terceiros.
tado o princípio da publicidade (art. 1º, §§ 1º e 2º e Em relação à mediação e à conciliação, a dife-
art. 2º, § 3º, da Lei nº 9.307/1996). rença entre os instrumentos é tênue. Enquanto na
A recente alteração legislativa e a atualidade do mediação, o mediador, neutro e imparcial, auxilia as
tema justificam a análise das vantagens e dos limites partes na composição do conflito, na conciliação, o
da arbitragem nas contratações públicas. conciliador, mantida a neutralidade e imparcialidade,

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JAN/17
DOUTRINA, PARECERES E ATUALIDADES

pode exercer papel mais ativo na condução do diá- boards, utilizados de forma pioneira nos Estados
logo, apresentação de sugestões e na busca pelo Unidos na década de 1970, durante a construção do
acordo.1 Eisenhower Tunnel no Colorado. O dispute board,
também conhecido como Comitê de Resolução de
A arbitragem, por sua vez, representa forma
Conflitos, pode ser considerado órgão Colegiado,
de heterocomposição de conflitos, pois o terceiro,
geralmente formado por três experts, indicados pelas
expert e imparcial (árbitro), por convenção privada
partes no momento da celebração do contrato, que
das partes envolvidas, decide o conflito e não o
tem por objetivo acompanhar a sua execução, com
Estado-Juiz.2
poderes para emitir recomendações e/ou decisões,
A doutrina diverge sobre a natureza jurídica da conforme o caso.6
arbitragem, sendo possível mencionar três entendi-
A principal diferença entre a arbitragem e os
mentos: a) contratual ou privatista: sustenta a natu-
disputes boards está no fato de que, no primeiro
reza contratual da arbitragem, pois a sua instituição
caso, a disputa será submetida ao árbitro, que não
e os poderes do árbitro dependem da manifestação
integra ou acompanha a execução do contrato, e no
de vontade das partes;3 b) jurisdicional ou publicista:
segundo caso, a controvérsia será dirimida pelo Co-
defende a natureza jurisdicional do processo arbitral,
legiado de experts, que integra a relação contratual
uma vez que os árbitros são Juízes de fato e de direito
e acompanha a sua execução, com melhores condi-
que solucionam conflitos de interesse, cuja decisão
ções, em tese, de prevenir e solucionar problemas,
não está sujeita à homologação do Judiciário;4 e c)
em virtude da redução da assimetria de informações
intermediária ou mista: ao lado da autonomia de
e da celeridade da decisão.
vontade das partes na instituição e na definição
da extensão da arbitragem, destaca o seu caráter Os disputes boards, apesar da reduzida utiliza-
público, mas não estatal, no processo de solução ção no Brasil,7 podem representar um importante
e pacificação de conflitos.5 Adotamos, no presente instrumento de solução de controvérsias, especial-
ensaio, o terceiro entendimento. mente nos contratos de grande vulto econômico e
complexidade da Administração Pública, tal como
Além dos métodos tradicionais de resolução de
ocorre, por exemplo, nos contratos de infraestrutura.
conflitos, é possível mencionar, ainda, os dispute
Recentemente, três diplomas legais confir-
1. Sobre a distinção entre mediação e conciliação, vide: <http://www.cnj. maram a tendência na utilização de mecanismos
jus.br/programas-e-acoes/conciliacao-mediacao>. Acesso em: 2 jun. 2015. extrajudiciais de solução de conflitos e pacificação
Em razão da importância da autocomposição de conflitos, o CNJ editou a
Resolução nº 125/2010 que dispõe sobre a política judiciária nacional de social. Ao lado da Lei nº 13.105/2015, que instituiu
tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Ju- o novo CPC e estabeleceu a arbitragem, a concilia-
diciário e prevê a oferta pelos órgãos judiciários de mecanismos de solu-
ções de controvérsias, em especial os chamados meios consensuais, como ção e a mediação como importantes instrumentos
a mediação e a conciliação. Destaque-se, ainda, a instituição da Câmara de solução de controvérsias (art. 3º, §§ 1º, 2º e 3º),
de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal (CCAF), no âmbito
da Advocacia-Geral da União (AGU), que tem procurado reduzir a litigio- vale destacar também a Lei nº 13.129/2015 e a Lei
sidade entre órgãos e entidades administrativas.
2. A previsão da arbitragem no ordenamento jurídico é antiga, cabendo 6. Sobre o tema, vide: WALD, Arnoldo. A arbitragem contratual e os
mencionar, exemplificativamente: Constituição/1824 (art. 160); Código dispute boards. In: Revista de arbitragem e mediação. v. 2, n. 6, 9-24,
Comercial/1850; Dec. nº 3.084/1898; Código Civil/1916 (arts. 1.037 e jul./set. 2005; VAZ, Gilberto José; NICOLI, Pedro Augusto Gravatá. Os
1.048); Dec.-Lei nº 2.300/1986 (art. 45); Código de Processo Civil/1973 dispute boards e os contratos administrativos: são os DBs uma boa
(arts. 1.072 e 1.102); Constituição/1988 (art. 114, § 1º); Lei nº 9.307/1996 solução para disputas sujeitas a normas de ordem pública? In: Revista
(Lei de Arbitragem); Código Civil/2002 (arts. 851 e 853); Código de Pro- de arbitragem e mediação. v. 10, n. 38, p. 131–147, jul./set. 2013. Na
cesso Civil/2015 (art. 3º, § 1º). forma do regulamento da International Chamber of Commerce (ICC),
3. BOLZAN DE MORAIS, José Luis; SPENGLER, F. M. Mediação e arbitragem: existem três tipos de dispute boards: a) Dispute Review Boards (DRBs):
alternativas à jurisdição! 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. emitem recomendações sobre determinada controvérsia, sem caráter
p. 183. vinculante imediato; b) Dispute Adjudication Boards (DABs): decidem as
controvérsias contratuais, com caráter vinculante; e c) Combined Dispute
4. CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo: um comentário à Boards (CDBs): emitem recomendações e, em determinados casos,
Lei nº 9.307/96. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 45; THEODORO JÚNIOR, decidem disputas contratuais. Disponível em: <http://www.iccwbo.org/
Humberto. A arbitragem como meio de solução de controvérsias. In: products-and-services/arbitration-and-adr/dispute-boards/dispute-
Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil. n. 2, nov./dez. 1999, p. 12. board-rules/#article_4>. Acesso em: 2 jun. 2015.
5. CÂMARA, Alexandre de Freitas. Arbitragem: Lei nº 9.307/96. 4. ed. Rio 7. Mencione-se, por exemplo, a utilização do dispute board na construção
de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 12-15. da linha amarela do Metrô de São Paulo.

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DOUTRINA, PARECERES E ATUALIDADES

nº 13.140/2015, que trataram, respectivamente, da Conforme será demonstrado a seguir, os referi-


arbitragem e da mediação nas relações envolvendo dos obstáculos são apenas aparentes e não inviabi-
a Administração Pública. lizam a arbitragem na Administração.
No presente ensaio, destacaremos a utilização da
3.1 A releitura do princípio da legalidade, eficiência
arbitragem nas relações contratuais administrativas.
e juridicidade
3 A SUPERAÇÃO DOS OBSTÁCULOS TRADICIONAIS O primeiro obstáculo normalmente apresen-
À ARBITRAGEM NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA tado à arbitragem nos contratos da Administração
Não obstante a constitucionalidade da arbitra- refere-se à ausência de autorização expressa na Lei
gem tenha sido declarada pelo STF,8 por ausência de de Arbitragem.
violação ao art. 5º, inc. XXXV da CRFB, permaneceu Trata-se de tese apoiada na interpretação tra-
o debate sobre a sua viabilidade jurídica nas relações dicional e liberal do princípio da legalidade admi-
jurídico-administrativas. nistrativa, segundo a qual a Administração Pública
O STF, em precedente anterior à Constituição somente pode fazer o que a lei autoriza.
(caso Lage), admitiu a arbitragem em relações fazen- Todavia, o princípio da legalidade deve ser rein-
dárias.9 Por outro lado, o STJ, ao tratar de contratos terpretado a partir do fenômeno da constitucionali-
celebrados por empresas estatais, admitiu a utilização zação do Direito Administrativo, com a relativização
da arbitragem nos respectivos ajustes.10 O TCU, em da concepção da vinculação positiva do administra-
algumas oportunidades, afirmou que a utilização da dor à lei.
arbitragem nos contratos administrativos, sem previ-
são legal específica, violaria o princípio da indisponi- Em primeiro lugar, não é possível conceber a
bilidade do interesse público.11 atividade administrativa como mera executora me-
cânica da lei, sem qualquer papel criativo por parte
Em resumo, é possível encontrar ao menos três do aplicador do Direito, sob pena de se tornar des-
obstáculos tradicionais à arbitragem nos contratos da necessária a atividade regulamentar. A aplicação da
Administração Pública: a) princípio da legalidade; b) lei, tanto pelo Juiz como pela Administração Pública,
indisponibilidade do interesse público; e c) princípio depende de um processo criativo-interpretativo,
da publicidade, que iria de encontro à confidenciali- sendo inviável a existência de lei exaustiva o bastante
dade, típica da arbitragem.12
que dispense o papel criativo do operador do Direi-
to. De fato, o que pode variar é o grau de liberdade
8. STF – SE 5.206 AgR/EP – Rel. Min. Sepúlveda Pertence – Tribunal Pleno conferida pela norma jurídica.13
– DJ de 30.4.2004, p. 29 (Informativo de Jurisprudência do STF 254).
9. STF – AI nº 52.181/GB – Rel. Min. Bilac Pinto – Tribunal Pleno – DJ de Ademais, com a crise da concepção liberal do
15.2.1974, p. 720.
princípio da legalidade e o advento do Pós-positi-
10. STJ – REsp. nº 612.439/RS – Rel. Min. João Otávio de Noronha – 2ª vismo, a atuação administrativa deve ser pautada
Turma – DJ de 14.9.2006, p. 299; STJ – MS nº 11.308/DF – Rel. Min. Luiz
Fux – 1ª Seção – DJe de 19.5.2008. não apenas pelo cumprimento da lei, mas também
11. TCU – Decisão nº 286/1993 – Plenário – Rel. Min. Homero Santos – DOU pelo respeito aos princípios constitucionais, com o
de 4.8.1993; TCU – Acórdão nº 587/2003 – Plenário – Rel. Min. Adylson objetivo de efetivar os direitos fundamentais.
Motta – DOU de 10.6.2003; TCU – Acórdão nº 906/2003 – Plenário – Rel.
Min. Lincoln Magalhães da Rocha – DOU de 24.7.2003; TCU – Acórdão nº Desta forma, a legalidade não é o único parâme-
1099/2006 – Plenário – Rel. Min. Augusto Nardes – DOU de 10.7.2006. O
Tribunal, posteriormente, admitiu a arbitragem nos contratos celebrados tro da ação estatal que deve se conformar às demais
por sociedade de economia mista (Petrobras), versando exclusivamente normas consagradas no ordenamento jurídico. A
sobre “a resolução dos eventuais litígios a assuntos relacionados à sua
área-fim e a disputas eminentemente técnicas oriundas da execução dos legalidade encontra-se inserida no denominado
aludidos contratos”. TCU – Acórdão nº 2094/2009 – Rel. Min. José Jorge – princípio da juridicidade que exige a submissão da
DOU de 11.9.2009. Todavia, nessa última hipótese, os contratos não seriam
administrativos propriamente ditos, mas privados da Administração e, atuação administrativa à lei e ao Direito (art. 2º, pa-
portanto, submetidos, naturalmente, ao Direito Privado. rágrafo único, inc. I, da Lei nº 9.784/1999). Em vez
12. Registre-se que a PEC 29, que se transformou na EC nº 45/2004,
chegou a prever a proibição de utilização da arbitragem por entidades
de Direito Público, mas a vedação não foi aprovada e inserida na redação 13. GIANNINI, Massimo Severo. Derecho Administrativo. Madrid: MAP,
final da emenda. 1991. v. I, p. 111.

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JAN/17
DOUTRINA, PARECERES E ATUALIDADES

de simples adequação da atuação administrativa a X, da Lei nº 9.478/1997, art. 35, inc. XVI, da Lei nº
uma lei específica, exige-se a compatibilidade dessa 10.233/2001, art. 11, inc. III, da Lei nº 11.079/2004).
atuação com o chamado “bloco de legalidade”.14 Conforme afirmado anteriormente, a nosso ver,
O princípio da juridicidade confere maior im- a ausência de lei, com a previsão de utilização ampla
portância ao Direito como um todo, daí derivando da arbitragem em todos os contratos administrati-
a obrigação de se respeitar inclusive a noção de vos, não era fator impeditivo para sua efetivação,
legitimidade do Direito. A atuação da Administração uma vez que o art. 54 da Lei nº 8.666/1993 determi-
Pública deve nortear-se pela efetividade da Constitui- na a aplicação supletiva dos princípios da teoria geral
ção e deve pautar-se pelos parâmetros da legalidade dos contratos e das disposições de Direito Privado
e da legitimidade, intrínsecos ao Estado Democrático aos contratos administrativos.
de Direito.
É inerente ao contrato administrativo a possibi-
No tocante à arbitragem na Administração Públi- lidade de sua extinção antes do advento do termo
ca, sempre sustentamos que a ausência de previsão final, por razões de interesse público, por inadim-
expressa na Lei de Arbitragem não inviabilizaria a plemento das partes ou por outras razões previstas
utilização desse mecanismo de solução de controvér- em lei, sendo razoável admitir que o Poder Público,
sias, especialmente por permitir a melhor efetivação apoiado no princípio da eficiência administrativa e no
do princípio da eficiência.15 princípio da boa administração, estabeleça cláusula
No campo das contratações estatais, a arbitra- arbitral para solução eficiente (técnica e célere) das
gem em contratos privados da Administração Pública controvérsias contratuais.
(ex.: contratos celebrados por empresas estatais, Registre-se também que o art. 55, § 2º da Lei nº
contratos de locação em que a Administração é 8.666/1993, ao exigir a estipulação de “[...]cláusula
locatária) sempre contou com maior aceitação da que declare competente o foro da sede da Adminis-
doutrina e da jurisprudência, especialmente em tração para dirimir qualquer questão contratual [...]”,
razão da preponderância da aplicação do regime não impede a pactuação da arbitragem.16
jurídico de Direito Privado e pela ausência, em regra,
das cláusulas exorbitantes, na forma do art. 62, § 3º, Em verdade, a referida norma não exige que
inc. I, da Lei nº 8.666/1993. todas as controvérsias sejam dirimidas pelo Judiciá-
rio, mas apenas prevê a cláusula de eleição de foro,
Todavia, mesmo nos contratos administrativos, mesmo porque a arbitragem não afasta, de forma
a arbitragem representa uma solução eficiente para absoluta, a via jurisdicional (ex.: arts. 6º, parágrafo
solução de controvérsias contratuais que digam res- único; 11, parágrafo único; 13, § 2º; 20, §§ 1º e 2º;
peito às questões predominantemente patrimoniais 22-A, 22-C, 33). Em suma: a cláusula de eleição de foro
ou técnicas (direitos disponíveis). não é incompatível com a cláusula arbitral.17
Tanto é verdade que a arbitragem em contratos A utilização da arbitragem, por certo, produziria
administrativos já contava com previsão em diplomas consequências positivas para as partes contratantes,
legais específicos (ex.: art. 5º, parágrafo único, da Lei
nº 5.662/1971, arts. 5º e 23-A da Lei nº 8.987/1995,
16. A exigência contida no art. 55, § 2º da Lei nº 8.666/1993 é afastada
art. 93, inc. XV, da Lei nº 9.472/1997, art. 43, inc. nos seguintes casos: a) licitações internacionais para a aquisição de bens
e serviços cujo pagamento seja feito com o produto de financiamento
concedido por organismo financeiro internacional de que o Brasil faça
14. Sobre o princípio da juridicidade, vide: OTERO, Paulo. Legalidade parte, ou por agência estrangeira de cooperação; b) contratação com
e Administração Pública: o sentido da vinculação administrativa à empresa estrangeira, para a compra de equipamentos fabricados e
juridicidade. Coimbra: Almedina, 2003; ZAGREBELSKY, Gustavo. El Derecho entregues no exterior, desde que para este caso tenha havido prévia
dúctil. Ley, derechos, justicia. Madrid: Trotta, 2003. p. 39-40; MERKL, autorização do chefe do Poder Executivo; e c) aquisição de bens e serviços
Adolfo. Teoría general del Derecho Administrativo. Granada: Comares, realizada por unidades administrativas com sede no exterior (art. 32, § 6º
2004. p. 206; OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. A constitucionalização do c/c o art. 55, § 2º, ambos da Lei nº 8.666/1993).
Direito Administrativo: o princípio da juridicidade, a releitura da legalidade
administrativa e a legitimidade das agências reguladoras. 2. ed. Rio de 17. SUNDFELD, Carlos Ari; CÂMARA, Jacintho Arruda. O cabimento da
Janeiro: Lumen Juris, 2010; MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso arbitragem nos contratos administrativos. In: RDA n. 248, maio/ago. 2008,
de Direito Administrativo. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 87. p. 123; CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo: um comentário
à Lei 9.307/96. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 48-49; SALLES, Carlos
15. OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Licitações e contratos Alberto de. Arbitragem em contratos administrativos. Rio de Janeiro:
administrativos. 5. ed. São Paulo: Método, 2015. p. 255-257. Forense, 2011. p. 245.

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DOUTRINA, PARECERES E ATUALIDADES

especialmente por permitir que as disputas de pluralista, existem diversos interesses públicos e
contratuais, que envolvem interesses disponíveis, privados em constante conexão, de modo que natu-
sejam solucionadas por meio de Juízos técnicos, oriun- ralmente poderão emergir eventuais conflitos entre
dos de árbitros escolhidos pelas partes, e em espaço interesses considerados públicos (ex: a criação de
reduzido de tempo. uma hidrelétrica e a necessidade de desmatamento
de área florestal de conservação permanente), entre
Em nossa opinião, a previsão genérica da utiliza-
interesses denominados privados (ex: o direito à
ção da arbitragem por pessoas capazes, constante da
intimidade e o direito à liberdade de expressão) e
redação originária da Lei de Arbitragem, já legitima-
entre interesses públicos e privados (ex: a servidão
va, portanto, a adoção do instituto pela Administra-
administrativa de passagem estabelecida em imóvel
ção. De qualquer forma, em razão da celeuma sobre
particular para utilização de ambulâncias de deter-
o tema, inclusive nos órgãos de controle, é oportuna
minado nosocômio público).
a alteração promovida pela Lei nº 13.129/2015, que
permite de forma categórica a arbitragem na Ad- No âmbito do Estado Democrático de Direito, a
ministração Pública, conferindo segurança jurídica Administração Pública é caracterizada pelo consen-
à questão. sualismo na determinação e na efetivação das fina-
lidades públicas. Supera-se o modelo liberal “agres-
3.2 A interpretação adequada do princípio da sivo” de atuação da Administração por mecanismos
indisponibilidade do interesse público no âm- consensuais de satisfação do interesse público.18
bito da Administração Pública democrática e Em consequência, na eterna tensão entre auto-
consensual ridade e liberdade, a Administração Pública passa a
Outro obstáculo normalmente apresentado à atuar de forma mais concertada com os interesses da
arbitragem na Administração Pública seria o princípio sociedade, evitando o uso da coerção e prestigiando
da indisponibilidade do interesse público. o uso do consenso, da participação dos administra-
dos nas decisões públicas.
Contra a possibilidade de previsão contratual
da arbitragem, argumenta-se, por exemplo, que não Em vez de impor unilateralmente a sua vonta-
seria lícito ao particular (árbitro) decidir sobre o cor- de aos particulares, a Administração Pública deve
reto atendimento do interesse público inerente ao buscar, na medida do possível, o diálogo com os
contrato da Administração, cabendo ao agente pú- destinatários da decisão administrativa. Trata-se
blico a interpretação sobre a correta aplicação da lei. da substituição da “Administração autoritária” por
uma “Administração consensual”. A Administração
Contudo, a interpretação adequada do referido Pública, com essa nova fisionomia, deixa de lado os
princípio demonstra a compatibilidade da arbitragem atos unilaterais de imposição e passa a se utilizar de
nas relações jurídicas estatais. instrumentos consensuais, como os contratos, para
No âmbito de uma sociedade plural e demo- a satisfação das necessidades públicas.19
crática, é natural a existência de interesses públicos Por esta razão, proliferam os instrumentos de
diversos e eventualmente colidentes, cuja aplicação parcerias entre a Administração Pública e os parti-
depende da ponderação de interesses, o que justifica culares (ex.: contratos, contratos de gestão, termos
a disposição de determinados interesses em detri- de fomento, termos de colaboração etc).
mento de outros.
Em síntese, a própria celebração de acordos, em
Desta forma, o processo de interpretação e apli- sentido amplo, pela Administração Pública envolve
cação das normas jurídicas pelos agentes públicos naturalmente a disposição de interesses públicos,
envolve, em certa medida, disposição de interesses com a definição do caminho mais adequado para a
públicos.
E isso se dá porque, em verdade, nunca existiu 18. SILVA, Vasco Manuel Pascoal Dias Pereira da. Em busca do acto
administrativo perdido. Coimbra: Almedina, 2003. p. 40.
um único “interesse público” e nem tampouco um
19. ESTORNINHO, Maria João. A fuga para o Direito Privado: contributo
interesse privado, concebidos abstratamente e de para o estudo da actividade de Direito Privado da Administração Pública,
forma cerrada. Muito ao contrário, em uma socieda- Coimbra: Almedina, 1999. p. 44.

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satisfação do interesse público por meio das cláusu- A arbitragem, portanto, não se opõe ao interesse
las pactuadas.20 público. Ao contrário, o instituto pode ser o caminho
para o melhor atendimento do interesse público ao
Ainda que a arbitragem envolva a submissão
garantir a solução de base consensual e eficiente.
do conflito contratual à decisão do árbitro, terceiro
imparcial em relação às partes contratantes (hetere- 3.3 O princípio da publicidade e a confidencialidade
composição de conflitos), não se pode olvidar a exis- na arbitragem: uma conciliação necessária
tência da base consensual no acordo que submete
determinada avença à arbitragem.21 Por fim, outro óbice tradicional à arbitragem nas
relações administrativas é o princípio da publicida-
É inerente, no campo da contratação pública, de, consagrado no art. 37, caput, da CRFB, uma vez
que a Administração tenha certa margem de liberda- que as arbitragens são normalmente submetidas à
de para definir, inclusive, a melhor forma de solução confidencialidade.
das possíveis controvérsias que poderão surgir em
seus contratos, abrindo-se caminho para o processo Ocorre que a publicidade, em nosso sentir, não
inviabiliza a utilização da arbitragem nas contrata-
arbitral ao invés do processo judicial.
ções públicas.
Não se trata de dispor do interesse público para
Em primeiro lugar, a confidencialidade, ainda que
satisfazer outra categoria de interesse, mas de definir
seja comum nas arbitragens, não constitui caracterís-
o melhor caminho para atender o interesse público
tica obrigatória e impositiva do procedimento arbitral.
previamente definido nas cláusulas contratuais.22
Vale dizer: o interesse público já foi definido e dispos- A própria utilização da arbitragem depende,
to previamente pelo Estado e em ordem decrescente como visto anteriormente, do prévio consenso das
de abstração: Constituição, lei, atos regulamentares partes, que podem preferir a via arbitral, ainda que
e ato administrativo individual/contratos. haja a publicidade do procedimento, o que acontece-
ria, de qualquer forma, na via judicial. Nesse caso, as
O árbitro não dispõe sobre o interesse público, decisões, o julgamento e os demais atos praticados
mas se o contrato foi cumprido corretamente ou não devem ser públicos e transparentes.23
pelas partes.
Em segundo lugar, o princípio constitucional da
publicidade não impede o sigilo de documentos ou
20. Aliás, é tradicional a distinção entre interesse público primário e
secundário. No primeiro caso, o interesse público relaciona-se com a procedimentos em casos excepcionais. É o que ocorre,
necessidade de satisfação de necessidades coletivas (justiça, segurança por exemplo, nos próprios processos judiciais, sub-
e bem-estar) por meio do desempenho de atividades administrativas
prestadas à coletividade (serviços públicos, poder de polícia, fomento metidos ao segredo de Justiça, bem como em relação
e intervenção na ordem econômica). No segundo caso, o interesse aos documentos respaldados pelo sigilo e/ou reserva
público é o interesse do próprio Estado, enquanto sujeito de direitos e
obrigações, ligando-se fundamentalmente à noção de interesse do Erário, de jurisdição.
implementado por meio de atividades administrativas instrumentais
necessárias para o atendimento do interesse público primário, tais como Registre-se, neste ponto, que a Lei nº 12.527/
as relacionadas ao orçamento, aos agentes públicos e ao patrimônio 2011 (Lei de Acesso à Informação – LAI), permite o
público. Os adeptos da dicotomia costumam afirmar a supremacia e
indisponibilidade do interesse público primário, mas não do secundário. sigilo em duas hipóteses: a) informações classifica-
ALESSI, Renato. Sistema istituzionale del Diritto Amministrativo italiano. das como sigilosas, consideradas imprescindíveis à
2. ed. Milão: Giuffrè, 1960. p. 197. Sobre a discussão atual e releitura
do princípio da supremacia do interesse público, vide: OLIVEIRA, Rafael segurança da sociedade ou do Estado (art. 23); e b)
Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo. 3. ed. São Paulo: informações pessoais relacionadas à intimidade, vida
Método, 2015. p. 35-38.
privada, honra e imagem (art. 31).
21. De forma semelhante, vide: TEPEDINO, Gustavo. Consensualismo na
arbitragem e teoria do grupo de sociedades. In: Revista Forense n. 903, Em consequência, a publicidade na arbitragem
Rio de Janeiro: RT, 2011. p. 9-26. envolvendo a Administração Pública não afasta a
22. Segundo Eros Grau, após afirmar que não há nenhuma correlação
entre disponibilidade ou indisponibilidade de direitos patrimoniais e
disponibilidade ou indisponibilidade do interesse público conclui: “Daí 23. Alguns autores, como José Emilio Nunes Pinto, sustentam que o
porque, sempre que puder contratar, o que importa disponibilidade de princípio da publicidade determinaria apenas o envio de informações sobre
direitos patrimoniais, poderá a Administração, sem que isso importe o andamento do procedimento arbitral, envolvendo a Administração, aos
disposição do interesse público, convencionar cláusula de arbitragem”. órgãos de controle interno e externo. PINTO, José Emilio Nunes. A
GRAU, Eros. Arbitragem e contrato administrativo. In: RTDP, 32, São Paulo: confidencialidade na arbitragem. In: Revista de arbitragem e mediação,
Malheiros, 2000. p. 20. n. 6. São Paulo: Revista dos Tribunais, jul./set. 2005. p. 25-36.

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confidencialidade e o sigilo de atos e documentos Com efeito, as vantagens da arbitragem su-


que possam colocar em risco a segurança da socie- peram as críticas. Além da compatibilidade formal
dade ou do Estado ou que envolvam informações e material com a juridicidade, a utilização da arbi-
pessoais relacionadas à intimidade, vida privada, tragem nas relações jurídico-administrativas apre-
honra e imagem das pessoas. senta diversas vantagens, tais como: a) celeridade
e flexibilidade procedimental: prazos reduzidos,
3.4 Críticas e vantagens da arbitragem na Adminis- limitação de recursos e possibilidade de fixação das
tração Pública regras procedimentais pelas partes (arts. 21, 23 e
30 da Lei de Arbitragem); e b) tecnicidade, espe-
Conforme destacado nos tópicos anteriores, a
cialização e confiabilidade: a decisão arbitral possui
arbitragem na Administração Pública encontra res-
maior potencial de aceitabilidade pelas partes, que
paldo no ordenamento jurídico, o que foi ratificado
indicaram os árbitros de sua confiança, com elevado
pelo art. 1º, § 1º, da Lei de Arbitragem, alterado pela
conhecimento técnico (jurídico e/ou extrajurídico)
Lei nº 13.129/2015.
sobre o assunto objeto do julgamento (art. 13 da Lei
Isto não significa dizer que a utilização da arbi- de Arbitragem).
tragem nas relações estatais seja imune às críticas.
Em resumo, as principais desvantagens seriam: a) re- 4 DESAFIOS NA INTERPRETAÇÃO E NA APLICA
ceio quanto à independência dos árbitros e possível ÇÃO DA LEI Nº 13.129/2015
tratamento preferencial aos interesses privados em Não obstante os avanços trazidos pela Lei nº
detrimento dos interesses públicos; b) inexistência 13.129/2015, que afasta a polêmica da utilização da
de mecanismos institucionais de garantia de “coe- arbitragem pela Administração, é preciso destacar
rência jurisprudencial”, com a prolação de decisões que o legislador deixou diversas questões em aberto,
diferentes para casos semelhantes; e c) déficit de especialmente no tocante ao procedimento arbitral,
responsabilidade democrática (accountability).24 como será demonstrado nos tópicos seguintes.
Entendemos, no entanto, que as referidas críti-
4.1 Arbitrabilidade subjetiva (Administração Públi-
cas não possuem o condão de inviabilizar a arbitra-
ca) e objetiva (direitos disponíveis)
gem nas relações estatais. Quanto à independência
do árbitro, além de inexistir dados concretos que A arbitrabilidade, que significa a possibilidade
demonstrem a tendência ao tratamento preferencial de um litígio ser submetido à arbitragem voluntária,
aos interesses privados em relação aos interesses pode ser dividida em duas espécies: a) subjetiva
públicos ou a maior independência de Magistrados (ratione personae): refere-se às pessoas que podem
em relação aos árbitros, certo é que a imparcialida- se submeter à arbitragem e b) objetiva (ratione
de do árbitro seria garantida por meio do consenso materiae): diz respeito às questões que podem ser
das partes na sua escolha. No tocante à ausência de decididas por meio da arbitragem.25
“coerência jurisprudencial”, esse fator deve ser so- Em relação à arbitrabilidade subjetiva, o art. 1º
pesado pelas partes no momento em que decidirem da Lei de Arbitragem sempre permitiu a sua utiliza-
submeter a questão à arbitragem, mas de qualquer ção por pessoas capazes, regra que foi repetida no
forma o árbitro não deve desconsiderar a legislação art. 851 do Código Civil.
e a jurisprudência dominante, especialmente dos
Atualmente, o art. 1º, § 1º, da Lei de Arbitra-
Tribunais Superiores. Por fim, em relação ao déficit
gem, alterado pela Lei nº 13.129/2015, estabeleceu,
de responsabilidade democrática, a legitimidade da de forma expressa, a possibilidade de utilização da
arbitragem repousa na sua base consensual e não arbitragem pela Administração Pública direta e indi-
impede a atuação dos órgãos de controle (ex.: Tri- reta (arbitrabilidade subjetiva) para dirimir conflitos
bunais de Contas, Ministérios Público). relativos a direitos patrimoniais disponíveis (arbitra-
bilidade objetiva).
24. Sobre as vantagens e desvantagens da arbitragem, vide: CORREIA, J.
M. Sérvulo. A arbitragem dos litígios entre particulares e Administração
Pública sobre situações regidas pelo Direito Administrativo. In: Revista de 25. OLIVEIRA, Ana Perestrelo de. Arbitragem de litígios com entes públicos.
Contratos Públicos. Belo Horizonte, n. 5, set. 2014/fev. 2015, p. 177-184. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2015. p. 11-12.

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Desta forma, no tocante à arbitrabilidade sub- Nesse ponto, seria oportuno que a legislação
jetiva, as pessoas jurídicas de Direito Público (entes mencionasse expressamente a possibilidade de
da Federação, autarquias e fundações estatais de aplicação dos usos, costumes, equidade e regras
Direito Público) e as pessoas jurídicas de Direito Pri- internacionais do comércio nas arbitragens interna-
vado (empresas públicas, sociedades de economia cionais envolvendo a Administração Pública direta
mista e fundações estatais de Direito Privado) podem e indireta.28
prever a arbitragem como forma de solução de suas
controvérsias. 4.3 A publicidade da arbitragem na Administração
Quanto à arbitrabilidade objetiva, as questões Pública
submetidas à arbitragem devem envolver direitos A arbitragem na Administração Pública deve
patrimoniais disponíveis.26 Trata-se, a nosso ver, de respeitar o princípio da publicidade, na forma do
assunto inerente às contratações administrativas, art. 37, caput, da CRFB e do art. 2º, § 3º, da Lei nº
uma vez que o contrato é o instrumento que encerra 9.307/1996, alterada pela Lei nº 13.129/2015.29
a disposição, pela Administração, da melhor forma
de atender o interesse público. Saliente-se, ainda, que a publicidade e a transpa-
rência na atuação administrativa são fundamentais
Destarte, as questões que podem ser objeto da
para efetividade do controle social (sociedade civil)
contratação administrativa são, em princípio, dispo-
e institucional (Procuradorias estatais, Ministério
níveis, passíveis de submissão à arbitragem.27
Público, Tribunais de Contas etc.).
4.2 Arbitragem de direito e a vedação da arbitra- Conforme destacado anteriormente, a confiden-
gem por equidade cialidade do procedimento arbitral cede espaço para
Quanto aos critérios de julgamento, a arbitra- publicidade, inerente aos processos envolvendo a
gem pode ser dividida em duas espécies: a) arbitra- Administração Pública, o que não impede o sigilo em
gem de direito e b) arbitragem por equidade. situações excepcionais, quando houver em risco a
Nas questões envolvendo a Administração Pú- segurança da sociedade ou do Estado ou informações
blica, a arbitragem tem que ser de direito e não por pessoais relacionadas à intimidade, vida privada,
equidade, conforme expressamente previsto no art. honra e imagem das pessoas.
2º, § 3º, da Lei nº 9.307/1996.
4.4 Regulamentação e autonomia federativa
Trata-se de exigência respaldada no princípio
da legalidade, mas é oportuno destacar que, espe- É importante ressaltar desde logo que o mane-
cialmente no campo das arbitragens internacionais, jo da arbitragem para resolução de controvérsias
a utilização de critérios extralegais (costumes, equi- contratuais envolvendo a Administração decorre
dade etc.) é comum na solução das controvérsias,
o que é corroborado pelo art. 2º, § 2º, da Lei nº 28. Sustentamos, em outra oportunidade, a importância da aplicação
da lex mercatoria nas relações comerciais internacionais que envolvem
9.307/1996. o Estado, bem como a possibilidade de submissão à arbitragem como
forma alternativa de solução de lides. OLIVEIRA, Rafael Carvalho
Rezende. Princípios do Direito Administrativo. 2. ed. São Paulo: Método,
26. O art. 852 do Código Civil dispõe: “É vedado compromisso para solução 2013. p. 49-50. Sobre a importância da lex mercatoria no “Direito
de questões de estado, de direito pessoal de família e de outras que não Administrativo Global”, vide: KINGSBURY, Benedict; KRISCH, Nico;
tenham caráter estritamente patrimonial”.
STEWART, Richard B. The emergence of Global Administrative Law. Law
27. De forma semelhante, Carlos Ari Sundfeld e Jacintho Arruda Câmara and Contemporany Problems, North Carolina: Duke University School
afirmam: “Com essa demarcação, a Lei de Arbitragem afastou de seu of Law, v. 68, n. 3 e 4, p. 17 e 29, 2005. Nos contratos de concessão do
âmbito de aplicação apenas os temas que não admitissem contratação petróleo, por exemplo, o art. 44, inc. VI, da Lei nº 9.478/1997 dispõe
pelas partes. Numa palavra, a lei limitou a aplicação do procedimento que o contrato estabelecerá que o concessionário estará obrigado a
arbitral às questões referentes a direito (ou interesse) passível de “adotar as melhores práticas da indústria internacional do petróleo e
contratação. 6 Para evitar confusão terminológica – que propicie um obedecer às normas e procedimentos técnicos e científicos pertinentes,
falso embate em face do princípio da indisponibilidade do interesse inclusive quanto às técnicas apropriadas de recuperação, objetivando
público –, passaremos a designar este requisito como a existência de um a racionalização da produção e o controle do declínio das reservas”.
direito negociável”. SUNDFELD, Carlos Ari; CÂMARA, Jacintho Arruda. O
cabimento da arbitragem nos contratos administrativos. In: RDA n. 248, 29. No setor portuário, o art. 3º, inc. IV, do Dec. nº 8.465/2015 dispõe
maio/ago. 2008, p. 120. que “todas as informações sobre o processo serão tornadas públicas”.

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diretamente da Lei de Arbitragem e, portanto, não “convenção através da qual as partes submetem um
está condicionada à regulamentação.30 litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, poden-
do ser judicial ou extrajudicial” (art. 9º).
A desnecessidade de regulamentação para
implementação da arbitragem nas relações admi- Na primeira hipótese, a cláusula arbitral será
nistrativas não afasta, contudo, a pertinência da inserida no edital e na minuta do contrato admi-
edição de normas regulamentares, especialmente nistrativo. Na segunda hipótese, mesmo ausente a
pelo fato de que a Lei de Arbitragem, alterada pela previsão de arbitragem na avença, as partes, em co-
Lei nº 13.129/2015, deixou de abordar diversas mum acordo, submeterão a controvérsia contratual
questões que podem ser especificadas ou detalhadas à arbitragem.
no campo regulamentar tais como: viabilidade de
A cláusula compromissória se divide em duas
compromisso arbitral e desnecessidade de previsão
categorias: a) cláusula compromissória cheia: opção
no edital/contrato; relativização de prerrogativas
pela arbitragem, com a definição prévia das ques-
processuais; utilização da arbitragem ad hoc ou
tões relacionadas à instituição e ao procedimento
institucional; arbitragem monocrática ou Colegiado
arbitral (art. 5º da Lei de Arbitragem); e b) cláusula
arbitral; (des)necessidade de licitação para escolha
compromissória vazia (ou em branco): apenas define
do árbitro ou instituição arbitral; dentre outras
a submissão do contrato à arbitragem, sem qualquer
questões.
definição ou detalhamento sobre a instituição e as
Além da possibilidade de edição de decretos características do procedimento arbitral.
federais sobre o tema (ex.: Dec. nº 8.465/2015 que
dispõe sobre arbitragem no setor portuário), abre-se Mencione-se, ainda, a possibilidade de pac-
a possibilidade para edição de normas específicas tuação da denominada cláusula escalonada, que
estaduais, distritais e municipais sobre a matéria (ex.: determina a tentativa de solução da controvérsia por
Lei nº 19.477/2011 do Estado de Minas Gerais), desde meio da mediação antes da instauração da arbitra-
que respeitem as normas gerais da Lei de Arbitragem, gem (cláusula med-arb) ou durante o procedimento
uma vez que a arbitragem, nos contratos da Admi- arbitral (cláusula arb-med). Com isso, prestigia-se
nistração, envolve matéria inserida na competência a autocomposição dos conflitos, por meio da me-
legislativa concorrente dos entes da Federação. diação, inclusive nas hipóteses em que as partes
pactuaram a arbitragem.
4.5 Cláusula compromissória e compromisso ar- A partir da classificação acima, verifica-se que
bitral o problema da cláusula vazia é a impossibilidade de
De acordo com o disposto no art. 3º da Lei de instauração imediata da arbitragem para resolver
Arbitragem, a convenção de arbitragem é gênero que o conflito, pois inexistentes os elementos mínimos
se divide em duas espécies: a) cláusula compromis- para o procedimento arbitral, o que pode ensejar, in-
sória: “convenção através da qual as partes em um clusive, a propositura de ação judicial para definição
contrato comprometem-se a submeter à arbitragem da forma de instituição do Juízo arbitral (arts. 6º e
os litígios que possam vir a surgir, relativamente a 7º da Lei de Arbitragem). A cláusula compromissó-
tal contrato” (art. 4º);31 e b) compromisso arbitral: ria cheia, por esta razão, garante maior celeridade
ao procedimento, o que demonstra a sua utilização
30. Registre-se que, durante a tramitação do Projeto de Lei nº 7.108/2014, preferencial nos contratos administrativos.
foi debatida a necessidade de regulamentação da arbitragem para sua
aplicação por parte da Administração Pública. Todavia, o texto final da Não há consenso quanto à juridicidade de sub-
proposta não contou com tal exigência, o que ratifica a aplicabilidade direta missão de controvérsias contratuais ao compromisso
da arbitragem, independentemente de regulamentação.
arbitral, sem previsão, portanto, de cláusula arbitral
31. A cláusula compromissória se divide em duas categorias: a) cláusula
compromissória cheia: opção pela arbitragem, com a definição prévia no edital de licitação e no contrato.
de questões relacionadas à instituição e ao procedimento arbitral; e b)
cláusula compromissória vazia: apenas define a submissão do contrato à Existe o argumento de que o compromisso arbi-
arbitragem, sem nenhuma definição ou detalhamento sobre a instituição
e as características do procedimento arbitral. A cláusula compromissória
tral poderia acarretar vantagem ao contratado, que
cheia, como se percebe, garante maior celeridade ao procedimento. não foi disponibilizada no momento da realização

33
JAN/17
DOUTRINA, PARECERES E ATUALIDADES

da licitação aos demais interessados, o que violaria 4.6 Arbitragem e a relati vização: prerrogati vas
o princípio da impessoalidade.32 administrativas
Todavia, tem prevalecido a juridicidade do com- A estipulação de cláusulas exorbitantes nos
promisso arbitral nos contratos da Administração contratos da Administração não obsta a utilização
Pública, sob o argumento de que a resolução de da arbitragem. Nesse caso, o árbitro decidirá sobre
controvérsias contratuais envolvendo direitos dis- os efeitos patrimoniais oriundos da efetivação das
poníveis deve ser pautada pela melhor solução em referidas cláusulas.35
cada caso concreto.33 Ora, se é possível a resolução Ademais, algumas prerrogativas reconhecidas à
consensual de questões contratuais, inclusive com a Fazenda Pública não se aplicam ao processo arbitral,
celebração de acordos, com maior razão deve ser ad- senão vejamos:
mitida a escolha, pelas partes, da alternativa arbitral. a) inaplicabilidade dos prazos diferenciados
Ademais, a Lei de Arbitragem, ao tratar da Ad- (art. 188 do CPC/1973 e art. 183 do CPC/2015)
ministração Pública, utilizou a expressão genérica ao processo arbitral: o procedimento arbitral é
“convenção de arbitragem” (art. 1º, § 2º, da Lei de definido pelas partes na convenção de arbitra-
Arbitragem), gênero que inclui a cláusula e o com- gem ou, de forma supletiva ou por delegação
promisso arbitral, sendo certo que a forma arbitral das partes, pelo árbitro ou Tribunal arbitral, na
de solução de controvérsias decorre diretamente da forma do art. 21 da Lei de Arbitragem.
lei e deve ser considerada pelos interessados que b) ausência de reexame necessário (art.
participam da licitação.34 475 do CPC/1973 e art. 496 do CPC/2015) na
Sustentamos, por isso, que o compromisso arbi- arbitragem: não há previsão de duplo grau e de
recursos no processo arbitral, que é desenvol-
tral pode ser utilizado para solução de controvérsias
vido em única instância e a decisão arbitral não
administrativas. Todavia, revela-se interessante e
está sujeita à homologação judicial (art. 18 da
conveniente a estipulação prévia de cláusula arbitral
Lei de Arbitragem).
cheia nos editais e contratos administrativos, em razão
da maior celeridade ao procedimento, sem olvidar a c) ausência de isenção relativa à taxa judi-
maior facilidade de definição da forma de solução de ciária, custas ou emolumentos na arbitragem: os
controvérsias antes da própria existência do conflito. valores devidos ao Tribunal arbitral e aos árbitros
devem ser suportados pelas partes em razão dos
serviços prestados, sendo oportuno ressaltar que,
32. TCU – Decisão nº 286/1993 – Rel. Min. Homero Santos – DOU de
4.8.1993. no próprio processo judicial, a Fazenda Pública fica
33. Nesse sentido decidiu o STJ: “Processo civil. Recurso especial. Licitação.
sujeita à exigência do depósito prévio dos hono-
Arbitragem. Vinculação ao edital. Cláusula de foro. Compromisso rários do perito, na forma da Súmula nº 232/STJ.
arbitral. Equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Possibilidade. [...]
5. Tanto a doutrina como a jurisprudência já sinalizaram no sentido de que d) incompatibilidade das regras relacionadas
não existe óbice legal na estipulação da arbitragem pelo Poder Público, à fixação do valor dos honorários de sucumbência
notadamente pelas sociedades de economia mista, admitindo como
válidas as cláusulas compromissórias previstas em editais convocatórios no processo judicial (art. 20, § 4º do CPC/1973 e
de licitação e contratos. 6. O fato de não haver previsão da arbitragem no art. 85, § 3º do CPC/2015) ao processo arbitral:
edital de licitação ou no contrato celebrado entre as partes não invalida os honorários, na arbitragem, são definidos, em
o compromisso arbitral firmado posteriormente. [...] 11. Firmado o
compromisso, é o Tribunal arbitral que deve solucionar a controvérsia. princípio, pelo compromisso arbitral, conforme
12. Recurso especial não provido.” (STJ – REsp nº 904.813/PR – Rel. Min. previsto no art. 11, inc. VI, da Lei de Arbitragem.
Nancy Andrighi – 3ª Turma – DJe de 28.2.2012). De forma semelhante:
AMARAL, Paulo Osternack. Arbitragem e Administração Pública: aspectos e) inaplicabilidade do regime do precatório
processuais, medidas de urgência e instrumentos de controle. Belo ou da requisição de pequeno valor: a arbitragem
Horizonte: Fórum, 2012, p. 77 e ss. No setor portuário, o art. 6º, § 3º do
Dec. nº 8.465/2015 dispõe que “a ausência de cláusula compromissória revela procedimento extrajudicial de solução de
de arbitragem no contrato não obsta que seja firmado compromisso controvérsias, inexistindo, portanto, “senten-
arbitral [...]”.
ça judiciária” (art. 100 da CRFB). Assim como
34. TALAMINI, Eduardo. Arbitragem e Parceria Público-Privada (PPP). In:
TALAMINI, Eduardo; JUSTEN, Monica Spezia (Org.). Parcerias Público-
-Privadas: um enfoque multidisciplinar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 35. De forma semelhante, vide: LEMES, Selma M. Ferreira. Arbitragem na
2005. p. 351. Administração Pública. São Paulo: Quartier Latin, 2007. p. 144.

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DOUTRINA, PARECERES E ATUALIDADES

ocorre nos pagamentos espontâneos de valores o que garante, em tese, maior segurança jurídica às
relativos aos contratos e acordos em geral, que partes. Além disso, a Câmara de Arbitragem tem a
não decorram de sentença judicial, o pagamento vantagem de contar com regulamento próprio e pres-
do valor definido na arbitragem independe de tar serviços de secretaria às partes, com a elaboração
precatório, salvo se houver necessidade de exe- de documentos, recebimentos das manifestações,
cução judicial da decisão arbitral condenatória, realização de audiências e outros atos que serão
que possui natureza jurídica de título executivo praticados ao longo do procedimento.37
extrajudicial (art. 31 da Lei de Arbitragem).
4.8 Árbitro ou Tribunal arbitral
4.7 Arbitragem ad hoc ou institucional
Na arbitragem, a controvérsia pode ser decidida
A Lei de Arbitragem, alterada pela Lei nº por árbitro único ou por Tribunal arbitral (três ou
13.129/2015, não tratou sobre a necessidade de mais árbitros, sempre em número ímpar).
instituição de arbitragem ad hoc ou institucional,
Apesar de a questão não ser abordada na Lei nº
o que, em princípio, confere discricionariedade ao
9.307/1996, entendemos que a arbitragem que envol-
administrador público para escolha por um desses
ve a Administração Pública não deve ser submetida,
caminhos em cada caso concreto.
em regra, à arbitragem monocrática, mas ao Colegiado
Enquanto na arbitragem ad hoc (ou arbitragem arbitral, formado por no mínimo três árbitros.
avulsa) o procedimento é definido pelas partes e/
Isto porque o debate por árbitros integrantes de
ou pelos árbitros, na arbitragem institucional (ou
colegiado arbitral tem maior potencial de qualificar
arbitragem administrada) as regras procedimentais
a decisão a ser proferida, que, enfatize-se, não será
encontram-se previamente definidas por determina-
submetida à revisão superior. O colegiado arbitral
da Câmara arbitral.
conferiria, portanto, maior legitimidade à decisão.
A arbitragem ad hoc teria, de um lado, a vanta-
É recomendável que os entes federados, em
gem de reduzir custos, uma vez que não haveria a
suas normas específicas, estabeleçam preferencial-
necessidade de contratação de instituição privada
mente a utilização de Colegiados arbitrais ao invés
(câmara de arbitragem) para prestação de serviços,
de árbitros isolados para solução de litígios oriundos
mas, de outro lado, a desvantagem de acarretar
de contratações administrativas, notadamente nos
insegurança para as partes, com a maior proba-
casos de grande vulto econômico.38
bilidade de impasses na definição e nas questões
cotidianas inerentes ao procedimento arbitral (exs.: 4.9 Escolha do árbitro ou instituição arbitral: inexi-
escolha da infraestrutura e dos recursos humanos gibilidade de licitação
para os serviços de secretaria; definição dos valores
dos honorários dos árbitros e forma de pagamento; Questão interessante envolve a necessidade ou
indefinição na escolha do árbitro presidente quando não de licitação para contratação do árbitro e/ou do
houver impasse entre os coárbitros indicados pelas Tribunal arbitral.
partes etc.), o que pode frustrar e/ou retardar a so- Inicialmente, é preciso destacar que o objeto
lução da controvérsia, bem como a propositura de da contratação possui grau de incerteza, seja na
ações judiciais para resolução de impasses.36 própria execução do serviço, que depende do sur-
Não obstante a discricionariedade administra- gimento da controvérsia contratual, seja no valor
tiva na definição do tema, entendemos que o ideal devido, que pode variar de acordo com a extensão
seria a utilização da arbitragem institucional, com a
escolha de Câmara de Arbitragem já existente, com 37. No Estado de Minas Gerais, por exemplo, o art. 4º da Lei nº
experiência e reconhecida pela comunidade jurídica, 19.477/2011 dispõe que o Juízo arbitral instituir-se-á exclusivamente por
meio de órgão arbitral institucional. De forma semelhante, o art. 4º, § 1º,
do Dec. nº 8.465/2015 prevê a preferência pela arbitragem institucional,
devendo ser justificada a opção pela arbitragem ad hoc.
36. Sobre as vantagens da arbitragem institucional em relação à arbitragem
ad hoc, vide: MUNIZ, Joaquim de Paiva. Curso de Direito arbitral: aspectos 38. Em âmbito federal, o art. 3º, inc. V, do Dec. nº 8.465/2015, que trata da
práticos do procedimento. 2. ed. Curitiba: CRV, 2014. p. 64; PEREIRA, Ana arbitragem no setor portuário, impõe a submissão ao Colegiado formado
Lucia. A função das entidades arbitrais. In: Manual de arbitragem para por no mínimo três árbitros, em questões cujo valor econômico seja
advogados. CEMCA/CFOAB, 2015. p. 88-91. superior a R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais).

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da controvérsia que será submetida ao Juízo arbitral, do certame, por si só, envolve custos), certo é que
vulto econômico e/ou complexidade técnica. a realização da licitação, após a instauração das
controvérsias, também teria o inconveniente de
Ademais, no tocante à arbitragem institucional,
gerar morosidade para instituição da arbitragem e,
cada Câmara de arbitragem possui regulamento
portanto, para solução da questão.
próprio, com regras sobre o procedimento arbitral,
bem como listagem de árbitros indicados às partes e Constata-se, com isso, que a contratação da Câ-
tabelas de taxas administrativas, honorários de árbi- mara e do árbitro envolve singularidade e indefinição
tros e outras despesas, o que demonstra a existência quanto à prestação exata do serviço. A inexistência
de variáveis que justificariam, em tese, a ausência de critérios objetivos para escolha de árbitros e de
de licitação.39 Câmaras distintas, com regulamentos arbitrais pró-
prios, revela inviabilidade de competição.
Outro fator determinante para escolha da
Câmara arbitral é a sua reputação, questão que A contratação dos árbitros, em princípio, não
envolve subjetividade incompatível com o processo se submete à licitação, uma vez que se trata de hi-
de licitação. pótese de inexigibilidade de licitação que encontra
fundamento no art. 25, inc. II, da Lei nº 8.666/1993.40
Além da contratação da Câmara de arbitragem,
o Poder Público deve indicar o árbitro, cuja notória Nesse sentido, por exemplo, o art. 7º, § 3º do
especialização, aliada à singularidade do caso, justi- Dec. nº 8.465/2015, que trata da arbitragem no
ficaria a inexigibilidade de licitação. setor portuário, dispõe que “a escolha de árbitro ou
de instituição arbitral será considerada contratação
Na hipótese de arbitragem submetida à análise direta por inexigibilidade de licitação [...]”.
de árbitro monocrático, a manifestação de vontade
É possível, por fim, a utilização do credencia-
do Poder Público não seria suficiente, pois depende-
mento por parte da Administração Pública. Após o
ria da concordância da outra parte. Ou seja: o Poder
cumprimento dos requisitos básicos e proporcionais,
Público e a sociedade empresária, que estão em
fixados pela Administração, todas as instituições ar-
conflito, contrariam o árbitro. Não se trata, portan-
bitrais poderiam realizar o credenciamento perante
to, de contrato tipicamente administrativo, mas de
o Poder Público. Nesse caso, a escolha da instituição
contrato celebrado pelo Poder Público e a sociedade
arbitral credenciada seria realizada, em cada caso,
empresária interessada de um lado e o árbitro como pelo particular interessado na resolução da disputa.41
contratado de outro lado.
Lembre-se que o credenciamento não pressu-
Em relação à arbitragem submetida ao Cole- põe a realização de licitação. A partir de condições
giado arbitral, a Administração Pública não tem o previamente estipuladas por regulamento do Poder
poder de estabelecer, isoladamente, todos os as- Público para o exercício de determinada atividade,
pectos do objeto contratado. Isto porque a escolha todos os interessados que preencherem as respecti-
do Presidente do Colegiado arbitral será realizada, vas condições serão credenciados e poderão prestar
normalmente, pelos dois árbitros indicados, cada os serviços. Não há, portanto, competição entre
um, pelas partes interessadas. interessados para a escolha de um único vencedor.42
Em qualquer caso, a licitação seria inconvenien-
te para o atendimento célere e eficiente do interesse 40. RIBEIRO, Maurício Portugal; PRADO, Lucas Navarro. Comentários à Lei
de PPP – Parceria Público-Privada: fundamentos econômico-jurídicos. São
público. De lado a impertinência de licitação para Paulo: Malheiros, 2007. p. 291.
contratação da arbitragem antes da existência da 41. Essa é a opinião, também, de Gustavo da Rocha Schmidt. Após
controvérsia, que revelaria a realização de despesas sustentar a inexigibilidade de licitação, com fulcro no art. 25, inc. II, da
públicas para objeto futuro e incerto (a realização Lei nº 8.666/1993, o autor sugere a possibilidade de credenciamento.
SCHMIDT, Gustavo da Rocha. Arbitragens nos conflitos envolvendo a
Administração Pública. Texto pendente de publicação e gentilmente
cedido pelo autor.
39. Em sentido contrário, sustentando a necessidade de licitação para
contratação da instituição arbitral, vide: FITCHNER, José Antonio. A 42. OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Licitações e contratos
confidencialidade no projeto da nova lei de arbitragem – PLS nº 406/2003. administrativos. 5. ed. São Paulo: Método, 2015. p. 93; JUSTEN FILHO,
In: ROCHA, Caio Cesar Vieira; SALOMÃO, Luis Felipe (Coord.). Arbitragem e Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 15.
mediação: a reforma da legislação brasileira. São Paulo: Atlas, 2015. p. 185 ed. São Paulo: Dialética, 2012. p. 49.

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5 CONCLUSÕES GRAU, Eros. Arbitragem e contrato administrati-


A juridicidade da utilização da arbitragem nos vo. In: RTDP, 32, São Paulo: Malheiros, 2000.
contratos da Administração Pública foi consagrada, JUSTEN FILHO. Marçal. Comentários à Lei de
definitivamente, pela Lei de Arbitragem, alterada Licitações e Contratos Administrativos. 15. ed. São
pela Lei nº 13.129/2015. Paulo: Dialética, 2012.
Entretanto, diversas questões permanecem em KINGSBURY, Benedict; KRISCH, Nico; STEWART,
aberto, o que revela a conveniência de fixação de Richard B. The emergence of Global Administrative
parâmetros pela doutrina e pelas normas regulamen- Law. Law and Contemporany Problems. North Ca-
tadoras que serão editadas pelos entes federados. rolina: Duke University School of Law, v. 68, n. 3 e
Por esta razão, o presente ensaio apresentou 4, 2005.
parâmetros que devem ser observados nas arbi- LEMES, Selma M. Ferreira. Arbitragem na Admi-
tragens envolvendo as contratações públicas, com nistração Pública. São Paulo: Quartier Latin, 2007.
o objetivo de conciliar essa importante forma de
resolução extrajudicial de conflitos com os princípios MERKL, Adolfo. Teoría general del Derecho Ad-
da Administração Pública. ministrativo. Granada: Comares, 2004.
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso
REFERÊNCIAS de Direito Administrativo. 15. ed. Rio de Janeiro:
AMARAL, Paulo Osternack. Arbitragem e Admi- Forense, 2009.
nistração Pública: aspectos processuais, medidas de MUNIZ, Joaquim de Paiva. Curso de Direito
urgência e instrumentos de controle. Belo Horizonte: Arbitral: aspectos práticos do procedimento. 2. ed.
Fórum, 2012. Curitiba: CRV, 2014.
BOLZAN DE MORAIS, José Luis; SPENGLER, F. M. OLIVEIRA, Ana Perestrelo de. Arbitragem de li-
Mediação e arbitragem: alternativas à jurisdição! 2. tígios com entes públicos. 2. ed. Coimbra: Almedina,
ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. 2015.
CÂMARA, Alexandre de Freitas. Arbitragem: Lei OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Di-
nº 9.307/96. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 4. ed. 2005