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ABSTRACT: Motivated by the recent publication of Spawforth`s Greece and the Augustan
Cultural Revolution, this paper aims to discuss the inversions suffered by the concept of „Romanization‟,
while used for the analysis of Roman Greece`s culture, in the historiography of the last decades. It is not
proposed an extensive bibliographical survey, but rather a discursive archaeology, showing the different
meanings of the term and the respective academic and political compromises assumed.
RESUMO: Motivado pela recente publicação do livro de Spawforth, Greece and the Augustan
Cultural Revolution, este artigo procura discutir as inversões sofridas pelo conceito de “romanização”,
quando aplicado para a análise da cultura da Grécia Romana, na historiografia das últimas décadas. Não
se trata de um levantamento exaustivo da bibliografia, mas antes uma arqueologia discursiva, mostrando
na visão de que [este conceito] foi usado tão vagamente no estudo recente de
modo a não ter um sentido claro: „uma palavra que tem muitos sentidos não
tem nenhum sentido‟ (Le Bohec). Onde este livro aplica o termo alternativo
em imitar a cultura dos romanos de Roma e Itália. Dito isto, é preciso admitir
1
Doutorando em História Social pela Universidade de São Paulo, sob orientação do Prof. Dr. Norberto L.
Guarinello, com apoio do CNPq.
impõe a „cultura romana‟ sobre súditos não-romanos, permanecem relevante
publicado livro de A. Spawforth, Greece and the Augustan Cultural Revolution (2012).
Lida desatentamente, a passagem citada pode não causar surpresa: indicar os problemas
províncias romanas (seja por meio de aspas ou de infinitas ressalvas). Não por acaso:
seguinte: “imitar” não é certamente um verbo usual para o estudo dos contatos culturais,
após tantos anos de cultural turn e pós-modernidade. Mas o golpe fatal está na última
oração: além da imitação por parte das populações provinciais (romanidade), são as
últimos suspiros das “antigas conotações” do termo romanização (década de 1960), para
2
Esta citação, como as seguintes, são traduções minhas, a partir das obras originais.
3
Não serão discutidos, por exemplo, os estudos de Finlay (1844), Mahaffy (1890) e Hahn (1906).
concentrarmos a atenção nas grandes inversões das décadas de 1990 e 2000. Antes,
1. Gregos civilizados
das experiências imperialistas européias nos séculos XVIII, XIX e XX4. A tônica era a
transposição, para o caso das relações entre romanos e provinciais, do processo cultural
expansão da cultura européia pelo mundo em função de sua natural superioridade, como
das origens nacionais, constrói-se a imagem da superioridade cultural romana que não
visando seja a retificação do termo, seja sua abolição. Não mais vista como um fato
inteira, mas apenas segmentos da elite local foram romanizados (Millet), e não mais a
totalidade da cultura romana foi adotada, mas apenas elementos romanos foram
4
Muitos são os estudos acerca do caráter imperialista do termo e seus limites, dentre os quais se
destacam, nas diversas tradições européias: MATTINGLY (1997); HINGLEY (2000, 2005); LE ROUX
(2004); KEAY e TERRENATO (2001); CURCHIN (2003). No Brasil já se constituiu uma bibliografia
significativa sobre o tema, especialmente: MENDES (2001), BUSTAMANTE (2006), MARQUES
(2009), PINTO (2003, 2011), CLÍMACO (2009) e SILVA (2011).
onda dos estudos culturais e das “identidades”, havia se tornado dominante na produção
historiográfica.
invertido: o latim não foi adotado como língua universal, e os gregos mantiveram suas
dominação. Não houve romanização: em livro sobre as cidades gregas nos períodos
helenístico, romano e bizantino, publicado em 1940, A. H. Jones não cita uma só vez o
termo romanização5.
O enigma era, portanto, explicar por que os gregos não se romanizaram, e qual o
narrativa que seguia o caminho rumo à civilização, a resposta poderia assumir a forma
Com o início da implosão tanto das “grandes narrativas” quanto das hierarquias
historiografia são as teses do livro de G. Bowersock, Augustus and the Greek World,
5
A explicação de Jones parte da ideia de que a “missão das cidades gregas” era expandir a cultura grega;
na medida em que a dominação real (helenística) e imperial (romana) dependia grandemente das
instituições cívicas, essa cultura se manteve. Com a maior intervenção do governo central da vida cívica e
a burocratização da administração imperial, a partir do século IV a. C., houve uma enfraquecimento do
patriotismo cívico e, consequentemente, a cultura grega (JONES, 1940, pp. 277-304).
6
Baseando-se no verso de Horácio: Graecia capta ferum victorem cepit [Epíst. II.1.156]. Cf., por
exemplo, a interpretação de Paul Graindor para as inúmeras cópias feitas em Atenas na época de Augusto
das esculturas da época clássica: os escultores atenienses, se não desenvolveram a criatividade de sés
ancestrais, tiveram o mérito de “moldar o gosto romano”. (GRAINDOR, 1927, p. 246). Uma rara exceção
é o estudo de Ludwig Hahn, que, em 1906, contrapondo-se à abundância de estudos sobre as influências
da cultura grega sobre Roma, via na penetração de elementos da língua latina \um forte indício de
Romanismus nas províncias gregas do Império (HAHN, 1906).
publicado em 1965. O objeto do livro é o processo de construção do mundo “greco-
construção desta unidade política e cultura (o império greco-romano), não apenas por
ter vencido Antônio, mas por ter incentivado a construção dos laços entre as elites
romanas e gregas, assim como por ter favorecido a difusão da cultura grega por todo o
época [de Augusto]. Ela é fundamentalmente uma palavra que descreve o que
outros os próprios romanos absorviam a cultura grega, que desde o período republicano
exercia atração sobre os romanos que poderiam pagar por ela (p. 74), e que o próprio
Augusto manteve em seu domínio pessoal, a ilha de Capri, onde, já velho, era um
espectador regular dos exercícios tradicionais dos ephebos (p. 84, citando Suetônio,
unidade do Império contra o que seria uma “calamitosa” cisão entre Ocidente e Oriente
(p. 149), evitada com a vitória de Augusto sobre Antônio, mas que finalmente se
imporia no século IV d. C.
três idéias interrelacionadas: a cultura grega exercia atração sobre os romanos; os gregos
gregos. Assim, em meados do século XX, os gauleses não eram mais romanos, mas os
províncias gregas para a discussão questões postas para as províncias ocidentais ganhou
identidades e contatos culturais. Dentre os diversos estudos que apontaram para uma
(1993), de Susan Alcock, rapidamente se tornou um clássico nos estudos sobre a Grécia
7
Vale mencionar aqui dois estudos que, apesar de não estarem centrados no problema da romanização,
forneceram elementos tanto documentais quanto interpretativos para a inversão mencionada: o livro de
Silvio Accame, Il domínio romano in Grecia (1946), assim como os diversos artigos de James Oliver,
especialmente os estudos sobre Aelius Aristides (1953 e 1968) e o artigo “Roman Emperors and Athens”
(1981).
construir uma história do espaço rural, ignorada pela narrativa militar e política
tradicional. O eixo do livro é a relação cidade e campo, e o modo como esta relação se
proposto pela autora, em linhas gerais, defende que: (1) entre os séculos II a. C. e II d.
demográfico quanto da migração para as cidades; (2) este êxodo rural se explica pelo
novo regime político e agrário estabelecido pelas elites citadinas pró-romanas, fundado
das cidades, explicado pelo enfraquecimento do papel das instituições cívicas sob
dominação romana; (4) as cidades, buscando resistir a este declínio, manifestam sua
cultos rurais8.
complexa do que o processo de mão única que o termo poderia indicar. Mas de qualquer
A Grécia romana de S. Alcock era uma província comum, nem tão lucrativa
quanto a África, nem tão revoltosa quanto a Judéia. No entanto, quando vista sob a ótica
8
O modelo de S. Alcock sofreu diversas críticas desde sua publicação, seja pela cronologia, seja pela
desconfiança nos dados derivados dos surveys: v. a resenha de A. Spawforth (1994) no Journal of Roman
Studies e de A. Keen (1993) na Bryn Mawr Classical Review. A crítica radical do modelo apareceu com o
artigo de D. Rousset (2004) publicado nos Annales, no qual o autor demonstra os problemas cronológicos
dos surveys utilizados por S. Alcock (incerteza na análise das evidências cerâmicas, dependência das
periodizações político-militares), assim como a variabilidade dos períodos (nem todas as regiões tem
declínio demográfico, e quando têm, raras vezes é no mesmo período) e a superinterpretação das fontes
(como o desaparecimento de pequenas propriedades a partir dos histogramas das projeções das dimensões
dos sítios).
da cultura e da produção literária, a Grécia romana apresenta uma forte singularidade: o
“renascimento grego” associado à segunda sofística não deixa dúvidas. Como conciliar
cultural” deve ser buscada dentro das lógicas de engajamento da memória do passado
passado grego. Romanização? Não, pois o modelo de análise proposto parte da idéia de
questionada.
grega”. O título do artigo faz referência à tese de doutorado em Oxford escrita pelo
autor anos antes (e que seria publicada somente em 1998), “Becoming Roman, The
9
Um exemplo eloqüente são os “templos itinerantes” na ágora de Atenas. O mais conhecido deles é o
templo situado bem no centro da praça, em frente à stoa de Zeus, e identificado como o templo de Ares
mencionado por Pausânias: a análise arqueológica revelou que se tratava de um templo construído no
século IV a. C. em outro lugar (provavelmente o demos de Pallene, a cerca de 15km da ágora), e
transplantado para a agora na época de Augusto. Se por um lado pode-se ler nesse transplante a
propaganda imperial (Ares associado ao deus romano Marte, assim como a Augusto e seus herdeiros),
pode-se ver também a homenagem à arquitetura clássica local. Cf. ALCOCK (2002, p. 53-58).
dominação e resistência envolvido nos processos de aculturação e hibridismo na Gália
cultura romana passava (daí a “revolução cultural romana”10); por oposição à Gália, no
possível adotavam cidadania romano –, o autor faz um recuo analítico para o que ele
eixos: a visão romana de sua missão imperial sobre os gregos, e a visão grega da relação
Velho, Plínio o Jovem, Juvenal e Tácito), G. Woolf afirma que os romanos adotaram o
projeto de regenerar a cultura grega como missão imperial. Este projeto se fundava em
gauleses, espanhóis e africanos, fazendo com que Roma assumisse uma posição “não
gregos: a reverência pelas conquistas civilizatórias passadas andava ao lado das ações
10
Cf. Woolf (2001). A ideia de uma revolução cultural no século I a. C. em Roma será especificada, em
suas causas, manifestações e consequências, no livro de Wallace-Hadrill, Rome`s Cultural Revolution
(2008), cujo impacto para o conceito de romanização será discutido mais adiante. Cf. MORALES (2011).
corretivas, especialmente na forma de intervenções na organização constitucional
Para discutir a reação grega, o autor lança mão não apenas da literatura
ocidente a adoção de elementos da cultura material romana fez com que os provinciais
adotassem novas e híbridas identidades, no oriente esta adoção não impediu que os
comum, deixando a cultura material para um segundo plano, por contraste à associação
do passado grego e a permissão do uso da língua grega como uma das línguas
O artigo termina com a discussão das influências gregas na cultura romana sob o
Marco Aurélio), enfatizando que os romanos, ainda que com nuances, mantiveram seus
preconceitos sobre a cultura grega (passado glorioso, presente decadente) – não por
acaso, a última seção do artigo se intitula “staying Roman, staying Greek”. Vale
destacar que, com este texto, o autor indica a associação entre a continuidade da cultura
do artigo de G. Woolf (1994), além dos estudos posteriores de S. Alcock (1998 e 2002),
o paradigma da “resistência grega à romanização” sofreria grandes ataques: construía-se
a idéia de que os gregos se romanizavam por serem gregos, ou pelo menos “gregos”
como deveriam ser do ponto de vista romano. Mas, se, ainda que ambos os autores
do artigo. Aqui, não apenas a romanização das províncias ocidentais, mas a própria
Wallace-Hadrill é a seguinte: ser romano não é um atributo natural dos “romanos”, mas
longo do século II a. C., por influência das conquistas orientais, as elites italianas
forjaram uma nova identidade, com forte influência da cultura grega, que se tornou uma
integração das elites italianas na política romana produziu uma fusão entre uma
romana de definir o que era ser romano (Cícero é o principal exemplo); a ascensão de
Augusto, interpretada como vitória de um projeto político das elites italianas (Syme),
com isso, uma revolução cultural que afetaria Roma, a Itália e todo o Império. Como
W.-H. afirma que Roma sugava a cultura oriental (e particularmente grega, mas também
longo processo seria a criação de uma elite internacional, marcada não necessariamente
por culturas híbridas, mas mantendo diferentes identidades (romana, grega e nativa) que
também para as províncias gregas, e esta idéia inverte radicalmente o paradigma de uma
quadro geral do debate sobre a romanização, poderíamos dizer que neste ponto os
gauleses deixaram de ser romanos, os romanos deixaram de ser romanos (ao menos
pesquisa de fôlego que propusesse a aplicação deste modelo para o caso da Grécia (ou
as cíclades, a “velha Grécia” dos romanos), lacuna que o livro de Spawforth procura
preencher. Vale salientar, ainda, que este modelo não surgiu do nada: inúmeros estudos
novidade de ambos os livros é apresentar estes diversos estudos de caso (muitos deles
do século II a. C. (as primeiras reações das elites da Grécia ao poder Romano) ao século
efeminada Ásia, cujas amenidades haviam degenerado mesmo os gregos que para lá
positivos a partir das referências culturais mais significativas, tais como a vitória grega
elite local e a família imperial não são diretamente observáveis (como no caso dos
“sociedade de corte”, pela qual as elites gregas estão bem informadas e atentas às
mudanças nas ideologias e preferências imperiais (p. 51); esta adesão se explica tanto
em termos de ascensão das elites nas estruturas da administração imperial, quanto em
termos de reforço do poder oligárquico destas elites em suas cidades (p. 197). A
submetida a uma seleção do que deveria ser retomado a partir de critérios romanos (ou
seja, estabelecidos pela “revolução cultural augustana” e seu programa moral), não pode
ser mais vista nem como resistência dos gregos, nem como resultado de uma
metáfora utilizada pelo autor é reveladora: mais do que o “coração romano” de Wallace-
Hadrill, Spawforth lança mão da imagem de um moinho de vento imperial, que sopra
para a Grécia um “vento ideológico” ora mais quente, ora mais frio. E se ainda houvesse
inserir a análise das iniciativas provinciais, os vetores da ação são não somente
no século XXI?
uma seleção de elementos de uma ou mais tradições realizada em função dos projetos
significar o contrário, como parte de uma crítica renovada dos processos de adesão das
elites locais e de reafirmação destas elites em suas cidades, num contexto de intensa
interpretações acerca da relação entre o Império romano e suas províncias, não apenas
dos impérios europeus (as estratégias das elites, as resistências culturais, os hibridismos
identitários, “fim” das fronteiras etc) no início do século XXI. Já o livro de Spawforth,
11
Diz P. Le Roux: “o pragmatismo anglo-saxão na Índia, na África negra e no resto do império britânico
influenciou a interpretação da história provincial de Roma, na qual a política inglesa pretendia se
inspirar” (LE ROUX, 2004, pp. 296). Sobre a relação da historiografia romana com a formação das elites
imperialistas inglesas, cf. Hingley (2000).
Agradecimentos: Este texto é tributário de dois cursos de pós-graduação realizados em 2011,
um ministrado por Maria Isabel D‟Agostino Fleming, no Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, e
outro por Jean-Yves Marc e Patrick Marchetti, na École Française d‟Athènes. Fundamentais também para
a elaboração do artigo foram os extensos diálogos com Bruno dos Santos Silva e Norberto Luiz
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