Departamento de Antropologia – DAN Disciplina: Antropologia Política – 2017/2 Professor: Luiz Eduardo Abreu Aluna: Poíesis Alves de Sá Oliveira – Matrícula: 09/0012372 Brasília, novembro de 2017.
RESENHA
LÉVI-STRAUSS, Claude. Jean-Jacques Rousseau, Fundador das Ciências do
Homem. In Antropologia Estrutural Dois. Biblioteca Tempo Universitário, 41-51. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1993.
No capítulo II da Antropologia Estrutural Dois, Claude Lévi-Strauss, dedica-se
ao enaltecimento do pensamento de Jean-Jacques Rousseau, considerando-o o responsável por conceber e anunciar a etnologia. Muito além de prever a etnologia, Rousseau a fundou. Rousseau fundou a etnologia, segundo Lévi-Strauss, de duas formas. Primeiro, de modo prático, ao escrever o Discurso Sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade Entre os Homens. Segundo, de modo teórico, ao distinguir o objeto próprio do etnólogo. (p.41-42) Ao ditar a regra metodológica para a etnologia, Rousseau passou a preconizar o estudo dos homens e a emitir a vontade sistemática de identificação com o outro: “uma imagem que o ajuda a compreender-se melhor, não como pura inteligência contemplativa, mas como agente involuntário de uma transformação operada através dele. É esta transformação que toda a humanidade aprende a sentir em Jean-Jacques Rousseau.” (p.43) O processo de conhecer o outro induz, necessariamente, a um “aprender a conhecer-se, a obter de um si-mesmo, que se revela como outro ao eu que o utiliza, uma avaliação que se tornará parte integrante da observação de outras individualidades.” Portanto, o que Rousseau ensina é o princípio de que “para conseguir aceitar-se nos outros, é necessário, primeiro, recursar-se em si mesmo.” Parece, à primeira vista, um exercício mental confuso, mas quando se entende que a experiência etnográfica implica em averiguar que o outro é um eu, todo o pensamento de Rousseau faz-se totalmente inteligível. (p.44) O raciocínio de Rousseau leva a uma questão essencial: sou? Lévi-Strauss afirma que “a noção de identidade pessoal é adquirida por inferência e permanece marcada pela ambiguidade. [...] A concepção do homem que coloca o outro antes do eu, e uma concepção da humanidade que, antes dos homens, afirma a vida.” (p.45) Rousseau foi o responsável, assim, por recolocar, valendo-se da antropologia, o homem em questão, ruindo com o Cogito da tradição filosófica. Nesse movimento de contrariar paradigmas, ele preocupou-se com a linguística, com a música e com a botânica. Como revela Rousseau em seu Ensaio sobre a Origem das Línguas, “a marcha da linguagem reproduz, à sua maneira e no seu plano, a da humanidade.” (p.46) Já sobre a música, Rousseau revela: “quanto à música, nenhuma forma de expressão, parece, está mais apta a recusar a dupla oposição cartesiana entre material e espiritual, alma e corpo.” E sobre a botânica, Rousseau diz que é por meio dela que é possível reencontrar a união do sensível e do inteligível, acompanhando o despertar da consciência. Logo, Lévi-Strauss conclui que “o pensamento de Rousseau desabrocha, portanto, a partir de um duplo princípio: o da identificação com o outro, e mesmo com o mais ‘outro’ de todos os outros, ou seja, um animal; e o da recusa da identificação consigo mesmo, isto é, a recusa de tudo o que pode tornar o eu ‘aceitável’.” (p.47) A revolução rousseauniana consiste em unir o nós ao ele; o eu e o outro libertos de um antagonismo próprio da filosofia. Recuperar essa unidade significa ir contra uma sociedade inimiga do homem. Rousseau emitiu a mensagem de que o homem pode “buscar a sociedade da natureza para meditar, nela, sobre a natureza da sociedade.” Lévi-Strauss enaltece a grandeza do pensamento de Rousseau a fim de criticar o mundo atual, considerado por ele o mais cruel para o homem, com a proliferação dos massacres e torturas, refere-se àquele mundo do século XX marcado por duas grandes guerras e pelo embate entre EUA e URSS. (p.48) Mas, afinal, qual é a grandeza do pensamento de Rousseau? Na concepção de Lévi-Strauss, o ponto alto é a crítica ao humanismo. O repúdio ao humanismo, tão engrandecido pela filosofia, deriva de sua incapacidade de fundar no homem o exercício da virtude. O pensamento de Rousseau serviu, assim, para ajudar a rejeitar o humanismo, doutrina que separa o homem da natureza e o coloca como soberano de tudo. Lévi-Strauss afirma categoricamente que “somente Rousseau soube insurgir-se contra este egoísmo”.(p.49) Na tentativa de tirar o Homem da centralidade do estudo científico, Rousseau propõe um respeito recíproco, tanto entre homens e homens quanto entre os homens e a natureza. Lévi-Strauss ressalta que pela voz de Rousseau que foi possível haver uma identificação com todas as formas de vida, começando pelas mais humildes. Rousseau dedicou-se em trazer de volta ao homem a sensibilidade, tão obscurecida pelo estado de sociedade e pelo pendor racionalista do humanismo. Foi por meio de Rousseau, como saliente Lévi-Strauss, que se quebraram as dualidades entre “o eu e o outro, minha sociedade e as outras sociedades, a natureza e a cultura, o sensível e o racional, a humanidade e vida.” (p.50-51) É muito interessante poder perceber como é importante para a antropologia a retirada do homem do pedestal onde o humanismo o colocava e colocá-lo em um patamar mais modesto, desfavorecendo, assim, o vício do preconceito e da prepotência. Esse movimento de equidade entre os homens é o que favorece o trabalho etnográfico, como reitera Lévi-Strauss. A ideia lançada por Rousseau é, de fato, inovadora, e fomenta no etnógrafo um olhar do etnógrafo menos influenciado pela intolerância e pelo julgamento desfavorável formado sem razão objetiva. Como Rousseau destaca, o eu não pode se sobrepor ao outro, pois os dois fazem parte de uma mesma dinâmica. No entanto, de acordo com o que é posto por Lévi-Strauss em seu texto, o que chama a atenção é que Rousseau limitou o ofício do etnólogo à responsabilidade de ir ao encontro de outras sociedades e de outras civilizações, desconsiderando que o trabalho do etnólogo é transcendental, ou seja, o etnólogo pode dedicar-se, sem prejuízo qualquer, ao estudo dele próprio. O etnólogo não necessariamente precisa ir ao encontro do outro para se conhecer, pode ele mesmo encontrar-se em si mesmo, utilizando-se da autoetnografia, um modelo etnográfico alternativo que não nega a experiência pessoal ao explicitar a intersubjetividade do indivíduo. É indubitável que Rousseau lançou as bases da etnografia tradicional, em que a figura do antropólogo se detém em falar sobre o outro, ou pelo outro. Mas as novas experiências textuais apontam para um novo papel a ser desempenhado pelo antropólogo, em que se passa a falar com o outro a partir da construção da própria episteme.