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O FR NTE (*) Vimos Aristételes condenar como insuficiente, do ponte de vista cientffieo, tado conhecimenta que, eonhecendo, embora, pertencer um atribute 4 totalidade de um sujeito (cari warrés), nao o apreende segundo a esséncia e a forma. Se com tanta insisténcia, porém, repete o fildsofo sua exigéncia de um saber cientifico rigaroso e recusa qualificar como cientifico quanto conhecimenta nfo preencha todos aquéles requisites com tanto empenho enumerados, tarna-se-nos imperiosa perguntar como haver&o de interpretar-se os diversos textos em que nos apare- ce a ciéncia, nao apenas como um saber do necessario e univer- sal, mas, também, como conhecimento do que nao ocorre se- nao na maior parte das vézes (ds ént rh wort), isto 6, do Freqiien- te? Diz-nos, com efeito, a Metafi,sica que “tada ciéncia é ou do eterno (re ded) ou do freqgiiente (ro® dy eri rb moad)” (-1-), E os mesmos Segundoes Analiticos, que encerram a rigorosa dou- trina da ciéncia que viernes estudando, ao expor-nos que nao pode haver ciéncia demonstrativa de quante provém da sorte (ied riyys) (- 2 -), como procedem, sendo argumentando com o fate de nao ser necessario nem freqiiente 9 que da sorte pro- cede? E acrescentam: “Ora, a demonstracdo coneerne uma des- sas duas coisas” {- 3 -).. Premissas ¢ conclusia do s'logismo-cien- tifico serio, de fato, umas e outra, ou necessdrias ou freqiien- tes. a concluséo acompanhado a natureza dag premissas (- 4 -). E os principios imediatos de uma demonstracao do freqtiente serio, igualmente, frequentes (- 5 -). Também o acidente sera (4), — © texto aqui inseride € 9 4° parageato do cap, IM da lese de doutoramento de Oswaldo Porchst de Assis Pereira da Silva, “A nogfio arlstotdlica de Cléneia", defondida em 1967 na Faculdade de Filosofia, Ciéneias © Letras Universidade de Sao Pauto ¢ infelzmente Inedita até hoje. t leitura rigorosa dos lextos expressa mum estilo de interprefacio que vazes se pretende rigorismo eonfere a &ste trabalho académico um valor scunro para a hislorigfrafia aristotéies publirada em aualaver Hagna. © prof. Porchat prepara hé anos um trabalho sobre a “Critlea darazio especulativa na Grécia clissica" — ¢ atualmente estagla nos Estades Unidos, Ba Universidade de Berkeley, prosseguindo estudas de légiea matemaétien Sob orlentacia de Benson Mater (Nata des editires!, (1) — Met, B, 2, 1087 9 20-21; of., também KK, 8, 105,045, que repete, Hteralmen- to, a mesma afirmacio. (2) — Cf. Sea. T a0 (too a capituta), (4) — Thid., 8% baraz (4) — Cf, ibid., 1.22.25, Cr. também, no mesmo sentido, Ret. 1, 2, 1957 a 27-80. (3) — Gf.'Seg. Anal, TL, 12, 96 29-19, =i caracterizado pela Metafisica, nao somente por oposigéa ao ne- cessdrio, mas, também, ao Ireqiiente: é aquilo que, pertencen- de a um sujeito, nem Ihe pertence por necessidade, entretanto, nem na maior parte das vézes (- 6 -). SerA um acidente, por exemplo, o frio, durante a canicula, em que o tempo quente e séco & freqiiente (- 7 -). Natural 6, pois, que nes ocorra perguntar como pode a teoria aristotélica da ciéncia, sem incorrer em contradic&o, re- servar um lugar para 0 ds én r4 road, mediante o que, 4 pr.meira vista, se configura como uma estranha concessio ao mundo da eontigéncia? Pois o que é “no mais das vézes", nao sendo si nem necessdriamente, nao pode, também, ser de outra maneira? Mas sabemos que o ébexduevov dAdos dyew € objeto de opiniac e& nao, de ciéncia, uma yez que se nfo concebe uma ciéncia que possa transformar-se, pela instabilidade de seu objeto, capaz de ser e de nao ser, em conhecimento falso e ignoranelia (- 8 -). Compreenderemos, por certo, sem dificuldade, que a nogéo de ws dwt vi odd ver permitir ao conhecimento fisico de nosso mun- do sublunar (- 9 -) transformar-se em cléneia, se recordamos a polémica aristotélica contra es que postulam uma necessida- de absoluta para os eventos naturals (10), sua teoria do acaso natural (+8 aéréyaror) (11), Sua constante doutrina de que “tédas as coisas que se produzem naturalmente produzem-se au sem- pre da mesma manecira ou na maior parte das vézes (ie én rb wot) "(12). E nao nos adverte o tratado das Partes dos Animais sobre a impossibilidade de reduzir ao eterno a necessidade das demonstragdes que concernem ago que se produz naturalmente (13)? Se a nocio de as éxt rh aot se destina, entao, ao que tudo indies, a de algum moda salvar, contra Platio, o devir para a ciéneia, nao nos sera, também, necessdrio confessar, entretanto, — que o filésofo © consegue ao prego de uma contradiefo ou, ao menos, de uma grande cbscuridade? E os silogismmos de uma tal ciéncia da natureza pareceriam assimilar-se aos entimemes retéricos, a maioria dos quais concernem ao simples freqtiente 16) — Cf. Met. 4, 20, 1025 aL-16; E, 2, 1025 HOL39; TE, 8, 1068 alt) adima, 0.039 déste capitulo. (7) — Cf, Met. m2, 1026 b3385. (si acina, pp. 5-8, (4) — Para a distingio, tornada famesa, entre o sublunar ¢ o supralunar, of. Meteor, 1. 3, 30 b6-7; 4, 342 a 40, (io) — Of Fis, Il ae, (11) — Que Aristoteles expde, juntamente com o problema da sorte’ (ejyy), em Fis. IL, 4-6. (12) — Ger, e Por, I, 6 833 B46; of., também, Fis, Tf, 6, com., 16 bLO-11; 8 198 b#4.36; etc. (13) — Ce. Part, Anim. 1, 1, 639 B30 deg. os (as ért ra maAd) (14); 0 que € 0 “provavel” (eeds) da retérica se- nao o que se produz na maior parte das vézes (15)? Compreendemes, entéo, que se possa ter falado dessa “es- tranha nogéo de és gi 7) moat”, em Aristoteles (16), que se tenha tomado a “curiosa nogio de dy éxt ro sok” (17), como uma das significagGes que, obscuramente, o univers: Tistoté: me, evidenciando a profunda hesitagio de fildsofo sdbre o pa- pel da repeticio, da enumeracdo na constituigio da ciéncia (18), que o leva, malgrado a rigorosa doutrina dos Analiticos, a conceder que “a ciéncla nao consiste sémente em penetrar ra- z6es necessdrias” (19). E fica-nos claro, também, como se pode dizer que as fronteiras entre a émenjeq ea Sééa permanecem mal definidas, no aristotelismo, encontrando-se, no fate de a distin- cao estabelecida pelo filésofo entre o necessario e o contingen- te dizer, também, respeito ao objeto material, “a fonte das obscuridades que sua doutrina encerra” (20), Busquemos, no entanto, antes de postular o earater insolivel da aporia, exa- minar mais de perto o és él ri wed’ aristoiélica, Porque nada nos garante que a aporia nao seja mais aparente que real, se é certo que a mesma mengio, nos Segundos Analiticos, do fre- qiiente, ao lado do necessario, como objeto de ciéncia, pede, também, sugerir-nos que nao vin, nisso, o fildsofo uma dificulda- de qualquer de ordem doutrinaria. Todo 0 problema consiste, precisamente, em esclarecer qual a exata natureza das relagdes a necess'dade, a contigéncia e a “freqiéncia”, no pensamento de Aristételes. Ora, ao tratar da questia de ser, como acidente, expde-nos a Metafisica (21) que, como alguns séres sfo sempre e necessa- riamente e outros #4 ariamente nem sempre, mas na maior parte das vézes (is éxt ro wodt), “Sste do principio e esta, a causa de haver acidente” (22), ja que dizemos acidente 9 que nao é sempre nem no mais das vézes, Que haja acidentes, entao, nao é mais do que uma conseqiiéncia necessaria de nem tudo ser ou devir de modo necess4rio e sempre, mas dea maionia, mesmo, das coisas, no mundo que nos cerea, dar-se APENAS ths éxt 76 od (23). Se atentamos bem no que nos diz o texto, peree- (14) — Cf. Rot, 1, 2, 1367 930-327 O15) — Gf, thid., 1.34: Prim, Anal. IL, 27) com. 70 02-8. (18) — Gf. Hamelin, Le sysiéme déristote, p. 126, (17) — Gf, Le Blond, Logique et Métode (18) — Cf. Le Blond, Logique et Métode (19) — Cf, ibid., p. BO. (a0) — Cf". Manslan Le Jugement d’existence,,., p. 123, (21) — Cf, Bet. EB, 2, 1026 ba? seg. (22) — Thid., 1.3031. (3) — Ch. ibid, 1027 ana, ee Thien cehemos, pois, que o acidente é posto conjuntamente ao neces- sdrio é ao freqiiente, isto é, que se associa o freqtiente ao neces- sdrio, quando se considera a ocorréneia de eventos fortuiti Por outra lado, niio se inva como explicagéo do acidente, uma mera auséncia de necessidade, mas uma substituigie do fre- quente ao necessdrio, no que diz respeite A maioria das coi- sas no mundo do devir, Se “freqiiente” e acidente ocupam com- plelamente o lugar deixade vago pela auséncia do necessdrio e do eterno, vemos, também, que é a “freqtiéncia’, por assim er, que “faz as vézes” de uma necessidade que nao se verifi- ca, Ea seqtiéneia do texte (24) vai esclarecer-nos que a matéria — a causa de assim substituir-se a freqiiéncia a necessidade e de sugerir, por consepuinte, © acidente. JA conheciamos a matéria como capaz de ser e de ndo ser (25), mas nosso texto descrevé-la-4, agora, como “capaz de ser de outra maneira que nao como é no mais das. vézes” (26). Assim, o poder-ser-de- oulra maneira da matéria, por que se caracteriza a contigéncia, vem, em nosso texto, explicar q acidente e nao prdpriamente, o freqiiente; poder ser de outra maneira é poder ser diferente do frequerte, explicande, nig por que ecorre a freqiiente, mas por que nfo é senfio freqiente e no é sempre que ocorre. Se, num certo sentide, portanto, é correto dizer que o “fre- qiiente”, pelo fato, mesmo, de nao ser necessdrio, é sdmente um possivel, nfo o diremog no mesmo sentido em que a di- zemos dos eventos acidentais, por que a matéria é reponsavel. Distingio de sentidos que se impde que os Primeiros Analitico: nos propéem explicitamente, ao mostrar-nos (27) que se diz fbyeaha (ser possivel) em duas acepedes, o adydmerov (literal mente: o possivel) designando, segundo a primeira delas (28), o que se dé na maior parte das vézes (as és) ré wo’), aa falhar ao necessirio (Amie ri dswyxator), como, para o homem, o enea necer, 0 crescer ou o deperecer 6, em geral, o que pertence na- turalmente a uma coisa (16 weiryde Grdyer (29). e, num segun- do sentido (30), designando “o inderteminado (adpusov), 0 que é capaz de ser tanto assim como 140 assim”, como, por exemplo, para um animal, o caminhar ov o haver um terremoto, quan- (24) — CE. Met. EB, 2, 1027 ala.25, (25) — Cf., acima, p. 5 ¢ m. 28. E, come diz Met, Z, 7, 1032 a8022: “Tedns as coisas qne se produzem on pela natureza ot pela arte tem matérla; de fato cada uma deltas @ capax tanto de ser como de nda ser e isto é a matéria (26) — Met m2 Ina? attas eh 2 Ru — Met. F, 2, 1027 alt15: dSevoudyn a st sy ARRie (82) — OF, Brisa, Aunt, Jr 14, BF abies) ee TO Ms Ee ah stold Thing (28) — Gf., ibid.) 1, S40, (29 — Cf. ibid., 1, 7-8: ef., também, 3, 25 bi415 (30¢ — Cf, Prim, Anal, £ 32 010-13.

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