Você está na página 1de 6

Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?

n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=155<, acessada no dia 04 de


agosto de 2009.

Ética utilitarista de Jeremy Bentham


Fabio Brych

INTRODUÇÃO

O jurista Jeremy Bentham preferiu o estudo da teoria do Direito em lugar de exercer a


profissão de advogado. Além disto, era economista e filósofo que chefiou um grupo de
pensadores ingleses, entre os séculos XVIII e XIX, que ficou conhecido como grupo de
radicais filosóficos ou “utilitaristas”. Seus componentes pregavam por reformas
políticas e sociais, entre elas uma nova constituição para o país, que foi alcançado no
ano da morte de Bentham.

“A primeira lei de natureza, para Bentham, consistiria em buscar o prazer e evitar a


dor, sendo necessário para alcançar tal escopo que a felicidade pessoal fosse
alcançada pela felicidade alheia. (...) A solução para encontrar a cooperação entre os
homens, ele a aponta na e identificação de interesses, factível através da atividade
legislativa do governo”.[1]

Os membros desta corrente trabalhavam em vista do mesmo fim, e assim seus


componentes uniram-se na reverência a seu mestre: Jeremy Bentham. Estes “radicais”
propuseram uma modificação no panorama filosófico e científico. As teorias defendidas
em comum e aplicadas a vários campos, tanto no social como no humano formaram
uma doutrina que se sobrepôs às escolas cartesianas e kantianas, pensamento
predominante na época.

OBJETO

O ponto de partida de sua doutrina foi seus estudos sobre a ciência do direito,
concentrado no jusnaturalismo. Sua teoria dizia que o pacto entre os membros de uma
sociedade deveria necessariamente ser feito um contrato anterior (original). Partindo
desta premissa, sustenta que se a autoridade suprema não cumpre suas obrigações para
com os súditos, ainda assim a obediência deve prevalecer.

“Se a justiça é, falando em sentido estritamente jurídico, o comportamento não


arbitrário imposto mediante o sistema legal positivo, e então a justiça se funda na
utilidade, posto que não há nada mais útil para a conservação da coesão social e para
o desenvolvimento da vida coletiva que a conduta não arbitrária (no fundo, a teoria de
Hobbes e Hume”).[2] A doutrina constituída acerca do direito natural dizia ser
insatisfatória, e por duas razões: diante da não possibilidade histórica de constatar a
existência de tal contrato; e mesmo provando ser verossímil isto, ainda permanece a
pergunta sobre por que os homens são obrigados a cumprir compromissos em geral. Sua
visão, as únicas respostas possíveis são as vantagens que o contrato proporciona a
sociedade.

Para Bentham o cidadão deveria obedecer ao Estado na medida em que a felicidade


geral viria como sua contribuição (obediência). Esta felicidade geral ou interesse da
comunidade em geral, seria como “uma equação” hedonista, isto é, uma soma dos
prazeres e dores dos indivíduos. Assim, a teoria do direito natural é substituída pela
teoria da utilidade, e o principal significado dessa transformação é a passagem de um
mundo fictício para o mundo dos fatos (real). É no mundo empírico, afirma Bentham,
que é possível a verificação de uma ação ou instituição, sua utilidade ou não. O direito
de livre discussão na crítica é constituída pelo que é necessário em primeiro plano.

PARADIGMA

Note-se que Jeremy Bentham não se deteve somente à análise teórica das idéias sobre o
homem como ser social e moral. Toda a sua estrutura doutrinária procurou a
aplicabilidade prática, dedicando-se a concepção da legislação de acordo com princípios
naturais no ser humano, buscando a codificação das leis com o intuito de tornar
acessível por qualquer pessoa.

Em sua obra intitulada “Introdução aos Princípios da Moral e da Legislação” teve como
principal objetivo materializar seu principal ponto de vista com uma grande carga
axiológica. Bentham expôs de maneira pormenorizada efetiva aplicação do princípio da
utilidade, como fundamento de toda a conduta social e principalmente individual.
Inicialmente, se verifica a indagação dos sentimentos em uma escala de preferência,
onde o valor atribuído é levado em consideração o prazer que oferece nas circunstâncias
geradas. Na parte subseqüente do livro, são expostas outras opções que poderiam
induzir o homem a promover ações criadoras de felicidade (os castigos e recompensas),
adicionado os motivos determinantes e seus respectivos valores morais.

Bentham em sua trajetória contou com a colaboração de vários seguidores do


utilitarismo, formando uma escola de renovação de idéias. Entre estes, estavam o
filósofo James Mill e seu filho John Stuart Mill.

ESSÊNCIA DO UTILITARISMO

O entendimento da teoria proferida por Bentham e sustentada por seus seguidores era
que para a interpretação da norma deveria levar em consideração os efeitos reais
produzidos. A qualificação dos efeitos teria como base a utilidade, sendo o bom aquilo
que traz prazer e mau, o que causa dor. Complementando esta frase, sob o prisma social
bom e justo é tudo aquilo que tende a aumentar a felicidade geral.

”O universalismo &eacutetico, ou o que se chama habitualmente utilitarismo, sustenta


a posição segundo a qual o fim o último é o maior bem geral - que um ato ou regra de
ação é correto se, e somente se, conduz ou provavelmente conduzirá a conseguir-se, no
universo como um todo, maior quantidade de bem relativamente ao mal do que
qualquer outra alternativa; é errado o ato o regra de ação quando isso não ocorrer e é
obrigatório, na hipótese de conduzir ou de provavelmente conduzir a obtenção no
universo, da maior quantidade possível de bem sobre o mal[3]

Para quantificar as vantagens e desvantagens foram criadas teorias sobre o método


valorativo e causa social, evidenciando que a função do jurista seria então calcular as
vontades lícitas, levando em consideração as fórmulas para conciliar os interesses
individuais formando um só coletivo.

Seu ponto de partida foi a crítica ao legalismo da escola analítica de jurisprudência[4],


pois o lema é a maior felicidade para o maior número de pessoas. Tal é a ética
hedonista, justamente o que proporciona prazer é bom e evitar o sofrimento, é este o
objetivo do utilitarismo.

SUA FILOSOFIA

Acreditou que uma melhoria gradual do nível de instrução da sociedade, os povos


seriam mais corretos acerca da decisão em escolher a base do cálculo racional para seu
próprio benefício em longo prazo, e conseqüentemente tomar a decisão mais justa que
tendesse cada vez mais a promover a felicidade geral.

Nesta linha de pensamento, as leis devem ser socialmente úteis e não meramente para
refletir algo abstrato. Acredita que quando os homens perseguem o prazer e evitam a
dor, Bentham chamou esse procedimento de “a true sacred” (uma verdade absoluta).

Supôs ainda que toda a moralidade poderia ser derivada do “self-interest enlightened”
em que uma pessoa que agissem sempre com vista a sua própria satisfação máxima ao
longo prazo agiria sempre conforme o direito.

MÉTODO QUANTITATIVO “CÁLCULO” - "HEDONIC CALCULATION"

Como dito anteriormente, o método designado para definir a quantidade (valor) das
condutas foi dado o nome de “cálculo”. Apesar do termo, que não está muito distante de
uma fórmula matemática, de onde consiste em uma engenhosa classificação das
espécies de ações, uma valoração de cada ato praticado por cada membro da sociedade.

“Mas o cálculo dos efeitos ou conseqüências não é uma tarefa fácil, ainda que se faça
com unidades numéricas, como pretendia Bentham nos seu famoso “cálculo
hedonista”, no qual as unidades de bem eram unidades de prazer.”[5]

ÉTICA
Este conjunto de padrões morais depende da sua obrigação - indivíduo - em relação a si
mesmo. No momento em que se constrói um sólido conjunto normativo, teremos a
capacidade de afetar a felicidade de outros que nos rodeiam: “A ética privada tem por
objetivo a felicidade, sendo este também o da legislação. A ética privada diz respeito a
cada membro, isto é, à felicidade e as ações de cada membro, de qualquer comunidade
que seja; a legislação, por sua vez, tem a mesma meta”[6]

O segundo passo é a harmonização da ética privada. Quando há compatibilidade de


felicidades individuais, estaremos diante de um objetivo comum. Convertendo este
saldo positivo, nos encontramos no âmbito máximo da conveniência coletiva.

MORAL X MORALIDADE

Tanto o conjunto de princípios, valores e prescrições que os homens, de uma dada


sociedade, consideram validos como os atos reais em que aqueles se concretizam ou
encarnam. É necessário ter sempre presente a distinção entre o plano puramente
normativo (o ideal), e o factual (real ou prático), estabelecendo dois termos para
designar respectivamente cada plano: moral e moralidade.

A moral seria a designação de um conjunto de princípios, normas, imperativos ou idéias


morais de uma época ou de uma sociedade determinada, ao passo que a moralidade se
refere ao conjunto de relações efetivas ou atos concretos que adquirem um significado
moral com respeito a “moral” vigente.

A finalidade da ação humana é um “padrão” de moralidade. Por sua vez, a moralidade é


estabelecida como sendo as regras e preceitos norteadores da conduta humana que
venha a ter efeitos perante a comunidade, considerando seu conjunto de interesses
individuais.Podemos então afirmar que a diferença entre a moral e moralidade
corresponde assim àquela indicada entre a norma e o fato e, como esta não pode ser
negligenciada. a tendência é da moral transformar-se em moralidade, pois a exigência
da realização na essência do próprio normativo; a moralidade é a moral em ação, a
moral prática e praticada.

Contribuição de John Stuart Mill

“A utilidade ou o princípio da maior felicidade, como fundamento da moral, sustenta


que as ações são certas na medida em que elas tendem a promover a felicidade e
erradas quando tendem a produzir o contrário da felicidade. Por felicidade entende-se
prazer e ausência de dor, por infelicidade, dor e privação do prazer”.[7]

A diferença para Bentham na sua exegese é a definição exata do termo “felicidade”,


para Stuart Mill o prazer não se restringe ao quantitativo do comensurável pela duração
e intensidade. Ainda este quantitativo dos prazeres inferiores e superiores estão
presentes não apenas no racionalismo à maneira de Bentham, mas as percepções da
alma humana realçada pelo romantismo. O fundamental é a afirmação da capacidade do
ser humano de exercer a liberdade, escolhendo e decidindo entre o bem e o mal.
Escolhendo entre aquilo que é certo ou errado, o utilitarismo não configura a análise do
ser virtuoso, mas aquilo que ele faz ou deixa de fazer. Esta teoria teve um forte impacto
nas decisões coletivas, pois buscou em gravar um sentido de direção voltado para o
bem-estar da sociedade. E por esta razão, desde a gênese do utilitarismo idealizado por
Bentham esta “escola” está vinculada ao reformismo e o progresso. Toda sua estrutura
está voltada a eliminar os males, a começar pelo sofrimento. Aparentemente o critério
se constitui a base da teoria utilitarista não é a felicidade individual nas a multiplicação
da felicidade na maior amplitude possível.

JUSTIÇA SOCIAL

Diante do conceito comum do bem e do mal, é necessário um juízo de valor que possa
efetivamente abranger todas as condutas individuais, classificando-as e definindo a
graduação perante o conjunto social. O utilitarismo utilizando o clássico critério
“meritório” na justiça, que aparece em Aristóteles. “De acordo com este ponto de vista,
o critério do mérito é a virtude, e a justiça consiste em distribuir o bem (felicidade)
tendo em conta a virtude.”[8] Sob uma segunda visão, igualitarista (que surge na teoria
democrática) onde o ser é considerado abstratamente, independentemente de suas
particularidades. Por fim, a terceira corrente é a contribuição do conceito marxista: “de
cada um, de acordo com sua capacidade; a cada um, de acordo com suas
necessidades”.

Na busca do ideal de justiça, sua teoria também colocou algumas responsabilidades para
o Estado. A primeira obrigação consiste em não deixar povos sofrerem necessidade. Isto
significa de garantir um nível de subsistência mínima, renda para assegurar a
sobrevivência de todos os cidadãos e a provisão da segurança aos indivíduos.

A segunda obrigação estatal é incentivar a abundância, de riqueza e a população. Se a


riqueza for constante, a seguir uma população mais grande reduzirá a riqueza per
capita. Entretanto, Bentham acreditou que uma população abundante é necessária para a
defesa. Em toda a taxa, pelo princípio de diminuir a utilidade “marginal” e soma direta
da utilidade, uma população grande embora pobre pôde ter "uma utilidade agregada
mais elevada" do que uma população pequena e abastada.

A terceira obrigação é a igualdade dos meios. Pelo princípio de diminuir a utilidade


marginal, uma determinado percentual de felicidade contribui menos para a utilidade de
um homem rico do que faz a um pobre. Conseqüentemente, a localização da renda para
determinar a igualdade é por mais desejável que a perda de serviço público dos ricos
seja mais do que compensada pelo ganho de serviço público dos pobres.

CONCLUSÃO

A teoria do utilitarismo visa a maior felicidade, não do próprio agente, mas a maior
felicidade ao maior número de pessoas envolvidas "the greatest happiness for the
greatest number". Também é defendida a nobreza de caráter, avaliada e classificada de
acordo com extensão de seus efeitos ao bem comum.
O comportamento moral manifesta-se na forma de hábitos e costumes. O objetivo do
estudo foi a influência deste fato na confecção da legislação, desde a motivação, sua
vigência e eficácia (efetividade). Insistindo que os indivíduos são os melhores juizes de
sua própria felicidade, Bentham teve uma tendência automática em optar pelo ideal da
não interferência por parte do governo. Entretanto, reconheceu que as ações individuais
de um indivíduo implicaram freqüentemente na felicidade de outro e que os indivíduos
não podem ter o incentivo ou a habilidade de coordenar as ações que melhoram a
utilidade agregada.

Referências bibliográficas
BACQUE, Jorge A. Derecho, filosofia y lenguaje. Buenos Aires: Astrea, 1976
BENTHAM, Jeremy. Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1979.
DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução a ciência do direito. 9. ed. São Paulo:
Saraiva, 1997.
FRANKENA, Willian K. Etica. Rio de Janeiro : Zahar, 1969. 143p. (Curso moderno de
filosofia). Traducao de Ethics.
FREITAS, Juarez. As grandes linhas da filosofia do direito. Caxias do Sul: UCS, 1986.
MILL, John Stuart. O utilitarismo. São Paulo: Iluminuras, 2000.
SANCHEZ VASQUEZ, Adolfo. Ética. 14. ed. Rio de Janeiro: Civilizacao Brasileira,
1993.

Notas:

[1] FREITAS, Juarez. As grandes linhas da filosofia do direito. Caxias do Sul : UCS,
1986. p.44
[2] BACQUE, Jorge A. Derecho, filosofia y lenguaje. Buenos Aires: Astrea, 1976. xvi,
235p. (Coleccion mayor. Filosofia y derecho, 3). p.123
[3] FRANKENA, Willian K. Etica. Rio de Janeiro : Zahar, 1969. 143p. (Curso
moderno de filosofia). Traducao de Ethics. p.30-31
[4] Juristas dos países onde o sistema judiciário é o common law, especificamente
criado por Austin e Salmond, vieram a admitir o fetichismo dos textos e a função
mecânica da atividade judicial, induzindo a adoção de processos lógico-analíticos na
integração aplicação e interpretação do direito costumeiro e do direito derivados das
decisões da Corte da chancelaria.
[5] SANCHEZ VASQUEZ, Adolfo. Ética. 14. ed. Rio de Janeiro : Civilizacao
Brasileira, 1993. p. 174
[6] BENTHAM, Jeremy. Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1979 p.65
[7] MILL, John Stuart. O utilitarismo. São Paulo: Iluminuras, 2000. Tradução de: The
utilitarism. p.49
[8] FRANKENA, Willian K. Etica. Rio de Janeiro : Zahar, 1969. 143p. (Curso
moderno de filosofia). Traducao de Ethics. p.62

Você também pode gostar