José P au l o N et t o
Editora UFRJ
Rio de Janeiro
2008
COLEÇÃO PENSAMENTO CRÍTICO
Títulos publicados:
Jacques Texier
4. Por um socialismo indo-am erican o
José Carlos Mariátegui
Seleção e introdução Michael Lowy
5. Dialética e materialismo: M arx entre Hegel e Feuerbach
Benedicto Arthur Sampaio e Celso Frederico
2a. edição
6. Sociedade civil e hegemonia
Jorge Luis Acanda
7. Gramsci, materialismo histórico e relações internacionais
Stephen Gill (org.)
8. Roteiros para Gramsci
Guido Liguori
9. O jovem Marx e outros escritos de filosofia Gyõrgy Lu kács
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ISBN 978-85-7108-329-5
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(21) 22 95 -15 95 r. 124 a 127
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Apoio
M arxism
filosofia
eo 23
Estadoatualdoproblem a(anticrítica) 83
Aconcepçãom aterialistadahistória 123
dialética
A de
M arx 147
A dialética materialista 153
.
1
Karl Kors ch nasceu em Todst ed, pe rto de Ham bu rgo , em 15 de
agosto de 1886. Fez estud os de d ireito, filosof ia e eco no mia em várias
universidades (Munique, Berlim, Genebra), até doutorar-se em di-
8♦ J os é Pau l o N etto
2.
anos 1920socialista
revolução - dil ema no
funda m entalm
Ocidente (maisente determ inado
exatamente: pelo f racasso
na Alemanha) e da
pelo conseqüente in sulam ento do pro jeto revolucio nário na Rússia
dos s ovietes, insulam ento que responde, em grande m edida, pela de
generescência stali nista.
10 ♦ J os é Pau lo N etto
cionista
lução comdo oprocesso histórico,
lógico, natu de que de resultado
ral e inevitável rivava da
um dinâ
a projeção da revo
mica capital ista.
Ar quitetura ideal e prática pol ítica es tavam aqui m edular mente vincu
ladas: o materialismo mecanicista em que assentava a concepção
teórica (que form alm ente se intit ulava e se prete ndia “dialéti ca”) fun
dava um a prática polít ica (qu e, também form alme nte, s e apresentava
com o “revo lucion ária”) de es pera pe lo dia D em que u m a crise econô-
mico-social de monta levaria à ruína necessária do Estado burguês.
A Revolução de Ou tubro e a con juntu ra revolucionária eu ro
péia (Alemanha, Itália, Hungria) - dois momen tos de um mesmo p ro
cesso —revelara m, com nitid ez cristalina, a com ple ta inép cia da versão
kautskiana do pensam ento marxist a e a incapacidade da orientação
política dom inante na Segunda Internacional, co nectad a àquela v er
são, para dirigir a ação revolucionária proletária. O fluxo revolucio
nár io socialista, que v ai em crescendo até 1920- 1921 e re flu i em 1923,
qu an do se registra a de rro ta da revolução ale mã, cria a s condições para
um mo vim ento de crític a rad ical ao marxism o vulgar, de que a pro du
ção mais
efeito, representativa
a colocaçã da m
o, pelo Segunda Internacio
ov im en to das c lassesnalsociai
era exemplar . Com
s, da revolu ção
soci alista proletária na ord em do dia instaura as condições histórico-
sociais par a o re sgat e da inspiração teórico-re volu cion ária m arxiana.
Este resgate implicava , todavia, condições tam bém de natu reza
estritam ente teóric a - em esp ecial, e como prelim inar, o expurgo da
con tam inaçã o n aturalista-positivista que viciava a vulgari zação m ar
xista; para tanto , tornava-se imperativa a restauração da dime nsão d ia
lética, componente estrutural do legado marxiano e herança (assu
mid a criticam ente p or Marx) de He gel. Ora, poucos eram os teóricos
que, f orm ados n o eixo da Se gunda Internacional, dispu nh am da cul
tura teóri co-filos ófica indi spen sáve l para um a em presa de tal porte "
(situação agravada pel o caráter até então inédito de textos marx ianos
que pod eriam estimular diretamente a pesquis a nesse sentido). A pa r
te Lenin ,12os pens ador es mais do tado s que, com níveis de consciência
A pres ent ação ♦ 11
3.
4.
um a tend
sadas ência
no ab perceptível
andon há décad
o da dialética as, tinh
materi ali staa raíz
d e Mesarx-Engel
t eórica s, co
s - nd en
aban
do no devido à incompreensão, própria do marxismo vulgar, da relação
entre a ciência fund ada pelos doi s pensad ores e a filosofia.
Com a revolução na ordem do dia (1917 = “prólogo da revo
lução mundial”), a problematização desenvolvida por Korsch, sem
14 ♦ J os é Pau lo N etto
sub estim ar seu nível teórico, é medu larm ente polític a: trata-se de ade
qu ar a teoria do prole tariado à sua pr áxis, que, nest e m om en to, é práxis
política revolucionária. Mais : trata-se de fazer a teoria con stituir-se co
mo se co nstituiu srcinalmente em Marx-Engels - com o expre ssã o
(teóri ca) do mo vim ento re volucionário do proletariad o. E a condição
eleme ntar para tan to cons iste em trazer à teoria a dialética que, po sta a
atualida de da revolução, estava no p rime iro plano da realidade his tó
rica. Se já se dete rm inara qu e não há políti ca revo lucion ária sem teo
ria rev oluc ion ária,19em Kors ch se determ ina q ue o caráter rev olucio
nário da teori a est á hipotecado ao se u méto do /con teúd o dialético - e,
para garantir este caráter, a ciência fundada por Marx-Engels ainda não
prescinde da filosofia (de uma filosofia determ inada), ainda (quando a
revol ução m un dia l está no seu “prólog o” - depois tudo se transform a
5.
ção
ad qutí irir
picau dian te dos
m certo seu s problemas
significado fu . ndam
histórico entais,
Esse era el acreio
o caso, aindahoje,
p odia
de
História e consciência de classe”.27A notação cabe , como u m a luva, tam
bém para Marxismo e filosofia: para além de seus méritos singulares
(configuradores da sua seminalidade), o ensaio korschiano de 1923
dispõe da representatividade que só as raras obras, e os raros autores,
que protag onizaram o dil ema da ruptu ra teóri ca e prática com o mar
xism o vulgar possuem - e po r est a representatividade e pe la persi s
tência do dilema vale a pena ser lido.
6 .
A presente tradução de Marxismo e filosofia não é a primeira
em portug uês: há m ais d e trin ta anos, est a obra de Korsc h teve um a
edição lusita na, desde m uito esgotad a.28
A pres ent ação ♦ 17
dúvida s permanecem seminais para todos aque les que se con frontam
com a sociedade do capital e, neste confronto, querem valer-se do
acervo da tradição marxista.
Notas
2 No
bémlongo discurso inaugu
ao italiano ral deinZititu
A. Bordiga) noviev,
la -s e esta parte
“A lu (que reser
ta contr vava-eatsqaques
a o ‘ultra uerdtam
is m
o’
e o revisionismo teórico”; toda ela encontra-se reproduzida em Peter Ludz,
org., Georg Lukács: Schriften zur Ideologie und Politik (Newied-Berlim:
Luchterhand, 1967, p. 719-726).
3 Redi gido provavelmente en tre 1925 e 19 26, o m aterial refer ido só ve io à l uz
postum am en te (em 1996), sendo vertido ao inglês pouco depois - ver G. Lukács,
A Defense o/History and Class Consciousness. Tailism and the'Dialectic (Uma
defesa de História e consciência de classe. Reboquismo e dialética) (Londres:
Verso, 2000). A visão retrospectiva do teórico hún garo sobre História e cons
ciência de classe e a sua cuidadosa autocrítica podem ser lidas especialmente
no texto que escr eveu em 1967 para a primeira reediçã o autorizad a da obra -
disponível em G. Lukács: História e consciência de classe (São Paulo: Martins
Fontes, 2003) -, mas há também elementos pertinentes em G. Lukács, Pensa
mento vivido. Autobiografia em diálogo (São Paulo: Ad Hominem; Viçosa:
Editora da Universidade Federal de Viçosa, 1999).
4 A part ir de fi nais dos anos 1960, a divul gação de t extos de Ka rl Kor sch (m ui
tos deles até então praticamente inacessíveis, ademais de outros inéditos) veio
crescendo; as edi ções mais autorizada s são a s que, nos volu me s da sua Gesam
tausgabe, faz a Europäische Ver lagsa nstal t (F rank furt) desde 1980. Paralela
me nte, a bibli ografi a sobre ele regis trou notável aum ento - os tít ulos têm se
mu ltiplicado, n a Euro pa e nos Estado s Unidos. As poucas indicações segui ntes
podem oferec er ao le itor interess ad o várias fontes para ava nçar no conheci
mento do autor:
a) textos dedicados especialmente a Korsch: C. Pozzoli (org.), Über Karl Korsch
(Frankfurt: Fischer, 1973); P. Goode, Karl Korsch: A Study in Western Marxism
(Londres: Macmillan, 1979); M. Buckmiller (org.), Z ur A ktu alität von Karl
Korsch (Frankfurt: Europäische Verlagsanstalt, 1981);
A pres entaçã o ♦ 19
Rem em orand o o clima polít ico da época, Lukács obser vou: “Considero essen
cial o fato de que éramos todos sectários messiânicos. Acreditávamos todos
na revol ução mu ndial como n um fato par a acontec er aman hã” ( Pensamento
vivido..., ed. cit., p. 77).
A crítica de Lukács, muito mais desenvolvida do que a de Korsch, foi publi
cada no Archiv de G rünberg (n. 11, 1923), e pode ser lida em An tonio Roberto
Bertelli (org.), Bu kh árin, teórico marxista (Belo Horizonte: Oficina de Livros,
1989, p. 41 e ss.). Recorde-se que Gramsci também criticou o mesmo livro de
Bukh ári n - ver A. Gramsci, Cadernos do cárcere (Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1999, v. 1, p. 114 e ss.). Por outro lado, não se esqueça o juízo de
Lenin sobre o autor, anotado antes da publicação do Tratado...: “Bukhárin
não é somente um teórico muito valioso e importante do Partido; [...] mas seus
conceitos teóricos só podem ser classificados de plenamente marxistas com grande
reserva porque há nele algo de escolástico (nunca estudou dialética e, penso, nun
ca a entendeu de todo)” (trecho do “testamento” de Lenin, com itálicos não
srcinais). Ver Antonio Roberto Bertelli, Capitalismo de Estado e socialismo. O
tempo de Lenin. 1917-1927 (São Paulo: IPSO-IAP, 1999, p. 87).
E - faça-s e a necessár ia justiça ao auto r - Korsch, com o verifi cará o leitor
desta obra, jamais ignorou essa diferença.
Um dos analistas que mais enfatizou este ponto crucial foi Sánchez Vázquez
(ver o seu prólogo a M arx ismo e filosofia, citado na nota 4).
Lenin, já em Que fazer?, an otara que “sem t eoria revoluci onária não p ode ha
ver também movimento revolucionário” (ver Obras escolhidas em três tomos.
Lisboa: Avante!; Moscou: Progresso, 1977, v. 1, p. 96-97).
A observação sobre a matemática está num texto que precede a elaboração
de M arx ismo e filo so fia (ver, infra, o capítulo “A concepção materialista da
história”, de 1922); quanto à filosofia, como Korsch nota depois da publi
cação de M arx ismo e filosofia, no comunismo ela não será mais que “um
pon to de vista ultra passado” (ver, infra, o capítulo “A dialética m ate rialista”,
de 1924); há plena continuidade entre essas considerações e o núcleo teó
rico de M arx ismo e filosofia.
Há diferenças entre a apreciação de Korsch sobre a filosofia de Hegel em
M arx ism o e filos ofia e aquela que ele enuncia após a Segunda Guerra Mun
dial, expressa n um as sum árias “T eses sobre Hegel e a revolução” (rep roduz idas
no número 16, de 1959, da revista parisiense Arg uments).
Ver, infra, o capítulo “A dialética de Marx”.
Quanto a isso, é flagrante a diferença, que já sugerimos, entre Marx ismo
e filosofia e História e consciência de classe.
Assim, aquele que, no texto de 1923, aparecia como “fiel discípulo de Marx”,
o “arguto crítico”, “o cérebro da revolução proletária na Rússia” etc., surge
agora, na “ An ticríti ca”, quase com o u m delinq üen te filosóf ico. Mas o ressen
timento que brota dessas páginas, publicadas na segunda edição (1930) de
22 ♦ J o sé P aulo N etto
Marx ismo e filosofia, não deve obscurecer o fato de que o Lenin de M ate
rialismo e empiriocritidsmo merece críticas substantivas.
25 M inimizaçã o e vidente, por exemplo, na segunda das sua s “Dez t eses sobre
o marxismo hoje” (igualmente publicadas em Argum en ts, cit., supra, na nota
21), que reza: “Todas as tentativas para restaurar a doutrina marxista como
um todo e em sua função srcinal de teoria da revolução social da classe ope
rária são atualmente utopias reacionárias”. Mas cumpre observar que Martin
Jay, em nota ao seu M arx ism & Totality (cit., p. 147), remete a uma entre
vista de Hedda Korsch, concedida a New Left R eview (n. 76, Nov.-Dec. 1972),
segundo a qual Korsch nunca rejeitou completamente o marxismo.
26 E. Ho bsbaw m. Revolucionários..., ed. cit., p. 162. Outro marxista, o já citado
Sánchez Vázquez, mesmo observan do que o Kor sch dos último s anos esta va,
com o pensador, em “ruínas” , cons ider a, ao con trário, que m uito da crític a kors-
chiana “não perdeu a sua validez em nossos dias” (ver o prólogo citado na
nota 4, p. 13 e 18).
27 G. Lukács. História e consciência de classe. São Paulo: Martins Fontes, 2003,
p. 28-29.
28 K. Korsch. M arx ismo e filosofia. Porto: Afrontamento, 1977, tradução de
António Sousa Ribeiro.
25 Ob serva o respo nsável pela versão francesa que, em Marx ismo e filosofia, “o
pensam ento só se deixa apre ender através de frases in te rm in áveis, nas qua is
a proliferação de advérbios, adjetivos e qualificativos de todas as espécies e
a repeti ção exce ssiva dos t erm os co nstituem, de q ualqu er m odo , o preço dos
esforços do autor para conferir a mais exata expressão à nuance mais sutil”
(K. Axelos, cit., p. 18). E anota outro conhecedor da obra de Korsch: “O estilo
tumultuado de Korsch torna por vezes difícil acompanhar o curso de suas
considerações” (L. Sochor, cit., p. 62).
* O artigo “Lenin e a Internacional Comunista”, de 1924, não procede das
duas fontes citadas: foi traduzido a partir da edição que teve em K. Korsch.
Marx ismo y filosofia (México, D.F.: Era, 1971).
31 É ao epílogo desta edição q ue Korsch s e refer e na “An ticrítica” , ao m enc ion ar
seu acordo com Lukács (ver, neste volume, p. 85).
MARXISMO E FILOSOFIA
1.
buem
motivos. m aio r valor
Já Marx ao “ladoque
e Engels, filosófico” da sua
com firmeza teoria, mas
e insistência por outros
sublinha
ram que o movimento operário alemão recolhera no “socialismo
cien tífico” a hera nç a da filosofi a clássica alemã,2 não en ten dia m po r
esta recolha q ue o social ismo cient ífico ou o c om un ism o fosse essen
cialmente uma “filosofia”.3Ainda mais: eles lhe atribuíam a missão de
“sup erar” ( aufheben ) e “su prim ir” ( überwinden ) definitivamente, no
seu conte úd o e na sua forma, não apenas a f ilosof ia idealista burgu esa
até então desenvolvida, mas, simultaneamente, toda filosofia em
geral. Explicaremos em detalhe em que consistiria (ou deveria con
sistir), na concepção srcinária de Marx e Engels, estas superação e
supressão. Por ora, anotarem os som ente que, na seqüê ncia, a maioria
dos marxista s não viu ni sso o m enor problema. A m elho r forma de
caracter izar o mo do como eles liquidara m a questão seria retom ar os
24 ♦ K arl K or sc h
me nte sobre essa relação - cria e dá forma, a pa rtir das suas “bases m a
teriais” , a “toda um a su pe restru tura de sentim entos, ilusões , mane iras
de pensar e concepções de vida distintas”; e a sua filosofia, pelo seu
con teúd o e, enfi m, tam bém pela sua forma, é um elem ento da supe r
estrutura condicionada pela classe, elemento particularmente afas
tado das “bases materiais, econôm icas”.11C on seq üen tem en te, se qu e
remo s apreend er, “de mod o m aterialista e , pois, científico” (no sentid o
que Marx confere a estas palavras1 2), a total in com pree nsão dos h isto
riógrafos burgueses diante do conteúdo filosófico do marxismo, não
tores burgu
da que, q uaneses,
do apar ece ger
é preenc hida,almente
é-o por, nesta
meiosaltartura, um s.
ificiai a lacuna p roossí
Seri a imp fu n
vel aos historiadores que pretendem apresentar o desenvolvimento
do pensamento filosófico do modo mais ideológico e desesperada
m ente n ão dial ético - ou sej a, como p ura “história da s idéi as” - esta r
em condiç ões de explicar racio nalm ente p or que a grandiosa filo sofia de
Hegel , de cuja influência espiritual todo-p ode rosa n em mesm o os seus
mais ença rniçado s advers ários (po r exemplo, Schopenhauer, Herb art)
podiam libertar-se ainda nos anos 1830, já não tinha mais, desde os
anos 1850, partidários na Alemanha e sequer era compreendida. Na
sua maioria, esses histor iadores nem ensaiar am u m a tentativa p ara ex
plicar o fato - contenta ram -se em registrar, nos seus anais, “a disso
lução da escola hegeliana”. Designavam, com esta fórmula puramente
negativa e tão insufici ente, todas as discuss ões, de conte úd o extrem a
mente significativo e de um nível filosófico excessivamente elevado
para os padrõ es atuais, que se estenderam dura nte os anos su bse
qüe ntes à mo rte de Hegel e nas quais s e defro nta ram a direita, o centro
e as diver sas tendênc ias da esquerda hegeliana (especialmente Strauss,
Bauer, Feuerbach, Marx e Engels). E eles consideram a conclusão
deste período como um a esp écie de “final” absoluto do mo vim ento
filosófico, abrindo-se então - segundo ta is historiadores, nos anos
1860, com o re torn o a Kant (Helmholtz, Ze ller, Liebman n, Lang e) -
um a nova fa se, apare ntem ente desvi nculada de todo o proce sso im e
dia tam ente anterior. Um a “história da fil osof ia” dest e gênero padece
de três grandes limitaç ões, duas das quai s po dem ser evidenciada s po r
um a revisão crít ica operada a partir da pró pria perspectiva da pura
“história das idéias” - e, sobre es sas dua s limitações, alguns h isto ria
dores da filo sofi a con tem porâ neo s mais qualif icados, com o D ilthey e
sua escola, já ampliaram consideravelmente o restrito horizonte da
histo riografia convencional. Podemos, pois, con sidera r essas duas li
mitações como, em princípio, superáveis, mesmo que, de fato, sub
sistam atualm ente e seja prováve l que subsis tam aind a po r longo tem
28 ♦ K arl K or sc h
men to do m
con junto conovim ento proletário
stituem a totalidader concreta
eal; os dois mo m entos
do proc tom ados
esso histór ico.em
Esta perspectiva dialética nos permite compreender quatro
movimentos diferentes como quatro momentos de um único pro
cesso de desenvolvimento histórico: o movimento revolucionário da
burguesia, a filosofia idealista de Kant a Hegel, o movim ento re vo
lucion ário do pro letariad o e a filosof ia materialista do m arxismo. Ela
nos p ropicia ap reend er a verdadeira natureza da nova ciênci a que, sob
a forma teórica que lhe deram Marx e Engels, constitui a expressão
geral do m ov im en to revo lucion ário au tôn om o do p role taria do .20 E,
igualmente, com preend em os p or que a hist ória burguesa d a filosofia
con den ou-se a ignorar esta filosofia materiali sta do p roletariado revo
lucion ário, surgida dos siste mas altame nte d esenvolvidos da fi loso fia
idealista da burguesia revolucionária, ou a conceber a sua natureza
de for m a ne gativa e falsa (Verkehrt).2l Assim como os objetivos esse n
ciais do mo vim ento operário n ão pod em realiza r-se no marco da soc ie
dade burguesa e do seu Estado, também a filosofia própria a esta
sociedade não pode compreender a natureza das concepções gerais
nas qua is, de um mo do consci ente e autô no m o, se expre ssa o m ovi
men to revolucionário proletário. O ponto de vista burguês, p ortanto ,
deve deter-se necessariamen te - excet o no caso de s e dis po r a dei xar de
ser “burg uês ”, ou seja, se dispuser -se a su prim ir a si mesm o - na mesm a
altura em que é obrigado a deter-se na práxis social. É somente na
M arxi smo e fil oso fia ♦ 33
em geral.24 Pre cisam ent e aí reside a opo sição de p rin cíp io en tre a
concepçã o “reali sta” (ist o é,“materialista dialét ica”) do m arxism o e as
“patran ha s ideol ógica s, jurídicas e de ou tro tipo ” próp rias ao lass allis-
mo e a todas as outras variedades, antigas ou recentes, desse “socia
lismo vulgar” que , no plan o dos princí pios, não u ltrapasso u aind a o
“nível bu rg uês ”, ou seja, o p ont o de vista da “socie da de b ur gu es a”.25Se
prete ndem os elucidar a questão das relações entre m arx ism o e filo
sofia é, pois, indispensável tomar como ponto de partida as decla
rações de Marx e de Engels, nas quais afirmam, inequivocamente,
que a superação ( Aufhebung ) não apenas da filosofia idealista bur
guesa, mas, ao mesmo tempo, da fil osof ia em geral é um a co ns eq üên
cia necess ária da sua no va per spectiv a ma teria lista d ialética .26 Nã o
devemos escam otear a s ignificaçã o pro fun da desta posição em fac e da
filosofi a e apr esen tá-la com o um a simpl es querela verbal, afirm and o,
por ex em plo, que M arx e Engels tã o-s om ente altera ra m a nom en
clatura de alguns princípios epistemológicos que a terminologia he-
geliana designa como “o aspecto filosófico das ciências” e que a
tran sfo rm açã o m aterialista da dialética hegeliana cons erv ou de fato.2 7
Há, é certo, em Marx e, sobretudo, em escritos tardios de Engels
algum as afirma ções q ue pare cem suge rir um a tal conc epç ão .28 Mas é
fácil co nclu ir que não se suprim e a fi loso fia com a simples supressão
do seu n om e.29 Para es tud ar a fun do as relações entre m arx ism o e fi
losofia devemos, então, deixar de lado essas questões puramente
terminológicas. A nós, o que importa, antes de mais nada, é saber o
que devemos entender por esta supressão da filosofia mencionada
por M arx e Engels especialmen te no seu prim eiro perío do, nos anos
1840, mas igualm ente referida mais tarde. Como este fenômeno deve
processar-se ou já se pro cesso u? M edia nte que ações? Com que
rapidez? E pa ra quem? É preciso con cebe r a supressã o d a filosofi a, po r
assim dizer, como uno actu,i0 leva da a cabo de um a vez por todas, po r
um ato cerebral de Marx e de Engels ou pelos marxistas ou por todo
odevemos
proletariado ou pocomo
representá-la r todaum aprocesso
hum anidade?3
histórico1revolucionário
Ou, ao contrário,
muito longo e penoso, desenvolvendo-se através de diversas fases
(co mo é o caso da sup ressão do Estado )? E, se assim f or, qual a relação
do marxismo com a filosofia enquanto este demorado processo não
alcançar seu objetivo final, a supressão da filosofia?
M a r xi sm o e fi l oso fi a ♦ 35
nho de 1848,
dências seguida
em ancip adorpela liquidação
as da de todas“ as
cl asse operária, nuorganizações
m a época de eatividade
ten
ind ust rial febril, de descalabr o m oral e de rea ção po lítica” magistral
mente descrita por Marx na Mensagem inaugural de 1864. Estende
remo s sua dura ção até a virada do sécu lo porqu e não se trata, aqui, da
história do proletariado em geral, mas da evolução interna da teoria
38 ♦ K arl K or sch
marxista
mia da história
marxista à épocaemdatermos gerais
produção de emercadorias.
aplicadas pela
O econo
socia
lismo é o resultado de tendências que se impõem na socie
dade produtora de mercadorias. No entanto, reconhecer o
valor do marxismo - o que i mpli ca com preender a nece ssi
dade do soci al is mo - não sig ni fi ca, d e nen hu m m odo,
enunciar juízos de valor nem, menos ainda, dar instruções
p ara o co m p o rtam en to práti co. R econhecer um a necessi
dade e colocar-se a seu serviço são duas coisas diferentes.
É perfeitamente possível que alguém que esteja absoluta
m ente disto,
convencido da vitória fi nal odoconhecimento
social ismo sedas
dedique,
apesar a combatê-lo. Contudo,
leis do movimento da sociedade, que o marxismo pesquisa,
confer e a quem o adquire um a cer ta superi oridade - e o s
inimigos mais perigosos do socialismo são, sem dúvida,
aqueles que provaram o fruto do seu conhecimento.
cuja essência , em M arx e em Enge ls, era a dialét ica m aterialista, tran s-
forma-se assi m, nas m ãos dos seus epígonos, em algo essencialmente
não dialé tico: para uns, um a espécie de princípio heurístico que dirige
a investigação nas ciências particulares; para outros, a flexibilidade
m etodológ ica da dialé tica materialis ta se cristal iza num a série de pr o
posições teóricas co ncernentes à causalidade dos eventos históricos
nos diferentes d om ínios da vida so cial, ou seja, em algo que seria m elhor
designa r com o uma sociologia sistemática geral. Desse mo do, un s tratam
o princ ípio materialista de Marx como “um princ ípio subjeti vo váli do
apenas para o juízo reflexivo” (no sentido kantiano43), enquanto ou
tros tomam a doutrina da “sociologia” marxista como um sistema
pertinente ora à econom ia, ora à geografia biológica.44 Poderíam os
resumir todas essas deformações, e muitas outras menos evidentes,
que os epígonos infligiram ao marxismo no segundo período do seu
desenvolvimento afirmando que a teoria global e unitária da revo
lução social foi transformada numa crítica científica da economia e
do Estad o burgu ês, da edu cação pública, da religiã o, da arte, da ciência
e de todas as outras formas culturais próprias à burgue sia, crítica que
não desem boca mais nu m a práxis r evolucionária, tal como sua es sên
cia implicava,4 5mas que é suscetível de con du zir (e, n a s ua p ráxis co n
creta, geralmente conduz) a toda série de tentativas de reforma que
não u ltrapassam em princípio o quad ro da socied ade burguesa e do
anu nc iaram a emergência de gr andes con flitos e confron tos rev olu
cionários, a crise decisiva do marxismo que se desenrola até hoje.
Um a vez com preendido , à luz do m aterialismo dial ético, qu e a
passagem da teoria originária da revolução social a um a crítica cien
tífica da sociedade sem conseqüências re volucioná rias essenc iais ape
nas exprime as transformações sobrevindas na práxis social da luta
proletária, estes dois processos surgem simplesm ente como duas fases
necessárias do desenvo lvime nto ideológ ico e materia l global. O refor
mismo surge como tentativa de expressar, numa teoria coerente, o
caráter reform ista que, na prática, sob a infl uência de condições histó
ricas novas, adqu iriram as reivin dicações econômica s dos sindicatos
e a luta política dos partidos proletários. Por seu turno, o chamado
ma rxismo ortodoxo deste perí odo, degenerado em m arxismo vulg ar,
surge, na sua m aior parte, com o tentativa de teór icos que, prisioneiros
da tradição, procura vam m ante r a teori a da revolução so cial (forma
prim eira do marxismo) sob a form a de um a teoria pura, o mais abs
trata, que não co nduzia a qualqu er imperati vo prático e procurava m
rejeit ar com o n ão m arxist a a t eoria reformista que exprimia então o
caráter rea l do m ovimen to. E comp reende-se m uito bem po r qu e, na
emersão do período revolucionário, foram justamente os marxistas
ortod ox os da Segunda Internacio nal, mais do que t odos os outros, os
que
çõesseentr
sentira m m ais
e o Estado e a impo tentes proletária.
revolução diante deOs questões com opossuíam
revisionistas a das rela
ao m enos um a teoria sobre a atit ude do “povo trab alh ado r” em face do
Estado, aind a que esta teoria n ada tive sse a ver com o m arxism o. Em
teoria como na práti ca, há m uito tinh am renun ciado à revoluç ão soc ial
para conquistar e destruir o Estado burguês e instaurar a ditadura do
pro leta riado; tinham trocado a revolução social pelas reform as polí
ticas, sociais e culturais no quadro do Estado burguês. Quanto aos
ortodoxos, esses se haviam contentado, na sua rejeição ao revisio
nism o e no tra to das questões pertinentes à época da transiçã o, com a
repetição dos princípios do marxismo. Todavia, por mais que se ati-
vessem ao AB C da teoria marxist a, não p ude ram conservar verdadei
ramente o seu caráter revolucionário srcinal: também o seu socia
lismo científico fora inevitavelmente transformado em algo diverso
de um a teoria da revoluçã o soc ial. Duran te o longo período em que o
44 ♦ K arl K ors ch
seus representantes
Não é difícilcomo
com opre
daender
restauração doesta
p or que marxismo.
nova transform ação da
teo ria m arxis ta se efetuou e se efetua ainda sob a co be rtur a ideológica
do retorno à doutrina autêntica do marxismo srcinal, bem como
apreender, pa ra além do aspect o ideológi co, o verdadeiro signi ficado
de toda essa operação. Neste dom ínio, teóricos como Rosa Luxemburg,
na Alem anha, e Lenin, na Rússi a, na realidade não fizeram e não fazem
mais do qu e resp on der às e xigências práti cas do novo perío do revolu
cionário da luta de cla sses, rejeitando as tradições paralisantes do m ar
xismo socialdemocrata do segundo período, que pressionam “como
um pesadelo” as própria s massas operárias,49cuja situação social e econô
mica, objetivamente re volucionária, já há muito não c orresp ond e à qu e
las dou trina s evolucionista s. Expl ica-se, pois , o aparen te res surg ime n
to da teoria m arxista srcinal na Te rceira Internacio nal simplesmen te
porq ue, num a nova época revolucionária, não apenas o m ovim ento
M arxi smo e fil oso fia ♦ 45
pro letário, mas ta m bém as concepções teóricas dos com unistas, que
con stituem a sua express ão teórica, deve m revestir expressam ente um a
forma revolucionária. É por isto que hoje vemos reviver importantes
partes do sistema marxista que pareciam esquecidas no fim do século
XIX. Esta situa ção perm ite também com preen der o co ntex to em que,
meses antes da Revol ução de Ou tubro , o cérebr o da revol ução p role
tária n a Rússia escre veu um a o bra cuja tarefa, nas suas palavras, er a,
“em prim eiro luga r, restabelecer a autêntica d ou trina de Marx sobre o
Estado” . Os própr ios aco nteci mentos tinh am colocado na ordem do
dia, no plano prático, o problema da ditadura do proletariado; que
Leni n, num m om ento decisivo, tenha fei to o mesmo no p lano teó ri
co, foi o prim eiro signo de que então se retom ava co nsc ientem ente a
relação interna que o marxismo revolucionário estabelece entre
teo ria e pr átic a.50
Mas também a recolocação do problema mar xismo e filosofia
m ostr a-se um a part e im portante des te g rande em preend imen to res
tau rad or. Já descrevem os seu lado negati vo: a perd a do cará ter prático
revolucionário do m ovim ento marxista que enco ntro u a sua expressão
parcial no desprezo da maioria dos teóricos marxistas da Segunda
Internacional para com todos os problemas filosóficos e a sua ex
pressão teórica geral no simultâneo deperecimento do princípio vivo
da dialética materialista no marxismo vulgar dos epígonos. É certo
que, como já indicamo s, os próp rios Marx e En gels negaram co nstan
temente que o socialismo científico fosse ainda uma filosofia. No
entanto , é bastan te fá cil dem onstrar - e vamos fazê-lo com provas
irrefutáveis - que, para os dois dia léti cos revolucio nários, a oposição
à filosof ia repre sen tou algo totalm ente diver so d aquilo que signi ficou
para o marx ism o vulgar posterior. Nada lhes era mais estranho que
atrib uir valor a um a pesquisa puram ente científica, livre de quaisquer
premissas
ma ioria dose ou
acim
trosa marxista
de to da sposição
da Segundedaclasse - comoacabaram
Internacional Hilferdingpor
ea
fazer.51A est a ciência p ur a da sociedade burg uesa (econ om ia, história,
sociologia etc.), o social ismo científi co de M arx e de Eng els ad eq ua
dam ente com preend ido opõe-se ai nda mais vigoros amente do que à
filosofia, na qual o movimento revolucionário do terceiro estado
en co ntro u o ut ro ra a sua mais alt a expressão teórica.5 2 E de adm irar,
46 ♦ K arl K or sc h
tária e a oideologia,
qua nto prob lem atão
polínegligenciada pelos
tic o da ditadura do teóricos socialdemocratas
proletariado, e , ao mesmo
tem po, restau rar em sua autenticidade a concepção dialét ica revo lu
cioná ria do m arxism o srcinal. E sta taref a, poré m , só pod e ser l evada
a cabo se, em prim eiro lugar, colocarmos a questão q ue co ndu ziu M arx
e Engel s a abord are m o prob lem a da ideologia em ger al: qu ais as rela
ções entre a filos ofia e a revolução social do proletariado? A tentativa,
fun da da nas in dicaç ões ofere cidas po r Marx e Engels, de oferecer a tal
quest ão a respost a compatível com os princípios da dialétic a m ateria
lista nos co nf ro nta rá em seguida com a questão mais ampla: qual é a
relação entre o materialismo de Marx-Engels e a ideologia em geral?
2 .
tado e supe
xismo. Todasrado pelo pon
as idéias to de vi sta filosóficas
e especulações ci entí fico são
e materiali stacomo
rejeitadas do m ar
elucubrações irreais e desprovidas de objeto, que só continuam a
freqüentar as mentes como uma espécie de superstição apenas por
que a classe dominante tem um interesse bem real e material na sua
m anu tenção . Liquidada a dom inação capit ali sta, l ogo se dissi parão,
por si m esmos, os últim os vestígios dessas fantasm agorias.
É suficiente mostrar, como intentamos fazê-lo até aqui, a su
perficialidade dessa atitu de cientificista em face da filosofia p ara re co
nhecer im ediatam ente que est a forma de resolv er o problem a filo sófi
co não tem nada a ver com o espírito do materialismo dialético mo
derno de Marx. Ela pertence inteiramente à época em que Jeremias
Ben tham , “o gênio da estupid ez burg ue sa”, dava, na sua enc iclopé dia,
a seguinte definição da palavra “r eligi ão”: “Substan tivo fe min ino. Re
presentações su persticiosas”.54 Insere-se na atm osfera intelectu al dos
48 ♦ K arl K ors ch
gran te —aín da que ideal —desta reali dade. Co mo Marx diz: “Não po
deis s upe ra r a filosofía sem realiz á-la”.63
E de concluir-se, pois, que, para os revolucionários Marx e
Engels, no momento mesmo em que transitavam do idealismo dialé
tico de Hegel para o materialismo dialético, a superação da filosofía
não signif icav a, de fo rm a alguma, o seu simples aban don o. E para s e
compreender a sua atitude ulterior em face da filosofía, é essencial
tom ar como p on to de partida e ter s empre pr esent e um fat o inco n
testáve l: M arx e Enge ls já eram dialét icos antes de s e torn ar em m ate
rialistas. A significação do seu materialismo estará necessariamente
com prom etida, d o m odo mais n efa sto e mais i rrepa rável , qu and o se
perd e de vista que, desde o inicio, ele foi histórico e dialético - ou seja,
um materialismo
lucionar cujo aobjetivo
praticamente é compreender
totalidade teoricamente
da vida histórica e social e-, revo
e que
assim perm aneceu, ao contrário do m aterial ismo cientí fico abstrato
de Feuerbach e de todos os materialismos abstratos, burgueses ou
marxistas vulgare s, que o precederam ou sucederam . Pode ria ocorrer,
e de fat o oco rreu, que, no desenvol vimento do seu princípio m ateria
lista, Marx e Engels atribuíssem à filosofia um peso m enos im po rtan te
no processo histórico-social que aquele que inicialmente lhe confe
riram . Todav ia, para u m a concepção verd adeiram ente dialética e m a
terialist a do pro cesso h istór ico, seria impossível fazer (e M arx e Engels
nu nca o fizeram ) que a ideologia filosófi ca, ou me sm o a ideologia em
geral, deixasse de ser um elemento efetivo do conjunto da realidade
histórico-social, isto é, um elemento que é preciso compreender em
sua realidade segundo uma teoria materialista e que é preciso revo
lucionar na sua reali dade m ediante um a práxis materia list a.
Nas suas Teses sobre Feuerbach, o jovem Ma rx opôs o seu novo
materialismo não apenas ao idealismo filosófico, mas também, e
vigorosamente,
mesmo modo, aemtodas todosasosformas precedentes
seus escritos do materialismo;
posteriores, do subl i
M arx e Engels
nharam a oposição do seu materialismo dialético ao materialismo
vulga r, não dialético e abstrato; em particu lar, tinh am consciência da
importância considerável dessa oposição no que concerne à inter
pretação teórica das realidades “espirituais” (ideológicas) e à atitu de
prá tica a ser tom ada em face delas. M arx observa a p ropósito das re
52 ♦ K arl Kors ch
rico assimdedescrito,
remissão tod as asque se contenta,ideol
representações como ógicas
o de Feuerbach, comterreno
a o seu núcleo a .
Ao adotar esta atitude negativa e abstrata em face do caráter
real da ideologia, o marxismo vulgar comete o mesmo erro que os
teóri cos do p roletariado que, apoiando-se na idé ia marxist a do co n
dicio na men to ec onô mico das re lações jurídicas, das form as de Estado
e de tod a ação políti ca, quiseram dela deduz ir que o prole tariado po
deria e deveria lim itar-se à ação eco nôm ica d ireta.65Sabe-se com que
vigor Marx opôs-se a tendências similares, especialmente em sua
polêmica contra Proudhon, mas também noutras oportunid ades. Ao
longo de sua vi da, todas as vezes em que se def ron tou com um a co n
cepção desse gênero (que, ainda hoje, sobrevive no sindicalismo),
Marx sempre sublinhou, com a máxima energia, que esse “desprezo
tran sce nd en tal” em fac e do Esta do e da ação políti ca é abs olutam ente
não m aterialista e , por con seqüência, insufici ente no plan o teórico e
nefasto no pla no po lítico.66Esta conc epção dialética das relações e n
tre a economia e a política tornou-se uma parte essencial da teoria
marxista - e a tal po nto que mesmo o marxismo vulgar da Segu nda
Internacional, se negligenciou in concreto a el ucidação dos problem as
da transição política revolucionária, não p ôde ne gar a sua exi stênci a
in abstracto. En tre o s mar xist as ort odoxo s, nen hum susten tou que o
interesse teóric o e prátic o pelas questões políticas era, par a o m arxis
mo, um po nto de vi sta ultrapass ado. Isto era deixado para os sindica
listas, que jam ais tiveram a pretensã o de ser marxistas orto do xo s, ainda
que alguns dele s se diss essem vinculados a Marx. Em troca, no toc an
M ar xi smo e fil oso fía ♦ 53
seguindo a Marx, que “ o mo vim ento social não excl ui o mo vim ento
político”67 e, re spondendo ao anarquism o, freqüente m ente subli
nham que, me sm o após a r evoluçã o vitori osa do pro letariado e apesar
de todas as tran sfo rm açõ es que o Estado burguê s vai sofrer, a realidade
po lítica subsistirá ain da p or largo tem po. Mas estes m esmos materia
listas manifestam um desprezo transcendent al, tipicamente ana rcos sind i-
calista, quando se lhes assinala que a tarefa espiritual que se impõe no
domínio ideológico não pode ser substituída, ou tornada supérflua,
nem p elo m ov im en to social da luta de c lasse proletária , nem. pela união
dos mov imen tos soc ial e político. Ainda atualmente, a maioria d os te ó
ricos marxistas con cebe a realidade des ses fatos “espirituais” apenas nu m
sentido pura m en te negati vo, t otalm ente abstrato e não dial éti co, em
vez de aplicar rigoros am ente a este dom ínio da reali dade soc ial o ú n i
co método materialista e, por conseqüência, científico em que insis
tiram M arx e Engel s. Dev er-se-ia fazer um esforço par a compreender,
ao lado da vida social e pol ítica, a vida espirit ual; pa ra com preende r, ao
lado do ser e do d evir soc ial no sen tido mais amplo (a eco no mia , a po
3.
cum pre clarif icar o m odo pelo qual o po nto de vis ta materiali sta dia
lético concebe a relação entre a consciência e seu objeto.
Terminológicamente, é preciso afirmar, antes de mais nada,
que Marx e Engels nunca pensaram em caracterizar a consciência
socia l e a vida espiritual co mo pu ra ideologi a. A ideologia é some nte
a consciência falsa ( verkehrte ), particularmente aquela que atribui a um
fenóm eno parcia l da vid a so cial um a exis tênci a autô no m a - po r
exemplo, as representações jurídicas e políticas que consideram o
direito e o Estado como poderes autón om os que pairam acima da so
ciedade.7 0Na passagem em que M arx de u as indicaçõ es m ais precisas
sobre a s ua term ino log ia,71 veri fica-se que, no co nju nto de rel ações
materiais que Hegel designou como sociedade civil ( bürgerlische
Gesellschaft
da soci edade)),con
as relações
stituem s oociais
fundamde prod
ento uç
realãosobre
(a esotru turse
qual a eco nôm
ergue ica
uma
superestrutura jurídica e política, de uma parte, e a que correspon
dem , de ou tra p arte, formas determ inadas da consciência s ocial. Des
tas formas d a consciência soc ial, tão reais na sociedade q ua nto o direito
e o Estado, f azem parte sob retudo o fet iche da me rcad oria ou o valor,
anal isados po r M arx na Crítica da economia política, bem como as ou
tras represen taçõe s econôm icas que del es derivam. O ra, a concepç ão
de M arx e Engel s se caracter iza precisam ente pelo fato de eles jama is
qualifi carem com o ideol ogia e sta ide ologi a econôm ica fund am ental
da sociedade burguesa. Ass im, segundo a terminologia marxiana, ape
nas as formas de consciência jurídicas, políticas, religiosas, estéticas
ou filosó ficas pod em ser ideológ icas - e mesm o estas , com o veremo s,
não o são n ecessariam ente em tod os os ca sos; só se to rn am ideologi as
sob cert as cond ições, qu e já indicamos. É e ste lugar pa rticu lar con fe
rido às represen tações econôm icas que assi nala a nova concepç ão da
filosofia que distingue o materialismo dialético do último período,
que alcançou m aturida de ple na, do material ismo dial ético ainda não
totalme nte desenvolvido do primeiro período. E ntão, na cr ítica teó
rica e prá tica d a sociedade a que se dedicam Marx e Engel s, a crít ica da
filosofia pa ssa a ocup ar o segundo - pod em os m esmo dizer: o ter ceiro,
o q ua rto ou o últim o - lugar. A “filosofia crítica” , que, pa ra o M arx dos
Anais franco-alemães, represen tava a ind a a tarefa essencial,7 2 vê-se
transform ada nu m a crít ica mai s radi cal da s oci edade - que tom a as
56 ♦ K arl K ors ch
à“omoda”,
m éto dodepois
vulgar,daessencialmente
“denúncia do mconceito
etafísico à Wolff e que
especulativo” agora
feita por volta
Feuerbach, prop aga do n o novo materialismo das ciên cias da natureza
de Büchner, Vogt e Moleschott e c om o qual “ tam bé m os econom istas
burgueses tinham escrito suas alentadas e desconexas obra s”.80 So
m en te em fac e do prim eiro, ou sej a, do m étod o dialéti co de Hegel, é
que Marx e Engels tiveram necessidade, desde o início, de esclarecer
a sua posi ção. Jamais duv idaram de que el e deveria ser o seu po nto de
partida. Para M arx e Engels, o pro ble m a co nsistia apenas em saber
quais as modificações que este método dialético deveria sofrer, uma
vez qué não era mais , como em Hege l, o métod o p róp rio a um a con
cepção de mundo secretamente materialista, mas exteriormente
idealista, tornando-se, ao contrário, o órganon para uma concepção
expressa men te m aterialista da sociedade e da história .81 Hegel já es
clarecera que o método (filosófico-científico) não é uma simples
M arxi smo e fil oso fia ♦ 59
forma do pe nsam ento, indifer ente ao con teúdo a que s e apli ca - ele é
tão -so m en te “a con struçã o da totalidade elevada à sua ess ência pura”
(“de rB au des Gan zen in seiner r einen W esenheit aufgestellt” ). E o pró
prio Marx, num escrito juvenil, afirmara que “a fo rma não tem valor
se não é a form a de um con teúd o”.82N um a perspe ctiva lógic a e me to
dológica, tratava-se, p ara Marx e En gels, “de estabel ecer, retiran do -lhe
os véus ideal istas, o mé tod o dialétic o na form a simples em que se to r
na a ún ica fo rm a justa do desen volvimento do pe ns am en to”.83Assim,
diante da form a especula tiva e abstrata em que Hegel deixara o m éto
do dialético e da form a com o havia sid o desenvo lvido pela s diver sas
escolas hegeli anas, nu m sentido a inda m ais ab strato e f orma l, M arx e
Eng els esta belec em vigorosa s formulações como: to do pens am ento
não é mais que “o produto da elaboração de percepções e represen
tações em con ceitos” ; con seqü entem ente, todas a s categorias do p en
sam ento, m esm o as mais ger ais, são som ente “a s rel ações un ilaterai s,
abstratas, de um conjunto concreto, vivo, já dado”; e, no entanto, o
objet o to m ad o pelo pensam ento como real “su bsiste, ant es como de
pois, em sua autonom ia, fora do espírito”.84Apesar disto, Marx e Engels
sempre permaneceram muito distanciados da atitude não dialética
que opõ e à real idade dada im ediata mente o pensam ento, a per cepção,
o con hecim ento e a int eligência des ta rea lida de com o essên cias au tô
nomas, dadas, também elas, imediatamente; prova-o perfeitamente
um a frase do Anti-D ühring, de Engels - frase duplam ente d em on stra
tiva, vis to que, segundo um a interpretação m uito d ifundida, Eng els,
contrariamente a seu amigo Marx, mais versado em filosofia, teria
tardiamente derivado para uma concepção de mundo própria de um
materialismo naturalista. Ora, justamente num texto do seu último
perío do, Engels - após caracterizar o pensam ento e a co nsc iência
como produtos do cér ebr o hum ano e o pr óprio hom em como p ro
histórico; antes, estão nele , como elemento real , efet ivo - “ain da que
ideal e espiritu al” - deste m undo . Eis aqui a prim eira diferença espe
cífica entre a dialética materialista de Marx e de Engels e a dialética
idealista de Hegel. Se este, por um lado, afirmara que a consciência
teórica do indivídu o não pode “e scapar” ao seu m un do e ao seu tem po,
por o utro integrara mais o mundo na filosofia que a filosofia no m un
do. A esta prim eir a diferença entre a dia lética hegeliana e a ma rxia na
está m ui to relacionada a se gund a:
Os op erários com unistas - escre veu Marx já em 184 4,
em A sagrada fa mília - sab em muito bem que propri edade, ca
p it al, d in h eiro , tr abalh o assala riado etc. não são sim ple s
quimeras, mas produtos muito práticos e muito objetivos
da sua própria auto-alienação, produtos que é preciso, conse
qüentemente, suprimir de um modo prático e objetivo para
que não somente no pensamento e na consciência, mas tam
b é m na sua existência enquanto se r social, o h o m em se to r
ne um ser humano.
to do essen
teórico cia lm en te cr ítico
está essencialmente e rev
contido no olu cio ná “Não
prático”. rio ”.89seJádeve
em ima
Hegel, “o
ginar que o homem, de uma parte, pense e, de outra, queira, que te
nha n um bolso o pensamen to e no ou tro a vontade - esta seria um a
repre senta ção vazia” . Mas, pa ra Hegel, a tarefa prática que cabe ao c on
ceito “em sua atividade pensante” (ou seja, à filosofia) não concerne
ao dom ínio da ativi dade “práti ca, hum anam ente sensível” (Marx) -
consiste, ao contrário, em “compreender o que existe, porque o que
existe é a Razã o”.90 Em tro ca , M arx c onc lui a pesqu isa pa ra esclarecer
o seu método dialético, na décima primeira tese das Teses sobre
Feuerbach, da seguinte maneira: “ Os filós ofos apenas inter pretaram o
mundo de diferentes maneiras; porém, o que importa é transformá-
lo”.9'Esta frase, contrariamente ao que imaginaram os epígonos, não
equi vale a declarar que to da filosofia é um a simples quim era; ela ape
nas exprime um a recusa cat egórica de toda teoria, filosófi ca ou cien
tífica, que n ão seja simultaneamente práxis, e práxis real, terr en a, deste
m und o, práxis hum anam ente sen sível - recus a cat egóric a da ativi
dade
apenasespeculati
a s i mesmvaa.daCrítica
Idéia filos ófica
te órica e r que , n o fim
evolução das contas,
prática, apreendco
concebidas e
mo duas ações indissociáveis, não num sentido qualquer da palavra
ação, mas como a transformação concreta e real do m un do concreto
e real da sociedade burguesa: estas duas express ões exprim em do m o
do mais preciso possível o princípio do novo método materialista
dialético do socialismo científico de Marx e de Engels.
62 ♦ Kar i . K orsch
estrutura
ju rídica eeconômica
política -daà sociedade
dissoluçãoe no
suprimida a superestrutura
nada que já agora as constitui.
Somente na aparência as representações econômicas mantêm com a
realidade das rel ações materiais de prod uçã o da sociedade burgu esa a
relação da imagem com o objeto que ela reflete; realmente, a sua re
lação é a de um a parte bem determ inada de um todo com um a outra
parte deste todo. A economia burg uesa pertence, ta nto quanto as
relaçõ es materiais de produç ão, ao todo da soci edade burguesa. Mas a
ele pertencem, igualmente, as representações jurídicas e políticas e
seus objetos apa rentes, que os juristas e os polít icos burgue ses - esses
“ideólogos da propriedade privada” (Marx) -, na sua perspectiva
ideológica falseada ( verkehrter ), tomam como essências autônomas.
E àquele todo também pertencem, finalmente, as ideologias de um
nível ainda mais elevado, a arte, a religião e a filosofia da sociedade
burguesa. Se, aparente m ente , não vemos nessas re presentações o
objeto que poderiam refletir bem ou mal, por outro lado já com
M ar xi smo e fil oso fia ♦ 63
Notas
la ções s em elhantes enco ntram -se em quase todas as obras de M arx e Enge ls
em seus diversos períodos. Ver, por exemplo, as últimas palavras de Engels
no prefácio à primeira edição do seu Do so cialismo utópico ao so cialis mo
científico (1882).
3 Ve r so bre tud o a polêm ica do M anifest o com unis ta de 1847-1848 contra o
social ism o alemão ou soci al is m o “ verdadeiro” , com o tam bém a abertu ra de
um art igo sobre o s ocial is m o al emão que Engel s publicou n o A lm a n a q u e do
Partido Operário para 1892 (divulgado em alemão na N eue Z eit, v. 10, n. 1,
p. 58 0 e ss.) - a q u i, a p a r e n te m e n te e m p le n o a c o r d o c o m a h is tó r ia b u r
guesa da filosofia, Engels caracteriza esta tendência do socialismo alemão
anterior
“um m às ov imjornad as de m
ento teórico arço, das
s urgido “queruínas
o nomda f e de ilMosof
arxialogo d om
de He gel” ino u” , com
e opõe, sem o
am bigüida de, os “ex-fi lósofos” , rep resentan tes desta t en dên cia, aos “o p erá
rios” , que apresen ta com o a segunda das duas correntes que se f un diram em
1848 para dar srcem ao comunismo alemão.
4 Ludw ig Feu er bach ..., p. 12. [Ver F. Engels, Ludw ig Feu erba ch e o f im da filo
sofia clássica alemã, em K. M arx e F. En gels. Obras escolhidas. Rio de
Janeiro: Vitória, 1963, v. 3, p. 178.]
M arxi smo e fil os ofia ♦ 65
dox os” , um a su pe riorida de do socialismo - que teria evo luído da fil osofi a à
ciência -, e se esforçavam para salvar o resto da teoria socialista, em parte
ou integralmente. Mas, na polêmica entre ciência burguesa e ciência prole
tária, adotara m desde o i níci o o po nto de vi st a do adversári o burg uês e pr o
cu raram unica m en te evi tar , na m edida do possí vel , as conseq üênc ias m ais
extrem as deri vadas daquele pon to de parti da, conseqüên cias po rém necessá
rias. Quando, depois de 1914, na seqüência dos eventos da guerra e da crise,
não foi mais possível eludir a questão da revolução proletária, todas as va
riantes do so ciali sm o fil osofante m ostra ram , com a nitidez desejável , a sua
verd ade ira f ace. Os soci ali stas fi lós ofos, ab ertam en te antim arxistas ou não
m arxi st as, com o Bernst ein ou Koig en, m as t am bém a ma iori a dos m arxi st as
fi lósof os (discí pulos de Kant, Dietzgen, M ach) d em on straram então, por
fatos e palavras, que não somente a sua filosofia, mas ainda a sua teoria e a sua
p rá x is p o lític a s, n e c e s sa ria m e n te v in c u la d a s à q u e la , p e r m a n e c ia m p re s a s ao
p o n to d e v is ta d a so c ie d a d e b u rg u e sa . É su p é rflu o e s te n d e r- s e s o b re o c a rá te r
reform ist a burgu ês do m arxismo k antiano , um a ve z que el e é indis cutí vel.
Lenin m ostrou , já em 19 08 , no se u con fronto co m o em piriocrit icism o, a
que caminho o marxismo ligado a Mach deveria conduzir necessariamente
66 ♦ K arl K or sc h
os seus adeptos (e já condu ziu a maioria del es). Q uan to ao m arxismo à mod a
de Dietzgen, também já caminha parcialmente no mesmo rumo, como o
pro va in conte stavelm ente um a pequena brochura de D ietzge n filho: este
“neomarxista” meio ingênuo não se contenta com felicitar seu “fiador”
(Eideshelfer ) Kautsky pelo abandono da maioria das idéias do “marxismo
antigo”, mas lamenta que, apesar de tantas modificações nas suas con
cepções, dele ainda conserve alguns resíduos (1925, p. 2). Mas é o exemplo
de Davi d Koige n que com prova m elhor como era correto o instinto polít ico
de Franz Mehring quando preferia, diante de tais elucubrações filosóficas,
ren un ciar a tod a filos ofia - para atestá-lo, bast a reler a crític a benévo la de
Mehring à obra em que Koigen fazia sua estréia de filósofo-aprendiz (“Neo-
Marxismus” [Neomarxismo], Neue Zeit, v. 20, n. 1, p. 385 e ss.; e M a rx -
Engels Nachlass, [Obras póstumas de Marx e Engels], v. 2, p. 348) e levar em
conta, em seguida, a rapidez com que esse filósofo converteu-se, mais tarde,
num “socialista cultural” antimarxista dos mais vulgares, sob o estímulo de
Bernstein (1903), e, enfim, num romântico reacionário dos mais confusos
(sobre esta última fase, ver, por exemplo, o artigo de Koigen em Zeitsc hrift
fü r Politik [Revista de Política], 1922, p. 304 e ss.).
5 Engels, Anti-D ührin g, p. 40 (prefácio à segunda edição, 1885 [ver F. Engels.
Anti-Dührin g. São Paulo-Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990, p. 10]). Ver
também as declarações análogas de Marx no fim do posfácio à segunda
edição de O capital (1873).
10 O m elho r exem plo é oferecido pelas seguintes declarações de E . von Sydow
em seu livro Der Gedanke des Idealrek hs in der idealistischen Philosophie
von Kant bis Hegel (A concepção do mundo ideal na filosofia idealista de Kant
a Hegel): “Aqui [no idealism o alemão, que “logici za” a história e a tran sfo rm a
de “cadeia de fatos” em “séri e de conceitos”], o pe nsam ento do Ideal , sendo
historicizado ( historisiert ), perde a sua força explosiva. Se o Ideal é uma ne
cess idad e lógico-históri ca, t od o em penho para alcançá- lo torna-s e prem aturo
e inútil. Esta elaboração do pensamento do Ideal foi o mérito dos idealistas
absolutos. É a eles que devemos agradecer pelo fato de a nossa ordem social e
econômica desfrutar ainda de uma longa existência. Enquanto as classes diri
gent es se libertavam d a fantasmagoria histórica do ideali smo e enco ntravam ,
com a vontade da ação, a coragem para agir, o proletariado sempre teve fé no
lixo materi aliza do d a concep ção idealista - e é desejável que esta situa ção se
pro lo ngue por m uito tem po. O principal m érito desse trab alho, como em to
das as outras questões de princípios, cabe a Fichte” (1914, p. 2-3) etc. Numa
nota, Sydow assinala expressamente que se poderia “invocar este fato contra to
dos aquel es que, mais ou m enos abertam ente, afi rmam que a filos ofia carece
de qualquer importância política ”!
11 Ver Marx , O dezoito brumário de Luís Bonaparte [ver K. Marx. O 18 bru
mário de Luís Bonaparte e Cartas a Kugelmann. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1969, p. 45] (sobre a relação entre uma classe e a sua representação ideoló
gica em geral); ver , adem ais, Engel s, Ludwig Feuerbach [ed. bras. cit., p. 203]
M ar xi smo e fil os ofia ♦ 67
de Kant
im foram coligidas(Literatura
18. Jahrhundert no volumepolítica Die politische
1 de alemã do século Literatur der Deutschen
XVIII), publicado
p or von G eism ar em 1847 (!), na ed itora W ig and (p. 121 e ss.).
Sabe -se que Marx inco rporo u con scientemente e des envol veu est a int erp re
tação de Hegel sobre o papel de fra nceses e alemães na Revolução Burguesa.
Ver, a propósito, todos os escritos do seu primeiro período ( Nachlassausgabe
[Obras pó stum as], edit adas por M ehri ng, v. 1), ond e se enco ntram form ula
ções c omo: “Em política, os alemãe s pensaram o que os outro s povos realiza
ram”; “A Alemanha só acompanhou o desenvolvimento dos povos modernos
na atividade abstrata do pensamento” e, por isso, o destino dos alemães no
mundo real consistiu, no fim das contas, “em ter compartilhado das restau
rações dos povos modernos, sem compartilhar das suas revoluções”. [Todas
estas passagens encontram-se em K. Marx. Crítica da filosofia do direito de
Hegel. São Paulo: Boitempo, 2005, p. 151, 153 e 146.]
[Expressão popular traduzível aproximadamente por ter o coração nos lábios
ou, ainda, fa zer ferv er em pouca água.]
[Hegel ironiza aqui uma palavra da expressão referida na nota anterior: bon-
net, que significa boné, barrete.]
68 ♦ K arl K ors ch
sobre a relação dialética entre fil osofi a e realidade é despida da form a ainda
mistificada que ele lhe atribuiu (a filosofia é “a sua época apreendida pelo
p e n s a m e n to ” ), e f o rm u la d a d e m o d o ra c io n a l: as c o n c e p ç õ e s te ó ric a s d o s
com un istas “são apen as expressões ger ais de relações ef eti vas de um a luta de
classes que existe, de um movimento histórico que se processa diante de
no sso s o lh o s”. [Ver K. M arx e F. Engels. M anifesto do Part id o C om unis ta .
São Paulo: Cortez, 1998, p. 21.]
21 “Pro du to da dissolução da fi los ofi a de H ege l” (est a é a conc epçã o d o m i
nan te); “col apso ti tânico do ideal is m o alem ão” (Pl enge); um a “ concepção
d e m undo ( Weltanschauung ) fundada na negação dos valores” (Schulze-
Gävernitz). O caráter absurdo típico dessa concepção do marxismo revela-
se claram ente no fato de os elem entos do sist em a m arxist a que ela con sidera
o s eu “ esp íri to m aligno” , pre cipitados do céu do idea li sm o alem ão p ara os
abis m os infernais do m ateri ali sm o, j á estarem em ger al presentes no s sist e
mas da fil osofi a ideal is ta burg uesa, incorp orad os p or M arx sem m odifi cações
sens ív ei s - po r exem plo, a idéi a da n ecess idade do m al para o d esenvolvi
m ento d o gênero h um an o (Kant, Hegel) , a idé ia da nec essár ia rel ação entre
o crescim ento da riqueza e o da m is éri a na sociedade burgue sa (Hegel, Filo
sofia do direito, parágrafos 243, 244 e 245 [ver, na ed. port. cit., p. 193-195]).
Trata-se, po r co nseqü ência, das forma s pelas quais a cl ass e burguesa, no apo
geu do seu desenvolvimento, tomou em certa medida consciência de seus
p r ó p r io s a n ta g o n is m o s d e cla sse. O p ro g re s s o re a liz a d o p o r M a rx c o n s iste
em ter apreend ido tai s an tagoni smo s - que a consc iênci a burguesa absol u-
tizara e tornara insolúveis na t eoria e na práti ca - não com o alg o na tural
e absoluto, mas histórico e relativo e, pois, superáveis, prática e teorica
m ente, nu m a form a sup erior de organização soci al . Es se s f il ósofos burgueses
concebem, portanto, o marxismo ainda de uma forma limitada pela pers
p e c tiv a b u r g u e s a e, p o is , n e g a tiv a e fa ls a.
22 Ver Eng els, Dührin gs U mwälzung de r W issens ch aft {A subv ersão da ciência p o r
Dührin g), v. 1, p. 5 e ss. [ver F. Engels. Anti-D ührin g, ed. bras. cit., p. 23-24],
Sobre o f at o de a f il osofi a cl áss ic a alemã n ão ter si do, m esm o no plan o te ó ri
co, a única
ao pref áciofonte
da pdo rim
socialismo científico,
eira ediçã o de verDo
a nota acrescentada
so cialismo por Engels
utópico ao so ci alismo cie ntí
fico. Ver também as suas observações sobre o fragmento de Fourier “Über
den Handel” (“Sobre o comércio”) ( Nachla ss , v. 2, p. 407 e ss.).
23 São deste ano as Teses sobre Feuerbach, de Marx, a que adiante nos referi
remos. Ademais, nesse momento, Marx e Engels acertaram as contas conr
a s ua c onsc iência fi losóf ica “de antes” , sob a form a d e um a crít ica ao co n
ju n to d a filo s o fia p ó s -h e g e lia n a (A ideologia alemã ) - ver o que M arx di z
no prefácio à Crítica da economia política, de 1859. A partir de então, a po-
M ar xis m o e fil oso fia ♦ 69
Iêmica de Marx e Engels acerca de questões filosóficas só tem por fim escla
recer ou refutar seus adversários (Proudhon, Lassalle, Dühring, por exem
plo ), já não se tr ata mais de “clarificação pess oal”.
Ver, por agora, a passagem do Manifesto comun ista aqui pertinente (ed.
Du nker, p. 28 ): “Com certeza - dirão - as idéias religiosas, mora is, f ilo
sófi cas, políti cas, j urídicas etc. se mo dificaram n o curso d o d esenvo lvimento
histórico. Mas a religião, a moral, a filosofia, a política, o direito sempre se
mantiveram nestas mudanças. Além disso, existem verdades eternas, como
Liberdade, Justiça etc., que são comuns a todos os estágios sociais. Mas o
comunismo abole as verdades eternas, a religião, a moral, em vez de lhes
da r novas formas; contradiz, assi m, todos os desenvolvimentos históricos ante
riore s’. A que se reduz esta acusa ção? A história de tod a socied ade mo veu-
se até hoje entre antagonismos de classes, que em diferentes épocas histó
ricas tiveram formas diferentes. Mas, fosse qual fosse a forma assumida, a
exploração de uma parte da sociedade pela outra é um fato comum a todos
os séculos passados. Não é de admirar, portanto, que a consciência social de
todos os séculos, a despeito de toda a multiplicidade e diversidade, tenha-se
movido dentro de certas formas comuns, em formas de consciência que só
se dissolvem completamente com o desaparecimento total do antagonismo
de classes. A revolução comunista é a ruptura mais radical com as relações de
pro priedade tra dicion ais; nã o ad mira , portanto , qu e no cu rso do seu desen vo l
vim en to se rom pa, da m aneira mais radical , com as idéi as tradicionais” [v er,
na ed. bras. cit., p. 29], O marxismo mantém, pois, com a filosofia, a religião
etc. basicamente a mesma relação que possui com a ideologia econômica
fund am ental da sociedade burgues a, o feti chismo da m ercadoria ou o va lor.
Ver, a este respeito, Das Kapital, v. 1, p. 37 e ss., esp. notas 31-33 [ver, na
ed. bras. cit., p. 89 e ss., notas 31-33], e as Randeglossen zu m Programm...
(Glosas marginais ao programa...), p. 25 e ss. (valor), 31-32 (Estado) e 34 (reli
gião) [ver K. Marx. “Crítica ao Programa de Gotha”, em K. Marx e F. Engels.
Obras escolhidas em três volumes. Rio de Janeiro: Vitória, 1961, v. 2, respec
tivamente p. 215-216, 222-223 e 225-226],
Ver as Randeglossen zu m Programm, cit.; as expressões citadas encontram-se
às p. 27 e 31 [ver, na ed. bras. cit., p. 217 e 226].
Ver, por exemplo, a observação de Engels (formulada num tom de certo mo
do ideológico) em Lud wig Feuerbach: “A filosofia, em seu conjunto, termina
com Hegel: por um lado, porque em seu sistema se resume, da maneira mais
grandiosa, todo o desenvolvimento filosófico; por outro lado, porque este filó
sofo nos indica, ainda que inconscientemente, a saída desse labirinto dos
sistemas para o conhecimento positivo e real do mundo” [ver, na ed. bras.
cit., p. 175],
Há efetivamente teóricos burgueses e mesmo marxistas (vulgares) capazes de
imaginar que a exigência do comunismo marxista da supressão do Estado (em
vez do combate a apenas algumas das suas formas históricas) tem, no fundo,
tão-somente esse significado puramente terminológico!
70 ♦ K arl K ors ch
do, não se vê
a pretensa nenhuma diferença
conseqüência entre omarxista
da dialética que Engels desenvolve aqui
ou materialista e, decomo
outra
parte, o que re sulta da dialética id ealista de Hegel ou do que este já ap re
sentara como uma conseqüência do seu ponto de vista idealista dialético.
Também Hegel indica às ciências particulares a necessidade de tomarem ple
na consciência do lugar que ocupam na concatenação universal e afirma, em
substância, que, por conseqüência, t oda v erdadeira ciênci a se torn a necessa
riamente filosófica. Daqui resulta, do ponto de vista terminológico, exata
mente o contrário da transformação da filosofia em ciência, anunciada por
Enge ls. Mas, no f und o, el es parecem dizer a mesm a coi sa - am bos qu erem
sup rim ir a oposição entre as ciênci as particulares e a filosofia, situad a acima
delas: Hegel o expressa elevando as ciências particulares ao nível da filosofia,
ao passo que Engel s, ao con trário , com a absorção da fil osofia pel as ciênci as
particulares. Nos do is casos, parece qu e se chega ao mes mo resu ltad o: as ciê n
cias particulares deixam de se r parti culares e , no m esmo m ovim ento, a filo
sofia de ixa de ser um a ciênci a pa rticular superior às outras. Co m o veremos
mais adiante, há por trás dessa diferença, puramente terminológica em apa
rência, alg o de m ais pro fu nd o e bem m enos vis ível nestas passa gens de Engel s
e, em geral, nos seus escritos tardios, bem como nos de Marx (ou de Marx e
Engels) elaborados anteriormente. Mas, aqui, é já importante constatar que
Engels, sempre reconhecendo o valor da “ciência positiva”, quer, ao mesmo
tempo , assegurar a subsistê ncia, “de mod o indep end ente”, de um dom ínio pr e
ciso e limitado de “tudo o que constituiu a filosofia até hoje” (a teoria do
pensam ento e de suas leis, a lógica fo rm al e a dialética). N ão há dúvid a de
que o problema decisivo é saber qual o significado, em Marx e Engels, do
conceito de ciência ou de ciência positiva.
30 [Ato único.]
31 Mais adiante veremos que bo ns materi alis tas aproxima ram -se, às vezes de um
modo alarmante, de uma concepção assim, absolutamente ideológica! E a
M ar xis m o e fil o so fia ♦ 71
observação tardia de Engels, citada supra na nota 26, também pode ser en
tendida no seguinte sentido: no plano intelectual, pelo menos em essência,
a filosofia já foi superad a e suprim ida, inconscientem ente pelo próp rio Hege l
e, depois, conscientemente, pela descoberta do princípio materialista. Ve
remos, contudo, que a interpretação sugerida pela fo rma em que Engels se
Ver, por exemplo, Kautsky, “Drei Krisen des Marxismus” (“Três crises do
marxismo”), Neu e Zeit, v. 21, n. 1, 1903, p. 723 e ss.
O leitor que se aproximar dos escritos de Lenin sem um conhecimento apro
fundado da conjuntura teórica e prática será facilmente levado a crer que
ele incorpora uma concepção ideológica, psicológica e moralista plenamente
burg uesa , in duzid o pela fo rm a acerba e pessoa l co m que este auto r (n isto
como fiel discípulo de Marx!) conduz a sua polêmica contra o “marxismo
vulgar” e pela exatidão e precisão filológicas com que trata os textos de Marx.
Um exame mais atento, porém, demonstra que Lenin nunca considerou o
fator pessoal como explicativo da evolução operada por decênios, e em es
cala internacional, que result ou gradati vam ente, no curso da segunda m eta
de do sécul o XIX, no em pobrecim ento e na degene resc ênci a da do utrin a m ar
xista em marxismo vulgar. Ele só utiliza esta espécie de razões para explicar
alg uns fenômenos his tór icos deter minados, próprios do último período ante
rior à gue rra m un dia l e no qual já s e anunciava a crise social e políti ca. Ad e
mais, seria incidir em grave erro sobre o marxismo sustentar que, para este,
o aca so e as qualidades de indi víduos singu lares não desem penh am nen hum
pap el, seja na his tó ria m undia l, seja em fe nôm enos histó ricos dete rm in ados
(ver a conhecida carta de Marx a Kugelmann, de 17 de abril de 1871, na
Neu e Zeit, v. 20, n. 1, p. 710 [ver K. Marx. O 18 brumário..., ed. bras. cit.,
p. 293-294] e, na “Intr odução” à Crítica da economia política, a observação
geral sobre a “justif icação do acaso” , que se enc on tra n o ú ltimo capítulo afo
rístico [ver K. Marx. Para a crítica da economia política. Salário, preço e lu
cro. O rendimento e suas fontes. São Paulo: Abril Cultural, 1982, p. 20 (“Os
economistas”) mas, segundo a doutrina marxista, o fator pessoal deve ser
tanto menos invocado quanto mais o fenômeno a ser explicado se estende no
tempo e no espaço. E é deste modo verdadeiramente “materialista” que, co
mo pode verificar qualquer leitor, Lenin procede em todos os seus escritos.
Ademais, o prefácio e a primeira página de O Estado e a revolução m ost ram,
72 ♦ K a r l K orsch
imediatamente, que ele não considera como o objetivo principal dos seus tra
b a lh o s te ó ric o s a “ re sta u ra ç ã o ” id e o ló g ic a d a a u tê n tic a d o u tr in a de M a rx . [A
ob ra de M arx a que Korsc h sem pre s e re fe re como Crítica da economia polí
tica é o li vro, pu blicad o e m 18 59 , Para a crítica da economia política; a “Intro
du ção ” é, po r sua vez , o texto redigi do p or M arx em 18 57 , parte dos m an us
critos publicados postumamente (1939-1941) sob o título Gründrisse der
Kritik der poli tischen Ökonomie. R oh entw urf (El ementos fun da m en tais para a
crít ica da e conom ia políti ca. R ascunhos) - não se dev e confu nd ir est a “In tro
dução” (que foi publicada pela primeira vez na N eue Z eit , em 1903, por
Kautsky) com o “Prefácio” do livro, de 1859.]
36 M as te x tos co m o As lutas de classes na França e O 18 brumário de Luís
Bonaparte , cro nologicam ente poster ior es, t am bém pertencem a es ta f as e.
37 [N a ed . br as . c it., p. 26.]
38 Bri fw echsel (Correspondência), v. 3, p. 191. É significativo que Kautsky
tenh a negli genci ado est a p ass age m, extrem am ente im po rtante para a com
p re e n sã o d o M anifestó inaugura l, no prefácio que preparou para a edição de
1922 do texto, no qual cita literalmente longos extratos desta carta (p. 4-5),
o que l he perm it e (p. l i e ss. ) contr apor o tom com edido do M anifesto in a u
gural de 1864 ao estilo inflamado do M anifesto com unis ta de 1847-1848 e
aos “agentes ilegais da Terceira Internacional”.
39 O utros bo ns exem plos encon tram -se no últ im o parágrafo do cap ítulo de O
capital, l ivr o 1, sobre a jor na da de trabalho : “ Pa ra protege r-se c on tra a ‘serpe
de seus to rm en tos ’, têm os t raba lhad ores de se un ir e , com o clas se, com pelir
a qu e se pro m ulg ue um a lei” etc . [na ed. bras. cit ., p. 344] ; ver tam bé m a
con hecida passagem em que M arx retom a esta idéi a (l ivr o 3, t . 2, p. 355) .
Há centenas de outros passoS de O capital que nos dispensam de referir os es
critos posteriores de Marx, abertamente revolucionários, como o M anifesto do
Conselho Geral sobre a revol ta da Co m una (em A guerra civil na França, 1871
[ver K. Marx. A guerra civil na Fran ça. São Paulo: Global, 1986]).
® [Em membros dispersos.]
41 [R . H ilf erding. O capital fi nanc eiro. São Paulo: Abril Cultural, 1985 (“Os
eco no m istas”); ver , pa ra a citação seguinte de Korsch, p . 28- 29.]
42 Q ue m , até 19 14 ou 19 18 , pô de acreditar, lendo estas li nha s com olho s pro le
tári os, que H il ferdi ng e outros m arxi st as ort odo xos que su stentaram posi ções
sem elhantes só form ularam es sa pretensão à validade objet iva (is to é, sup erior
à posição de cla sse) das suas propo sições guiad os p or razões práticas e teóricas
no interesse do proletariado teve, desde então, a oportunidade de mensurar,
tam bé m na prática, a ext ensão do se u err o. O exem plo de marxist as com o P aul
Lensch m os tra qu e esta e spéci e de “c iênci a científ ica” (!) po de m uito “pe rfeita
m en te” ser util izada contra o social ismo. Observe-se, de passagem, qu e Sim kovitch,
o crítico burguês de Marx, levou a distinção de Hilferding entre marxismo
e social ismo, que aqui criti cam os, às suas mais absurdas conseqü ências - ver o
seu livro, srcinal e interessante só por esta razão, M arxism us gegen Sozialis mus
M a r xi smo e fi l osof ia ♦ 73
alemã. A i m portâ ncia deste últ im o para o nosso prob lem a surge já na passa
gem do prefácio a A sagrada fa m ília , no qual os autores anunciam que ex
porão positiv am ente , nos seus pró xim os trabalh os, as suas idéias ac erca de
“novas doutrinas filosóficas e sociais” [ver K. Marx e F. Engels. A sagrada
família. São Paulo: Bo itemp o, 200 3, p. 16] . Infelizmente, es se m an usc rito -
de relevância capital para quem quiser analisar de modo fiel e exaustivo o pro
blem a das relaçõ es entre o m arx ism o e a filosofia - perm anece parcia lm ente
inédito até hoje [ao tempo em que Korsch escreveu Marxism o e filosofia, só se
conheciam fragmentos dessa obra; há ed. bras. integral: K. Marx e F. Engels.
A ideologia alemã. São Paulo: Boitempo, 2007]. Mas as partes publicadas, espe
cialmente “São Max” ( D okum ent des Sozialismus [Docum entos do Socialis
mo], n. 3, p. 17 e ss.) e “O concílio de Leipzig” ( A rchiv für Sozialwissenschaft
und Sozialpolitik [Arquivo de Ciência Social e Política Social], n. 47, p. 773
e ss.), mais as informações muito interessantes fornecidas por Gustav Mayer
sobre a parte ainda inédita deste material (ver a sua Biografia de Engels, v. 1,
p. 239 -2 60), m ostram que é a qui qu e se deve procurar o enuncia do do p rin
cípio materialista dialético de Marx e Engels na sua totalidade e não no Ma
nifesto comunista ou no prefácio à Crítica da economia política, onde a apre
sentação dest e princípio é unilateral - acentuada, no prim eiro, a s ua signi
ficação revolucionária prática e, no segundo, a sua significação teórica, eco
nômica e histórica. Perde-se freqüentemente de vista que as célebres frases
do prefácio à Crítica da economia política sob re a concepção m aterialis ta da
história têm por objetivo apresentar ao leitor “o fio condutor do estudo da
sociedade” de q ue M arx se servi u nas suas pes quisas sobre econo m ia po lítica,
e que ele, por esta precisa razão, não exprimiu, nesta passagem, a totalidade
do seu novo princípio materialista dialético; e, no entanto, isto ressalta clara
mente, tanto do conteúdo quanto da forma dessas observações. Por exem
plo, lê-se: n um a era de revolu çã o social, os hom ens to m am co nsc iê ncia do
conflito que irrompeu e ingressam na luta; a humanidade só se propõe cer
tas tarefas sob determinadas condições; e mesmo a época de grandes trans
formações está acompanhada de uma consciência determinada. Como se
verifica, a questão do sujeito histórico que realiza realmente esta transfor
mação da sociedade, com uma consciência justa ou falsa, não é minima
m ente tratada . Por conseqüência, se se quiser tom ar o princíp io m aterialis ta
dialét ico em sua totalidade, é i ndispens ável com pletar a descrição aqui ofere
cida por M arx da sua nova concepção da história com os seus outros esc ritos
edos
ospequenos
de Engelstextos
(sobretudo aqueles
dos últimos do primeiro
anos). Foi o queperíodo, deum ano,Oem
além há
tentei fazer
capital e
minha pequena obra Kern pun kte der materialis chen Geschichtsauffassung, cit.
63 [Ver, na e d. bras. cit. da Crítica da filosofia do direito de Hegel, p. 151.]
64 Ver Das Kapital, livro 1, p. 336, nota 89 [na ed. bras. cit., livro 1, v. 1, p. 425,
nota 89], bem como a quarta tese das Teses sobre Feuerbach [na ed. bras. de
A ideologia alemã, cit., p. 534 e 538], inteiramente concorde com esta passa
gem. Com o se vê cl aram ente, o q ue Marx considera aqui como o único mé-
M a r xi smo e fi l osof ia ♦ 77
dialéti ca que ob no
tões econômicas rigaplano
a colocar e resol
político: ver exemplo,
ver, por - teórica ae carta
pratica m ente
a Ruge, de-se
as qu es
tembro de 1843, na qual Marx responde aos “socialistas vulgares”, para os
quais questões políticas, como a da diferença entre o sistema estamental e
o sistema representativo, eram “absolutamente negligenciáveis”, com a indi
cação dialética de que “esta questão apenas exprime, no plano político, a dife
rença entre o reino do homem e o reino da propriedade privada” ( Nachlass,
v. 1, p. 382).
78 ♦ K arl K or sc h
éenquanto
que seu exame deste problem
os demais, a teme oBarth,
como Tõennies mé ritosempre
de re correr a todasa asex
se limitam fontes ,
pressõ es ou frases iso ladas de Marx.
72 Ver a ca rta de M arx a Ruge, de se tem bro de 1843 ( Nachlass, v. 1, p. 383).
73 É assim que M arx d efine o term o “rad ical” na Crítica da filosofia do direto
de Hegel [na ed. bras. cit., p. 151],
74 Ver a carta de M arx a Ruge, de setem bro de 1843 {Nachlass, v. 1, p. 383).
75 Ver a introdução e o prefácio à Crítica da economia política [na ed. bras. cit.
de Para a crítica da economia política, p. 3 e ss.].
76 Mesm o em 1843, esta frase não exprimia de mo do inteir am ente corr eto as r eais
concepções de Marx. Na mesma carta a Ruge (setembro de 1843), de que
extraímos as nossas citações, Marx afirma, poucas linhas antes, que as ques
tões que interessam aos representantes do princípio socialista dizem respeito
à realidade do verdadeiro ser humano; mas que, ademais disso, é preciso tam
bém pre ocupar-se com o outr o aspecto desse ser e fazer da ex istência teórica
do homem (logo, da religião, da ciência etc.) o objeto da crítica. Nesta pers
pectiva, po de-se re su m ir a evolução do pen sa m ento de Marx do seguinte m o
do: ele começou a criticar a religião do ponto de vista filosófico, depois a re
M a r xi sm o e fi l oso fi a ♦ 79
riam de objetar a esta teoria que o seu célebre autor confunde o objeto da
ciência da guerra com esta pró pria ciênci a. No e ntanto , Clausewi tz sabia mu ito
be m o qu e é um a ciência no sentido vulgar e não dialético. Ele afirma expressa
m ente que aqu ilo que a linguagem corrente cham a ora de arte, ora de ciê ncia
da guerra não pode ser o objeto de uma ciencia “no verdadeiro sentido do
termo” porque não se trata aqui de uma “matéria inerte”, como ñas artes (ou
ciências) mecânicas, nem de um “objeto vivo, mas passivo e submisso”, co
mo ñas artes (ou ciências) ideais, “mas de um objeto que vive e reage". Um
tal objeto pode, todavia, como todo objeto não transcendente, “ser esclare
cido e mais ou menos exposto em sua coesão interna pela investigação do
espírito” e “isto é suficiente para justificar uma teoría” (ibid., p. 141, 144).
A semelhança entre esta concepção de teoria de Clausewitz e a de ciência no
socialismo científico de Marx e Engels é tão evidente que não precisa ser co
men tada - e não surpreende, já q ue ambas derivam da mesma fonte, a id éia
de ciência e de filosofia dialéticas de Hegel. Além disso, as glosas dos epí
gonos
em seudetom Clausewitz sobre
e conteúdo, daseste aspecto dadesua
observações teoria semarxistas
inúmeros aproximam muito,
científicos
modernos sobre a teoria de Marx; citemos umas poucas frases do prefácio
de Schlieffen à sua edição do livro de Clausewitz: “Clausewitz jamais con
testou o valor em si de uma teoría sensata; o seu Da guerra está simples-
men te saturado do esfor ço para coloc ar a t eoria em concordân cia com a vida
real. É isto o que explica, em parte, a predominância dessa maneira de ver
filosófica, que nem sempre agrada ao leitor'contemporáneo” (p. iv). Como
se vê, o marxism o não foi o único o bjeto de vulgarização na segunda me tade
do século XIX.
79 Esta liga ção entre o espírito não revo lucioná rio e a inco m preen são to tal do
caráter dialético da crítica marxista da economia política é particularmente
visível em E du ard Bernstein; el e conclui se u estud o sobre as teorias do v alor
com um a observaç ão que, com parada com o senti do verdadeiro da teoria do
valor de Marx, soa comovedora: “Atualmente, estudamos [!] as leis de for
mação dos preços por uma via mais direta que aquela que se vê embaraçada
por essa coisa metafísica ch am ad a ‘valor’” ( Dok um ente des Sozialismus, n. 5,
1905, p. 559). De igual modo, entre os idealistas do socialismo,-partidários
do regresso a Kant ou outros, o ser e o dever ser novamente se dissociam; ver
a crítica ingênua de Herlander, no já citado M arx und Hegel (p. 26): “Pela
sua própria natureza [!], a maioria dos homens pensa kantianamente, isto
é, faz uma diferença entre o ser e o dever ser”. Ver, ainda, a notação de Marx
sobre John Locke, na Crítica da economia política (p. 62 [na ed. bras. cit. de Para
a crítica da economia política, p. 63]), na qual se afirma que este penetrante
filósofo burguês “demo nstrou até, num a ob ra espe cia l, que a razã o burguesa
era a própria razão humana normal”.
80 A melhor apresentação de todo este status causae metodológico encontra-se
no segundo dos dois artigos que Engels publicou, a 6 e 20 de agosto de 1859,
no hebdomadário alemão de Londres Das Volks (O Povo), a propósito da Crí
M arxi smo e fil os ofia ♦ 81
tica da economia política de Marx, então recentem ente ed itada, col igi dos no
número 4 dos D okum ente des Sozialismus (1900) e hoje mais acessíveis em
Friedrich Enge ls-Bre vier [Friedrich Engels - Breviário], de Ernst Drahn (1920,
p. 113 e ss.); as ex pres sõ es que citamos, e o utr as que vã o no m esm o se ntido,
estão às páginas 118-119. (“Poder-se-ia acreditar que o reino da velha meta
física, com suas categorias rígidas, tinha recomeçado na ciência”; “numa
época em que o conteúdo positivo da ciência de novo preponderava sobre
o aspecto formal”; as ciências da natureza “entravam na moda” e também
“a antiga maneira metafísica de pensar, inclusive a vulgaridade extrema de
Wolff”;“o modo de pensar filisteu limitado da época pré-kantiana reproduz
até a mais extrema vulgaridade”; “o caminho anquilosado do senso comum
burg ués” e tc.). [Ver os dois artigos, sob o títu lo “A Contribuição à crítica da
economia política de Karl Marx”, em K. Marx e F. Engels. Obras escolhidas.
Rio de Janeiro: Vitoria, 1961, v. 1; as citações encontram-se na p. 308.]
Sobre esta distinção entre as relações da concepção de história de Hegel com a de
Marx
ibid., ep.as120
relações do bras.método
[na ed. cit. nalógico de Hegel p.com
nota anterior, o de Marx, ver Engels,
310].
Ver Nachlass, v. 1, p. 319. A frase de Hegel, referida imediatamente pouco
antes (e extraída da Fenomenología do espirito [ver G. W. F. Hegel. Fenome
nología do espírito. Petrópolis: Vozes, 1992, v. 1, parte 1, p. 47]), está mais
amplamente reproduzida nos meus Kernpunkte, cit., p. 38 e ss. A incapa
cidade de apreender esta relação de identidade entre a forma e o conteúdo é
o que distingue o ponto de vista transcendental, que toma o conteúdo como
empírico e histórico e a forma como necessária e universalmente válida, do
p o nto de vista dialé tico - idealista ou m aterialista - , para o qual a fo rm a
como tal se encontra também envolvida na caducidade do empírico e do his
tórico e, por conseqüência, nos “tormentos da luta”. Verifica-se aqui,
claramente, como a pura democracia e a pura filosofia transcendental se vin
culam mutuamente. [Quanto à frase de Marx, ver, infra, a nota 9, no ca
pítulo “A co ncep ção m aterialista da his tó ri a”.]
Ver Engels, ibid. [Friedrich Engels-Brevier, cit.], que acrescenta considerar a
elaboração deste método, base da Crítica da economia política de Marx, co
mo um result ado que “ pouco fica a dever em im portânc ia à próp ria concepção
mate rialista fu nd am en tal” [na ed. bras. cit ., p. 310]. Ver, ademais, as conh ecidas
afirmações de Marx no posfácio à segunda edição alemã de O capital
(1873).
Todas estas expressões foram extraídas do texto, publicado postumamente,
“Introdução geral à crítica da economia política”, que é o documento mais
instrutivo para o estudo da verdadeira posição metodológica de Marx e
Engels. [Trata-se do texto que, na ed. bras. cit. de Para a crítica da economia
po lítica, encontra-se às p. 3-21.]
Ver A nti-D ührin g [ed. bras. cit., p. 32], Um exame mais atento desta passa
gem e de escritos ulteriores de Engels nos mostra que, sob o condiciona-
82 ♦ K arl K or sc h
1.
da
no época,
plan o que então
teórico, eleatingiam o seudaparoxismo.
encon traria, Tudo leva
parte da tendência que va
coma crerbatia
que,
na prática, an im osidad e e recus a. Em troca, pode r-se-ia esperar que a
cor rente cuja tendên cia prática el e sustentava com seus meios teóricos o
exam inaria com o tal, com imparcialidade e mesm o com s impatia. Pois
ocorreu exatamente o contrário. Eludindo as premissas e as conse
qüências prática s da tes e defendida em Marxismo e filosofia, apreen
den do de m od o u nilateral a pró pria tese e, assim, alteran do-a , a crítica
operada sobre este livro em nome da ciência e da filosofia burguesas
assum iu um a atitu de posi tiva diante do se u con teúdo teórico. Em v ez
de expo r objetivam ente e criticar o resultado efetivo globa l, revo lucio
nário tanto na teoria quanto na prática, que esta investigação pre
tendia fun da m en tar e d esenvolver, ela val orizou parcialm ente aquilo
que o po nto de vista burguê s considera como o “lado bom ” - o reco
nhe cim ento das real idades es pirituais - , ignoran do aquilo qu e, para o
mesmo ponto de vista, constitui o “lado mau”: a proclamação da des
truição total e da superação dessas realidades espir ituais , bem com o da
velha igreja marxista ortodoxa: dian te do concí lio reunido , cond ena ram
as idé ias expressas neste livro com o desvio da doutrina estabelecida,A
À primeira vista, o que chama a atenção, nos argumentos crí
ticos com os quais os representantes ideológicos dirigiram “teorica
m ente ” a acusaçã o de her esia pron unc iada co ntra Marxismo e filosofia
nos dois congressos de 1924, é, antes de tudo, a total concordância do
seu conteúdo - algo surpreenden te qu ando se levam em conta as diver
gências teóricas e práticas que , sob tantos aspectos, sepa ram os seus au
tores. Qu an do o socialdem ocrata We ls cond ena as id éias do “Profes
sor Korsch ” com o heresi a “comu nista” e quand o o com unis ta Zinovi ev
as conde na com o heresia “ revisionista” , o que se tem é apenas um a dife
rença de terminologia. De fato, todos os argumentos que Bammel,
depois, de u m a questão mais ger al, sobre a qual se desenro la a inve sti
gação particu lar conce rnen te às relações entre o m ar as m o e a filosofi a,
ou seja: a investigaçã o sobre o conceito marx ista de ideologia, o u sobre a
relação entr e a consciência e o ser. É neste último p on to q ue as concl u
sões do m eu livro se apr ox im am mu itas v ezes dos estudos dialéti cos de
Gyõrgy Lukács, publi cados quase a o me smo te mpo sob o títu lo Geschichte
und Klassenbewusstsein. Studien über marxistische Dialektik (História
e consciência de classe. Estudos de dialética marxista),6 e que se fun
dam sôbre um a base filosófica mais ampla. Em um epílog o de m eu livro,
declarei esta r fundam entalm ente de acordo com G. Lukács, reserván do
me par a ulteri orm ente tra tar de mod o mais pre ciso das divergências, tan
to sobre o conteúdo quanto sobr e o método, que pod eriam existir entre
nós. Est a declara ção foi apresentada, sob retud o pelos críticos de ob e
diência comunista, como o reconheci mento de um acordo completo - e
eu mesmo, naquele m om ento, não tinha suficientemente escl arecida a
dimensão das divergências (não apen as “particu lares ”, mas ve rda de ira
me nte fu ndam entais) em relaç ão a Lukács, não obstan te os vários pon
tos com uns de nossas tendências teór icas . P or est a razão, e po r m uitas
out ras q ue n ão cabe discutir aqui, recusei a s várias sugestõ es de m eus
adversári os do Partido Co m unista para “ delim itar” as minhas idéias
em face das de Luká cs; pref eri su po rta r com p aciência que os críticos
assimilass em aos de Luká cs - com o eles gostam de fazer - os meus
pró prio s “desvios” diante da “doutrina m arxista-leninista”, fora da qual
nã o há salvaçã o. A inda hoje, qu and o não m e é mais possível acrescentar
à segunda ed içã o inalterada do m eu livr o um a sem elhante aprovação
fu nd am en tal das idéia s de Lukács, e qua nd o todas as razões que m e im
pediam de me exprimir claram ente sobre as nossas divergências estão
caducas, creio, no essencial, encontrar-me objetivamente ao lado de
Luká cs na atit ud e crítica em f ace da antiga e da nova orto do xia m ar
xist a, socialdem ocrata e com unista.
2 .
O prim eiro c ontra -ataque d ogmático que os c ríti cos da antiga e
da nova ortodox ia m arxist a dirigiram contra a concepção do marxis
mo (antes de tudo, não dogmática e antidogmática, histórica e crítica e,
86 ♦ K arl K ors ch
e dispoutam
corta a propried
n ó górdio ade
dess as do “anel
quere verdadeiro”
las dogmáticas para.7C
se ontud o, qu
colocar noand
terro e
se
no do c onhe cim ento dial ético (o que simbolicamente se exprime pela
afirmação de que o “anel verdadeiro” se perdeu); se se recusa, pois,
mensurar dogmaticamente, graças a não se sabe qual câno ne a bs trato
de uma “ do utrin a p ura e autênti ca”, a concordância m aior ou m enor
das diver sas variantes em m atéria de teoria marxista; e s e se considera,
Estado atu a l do pr obl ema (an ti crít ica) ♦ 87
metade d traços
ração dos o século XIX,
gerai qu se
s des e não po deria
m ovim ento conten tar-se
histórico, com aente
seguram recufaria
pe
aqui distinções m uito im portan tes. Q ua nto a isto, meu liv ro, de fato,
deixa em abe rto um grande nú m ero de questões, que, ao que se i, ainda
não fo ram objeto de nenh um exame. Assim, po r exemplo, qu an do F.
Engels, no final de seu livro Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia
clássica alemã, descrevia, em 1888, numa frase que ficou célebre, o
88 ♦ K arl K or sc h
m
dounmista
se prote
o dá ge
da re sponsa bilidadealpessoal
- ele sedeabriga
fazers eob
ssaa apologia
arxism Segunda Internacion eno rm e
som bra de Lenin. Para mo strar como, em Marxismo e filosofia, a “abs
traç ão ” e a “esquem atizaçã o” obscurece m o conceito de “m arxis mo da
Segunda In tern acio na l”, meu críti co, conforme um há bito esco lástico
bem estabelecido, cita uma frase em que o grande tático Lenin re co
nheceu, nu m a con juntu ra táti ca particularm ente complex a, “o mérito
Estado atu al do pr obl ema (an ti crít ica) ♦ 91
asionismo”
rela ção com um ente aceita
de Bernstein entre o “marx
e, sobretudo, ism o” ade Kauts
caracterizar ky e o “revi
ortodoxia mar
xista de Kautsky com o a ou tra face, o reve rso teórico e o com plem ento
simétrico do revisionismo de Bernstein ,19
Considerando esses fatos históricos, evidencia-se que não são
apenas in justificadas, m as carentes d e sentido as censur as dos críticos
ortodoxos em face da minha pretensa predileção pela forma “primi
tiva” da teoria de Marx e Engels, do meu supo sto d esprezo pelo ap er
feiçoamento realiza do sobre est a forma srcinal do m arxism o - seja
pelos próprio s Marx e Engels, seja pelos marxistas posteriores - no
curso da segunda metade do século XIX. O “marxismo da Segunda
Inte rna cio nal” - segundo os meus críticos, desenvolvimento positivo
da teoria o riginal de Marx e Engels - é, na realidade, u ma fo rm a his
tórica nova da teoria proletária de classe. Ela nasceu da modificação das
condições práticas da luta de c lasses nu m a época nova e m ant ém com
a teoria de Marx e Engels (seja na sua forma srcinal ou na sua forma
ulterior, mais desenvolvida) relações inteiramente diferentes, muito
mais complexas
feiçoamento ou,do
aoque imaginam
contrário, umaaqueles que mencionam
estagnação, um
uma regressão e aper
uma
atrofia da teoria de Marx no marxismo da Segunda Internacional. O
marxismo de Marx e de Engels não é, pois, uma teoria socialista “ul
trapassada” do ponto de vista do m ovimento operá rio co ntem porâ
neo, com o Kautsky o prete nde (ele só o diz e xpressam ente a pro pós ito
da sua forma srcinal, o “marxismo primitivo do Manifesto comu-
Estado atu al do pr obl ema (anticrIt ica) ♦ 93
nista”, mas sua afirm ação val e, de fat o, par a todo s os elem entos revo
lucion ários da teoria ulterior de Marx e Enge ls). Tam bém não é, por
ou tro lado, um a teoria que, por força de al gum prodigio, fo i e perm a
nece ainda por longo tempo mais avançada que o desenvolvimen
to do m ovim ento o perário; nem est e continuaria, com a sua pr ática,
atrasado (por assim dizer) em relação à sua própria teoria, somente
podendo progressivam ente ocupar no futu ro o lugar que ela já lhe
tinh a reser vado - tud o isso foi freqüentem ente sustentado, no início
do terce iro pe ríod o (ou se ja: no fim do sécul o passado), pelos repre
sentantes das tendências revolucionárias da ortodoxia marxista social
democrata e ainda é sustentado por alguns marxistas contemporâ
neos.20 É necessário com pree nde r de um m odo totalm en te diverso a
defasagem entre a teoria “marxista” revolucionária, altamente de
senvol vida, e um a práxi s que permanece m uito atra sada em relaç ão a
ela e, em parte, chega a contradizê-la diretamente; esta defasagem é
real no P artid o S ocialdemocrata da Alem anha desde s ua evoluçã o no
sentido de to rnar-se p artido “marxi sta” (aproximadam ente concl uída
com o Programa de Erfurt, de Kautsky-Bernstein, de 1891) e foi pro
gressiva e peno sam ente sent ida, no per íodo seguinte, po r todas as for
ças vivas do p artido (de direita e de esquerda!) - som ente a ortod oxia
marxis ta do ce ntr o a negou. Ess a defasa gem deve-se sim plesm ente ao
fato de que, desde o início, nesta fas e histórica, o “ m arx ism o” não foi,
para o m ovim ento operário, que a ele aderira apenas form almente, uma
verdadeira “teoria” - isto é, “expressão geral, e nada mais, do movi
mento histórico real” (Marx) -, mas sim e somente uma “ ideologia ”,
trazid a já p ro nt a e acabada “ de fora” .
Q uan do, nesta situaç ão, “marxistas orto dox os” com o K autsky
e Lenin sustentavam energicamente que o socialismo só podia ser
introduzido no movimento operário “de fora” por intelectuais bur
gueses vinculad os a es te mo vim ento ,21ou mesm o qu an do radicais d e
esquerda, como Rosa Luxemburg, vinculavam a “estagnação” veri
fica da no m arxism o, de um a parte, à criati vidade espiritual de Marx,
m un ido de todo s os recursos que a cultu ra burgue sa de c lasse pusera
à sua d ispos ição, e, de out ra, às “condições sociais de existên cia do pr ole
taria do na sociedad e atual”,22 que permanecem inalteradas durante
toda a época capitalis ta - tud o iss o sig nifi ca sim plesm ente faze r da
94 ♦ K arl K or sc h
neces sid ade m om entâ nea um a vir tude eterna. A expl icação ma teria
lista da contradiçã o aparente entre teoria e práxi s na Segunda Inter-
nacional“marxista”, e, ao mesmo tempo, a solução racional de todos
os mistérios im aginados pela ortodoxia m arxista da época par a resol
vê-la residem nu m fato histórico: adotando de modo puramente for
mal o marxism o com o ideo logia, o movim ento op erário de então pe r
ma necia, em s ua práxis, sobre es ta sua nova base , bem abaixo do nível
de desen volvim ento geral (e teórico, e m pa rticula r) a tingido, sobre a
base mais estreita de antes, po r todo o mo vimento revolucionári o e, com
ele, pela luta de classe do proletariado em meados do século XIX,
quando se esgotava o primeiro ciclo de desenvolvimento do capi
talismo. Neste momento, o movimento operário, anteriormente
elevado a um maior grau d e evolução, exp erim entou um a estagnação
provisória m ais longa e, mesmo depois, quando outras condições ob
jetivas se deram, despertou apenas gradualm ente; a teoria que Karl
Marx e Friedrich Engels conceberam em direta relação com a práxis
do m ov im en to revolucioná rio s ó pôde, então, desenvol ver-se no pla
no teórico. É certo que este aperfe içoame nto ulterio r jamais foi o sim
ples produto de estudos “pu ram ente teóricos”: era tam bém resultante
de novas experiências da luta de classes que renascia sob formas di
versas. Mas é igualm ente ce rto que esta teoria de M arx e Engel s, ava n
çando para um grau de elaboração cada vez mais alt o, não estava mais
diretam ente liga da à práxi s do m ovime nto operá rio que lhe era co n
tem po rân eo . Ao contrário , estes dois processos - o desenvolvimento,
em novas condições, da antiga teoria herdada de uma época finda e a
nova prá xis do m ovim ento operário - evol uem lad o a lado, mas d e m o
do relativamente independente. É assim que se explica o nível ele
vado e “extemporâneo” (no pleno sentido da palavra) que a teoria
marxist
aspectosafi- losóficos
tanto em-seu conjunt eo atq uanto,
conservou, particularmente,
é reforçou, nos perseus
no curso desse ío
do, em Marx e Engels e nuns poucos discípulos seus. Também assim
se explica, po r ou tra parte, o fat o de o movim ento operário, d esperta do
desde o último terço do século XIX, permanecer na total impossi
bilidade de aderir não apenas formal, mas efetivamente, a esta teoria
marxista tão altam ente desenvolvi da.23
Estado atu a l do pr obl ema (an ti crít ica) ♦ 95
3.
meu livro,que
vimento sublinhei a necessidade,
exp erim neste
entam os desde terceiro
o iní cio período
do sécul o XX,deded esenvol
recon
siderar o pro blem a das r elações entre ma rxism o e filosofia. Eu via ai a
obrigação de revalorizar o lado filosófico do marxismo, em contraste com
o desprezo precedentemente manifestado (sob formas variadas, mas
com o mesmo resultado) pelas diversas correntes do marxismo em
face dos e lemen tos fil osóf icos revo lucionários da d ou trin a de M arx e
Engels. Com isto, eu me opunha a todas as tendências do marxismo
alemão ou internacional, surgidas no período anterior, como cons
cientem ente “revisionistas”, vincu ladas à escola de Kant, de Mach ou de
outros filósofos. Op unha-m e igual ment e à cor rent e que conduzira pro
gressivamente a tendência centrista dominante da ortodoxia social-
dem ocrata a um a concepção cientificista-positivista do marxismo, ad
versária de to da filosofia —e à qual revolucionários ortod oxo s, co mo
Franz M ehring, também capitul aram antes, m anifest ando o se u des
prezo para com toda “elucubraçã o” filosófica. Porém, esta concepção
da missão rev olucio nária atual da filo sofia est ava (c omo logo s e veria )
partidos não russos vinculados à In ternacio nal Com unista .24 O ele
mento central, o núcleo dess a ideolo gia “bolcheviq ue” era um a ideolo
gia es tritam ente filosófica que se pretendia a restaurad ora d a verdadei
ra e autên tica filosof ia marxista e tentava, nesta cond ição, enfren tar-
se com todas as outras tendências filosóficas no interior do movi
m ento operário moderno.
Esta filosofia marxista-leninista que se propagava para o Oci
dente encontrava nos meus textos, nos de Lukács e de outros co
m unistas “ ocidentais” uma tendência filosófica anta gôn ica , no próprio
seio da Internacional Comunista; aí colidiram, de fato, a s duas ten dê n
cias revolucionárias surgidas no pré-guerra da Internacional Social-
democrata e que, na Internacional Comunista, apenas aparen
temente tinham se unificado. Os debates entre estas duas tendências
haviam inc idid o até entã o apenas sob re questões política s e táticas;2 5
agora, pela primeira vez, elas se enfrentavam num embate direta
mente filosófico. Tal confro nto, po r razões históricas de q ue falarei em
seguida, não passou naquele momento de um eco débil das dis
cussões polít icas e táticas - vigo rosas, tant o de um lado qu ant o d o o u
tro - dos anos ime diatamente anteriores; e logo passou a s egundo
plano, em razão das lutas entre as frações políticas que, desde 1925,
ressurgiram no seio do Partido russo e, a partir de então, com cres
cente violência, envolveram todos os partidos comunistas. No en
tanto, aquele confronto teve uma significação transitória não negli-
genciável no quadro do desenvolvimento geral, constituindo a pri
meira tentativa pa ra ro m per a “i m permeabilidade recíproca” que até
então re inara entre as ide ologi as re spect ivas dos com unis m os russo e
ocidental, de acordo com as palavras de um crítico russo excepcio
nalm ente bem info rm ado sobre a situação teórica nos dois cam pos.26
Resumamos esta querela filosófica de 1924, sem lhe retirar por
agora a form a ideológica de que se revestiu na consciência dos parti
cipan tes: tratava-se de u ma discus são entre a interpretação leninista do
materialismo de Marx e Engels ,27 então solenemente canonizada na
Rússi a, e os juízos de G yõrgy Lukác s e de vários teórico s dos Par tido s
Com unistas húngaro e alemão, consi derados (certa ou erra dam ente)
“adep tos” de Lukács - juízos que se “desviavam” daquele câno ne para
deriva r no idea lismo, na cr ítica kantiana do con hecim ento o u na dia-
Estado a tu al do pr obl ema (an ti crít ica) ♦ 97
quanto A
à natureza” (o queconcepção
crítica desta Engels, já primitiva,
em 1878, critica em Dühring).
pré-dialética e até pré-
transcendental da relação entre a consciência e o ser me parecia, então,
óbvia para qualquer dialético materialista, para qualquer marxista
revo lucion ário - po r isso, eu não a expus em detal he, tom ei-a mai s
como pressuposição; todavia, sem me dar conta, com ela ataquei o
ponto capital da concepção “filosófica” ( Weltanschauung ) bem par
ticular que M oscou pretendia propagar para todo o O cidente como o
verdadeiro fundamento da nova ortodoxia chamada “marxismo-
leninismo”. Com uma ingenuidade que, do ponto de vista herético-
ocidental, só pode ser caracterizada como “virgindade filosófica”,
os categorizados porta-vozes do novo “marxismo-leninismo” russo
responderam a esse ataque supostamente “idealista” recorrendo ao
bê-á-b á “m aterialista”, que sabem de cor e salteado.311
O debate propriamente teórico com a filosofia materialista de
Leni n - que seus epígonos da Rússi a sovi ética susten tam literalm ente
até hoje , a despeito de inconseqüências grotesc as e contrad ições gri
tantes - aparece aqui com o um a tare fa secundária; c om efeito, o
próprio Lenin , enquanto vivo, não ofereceu à filosofia um fun
dam ento especifi camente t eóri co; e le a defendeu so bretud o rec orre n
do a argum entos polí ticos de ordem prát ica, aprese ntando -a como a
única filosofia “útil” ao proletariado revolucionário diante do kan
tism o, da filosofia de Mach e de ou tra s filosof ias idealistas que lhe são
“n ocivas” . Tu do isto está exp resso, sem o m en or equívoco, n a cor res
98 ♦ K arl K or sc h
pondência particula r que ele manteve com Maxim Gorki sobre essas
questõe s “filosóficas”, depois da pri meira revo lução russa de 1905. Lenin
não se cansa de explicar a seu amigo pessoa l - que, ao m esm o tem po,
era seu adversário em filos ofía políti ca - “que um h om em de partido,
quando está persuadido do caráte r totalme nte erróneo e nocivo de uma
certa t eoria, tem , p or isto, o dever de atacá-la e que o m elho r que pode
fazer, se um tal ‘com bate ’ é absolu tam ente inevitável” é, co mbate ndo ,
“zelar para que o trab alho prático indispensável a o Partid o n ão sofra
com isso”.31Do m esm o m odo, a significação real da obra filosófica pr in
cipal de Len in não reside nos argu mentos filosóficos me dian te os quai s
ele ataca e “refuta” teoricamente as diversas tendências idealistas da
filosofía burg uesa m oderna, que - urn as kantianas, outras “empirio-
criticistas” baseadas em Mach - haviam estendido sua influência so
bre as correntes revisionista e centrista do m ovim ento socialista de
então; reside, sobretudo, na conseqüência extrema que ele extraiu
para com bate r e tentar liquidar pra ticam ente tais tendências filo
sóficas contemporáneas considerando-as como ideologias errôneas do
ponto de vista do Partido.
Assim, o promotor desta pretensa restauração do verdadeiro
materiali smo de Marx e de Engels - apena s para m encio nar u m dos
aspec tos mais im po rtan tes32- jamais põe em dúvida que eles, nos anos
1840, após acertarem definitivamente as contas com o idealismo de
Hegel e dos hegeli anos, tenham se limitado , no restante do seu trab a
lho teór ico33per tin en te à gnosiologí a, “a corrigir os erros de Feu erbach,
a zom bar das banalidad es do materialista Düh ring, a criticar o s equ í
vocos de Büchner, a sublinhar que a dialética estava ausente entre
esses escritores, os mais populares e conhecidos nos meios operários”.
“Quanto às verdades fundamentais do materialismo, proclamadas
em incontáveis publicações pelos vendedores ambulantes de idéias,
Marx, Engels e Dietzgen só se preocupavam em evitar que fossem
vulgarizadas, simplificadas excessivamente e pudessem conduzir à
estagnação do pensamento (‘materialismo em baixo, idealismo no
alto’), ao esquecimento do fruto precioso dos sistemas idealistas, ao
olvido da dialética hegeliana, pérola que os Büchner, os Dühring &
Cia. (aí incluído s Leclair, Mach, Avenarius e muito s ou tro s) não so u
beram extrair do lixo do idealismo ab so luto ”. Em suma, em razão das
Estado atu a l do pr obl ema (an ti críti ca) ♦ 99
con diçõe s histó ricas em q ue se operav a o seu trab alh o filos ófico, “e/es
tomaram mais cuidado com a vulgari zaçã o das verdades fun da m en
tais do m ateriali smo do que com a sua próp ria defesa ”, assim como, na
luta política, “tom aram mais cuidado com a vulgar izaç ão das reivin
dicações fundamentais da democracia política do que com a sua
defesa”. Em tr oc a, Lenin af irm a que, nas condições histó ricas presentes —
a seu ver totalmente modificadas sob este aspecto -, o mais impor
tante, para ele e para tod os os outros marxista s revolucion ários, não é
a defe sa, na política, da s reivindi cações funda mentais da dem ocracia
política (?), mas, em filosofia, a defesa das“verdades fundamentais do
materialismo filosófico” contra os seus adversários modernos do
camp o burguê s e os cúmpli ces que e les encontram no p róp rio campo
da classe
cam poneopsaserária, bem com
e atrasadas o a divulgação
da Rús sia, da Á siadee de
lastod
entre
o oas
mamplas
un do , remassas
ivin
dicando abertamente o materialismo revolucionário burguês dos
sécu los XV II e XV III.34
Co mo se vê, Lenin não prioriza em tud o isto a questão teórica
da verdade ou da falsi dade da fil osof ia materialista que defende; para
ele, trata-se u nicam ente da questão prática da sua utilidade pa ra a luta
revolucionária da classe operária ou, naqueles países que ainda não
experimentaram o estágio mais alto do desenvolvimento capitalista,
da classe ope rária e de todas a s camadas popu lares oprim idas. O po nto
de vista “filosófico” de Lenin aparece assim como uma forma muito
particula r da posição que exam inei já na primeira edição de M ar
xismo efilosofia e de que o jovem Marx, de mod o pe netr ante , indicara
o defeit o essenc ial qua nd o se bateu contra “o partido po lítico prático que
se considera em condições de supri mir (praticam ente) a filosofia s em rea
lizá-la (teoricamente)". Posicionando-se sobre as questões filosóficas
somente em função de razões e conseqüências extra-filosóficas, sem
considerar ao mesmo tempo o seu conteúdo filosófico-teórico, co
me te-se o mesm o erro em que incorreu, outro ra, com o o diz Marx, “a
facçã o política prá tica na Alem anha”, qu and o ac redito u po de r realizar
“a negação da filosofia” (em Lenin: de tod a filoso fia idealista !) co rre
tamente reivindicada “voltando as costas à filosofia, olhando para
qua lquer ou tra parte e m urm ura nd o um pun had o de fr ases triviai s e
m al-h um or ad as”.35
100 ♦ K arl Kors ch
atividade
oposiçõesfilosófica
e nela s eepodem
científica da burguesia
discern ir contraapresenta
corr enteshoje algumas
efetivas; m as, a
despeito di sso, a tendên cia dom inan te que imp era (com o há ses sent a
ou setenta anos) na filosofia, nas ciências naturais e nas ciências hu
manas da burguesia não é uma concepção idealista, mas algo que se
inspira numa concepção materialista naturalista.36 Se Lenin pensa o
con trário, a sua atitude - em estreita relaç ão ideológi ca com sua teo
ria político-econôm ica do i mperialis mo - tem, como tam bém nes ta
teoria, suas raízes materia is na situação econôm ica e social particular
da Rússia e nas tarefas políticas particulares, teóricas e práticas , que pa
recem se impor, e de fato se impõem, à Revolução Russa num período
estri tamente delimitado. Mas toda esta teori a “len inista” não exprim e
satisfatoriamente as necessidades práticas postas pela lut a de class es do
pro leta riado in ternacio nal no seu estágio atual de desenvolvim en to,
e, por tan to , a filosofia materialista de Lenin, que serv e de fund am en to
ideológico a essa teoria, não representa a filosofia proletária revo
lucionária correspondente a tal estágio.
O caráter teórico do m aterial ismo de Le nin correspond e, igual
mente, àquela situação histórica e prática. No curso do seu prim eiro
período revolucionário, Marx e Engels formularam um a concepção
materialista dialética, aind a necessariamente “fil osóf ica” po r sua n a
tureza, m as que, po r seus obje tivos e tendên cias presentes, já se ori en
ta para a supressão total da filosofia; e a única tarefa revolucionária
que se im põe hoje, no plan o filosóf ico, é elevar essa conc epçã o a um
E stado atuai , d o pr o b l e m a (a nt i cr í t i ca ) ♦ i0J
nível superior. A o con trário , o filósofo Lenin, assim com o seu m estre
Plekhanov e outra discípula deste, L. Axelrod-Orthodox, pretende
muito seriamente permanecer simultaneamente hegeliano e mar
xista. De fato, como Leni n com preen de a pa ssage m da dialéti ca idea
lista de Hegel ao materialismo dialético de Marx e de Engels? Com
pre ende-a como a p ura e simples substituição da co ncepção ideal ista
que está na base do método dialético em Iiegel por uma outra con
cepçãofilosófica , nã o mais “idealista” e sim “m ate ria lista ”; e ele parece
não susp eitar que u ma tal “inve rsão m ateriali sta” do ideali smo he ge
liano só pod eria con duzir, no m elhor dos caso s, a uma alteração ter
minológica: o Abso luto já não seria o “Es píri to”, e sim a “M atér ia”. O
materialism o de Lenin, poré m, encerra al go ainda mais gra ve. Ele não
anula
Hegel,apenas a última
realizada inversão
por Marx materialista
e Engels; ele fazdaretroceder
dialética idealista
tododeo con
fronto entre materialismo e idealismo a um nível de desenvolvimento
histórico anterior ao alcançado pela filosofia idealista alemã de Kant a
Hegel. Desde a d issoluç ão d a metafísica de Leibniz e de Wolff, iniciada
com a filosofi a transcen den tal de Kant e l evada a se u term o pela dia
lética d e Hegel, o “Abso luto” fora de finitivam ente ba nid o do ser (tanto
do ser do “espírito" quanto do ser da “matéria") e transferido ao movi
mento dia lético da “idéia”. A invers ão m aterialista desta dialética idea
lista de Hegel po r M arx e Engels con sistiu sim plesm ente em liberá-la
do seu último invólucro mistificador, em descobrir no “automovi-
mento dialético da Idéia” o movimento histórico real aí dissimulad o e
em p roclam ar como último e único “Absoluto” este mo vim ento revo
lucionário. · ’7Mas ei s que Lenin reto rna às oposições ab solutas entre o
“pensamento” e o “ser”, o “espírito” e a “matéria”, já superadas diale-
ticam en te p or Hegel e que foram objeto , nos século s XVII e XVIII, da
con trovérsia filosófica - e, ainda, em parte reli giosa - que o pu nh a as
arena
diretameinternacional, onde nen
nte. O V Congresso d ahum a coerç ãolestat
Internaciona Comalunista
pode su stentá-l
(1924) evoa
cava ainda, adotando o projeto de programa comunista internacional,
“a luta conseqüente contra o idealismo e contra toda filosofia que
não seja o materialismo dialético”; em troca, a redação definitiva do
programa adotad o qu atro anos mais tarde, no V I Congr esso, me ncio
na, bem mais imprecisamente, um c ombate c ontra “ todas as varieda
des da concepção bu rguesa de m un do ” e caracteriza o “materialism o
dialético” de M arx e d e Engels “não mais co mo um a filosofia materia
lista ”, mas ap ena s com o “um método [!] revolucion ário p ara conhe cer
a realidade visan do à sua transfo rm açã o re volu cio nária ”.46
4.
dade
ainda foi pela razão
na Rússia do maior
que nade que,panum
Euro ladoou
Central como no outro,ese tamais
O cidental, unidade
situava-s e apen as n o nível ideológico e não era mais do que ideologia.
Este mesmo caráter ideológico, a mesma contradição que ele necessa
riamente acarreta entre a teoria “ortodoxa” estabelecida e os verda
deiros traços históricos do movimento se encontram também na
terceira fas e de d esenvo lvimen to do m arxismo russo - e se exprim e da
106 ♦ K arl K or sc h
nis m o” dosmmo”
“kautsky arxis
conmo
temsoviéti co de
po râneo hoje,
, que est que r nafor
as duas suamas
atitude e m faces do
ideológica do
marxism o, saíd as da velha tradição da ortod oxia russa e interna ciona l,
são atualmente apenas configurações históricas agonizantes, pertencen
tes a um período ultrapassado do movimento operário moderno. Tam
bém aí se revela, na apreciação do caráter histórico do “m arxismo-
lenin ism o” ou “marx ism o soviético” , a pr of un da un idad e de visão que
E st ado a tu al do pr obl ema (an ti crít ica) ♦ 707
5.
sideravelmente
Tam bém com elas mo esperamos
dificado p ter
or novas expe do,
escl areci riências
ao mteóricas
eno s noe prá ticas .
essencial,
a evolução sofrida a pa rtir de então pela s noss as concepções. Mas re
nu ncia m os à retificaç ão, nos seus detal hes, das noss as concepçõ es de
então sob a luz da noss a posi ção atual, exc eto num únic o po nto : sob
várias formas, foi freqüente a má com preen são da exig ência , que fo r
mulamos em Marxismo e filosofia (p. 62-63 da presente edição), de
estender, no p rocesso da revolução social , a “ditadura” igualmente ao
domínio da ideologia. Sobretudo Kautsky, na sua crítica a meu livro
(ibid., p . 312 e ss.), m ostra ao m esmo tem po com o se equivoca acerca
das minhas intenções e quantas ilusões alimentava sobre a situação
efeti vamente reinante na Rús sia - po r exempl o, qua ndo decl ara, ain
da em 1924, que “ningu ém , nem me smo Zinoviev ou Djer zinski” , ja
mais pen sou nu m a “ditad ura no do m ínio das idé ias”! Apresentada
sob aquela form a abstrata, nossa exig ênci a parec e tam bém a nós, e de
nossa perspectiva atual, prestar-se a equívocos. Eis por que decla
ramos expressamente que a continuação da luta proletária revolu
cionária - que , em Marxismo e filosofia, designamos com o “ditadura
ideológica” - disti ngue-se p or três a spect os do sistema de opressão inte
lectual que, em n om e do q ue se cham a “ditadu ra do p role tari ad o”, se
exerce hoje na Rússia. Em prim eiro lugar , ela é um a d itad ura do p ro
letar iado, não um a ditad ura sobr e o proletari ado. Em segund o lugar,
é um a dita du ra da cl asse, não do Partido o u dos dirigente s do Partido.
Enfi m, e aci ma de tudo , é uma d itadura revolucionária, um simples
108 ♦ K arl K or sc h
elem ento no processo de transform ação socia l radical que, com a su
pressão das classes e dos seus antagonismos, cria as condições para a
“extinção do Estado” e, simultaneamente, para a supressão de toda
coer ção ideológi ca. Ass im c omp reendida, a “ditadu ra ideológica” tem
por tarefa essencial s uprim ir as suas pró prias causas m ateriais e ideo
lógicas, tornando-se ela mesma inútil e impossível. E o que distin
guirá, desde o pri mei ro dia, esta ditadu ra proletária autêntica de todas
as suas contrafações é que e la não criará som ente as condições de u ma
tal liberdade espiritual para “todos” os trabalhadores, mas também
para “cada um deles” to m ados co mo tais - liberd ade que jam ais
existiu, em qualquer parte, para os escravos assalariados do capital,
op rim ido s fís ica e intelectualm ente na socie dade de cla sses burguesa,
a despeito de tod a “dem ocracia” ou “li berdade de pensa m ento ” que se
possa invocar. Esta concretização do conceito m arx ia no de ditadura
proletária revolucionária faz desaparecer a contradição que, sem esta
determinação mais precisa, pareceria subsistir entre a exigência de
uma “ditadura ideológica” e o princípio essencialmente crítico e
revolucio nário do m étod o materialista dialé tico e da concepção co m u
nist a do mu ndo . Tanto nos seus fin s quanto nos seus meios, o socialismo é
um combate pela realização da liberdade.
Notas
1 [Os livros também têm a sua sina.]
2 [Korsch reproduz aqui as palavras iniciais do seu próprio ensaio; ver, nesta
edição, p. 23.]
3 Ver, po r exe mplo , Politische Literaturberichte der Deutschen Hochschule für
Politik (Relatório da literatura política da Escola Superior Alemã de Política),
v. 1, n. 2: “Particularmente notável é a recusa da concepção marxista vulgar que
vê na estrutura espiritual (ideológica) da sociedade uma pseudo-realidade.
Seu eminente conteúdo de realidade é precisamente valorizado pelos próprios
prin cípio s do pensa m ento marxista”. Ou, aind a, as conclusões da resenh a pe
netrante e detalhada de Lászlo Radványi, no Archiv fü r Sozialwissenschaften
(Arquivo de Ciências Sociais ), v. 53, n. 2, p. 527 e ss.: “Mesmo quem não com
pa rtilha das convicções fundam en tais do auto r deve levar em conta a idéia
de que o marxismo srcinal não é um pan-economicismo, não considera a
estrutura econômica com o o único dom ínio pleno da reali dade, mas que v ê
igualmente nas esferas espirituais uma parte constitutiva e plenamente real
do conjunto da vida social” (ibid., p. 535).
Estado atu a l do pr obl ema (anticrí ti ca) ♦ 109
gem um ao lAado
diferentes. do o utrosoci
consciência e não ali
derist a vam
m odu ernm do outro;pod
a não s eurgem
surgir de premiss
senão na base as
de profu nd os co nhe cim entos cie nt íf icos. C om efe ito, a ci ênci a econô m ica co n
tem porân ea é tanto um a condição d a produção socia li st a quan to, por exem
p lo , a té c n ic a m o d e r n a , e o p r o le ta ria d o , p o r m a is q u e o deseje , n ã o p o d e
cri ar nem um a nem outr a - am bas sur gem do proc ess o soc ial con tem po
râneo. Mas o portador da ciência não é o proletariado: são-no os intelectuais
burgueses; fo i do cérebro de alguns m em bros dest a cam ada que surgiu o socia
li sm o m od erno , e f oram el es que o t ransm it iram aos proletári os intelectual
m ente m ais desenv olvi dos, o s quais , po r s ua vez , i ntro du ze m -no na luta d e
classe do proletariado onde as condições o permitem. Deste modo, a cons
ciência socialista é algo introduzido de fora na luta de classe do proletariado
e não algo que surge espontaneamente no seu seio. De acordo com isto, já o
velho programa de Heinfeld dizia, com toda a razão, que a tarefa da social
democracia é levar ao proletariado a consciência da sua situação e da sua
m is são. O ra, is so não seri a necessár io s e t al consciência deri vasse au tom a
ticam en te da luta de cl asses” (ibi d., p. 79). N o an o segu inte (19 02 ), Len in
desenvolveu o essenci al das idé ias d e Kautsky no seu cél ebre pro gra m a p olí
tico Que fazer?. Aí, repro du z textualme nte es sa s “pal avra s profun da m en te
E st ado atu a l do pr obl ema (an ti críti ca) ♦ 113
Ver o estudo detalhado de Max Werner (A. Schifrin) sobre o marxismo so
viético (Sowjet Marxismus [Marxismo soviético]), particularmente esclare
cedor para o leitor não russo graças à profícua análise de documentos apenas
acessíveis aos conhecedores da língua russa (Die Gesellschaft, v. 4, n. 7,
p. 42 e ss. e sobre tudo p. 60 e ss.). É preciso, de um lado, con siderar qu e esta
apreciação dos comunismos russo e ocidental é a de um opositor político do
partid o atu alm ente no poder na Rússia soviética; mas, de outro, o au tor, in te
lectualmente um plekhanoviano ortodoxo, situa-se, no que toca à concepção
114 ♦ K arl K or sc h
de mundo, ao lado do marxismo russo. Por isso, sua crítica não incide sobre
o co njun to do “marx ismo sovi ético”; incide apenas sobre os seus aspectos car i
caturais recentes, nos quais ele não vê a continuação e o “desenvolvimento”
mas, antes, a “deturpação” e a “degenerescência” das tradições do marxismo
russo (“Plekhanov, obviamente, não tem nenhuma responsabilidade pelo
marxismo soviético”). E, em seguida, observa, de forma ideológica e bem
superficial, que “é muito difícil e quase impossível, aos comunistas ocidentais
e tam bém , m ais ger almente, a t odos os marxist as europ eus de esquerda, a to
dos aqueles fo rma dos nas tradiçõ es teóricas de R. Luxemburg e de F . Me hring,
uma adaptação intelectual ao marxismo soviético”. E explica este fenômeno,
de uma parte, de modo puramente ideológico: este marxismo ocidental da
esquerda radical “não tem , atrás de s i, as tradições ilum inistas ( aufklärerisch)
do marxismo russo”; de outra parte, muito superficialmente, vê a razão do
fenômeno na “formação particular” do marxismo soviético, “que as tarefas
do Estado soviético modelaram como uma ideologia oficializada”. O que o
crítico
(p. 63 não
e ss.) percebe é que as
para explicar as oposições
mesm as razões
entre ahistóricas e depolítica
teoria cl assedoque invoc a
marxismo
ocidental e do radicalismo de esquerda que o precede, de um lado, e, de outro,
a do bolchevismo russo são i gualmente as razõ es pro fun das e verda deiras das
oposições teórico-ideológicas entre o marxismo russo e o marxismo revolu
cionário da Europa ocidental.
27 Ver, a este respeito, dois pe quen os livr os editados tam bé m em 1924: A. Deb orin.
Lenin der kämpfen de Materialist (Lenin, materialista militante) e Lenins Briefe
an Maxim Gorky. 1908-1913 (Cartas de Lenin a Maxim Gorki. 1908-1913),
bem como a tradução alem ã (que chegou postfestum, muito atrasada) da obra
pro gram áti ca de Lenin , M ate rialism us und Empirio kritizism us. Kritisch
Bemerkungen über eine reaktionäre Philosophie (1927) [há ed. port.: M ateria
lismo e empiriocriticismo. Notas críticas sobre uma filosofia reacionária. Lisboa:
Avante!; Moscou: Progresso, 1982], O livro de J. Luppol, aparecido em 1929,
Lenin und die Philosophie (Z ur Frage des Verhältnisses der Philosophie zu r
Revolution) (Lenin e a filosofia: sobre a relação entre filosofia e revolução),
é um trabalho anodino, eco tardio de toda essa literatura.
28 Ver, p or e xemplo, a anticr ítica filosófic a de A. Deb orin, a pare cida à mesma
épo ca - em resposta à Geschichte und Klassenbewusstsein. Studien über
marxistische Dialektik, de Lukács -, “Lukács und seine Kritik des Marxis
mus” (“Lukács e sua crítica do marxismo”), na revista A rb eiterlitera tur
(Literatura Operária ), n. 10, p. 615 e ss., publicada pela Verlag für Literatur
und Politik, Viena, 1924, e o resumo da situação tal como ela se refletia
no cérebro dos principais representantes do “leninismo” filosófico: “Lukács
já te m seu discípulos e, de qualq uer m odo, está à fr ente de um a tendência
a que pertencem os camaradas Korsch (ver seu livro M arxismo e filosofia),
Fogarasi, Révai e outros. É impossível ignorar pura e simplesmente um tal
estado de coisas. Devemos submeter à crítica os princípios fundamentais dessa
nova corre nte do marxism o” (ibi d., p. 618) . No Pravda de 25 de julho de 1924,
Estado a tu a l do pr obl ema (anticrít ica) ♦ 115
aprivada”;
adesão àsmteorias detoMach
as o his porimmembros
ria dor do Partido
parcial deve afirm como
ar, ao uma “questão
contr ári o, que Lenin,
nas duas passagens mencionadas antes, considerava, um ano antes, a adesão
a Mach como uma “questão privada” não só no Partido, mas ainda na fração.
E, um ano mais tarde, no decorrer de uma conferência realizada em Paris pela
“redação ampliada do Proletarier ” (ou seja, o centro bolchevique do Partido),
a cisão foi provocada desde o princípio por essas questões filosóficas, não entre
as frações bolchevique e menchevique, mas no interior da própria fração
bolchevique ; Lenin afirma então, na sua resposta oficial à declaração de
E st ado atu al do pr obl ema (an ti críti ca) ♦ 117
na
de revista Kommunistische
Sob a Bandeira Internationale,
do Marxismo, v. 1, n. 1,n. março
21, reimpressa
de 1925,).na [Sob
edição alemã de
o título
“Sobre o significado do materialismo militante”, este artigo encontra-se em V.
I. Lenin. Obras escolhidas. Lisboa: Avante!; Moscou: Progresso, 1979, v. 3.]
Crítica da filosofia do direito de Hegel, ed. de Mehring das Marx-E nge ls
Nachlass (Obras póstumas de Marx-Engels), 1841-1850, p. 390 [na ed. bras.
cit., v. 1, p. 150]. Não é este o lugar para demonstrar em detalhe que à gran
de parte da argumentação de Lenin contra a filosofia idealista cabe a crítica
de Marx que referimos. Basta-nos, aqui, mencionar o argumento de que ele
se serve para “refutar” na experiência a doutrina (filosófica) transcendental
das relações entre o sujeito e o objeto, aludindo ao antigo estado de matéria
em fusão que constituía o globo e não permitiria ainda nenhuma “represen
tação” subjetiva. Lenin recorre reiteradamente a este argumento filosófico
tão particular e sob múltiplas formas numa passagem de seu livro especial
mente dedicada a esta questão (p. 60 e ss., sob o título “A natureza existia
antes do homem?” [na ed. port. cit. de Materialism o e empiriocriticismo,
p. 56 e ss.]); mas o arg um ento já desem penha um a fu nção no seu p rede
cess or, o m aterialista Plekhanov, que invoca - em lugar do “globo em fu
são” - a “era se cun dária” mais recente em relaç ão às “cat egorias subjetivas
118 ♦ K arl K ors ch
idealismo
movimentoe revolucionário
agnosticismo burguês
operário,como
e não ohesita
principal perigo teórico
em qualificá-lo comopara
um o
“materialismo envergonhado”, cobrindo de ironias as esperanças que a bur
guesia depositava numa tal defesa ideológica.
37 Ver, de um a pa rte, a conh ecida passagem do posfácio à segunda edição de
O capital, de 1873, e, de outra, nos parágrafos introdutórios do seu Ludw ig
Feuerbach, a apreciação de Engels sobre “a significação real e o caráter revo
lucionário” da filosofia de Hegel, que ele considera como “o coroamento de
todo o movimento filosófico iniciado com Kant”. Nas lrases iniciais de Lud wig
Feuerbach: “O conservadorismo desta concepção é relativo; seu caráter
revolucionário é absoluto; é o único absoluto que ela deixa de pé” [ver, na
ed. bras. cit., p. 172-173]. É desnecessário observar que o termo absoluto tem,
seja em En gels, seja em nosso pró prio texto, um sentido figurad o - pre ci
samente quando, de repente, Lenin e os seus recomeçaram a falar alegre
mente de um Ser absoluto e de uma Verdade absoluta num sentido que
nada tem de figurado!
38 Ver, na Fenomenologia do espírito, a notável cr ítica histórica - a despeito da
inevi tável mistif icação idealista ne la contida - que Hegel dirige con tra as
duas tendências da A u fk lä ru n g nos séculos XVII e XVIII: “Um dos ilumi-
nismos denomina essência absoluta esse absoluto sem predicados que está
pa ra além da consciência efetiva no pensam ento do qu al se part iu ; o outro,
o chama matéria. Se fossem distinguidos como N atu reza e Espírito ou Deu s,
faltaria então ao existir carente de consciência de si mesmo, para ser natu
reza, a riqueza da vida desenvolvida; e faltaria ao Espírito ou Deus a cons
ciência que em si mesma se diferencia. Os dois são pura e simplesmente
o mesmo conceito, como vimos. A diferença não reside na Coisa, mas pura
mente apenas nos diversos pontos de partida das duas formações, e no fato
de que cada uma se fixa em um ponto próprio no movimento do pensar.
Se fossem mais adiante, teriam de se encontrar e de reconhecer como o mes
E st ado atu a l do pr obl ema (an ti crít ica) ♦ 119
mo o que par a um - como el e pret ende - é uma abominação e , para o out ro,
uma loucura” [G. W. F. Hegel. Fenomenologia do espírito. Petrópolis: Vozes,
1992, v. 2, p. 89]. Ver também, em A sagrad a fa m ília , a crítica materialista
que Marx dirige não a esta apresentação de Hegel do materialismo e do
teísmo como “as duas partes de um só e mesmo princípio”, mas ao ralo
xarope que dela extrai Bruno Bauer ( N achla ss , v. 2, p. 231 e ss. [ver K. Marx
e F. Engels. A sa gr ad a fa m ília . São Paulo: Boitempo, 2003, p. 143 e ss.]).
Ver, de um lado, as Teses sobre Fetierbach, de Marx (1845) e, de outro, a
exposição da relação “dialética” entre teoria e práxis revolucionária por A.
Deborin, na sua anticrítica contra Lukács (“Lukács und seine Kritik des
Marxismus” [citado supra, na nota 28], p. 640 e ss.). Seria supérfluo demons
trar detalhadamente que Lenin vincula resolutamente a teoria de Marx a
uma concepção não dialética, o que se pode constatar em cada linha da sua
obra filosófica; observem os apenas que, nessa obra, cujas quase qua trocen tas
pá gina s tr ata m das relaçõ es entre o ser e a co nsciên cia, ele as to m a so m ente
anhecim
partir do ponto
ento de vista
no mesm gnosiológico
o plano das out mais abstrato.
ras formas histEleórico-soci
jamais situa o co
ais da consciên
cia, jamais o examina como fenômeno histórico, como “supe restru tura ”
ideológica da respectiva estrutura econômica da sociedade (ver o prefácio
de Marx à Crítica da economia política ) ou como simples “expressões gerais
de relações efetivas de uma luta de classes que existe” (Manifesto
comunista...) [ver K. Marx e F. Engels. M anifesto do P art id o C om unis ta .
São Paulo: Cortez, 1998, p. 21].
Ver Nachla ss, v. 1, p. 319. [Esta exata fórmula de Marx, a que Korsch retor
nará, encon tra-se em t exto não ver tido a o português - precisame nte num
dos artigos da série em que, na R heinische Z eitu n g (G azeta R enana), Marx
analisou os debates da VI Dieta renana acerca da lei sobre os roubos de le
nha (edição de 3 de novembro de 1842).]
Isto foi reconhecido à época pelo mestre de Lenin em filosofia, o teórico
russo Plekhanov, considerado durante algum tempo por toda a ortodoxia
marxista do Ocidente e do Oriente como a verdadeira autoridade em todas
as questões filosóficas do marxismo. Por exemplo, ele escreve em Questões
fu n d a m en ta is do m arx ism o (publicado em alemão em 1913 [ed. bras.: Rio de
Janeiro, Vitória, 1956]), quando passa da exposição da filosofia materialista
à discussão do método materialista dialético e de sua aplicação às ciências
da natureza e às ciências sociais: “A concepção materialista da história tem,
antes de tudo [!], uma significação metodológica". No plano filosófico, as re la
ções entre Plekhanov e Lenin são tais que é o discípulo que, aceitando cega
mente o essencial das doutrinas do mestre, leva-as às últimas conseqüências,
desembaraçando-se de quaisquer outras considerações. É, pois, historica
mente inexato descrever como uma conseqüência do seu “desvio socialpa-
triótico ” dura nte a guerra a “ revis ão”, por Plekhanov, em seu últim o p eríodo,
e por sua discípula Axelrod-Orthodox, de suas concepções filosóficas ante
riores “no sentido de uma aproximação à filosofia de Kant”, como o fazem
120 ♦ K arl K or sc h
43 Prefá cio de 188 5 à seg un da edição do Anti-D ührin g [ver, na ed. bras. cit.,
p. 10].
44 Um exemplo entre tan tos outros: o come ntário “fi losófi co” tão p articular
de Lenin ao M anual de ótica fisiológica de Helmholtz, no qual, na mesma
págin a, as se nsaçõe s são caracte rizadas, prim eiro , co m o “símbolos dos
fenômenos exteriores, sem qualquer espécie de analogia ou semelhança com
as coisas que representam” e, em seguida, como “ efeitos que os objetos que ve
mos ou que imaginamos produzem sobre o nosso sistema nervoso e sobre a
E st ado atu a l do pr obl ema (anticrít ica) ♦ 121
(Intern ationa le Presse korrespo nden z, 1924, p. 989 e 1.170; e 1928, p. 1.520
e 1.682).
47 Ver o artig o de Trotski para o 25° aniversá rio de Neu e Zeit, v. 26, n. 1,
p. 7 e ss. Em Sch ifrin, “Z ur Genesis de r so zialõ konom ischen Ideologien in
der russischen Wirtschaftswissenschaft” [“Sobre a gênese das ideologias eco-
nômico-sociais na ciência econômica russa”] {Archiv für Sozialwissenchaft
und Sozialpolitik [Arquivo de Ciência e Política Social], n. 4, p. 720 e ss.);
também na excelente introdução do editor Kurt Mandelbaum à versão ale
mã das Cartas de Marx e de Engels a Nicolai-on (Leipzig, 1929, p. v-xxxiv)
há outros exemplos persuasivos desta evolução contraditória da ideologia mar
xista e do movimento real na Rússia, tanto para esta primeira fase de desen
volvimento quanto para as subseqüentes.
48 Ver o me u a rtigo, j á citad o, Lenin und die K om intern (p. 40 [ver, no presente
volume, p. 159 e ss.]).
49 Ib id ., p. 149 e ss. Os itáli co s são de Sch ifrin.
A CONCEPÇÃO MATERIALISTA DA HISTÓRIA
1.
sofia,
da suada história
dou trin a,ocom
u deoqualq uer oa su outras,
em t odas tr a“ciênci a hunão
Marx m an
s ea”.
preNestas partes
ten deu um
“Hércules fundador de impérios”. A erudição burguesa e semi-
socialista comete um erro total quando pressupõe que o marxismo
pretenderia estabelecer uma nova “filosofia” no lugar da antiga (bur
guesa), um a nova “ historiogra fia” no lugar da antiga (bu rgu esa ), uma
nova “teo ria do direito e do Estado ” no lugar da antiga (bu rgu esa ) ou,
ainda , um a nova “sociologia” no lug ar desse edifício inac aba do que a
epistemología burguesa apresenta atualmente como “a” ciência socio
lógica. A teo ria marxista não qu er nad a disso, assim com o o movim en
to político e social do marxismo (de que ela é a expressão teórica) não
quer substituir o antigo sistema dos Estados burgueses e todos os
mem bros que o com põem po r novos “Estados” ou p or um novo “ sis
tema de E stado s”. Karl Marx se prop õe , ao co ntr ário , realizar a crítica
da filosofia burguesa, a crítica da historiografia burguesa, a crítica de
todas as ciências humanas burguesas; em suma: a crítica da ideologia
A CONCEPÇÃO M ATERIALISTA DA HISTÓRIA ♦ 125
burguesa em seu conju nto - e, para em pre ender esta crítica da “ideo
logia” burg uesa, tal com o a crítica da “ eco nom ia” burg uesa, assu me o
ponto de vista da classe proletária.
En qu an to a ciência e a fil osofia burguesas perseg uem o fantas
ma engan oso da “objetividade” , o m arxismo, e m p rincíp io e em todo s
os seus aspectos, re nun cia a e sta ilusão. Ele não preten de ser um a ciên
cia ou uma filosofia “puras”; antes, deve criticar impiedosamente a
“im pureza ” de toda ciência ou filosofia burguesas conhecidas, d esm as
carando sem complacência os seus “pressupostos” implícitos. E esta
crítica, por seu turno, nunca quer ser uma “pura” crítica no sentido
burguês da palavra. Ela não é realizada de m odo “objetivo”; ao con
trário, m anté m a mais estr eita rel ação com a luta prática que a classe o pe
rária trava pe la sua eman cipação, luta de que es ta crítica não é mais do
que a expressão teórica. Ela se distingue, em conseqüência, de toda
ciência ou filosofia burguesas não críticas (dogmáticas, metafísicas ou
especulativas), assim como, também radicalmente, de tudo aquilo que se
designa po r “crítica ” na ciência e na filosofia burgu esas tr adic iona is e cu
ja fo rm a teórica m ais acabada se encontra na filosofia crítica de Kant.
Pois bem: qual é o ponto de vista novo e particular assumido
pelo m arxism o-enquanto expressão geral“de relações efetivas de um a
luta de cl asses que existe” 1- para realizar a sua crítica da economia e
tia ideologia da burgues ia? Para comp reend ê-lo, é necessár io ter um a
idéia clara e nítida da espec ífica concepção ma rxista da vida social, co n
cepçã o que os seus adeptos e os seus adversários designam ha bitu al
mente com o “concepção ma terialista da histó ria”, design ação que não
é exatamente adequada a todas as suas dimensões. E, aqui, é preciso,
previamente, colocara questão: qual a relação, no sislcma global do ma r
xis m o , entre as duas partes da sua doutrina que antes distinguimos,
ou sej a, entre a crí tica da economia e o que cham am os crítica da ideo
logia? Observ em os, logo de iníc io, que e las constitue m um a u nida de
indivisível. E absolutamente
micas " t:lo ma impossível
rxism o aceitando, ao mesmrecusar
o temas
po,“teorias econô“ma r
uma posição
xista” em face das q uestões políticas, jurídicas, históricas, so ciológicas
ou de outras questões extra-econômicas. E o inverso é igualmente
impos sível, ainda que freqüentem ente tentado por econom istas bu r
gueses que não p ude ram furtar-se à verdade das “teorias econômicas”
126 ♦ K arl Korsc h
ricos - e, neste cam po, Marx cond uziu a sua “crítica” até o fim. El e
criticou a economia política tradicional da classe burguesa de uma
maneira tanto negativa quanto positiva, opondo - para r etomar uma
das suas expressões favor itas - à “econom ia política da pro pr ied ad e” a
“econom ia políti
tária burguesa, ca do p roletariado
a propriedade privada”.domina
Na econo mia da classe
(inclusive prop rie
teorica
mente) toda a riq ueza so cial, o trabalho m orto acu mulado do pass ado
dom ina o trabalho vivo do pr esent e. A o contrário, na econo mia p olí
tica do p role taria do , assim co mo na sua “expressão teó rica”, o sistema
econ ôm ico do marxismo , a “sociedade” ( Sozietät ) domina o seu pro
du to - vale dizer, o tra balho vi vo domina o trabalho morto acum ulado
ou “ca pita l”. Aí se enc on tra, de acord o com Marx, o ei xo em to rn o do
qual deve se articu lar a próxima transform ação radi cal do m un do ; é,
pois, aí que se deve centrar, no plano teórico, um a confrontação “ra
dical” - qu er dize r, que “ tom a as co isas pel a raiz” (Marx) - entre a
ciência e a filosofia burguesas e as novas idéias que a classe operária
elabora ao avançar no sentido da sua emancipação. Uma vez isto com
preendido em pro fu ndidade, também se com preendem com clareza
as ou tras tr ansform ações, aquel as que ocorrem em todos os dom ínios
ideol ógico s. Qu an do se aproxima a hora da ação histórica, toda crític a
“ideológica” do passado apar ece apenas como um a forma im atura do
conhecimento a que está ligada, em última análise, a transformação
prática do m undo histórico. Podemos afirm ar que “a crítica da reli
gião foi a condição prévia de toda crítica” somente se considerarmos
retrospectivamente o desenvolvimento histórico da consciência re
volucionária da nossa época; se dirigirmos o olhar para o futuro,
vemos, ao con trário , que a luta co ntra a reli gião apen as mediatamente
é a luta contra o mundo do qual a religião é o “aroma espiritual”. Se
qu iserm os che gar à ação históric a real , é necessári o, pois, tran sfo rm ar
a “crítica d o céu” nu ma “críti ca da terr a”. Tra nsfo rma r a “crítica d a reli
giã o” em uma “crítica do dire ito”, em u ma “crítica da teolog ia”, em um a
“crítica da política” é só um p rim eiro passo neste cam inho . Com tud o
isto, apenas tom am os a “outra face” do ser hu m ano ; aind a n ão tom a
mos a sua verdadeira “reali dade”, nem “a questão pro priam en te terre
na na sua grandeza natural”. Para tanto, temos de enfrentar o adver
sário no terreno real de todas as suas atividades e, ao mesmo tempo,
128 ♦ Ka ki . K or sc h
me diante a repetição m on óto na da sua profis são de fé, acre sce nta r algo
de novo aos resultados positivos da pesquisa histórica ou da filosofia
ou de qu alquer ou tra ciênc ia hu m ana o u natural. Um Ka rl Ma rx e um
Friedrich Engels jamais se entregaram a idéias tão insensatas e tão
2.
meio
pontodadecrítvista
ica da ideol ogia tradicional
“materialista”; que Karl
foi essa crítica queMlhe
arx m
elabor
ostroou
u oofator
seu
econôm ico ou a “economia políti ca” como fat or funda me ntal ou d e
term inan te da vida s ocial e histórica do hom em . Ded icou-se, a pa rtir
de então, a este domínio fundamental, desenvolvendo até as últimas
conseqüências a crítica das idéias burguesas tradicionais. Em seu últi
130 ♦ K ahl K orsch
zer, do ponto
rialista” de vistae edadohistória).
da sociedade método Deda fato,
sua nova
Marxconcepção
expôs, com“mate
toda a
precisão desejável, as suas idéias “materialistas” com todas as suas con
seqüências em suas obras, especialmente na mais importante delas,
O capital e, deste modo, revelou-nos mais claramente a essência da
sua concepção do que se recorres se a um a exposição teóri ca. A signi
ficação de O capital não s e esgot a, em absoluto, no do m ínio exclusivo
do “econômico”. Nesta obra, Karl Marx não se limitou à crítica pro
funda da econo mia polít ica da classe burguesa - criticou, ao m esmo
tem po, tod as as ideologi as burguesas derivadas dessa ideologia bás ica.
Evidenciando como a filosofia e a ciência burguesas estavam con
dicionada s pela ideol ogia econômica, el e criti cou, ao m esm o tem po e
da forma mais radical, o seu princípio ideológico. Em face da “eco
nomia política” da burguesia, não se contentou com uma crítica
puram ente negativa; sem nunca abandonar in teiram ente o terreno
da crítica, ele opôs a esta economia um sistema completo e novo: a
economia política da classe operária. De igual maneira, simultanea
mente à refutação
burguesas, ele lhedoopôs
princípio “ideológico”
um novo ponto dedavista
filosofia
e ume novo
da ciência
método: a
concepção materialis ta da classe operária sobre a história e a socieda de ,
concepção que ele elaborou com o concurso de seu amigo Friedrich
Engels.
Neste sentido, há no sistema teórico de Karl Marx um a “ciên
cia”, a ciência nova da economia marxista, e uma “filosofia”, a nova
A CONCEPÇÃO MA TERIALIST A DA HISTÓRIA ♦ 131
to além do
também hoorizo
com nte daquando
Estado: ciênciaoecombate
da filo sofia burguesas.
político e socialÉdoo prole
que o corre
tariado lhe perm ita a conqu ista e a transfo rma ção do Estado burguês,
o órgão que o sucede r conservará ainda, sob certo aspecto, o cará ter de
“Estado” (no sentido atual da palavra), mas, por outro lado, sendo
apenas uma trans ição pa ra a sociedade com unista futura, sem cla sses
e, pois, sem Estado, não será mais um “Estado”, mas algo já superior.
Esta comparação, assim como a precedente exposição sobre a
essência da doutrina de Marx, provavelmente serão pouco esclare
cedoras, de início, para aqueles que ainda não avançaram mais pro
fundamente no seu estudo. Pedem-nos uma apresentação da “con
cepção m aterialista da história” e nós com eçamos com afirmações que,
elas mesmas, j á se situam inteiram ente no c amp o desta nova con cep
ção marxista e , por tan to, já a pressup õem - mas est a via, po r m enos
praticável que pareça à primeira vista, é a única que pode conduzir a
uma verdadeira compreensão do ponto de vista novo e singular de
Karl Marx. I legel, na sua Fenomenologia do espírito, dem anda à cons
ciência do indivíduo que confie inicialmente nele e no seu método
dialético, ainda que este modo de pensar lhe pareça a princípio uma
tentat iva sem elhante a “cam inhar sobre a pró pria cabeça”; do m esmo
modo, aquele q ue queira comp reender ver dadeiramente o m étodo de
Marx, ou seja, a dialética materialista, oposta à dialética idealista de
Hegel, deve, em primeiro lugar, confiar, tanto quanto possível, nesse
método : ne nh um professor d e natação pod e ensinar a quem se recusa
132 ♦ K arl K or sc h
da
cial,vida material
política condicionaNão
e espiritual. o processo em geraldos
é a consciência de vida so
homens
que determina o seu ser, mas, ao contrário, é o seu ser so
cial que determina a sua consciência. Em uma certa etapa
de seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da
sociedade entram em contradição com as relações de pro
dução existentes ou, o que nada mais é que do que a sua
expressão jurídica, com as relações de propriedade dentro
das quais aquelas até então tinham se movido. De formas de
desenvolvimento das forças produtivas essas relações se trans
formam em seus grilhões. Sobrevêm então urna época de
revolução social. Com a transformação da base econômica,
toda a enorme superestrutura se transforma com maior ou
menor rapidez. Na consideração de tais transformações é
necessá rio d ist inguir semp re entre a transform ação m ateri al
das condições econômicas da produção, que pode ser obje
to de rigorosa verificação da ciência natural, e as formas jurí
dicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, em re
sumo, as formas ideológicas pelas quais os homens tomam
consciência desse conflito e o conduzem até o fim. Assim co
mo não se julga um indivíduo a partir do julgamento que ele
se faz de si mesmo, da mesma maneira não se pode julgar
uma época de transformação a partir de sua própria cons
ciência; ao contrário, é preciso explicar essa consciência a
p a rtir das contr adiç ões da vida m ate ria l, a p a rtir do confl it o
existente entre as forças produtivas sociais e as relações de
produção. U m a fo rm aç ão social nunca perece an tes que este
jam desenvolv id as to das as fo rç as produtiv as para as quais
134 ♦ K arl Kors ch
quer
d e r ndas
a - opretensas
título de“filosofias” produzidas
“visão fi losó pela
fica” de mu época
ndo. De burguesa mosepa
fato, a rígida
ração e ntre a teoria e a práxi s, que justam ente caracteriza ess a época,
e que a filosofia da Antiguid ade e da Idade M édia des con hece u, é aqui,
pela primeira vez nos tempos m odern os, com pletamente superada (o
que Hegel já prep ara ra, ao elaborar o se u m étodo dialético). Páginas
atrás, citamos algumas palavras de uma célebre passagem do M ani
festo comunista con cern ente s à significação das “conce pções te óric as”
no sistema do comunismo marxista:
[...] as concepções teóricas dos comunistas não repousam
sobre idéias, princípios inventados ou descobertos por este
ou aquele reformador do mundo. Elas apenas exprimem, em
termos gerais, as condições reais de uma luta de classes que
existe, de um movimento histórico que se desenvolve sob
nossos olhos.
tinuamdoente
visão trab reprod uzemseu(pel
alho e pelo a suameatividade
pensa c ole
nto) o con tiva da
junto nosua
marc o da di
r ealidade.
Mas o vínculo en tre es ses doi s m un do s assi m c onsiderad os só pode
residi r na econ om ia ou, mais exatamente, na “produ ção materia l”; Marx
o disse expressamente numa “Introdução geral” à sua crítica da eco
nomia política, “esboçada” em 1857 também para o seu “esclareci
mento pessoal” :b a vida histórica e social do homem se constitui, se
138 ♦ Ka r l K orsch
social ista revisi onista, na sua obra consag rada a O materialismo histó
rico,7 distingue seis aspectos dif erentes do m aterialismo qu e, segundo
ele, devem ser todos considerados como partes integrantes do “mar
xismo com o visão de m un do ”. Afirma o autor:
O marxismo, como visão de mundo, representa, em seus
traços gerais, o sistema mais acabado do materialismo. Ele
compreende:
1. o materialismo dialético, que examina os princípios
gnosiológicos gerais que regem as relações entre o ser e o
pensam ento ;
2. o mater ialism o filosófico, que resolve, no sentido da ciên
cia moderna, os problemas da relação entre o espírito e a
matéria;
3. o materialismo biológico do evolucionismo derivado de
Darwin;
4. o materialismo geográfico , que demonstra que a his
tória cultural do homem depende da configuração geográ
fica e do meio físico no qual a sociedade se desenvolve;
5. o materialismo econômico, que esclarece a influência das
relações econômicas, das forças produtivas e do estado da téc
nica sobre o desenvolvimento social e intelectual. Ele cons
titui, com o materialismo geográfico, a concepção materia
lista da história em sentido estrito;
6. o materialismo ético, que significa a ruptura radical com
todas as representações religiosas do além e desloca para a
realidade terrena todos os fins e todas as energias da vida e
da história."
gião
dadese do
da m oral burgu esa
conhecimento dualistomadas
teórico ta, també m p ertence
enquanto m ao“em
verdades al ém
si”,as ver
“eternas”, imperecíveis e imutáveis, que a ciência e a filosofia teriam
por missão pesquisar e, uma vez descobertas, estariam adquirid as pa
ra todo o sempre sob forma definitiva. Uma semelhante concepção
não pas sa d e um sonh o - e um m au sonho, p orqu e idéi as imutáveis ,
invar iáveis , seriam necessariamen te idéia s insuscept íveis de qualqu er
140 ♦ K arl Kors ch
complementam
plo, para citar oapenas
seu materialismo
um trechosócio-histórico. Eis, apor
m uito sintético, suaexem
observação
bem significativa sobre a natural selection de Darw in, na c arta de 19 de
dezembro de 1860: “A despeito da sua pesadez tão inglesa, este livro
contém todos os ele mentos da hi stória natural que podem fund ar as
nossas idéias”.
En tretanto , nada dist o nos autoriza a considerar a con cepção
materialista da história e da sociedade como a simples e direta apli
cação dos princípios da investigação científica ao curso dos eventos
históricos e s ociais; tal consideração constituiria u ma grosseira inco m
preen são das idéias e das intenções não apenas de Marx mas igual
mente de Engels (estamos convencidos de que, também sobre esta
questão, hav ia concord ância entre ambo s). Os fundadores do com u
nism o m aterialista, form ados na esco la de He gel, não se per m itiriam
superficialidades deste gênero. O conjunto das condições naturais,
no seu estado respectivo e na “his tória nat ur al ” da sua evolução, exer
ce, segundo eles, uma influência mediata de primeira importância
sobre o desenvolvi
influência sempre mento h istór
mediata. Os ico da soc
fatore iedarais
s natu de -(cli
masma,trata-se de um a
raça, riquezas
naturais etc .) nu nca inter vêm diretam ente no desenvolvimento his-
tórico-social; apenas condiciona m, em cada re gião, o grau de desen
volvim ento das “força s materiais de pr od uç ão”, ao que co rresp on dem ,
por seu tu rno, relações sociais determinadas, as “relações materiais
de pro du ção ”. Só estas é que formam , en qua nto “ es tru tur a econôm ica
142 ♦ Ka r l K orsch
da soc iedade ”, a “base real” que con dicio na o con junto da vid a soci al
(incl usive as suas dimensõ es “espirituais”). Marx, todavia, sem pre dis
tingue criteriosa me nte est es diver sos el ementos. Mesm o que um a ob
servaçã o sua pareça refer ir-s e à v ida natura l do hom em em suas rela
ções com a natureza, um exame cuidadoso revelará que sempre está
em q ue stão a vida histór ica e so cial; e esta s e desenvo lve (s ob re a ba se
natural que a condiciona e sobre a qual, num efeito de retorno, ela
exerce infl uência) segu ndo as suas pró pria s leis sócio -históricas e n u n
ca con form e simples “leis na tur ais ” en qu an to tais. Um a passagem do
livro primeiro de O capital, que trata novamente de Darwin, ilustra
particula rm ente a fidelidade indefectível de Marx a seu ponto de vista
social e a seu objeto social; ei-la:
Notas
4 Ver Enge ls, pref ácio à edição ingl esa de Do socialismo utópico ao socialismo
científico (1892), reproduzida na Neue Zeit, v. 11, n. 1, p. 15 e ss. [F. Engels.
Do socialismo utópico ao socialismo científico, em K. Marx e F. Engels. Obras
escolhidas. Rio de Janeiro: Vitória, 1962, v. 2, p. 285 e ss. A prova do pudim
está em comê-lo, ou seja, só a experiência comprova . ]
5 [Ver K. M arx e F. Engels . A ideologia alemã. São Paulo: Boitempo, 2007,
p. 534 e 539.]
6 Esta “In tro du çã o”, que nos ofer ece o resum o m ais profu ndo das premissas da
investigação de Marx, foi publicada pela primeira vez na Neu e Zeit, v. 21,
n. 1, p. 710 e ss. [Ver, supra, a nota 35, no capítulo “Marxismo e filosofia”.]
7 D üsseld orf, H. Michels Ed., 19 00. Entre o s trab alh os até hoje pub lica do s em
língua alemã sobre os fundamentos filosóficos do marxismo, este é de lo nge -
a despei to da posi ção errada que criticaremos - o melhor .
8 Ibid ., p. 6. E surp ree nd en te que Wo ltman n, no item 1, aprese nte o simples
“exame” das relações entre o ser e o pensamento como sendo já um “mate
rialismo” (o materialismo dialético!). Em vez disso, deveria dizer, no míni
mo: o ma terialismo dialético (ou a dial éti ca m ateriali sta), contra riam ente ao
idealismo dialético (ou a dialéti ca ideal ista) de Hegel , concebe o pen sam ento
e o ser como momentos de uma unidade na qual não é o pensamento que
determina o ser, mas é o ser que determina o pensamento. Se Woltmann,
aqui, evita tomar uma posição clara, isto se deve à sua postura gnosiológica
kantiana, que criticamos.
9 Ver, no ú ltim o c apítulo da “Intr oduç ão geral” à Crítica da economia política,
o parágrafo 4, aliás característico (ibid., p. 779 [ver K. Marx. Para a crítica da
economia política... , ed. bras. cit., p. 20]). Marx, noutras passagens de O ca
pital, refere-se
das ciências mais precisamente
naturais”, que não levaà em
insuficiência do “materialismohistórico”,
conta o “desenvolvimento abstrato
contrapon do-lhe, como “úni co método materi alista e, por conseqüênci a, cien
tífico”, aquele que não se contenta com a recondução, pela análise, das for
mas e dos conteúdos dos fenômenos “sociais” e “espirituais” da existência histó
rica a seu “núcleo terreno”, mas que, também, pela via inversa, mostra o seu
desenvolvimento a partir das “condições reais da vida” ( Das Kapilal, v. 1, p. 336,
nota 89 [ver, supra, a nota 82, no capítulo “Marxismo e filosofia”]).
111 [Ver K. Marx. Para a crítica da economia política..., ed. bras. cit., p. 21.]
11 [Ib id., p. 20.]
rém,
qu ad ofereceu
a e, com ao seuelevou
isto, conteúdo
esta aconsciência
expressão teórica
a um enível
científica adeA tr a
super ior.
duçã o das representações “natu rais” ( naturwüchsige ) do proletariado
em co nceitos e propo sições teóricas e a sua pode rosa sistematização
nada têm a ver com um reflexo puram ente pas sivo do m ovim ento h is
tórico do pro letariado - são, a nte s, um a parte constitutiva e insub sti
tuível deste proces so históric o. O m ovim ento histórico do pro letar ia
do não pod eria tornar-se “ autô nom o” nem “ un itário ” ( einheitlich ) sem
a constituiç ão de uma cons ciência prole tária também autô no m a e un i
tária. O movimento proletário organizado e maduro no plano polí
tico e econô mico , nacional e internaciona l, distingue-se das prim eiras
convuls ões que agitaram aqui e acolá o proletariado, da mesm a form a
como o “socialismo científico”, a “consciência de classe organizada”
do pro letariado distingue-se das representações e dos sentim entos d i
fusos e amorfos com que começa a exprimir-se a consciência prole
tária ai nda im atura. E, num a perspec tiva prática , a constituição te ó
rica do socialismo em ciência, levada a cabo por Marx no Manifesto
comunista
plo processoe em O capital, revela-se
de desenvolvim um elemento
ento histórico no qualnecessário
o m ovimdoento
amope
rári o, pouco a pouco, desco lou- se do m ovimento revoluci onário bu r
guês do terc eiro estado e gr aças ao qual o proletariad o se tran sfo rm ou
em um a classe au tôn om a e unitária . Para liberar- se radicalm ente das
idéias burg ues as a que estava estreitam ente associado po r sua srcem,
o conjunto das idéias proletárias que constitui o conteúdo do “so-
148 ♦ K a r i. K orsch
ad
proqupriam
ire naente
s obra s defoi
dito) Maessencialmente
rx e Engels (ou oseja , o “socialism
resultado deste mo odo
cientídefico”
pen
sar que ele s de signar am com o o seu “ m éto do dialético” . E não o foi por
um acaso histórico, como supõem muitos “marxistas” contempo
râneos — se assim o fo sse, pode r-se-iam hoje re tom ar as proposiçõ es
cie ntí ficas estabel eci das po r Marx graça s a ta l m étod o sepa rando -as
dele, que, aparecend o com o inteiram ente superad o pelos avan ços rea
lizados pelas ciências, poderia e deveria então ser necessariamente
sub stituído p or ou tro m étodo. Uma concepção c omo esta só é possí
vel com a completa incompreensão do que é o mais importante da
dialética marx ista. So mente esta incom preen são expli ca que se possa
pensar, num m om ento em que a lu ta de classes se acentu a em todas
as esferas da vida social (e , em particu lar, da vida espirit ual) , em ab an
donar “o método essencialmente crítico e revolucionário” que Marx
e Engels contrapuseram, como método novo da ciência proletária,
simultaneamente ao “modo de pensar metafísico” e à “estreiteza de
espírito específica dos últimos séculos” e a todas as formas prece
dentes de “dialética” (especialmente à dialética idealista de Fichte-
Schelling-Hegel). Somente negligenciando totalmente a diferença
essencial que distingue de todo outro modo de pensar a “dialética
proletá ria” de Marx, na qual o conteúdo novo das idéias pro letá rias,
nascidas na luta de classes, pode encontrar a única expressão teórica
e cient ífica que c orres pon de a s eu se r real - som ente assim pod e-se
forjar a idéi a de que o m od o de pensar dialét ico, sendo “apenas a for-
A DIA LÉTIC A DE MA RX ♦ 149
econô mica feudal e con tra a sua sup erestrutu ra política e i deol ógic a
(nobreza e clero), um combate tenaz, por vezes heróico, época em
que um de seus porta-vozes ideológicos, o abade Sieyès, colocou à
ordem social dominante uma questão perfeitamente “dialética”: O
que é o terceiro estado? Tudo. O que tem sido na atual ordem política?
Nada. O que exige? Ser alguma coisa.
Agora que o Estado feudal está liquidado e que, no Estado
burguês, a burguesia não é apenas “alguma coisa”, mas tu do - agora,
para os olhos da burg uesia, só há duas posições em face da dialética:
ou a dial ética é um po nto de vi sta totalm ente ultrapassado, respeitável
apenas historicam ente com o um a es pécie de del írio sublime do p en
samento filosófico no empenho de ultrapassar os seus limites na
turais, delírio a que um homem sensato, um bom burguês, não se
pode deixar arrastar; ou o movim ento dialético deve deter-se defi
nitivamente, agora e para sempre, no ponto final absoluto que já lhe
fora de term inado po r Heg el, o últi mo filósofo r evolucionário da b u r
guesia. Ele não deve ultrapassar com os seus conceitos os limites que
também a sociedade burguesa não pode ultrapassar realmente sem
sup rim ir-se a s i mesma. A sua última palavra - a am pla síntese que
contém tud o e na qual t odos os ant agonismo s est ão definit ivamente
solucio nado s ou po dem sê-lo - é o Estado . Diante do Estado burguês,
cujo desenvolvimento
interesses da burguesia integral representa a satisfação
e, conseqüentemente, o objetivo de
finaltodos os
da sua
luta, não exist e mais , para a consciência burgu esa, n en hu m a antítese
dialética, nenhuma contradição irreconciliável. Todo aquele que se
coloca prática e teoric am ente co ntra esta rea liza ção abso luta da Idéia
burguesa e vai além do círculo sagrado do m undo burguês se coloca fo
ra do d ireito , da liberd ade e da paz burgue ses e, pois, de tod a filosofi a
e de toda ciênci a burgues as. Com preende-se que, para um po nto de
vista segundo o qual a única forma pensável e possível da vida social
é a sociedade burguesa atual, a “dialética idealista” de Hegel, que en
con tra n a Idéia do Estado burguê s o seu term o idea l, de ve ser a única
forma pensável e possível de dialética. Em troca, compreende-se
igualmente que, nesta sociedade, a “dialética idealista” da burguesia
não ten ha mais valo r para a outra cla sse, levada dire tam en te à revolta
con tra tod o este m un do burguês e seu Esta do “por um a m iséri a abso-
A di a l ét i ca d e M ar x ♦ 151
No artigo “Unter dem Ban ner des M arxism us” (“Sob a b an
deira do m arxis mo”), publicado há dois anos [1922], no n úm ero 21 da
revista Kom munistische Internationale , Vlad imir Ilitch Lenin afirmava
que urna da s tar efas importantes posta s ao com unism o, no dom inio
ideológico, era “organizar, de um po nto de vista m aterialista, o estudo
sistemático da d ialét ica hegel iana , que M arx aplicou com tan to êxit o
em O capital e em seus textos históric os e político s”. Com o se constata ,
Lenin não acreditava, absolutamente, que “pela via da filosofía idea
lista do neo-hegelianismo” surgissem na teoria marxista-comunista
“desvi os ideológicos” - crença de que hoje m uitos de nossos desta
cados camaradas dão provas quando alguém se propõe a executar
aquela tar efa. Alguns exemplos podem ser invocados. Há um ano, as
Ediçõ es Meiner pub licaram , pel a prime ira v ez em oiten ta anos, um a
nova edição da grande Lógica de He gel;1logo depois, a Rote Fahne ( Ban
deira Vermelha) fez aparecer, no n úm ero de 20 de maio de 1923, um a
sole ne advertência co ntra os perigos que e la representava p ara todos
aqueles que não trouxessem ao estudo da dialética hegeliana “o co
nhec im
vesse ento crítico de
familiarizados todaos métodos
com a históri aedaosfilo sofia e, ademais,
principais resultadosnão
dasesti
ciências da natur eza e das matem áticas desde o tem po de Hegel” . Oito
dias mais tar de, o utro representante da tendência então dom inante,
teórica e praticamente, no Partido Comunista Alemão (KPD), con
denou formalmente, na mesma Rote Fahne (28 de maio de 1923), o
con junt o de ensaios em que Gyõr gy Lukács pro cur ara “iniciar ou m es
mo ensejar uma discussão realmente proveitosa do método dialé
tico”.2 Já a revista científ ica do par tido alemão, Die Internationale,
considerou mais simples silenciar completamente sobre o livro do
camarada Lukács. No último número (o 33) da Kommunistische
Internationale, Bela Kun, em seu artigo s obre “A prop ag an da do len i
nis m o”, ch am a a atenção não só para os desvios já surgidos mas, além
disso, para “alguns publicistas comunistas que, embora ainda sem
154 ♦ K arl K or sc h
no espírito
aquilo que, da
de obra
fato,des óBukharin3-, toda atotal
depois da vitória filosofia é já, atualmente,
da revolução pro letária,
na segu nda fas e da socie dade com unista, haverá de s er: o po nt o de vis
ta ultrapa ssado de um passado ainda im erso na ignorância. Este s ca
maradas supõ em que o m étodo emp írico das ciên cias da na turez a e o
método histórico-positivo correspondente das ciências sociais resol
veram, de uma vez por todas, a problemática do método científico.
Eles não suspeitam que est e métod o - palavra d e ord em com a qual a
burguesia dirigiu, desde o início, a luta em prol da sua dom in ação - é,
ainda hoje, o m étod o especificamente burguês da investigação científi
ca; é verdad e que, po r vezes, no perío do a tual de declínio da socieda de
burguesa, alguns representantes da ciência modern a teoricam en te o
recusam, mas, na prática, permanecem firmemente apegados a ele.
H á o utra tendência - e, nes te ponto, as coisas s ão ainda mais
complexas. E la vê como “ perigoso” o estudo, mesm o qu e de u m po nto
de vista “m ateria lista”, do m étod o dialético de Hege l po rqu e é um pe
rigo que conhece bem por experiência própria e do qual, efetiva
m ente
vist , é vítimé ailustrada
a ousada, sem pre eque
atéa diretam
e le se expõe. Estaprovada
ente com afirm ação,
p oràuprim
m artieira
go
de A. Thalheim er, “Üb er den Stoff der D ialektik” (“ O ob jeto da dia lé
tica ”), publicado ta nto em Die Internationale (v. 6, n. 9, maio 1923)
quanto no Boletim Inform ativo da Acade mia Co m unista de Moscou.
O cam arad a Thalheim er retoma neste artig o a tese defendida po r Franz
Mehring (em nosso juízo, a única sustentável) segundo a qual, do
A DIALÉT ICA MATE RIALIS TA ♦ 155
de
da mo do positivo,
dialética indicaisto
ma terialista, nd oé em que consiste,
, a dialética a nosso
hegeliana juízo,daa po
utiliza e ssência
r Ma rx
e Lenin numa perspectiva materialista. Retomaremos, aqui, as con
clus ões do nosso trab alho , recentem ente publicad o, sobre as r elaç ões
entre marxismo e filosofia.
Já é tem po de colocar um po nto final na con cepção sup erfi cial
que visuali za o trân sito da dialét ica de Hegel à dialét ica de M arx co
156 ♦ K arl K ors ch
mo um a operação tão simp les que se poderia efet ivar meram ente p or
um a “infl exão” ou “invers ão” de um mé todo que, quan to a tod o o res
to, permaneceria inalterado. É verdade que há passos muito conhe
cidos de Marx nos q uais el e caracteriza a diferença en tre o seu pró prio
todos os conhecimentos
burguesas perm anecem, adquiridos
em últimgraças à economia
a análise, conhecime à entos
filosofia
“p uro s”:
seus con ceitos são o “ser restab elecid o”, e suas teo rias, o mero “reflexo”
passivo deste ser, pura s “ideologias” no sentido mais estrito e preciso
desta palavra em Marx. A ci ência econô mica e a filos ofia burgu esas
podiam reco nhec er as “contradições”, as “antinom ia s” da economia e
do p ensam ento burgueses e até torná-las transparentes; m as, no fim
das contas, tinham de deixá-las subsistir. Essa espécie de encanta
mento só pode ser rompida pela nova ciência do proletariado, que
não é nem preten de ser, como a ciênci a burguesa, um a “pur a” ciênc ia
teór ica, e sim, a o m esmo temp o, um a práxis revolucionária ( umwälzen
de Praxis). A econ om ia política de Ka rl Marx e a dialética ma terialista
do proletariado conduzem, na sua implementação prática, à reso
lução d aque las con tradiç ões n a realidade da vida soci al e, por sua ve z,
do pens am ento , que del a é parte constitutiva. Com preend e-se, ass im,
A DIALÉTICA MATE RIALIS TA ♦ 157
Notas
1 Hegel. Wissenschaft der Logik [Ciência da lógica ], ed. Lasson, Leipzig, 1923.
2 G. Lukács. Geschichte und Klassenbewusstsein. Studien über Marxistischen Diale
ktik. Berlim: Malik Verlag, 1923 [ed. bras.: História e consciência de classe.
São Paulo: Martins Fontes, 2003],
3 N. Buk hari n, Theorie des historischen Materialismus, Hamburgo, 1922 [ed. bras.:
Tratado de materialismo histórico. Rio de Janeiro: Laemmert, 1970].
4 Ver o artigo “Le nin un d die Komintern” , Die Internationale, v. 7, n. 10-11, 2 jun.
1924, p. 310 e ss. [ver, no presente volume, a p. 159 e ss.].
LENIN E A INTERNACIONAL COMUNISTA
1.
peus. “Encontra
métodos, mesmo r, sentir
ainda nãoe totalmente
realizar o plano co ncreto das
revolucionários, que m edid ascondu
e dos
zam as massas à verdadeira, última e decisiva grande luta revolucionária”,
nisto consist e, de fato, ainda hoje , neste ano de 1924, exa tam en te c om o
Lenin pr oc lam ou há q uatro an os (e atua lm ente de form a mais visível,
depois de três ano s de aplicaç ão da ch am ada “tática da fre nte única ”),
a tarefa princi pal do com unismo contemporâneo na Europ a O cidental
160 ♦ K a r l K orsch
nin ism o” representa um aspect o ess encial da grande taref a com unista
co nj un ta d e “organização da r evolução” . E não re stam dú vidas de que
o cumprimento desta tarefa propagandística apresenta, mesmo em
condições le gais (para não m encio nar no qu adro de i legal idade) , um
grau de dif iculdade extraordinário para aquel as seç ões da I nter nac io
nal C om un ista que, ao c ontrário da Rús sia soci alista proletária, aind a
não conquistaram o poder estatal, isto é, para todas as seçõçs euro
péias e am erican as; p or isto m esm o, deverá adotar, nestas seções, fo r
mas muito diferentes, formas adaptadas com exatidão às condições
de cada paí s, o que r eq uer u ma análise e um a definição mais precisa s do
órgão sup rem o da Inter nacional Co m unista (o Congresso M undial) .
Co ntud o, ess as questões mai s ou men os té cnic as não co nstituem , em
absoluto,Nao realidade,
núcleo do problema.
com o tema “Lenin e a In te rn acio nal Com unista.
Fu nda mentos e propa gand a do leninism o”, o que se i nscreve na ordem
do d ia do congresso é o método da teoria bolchevique como ta l. M edian
te o esclarecimento dos “fundamentos do leninismo” e a elaboração,
em todas as seções da Internacion al Com unista, de um sistema de “pro
paganda do lenin ism o” neles em basad o, a In tern acio nal Com unista,
em seu conjunto, consolidar-se-á ideologicamente numa firme uni
dade sobr e o terreno c om um do método m arxista revolucionário, so b a
fo rm a em que Lenin, o teórico do bolchevismo, o “restaurou” e o opôs aos
falseamentos e às confusões dos chamados “marxistas” da Segunda Interna
cional unificada. Assim como no terceiro ponto da ordem do dia se
examinará o programa da Internacional Comunista, na questão do
“len inism o” se disc utirá o método da nossa teoria bolchevique.
2 .
m ento im po rtante dela. Não deve nos sur preender, pois , que nas ten
tativas leva das a cabo hoje pelos diversos represen tante s das várias con
cepçõ es acer ca do m étodo da dia lética leninista acabemos p or rec onh e
cer todas aquelas tendências que, igualmente no seio da Inte rnac ional
Com unista, se enfre ntam tam bém prati camente nos dom ínios da tá
tica e de outras questões de política prática. Sob este aspecto, é parti
cularm ente interess ante um arti go do c am arada Thalheim er “sob re o
em prego d a dialéti ca materialista po r Lenin em algumas questões da
revoluçã o p roletá ria” (publicado no n. 1- 2 da nova revi sta com unista
Arbeiterliteratur [Literatura Operária}).
3.
como “a form
da cl asse a política
trabalh ado ra,fimas
nalmente
apenasdescobert
com o “uma” novo
- talvez
tip -o”dadeditadu ra
Esta do,
observação que já conte mp la a possibil idade de “ variedades, gêneros e
form as” de tal ti po. N o que diz respeit o à questão agrá ria, Th alheim er
assevera que, pelo trat am en to qu e lhe ofereceu, Lenin dem on stro u “um a
aplicação particularmente instrutiva e exata do método materialista
dialético” (de acordo com a exposição de Thalheimer, essa aplicação
consistiu n o fato de que, para salv ar o núcleo da causa da revolução p ro
letári a - isto é, a passagem do pode r ao prolet ariado - , Lenin deixou
de lado toda s as ex igências “rígidas” do p rog ram a agrário bolcheviqu e
an ter io r e co nf iou e m que, no curs o d a “vida ”, tod o o resto se realizaria
“po r si mesm o”, com o “result ado da força do exemplo e de co nside
rações prá ticas”). Na terceira e última parte, o cam arada T halhe ime r
declara como “um verdadeiro modelo exemplar de análise dialética
con creta” a circuns tância de que, no trata m en to da que stão nacional,
L enin E a I nt ernaci onal C omuni st a ♦ 165
espaço emNossa
que opin
mesmoião,a ao contrário,
dialética é que exatamente
materialista aqui seque
mais desenvolvida, toca no
deve com pree nd er plename nte o proce sso hist órico da revol ução p ro
letári a, chega a se u limit e: o espaço em que o processo histó rico co n
creto dec orre a ind a dial eticamente, sem dúvida, em sua objetividade,
mas no qual seu curso já não pode continuar sendo compreendido,
du rante um certo est ágio, pe lo teórico dia lético. Co nstitui par te das
166 ♦ K a r l K orsch
leninista
converte do método
determ dialético
inado materialista,
s traços do métod oocamarada Thalheimer
m arxista-l eninista (traç os
que certamente faz em part e de um método v erdadeir amente m ate
rial ista e não ideal ista , mas que não com põem , abs olutam ente, a su a
essênc ia mais íntima) no com ponen te centra l, no cerne do m ateria
lismo, do m arxism o e do leninismo em geral. E a esta defo rma ção da
essênci a do m étodo marxista- leni nista , qu e real iza con cretam ente em
seus três exemplos, o camarada Thalheimer acrescenta, ademais, na
intro du çã o e no utras observa ções disper sas do s eu ar tigo, um a teoria
geral , igua lme nte def orm ada, daq uela essên cia. Com efeit o, exagera o
pensam ento fundam ental de Marx, segundo o qual a verdade é
sempre concreta, até convertê-lo na caricatura de que os resultados
do pe nsam ento material ista d ialético, tan to em Lenin qu anto em Marx,
jamais e sob qualq uer form a podem ser aplicados mais generaliza-
damente, para além do círculo momentâneo da experiência de que
derivaram e a que estã o vi nculados - como se os próp rios M arx (po r
exemplo, na carta a Mikhailovsky5 ) e Lenin (por exemplo, n a in tro
dução a O esquerdismo, intitulada “Em que sentido se pode falar do
significado internacional da Revolução Russa?”6) não tivessem dis
tingu ido co m m uita exatidão o s resultados de sua inve stig ação m ate
rialista dialética que podem ser generalizados daqueles que não
podem sê-lo. Qual o valor de um m étodo “materialista dialético ” que
não nos ofer eça absolut am ente nada que de alguma form a vá al ém da
experiênc ia atual, do que já conhecemos, e que só prod uz a resultados
históricos - ou, confo rme a expres são de Thalheimer, sej a apenas, por
um lado, reflexo teórico (!), análise teórica de um tempo concreto e,
por outro , norm as para a luta do pro letariado num m om ento tam
bém delimitado?
De fato, este novo método criado pelo camarada Thalheimer,
mediante a deformação da dialética materialista marxista-leninista,
já não te m nada a ver com a dialética materialista. Realm ente, em seu
esforço para compreender o método materialista de Marx e Lenin, o
Lenin E a I nt erna ci onal C omun i st a ♦ 167
distintas
do m étodono materiali
espaço e sta
nodia
temlético
po. Esse falseamento
marxista-l eninistteórico
a conduzda, na
essênc ia
prá ti
ca, a um a desvalor ização de todos os resultados obtidos com este mé
tod o de investigação po r Marx, Eng els, Len in e outro s m arxistas. E é
fácil perce ber a fon te dessa tendê ncia à desvalori zação de tais re sulta
dos, bem com o a via a que ela conduz . A título de exem plo, tom em os a
afirma ção de Thalhe imer , repetid a cem vezes, segund o a qua l o Estado
soviét ico é apenas designado p or Lenin como um tipo de Estado, sus
cetível de gradações e variações. Ora, aqueles resultados do método
m arxis ta-len inista só pod em ser desvalori zados a tal po nto ao se pre
tender, deliberada ou inconscientemente, desvincular-se deles. A con
cepção do Estado soviético tão-somente como um tipo, e nada mais,
da dita du ra proletá ria, com m últiplas variações poss ívei s, perm ite ao
teórico do “leninismo” desvincular-se das formas “rígidas” da dita
dur a dos c onselhos (que, segundo o verdadeiro Leni n designa apenas,
sem dúvida, o “começo”, suscetível de um desenvolvimento ulterior,
da form a socialist a de democracia, mas apenas o “começ o” !) na dire
ção das várias “gradações, variações” e degeneraç ões similares e, entre
outra s, na direção do “gove rno dos trabalh ado res” à m oda saxônica. E
o mesmo se passa com todos os demais “resultados” da teoria mar
xista e leninis ta: se tod os não são mais do que “resultad os h istó rico s”,
ligados a suas premissas históricas concretas e aplicáveis somente às
condi ções d e um mo me nto e de um paí s deter minados, torna-se ób
vio que, sob novas condições, em face de novas experiências e de
168 ♦ K a r l K orsch
4.
dos “funMda
gresso me ntodas do
undial, essêleninism
ncia doo”
m e,étodo
especialmente, a fixação,
leninist a enfren no V C on
ta grandes di
ficul dades, atualm ente ainda quase i nsuperávei s - e que, ademais,
contém alguns perigos, tanto maiores quanto, precisamente neste
terre no pu ram ente teórico e tão afasta do da luta prática das f rações,
podem mais facilmen te passar inadvertidos. Sob a bandeira do “leni
nism o”, cara a todos nós, procura-se introdu zir hoje, sub-repticiam en-
te, na prática e na teoria do com unism o revolucionário, todas as es
pécies de contrabando revisionista, reform ista e op ortu nista .
Notas