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CULTURAS E ARTES DO POS-HUMANO Da cultura das midias 4 cibercultura Lucia Santaella Copyright © Paulus 2003, Diresao editorial Paulo azagla Coordenaczo editorial Vali José de Cato Revisto ta de Casa Carvalho veamldo Bezeta Lopes Produgio editorial GWM Artes Graicas Papel (Chamois Fine Duras 70m? Impressao e acabamento PAULUS Dados Internacionals de Catalogacao na Publicacao (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP Brasil) Santa, Luca ultras ares do pos humana : da cura ds ids @ brute Luci Sante; eorderacio Var José. de Casto, — S30 Pau: Paks, 2003, ON 978.85349.21015 1. Avtes=Hitona 2, Cbemética 3. Culture Hateria 4, Comunicasbo de masa Cato, Val Jost de. 4. Tal, ee Indies para catlogo sistematico: 1 Ares ¢ dtr Sella Histria 2. Cultura artes; Sacco: Hits cop-206 4709 4 edicso, 2010 © PAULUS ~ 2003 us Francisco Cruz, 22 104117-091 = Sao Paulo (Bras) Tel: (19) 5087-3700 — Fax: (11) 8579-3627 ‘vent paulus com br editorl@pauius.com br ISBN 978-85-349-2101-5 Sumario INTRODUCAO. 1. Da convivéncia a convergéncia das midis 2. Sob 0 signo da revolucao 3. Computador: a midia das micias. 4. & doerrealidade no Jogo das controversies 5. A proosta do lio, Capitulo (© QUE £ CULTURA. 1, Na cultura, tudo ¢ mistura 2. proliferaglo dos sentidos de cultura 2.1 — Um termo eusivo 2.2 ~A concepcao humanisa ea antropologica 2.3 Cultura cilizagto 3. A cultura na antiopolagia, 3.1 ~ Os precusores. 3.2-Hetder ea modesnidade 3.3 — A escola de BO nn 3.4 ~A antropologia brtanica 3.5 ~O estruturasma de Levy-Strauss. 3.6 ~ Areas da antropologia cultural 0s tacos da core A cultura coma fenémeno hstérico A cultura como fenémeno regional. Os packdes cuturas ‘As funcdes dos elementos cultura. As confiquracoes 13 Coe Estabildade e mudanca na cutura Os sstemas cultura A aculteraca0, A centinvidade da cutra A simbolcidade de cultura 4. Da semidtica 20s estudos cultural Capitulo 2 CULTURA MIDIATICA 1 As tansformagées da cultura no século XX. 2. dinmica da cultura misitica 3. Pos modernidade, globalzacao € revolucéo cial Capitulo s UMIA VISAO HETEROTOPICA DAS MIDIAS DIGITAIS, 10s csposivos de analse da cultura e da comunicagéo 2. Da pds-modernidade & cutura gloalizade 3. Acra digital. 4. Aceufoia e dsforia frente aa cinerespace opitula 4 ‘SUBSTRATOS DA CIBERCULTURA 1. Da cultura de massas cultura das midias a cultura das midlas a bercutura Digitalizacdo: esperanto das maquinas. Internet: rede das redes Interface: janela para ciberespago. Hipermidia: de Platdo a sacha Clbetespaco: alucinacao consensual ‘A cbeveultura 9. Anteligdnca coetiva, 10. 05 agentes inteligentes 11. ATV interatva 12. Uma era pés-midhatica? Capitulo 5 FORMAS DE SOCIALIZAGAO NA CULTURA DIGITAL, 1. Novos ambientes camurieaionai.s.suse 2. As comunidades virtua. 3: Linguager e constuicao do siyeto cut 4. As formacoes psicossociais nas eras culturas. opitulo 6 ARTES HIBRIDAS. 1. As passagens entre magens 2. As paisagens sinicas das instalacoes 3, 0 hibricismo digital Capitulo? PANORAMA DA ARTE TECNOLOGICA, 1. Das técricas as teenclogias 2. Arte madema e a desconsinugio do passado, 3, Aemergéncia das teenalogaseletrtnicas 4, A semi e tecoadiversidade das artes 5, No alvorecer da era digital 6, Tendencias da cberarte Copitulo 8 (© CORPO BIOCIBERNETICO E © ADVENTO DO POS-HUMANO, Modelos das relacdes entre @ maquina @ 0 corpo fnuman A cibernética de segunda ordem e o bioconstruimmo.. Da analogie cbemetica para 0 hibricism do cibor, 3.1 ~ As ferinstas ea politica do corpo 3.2 - Gorg no imaginato fimico 40 wislonarisme ciberpunk 0 advento do pés-humana. 5.1 ~ Reldade Virtual 5.2 ~ A ade das redes 5.3 ~ Prottica€ Nanotecnologia 5.4— Redes neurais - 5.5 ~ Manipulagao genética, 5.6 ~ Vids Artic. As malta realidades do corpo. 6.1 ~ ©.corpo remadelado 6.2 ~ 0 corpo prottica 6.3 ~ 0 corpo esquadrinhado, 6.4 ~0 corpo plugad Imersao por conexao. Imes através ce avatares. Imesio hors. Telepresence, Ambiente viruais. 65-0 compo simulado 6.6 - 0 campo cégtalizado, 67-0 cexpo molecular. 7 Entve a utopia ea distopia INTRODUGAO, rma primeita edigio, ainda bastante modesta, do livto Galtura das Médias, oi publicada em 1992. Para uma segunda cdicio, de 1996, o liveo foi subscancialmente aumentado e hoje (2003) encontra-se em sua quatta edicio, Conforme jé esté sugerido no subtieulo, pode-se, de Fato, afirmar que o presence livro sobre as culturas ¢ artes do pés-humano, que agora passo is maos do leitot, é uma espécie de segundo volume do livro Cultura das Midias, especialmente na forma expandida que este reecheu em sua segunda edigio. Comecei a escrever Cultura das Middias na Universidade Livre de Berlim, no inverno germanico de 1986-87. A experiéncia que 1 tive da dinamica cultural méleipla, fervilhante e, sobrecudo, |hibrida — na coexisténcia de escratos culturais distintos (eruditos, alternacivos, mussivos) que ricamente se rogavam ¢ se entremeavam sem alarmes e sem choques —, ¢rouxe-me a imagem concretamente vivida do significado da pés-modernidade, um conceito que, fa Epuca, estava provocando candentes debates em yérios patsee € efeitos também no Brasil. Foi dessa experiéncia que comecou ase insimuar em meu espirito a impressto de que algo diferente estava acontecendo no universo da comunicagio € da cultura, algo que estava destinado a teazer profundas transformagdes na hegemonia da cultura de massa. CCULTURAS & ARTES Da POs-HuMARO InTRoDUCRO 12 1. DA CONVIVENCIA A CONVERGENCIA DAS MIDIAS Desde o final dos anos 70, quando escrevia os livros Arie e cul- ‘ura: equtincas do elitismo (1982) © Converginci sropicaliomo (1986), j& colocava em discussio a impossibilidade de sepatagdo entre as culturas eruditas, populares e massivas, pois os processos de caldeamento € mesclagem por que elas passavam pareciam evidentes. Entreanto, essas miscuras no chegavam a colocar em crise a domindncia (no Brasil avassaladora) da cultura de massas. Por isso mesmo, a impressio que trouxe de volta de Rerlim era a de que algo distineo stava acontecendo © me pus como tarefa compreendé-l. Depois de poucos anos, embora nio conseguisse ainda perce- ber com nitidez do que realmente se tratava, decidi dar a esse “algo discinco” © nome de “cultura das midlias”. Por isso mesmo, ‘no preficio da primeira edigio, em 1992, no consegui muito bem me explicar. Mais tarde, em 1996, na incrodugao da segun- dla edigio, quando a culeura das redes comecava a emergir no Brasil, avancei um pouco mais na certeza de que a cultura de ‘massas ¢ a inddstria cultural eseavam decididamente fadadas a passar por mutacdes que trariam consequéncias pata toda a nossa compreensio das formacdes socioculturais dai para a frente, Entretanto, devo confessar que, mesmo nesse momento, ado tinha pesfeita clareza do significado exato que estava dando para a expressio “culeura das mfdias”, Sabia que se tratava de formas culcurais com uma L6gica distinta da culeura das massas, mas ‘do podia ainda precisar sua nacureza com exatidio, Foi a leitura, em 1997 (um pouco tardia, devo também confessar), do livro Culturas bfbridas, de Canclini (publicado em 1990, com tradu- «io brasileiea de 1997) que ttouxe uma primeira luz para preci- sar minhas ideias. Depois disso, a explosio cada vez mais impressionance das redes ¢ a emergéncia indisfarcdvel da ciber- culeura permitiran-me chegar a uma nogio mais clara do sentido que, no inicio ainda obscuro, desejava imprimir para a expresso “cultura das 1 Hoje, com as ideias mais ajustadas, gragas, evidentemente, a arengio nfo apenas & realidade empfrica, mas também a realidade dos livros para os quais a curiosidade pela questo tem me condu- vido, posso definir com bastante preciso 0 que tenho entendido por cultura das midias. Bla nfo se confunde nem com a cultura de massas, de um lado, nem com a cultura digital ou cibercultura de oucro. E, isto sim, uma culcura intermedidria, sicuada encre ambas. Quer dizer, cultura digital niio brorou diretamence da cultura de massas, mas foi sendo semeada por processos dle produ- (Go, discribuigdo © consumo comunicacionais a que chamo de culeuca das m{dias”. Esses processos sfo distintos da légica mas siva € vieram fertilizando gradativamente o terreno sociocultural para o surgimenco da cultura digital ora em curso. Para compreender rais passagens, que considero suis, tenho utilizado uma clivisio das eras culcurais em seis tipos de formagbes: 2 cultura oral, a cultura escrira, a cultura impressa, a culcura de massas, a cultura das médias € a cultura digital. Antes de tudo, deve ser declarado que essas divisdes estio pautadas na convicgio de que os meios de comunicagio, desde 0 aparelho fonador acé as redes digitais atuais, embora, efetivamente, nilo passem de meros canais para.a transmissio de informagio, os tipos de signos que por cles citculam, os tipos de mensagens que engendram € 0s tipos de comunicagio que possibilitam sio capazes no x6 de moldar © pen~ samenco € a sensibilidade dos seres humanos, mas também de pro- piciar 0 surgimento de novos ambientes socioculeurais. Outro aspecto a ser explicitado diz respeito ao fato de que, nfo obstante as divisdes acima indicadas das seis eras culturais, refiram-se, de fato, a eras, prefiro também chamélas de forma- Ges culturais para transmitir a ideia de que no se trata af de pperfodos culturais lineares, como se uma era fosse desaparecendo com 0 surgimento da préxima. Ao contririo, hi sempre um pro- cesso cumulative de complexificagio (essa ideia voltaré varias vvezes no decorter deste livro): uma nova formacio comunicativa e cultural vai se integrando na anterior, provocando nela reajus- shmenna © Tefuieionalteated, A (cero ait alpwed Aenean waneic. 13 CCULTURAS E ARTES DO POS-HUMIANO InTRODUGAO 14 sempre desapatecem, por exemplo, um tipo de suporte que & substieuide por outro, como no caso do papiro, ou um aparelho que € subscituido por outro mais eficiente, o caso do telégrafo. E certo também que, em cada periodo histérico, a culeura fica sob © dominio da técnica ou da tecnologia de comunicagio mais receate. Contudo, esse dom/nio nao € suficiente para asfixiat os Princfpios semisticos que definem as formacées culcurais pree- xxiseentes. Afinal, a cultura comporta-se sempre como um orga- nismo vivo ¢, sobretudo, inteligente, com poderes de adaptagio imprevisiveis ¢ surpreendentes. ‘A divisto em sels eras pode parecer excessiva, mas, se niio as levarmos em consideragio, acabamos perdendo especificidades imporcantes ¢ reveladoras. Por exemplo: a culeura impressa 030 nnasceu diretamence da cultura oral. Foi antecedida por uma rica cculeura da escria no alfabética. A meméria dessas escritas trouxe grandes concribuigGes pam a visualidade da atte moderna. Ela sobrevive na imaginacao visual da profusio dos tipos grificos hoje existences, Sobrevive ainda nos processos diagraméticos do jornal, na visualidade da poesia, no design atual de paginas da tueb, Enfim, de certa forma, ela continua viva porque ainda se reserva na meméria da espécie, Assim também, embora a gran- de maioria dos autores esteja vendo a cibereultura na continuida- de da cultura de massas, considero que o reconhecimento da fase tansie6ria entre elas, a saber, o reconhecimento da cultura das midias, é substancial para se compreender a prépria cibercultura, Com bastante imptecisio, muitos tém se tefecido a todo 0 complexo context atual sob o nome de “culcura mididtica”. Essa genctalizagao cobre o cerritério com uma cortina de fumaga. E claro que cud € infdia, até mesmo o aparelho fonador. (Quais si0 ¢las, como se inserem na dindmica social, em quais delas o capital ‘sta sendo investido, como impéem sua Idgica ao conjunto da cultura? Sio todas questdes irrespondiveis se no fizetmos 0 esforgo de precisar nossos conceitos. A confuséo conceicual é pro- porcianal & confusio dos modos como nos aparecem os fatos que pretendemos compreender. O cultivo da ambiguidade © 0 espraiamento das neblinas de sentido é uma tarefa da poesia que nos traz maneiras de sentir € ver que, sem ela, seriam impossi- veis. Porém, quando se crata de interpretar fendmenos cuja com- pplexidade nos desafia, a paciéncia do conceito & imprescindivel. Isso nfo significa recusar 0 carter congenitamente polissémico los nossos discursos, fruto da natureza complexa e contraditéria Lanco das nossas mentes, de um lado, quanto daguilo que chama- mos de realidade, do outso. Justamente concririo, porque sabe~ ‘mos que hé uma imprecisio congénita em tudo que dizemos, nossos csforcos, tanto de observacio empitica quanco de clareza conceitual, «levem se redobrar se pretendemos crazer alguma contribuigio para 4 compreensio menos superficial da complexidade que nos rodeia. Isso posto, passo a explicitar que fendmenos tenho designado com a expresso “cultura das midias”, Fenémenos, alids, que s6 pude melhor compreender apris-ceup, quando a cultura digital ou cibercultura decididamente se impds. Por volta do inicio dos anos 80, comecaram a se intensificar cada vex mais os casamentos € miscuras entre linguagens e meios, misturas essas que fiancionam como um multiplicador de midias. Estas produzem mensagens hnibridas como se pode enconcrar, por exemplo, nos suplemencos literdrios ou culturais especializados de jornais e revistas, nas revistas de cultura, no radiojornal, telejornal etc ‘Ao mesmo tempo, novas sementes comecaram a brotar no po das midias com 0 surgimento de equipamentos e disposi- tivos que possibilitaram o aparecimento de uma cultura do dis- ponivel e do transit6rio: fotocopiadoras, videocassetes e aparelhos paca gravagio de videos, equipamentos do tipo walkman e walk- talk, acompanhados de uma remarcivel industria de videslips ¢ videogames, juntamente com a expansiva indiistria de filmes em video para serem alugados nas videolocadoras, cudo isso culmi- nando no surgimento da TV a cabo. Essas tecnologias, equipa- mentos e as linguagens criadas para circularem neles cém como principal caracteristica propiciar a escolha consumo individua- lizados, em oposigéo 20 consumo massivo. Sio esses. processos comunicatives que considero como constitutivos de uma cultura es 15 (CULTURAS € ARTES DO POS-HUMANO 16 das mnidias. Foram eles que nos arrancaram da inércia da recep de mensagens impostas de fora e nos ereinaram para a busca da informaclo € do entretenimento que desejamos encontrar. Pot isso mesmo, foram esses meios ¢ os processos de recepcio que cles engendram que prepararam a sensibilidade dos usudtios para a chegada dos meios digitais cuja marca principal esté na busca ispetsa, alinear, fragmencada, mas certamente uma busca indi- vidualizada da mensagem e da informacio. A proliferacao mididtica, provocada pelo surgimenco de meios cujas mensagens tendem para a segmentacio ¢ diversificagiio, ¢ a hibtidizagio das mensagens, provocada pela misenra entre meios, foram sincrénicas aos acalorados debates dos anos 80 sobre a po maodernidade. Por isso mesmo, em contraposigio a alguns autores que consideram a pés-modetnidade como a face idencificat6ria da cibercultura, tenho concebido as discussdes sobre 2 pés-moderni- dade como sinais de alerta criticos para um perfodo de mudancas profundas que se insinuavam no seio da cultura e que, naquele ‘momento, anos 80, estavam sendo encubadas pela cultura das midias € pelo hibridismo tanto nas acces quanto nos fendmenos comunicativos em geral que essa culeura propicia. Embora sem estabelecer as distingées da cultura das midias em relagio & cultura de massas, de um lado, € a cultura digital, de oucto, no capitulo sobre “A cultura da vireualidade real”, no ‘6pico sob o tfeulo de “A nova midia e a diversificagio da audigacia de massas”, Castells (2000: 362-367) descreve em detalhes os processos que, a meu ver, consticuem a cultura das médias. Uma passagem, citada pelo autor, exttaida de um artigo de F. Sabbah, escrito em 1985. € capaz de sincetizar a perfeigio 0 perfil idenei« ficatGrio dessa formagio culeural, como sc segue: “Em resumo, @ nova midia determina uma audiéncia segmen- tad, diferenciada que, embora maciga em termos de nimeros, Jno é uma audiéncia de massa em tetmos de simultaneide- {de € uniformidade da mensagem recebida. A nova midia n30 6 mais midia de massa no sentido tradicional do erwvio de um InTRODUGAO numero limitado de mensagens a uma audiéncia homagénea de massa, Devido 4 multiplicacao de mensagens e fontes, a propria audiencia torna:se mais seletiva. A audiénca visada tende a escalher suas mensagens, assim aprofundando sua segmentagéo, intensificando 0 relacionamento individual entre 0 emissor e 0 receptor” Enfim, culeura de massas, culrura das midis e cutcura digital, embora convivam hoje em um imenso caldeirto de miscuras, apresentam cada uma delas caracteres que Ihes so proprios € que precisam set distinguidos, sob pena de not perdermos em um labirinto de confusdes. Uma diferenga gritante entre a cultura «las midias € a cultura digital, por exemplo, est no faco muito evidente de que, nesta Giltima, eseé ocorrendo a convergéncia das midias (ver capitulo 4), um fenémeno muito distinto da convi véncia das midias tipica da culeura das midias. £ a convergéncia «las midias, na coexisténcia com a cultura de massas e a cultura clas midias, estas diltimas ainda em plena atividade, que tem sido esponsdvel pelo nivel de exacerbagio que a produgio e circulagio dda informagio atingiu nos nossos dias e que € uma das marcas registradas da culeura digital, Hé uma espécie de discurso consensual sobre 0 carter revolu- cionério ¢ sem precedentes das transformagies tecnolégicas e cul curais que a era digital est trazendo para o mundo, Bsse consenso ‘vem tanto daqueles que celebram quanto dos que lamentam essas transformagtes. A seguir, apresento um breve perfil desse discutso, 2. SOB 0 SIGNO DA REVOLUGAO Nas iiltimas décadas, tem havido uma constatagdo constante dle que estamos atravessando um petiodo de mudangas particular- mente répidas ¢ intensas, Tem sido ftequentemente lembrado que 0 iltimo quarto do século XX nao teve precedentes na escala, Finalidade e velocidade de sua transformagio histérica. A tinica certeza para o furuo é que ele seré bem diferente do que é hoje 7 CCULTURAS E ARTES DO POS- HUMAN InTRODUGAO 18 € que assim seré de maneira muito mais ripida do que nunca. A razio disso tudo, quase todos afirmam, esta na revolugio tecno- l6gica, uma iceia que se tornou rorineita ¢ lugar comum, nestes tempos de cecnocultura (Robins e Webster 1999: 1). ‘© que mais impressiona nao é canto a novidade do fendmeno, ‘mas o ritmo acelerado das mudancas cecnol6gicas ¢ os consequen- tes impactos psfquicos, culturais, cientificos ¢ educacionais que elas provocam, Como diz. Leopoldseder (1999: 67-68), “desen- volvimentos técnicos sempre ocorseram. O que € novo agora é nipida sucessio de seus saltos quanticos”, ‘Mesmo paises em desenvolvimento como © Brasil, com todas as contradigies © exclusées que Ihes séo préprias, niio estdo fora da revolucto digital e da nova otdem econémica, social e cultural mundializada que ela inseaura com todas as consequéncias que ‘taz tanto para a vida cotidiana, com os novos tipos e formas de trabalho € profissio que introduz e as diversas modalidades de lazer e entretenimento que permite, quanto para as formas de registro e sintese da realidade, para as suas utilizagées cientificas, artiscicas e educacionais. Com o desenvolvimento das tecnologias da informdcica, espe- cialmente a partir da convergéncia explosiva do computador das celecomunicagées, as sociedades complexas foram crescente- mente desenvolvendo uma habilidade surpreendente para arma- zenar € recuperar informasSes, tornando-as inscancaneamente disponiveis em diferentes formas para quaisquer lugares. O mundo estd se tornando uma gigantesca rede de troca de infor- ‘mages, Por volta de 1988, um tinico cabo de fibra ética podia transportar ¢r@s mil mensagens eletrénicas de cada vez. Por volta de 1991, 80 mul; em 2000, tcés miles. Cada ves se produz mais informaco, surgem mais empregos cuja carefa informar, mais pessoas dependem da informagio para viver. A economia mesma esta crescentemente se sustentando da informagio, pois esta penetra na sociedade como uma rede capilat, como infra-estrutura bésica e, a0 mesmo tempo, como geradora de conhecimentos que se convertem em recursos estratégicos. De fato, como afirma Hayles (1996b: 259, 270), a informagio © tormou a grande palavra de ordem, circulando como moeda oorrence. Genética, assuntos de guerra, entzetenimento, comuni- cagies, produgio de gris e cifras do mercado financeiro estio centre os setotes da sociedade que passam por uma revolugio pro- vocada pela entrada no paradigma informacional. Uma diferenca significante entre informagio e bens duriveis esté na replicabili- dade, Informagio nfo € uma quantidade conservada. Se eu he Jou informacdo, vocé a tem e eu também. Passa-se af da posse para o acesso, Este difere da posse porque 0 acesso vasculbia padres em lugar de presengas, E por essa razio que a era digital vem sendo também chamada de eulcura do acess. Diferentemente da cultura das midias, que € uma cultura do dlisponfvel, a culcura do acesso, na era digital, coloca-nos niio s6 no sefo de uma eevolugao técnica, mas também de uma sublevagio cculeutal cuja propensio é se alastrar tendo em vista que a cecno- logia dos computadores cencle a ficar cada vez mais barata, Domi- nada pelo microebip, essa tecnologia dobra aproximadamente de poder a cada 12 a 18 meses. A medida que cresce seu poder, scu preco declina € seu mercado aumenta. Esse crescimento € um indicador fundamental porque a produgio, 0 arquivamento e a circulagio da moeda cotrente da informagio dependem do com- putador ¢ das redes de telecomunicagio, estes, na verdade, 0s randes pivés de toda essa histéria. 3, COMPUTADOR: A MIDIA DAS MIDIAS Foi em janeiro ¢ fevereito de 1996 que escrevi um artigo sob © titulo de “O computador como midia semiética” (Santaella 2000a: 209-238). Nessa mesma époce, 0 artigo foi apresentado para discussio em um grupo de estudos internacional de semio- ticistas ¢ especialistas em informética, rcunidos em Dagstubl, Alemanha. Foi nessa reunizo que me inteirei, pela primeira vez, dos mecanismos de funcionamento da www em conversas com 19) CCULTURAS E ARTES DO POS-HURHANO. INTROBUGAD 20 alguns especialistas norte americanos entusiasmados com a novidade. esse momento, mal podia pressentir que 0 computador nio seria apenas uma mfdia semidtica, mas a midia das mfdias semicticas Como diz Lunenfeld (1999b: 3, 7), em um periodo de tempo impressionantemente curto, © computador colonizou a produgéo cultural. Uma méquina que estava destinada a mastigar ntimeros, ‘comecou.a mastigar tudo: da linguagem impressa it miisica, da foto- {srafia a0 cinema. Isso fez da “cibernética a alquimia do nosso tempo © do computador seu solvente universal, Neste, todas as diferentes midias se dissolvem em um fluxo pulsante de bits e dyter” © momento explosivo para isso se deu quando 0 computador se uniu as redes telecomunicacionais que resultou em algo Gnico ‘na histéria das midias teenol6gicas. Os cérebros dos computadores, antes fechados em bancos de dados com acesso limicado, desloca- fam-se pata as periferias, para a exeremidade inferior da hiecar- uia, para o terminal do usuério, para o recinto do cliente, assim como se deslocario a qualquer momento pata a cela dos televisores. A alianga entre computadores ¢ redes fer surgi © peimeito sistema amplamente disseminado que dé ao usuétio a oporeunidade de ctiar, disteibuir, receber ¢ consumir concetido audiovisual em um 86 equipamento. Uma méquina de calcular que foi forcada avira maquina de escrever ha poucas décadas, agora combina as fungies de criacio, de distribuigio e de recepgio de uma vasca variedade de outras midias dentro de uma mesma caixa, Rosnay (1997: 106-107) nos diz que o catalisador para o desenvolvimento das redes foi a conjungio de duas ideias simples: « informagio distribuida em rede ¢ o hipertexco (ver capitulo 4). Essas duas aplicagdes jd existiam isoladamence, mas sua associagio cxiou uma nova rede viva dotada de propriedades emergentes. A distribuicdo da informacio por servidores interconectados ja esta- va. em uso no mundo cientifico, mas nfo havia qualquer meio pritico que permitisse navegar de um para 0 oucto, permanecendo no interior dos documentos do trabalho em curso. Paralelamente, alguns idealizadotes de programas informéticos, principalmente na Apple, ttabalhavam no aperfeicoamento de hipertextos que ppucessem ser ucilizados facilmente pelo grande pablico, A infor roagdo apresentava-se sob forma de pilhas de carcies dotados de pponteiros. Nesse caso, bastava clicar em um deles para passar para ucros cartes que continham informagbes ligadas 4s anteriores. Foi a associagio do conceito de servidores de informagio ligados can uma tela dealeance mundial (a eed) e o hipertexto que produziu um efeito de bola de neve, A partir de um documento presente em lum setvidor, 6 usuario tem a possibilidade de navegar de um cexto (e de um servidor) para outro ao clicar nos ponteiros, verdadeiras encruzilhadas de informacéo que, de forma limitada, estio inter conectadas umas as outras. Por tudo isso, Lunenfeld (1999c: xix) deve estar com a tazio quando diz que no importa 0 quanto as midias digitais podem, primeira vista, assemelhar-se as médias anal6gicas — foro, cinema, video etc. ~, aquelas slo fundamentalmente diferentes destas, Por isso mesmo, os ce6ricos da comunicagio, cultura € sociedade devem fazer um esforgo para criar modelos de andlise adequados «essa emergéncia que transcendam os modelos que eram aplicé~ veis a midias anteriores € que transcendam principalmente os refides sobre consumo € recepgio, tipicos da era celevisiva. Questdes resultantes da maneira como o computador esta recodificando as linguagens, a5 midias, as formas de arte e estéticas anteriores, assim como criando suas propias, a rela- (0 entre imersao e velocidade, a dinamica frenetica da www, com seus sites que pioocam e desaparecem camo flores no deserto, a vida ciborg, 0 potencial des tecnologias vs. a vibi- lidade do mercado, os mecanismos de distribuiceo, a dinamica social dos ususries, a contertualizacie dasses noves procescos de comunicagao nas sociedades do capitalismo globalizado 80 alguns dos ternas que aparecer na ponta do iceberg, de xando entrever as complexidades que af rider, Realmente, essas complexidades tém chamado a atengfo de muitos estudiosos, inclusive no Brasil, onde alguns tém langado alarmes criticos em relagéo as consequéncias filosoficas, psiquicas CCULTURAS € ARTES Do POS-HUMANO. InTRoDUGAO 22 € politico-sociais da era digital (para nos limitarmos aos livros, ver, por exemplo, Rudiget 2002; Trivinho 1999, 2001), enquanto ‘outros tém aprescntado panoramas detalhados das novas paisa- gens ciber, colocando-nos a par das raizes hist6ricas e das linhas de forga comunicacionais ¢ socioculturais que Ihes so préprias (wer, por exemplo, Lemos 20022, 2002b; Costa 2002). No pano- rama internacional, 0 mtimero de estudos sobre 0 assunto cresce assombrosamente a cada dia, 0 que torna praticamente impossi- vel qualquer centativa de levantamento do estado da arte dessa questo. © que se pode delinear, de modo muito simplificado, so algumas tendéncias que cém marcado esses estudos. 4. A CIBER-REALIDADE NO JOGO DAS CONTROVERSIAS Uma avaliagio detalhada das reagdes que a ciber-realidade rem provocado em seus comentadores foi feita por Heim (1999: 31-45), Uma vez que 0 autor busca alicercar essas reagdes em ten~ déncias filos6ficas opositivas, vale a pena tomar conhecimento do encaminhamento do sew raciocinio. © impacto do computador sobre a cultuca ea economia, diz Heim, tem dividido os criticos em crés tipos de renglo, De um lado, os realistas ingénuos. Fstes comam a realiclade como aquilo que pode ser experienciado ime- iacamente ¢ alinham os computadores com os poluidores que so jogados no cetteno da experiéncia pura, no mediatizada Para eles, os sistemas ndo pertencem a realidade, mas sto uma idias que funcio- fam como estruturas que sistematicamente coletam, editam difundem a experiéncia, Blas se infiltram e discorcem a experién- cia ndo mediatizada, compromecendo ¢ confundindo sua imedia- ticidade. Os computadores aceleram 0 process de coleta de supressio da realidade. A supressiia vem das dados € ameagam ainda mais o pouco que testa da experiencia pura © imediara. “Tsses ingénuos acredicam que a expetiéncia genuine € to limpa e sem perigos como gua potdvel”, Aos olhos deles, “as redes de computadores adicionam uma afetagdo desnecessaria 1 mundo real, enquanto drenam sangue da vida real”. A realida- dle para eles € 0 fendmeno fisico que percebemos com os sentidos slo nosso corpo: “o que vemos diretamence com nossos olhos, cheicamos com nossos narizes, ouvimos com nossos ouvidos, experimentamos com nossas Kinguas, € rocamos com nossas peles". Desse ponto de vista, “o sistema computacional é, no melhor, uma ferramenta ¢, no pior, uma miragem de abstragies, que nos distraem do mundo real” Os realistas ingémuos, continua Heim, falam a partir do medo. Medo de abandonar as comunidades locais em prol das comunida- «les virtuais. Medo de diminuir a proximidade fisica e interdepen: slencia miitua na medida em que as redes cletrénicas estdo mediando mais e mais atividades. “Medo de abalroar 0 espirico 20 uubscieuir 0s movimentos corpotais por objetos espertos e méqui- nas robsticas”, Medo da perda de autonomia dos nossos eorpos na medida em que dependermos crescentemente de implantes basca- dos em chips, Ha também o medo de comprometer a integtidade quando pegamos o habito de nos plugar nas cedes. Hi ainda 0 edo de que “nosso processo humano regenerativo esteja escorre- and enquanto a genética transmuta a vida organica em tiras de informagio manipulaveis”. Medo das mudangas velozes no tra- balho © na vida pablica tal como os conhecfamos. "Medo da suséncia vazia do humano que cresce com a telepresenga”, Medo cafim, “de que o mesmo poder da elite que ances moyen atomos tna medida em que perseguiu uma ciéacia sem consciéncia, agora mova bits que governam o mundo computacional”” Quando dé voz a esses medos, completa Heim, o realista ingé- ‘nuo faz soar alarmes que esto em agudo contraste com os bons augtitios dos idealistas das redes. Estes consideram 0 mundo das tedes 0 melhor dos mundos e apontam para os ganhos evolutives da espécie, "Sao otimistas e, nos maus dias, exibem uma felicidade preocupada”. Para o autor (ibid.: 38), canto os realiseas ingénuos ‘quanto os idealistas sio os dois lados da mesma moeda. “Enquanco © idealista avanga com otimismo sem reservas, o realista pisa para tris mavido pelo desejo de nos assencar fora da tecnologia”. 23 CCULTURAS & ARTES DO POS-HUMANO, InrRoDUGAG 24 Além dos realistas ¢ idealistas, Heim encontra um terceito ‘grupo, o dos céticos. Convictos de que as tentativas para com- preender 0 processo, ado importa quo inteligentes elas possam sef, $20 indcuas, eles insistem em que o ciberespaco est atraves- sando um processo de nascimento muito confuso. Seu ceticismo std baseado nas histGrias das midias anteriores, cinema e televi- so, por exemplo, cujos eriticos falharam em compreender como © fueuto vieia utilizar essas tecnologias. Trata-se de um ceticismo ue resulta em um avitude de “deixar acontecer para ver como & que fica”. "Nenhuma dessas t1€ posicBes nos ajuda a fazer sentido do que esté acontecendo”, Heim conclu Para que possamos enfrentar os desafios do presente, ele prope a posigao dialética de um realismo vireual como posigao mediadora encee o realismo ingénuo eo idelismo clas redes. "S6 assim se pode sustentar a oposi¢io como a polaridade que con- tinuamente produz as faiscas do didlogo, ¢ 0 didlogo é a vida do ciberespaco” (ibid.: 41). “O realismo virtual vai ao encontro do destino sem ficar cego as perdas que © progresso traz” ibid.: 45). Esse texto de Heim esté prioritariamence voleado pata uma avaliagio das posigGes, digamos, epistemolégicas que tém sido assumidas frente ao mundo digital. O que falea nessa avaliagio & alguma indicasio do conteddo das criticas que so levantadas pelos comentadores, sempre realistas, mas nem sempre tio ing@- ‘nuos quanto o retrato de Heim os pintou ‘A maioria das etiticas escé preocupada com o fato — inolvidé-~ vel ~ de que 0 mundo digital nasceu e cresce no terreno das for- macdes socioecondmieas e politicas do capicalismo glebalizado, Do que reclamam os crfticos? Da separagio que muitas aprecia- ‘bes sobre a era digital estabelecem entre o mundo lé fora, esque- cido, e 0 mundo virtual, “como se a turbuléncia social ¢ politica do nosso tempo ~ 0 conflito étnico, o ressurgimento do naciona- lismo, a feagmentagio urbana ~ nio tivesse nada a ver com 0 espago virtual” (Robins 2000: 79), Querem, portanto, chamar atengio para a evidéncia de que, mesmo que 0 ciberespago possa ser significantemente diferente «le outtas midias culturais, seus programas, realidades virtuais € experiéncias dos usuérios estio to firmemente enraizados no ccapitalismo contemporineo quanto qualquer outra forma de cul- ura, “Aqueles que promovem seu carter revolucionério muitas veres esquecem-se de considerar as dificuldades de se eranscender formas e convengées culeurais estabelecidas em tecnologius ¢ pré- ficas culcurais que se originam nessa mesma cultura” (Hayward 1995: 187). A prova mais imediata de que o cibermundo esta sssentado na légica perversa da economica politica do capical sslobalizado esta’ na dependéncia que esse mundo também tem de investimentos econdmicos de porte assim como de voncades € lecisdes politicas significativas. Longe de cairem céu, esses invescimentos e vontades brotam das novas modalidades da pro- «uso capitalist com todas as contendicies, as velhas ¢ as novas, ‘que as variagdes desse modo de produgio nfo cansam de engen- rar. ‘Nilo obstante a relevincia dessas criticas, no obstante tam- lhém as constatagdes inspiradas ¢ iluminadoras de muicos daque- les que, no dizer de Heim, no passam de idealistas, 0 que deve set evitado, a men ver, é a adesio aos extremos. Na medida em ‘que 5 telecomunicagies © 05 modos acelerados de transporte «sto fazendo o planeta encother cada vez mais, na medida mesma fem que se esfumam os parimetros de tempo e espaco eradicio- nais, assume-se, via de regra, que as tecnologias sio a medida de nossa salvacio ou a causa de nossa perdigfo. De um lado, celebra- ces pés-modernas das tecnologias asseveram que estas so tio benéficas que serio capazes de realizar proczas que os discursos humanistas nunca conseguiram atingir. De outro lado, clegias sobre a morte da nacureza e os perigos da aucomagio e desuma- niizagdo contrariam as expressdes salvacionistas. 25 CCULTURAS & ARTES DO POS-HUMANO, iwrRoDu¢ao 26 5. A PROPOSTA DO LIVRO Neste liveo, buscarci evitar qualquer um dos extremos acima mencionados. Nao esposar cegamente o “consumerismo” ou o apelo esnobe do Aigh cb, de um lado, nem cair nos lamencos n0s~ silgicos, chorando a perda do paraiso, de outro, De resto, 0 Jamento nao traz nenhuma consequéncia, além de soar histérico, especialmente neste momento em que as novas relagdes entre 4 tecnologia ¢ os humanos se tornaram sumamente complexas. “A tecnologia no apenas penetra nos eventos, mas se cornou um evenco que no deixa nada intoeado. £ um ingrediente sem o qual a cultura contemporinea — trabalho, arte, ciéncia e educagio — na verdade, coda a gama de interacdes sociais, ¢ impensével” (Aronowitz 1995: 22), Buscar apagar essa realidade através da denegasdo implica, acima de tudo, uma recusa do pensamento. Assim sendo, 0 intuito do livro € tentae conttibuir com suges- Bes de respostas as questdes que esto no centro da atengio daqueles que tém sido movidos pelo desejo da pesquisa sobre os temas do ciberespaco, ciberculeura e ciberarte: O que esti acor tecendo a interface ser hnumano-méquina © o que isso esté signi- ficando para as comunicagées ¢ a culeura do inicio do século XX? ‘Nessas perguncas cransparece 0 principal recotte que escabeleci como guia de jornada. As respostas para elas, sempre centativas, em tempos de incerceza, pretendem cepensar 0 humano neste alvorecer do vir-a-set tecnolégico do mundo. Os meios para esse repensamento vém da histéria das novas tecnologias, da Filosofia, da psicanilise, da comunicacio ¢ semiécica e, sobretudo, da aree. Na abertura de seu texto “A casa dos espelhos" (1997), Nor man T, White diz que, para ele, “a arte totna-se viva somente quando ela oferece uma estrutura teérica para questionamentos, A cincia oferece essa cserucura te6rica também, mas, para mim”, continua White, “a ‘boa citncia’ € por demais restritiva. Bu pre~ fericin fazer perguntas que se enderecassem simultaneamence @ miiltiplos mundos - dos organismos vivos até a cultura, a ferru- gem € 0 caos. Somente a arte me dé essa generalidade” Refletindo sobre esse testermunho de White, ocorreu-me que a irte, no a arte que se conforta no estabelecido, mas a arte que cria problemas, tem sido também para mim o tertit6rio privilegiado Intra o exercicio da ousadia do pensamento que no teme abracar sinteses, fazendo face aos enigmas ¢ desafios clo emergencial, um territ6rio privilegiado, enfim, para dar margem a imaginacio que vusculta © presente, nele pressentindo 0 futuro. E oa ambiéncia conjectural de uma reflexio pouco servil 8 severidade das exigén- ins superegoicas que os capitulos deste livro foram escritos. A isiaae que ecureuil, Be «que ficar perto dos artistas. Pelo simples fato de que, parafrasean lo Lacan, eles saber sem saber que sabem, Semethante a esce, ha uum dictuve de Goethe que vale a pena mencionar: hé um empitis- imo da sensibilidade que se identifica muito intimamence com 0 objeto e assim se toa, propriamente falando, teoria. B, de faeo, uuma espécie de teoria ndo-verbal © postica que os arcistas eriam na sua aproximagio sensivel dos enigmas do real. Por isso, sou movida pela convicgio de que, nesta entrada do terceiro ciclo evolutivo da espécie (argumento de Donald [1991], que seri mencionado mais de uma vez neste livro), temos de prestar aten- lo no que os artiscas estio fazendo, Pressinto que sio eles que estdo criando uma nova imagem do ser humano no vértice de suas atuais transformagies. Sio os artistas que 8m nos colocedo frente a frente com a face humana das tecnologia. A ripida evolugio do computador comparada com aquela de recnologias anteriores, quando contraseada com a auséncia de cvolugio na forma humana, levou o te6rico e artista da realidade virtual, Myron Krueger prever que a interface Giltima entre 0 computador ¢ as pessoas estard voltada para 0 corpo humano € 0s sentides humanos (zpad Hillis 1999: 6). Vem dai a importéncia que sera dada neste livro as metamorfoses, 0 mais das vezes invi- siveis, do corpo humano ¢ as transformagies na sensibilidade que vém sendo exploradas pelos artistas. Acendendo a sugestio de Featherstone ¢ Burrows (1996: 2), no foram apenas as reconstituiges da vida social ¢ da culeura 27 CCULTURAS € ARTES DO POS.HUMANO 8 que procurei levar em conta, mas também 0 impacto dessas mudangas no corpo humano. E nesse aspecto que os desenvolvi- ‘mentos tecnolégicos apontam para as possibilidades de formas de existéncia pés-humanas que, no scu visionarisme, Roy Ascott (20032) vem chamando de pés-biolégicas na emergéncia de uma ra timida (naist) que nascerd da jungio do ser humano molhado (uei) com o silicio seco (ary), especialmente a partit do desenvol. vimento das nanotecnologias que, bem abaixo da pele, passatio silenciosamente a ineeragit com as moléculas do corpo humano, Estou ciente de que o titulo do Livro ~ *Culeuras artes do 6e-humano” ~ € pectusbudor. Pode sugerit que o humano jé se ‘oi, petdeu-se no golpe dos acontecimentos. Insisto em manté-Io, apesar desses perigos interpretativos, porque pretend chamar 2 atengio para a necessidad de se repensar 0 humano até o limite ltimo de sua esséncia molecular, Parece que esse titulo nos faz chegat a esse limite O QUE E CULTURA uulcura, em todos os seus sentidos, social, intelectual ow ( areistico € uma metéfora derivada da palavra latina cultara, jque, n0 seu sentido original, significava 0 ato de cultivar 0 solo. Os sentidos conorativos de cultura ndo tardaram a aparecer. Cicero, por exemplo, ja usava a expresso cultura anima, culcura da alma, identificando-a com a filosofia ou a aprendizagem em geral. Que a analogia com o crescimento natural esteja no coragio do sig nificado de cultura no tem nada de arbierério, A culeura é como a vida. Sua tendéncia € ctescer, desenvolverse, proliferar, “porque & muito mais espessa a vida que se desdobra em mais vida, como uma fruca & mais espessa que sua flor” (Joéo Cabral) ‘Sao quatro 0s principios que governam a vida: ela tende a se expandic como um gas paca ocupar todo o espaco disponivel; ela se adapta is exigéncias do espago que se tornou disponivel; ela se desenvolve continuamente em niveis de maior complexidade; ‘quanto mais complexo o nivel de sua organizagio, mais rapida- mente a vida cresce. Esses mesmos principios se aplicam a culeura, Sua disposigio para 0 crescimento € natural. Também como a vida, ‘quando encontra condigées favordveis ao seu desenvolvimento, cultura se alastra, floresce, aparece, faz-se ostensivamence presente, CCULTURAS E ARTES DO Pos-HUMANO. (Que é cuLTURA 30 1. NA CULTURA, TUDO E MISTURA Oucra importante metifora para a compreensio da cultura, ‘menos biolgica do que a da vida, € a metafora da mistura. Sea mistura € 0 espirito, como dizia Paul Valéry, ¢ a cultura é a morada do espitito, entio cultura é miseura. Embora se apresente ‘como uma simples brincadeira silogistica, af est enunciada uma condisio fundamental para se entender 0 que esti acontecendo com 2 culeura nas sociedades pés-industriais, pés-modernas, sociedades globalizadas deste inicio do século, Nio é outra coisa seniio a ideia de mistuca que anima o livto Caltares bil idas votn gue Nestor Garcia Cancliai recebeu 0 prémio de melhor livro sobre América Latina no periodo 1990-1992. De lé para 4, a realidade no apenas vem confirmando, mas inteasificando os diagnésticos de Cancliai, 2. A PROLIFERACAO DOS SENTIDOS DE CULTURA Sem nenhuma pretensdo de exanstividade, proponho apresentat tum breve mapeamento do campo da culeuta que possa funciona como um tragado para 0 reconhecimento das complexidades da Grea. Minha hipétese é a de que uma cartografia analitica, quando suficientemence mével, em vez. de funcionar como uma camisa- de-forga que impede a apreensio da fluidez do tertitério, funciona, isto sim, como um sistema de alerta ¢ de sinalizacZo para as diff ‘culdades apresentadas pela evanescéncia dos caminhos. 2.1. Um termo elusive As definigBes da culeura so numerosas, Ha consenso sobre 0 faro de que culeura € aprendida, que ela permite a adaptagio humana ao seu ambiente natural, que ela é grandemente varidvel © que se manifesta em inscieuigées, padrées de pensamento ¢ objetos materiais. Um sindnimo de cultura € tradicdo, 0 oucto é Civilizagio, mas seus usos se diferenciaram ao longo da histéria. Uma definigéo breve e stil € a cultura € a parte do ambiente que € feita pelo homem. Implicito nisto esté 0 reconhecimento ‘le que a vida humana é vivida num contexto duplo, o habitat ‘nacural e seu ambiente social. A definigio também implica que a uileura é mais do que um fenémeno biolégico. Ela inclui todos vos elementos do legado humano maduro que foi adquirido atta vyés do seu grupo pela aprendizagem consciente, ou, num nivel \lgo diferente, por processos de condicionamento — técnicas de wirias espécies, sociais ou institucionais, crencas, modos padroni- uados de conduca. A culcura, enfim, pode ser contrastada com os materiais brutos, interiores ou exteriores, dos quais ela deriva. Recursos apresentados pelo mundo natural so formacados para vir ao encontro de necessicades existences. Um conceito popular de cultura € 0 de refinamento, impli- cando na habilidade que alguém possui de manipular cercos ispectos da nossa civilizagio que trazem prestigio. Pata o cientis- (a, entretanto, qualquer pessoa culta s6 é caper de manipular ilguns fragmentos especializados de nossa cultura, compactilhan- «lo muito mais do que se pode suspeitar com um fazendeiro, um pedreio ou qualquer tipo de profissional. A mais rude economia, © Fito religioso mais arrebatado, um simples conto popular sio todos igualmente partes da cultura (Herskovits 1952: 17-18) Barnard (1973: 613) nos informa que, embora tena ido sua origem no mundo lacino, a palavra culcura s6 foi se tornar cor= rente na Buropa na segunda metade do século XVIII, quando 0 termo comegou a ser aplicado as sociedades humanas. Aos signi- ficados herdados, logo se juntaram tantos outros que, antes da lilcima década do século XVIII, a proliferagao dos seus sencidos levou 0 filésofo alemio J. G. von Herder a afirmar que nada poderia ser mais indeterminado do que a palavra cultura. Dessa 6poca em diante, os sentidos se estenderam até ao ponto de levar _ © esctitor A. Lawrence Lowell a dizer, em 1934, que nada no mundo € mais elusivo do que a cultura, Uma tentativa de abran- _ger seu significado em palavras 6 como tentat agarrar 0 ar com as mis, quando descobrimos que ele esta em tudo exceto no que 31 CCULTURAS E ARTES DO POs-HUMMAN 32 se pode agarrar. Apesar da dificuldade, uma tencativa desse tipo foi feita, em 1952, quando os antropélogos A. L, Kroeber e Clyde Kluckhohn puseram em discussio nada menos do que 164 definigdes de cultura De todo esse recenseamento, os autores excrafram seis categoria 2) descritiva, com énfase nos caracteres gerais que definem a cultura; b) hiseérica, com énfase na tradigio; ©) normativa, enfatizando as regras € valores ©) psicolégica, enfatizando, por exemplo, o aprendizado ¢ 0 habito; €) estrutural, com énfase nos padres € 4) genécica, Esta tltima € a mais diversificada, incluindo definigdes com énfase na cultura como um produto ou artefato ou com énfase nas ideias € nos simbolos, ou ainda definigdes a partir de categorias residuais (Barnard e Spencer 1996: 140). Essas seis categorias poclem ser reduzidas a dois tipos de defi- nig®es principais: uma definigdo restriea, restritiva mesmo, que utiliza termo para a descrigio da organizacZo simbélica de um rupo, da transmissio dessa organizacZo e do conjunto de valores apoiandlo a representacio que 0 grupo se faz de si mesmo, de suas relagGes com outros grupos ¢ de sua relagfo com o universo natural, © um segundo tipo mais amplo de definicio que nfo contradiz ¢ Primeiro, de acordo com 0 qual a cultura se refere aos casrnmes, As crengas, a lingua, 3s ideias, aos gostos estéticos e ao conhec, ‘mento técnico, que dio subsfdios & organizagio do ambiente total humano, quer dizer, a culeura material, 0s utensilios, o habitat e, mais geralmente, todo o conjunto tecaolégico transmissivel, regulando a6 relagdes e os comportamentos de um grupo social com 0 ambiente (Martinon 1985: 873). 2.2. A concepgao humanista e a antropolégica No sen influente livro Culture and society: 1780-1950, Raymond Williams considera 0s conceitos de cultura ¢ civilizago como indnimos, atribuindo-Ihes quatro sentidos comuns. a) um estado geral ou hébito da mente tendo relagies proxi- mas com a ideia de perfeicio humana; b).um estado geral de desenvolvimento intelectual numa sociedade como um todo; 0 corpo geral das artes e do erabalho intelectual; d) um modo geral de vida, material, intelectual e espiritual. Os trés primeiros sentidos vieram se associar is chamadas concepsbes humanistas da cultura, enquanco 0 quarto € usual- mente associado com concepgdes antropolégicas. As concepcées humanistas so seletivas, separando certos segmentos das ativida- ‘5 humanas de outros ¢ concebendo-os como sendo culturais. As anttopolégicas so nio-scletivas pois aplicam o termo cultura 1 tn a doa burma, una dada cede, heaps social inteica € a qualquer coisa que possa ser adicionada a ela. !Aquanto os antropélogos evicam julgamencos de valor pelo temor de incorrer em etnocentrismos, os humaniscas defendem + possibilidade, ¢ mesmo a necessidade, de se avalias as diversas formas das atividades e objecivos bumanos & Inz de valores 1 vorsais que, eles insistem, sio passiveis de uma dererminagio objetiva (Barnard 1973: 615). Enquanto na concepgg0 soezop l6gica a cultura é, por natureza, plural e relativista, quer dizer, o huis eit civic teeares runes ned valiosa em si mesma, para os humaniseas, algumas pessoas cém mais cultura do que outras € alguns produtos humanos, tais, como artes visuais, misica, literatura, so mais culturais do que outros (Barnard ¢ Spencer 1996: 136). Embora haja uma con cordancia quanto a necessidade de se distinguir 0 culeutal do» biolégico na vida humana ¢ social, o fulcro das opinides sobre 0 OQue€ cuttuRR 33 CCULTURAS € ARTES DO POS-HUMANO, 34 que € crucial e problemstico difere muito nessas duas concepgdes Barnard 1973: 615). E dessas duas concepcées que derivam os sentidos de culeura ue se tornaram correntes: o sentido lato e 0 sentido estrito. Tal como é entendido nos estudos de historiadores, sociélogos € antropélogos, o sentido lato descreve todos os aspectos caracte- risticas de uma forma particular de vida humana, O sentido estrito € uma provincia das humanidades, cujo objetivo é inter- pretar ¢ transmitir as geragdes fucuras o sistema de valores em fangio dos quais os participantes em uma forma de vida encon- tram significado proposito, Em ambos os sentidos, a culeura pode ser pensada como um agente causal que afeta o processo evolutive acravés de meios exclusivamente humanos, na medida em que permite a avaliagdo autoconsciente das possibilidades humanas 4 luz de um sistema de valores que reflece as ideias Prevalescentes sobre 0 que a vida humana deveria ser, A culcura & assim, um recurso indispensével para 0 crescimento do con- trole humano sobre a direcio em que nossa espécie muda (Honderich 1995: 172). Na incerpretagio de Williams (1967: 274), a concepgio humanista apresenca uma énfase idealisea pois vé a cultura como lum processo € um estado de cultivo sob um prisma universalista, Este uso do conceico € ético e espiritual, expressando wm ideal de perfeicio humana. Pode, por isso mesmo, facilmente entrar em conflico com a énfase nas culturas particulates que acentua as diferencas 105 modos pelos quais o ser humano encontea signifi- cado e valor na sua vida e, até mesmo, concebe a perfeigio, Esta segunda énfase, que € prépria da moderna antropologia e socio- logia, € necessuiamence relativa e comparativa, enquanto a énfase idealista tende a ser absoluta, sendo muito comumente associada com a heranga clissica ¢ cristd europeia. Encee essas das énfases, coloca-se aquilo que provavelmente é 0 sentido mais comum de cultura, a saber, um corpo existente de erabalhos artisticos e inte- lectuais. Hi uma rensio ineviravel encre este significado e os dois anteriores. Um trabalho artfstico ou intelectual com frequéncia QUE E curTuRA ‘hiv se conforma a ideia de um estado mental perfeito jé associado \ valores € significados tradicionais conhecidos. Nesta posicio intermediria entre © sentido humanisea, universal, ¢ 0 sentido inccopoldgico, relativisea, torna-se necessério fazer distingdes were alta culeura, baixa cultura, culeura de massas, ou outros tnulos gue se cornarum comuns no século XX. Por outro lado, w 0 cultura € vista como um corpo de trabalho artistico e intelec- (wal a0 qual um grande ou até mesmo um supremo valor € con- (orido, € dificil, a partir desta posigao, aceitar 0s usos que a antro- pologia € a sociologia fazem da palavra “cultura”, pois esses usos iw) neuceos, referindo-se ao que as pessoas fazem ou pensam, sem. evar em consideragiio qualquer mérico artistico ou intelectual. Hisses usos imcluem elemencos da vida social € econdmica, espe- iulmente inscitucional, que nada tém a ver com o sentido artis {ico ¢ intelectual de culeura. 23, Cultura e civilizagao As distingdes entre cultura e civilizagio, ao longo da historia, forum abundantes. Enquanto cultura derivou do sentido de cres- ‘mento natural, a palavra civilizagio foi derivada de uma condi- vio social real, aquela do cidadio (civis, no lati). Essa palavea estava, assim, em contraste com “barbarismo’, outra condigio ‘ocial que significava originalmeate o modo de vida de um grupo estrangeito (Williams 1967: 273). De acotdo com Batnatd (1973: 617), para escricores como Kant, Coleridge ¢ Matthew Arnold, a cultura representa essencialmente « condigées morais do individuo, enquaneo a civilizagio significa 1s convengGes da sociedade. Invariavelmente, a primeira esté tam- bhém associada a valores espirituais, a segunda a valores ses Segundo Kane, a propriedade externa constitui meramente a civili- at eae ¢ idrin de morldade pettence & cultura verdadeira Bssa distingdo e, até certo ponco, o ceticismo sobre o valor da civi- lizagio, derivado de Diderot, Rousseau, Herder, e que iria atingie seu climax no inicio do sécalo XX com Spengler (Der Untergang 35 CCULTURAS & ARTES DO POS-HUMANO, (que & cuLTURA 36 ds Abendland, 1918-1923) tomou-se comum nos esctitos dos ingleses do século XIX, 0 que se deve grandemente A influéncia de Samuel Taylor Coleridge, um ardente discipulo de Kant. Em 1830, Coleridge fez a distingao entre o cultivo da humanidade em etal ea civilizagdo meramence exrerna através dla qual o progresso € calculado em Fungo de coisas ¢ no do homem em si mesmo, ‘A mesma distingiio foi feita por Thomas Carlyle e, mais tarde, Por Matthew Arnold, ao defender, em 1869, no seu livto Culture send Anarchy, a ideia de culeure como aucoperfeigdo moral. Pata ele, 4 cultura é, sobretudo, aperfeicoamento moral e niio metamente ppeindo ciemtfica pelo puro conhecimento, Toynbee, ao contritio, seralmente entendeu a civilizagio como o mais alco desenvolvimen, (0 das cultutas sociais a partis de suas origens primicivas. Queros, notavelmente Alfred Weber ¢ R. M. Maclver, em sintonia com a ttadigao, reservaram o conceito de culeura para a area dos valores ¢ significadas, reservando civilizagio para a drea da organizagio mate- tial. Weber considerava a civilizagio como um produto da ciéncia e tecnologia ¢ como universal ¢ acumulativa uma vez que ela se rela

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