Teorias da Representação Política
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Teorias da Representação Política - Alessandra Maia Terra de Faria
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS SOCIAIS
Para Florentinus e Alaíde Lodi Hennemann, in memoriam.
Dedico estas páginas
a Rosemary, Luiz Eduardo,
Matheus, Nathalia e Pedro,
pela vida, amor e carinho.
AGRADECIMENTOS
A presente obra é o resultado de uma agenda de pesquisa de, pelo menos, quinze anos sobre o tema da representação política. O primeiro leitor do livro, a quem agradeço e estimo a crítica aguçada e generosa, foi Paulo d’Avila Filho. Agradeço também a arguição e diálogo sobre o exposto no rascunho inicial do livro, ainda em 2008, e pela leitura e comentários de César Guimarães, Valter Sinder e Bernardo Ferreira.
Partes deste livro foram discutidas em diferentes ocasiões e fóruns, entre eles o 9º Congresso Internacional da Brazilian Studies Association (Brasa), em New Orleans, 2008, e o 14º Congresso Brasileiro de Sociologia (SBS), no Rio de Janeiro, em 2009. Gostaria de agradecer em particular a interlocução de Bruno Reis, por ocasião do Sexto Encontro Internacional de Ciência Política em Campinas, em 2008. A posteriori, resultados deste livro foram também expostos no 34º e 35º Encontros Anuais da ANPOCS, nos Grupos de Trabalho Controles Democráticos e Legitimidade
e Teoria Política e Pensamento Político Brasileiro
; agradeço a Adrián Lavalle, Marcelo Jasmin e Christian Lynch, pelo debate e sugestões recebidas nas referidas ocasiões.
À Editora Appris agradeço o convite para publicar este livro. A Capes e a PUC-Rio contribuíram com bolsas que tornaram possível esta realização. Gostaria de agradecer às professoras, professores, secretárias e funcionária do Quadro Complementar e Principal, dos Programas de Graduação e Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUC-Rio, pelo apoio recebido nos últimos quinze anos de convivência, enquanto discente e docente.
A história deste livro também se observa nas conexões entre a teoria política e a linguagem. Agradeço a Valter Sinder, mestre das narrativas, que fez parte da banca e hoje é orientador no estágio de pós-doutoramento, pela inspiração sobre a necessária relação entre representação, narrativa e linguagem.
Ao hoje coorientador no estágio de pós-doutorado e generoso mestre nos caminhos da tradução e poesia, Paulo Henriques Britto, meu muito obrigada.
À estimada Santuza, que com sua leveza e simpatia nos pôs em contato, e ambos me apresentaram Renato Rezende, responsável pela versão em inglês de 2010 deste livro, em Saarbrücken, Alemanha, do trabalho que agora publico em português; meu renovado agradecimento e lembrança.
Ao orientador de doutorado, Luiz Werneck Vianna, pela inspiração em investigar a intersecção entre a representação política, a sociedade e a política pública.
A André Freire, que gentilmente me recebeu em Lisboa, pela troca de ideias sobre a representação no Brasil e em Portugal, pela generosidade de adotar a versão em inglês do livro em seu curso Eleições, Partidos e Representação Política
, no Instituto Universitário de Lisboa, obrigada.
Ao mestre César Guimarães, pelas conversas, o estímulo intelectual e a troca de ideias sobre Hanna Pitkin, não tenho palavras.
Às minhas alunas, alunos, orientandas(os), com quem diariamente discuto e aprendo – sempre um pouco mais – sobre representação política ao longo dos anos. Ao nosso grupo de pesquisa LAPPCOM – Laboratório de Partidos, Eleições e Política Comparada, e em especial, aos amigos queridos e parceiros de pesquisa Mayra Goulart e Vladimyr Lombardo, meu muito obrigada. Ao amigo e interlocutor Felipe Maia, que me recebeu na UFJF, hoje já arguimos dissertações sobre representação política.
Finalmente, ao orientador do trabalho, Paulo d’Avila Filho, reitero a satisfação em ver o fruto da nossa pesquisa publicado mais uma vez, e relembrar o empenho de nossas discussões e todo processo de orientação e iniciação acadêmica partilhada, mestre, muito obrigada.
Por último, gostaria de agradecer à minha família: minha mãe, Rose, pelo amor e apoio incondicional. Ao meu pai, Sérgio, que mesmo há muito tempo não mais consciente de si, foi a primeira pessoa com quem discuti política acaloradamente. Às minhas irmãs amadas, Daniela e Márcia; cunhados Marcus e André, pelo apoio sempre recebido. Aos afilhados, Marina, Felipe, Marcelo, Fernanda e Bianca, pela alegria e amor de tê-los perto. Aos meus filhos, Matheus, Nathalia e Pedro, pois tudo não teria tido a menor graça, se não o partilhasse com vocês! Ao carinho e acolhida da tia Daisy Lodi, mais que família, amizade e sintonia, vó Alaíde e tia Adelina estão sempre conosco. À minha prima querida Fabi, que é como uma irmã. À minha amiga Dani Tranches, que era família e se foi tão cedo; aos amigos Rodrigo, Carlinha, Pablo, Rosi, Ana e Fred, obrigada. As coisas que as palavras não explicam, eu sinto com gratidão. Ao meu companheiro, Luiz Eduardo, sua presença está impressa neste livro – do mesmo modo que em minha vida.
O adulto alivia seu coração do medo e goza duplamente de sua felicidade quando narra sua experiência. A criança recria essa experiência, começa sempre de novo, desde o início. Talvez seja esta a raiz mais profunda do duplo sentido da palavra alemã Spielen (brincar e representar): repetir o mesmo seria seu elemento comum. A essência da representação, como da brincadeira, não é fazer como se
, mas fazer sempre de novo
, é a transformação em hábito de uma experiência devastadora.
(Walter Benjamim)
PREFÁCIO
Democracia é uma ideia desafiadora, marcada por significativa controvérsia; seja de natureza teórica ou conceitual quanto ao seu significado ou sentido desejável; seja de natureza empírica, caracterizada pelas análises das chamadas experiências democráticas e suas variadas formas, das quais poderíamos extrair preciosas contribuições para definir os seus contornos. Ocorre que uma das dificuldades repousa na definição do que seriam consideradas experiências democráticas, seus limites e possibilidades. Dificuldade que nos faz retornar ao problema do seu significado e, mais do que isso, ao seu conteúdo moral e normativo.
O termo democracia sugere uma aproximação improvável entre o Dèmos
e o Kratos
. A palavra parece conter uma aporia. Se não levássemos em consideração sua licenciosidade histórica e seu percurso sinuoso, creio que a tentação seria considerá-la uma expressão zombeteira. Afinal, quem de nós pode imaginar um cenário no qual a conjunção da ideia contemporânea de povo e o poder político, formal, institucionalizado, o poder público, realizem-se plenamente? Por essa razão, a democracia também é um ato humano desafiador. Artefato humano em um movimento contínuo, não linear, de incessante insatisfação e desconfiança, que nos impulsiona em direção à inovação institucional. De um ponto de vista da ação, mantemos com a democracia uma relação no mínimo curiosa. Comparo-a ao desejo. A despeito da enorme ausência de consenso em torno dos dois termos, imagino pelo menos dois pontos em comum. Em primeiro lugar, democracia e desejo talvez sejam administráveis, mas seus desígnios não são controláveis. Podemos administrar seus efeitos, não controlar seus impulsos. Suas inclinações não podem ser contidas discursiva ou normativamente por nenhum modelo prévio a ser tombado como patrimônio histórico da humanidade. Talvez por ser ato político por excelência, fruto do conflito, e, nessa condição, instituinte
dos próprios parâmetros avaliativos de seus processos. Em segundo lugar, a democracia, assim como o desejo, é um horizonte, mesmo sabendo que jamais a alcançaremos ou realizaremos plenamente, não desistimos, contudo, de tentar. Muito pelo contrário, sua força vital parece advir desse impulso.
Embora não falte à literatura especializada significativa imaginação teórica, não é fácil conceber, para usar expressão corrente, um governo do povo e pelo povo; seja pela dimensão política da assimetria de recursos de poder em uma sociedade marcadamente desigual e em conflito pelo controle dos recursos disponíveis, seja pelas labirínticas armadilhas cognitivas provenientes das dificuldades de precisar os termos povo e poder e da introdução de um termo correlato, porém distinto, a representação política. A representação política acrescenta ao já enigmático terreno do debate os problemas provenientes da reflexão em torno das identidades tanto dos representantes quanto daquilo que deve ser representado, além de como é ou deve ser representado e onde, em que instâncias, isso ocorre ou deve ocorrer. Entramos nos clássicos dilemas em torno da legitimidade e da legitimação dos processos, procedimentos ou controles democráticos, participativos e/ou representativos, que constituem parte do debate contemporâneo em torno da democracia e suas possibilidades históricas.
Penso que a densidade e a complexidade que envolvem as noções de democracia e representação não recomendam abordagens naturalizadas. A palavra democracia, desde tempos imemoriais, recebeu fortes, mas diferentes, conotações morais. Esse vínculo obriga a teoria política e a teoria democrática contemporânea, mesmo a de conotação empírica ‒ marcada pela crença no realismo científico, pretensamente desvinculada dos juízos morais ‒ a navegar pelos complicados, porém inevitáveis, problemas da filosofia política e da teoria moral.
Toda a filosofia política envolve uma dimensão valorativa ou ético-normativa que atribui determinados significados a processos sócio-históricos e produz certos efeitos na dinâmica social. Nesse sentido, as categorias formuladas pelo pensamento político traduzem uma compreensão específica da realidade, que pode permitir aos agentes sociais organizar racional e praticamente sua experiência, fornecendo-lhes um repertório de significados comuns, possuindo, assim, uma dimensão prática, em sentido kantiano. Esta me parece a principal razão de ser do esforço de análise teórica do livro de Alessandra Maia Terra de Faria, Teorias da representação política, proveniente de seus estudos para a elaboração de sua tese de mestrado, que tive o prazer de orientar.
A autora enfrenta um dos temas centrais da teoria democrática contemporânea: a suposta crise da representação política. É recorrente o diagnóstico, sustentado no alegado deficit de representatividade do chamado Governo Representativo
, para o qual os sintomas dessa crise seriam a frequente queixa do distanciamento entre representantes e representados, bem como a multiplicação de experiências políticas participativas. Investigar as tensões possíveis entre a perspectiva clássica de ideal democrático calcado na soberania popular e a fórmula moderna da democracia representativa exige, no entanto, alguns cuidados que marcam este livro. A partir de uma abordagem sofisticada e criativa, o texto nos apresenta uma leitura alternativa fundada na ideia de que a democracia é um processo movido pela tensão constante proveniente das insatisfações e desconfianças. Dessa forma, a tensa convivência entre ideais democráticos e representação política não pode ser analisada como uma crise que emerge em nossos dias. Suas origens remontam ao momento histórico no qual se inventou o modelo de Governo Representativo
. Trata-se de um constante processo de crítica e crise, antes que uma crise iminente, do qual emergem novos formatos de arranjos democráticos representativos e/ou participativos. Nessa chave, democracia e representação política são termos polissêmicos aos quais cabe desnaturalizar a fim de desembaraçar os nós que dificultam o diagnóstico de uma teoria democrática pós-sufrágio.
Em seu percurso, Alessandra Faria nos conduz a refletir sobre uma incessante e variada busca por mecanismos de aproximação entre Demos
e Krátos
. Entre os autores mobilizados, além da passagem por Hannah Pitkin e da boa leitura de Bernard Manin, destaca-se a análise das contribuições de Nadia Urbinati, ao sugerir que foi a representação que democratizou a democracia, e Pierre Rosanvallon, que produz uma interpretação mais abrangente, na qual considera a importância das novas práticas participativas em um ambiente social que almeja ter em seus representantes uma maior expressão de suas diversas identidades sociais possíveis.
Uma importante contribuição ao debate realizado no Brasil em torno desses dois autores é a análise de Alessandra sobre as distintas noções de processo nas abordagens sobre a democracia feitas por Rosanvallon e Urbinati. Refiro-me, particularmente, ao que diz respeito às contribuições possíveis de ambos para as controvérsias em torno da inovação institucional democrática e seus contornos participativos, que vêm desautorizando enquadramentos normativos clássicos em torno dos temas da legitimidade e da autorização política da representação.
Urbinati, em função de determinada leitura de sua obra, calcada em sua interpretação da representação como processo que deve levar em conta uma dimensão participativa nos mandatos eletivos, tem sido apresentada como uma grande contribuição recente à ampliação de canais de participação política na representação. Leitura que parece atribuir menos importância ao que me parece angular em seu trabalho. O grande esforço neokantiano de Urbinati na defesa da autonomia do juízo como alicerce ontológico da dimensão da política democrática como ato de liberdade. A representação democratiza a democracia quando garante essa autonomia do juízo no processo. Um processo que deve ir além do momento eleitoral, e essa é uma importante contribuição. Mas essa noção do processo é, ao mesmo tempo, estática em seu modelo normativo. Há um processo representativo constituído, garantidor da liberdade, centrado nos partidos, mas que deve ser incrementado.
Uma perspectiva mais abrangente da noção de processo democrático pode ser encontrada na obra de Rosanvallon. Nela, a noção de processo repousa em outra matriz teórica cuja centralidade é a história. Em Rosanvallon, o processo ganha sua dimensão histórica. Assim, ampliando os cânones de Manin, a democracia pode ser enquadrada como um artefato humano que não pode ser congelado em modelos normativos, mas que engendra normatividades a partir do devir histórico, das volições humanas e das experiências dispares. As considerações do autor às múltiplas formas de manifestação da democracia no tempo e no espaço constituem uma importante fonte de enquadramento analítico ao tema da inovação institucional democrática em nossos dias, que provoca questionamentos aos modelos tradicionais e desafios interpretativos à comunidade acadêmica. A leitura rigorosa e extensa da obra de Rosanvallon é uma das grandes contribuições do livro que agora é apresentado ao público.
E o leitor poderá verificar outra contribuição importante ao debate. Trata-se da possibilidade de degustarmos, ao longo do trabalho, um questionamento ao que vem se tornando um lugar comum no fraseado hodierno: Vivemos a crise da democracia representativa
. A expressão corriqueira mal esconde um conjunto de problemas revelados quando é decomposta em partes e analisada criteriosamente. Ao longo de seus três capítulos, Alessandra Maia Terra de Faria navega pelos temas concernentes à referida assertiva. O livro convida-nos a uma análise crítica de seus termos: desde a reflexão sobre a ideia de crise; passando pelas tensões entre as nada óbvias disjuntivas democracia – representação e representação ‒ eleição; pelas delicadas e complexas relações entre o social e o político na imaginação democrática, representativa ou participativa; até as noções de processo político contidas no debate contemporâneo.
O contexto de publicação desta obra em português, o ano de 2020, torna-o ainda mais oportuno. Em tempos sombrios, de descrença da política, de