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Currículo e
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Programa
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Série educação
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Circulação interna
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SUMÁRIO
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UNIDADE I
Diálogo sobre currículo e intenções educativas
Conceituar é uma tarefa que exige muitos cuidados, especialmente quando ao assunto é tão
amplo. Tentar condensar idéias em um conceito é um pouco complexo. Partiremos então das análises
propostas por alguns teóricos sobre currículo.
O currículo adulto é constituído por todos aqueles aspectos do ambiente escolar que, sem fazer
parte do currículo oficial, explícito, contribuem, de forma implícita para aprendizagens sociais
relevantes (...) o que se aprende no currículo oculto são fundamentalmente atitudes,
comportamentos, valores e orientações. Silva 2001. p. 78
O conceito de currículo (ou conceitos) abarca muito mais que a concepção de estrutura
organizada de conteúdos a serem ensinados nas escolas. É importante lembrar que em Educação nada
acontece desconectado do mundo e da sociedade na qual o ser humano encontra-se inserido, pelo menos,
não deveria acontecer. O discurso pedagógico muitas vezes é eficiente para convencermos sobre a escola
e currículo. Mas é importante valorizar o enfoque dado pelo pesquisador espanhol Gimeno Sacristan ao
apontar que
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educativo que ajude na consecução de um projeto global de educação para os alunos. Os currículos, sobretudo
nos níveis da educação obrigatória, pretendem refletir o esquema socializador, formativo e cultural que a
instituição escolar tem.
Situando-nos num nível de análise mais concreto, observando as práticas escolares que preenchem o
tempo dos alunos nas escolas, percebemos que fica muito pouco fora das tarefas ou atividades, ritos, etc.
relacionados com o currículo ou a preparação das condições para o seu desenvolvimento. A escola educa e
socializa por mediação da estrutura de atividades que organiza para desenvolver os currículos e das formas
destes e também pelas práticas que se realizam dentro dela.
O ensino não é mais do que o processo desenvolvido para cumprir essa finalidade. Algo que se
esquece muitas vezes, que se quer analisar os processos de ensino-aprendizagem a partir de uma determinada
perspectiva científica e técnica, esquecendo do verdadeiro encargo. Por diversos tipos de condicionamentos,
os currículos tendem a recolher toda complexa gama de pretensões educativas para os alunos de um
determinado nível e modalidade de educação. Pode ser que o currículo não se esgote em seus conteúdos
estritos todos os fins educativos, nem as funções não - manifestas da escola, mas é evidente que existe uma
tendência progressiva para assumi-los no caso dos níveis obrigatórios de ensino. Daí que boa parte do que é
objeto da didática seja composta pela análise dos pressupostos, dos mecanismos, das situações e das
condições relacionadas com a configuração, o desenvolvimento e avaliação do currículo.”
Ao afirmar, no texto acima, que “ por diversos tipos de condicionamentos, os currículos tendem a
recolher toda complexa gama de pretensões educativas para os alunos de um determinado nível e
modalidade de educação”, Sacristan nos convida , a pensar a educação como uma ação repleta de
intencionalidade.
Em busca de contextualização essa discussão leia a reportagem a seguir publicada no jornal on-
line Ambiente Brasil:
dengue
02/04/2005
Combate à dengue passa a fazer parte do currículo escolar no Amapá
Conscientizar a população estudantil sobre os riscos que a dengue pode causar à saúde é o objetivo do projeto
Ações Educativas Culturais de Combate
à Dengue, promovido pela Secretaria de Educação e Cultura da Prefeitura de Macapá,
A idéia é informar os estudantes sobre os perigos da doença. O projeto prevê ações educacionais que serão
incluídas no currículo escolar. Com isso, os alunos poderão começar dentro da própria casa o processo de
conscientização dos familiares.
Diretores e professores das escolas da rede municipal de ensino ficaram responsáveis pela promoção de
atividades interdisciplinares que trabalhem questões de prevenção e ação terapêutica.
Segundo o secretário de saúde da prefeitura de Macapá, Gilson Rocha, com a chegada do inverno na região
Norte a preocupação com o aumento de casos da doença aumenta. É que com as chuvas, o mosquito
transmissor da dengue se multiplica em recipientes que podem armazenar água.
"A melhor forma de prevenir é envolver a comunidade e através da parceria acabar com os focos. Latas,
garrafas, pneus e o lixo em geral devem ser acomodados de forma que não permita o acúmulo de água",
esclareceu o secretário.
A dengue é uma doença causada pelo mosquito Aedes aegypti e está classificada em dois tipos: clássica e
hemorrágica. Os sintomas são febre alta, dor de cabeça, nos olhos e nas costas. Em alguns casos aparecem
manchas vermelhas na pele. (Sândala Barros / Agência Brasil)
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1.1 Currículo: conversando sobre seu significado e conceito
Desde seu surgimento segundo registros datados no séc.XVII, o currículo compreendia a
associação entre o conceito de ordem e método objetivando o controle do ensino e da aprendizagem e
como agente facilitador da administração escolar. Essa finalidade do currículo é discutida no texto
publicado pelo Centro de Estudos de Avaliação Educacional da UFRJ, analisemos o texto a seguir.
Continuemos nossa reflexão sobre o conceito de currículo a partir das idéias de Sacristan, Fourquin e Mc
Laren destacados no texto em análise.
• O currículo tem que ser entendido como a cultura real que surge de uma série de processos, mais
que como um objeto delimitado e estático que se pode planejar e depois implantar; aquilo que é,
na realidade, a cultura nas salas de aula, fica configurado em uma série de processos: as decisões
prévias acerca do que se vai fazer no ensino, as tarefas acadêmicas reais que são desenvolvidas, a
forma como a vida interna das salas de aula e os conteúdos de ensino se vinculam com o mundo
exterior, as relações grupais, o uso e o aproveitamento de materiais, as práticas de avaliação etc.
(Sacristán, J.G., 1995, p.86-87).
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• Currículo é o conjunto daquilo que se ensina e daquilo que se aprende, de acordo com uma ordem
de progressão determinada, no quadro de um dado ciclo de estudos. Um currículo é um programa
de estudos ou um programa de formação, mas considerado em sua globalidade, em sua coerência
didática e em sua continuidade temporal, isto é, de acordo com a organização seqüencial das
situações e das atividades de aprendizagem às quais dá lugar. (Forquin, 1996, p.188).
• O currículo representa muito mais do que um programa de estudos, um texto em sala de aula ou o
vocabulário de um curso. Mais do que isso, ele representa a introdução de uma forma particular
de vida; ele serve, em parte, para preparar os estudantes para posições dominantes ou
subordinadas na sociedade existente. O currículo favorece certas formas de conhecimento sobre
outras e afirma os sonhos, desejos e valores de grupos seletos de estudantes sobre outros gru-
pos, com freqüência discriminando certos grupos raciais, de classe ou gênero. (McLaren,
1977, p. 216)
Atividade de sistematização
Marque as opões que mais se aproximam ao conceito de currículo que você já presenciou na sua vida
escolar.
( ) Os currículos escolares transcendem os guias curriculares.
( ) O material escrito e apresentado no planejamento representa toda a dimensão curricular.
( ) O currículo vivido não é contemplado nas discussões e nos documentos oficiais.
( ) É a partir do currículo oculto que diferentes mecanismos de poder penetram na escola sem que
estejam explícitos no currículo formal ou vivido.
( ) O currículo é um conjunto de objetivos, conteúdos, experiências de aprendizagem e avaliação.
( )O currículo escolar lida apenas com o conhecimento escolar, mas com diferentes , aspectos da cultura.
( ) A seleção de conteúdos e procedimentos que comporão o currículo é um processo político.
O modelo que Bobbit baseado na teoria de administração econômica de Taylor e tinha como palavra-
chave a eficiência.
“Ralph Tyler consolidou a teoria de Bobbit quando propõe que o desenvolvimento do currículo deve
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responder a quatro principais questões: que objetivos educacionais deve a escola procurar atingir; que
experiências educacionais podem ser oferecidas que tenham probabilidade de alcançar esses propósitos;
como organizar eficientemente essas experiências educacionais e como podemos ter certeza de que esses
objetivos estão sendo alcançados.”
Para Tyler, propunha realizar “estudos sobre os próprios aprendizes, sobre a vida contemporânea fora
da educação, bem como obter sugestões dos especialistas das diversas disciplinas." Deveriam se respeitar ao
compromisso da escola em relação ao contexto da filosofia social e educacional e da psicologia da
aprendizagem com as quais se envolviam.
John Dewey - teoria mais progressista, porém ainda tradicional que se preocupava mais com a
democracia do que com o funcionamento da economia. Valorizava os interesses e às experiências das
crianças e jovens. A escola era vista como local de vivências valorizando a prática de princípios
democráticos, sem muita preocupação com a preparação para a vida ocupacional adulta. Concluindo,
valorizavam: conteúdos, objetivos e ensino destes conteúdos de forma eficaz para ter a eficiência nos
resultados.
TEORIAS CRÍTICAS
Anos de 1960 em todo o mundo, surgiram as primeiras teorizações questionando o pensamento e a
estrutura educacional tradicionais e as concepções sobre o currículo.
As teorias críticas, base em uma análise marxista. Estabelecia uma relação entre Ideologia e Educação
Althusser pontuou que a sociedade capitalista depende da reprodução de suas práticas econômicas
para manter a sua ideologia. A escola instrumento do capitalismo para manter sua ideologia
Pelo currículo, ainda na visão de Althusser, a ideologia dominante transmite seus princípios, por meio
das disciplinas e conteúdos que reproduzem seus interesses, dos mecanismos seletivos que fazem com que
crianças de famílias menos favorecidas saiam da escola antes de chegarem a aprender as habilidades próprias
das classes dominantes, e por práticas discriminatórias que levam as classes dominadas a serem submissas e
obedientes à classe dominante”. (SILVA, 2003).
Bowles e Gintis, escola é reprodutora de um sistema dominante através do seu funcionamento, as
relações sociais do local de trabalho. As escolas dirigidas aos trabalhadores subordinados - privilegiam
relações sociais os estudantes aprendem a subordinação. ”As escolas dirigidas aos trabalhadores dos
escalões superiores da escala ocupacional tendem a favorecer relações sociais nas quais os estudantes têm a
oportunidade de praticar atitudes de comando e autonomia”. (SILVA, 2003, p. 33).
Boudieu e Jean-Claude - crítica sobre a educação afastando- se um pouco das análises marxistas.
Reprodução social ocorre por meio da reprodução cultural com garantia da hegemonia da classe dominante.
Cultura vista como terreno de luta a cultura, no qual ocorrem diferentes concepções de vida social.
Por esta análise, “entendemos que não existe uma ou outra cultura, sendo que a mesma é construída
no processo educacional e social e não pode ser apenas transmitida, pois os sujeitos que estão envolvidos
nesse processo devem participar desse “terreno de luta”, criando e dando sentido aos seus conhecimentos”.
Michael Apple - a seleção que constitui o e Lrríeulo é o resultado de um processo que reflete os
interesses particulares das classes e dos grupos dominantes. “Crítica à função da escola como simples
transmissora de conhecimentos determinados por interesses dominantes, principalmente valores
capitalistas, e questiona o papel do professor nesse processo”.
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Surgem as perspectivas: a liberal ou humanista e a mais crítica. A linha liberal defende idéias de
tolerância, respeito e convivência harmoniosa entre as culturas, e a visão crítica pontua que, dessa forma,
permaneceriam intactas as relações de poder, em que a cultura dominante faria o papel de permitir que
outras formas culturais tivessem seu “espaço”.
As desigualdades criadas dentro do processo escolar não aparecem apenas nas relações de poder
entre grupos dominantes a partir de questões econômicas, mas também nas diferenças raciais, de sexo e
gênero, quando são colocados como dominantes valores, como a superioridade masculina e a branca.
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As relações de gênero são uma das questões muito presentes nas teorias pós-críticas, que questionam,
não apenas as desigualdades de classes sociais. O feminismo aparece para questionar o predomínio de uma
cultura extremamente patriarcal, na qual existe uma grande desigualdade entre homens e mulheres. A
começar pelo acesso à educação que era desigual para homens e mulheres e, dentro do currículo, havia
distinções de disciplinas masculinas e femininas determinando carreiras exclusivamente masculinas. Ter o
simples acesso às instituições e conhecimentos tidos como masculinos não bastava para o valor feminino
ser percebido.
A teoria pós-colonial, juntamente com o feminismo e com o movimento negro, procurou incluir as
formas culturais e experiências de grupos sociais descriminados pela identidade européia dominante. Teve
como objetivo estudar as relações de poder entre nações que compõem a herança econômica, política e
cultural de seus países colonizadores. Questionou as relações de poder e as formas de conhecimento pelas
quais a posição européia se mantém privilegiada. Existe uma preocupação com as formas culturais que estão
no centro da sociedade de consumo que definem novas idéias de imperialismo cultural, mantendo sempre a
hegemonia das culturas colonizadoras.
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adquiriu ao longo de sua vida profissional, interfere no jeito de ensinar e isso faz com que ele saiba a
melhor maneira de ensinar.
Documentos de Identidade
Osvaldo Mariotto Cerezer
Professor Departamento de História - UNEM AT
A obra intitulada Documentos de Identidade: uma introdução às teorias do currículo, de Tomaz Tadeu
da Silva, (2002) faz uma importante análise sobre as teorias do currículo, desde sua origem até as teorias pós-
criticas, e a contribuição destas nos estudos sobre o currículo e suas implicações na formação da subjetividade
e identidade dos sujeitos. As teorias do currículo procuram justificar a escolha de determinados conhecimentos
e saberes em detrimento de outros, considerados menos importantes.
Para a teoria tradicional, o currículo deveria conceber uma escola que funcionasse de forma
semelhante a qualquer empresa comercial ou industrial. Sua ênfase estava voltada para a eficiência,
produtividade, organização e desenvolvimento. O currículo deve ser essencialmente técnico e a educação vista
como um processo de moldagem. Na década de 1960 surgem as teorias críticas que questionam o status quo
visto como responsável pelas injustiças sociais e procura construir uma análise que permita conhecer não como
se faz o currículo, mas compreender o que o currículo faz. Seguindo Althusser, a escola é compreendida como
aparelho ideológico do Estado, que produz e dissemina a ideologia dominante através, principalmente, dos
conteúdos. Bowles e Gintis dão ênfase à aprendizagem por meio da vivência e das relações sociais na escola
que irão repercutir na formação de atitudes necessárias no mercado de trabalho capitalista. Bourdieu e
Passeron desenvolvem o conceito de “reprodução" e “capital cultural”, onde a cultura dominante incorpora,
introjeta e internaliza determinados valores dominantes através do currículo escolar.
Na década de 1970, o movimento de reconceptualização critica o currículo por considerá-lo
tecnocrático. Este se limitou às questões fenomenológicas, hermenêuticas e autobiográficas de crítica aos
currículos tradicionais. Na concepção fenomenológica o currículo é concebido como um lugar de experiência e
como local de interrogação e questionamento da experiência. A hermenêutica contesta a existência de um
significado único e determinado e defende a idéia de interpretação múltipla dos textos não só escritos, mas
qualquer conjunto de significado. Na autobiografia, o currículo é entendido de forma ampla, como experiência
vivida. Aqui se entrelaçam o conhecimento escolar, as histórias de vida e o desenvolvimento intelectual e
profissional, permitindo a transformação do próprio eu.
Para Michael Apple, o currículo representa, de forma hegemônica, as estruturas econômicas e sociais
mais amplas. Assim, o currículo não é neutro, desinteressado. O conhecimento por ele corporificado é um
conhecimento particular. Importa saber qual conhecimento é considerado verdadeiro. A reprodução social não
se dá de forma tranqüila, há sempre um processo de contestação, conflito, resistência. Henry Giroux concebe o
currículo como política cultural, sustentando que o mesmo não transmite apenas fatos e conhecimentos
objetivos, mas também constrói significados e valores sociais e culturais. Vê o currículo por meio dos conceitos
de emancipação e libertação.
Paulo Freire critica o currículo existente através do conceito de “educação bancária”. Nesse contexto,
o currículo tradicional está afastado da situação existencial das pessoas que fazem parte do processo de
conhecer. O currículo deve conceber a experiência dos educandos como a fonte primária para temas
significativos ou geradores. Sua teoria é contestada na década de 1980 por Dermeval Saviani na pedagogia
histórico-crítica ou pedagogia crítico-social dos conteúdos. A educação só será política quando esta permitir às
classes dominadas se apropriarem dos conhecimentos transmitidos como instrumento cultural que permitirá
uma luta política mais ampla. A crítica de Saviani à pedagogia libertadora de Paulo Freire está na ênfase dada
por esta aos métodos e não à aquisição do conhecimento.
Ao analisar as influências da “nova sociologia da educação” sobre os estudos curriculares, Tomaz
Tadeu da Silva salienta que a preocupação da mesma estava voltada para as questões de relação entre
currículo e poder, entre a organização do conhecimento e a distribuição do poder. O currículo é visto como
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uma "construção social”. Basil Bernstein analisa o currículo a partir de duas distinções fundamentais: o
currículo tipo coleção e o currículo integrado. Para o primeiro, as áreas e os campos do conhecimento são
organizados de forma isolada. No segundo, há uma diminuição das distinções entre as áreas do conhecimento.
A classificação determina o que é legítimo ou ilegítimo incluir no currículo. A classificação para Bernstein é uma
questão de poder.
O autor, ao abordar o currículo oculto, analisa-o como sendo aquele que, embora não faça parte do
currículo escolar, encontra-se presente nas escolas através de aspectos pertencentes ao ambiente escolar e
que influenciam na aprendizagem dos alunos. Na visão crítica, o currículo oculto forma atitudes,
comportamentos, valores, orientações etc., que permitem o ajustamento dos sujeitos às estruturas da
sociedade capitalista. Na perspectiva das abordagens sobre diferença e identidade, o currículo multiculturalista
se apresenta como uma possibilidade de abordagem e inclusão dos grupos raciais e étnicos, pois representa
um importante instrumento de luta política. A análise crítica divide o currículo multiculturalista entre as
concepções pós-estruturalista e materialista. Para a primeira, a diferença é um processo lingüístico e discursivo.
Para o materialismo de inspiração marxista, os processos institucionais, econômicos e estruturais, fortalecem a
discriminação e desigualdades baseadas na diferença cultural. Importa compreender como as diferenças são
produzidas através das relações de desigualdade. Para obter a igualdade, é necessário uma modificação
substancial do currículo existente.
As perspectivas críticas sobre relações de gênero e pedagogia feminista passaram a ser questionadas
por não levarem em consideração a questão de gênero e da raça no processo de produção e reprodução das
desigualdades. Nesse contexto, o currículo refletia e reproduzia uma sociedade masculina.
A pedagogia feminista passa a desenvolver formas de educação que levassem em consideração os
valores feministas, para contrapor-se à pedagogia tradicional de valorização do masculino. O currículo é visto
como um artefato de gênero, pois corporifica e ao mesmo tempo produz relações de gênero.
Em relação ao currículo como narrativa étnica e racial, a questão central consistia em compreender e
analisar os fatores que levavam ao fracasso escolar as crianças e jovens pertencentes a grupos étnicos e raciais
minoritários. Na perspectiva critica, o currículo lidaria com a questão da diferença como uma questão histórica
e política, pois não importa apenas celebrara diferença e a diversidade, mas questioná-la. Para a teoria quer, a
identidade sexual, assim como a de gênero, é uma construção social. Para ela, a identidade é sempre uma
relação dependente da identidade do outro. Não existe identidade sem significação, assim como não existe
identidade sem poder. A teoria pretende questionar os processos discursivos e institucionais, as estruturas de
significação sobre o que é correto ou incorreto, o que é moral ou imoral, o que é normal ou anormal.O
movimento pós-moderno toma como referência social a transição entre a modernidade iniciada com o
Renascimento e Iluminismo e a pós-modernidade iniciada na metade do século XX. Questiona as pretensões
totalizantes de saber do pensamento moderno. Nesse contexto, o pensamento moderno prioriza as grandes
narrativas, vistas como vontade de domínio e controle dos modernos. Nesta perspectiva, a pós-modernidade
questiona as noções de razão e racionalidade. Duvida do progresso, nem sempre visto como algo
desejável e benigno. Critica o sujeito racional, livre, autônomo, centrado e soberano da
modernidade.
Para o pós-modernismo, o sujeito não é o centro da ação social. Ele não pensa, fala e
produz: ele é pensado, falado e produzido. Fundamentado em Foucault, Derrida entre outros, o pós-
estruturalismo coloca sua ênfase na indeterminação e na incerteza sobre o conhecimento. Destaca o processo
pelo qual algo é considerado verdade, ou seja, como algo se tornou verdade. Seguindo Derrida, o pós-
estruturalismo questionaria as concepções de masculino/feminino; heterossexual/homossexual; branco/negro;
cientifico/ não científico dos conhecimentos que constituem o currículo. Já a teoria pós-colonial dá ênfase ao
hibridismo, mestiçagem, entendendo a cultura nos espaços coloniais e pós-coloniais como uma complexa
relação de poder onde ambas dominadora e dominada são modificadas. Com as teorias criticas e pós-criticas,
não podemos mais ver o currículo como algo inocente,desinteressado.
As discussões sobre currículo apresentadas até aqui apontam para a necessidade do entendimento
de um conceito mais amplo e complexo, distanciando da concepção de “ apenas conteúdos curriculares”.
Refletindo...
Retorne ao esquema apresentado sobre as teorias de currículo e organize no quadro a seguir as suas
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UNIDADE II
O currículo nas escolas brasileiras
“Lutar pela igualdade sempre que as diferenças nos discriminem; lutar pelas diferenças
sempre que a igualdade nos descaracterize.”
Boaventura de Souza Santos
Diferentes fatores sócio-econômicos, políticos e culturais contribuem, assim, para que currículo venha a
ser entendido como:
(a) os conteúdos a serem ensinados e aprendidos;
(b) as experiências de aprendizagem escolares a serem vividas pelos alunos;
(c) os planos pedagógicos elaborados por professores, escolas e sistemas educacionais;
(d) os objetivos a serem alcançados por meio do processo de ensino;
(e) os processos de avaliação que terminam por influir nos conteúdos e nos procedimentos selecionados
nos diferentes graus da escolarização.
Sem pretender considerar qualquer uma dessas ou de outras concepções como certa ou como
errada, já que elas refletem variados posicionamentos, compromissos e pontos de vista teóricos, podemos
afirmar que as discussões sobre o currículo incorporam, com maior ou menor ênfase, discussões sobre os
conhecimentos escolares, sobre os procedimentos e as relações sociais que conformam o cenário em que
os conhecimentos se ensinam e se aprendem, sobre as transformações que desejamos efetuar nos alunos e
alunas, sobre os valores que desejamos inculcar e sobre as identidades que pretendemos construir.
Discussões sobre conhecimento, verdade, poder e identidade marcam, invariavelmente, as discussões
sobre questões curriculares (Silva, 1999a).
http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Ensfund/indag3.pdf
2.1- Indagações ao Currículo
Continuemos nossas discussões a partir da análise do documento “Indagações sobre Currículo”
publicado pelo MEC . O trecho a seguir foi escrito por Moreira e Candau (2007). Solicitamos que tenha
acesso ao documento em sua íntegra no site oficial e enriqueçam cora as informações e discussões.
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A publicação Indagações sobre Currículo tem por objetivo promover a reflexão sobre
as concepções de currículo e seus desdobramentos.
A elaboração do material obedeceu a uma metodologia democrática, participativa e
contou com a contribuição de profissionais indicados pelo Consed, Undime e as diversas secretarias do
MEC. O documento também foi debatido em Seminário Nacional realizado em duas edições, no 2o
semestre de 2006.
Professores do Ensino Fundamental, da Educação Infantil e Gestores constituem o público
principal ao qual se dirige este documento. Mas todos estão convidados a conhecê-lo e debatê-lo.
Foram trabalhados cinco eixos organizadores:
1. Currículo e Desenvolvimento Humano;
2. Educandos e Educadores: seus Direitos e o Currículo;
3. Currículo, Conhecimento e Cultura;
4. Diversidade e Currículo;
5. Currículo e Avaliação.
Indagações ao currículo do ensino médio
As indagações não devem ser restritas a um único campo ou eixo. É necessário
que se repense a escola como um todo. Mas nosso foco é discutir a organização do
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currículo a partir do sistema no qual cada instituição esteja organizada, e ainda, acompanhar as políticas
públicas Nesse contexto, existem muitas variantes envolvidas, o que exige um olhar atento a
complexidade da educação.
“Quando se critica a escola básica afirmando ser de má qualidade, logo se pensa em treinar
seus profissionais. Se a prática é de má qualidade só há uma explicação, a má qualidade no
preparo dos mestres. Essa lógica mecânica justifica que todo governo e toda agência
financiadora coloquem como prioridade qualificar e requalificar, treinar e retreinar os
professores.” (Arroyo 1999)
A existência de diretrizes curriculares não garante uma educação de qualidade, nem mesmo o sucesso
do currículo. No Brasil os Parâmetros Curriculares Nacionais PCN'S foram estruturados com o intuito
de garantir, de certa forma, um fio condutor para a educação. No entanto, a amplitude de sua proposta
deixou os educadores confusos sobre o que ensinar. Os desencontros entre conteúdos e metodologia
tem sido constante no cenário educacional.
Apresentamos a seguir fragmento do texto Desencontros do ensino médio de Cláudio Moura e
Castro, no qual o autor critica a ineficiência das estratégias brasileiras para a solução do problema
educativo.
Sobre o autor: Doutor em Economia pela Universidade de Vanderbilt, nos Estados Unidos,e
colunista de Veja, Cláudio de Moura Castro questiona no artigo a seguir o que considera os dilemas atuais
do ensino médio. Vítima de uma escola “descentralizada, heterogênea e superficial”, o aluno
brasileiro,segundo ele, não consegue enxergar sua realidade naquilo que estuda. Faltam estímulo e razão
para se desenvolver e seguir adiante, justamente numa fase da vida “em que se burilam o espírito de
cidadania e a identidade cultural”. Para corroborar seus pensamentos, Moura Castro aponta as falhas e os
méritos da educação nos quatro cantos do globo e descreve as alternativas praticadas em diversos países
para superar e resolver problemas específicos do ensino médio. Para o especialista, o que mudam são as
fórmulas encontradas para lidar com as divergências insolúveis de objetivos. Cada país tem a sua, o que
reflete sua história e cultura.
Dilemas verde-amarelos
Cláudio de Moura Castro é formado em Economia pela UFMG, com mestrado
pela Universidade de Yale.
Os problemas com o nosso ensino médio começam com a invencível heterogeneidade fraqueza do
ensino fundamental. Chegam ao Médio alunos de excelente nível e outros meramente alfabetizados. E como
a matrícula no Médio triplicou nos últimos dez anos, é inevitável que ele reproduza a heterogeneidade do
Fundamental. Como bem sabemos, as piores deficiências estão no ensino do português, das matemáticas e
das ciências naturais. Os alunos chegam com péssima base e 'há um déficit crônico de professores capazes de
ensinar corretamente tais disciplinas. Só esse problema já seria mais do que suficiente para dar pesadelos em
quem se preocupe com a qualidade da educação no Brasil.
Como só há um modelo de escola, todos devem seguir o mesmo currículo. Na prática, acontece outra
coisa. Temos Parâmetros Curriculares Nacionais muito flexíveis e amplos. Sendo amplos demais, não são bons
guias para a maioria das escolas. As escolas públicas, necessitadas de uma boa orientação sobre o que ensinar,
ficam bastante perdidas diante das idéias pouco explícitas dos PCNs. Na prática, ninguém sabe o que deve ser
ensinado, e as autoridades não sabem o que foi ensinado - ao contrário da Inglaterra, onde o assunto de cada
aula é determinado centralmente.
Nas escolas privadas - que poderiam melhor decifrar os Parâmetros - reina supremo o verdadeiro
currículo: o vestibular da universidade federal mais próxima. Isso vale tanto naquelas onde alguns poucos
alunos poderiam almejar aprovação em uma carreira competitiva como na vasta maioria que irá para carreiras
cujo ingresso é mais fácil.
Por tudo que sabemos de teoria cognitiva, o preço de ensinar demais é os alunos aprenderem de
menos. Não deve ser por outra razão que todos os países educacionalmente bem-sucedidos têm graus de
exigência diferentes para os alunos cursando o Médio - ou cursando níveis equivalentes de escolaridade.
Pagamos caro pelo ineditismo da nossa decisão de criar um modelo de escola única.
Os vestibulares das federais (e das estaduais paulistas e paranaenses) são calibrados para escolher,
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dentre o 1% de melhor desempenho, quais irão ingressar em Medicina. Por isso, são exames difíceis e
detalhados.
Entram em minudências e cobrem uma enormidade de temas. O resultado é inevitável. A extensão do
que se pede nos vestibulares migra para o que acontece nas salas de aula do Médio. Se os pais dos alunos das
escolas privadas souberem que a escola não está ensinando tudo o que pode cair no vestibular, o mundo vem
abaixo. Na prática, o inchaço curricular impede que haja qualquer profundidade no tratamento do que é
ensinado.
Como resultado, o aprendizado é superficial e de pouca conseqüência. Não há tempo para aplicar o
que foi aprendido, portanto, não chega mesmo a ser aprendido. É o ensino escravizado ao vestibular.
Como em poucos estados há aferição de qualidade ao fim do Médio, nem sequer sabemos o que foi
aprendido em cada escola. Temos apenas a amostragem do Saeb - que nos dá péssimas notícias para o ensino
dos estados e do país. Mas, mesmo nos estados que aplicam testes em todas as escolas, tais resultados não
são analisados.
Como foi dito, nas privadas prevalece o excesso de ambição do vestibular. Também nas escolas
públicas todos têm o mesmo currículo, como se fosse possível que todos aprendessem o mesmo. Como isso é
impossível, aprende-se muito pouco, pois se perde o foco.
http://www.reescrevendoaeducacao.com.br/
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• compreender a cidadania como participação social e política, assim como exercício de direitos e
deveres políticos, civis e sociais, adotando, no dia-a-dia, atitudes de solidariedade, cooperação e repúdio
às injustiças, respeitando o outro e exigindo para si o mesmo respeito;
• posicionar-se de maneira crítica, responsável e construtiva nas diferentes situações sociais,
utilizando o diálogo como forma de mediar conflitos e de tomar decisões coletivas;
• conhecer características fundamentais do Brasil nas dimensões sociais, materiais e culturais
como meio para construir progressivamente a noção de identidade nacional e pessoal e o sentimento de
pertinência ao País;
• conhecer e valorizar a pluralidade do patrimônio sociocultural brasileiro, bem como aspectos
socioculturais de outros povos e nações, posicionando-se contra qualquer discriminação baseada em
diferenças culturais, de classe social, de crenças, de sexo, de etnia ou outras características individuais e
sociais;
• perceber-se integrante, dependente e agente transformador do ambiente, identificando seus
elementos e as interações entre eles, contribuindo ativamente para a melhoria do meio ambiente;
• desenvolver o conhecimento ajustado de si mesmo e o sentimento de confiança em suas
capacidades afetiva, física, cognitiva, ética, estética, de inter-relação pessoal e de inserção social, para
agir com perseverança na busca de conhecimento e no exercício da cidadania;
• conhecer e cuidar do próprio corpo, valorizando e adotando hábitos saudáveis como um dos
aspectos básicos da qualidade de vida e agindo com responsabilidade em relação à sua saúde
e à saúde coletiva;
• utilizar as diferentes linguagens - verbal, matemática, gráfica, plástica e corporal - como
meio para produzir, expressar e comunicar suas idéias, interpretar e usufruir das produções culturais, em
contextos públicos e privados, atendendo a diferentes intenções e situações de comunicação;
• saber utilizar diferentes fontes de informação e recursos tecnológicos para adquirir e
construir conhecimentos;
• questionar a realidade formulando-se problemas e tratando de resolvê-los, utilizando para
isso o pensamento lógico, a criatividade, a intuição, a capacidade de análise crítica, selecionando
procedimentos e verificando sua adequação.
Os PCN são um guia curricular organizado por disciplinas e por ciclos. O ensino fundamental é
dividido em quatro ciclos, cada um composto por dois anos letivos. Em cada ciclo, propõe-se que o aluno
cumpra atividades escolares reunidas em torno de disciplinas-língua portuguesa, matemática, ciências,
história, geografia, educação artística e educação física. Essas disciplinas são consideradas fundamentais
para que os alunos possa adquirir o conhecimento relevante e socialmente necessário. Por outro lado, o
documento aponta o fato de que há “questões urgentes que devem necessariamente ser tratadas, como a
violência, a saúde, o uso de recursos naturais, os preconceitos, que não têm sido contempladas por essas
áreas” (Brasil, 1997a, p.23). Como fazer para abordá-las? Os PCN propõem que estas questões
constituam temas transversais que atravessariam todas as áreas. São eles: ética, saúde, meio ambiente,
orientação sexual e pluralidade cultural.
Áreas de Conhecimento
Cada uma das áreas apresentadas na figura constitui um volume do documento e segue a mesma
estrutura:
Caracterização da área: trata-se de uma introdução em que a área é apresentada e na qual se
define o estado atual da discussão sobre o seu ensino.
1. Objetivos gerais da área: são apresentados os objetivos gerais da área, em consonância com
os objetivos gerais do ensino fundamental. Trata-se de objetivos amplos para a área ao longo de todo o
ensino fundamental. Por exemplo, para a língua portuguesa, um dos objetivos gerais da área é: expandir o
uso da linguagem em instâncias privadas (família, amigos etc) e utilizá-la com eficácia em instâncias
públicas, sabendo assumir a palavra e produzir textos - tanto orais como escritos - coerentes, coesos,
adequados a seus destinatários, aos objetivos a que se propõem e aos assuntos tratados.
Cada área de conhecimento será trabalhada ao longo dos 8 anos letivos, divididos em 4 ciclos de
dois anos letivos. Para cada ciclo, os PCN apresentam um guia curricular completo e detalhado
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envolvendo:
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A organização da escola em ciclos está se tomando uma realidade em numerosas redes municipais e
estaduais e no Distrito Federal. Milhares de professores, de dirigentes e técnicos estão empenhados na
implantação dos ciclos. A nova LDB incorporou essa modalidade de organização da educação básica no art. 23,
conseqüentemente os ciclos não são mais uma proposta inovadora isolada de algumas escolas ou redes, trata-
se de uma forma de organizar os processos educativos que está merecendo a devida atenção dos
formuladores de políticas e de currículos, de administradores e de formadores. Por que tanta tensão e
curiosidade?
Observo que a atenção por parte dos professores se deve em grande parte a uma sensação de
ameaça. Estamos tão acostumados com a organização seriada que ela passou a fazer parte de nosso
imaginário escolar. Desde criancinhas nos levaram às primeiras séries, fizemos o curso-percurso subindo por
andares, por séries ou fomos retidos e tentamos de novo subir essas rampas tão escorregadias. Formamo-nos
professores regentes das primeiras séries, licenciados de séries avançadas. Lecionamos por anos na estrutura
seriada, na organização gradeada e disciplinar do trabalho. Para o sistema seriado fomos formados e ele
terminou nos formando e deformando, Trazemos suas marcas em nossa pele, em nossa cultura profissional.
Desconstruir a organização seriada e sua lógica é desconstruir um pedaço de nós. Os ciclos ameaçam nossa
auto-imagem.
Toda nova organização do trabalho educativo traz conseqüências sérias em todos os níveis, sobretudo
em nossa auto-imagem profissional. As pesquisas e a reflexão teórica voltam-se para as propostas pedagógicas
que estão implementando os ciclos. A formação de profissionais da educação básica se pergunta pelo tipo de
profissional que está sendo requerido, ou melhor, que está se formando nessa modalidade de organização do
trabalho pedagógico. Nessas preocupações situo minha reflexão, tendo como referência o convívio direto com
profissionais que estão implantando os Ciclos de Desenvolvimento Humano. Nos seminários e congressos de
professores, nos encontros com dirigentes municipais e estaduais sempre nos colocam as mesmas questões:
como nos preparar para trabalhar com ciclos? Quanto tempo dedicamos à preparação, que cursos oferecemos,
que competências prévias desenvolvemos, como avaliamos se os profissionais estão prontos para iniciar a
organização dos ciclos?
Essas questões refletem uma determinada concepção e prática de formação, muito arraigada na nossa
tradição pedagógica, na formulação de políticas e até na orientação ou filosofia dos cursos de formação e
qualificação. Nas propostas pedagógicas que acompanho e que tem como um dos objetivos organizar os
processos de trabalho em ciclos, a questão da formação de educadores tem centralidade. Várias
administrações criaram ou dinamizaram centros de aperfeiçoamento de seus profissionais e mantêm um
diálogo estreito com as escolas Normais e cursos de pedagogia e licenciatura. Diríamos que as experiências de
ciclo vêm sendo um campo fecundo para repensar concepções e práticas de formação de educadores. Essa é
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Faz parte do pensar mais tradicional que a qualificação dos profissionais se coloque como um pré-
requisito e uma precondição à implantação de mudanças na escola. Daí a pergunta que sempre nos é feita:
quanto tempo demoramos na preparação para a intervenção? Faz parte de nossa tradição. Se pretendemos
introduzir uma nova prática, nova metodologia, um novo currículo ou uma nova organização escolar, a
primeira questão a colocarmos seria quem vai dar conta das inovações e como preparar, capacitar os
professores para as novas tarefas. O caráter antecedente de toda qualificação é aceito como algo
inquestionável, não apenas quando pensamos na formação de professores, como também quando estes
pensam na educação de seus alunos. Qual o sentido do tempo de escola? Ser o tempo antecedente,
precedente à vida adulta, à vida profissional. Aceitamos que ao tempo de fazer terá de preceder o tempo de
aprender a fazer. Ao tempo de intervir, terá de preceder o tempo de aprender, de qualificar-se para intervir
com qualidade.
Sempre nos disseram que o domínio da teoria precede à prática. Essa concepção de educação
precedente polariza a vida em dois tempos: de aprender e de fazer, de formação e de ação. Polariza a teoria e a
prática, o pensar e o fazer, o trabalho intelectual e o manual. Polariza e separa as minorias pensantes e as
maiorias apenas ativas. Essa mesma concepção tem inspirado o pensar a formação e a qualificação de
professores. Tem marcado as políticas e os currículos.
Quando se critica a escola básica afirmando ser de má qualidade, logo se pensa em treinar seus
profissionais. Se a prática é de má qualidade só há uma explicação, a má qualidade no preparo dos mestres.
Essa lógica mecânica justifica que todo governo e toda agência financiadora coloquem como prioridade
qualificar e requalificar, treinar e retreinar os professores. É dominante a idéia de que toda inovação ou
melhoria educativa deve ser precedida de um tempo longo e caro de preparo daqueles que vão implementá-la.
Ninguém ouse dirigir carro nesse trânsito urbano maluco sem antes aprender as leis de trânsito, treinar-se em
longas horas de auto-escola, passar na prova e obter carteira de habilitação. Essa semelhança está tão
internalizada em nosso pensamento pedagógico que passamos meses e anos requalificando, gastamos tempo,
dinheiro e energias treinando para a intervenção sempre ' adiada por falta de preparo adequado.
Na organização dos ciclos não seguimos essa visão precedente de formação. Na medida em que
vamos construindo propostas inovadoras, em que a organização dos ciclos entra como uma das inovações
centrais, fomos questionando essa concepção e essa prática de formação. Fomos questionando o papel dos
cursos e dos centros de aperfeiçoamento. Não separamos a equipe de coordenação pedagógica para planejar
ações e a equipe de qualificação para previamente dar cursos. Não apenas porque essa visão polariza os
tempos de pensar e fazer, de teoria e de prática, os tempos de formação e de ação-intervenção, mas por algo
muito sério, ela carrega uma concepção de educador que prioriza domínios e competências pontuais. Se se
pretende inovar métodos, na visão tradicional, se propõe treinar no domínio de novos métodos. Se se
pretende organizar a escola em ciclos, na visão tradicional, se propõe que aprendam primeiro o que é ciclo,
conteúdos de ciclos, avaliação de ciclo, passagem ou retenção no ciclo etc. Nessa visão tradicional, o
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profissional da educação básica é visto como alguém competente em tarefas, um tarefeiro. Competente em
práticas, um prático. A experiência nos levou a perguntar se quando as tarefas mudam o professor de
educação básica muda. Se quando mudam suas competências, muda seu papel social e cultural. Será que a
cada inovação de conteúdo, método ou organização mudará o papel social da educação, da escola e o papel e
a função social e cultural dos educadores? Defrontando- nos com tais questões, vamos desconstruindo a visão
precedente.
Uma tarefa de formação,
A visão tradicional parece supor que nosso papel muda em cada conjuntura, o que reflete uma visão
pobre da educação básica e dos educadores. Reflete os estragos que a visão tecnicista fez na concepção de
educação básica e na figura social de seus profissionais e de sua formação. Reflete, ainda, os estragos
ocasionados por ela nas políticas de formação, nos currículos, nos cursos e nas instituições formadoras. A visão
tecnicista, utilitária e mercantil desqualificou a educação básica, o papel de seus profissionais e os processos de
sua formação, marginalizou o que há de mais permanente as dimensões históricas que a função de educador
acumulou como tarefa social e cultural, como ofício. Desqualificadas e ignoradas essas dimensões e funções
mais permanentes e históricas, reduziu a educação ao ensino, à transmissão de informações, ao treinamento
de competências demandadas em cada conjuntura de mercado. Desqualificou o próprio ofício de mestres.
O perfil de profissional que restou é esse que estamos formando ou deformando nas últimas décadas.
Todos que temos experiência em cursos de magistério, de licenciatura, de habilitações em administração,
supervisão e orientação, temos experimentado, com pesar, como é difícil pensar nas dimensões mais
permanentes do ofício de mestres, de educadores, como é difícil ler e debater sobre essas dimensões, como os
futuros professores, diretores, supervisores preferem saber o como e o que fazer, diante do novo currículo, da
nova metodologia e da nova organização.
Os futuros profissionais da escola e aqueles que nela trabalham internalizaram a concepção
precedente: só interessa aprender o que os prepare para tarefas concretas, para intervenções pontuais. A
estrutura de muitos currículos dos cursos de formação e de qualificação ainda mantém essa lógica precedente.
Muitos, entretanto, tentam superá-la. As propostas inovadoras que acompanho também tentam. Veremos
como.
O que pretendo destacar é que o questionamento dessa concepção precedente de formação, a
tarefeira, pode ser um tempo de qualificação. Um tempo a ser explorado pedagogicamente, redefinindo
imagens de formação e sobretudo auto-imagens de professor qualificado. Pode ser um tempo propício para
redefinir até preconceitos que existem no interior da categoria. Lembro-me que em um dos debates uma
professora ponderou:
Agora entendo melhor porque somos divididos em categorias, não pelo que fazemos, nem pela
competência que temos, mas pela formação precedente e pela titulação. As professoras P1 somos
consideradas de segunda categoria, sem prestígio, com piores salários e com menores possibilidades de
avançar na carreira, apenas porque somos diferentes na titulação, ainda que sejamos tão competentes na
qualificação adquirida no trabalho. De fato, a centralidade dada à formação precedente condiciona o ser
profissional. Equacioná-la devidamente pode nos ajudar a superar preconceitos. Pensemos em outras questões
levantadas e que preocupam os professores.
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base nesse levantamento, poderíamos equacionar os cursos de formação e requalificação necessários para
termos profissionais capacitados para implementar a nova organização escolar. Seguindo nossa tradição,
deveríamos esperar que algum parecer dos conselhos listasse as competências a serem formadas e até
definisse a carga horária, as matérias, o número de alunos por turma, se devemos reter no meio ou no final do
ciclo... Toda inovação deveria ser decretada, tutelada, regulamentada, autorizada.
Rotulo de tradicional essa forma de pensar a formação de profissionais da educação básica porque é
com essa lógica que temos equacionado em nossa tradição pedagógica as políticas de formação, os currículos
e as competências requeridas dos mestres. Estes aparecem como super-heróis que em cada conjuntura, em
cada cena do filme, tem de dar conta das novas competências, dos novos conhecimentos, conteúdos e
técnicas, das incumbências (termo comum usado nos pareceres oficiais dos conselhos) que lhes são atribuídas
pelas leis, pelas reformas curriculares, pelas políticas oficiais, ou, como agora se diz, demandadas pelos
avanços da sociedade do conhecimento, da informática e das tecnologias. Nessa lógica, pensar nos currículos e
nos cursos de formação será readaptá-los ao sempre inconcluso propósito de preparar os mestressuper- heróis
da escola, capacitá-los para dar conta do novo filme, das novas (sempre novas e tão velhas!) “incumbências
atribuídas pela lei".'
As propostas pedagógicas que acompanho e que estão organizando a escola em Ciclos de
Desenvolvimento Humano não têm seguido essa lógica na formação de professores, ao contrário, tentam
superá-la. Do processo de superação procuramos fazer um tempo de re-qualificação. Na medida em que
avançamos na implantação dos ciclos, percebemos que não é esse o melhor caminho para definir o perfil do
educador. Que lógica tradicional é essa? Ajuda-nos a equacionar o profissional que vem se formando no
processo de organização da prática educativa em ciclos?
Entender bem essa lógica tradicional é importante para hão cair nela, para superá-la. É uma lógica
dedutiva. Temos de reconhecer que tal lógica vem nos colocando por décadas no mesmo beco sem saída.
O grave é que gestores de políticas e pareceres de dignos conselheiros continuam presos a essa lógica
dedutiva. Os primeiros parágrafos dos pareceres iniciarão lembra, >do que a nova legislação educacional
brasileira corporificada nos estatutos legais (enumeram-se os estatutos legais) atribui aos professores de
educação básica tais incumbências (enumeram-se com detalhes). Conseqüentemente, conclui-se que a
formação de um profissional capaz de exercer plenamente e com a devida competência as atribuições que lhe
foram legalmente conferidas deverá seguir tal currículo, com determinada carga horária, em determinados
níveis e centros de formação, ou que ele deverá freqüentar tais cursos de requalificação. Cumpridos os dignos
pareceres, só nos resta esperar no fim da linha, e os centros de formação lançarão no mercado a cada ano, em
solenes formaturas, os profissionais que a sociedade e a escola esperam e que as leis e políticas decretaram.
Como lógica parecerista, perfeita, porém distante da lógica social. Porquê? Esse pensar dedutivo
parece supor que os estatutos legais, as políticas, as normas criam a realidade social, que os papéis e as
funções sociais podem ser definidos e modificados com políticas e normas, a cada demanda, em cada
conjuntura histórica como o mocinho muda de papel em cada cena do filme, dependendo do script definido.
Parece supor ainda que propondo um script novo, uma nova forma ou formato curricular e colocando a massa
informe dos formandos e treinandos nesse formato formaremos novos papéis sociais para novas práticas.
Insisto, não se implantarão propostas inovadoras listando o que queremos inovar, listando as competências
que os educadores devem aprender e montando cursos de treinamento para formá-los. Uma vez formados,
teremos novos profissionais inovadores e poderemos iniciar tranqüilos as propostas? Uma visão ingênua que
ao longo das experiências vamos redefinindo e superando.
Esse sonho de criar novos papéis sociais atribuindo incumbências, propondo formatos, é muito antigo.
Quantos manuais desde o Medievo e o Renascimento se propuseram a formar o bom menino, o perfeito
monge, o heróico militar, o digno príncipe, a perfeita casada e até o bom selvagem? Pouco sabemos da eficácia
desses manuais na conformação de crianças, de monges, de militares, de príncipes, de casados e de casadas e
de bons selvagens. Faz muito tempo que esses manuais saíram de moda e a crença de que é por aí que se
conformam papéis sociais, também. Por que manter essa crença quando pensamos na formação de
professores?
Poderíamos fazer pesquisas históricas para entender porque apenas quando pensamos e decidimos
sobre o ofício dos mestres da educação básica mantemos esse pensamento tão ingênuo. Será porque
identificamos tanto as professoras com a infância que terminamos por infantilizá-las ou tratá-las como
crianças, sempre inacabadas? Será porque a maioria são professoras, mulheres? Haveria um viés de gênero?
Sobre a formação de outros papéis sociais não temos essa postura, nem sequer em relação aos professores de
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educação superior, e menos ainda em relação aos médicos, advogados, engenheiros... Deixamos que esses
papéis se conformem na dinâmica social após titulados ou diplomados. Avançando na implantação dos Ciclos
de Desenvolvimento Humano, essa lógica dedutiva e essa ingênua pretensão de redefinir os papéis de
profissionais da educação básica vão ficando mais desencontrados com o sentido das propostas pedagógicas.
Na medida em que outro profissional vai se explicitando, percebemos o que há de mais permanente no ofício
de mestre. A experiência de reorganizar a estrutura escolar nos defronta com velhos papéis sociais e culturais.
Os professores se reencontram com outras identidades. Isso é formador.
É curioso constatar que é no campo da formação de profissionais de educação básica onde mais
abundam as leis e os pareceres de conselhos, os palpites fáceis de cada novo governante, das equipes técnicas,
e até de agências de financiamento, nacionais e internacionais. Na formação de profissionais do magistério
superior, ou para as áreas de saúde, engenharia, direito, arquitetura, não se adota a mesma lógica dedutiva,
nem se prescrevem e modificam com tanta facilidade as atribuições e incumbências por meio de leis e
pareceres. É outro olhar sobre a construção histórica desses papéis sociais. Os próprios profissionais, suas
corporações, suas organizações representativas têm peso, são guardiões de seu ofício, de seu ethos, de sua
qualidade e sua identidade. Participam na definição de sua qualificação e colaboram. Essa história vem de
longe e é respeitada. Uma história bem diferente do trato dado à formação de professores de educação básica,
do trato dado ao ofício tão antigo, mais do que esses outros ofícios, de educar crianças, adolescentes e jovens.
A forma como esse ofício é tratado nas políticas é como se fosse um fazer e pensar indefinido, deformado.
Cada governante, legislador ou conselheiro, cada tecnocrata de banco se julga no direito de conformá-lo à
mercê de cada demanda conjuntural.
Não é ingênuo pensar que as atribuições listadas em cada nova lei, nova política, novo parecer
possam, por um passe de mágica, alterar o histórico ofício de mestre que os professores repetem? É curioso
com que facilidade cada lei ou parecer lista novas atribuições com a pretensão de formar um novo perfil, mais
moderno e atualizado de educador. O grave não ê, apenas, essa ingênua pretensão. O grave é confundir a
função histórica de educador com detalhes, com capacidades de elaborar o projeto de escola, por exemplo, ou
com aprender as técnicas de condução de uma reunião com as famílias, ou aprender novos critérios de
enturmação, de avaliação, de aceleração. É grave porque distraídas as leis e os pareceres com detalhes, os
currículos, as pesquisas e as políticas de formação não chegam ao cerne do ofício de mestres, do papel social
de educador, do que é a qualidade constitutiva, do que é historicamente identitário do pensar e agir
educativos. É isso que deve ser formado e qualificado. Outra concepção e outra prática de formação.
O permanente no ofício de mestre
As propostas pedagógicas que acompanho não equacionam a formação e a qualificação dos
professores segundo essa lógica tradicional. Ao contrário, pretende-se superá-la. Partimos de outro olhar, de
outra concepção do ofício de mestre, do educador, do sempre velho e sempre novo papel de pedagogo. A
hipótese que nos orienta é a de que os profissionais da educação básica estão mais feitos do que essa lógica
dedutiva supõe; de que a melhor estratégia é partir da formação que eles já têm, assumir que a função de
educador carrega dimensões definidas socialmente, partir do que há de permanente nesses velhos papéis
sociais. É outra lógica para a formação dos profissionais da educação básica.
O ofício de mestre é anterior à escola e nela se reproduz. Foi se conformando ao longo da história,
acompanhando os lentos processos de desenvolvimento humano, os processos civilizatórios e educativos, as
tensões sociais, culturais e políticas. De lá vêm nossos mestres ancestrais. Sua configuração social e cultural
situa-se nos tempos de longa duração. Cada educador dificilmente consegue fugir de ethos, estilos, culturas,
práticas, identidades que têm uma longa história. O ofício de mestre, inclusive mestre-escola, se confundiu e
ainda se confunde com outros ofícios próximos, presentes em todas as culturas. Os sempre presentes
condutores da infância, os pedagogos, os iniciadores nas culturas, nos saberes, valores, métodos e crenças. Os
socializadores, formadores de hábitos e condutas, sistematizadores do conhecimento.
Funções sociais e culturais que permanecem tão parecidas, tão constantes, herdando saberes e
técnicas, por vezes resistindo a atribuições legais, a rotinas burocráticas. Resistindo porque sua formação
histórica se materializou em práticas, símbolos em tecidos e tramas, em complexas redes sociais e escolares
por onde passa a construção do conhecimento e da cultura.
Em vão pretender alterar com pareceres, com listagem de atribuições e incumbências um ofício tão
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definido historicamente, tão parecido em todas as culturas e em todas as instituições educativas. Um ofício
tornado público, situado no campo dos direitos. Quem não constatou que todas as escolas são tão próximas
em lugares tão distantes, em formações sociais tão diversas? Os tecidos do desenvolvimento humano, da
cultura e do conhecimento são tão próximos! E o ofício de mestre também.
Penso que uma das tarefas urgentes das pesquisas e análises, das políticas e dos currículos de
formação é superar a visão tradicional e avançar em outro olhar que leve as pesquisas, teorias, políticas e
currículos na direção do que há de mais constante, mais permanente no velho e sempre novo ofício de educar,
de humanizar, de formar as mentes, os valores, os hábitos, as identidades, de produzir e aprender o
conhecimento. Não é essa a função social e cultural da educação básica e de seus mestres? Não é esse o sub-
solo, tão denso quanto tenso, no qual sempre se situou o ofício de mestre, a função pedagógica?
Situados nessa perspectiva, podemos equacionar a formação dos professores para a implantação dos
Ciclos de Desenvolvimento Humano, tentando explorar as proximidades existentes entre o que é constitutivo
do ofício de mestre, as velhas e renovadas funções educativas, o permanente em toda ação cultural e
educativa. Como? Tentando aproximar a concepção de ciclo dos estreitos e históricos vínculos entre educação,
formação e desenvolvimento humano.
Na medida em que a organização da escola e do sistema escolar vai sendo questionada, percebemos
que sua estrutura, as séries, as grades, as disciplinas, a organização dos tempos, espaços e do trabalho
materializam uma determinada concepção de educação básica e de seu profissional, conseqüentemente
exigem capacidades adequadas a essa estrutura. Levados por esse caminhar nos defrontamos com as grandes
questões e as permanentes dimensões da formação dos educadores, da configuração de seu papel social e
cultural.
Na implantação das propostas pedagógicas que se empenham em organizar a escola por ciclos,
percebemos que é reforçado o que há de mais permanente na função social e cultural dos profissionais da
educação. Não se trata de acrescentar novas incumbências a serem treinadas previamente, mas de criar
situações coletivas que propiciem explicitar e cultivar o papel, os valores e saberes educativos que cada
educador já põe em ação em sua prática, nas escolhas que faz cada dia no trato com os educandos. Preferimos
nos basear no acúmulo de saberes, pensamentos e valores que informam o que há de mais educativo no ofício
de mestres, que todos cultivam na diversidade de práticas, de culturas e identidades de cada um.
Cada professor, os coletivos de profissionais carregam cada dia para a escola uma imagem de
educador que não inventam, nem aprenderam apenas nos cursos de formação e treinamento. É sua imagem
social, é seu papel cultural, são formas de se relacionar como adultos com crianças, adolescentes ou jovens.
São aprendizados feitos em outros papéis sociais: no convívio e no cuidado com irmãos e irmãs, nos papéis de
parentes, avós, pais e mães, no aprendizado feito nos grupos de idade, nas amizades, nos movimentos sociais,
nas organizações da categoria, nas experiências escolares, nas relações dos tempos de formação, no
aprendizado de ser criança, adolescente, jovem e adulto. A nova LDB em seu art. 1o coloca a educação e a
formação nessa pluralidade de vivências sociais e culturais, de aprendizados. Fomos acumulando saberes,
valores, formas de diálogo, de relações, de intercâmbios que levamos para o que há de mais permanente e
definidor de toda ação educativa: ser uma relação, um diálogo de pessoas, de sujeitos sociais, culturais, de
gerações. Na prática educativa socializamos os aprendizados que fizemos e fazemos, que a sociedade
acumulou, que nós acumulamos como indivíduos e como coletivo.
Organizar os processos educativos em Ciclos de Desenvolvimento Humano ou tendo como eixo o
desenvolvimento humano, suas temporalidades, nos situa ou ressitua nessas dimensões mais permanentes do
fazer educativo, do ofício de educadores. Conseqüentemente, não se trata de acrescentar novas competências
a serem previamente treinadas, mas de voltar o olhar dos mestres para essas dimensões, para esse lastro de
competências, de saberes e valores acumulados e freqüentemente marginalizados e ignorados nos programas
de qualificação. Diríamos que o melhor processo de formação é explicitar, trazer à tona essas dimensões
permanentes soterradas sob os escombros e o entulho burocrático, rotineiro de atribuições acidentais. Trata-
se de inverter prioridades. Priorizar as dimensões constitutivas do ofício de mestres, secundarizar o que
soterrou essas dimensões. Deixar que aflore e seja assumido o educador que há em cada profissional
da escola, que seja assumida a qualificação que carrega cada coletivo de professores. Criar um clima
propício ao reencontro com sua identidade, com os saberes coletivos que vêm de longe e que foram
aprendidos em múltiplas relações humanas e educativas. Trabalhar as competências coletivas nas práticas em
que se expressam. Por aí nos afastamos da estreita, antecedente e treinadora concepção de formação e
qualificação. Afastamo-nos de uma concepção pontual, conjuntural de qualificação e do ofício de educador,
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sempre incerto, mutável, à mercê da última lei, da última reforma, do ultimo currículo ou didática.
O complexo processo histórico de construção de papéis sociais, do papel de pedagogo, educador ou
mestre não se altera com normas, políticas, intervenções pontuais. Estas passam e com elas passa a ilusão de
gestores e teóricos. As dimensões configuradas lentamente para ofícios que fazem parte de uma longa história
de humanização e formação humana permanecem. É aí que pretendemos amarrar a qualificação dos
educadores.
O que estou sugerindo é que a tentativa de organizar o sistema escolar por Ciclos de Desenvolvimento
Humano nos foi levando a descobrir e mexer nas dimensões mais constitutivas do ofício de mestres, e não
apenas em novas atribuições e incumbências. Em outros termos, dependendo do patamar em que coloquemos
a organização por ciclos, poderemos estar tocando níveis mais superficiais ou mais profundos da escola e do
perfil de educador. Chegamos a um ponto importante para equacionar a formação de professores e a
organização dos ciclos. A questão que se coloca é se a organização dos ciclos nos leva ou não ao encontro
dessas questões de fundo, se tocamos na visão de educação básica, do papel social e cultural de seus
profissionais, ou a concepção de ciclos que em muitas redes está sendo implantada nos deixa na periferia, na
epiderme dessas questões de fundo, nos desvia dessas questões para nos preocupar apenas com com-
petências pontuais.
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UNIDADE
A proposta de estruturação da escola em ciclos é coerenteIII
e pertinente. No entanto, o autor nos chama
Caminhando entre teoria e prática
a atenção para os retoques que são feitos no cotidiano da escola educativa
com o intuito de adequar-se a
proposta sem perder a direção anterior do currículo seriado.
Transcrevemos aqui a pesquisa realizada com o foco na avaliação do currículo no cotidiano com
o intuito de que o(a) aluno(a) analise e perceba os aspectos mais relevantes. Considere em sua leitura a
maneira como o autor compartilha seu olhar sobre a importância de se questionar o currículo. Mas para
o indivíduo posicionar-se precisa ter conhecimento da causa.
O texto encontra-se disponível no site indicado, mas tomamos a liberdade de transcrevê-lo para
utilizá-lo como base de nossos estudos.
Partindo dos pressupostos de que currículo e avaliação são um casal que não se pode
separar, de que “todo o saber é saber sobre uma certa ignorância e, vice-versa, toda ignorância é
ignorância de um certo saber” (Santos, 2000:78) e de que é nas práticas cotidianas que saberes,
ignorâncias, currículos e avaliações ganham sentido, este estudo procura compreender como, cotidianamente,
os conhecimentos curriculados são ou não valorizados nos processos escolares. O estudo é tecido a partir das
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redes estabelecidas no espaço tempo institucional das disciplinas currículo e avaliação na Faculdade de
Educação da Uerj, e a trama é estabelecida através das conversas de sala de aula, tendo como força motriz as
falas dos alunos.
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- Pensando em 2005-13, eu tiraria a disciplina “Revolução do pensamento filosófico /”, pois foi
muito mal dada. O professor era muito complicado e a gente não conseguia entender nada direito e nada do que
foi visto faria falta, além do professor cobrar mais do que ele dava, tanto que eu fiquei reprovado. Mas, pensando
em 2006-2, eu manteria essa disciplina, pois o conteúdo dela é muito legal e fundamental pra minha formação.
Ao que eu perguntei, quase que já tendo certeza da resposta: - Era o mesmo professor?
- Claro que não, professor. Um hão tem nada a ver com o outro. Paralelamente, a turma de
avaliação vinha fazendo as suas discussões a partir da contação de fatos interessantes para cada um deles que
envolviam avaliação da aprendizagem e, também nesse debate, a relação professor / avaliação foi uma
constante, a ponto de, em determinado momento de uma das nossas conversas, uma aluna da Biologia
pergunta:
- Quer dizer que avaliar tem mais a ver com caráter, com maneira de ser do que com teoria?
- O que você acha? - devolvi a pergunta.
- Eu acho isso mesmo, pois os professores de que mais me lembro e que considero importantes
para mim são os que tinham coerência entre a aula e a avaliação, e a maioria dos que me lembro eram bem
exigentes, mas eu gostava deles e estudava a matéria, mas eles davam boas aulas, que a gente se interessava.
Nesse momento, a turma se alvoroçou e muitas conversas paralelas aconteceram, com as pessoas
discutindo a questão da exigência nas avaliações como parâmetro da maior ou menor lembrança, o que,
evidentemente, aproveitei para ampliar a discussão. A conversa se encaminhou de uma forma que me
lembrou um fato acontecido em uma outra disciplina - Trabalho com leitura e expressão escrita - lá pelos idos
de 2003, que narrei, então. A atividade - que costumo chamar de brincadeira - era basicamente a mesma, ou
seja, contar uma situação positiva e outra negativa ligadas à experiência com leitura. Era uma turma só de
professoras do ensino fundamental, com a quase totalidade trabalhando em regência de turma. A aula foi
muito dinâmica e os fatos narrados, muito deles bem engraçados, tornou-a bem leve. Ao final do tempo,
arrumei as minhas coisas e me despedi, ao que se fez um silêncio gritante, a ponto de eu ter que perguntar o
que estava havendo. Elas estavam esperando que eu, o professor, fechasse a aula, que transcorreu quase sem
a minha interferência, pois foi toda ela contação de “causos”. Eu estava tão entusiasmado com tudo o que
tinha ouvido, que achei desnecessário fazer qualquer tipo de fechamento, já que as narrativas delas tinham
sido riquíssimas e, como costumo dizer, davam panos para manga para pensar as relações conhecimentos
alunos professores. Mas, atendendo ao silêncio suplicante, inventei o seguinte:
- Vocês perceberam que, por trás dos “causos" prazerosos, as figuras são as de mãe, pai, tio, irmão
mais velho e, eventualmente de professores? Vocês perceberam, também, que as situações desconfortáveis,
foram protagonizadas, em sua grande maioria, por professores? Agora, resta a vocês uma escolha: de que lado da
memória dos seus alunos vocês querem ficar.
Dito isto, saí da sala deixando um silêncio ainda mais profundo. Mas foram elas que pediram que eu
dissesse alguma coisa. Eu disse.
Voltando à vaca fria, como se diz no popular, os debates nas três turmas trouxeram a relação entre
currículo e avaliação sem que fosse necessário teorizar a priori, até porque, como essas disciplinas são as
chamadas eletivas para os cursos de licenciatura, alguns alunos e alunas incautos fazem as duas disciplinas
comigo, e não apenas eu, mas eles, predominantemente, trazem as questões debatidas numa das aulas para a
outra. E uma das que sempre dão a maior polêmica é sobre o que é conhecimento, principalmente quando os
estudos do cotidiano são a base teórica da discussão.
Este subtítulo é uma provocação e reflete as provocações que faço aos meus alunos para balançar um
pouco a grande certeza que sustenta as suas formações, principalmente, mas não exclusivamente, entre os
alunos de graduação da área tecnológica. A quase totalidade - não sei bem porque usei o quase, mas foi
instintivo, talvez para fugir da generalização - dos estudantes trazem discursos bem formatados pelos estudos
específicos que fazem, quer em relação às configurações curriculares, tanto para aprovar como para reprovar
essas configurações, quer em relação aos procedimentos possíveis de avaliação, fato que, por si só, já
apresenta um critério interessante de avaliação curricular a partir das aprendizagens cotidianas de formação
específica desses futuros - poucos atuais - professores. O que se apresenta como um processo hegemônico de
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formação, pelo menos na Uerj e com os alunos que me chegam, é que os conhecimentos aprendidos estão
descolados da vida social cotidiana dos graduandos. Não é que esses conhecimentos curriculares da formação
específica não sirvam a uma prática docente, mas sim que os próprios graduandos não são levados a
compreender como esses conhecimentos, acontecem nos cotidianos das pessoas. [...] Em que pese considerar
que essa postura foi fundamental para o desenvolvimento da ciência, é preciso que compreendamos as
marcas que o pensamento moderno traz para os processos educativos, quer pela definição do que deva ser
considerado conhecimento, quer pela forma como os conhecimentos devem ser ensinados e, também, pela
definição, a priori, de como formar os transmissores desse conhecimento às novas gerações nas escolas. Em
contraposição a esta concepção de conhecimento e de formação, Nilda Alves (2001:17) nos mostra que é
preciso buscar entender, de maneira diferente do aprendido, as atividades do cotidiano escolar ou do
cotidiano comum, exige que esteja disposta a ver além daquilo que outros já viram e muito mais: que seja
capaz de mergulhar inteiramente em uma determinada realidade buscando referências de sons, sendo capaz
de engolir sentindo a variedade de gostos, caminhar tocando coisas e pessoas e me deixando tocar por elas,
cheirando os odores que a realidade coloca a cada ponto do caminho diário.
No entanto, as narrativas dos licenciandos sobre os seus cursos de formação mostram que suas
configurações passam longe de considerar o cotidiano, a vida social cotidiana como alguma coisa relevante
nas suas “grades” curriculares.
- Mesmo as disciplinas práticas são prática sobre uma determinada teoria, e não sobre uma
realidade, sobre um fato que aconteça com as pessoas em suas vidas.
Este desabafo de Rodrigo, aluno da química , é um elemento importante para avaliarmos os
currículos de nossas graduações. Gosto muito de brincar com os alunos e alunas de Física, sempre dizendo,
de maneira irônica: - Gente, temos cientistas na sala. Uma pergunta que sempre lhes faço - e a estendo aos
químicos - é se conhecem llya Prigogine . A resposta, até hoje unânime, e um terrível não.
O que essa informação, junto com outras das mais variadas ordens, me traz? Pistas, indícios e, às
vezes, evidências (Ginzburg, 1989) da identidade dos cursos de Física e Química da Uerj, que não
apresentam, em seus currículos, sequer uma referência a um cientista do porte do químico russo belga.
Mas, é claro, este episódio é apenas um exemplo e, assumindo outros caminhos dentro da mesma
lógica, pode ser estendido aos demais cursos de graduação - e até mesmo de pós-gradação - como viés de
avaliação curricular. Dito de outra forma, as escolhas teórico-epistemológico-metodológicas que
configuram os cursos dão-lhes uma certa identidade. Apenas para reforçar essa questão identitária,
imaginemos um curso de História em que todos os professores - a totalidade é para dar ares de ficção a
essa realidade inventada - fossem marxianos, e que, por isso, trouxessem os aportes teóricos da mesma
lógica para configurar o seu currículo, montando disciplinas que fossem construídas a partir da concepção
marxiana de mundo e de História. Se tirarmos dessa invenção a totalidade e a substituirmos por “uma
parcela substantiva dos professores”, era assumiria ares de verossimilhança e nossa imaginação nem
precisaria ser muito fértil para conceber um curso de História com tendência marxiana.
- Mas, e daí? - me perguntariam os leitores que, acompanhando o meu raciocínio, suporiam que
eu não sei onde quero chegar com ele.
- E daí - responderia eu achando que sei onde quero chegar - que o que fica evidenciado nessa
invenção quase possível é que a configuração curricular está montada a partir de uma correlação de forças em
que uma das maneiras possíveis de pensar o mundo quer ser a única, ou, no mínimo, a hegemônica. Mas será
que não isso que acontece com “todos” os currículos em "todos” os espaços tempos - institucionais ou não: a
busca da hegemonia, a intenção de ser a verdade, a maneira correta de se pensar o mundo e os
conhecimentos?
(Nesse momento, bem que gostaria de ouvir os leitores a respeito, pois acho que teríamos, sobre essa
questão, uma boa prosa, enriquecida, com certeza, com as experiências escolares de cada um, com seus
pontos de aproximação e afastamento. Mas, mesmo que as conversas não possam acontecer no momento da
escritura - ela poderão surgir, espero, em outros momentos de cada um dos leitores -, posso inventar algumas
possibilidades de interlocução para dar continuidade ao texto, e é isso que faço a seguir.) A significação é um
processo social de conhecimento. Toda a teorização corrente sobre a escola, a educação, o ensino, a
pedagogia, a aprendizagem, o currículo, constitui um conjunto de discursos, de saberes, que, ao explicar como
essas coisas funcionam e o que são, as institui. De acordo com Foucault, as narrativas formam o aparato de
conhecimento produzidos ; pela modernidade com o objetivo de tornar administráveis os objetos sobre os
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quais falam. Conhecer o que deve ser governado, afirma ele, é parte da estratégia que permite a regulação e o
controle de indivíduos, grupos, processos e práticas. (Costa, 2002:141-2)
Essas considerações da Marisa Vorraber Costa me traduzem, de maneira muito forte, o caminho da
hegemonia, ou melhor, a coerente necessidade que uma determinada maneira de pensar o conhecimento tem
de se fazer presente em todos os espaços tempos onde o conhecimento existe, ou seja, em praticamente
todos os espaços tempos, em todas as atividades humanas - mesmo que algumas delas sejam desumanas em
todas as normas que orientam práticas, etc. Observem que a estudiosa gaúcha coloca, com clareza, que a
teorização - não necessariamente apenas sobre a escola, ensino, etc. - institui o real pelo discurso.
Assim também pensa von Foerster (1996:65-66), como se pode ver pelo fragmento do metálogo a
seguir:
Filha: Queres dizer que não se pode usar um princípio explicativo para explicar outro? Nunca?
Pai: Humm... quase nunca. É o que Newton queria dizer quando disse: Hypothesis non fíngo.
F: E o que significa isso, por favor? [Focalizem sua atenção no pai, enquanto explica o que é uma
hipótese. Notem como, ao fazê-lo, permanece dentro do domínio lingüístico e, dentro da descrição, não faz
referência a nada além da linguagem.]
P: Bem, tu já sabes o que são hipóteses. Qualquer afirmação que conecta, entre si, duas afirmações
descritivas é uma hipótese. Se ti dizes que houve lua cheia em 1o de fevereiro e novamente em 1o de março e
logo conecta essas duas observações, de certa maneira essa afirmação é uma hipótese.
F: Sim, e também sei que quer dizer non, mas e fíngol
P: Bem, fingo é uma palavra que, em latim antigo, significa faço. Forma um substantivo verbal Mio, do
qual procede a palavra “ficção”.
F: Papai, queres dizer que Sir Isaac Newton pensava que todas as hipóteses se compõem como se
fossem contos?
P: Sim, precisamente.
F: Mas não descobriu a gravidade? Com a maçã?
P: Não, querida, a inventou.
Se alguém inventa algo, então é a linguagem o que cria o mundo; se, em troca, alguém pensa que
descobriu algo, a linguagem não é mais do que uma imagem, uma representação do mundo. Acredito ter
podido demonstrar- lhes com isto é que a linguagem que gera o mundo e não o mundo que é representado
pela linguagem.
Ora, o que são nossos currículos senão uma organização discursiva? Mais ainda: o próprio
conhecimento é uma construção discursiva? Só que o discurso que organiza o currículo - e o conhecimento -
traz as marcas das forças hegemônicas que, estando no poder, ou melhor, sendo o próprio poder, definem o
que é conhecimento válido e, por isso, como os currículos devem- se comportar para que as pessoas que se
formam a partir deles apresentem uma determinada configuração. Como nos faz refletir Foucault (1987:27), o
poder produz saber (e não simplesmente favorecendo-o porque é útil);... poder e saber estão diretamente
implicados;... não há relação de poder sem constituição correlata de um campo de saber, nem saber que não
suponha e não constitua ao mesmo tempo relações de poder.
A questão curricular, como muitas outras que perpassam a educação - e as que perpassam outras
atividades da vida social é não apenas complexa, mas também muito complicada. Como nos mostra Lopes e
Macedo (2002:17-8), a “pluralidade de temáticas” que caracteriza essa área de estudos “exige que a definição
do campo do currículo supere questões de natureza epistemológica". O embate entre teóricos pela hegemonia
de suas teorias explicativas é uma constante, na medida em que esses atores sociais, para usar a expressão
cunhada pelas autoras acima referidas, sendo detentores de determinados capitais social e cultural na área,
legitimam determinadas concepções sobre a teoria de Currículo e disputam entre si o poder de definir quem
tem a autoridade na área. Trata-se de um campo capas de influenciar propostas curriculares oficiais, práticas
pedagógicas nas escolas, a partir dos diferentes processos de recontextualização de seus discursos, mas que
não se constitui dessas mesmas propostas e práticas. O campo intelectual do Currículo é um campo produtor
de teorias sobre currículos, legitimadas como tais pelas lutas concorrenciais nesse mesmo campo, (ibdem) Ou
seja, e retomando a questão discursiva colocada anteriormente, trata-se de atores sociais que querem ter
sempre o papel de cacique e nunca de índio, e o que garante a posição de mando e a capacidade de
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organização discursiva que veicula suas concepções teóricas sobre este assunto.
No entanto, mesmo que esses caciques se coloquem como constituidores do campo - do currículo -
pelo mais eficiente domínio do campo - de batalha -, esses modelos explicativos que, como nos colocam Lopes
e Macedo, são capazes de influenciar na adoção desta ou daquela política curricular ou de definição de práticas
educativas com base nesta ou naquela concepção de conhecimento e, portanto, de currículo, não dão conta da
complexidade do cotidiano da educação que, na grande maioria das vezes, vai acontecendo apesar das
explicações que são produzidas, e não por causa delas, contrariando as estratégias implementadas pelo poder
constituído para formatar os processos educativos. Não se veja, nessas considerações, nenhum tipo de
depreciação da produção teórica da área. Ao contrário, o que se tem pensado sobre currículo no Brasil nos
ajuda, e muito, a compreender esse intrincado quebra-cabeça. No entanto, como bem nos alerta Nilda Alves
(2001:15), o conjunto de teorias, categorias, conceitos e noções que herdamos das ciências criadas e
desenvolvidas na chamada modernidade e que continuam sendo um recurso indispensável, não é só apoio e
orientador da rota a ser trilhada, mas, também e cada vez mais, limite ao que precisa ser tecido.
A crença na teoria como limite é um achado dos mais significativos para tentarmos organizar, pelo
menos um pouco, a partir das lógicas cotidianas, a questão curricular e algumas possibilidades de sua
avaliação. Mas é de fundamental importância que, a cada possibilidade organizativa - e avaliativa coloquemos
uma pequena frase que aprendi com minha eterna mestra de literatura – e vida - brasileira, Dirce Cortes Riedel:
“Ou não”.
(Coloco, entre parênteses, uma pequena elucidação da frase para que o leitor compreenda a lógica - e
a emoção - de sua utilização. Prof3 Dirce era uma especialista em vários autores da literatura brasileira, e,
dentre eles, o de que mais gostava era Machado de Assis. Passamos um semestre inteiro estudando o autor,
com a profundidade que nossa mestra nos emprestava por seus conhecimentos. No último dia de aula, Dirce,
fechando o assunto, nos disse:
- Bem, gente, Machado de Assis é isso aí que nós vimos durante esse semestre. Ou não.
Piscou os.olhos para a turma, deu um adeusinho e saiu.)
Esse é um cuidado que, cotidianamente, devemos ter com nossas compreensões, pois elas são, como
as teorias, uma ação discursiva de nossa interpretação do que vemos acontecer nas escolas de todos os níveis
e graus. Ou seja, a constatação da recorrência de determinados procedimentos em relação aos currículos me
indica que a maioria dos professores entende currículo por X, ou que a maioria das escolas adota a concepção
Y de currículo, ou que os alunos... Ou não. Outras são as possibilidades de compreensão para além da que cada
um de nós pode ter. Nesse jogo social de compreensões possíveis, temos que negociar os sentidos. No
entanto, quando uma pessoa - ou grupo de pessoas - quer ter a hegemonia da compreensão, a negociação não
se dá, pois um sentido possível é transformado em verdade pelo uso do poder político de decidir qual o melhor
sentido das coisas. Alves e Oliveira (2002:78-9), ao traçar os “primórdios dos estudos do cotidiano escolar: o
modo oficial de 'ver' a escola e o que nela se passa”, além da felicidade do subtítulo, trazem a compreensão do
cotidiano escolar de algum tempo no passado próximo, principalmente pelos estudiosos americanos, através
da metáfora da caixa preta, descrita por elas como um instrumento ‘inventado’ para estimular em alunos a
criação de idéias, por meio de perguntas que os levam a ‘imaginar’ o que haveria dentro de uma caixa fechada,
na qual o professor colocara certos objetos que faziam barulho, tinham um certo peso, se moviam de alguma
forma, etc. Nesse sentido, interessava menos a relação do que estava lá dentro com aquilo que o aluno
inventava, e mais o que era ‘inventado’ pelo aluno, como possibilidades criativas e inventivas. (id.:79) Tomando
como base a concepção moderna de conhecimento, relacionando o conceito de caixa preta usado por Alves e
Oliveira (op. cit.) e a reportagem sobre o acidente aéreo, vou metaforizar o conhecimento cientifico como
caixa preta a partir das seguintes características: as pessoas acreditam que, em seu interior, se encontram as
verdades; poucos têm acesso a ela; o seu manuseio é prerrogativa de pessoas que têm - ou são investidas de -
poder; ela explica os fatos, os fenômenos, mas não consegue evitar que fatos e fenômenos aconteça. Como eu
gostaria que uma caixa preta pudesse evitar que um avião caísse; como eu gostaria que a ciência pudesse
evitar que o mundo fosse tão ruim para tantas pessoas. Mais uma característica que me faz comparar a ciência
com a caixa preta encontro em Veríssimo (1997:73): Essa é precisamente a organização discursiva das
linguagens, com absoluta primazia da linguagem verbal, em se tratando de conhecimento, que dá atualidade à
tirinha de Veríssimo. Por um outro ângulo, mas utilizando a mesma linguagem dos cartuns, Mariano (s/d)
mostra o que, utilizando preceitos da Física, poderíamos chamar de “diferença de potencial” entre as
linguagens de um cientista e de um não cientista:
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Vejamos um exemplo bem simples para retomarmos ao currículo e uma sua avaliação possível a partir
dos estudos do cotidiano:
O tráfico de drogas costuma usar crianças como olheiros e como entregadores de mercadoria, as
chamadas, no Rio de Janeiro, de “aviõezinhos". Essas crianças, em sua maioria meninos, têm, quando fazem
entregas, que receber o dinheiro correspondente ao material que estão entregando, o que faz com que eles
desenvolvam e aprendam uns com os outros noções seguras de operações matemáticas, até porque a vida
deles depende disso. Aí, esses meninos vão pra escola e a professora lhes apresenta um sonoro “arme e
efetue”, ao que alguns deles respondem que não sabem fazer, embora, em seus cotidianos de trabalho,' façam
essas operações do arme e efetue com bastante facilidade. A questão é que, bastante recorrentemente, as
escolas dizem que o “arme e efetue" é que é Matemática, e não as operações - ilegais, do ponto de vista legal -
matemáticas que eles desenvolvem para a sua sobrevivência nesse mundão de muitas atividades de trabalho
informal. Novamente, caímos - desculpem-me a cumplicidade da primeira pessoa do plural - isto é, eu caí na
questão da linguagem, que é a definidora do que é conhecimento e o que não é, que determina o que está no
currículo e o que não está, o que “cai na prova” e o que não cai. Até porque, como diz o poeta Manoel de
Barros, “tudo que eu não invento é falso” (1997:67). Logo, fica “por cima da carne-seca” - como se diz no
popular - os que inventam as coisas para elas existirem. Assim é com a ciência, com o conhecimento, com o
currículo...
Nesse momento do texto, vou apresentar uma linha lógica de raciocínio que aponta uma discussão
que tem permeado, desde há muito, as questões curriculares.
Se a educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência
humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da
sociedade civil e nas manifestações culturais (Brasil, 1996:art. 1o); se a “legislação disciplina a educação escolar,
que se desenvolve, predominantemente, por meio do ensino, em instituições próprias” (ib.); se, ainda, “a
educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social” (ib.); e tomando por base que a
União incumbir-se-á de [...] estabelecer, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios,
competências e diretrizes para a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio, que nortearão os
currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar formação básica comum (id.:art. 9o), podemos
inferir que a responsabilidade de definição dos currículos das formações básica e média, principalmente, está
nas mãos - talvez possamos dizer que está nas cabeças - do Estado, o que me parece absolutamente normal e
coerente com as funções do Estado. Resta-nos saber que Estado é esse, a quem serve e por quem quer ser
servido, que discursos esse Estado produz para serem apenas discursos e o que é produzido para,
transformado em ato, beneficiar todas as pessoas que formam a nação, tanto os mais ricos quanto os menos
abastados, e que o grau de riqueza não signifique o grau de direitos e deveres.
Oliveira (2003), ao analisar os fazeres pedagógicos em uma escola municipal do Rio de Janeiro,
procura compreender os sentidos emancipatórios desses fazeres e como esses sentidos são tecidos naquele
cotidiano. Evitando generalizações, seu estudo nos dá pistas de como, no cotidiano das pessoas e grupos
sociais, as aprendizagens vão-se dando para além das propostas curriculares reguladoras, como professores e
alunos vão-se movendo no próprio currículo outorgado e tecendo outras “maneiras de fazer” com suas
“astúcias de caçadores” (Certeau, 1994). Esse movimento se dá diuturnamente no cotidiano e, para a autora,
no processo de conquista da democracia social, é através desse que movimento logramo superar as formas
regulatórias que se exercem sobre o “mais fraco”, garantindo ao mais forte a manutenção do poder social, [e
esta superação] aparece como um imperativo para a viabilização da construção da sociedade democrática
através das lutas sociais emancipatórias. Como já anunciado, é curiosamente através de mecanismos
regulatórios que essas lutas podem e devem ser travadas. Recuperar a dimensão da regulação que limita o
poder do mais forte, ampliando os espaços de ação tática do mais fraco, é pois um dos desafios
contemporâneos para a emancipação social, na medida em que essa limitação/ampliação circunscreve
possibilidades de construção e ampliação da democracia.
Mesmo que o poder constituído, através de suas normas e modelos, prescrevam um ensino com base
em determinados conhecimentos, que são os considerados válidos e, portanto, os que devem ser aprendidos,
o cotidiano de cada escola, de cada sala de aula teima em acontecer por atalhos ao caminho “principal”.
Contrariamente ao postulado moderno de que só nos caminhos eram produzidos conhecimentos, acredito
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que, nesses atalhos, que acontecem no mesmo espaço dos caminhos, mas em tempo de movimentação
diferente, como compreende Certeau (1994), são cotidianamente tecidos conhecimentos, que fazem parte das
aprendizagem ensinos dos mais variados espaços tempos em que elas ocorram, inclusive - e privilegiada-
mente - no espaço tempo escolar.
Desmontando o quebra-cabeça
Quem já montou um desses jogos de muitas peças sabe da sensação desconfortável que é, por
exemplo, por acidente, alguém esbarrar no lugar onde ele está sendo montado e desfigurar o que vinha tão
pacientemente sendo feito. Mas devo fazer um certo corte no texto para comentar algumas coisas que
considero interessantes e importantes no processo de escrita, e uma dessas coisas é, para mim, a invenção de
metáforas. Num momento, a idéia do quebra-cabeça parecia perfeita, pois expressava a existência de uma
imagem concebida a priori a ser “montada” pelos muitos sujeitos escolares nos seus cotidianos. Esses, do
ponto de vista dos acontecimentos escolares, já estariam preorganizados pelos desenhos curriculares postos.
No entanto, o avanço do texto veio mostrando que, tão recorrente quanto a tentativa de se montar
um desenho preconcebido chamado currículo, estão os mais variados esbarrões cotidianos nos lugares onde se
busca montar esse quebra cabeça chamado currículo, a ponto de, praticamente, perdermos a noção do
desenho preconcebido, mostrando que há modos de fazer e de criar conhecimento no cotidiano diferente
daqueles aprendidos, na modernidade, com a ciência e em todos os espaços/tempos organizados, como no
mundo do trabalho e dos movimentos sociais, em especial os sindicados e os partidos políticos. Ou seja,... os
conhecimentos são criados não só pelos caminhos já sabidos e consagrados, e que precisam ser questionados
permanentemente, mas também nesse tecer constante de encontros e de desencontros cotidianos. (Macedo
et al, 2002:17-18)
Desmontar o quebra-cabeça e andar por atalhos dos "caminhos já sabidos e consagrados” são,
parodiando o ditado popular, faces representativas da mesma moeda curricular. O que se inventa de atalho ou
de esbarrão, cotidianamente, já é, em si mesmo, uma atitude avaliativa dos currículos reguladores, cuja
existência é fundamental até como espaço tempo de desobediência, ou melhor dizendo, de extrapolação dos
caminhos da obediência.
Ou não.
O que a escola precisa ensinar?
Paulo Araújo
Um dos maiores desejos dos professores é que os pais participem mais da educação dos filhos. É o
que revelou uma pesquisa feita pela revista Nova Escola e pelo lbope no final do ano passado. Os pais
precisam acompanhar o processo de aprendizagem e se tornar mais parceiros da escola. Os especialistas
apontam que uma das melhores maneiras de fazer isso é se informar sobre o projeto pedagógico e o
currículo da escola - ainda mais agora que as aulas estão recomeçando.
“Tão importante quanto participar das reuniões de pais e mestres é saber o que deveria ser ensinado e
cobrado nas avaliações”, aponta Elvira Souza Lima, consultora do Ministério da Educação. “Só com
informação é possível exigir boas aulas. Não se deve reclamar somente quando chega uma nota “baixa".
Quatro boas atitudes para você tomar em relação ao currículo
1 - Aproveite o início do ano para falar com a diretora, a coordenadora pedagógica ou a professora. Tire
todas as dúvidas sobre o projeto pedagógico da escola. Informe-se também sobre as medidas que dão
identidade à escola (preocupação com o meio ambiente, as artes, o esporte etc.). Você tem o direito de ser
informada sempre que o projeto pedagógico sofre alguma alteração - até para que não haja conflito com o
que é cobrado pelo professor. Solicite uma cópia do texto do projeto pedagógico.
2 - Outra atitude importante é buscar informações sobre os principais pontos do currículo escolar da
rede à qual pertence a escola de seu filho. Ele é um documento oficial e de domínio público. Portanto,
deve estar disponível no site da Secretaria de Educação ou, em caso de escola particular, no site da
instituição.
3 - Um bom currículo traz informações sobre todos os conteúdos que precisam ser ensinados, de acordo
com a série ou ciclo. Procure saber também se há reuniões para formação permanente dos professores.
- Se você não entender algumas passagens do texto, não tenha vergonha de pedir explicações e exemplos
práticos sobre o que é exigido de seu filho ao longo do ano.
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Refletindo.....
Se deveras o papel nem sempre é branco como a primeira manhã, que cortem o nosso papel ao final
desse percurso? Arriscamos em afirmar que ele se encontra multicor. Recebeu versos, falas, olhares,
tonalidades e agora se confirma na mistura de tudo isso. O que aprendemos nesse percurso? Os
saberes da experiência são mais importantes dentre os saberes? Existe a dicotomia entre teoria e
prática? O professor constrói a sua prática por meio da socialização dos saberes? Tem o grupo um
papel tão relevante na constituição dos professores? Quais marcas as professoras imprimem na construção do
currículo?
Nós nos atrevemos a dialogar sobre estas questões, cientes do alerta do filósofo e professor Sílvio
Gallo, de desconfiarmos de que tudo foi aprendido e assimilado. Não temos o controle sobre os
processos, mas ousamos a apontar algumas considerações que julgamos pertinentes.
Os relatos das professoras e suas reflexões apontam que a experiência segundo
Tardif & Lessard (2005) compreendida como significante, relevante e enraizada na
vivência de fatos marcantes, pois foi evidenciada no cotidiano das professoras.
A socialização e o convívio com os Grupos de Estudos de Arte têm sua
importância comprovada nas pesquisas realizadas por Braga (2005) e Sousa (2006).
Adélia retorna a essa questão quando revela que a escrita do livro Possibilidades e Encantamentos foi
instigante levando-a a organizar-se mentalmente. O desafio da escrita levou essas professoras
pesquisadas à busca de entendimento da própria prática e encaminhou-as à pesquisa para realização dos
projetos na escola, em prêmios, para a pesquisa acadêmica e para o envolvimento com o CEMEPE e/ou
NUPEA.
Outro fator importante a ser mencionado é a qualidade dos projetos apresentados e das Mostras
Visualidades realizadas pelas professoras, que evidenciam a relação da teoria e da prática, como ações
interligadas e não dicotômicas. Ressaltamos, também, a preocupação e o cuidado das professoras em não
trazer para si a conclusão da poetisa Cora Coralina de que na prática, a teoria é outra, como sendo uma
experiência comum no Ensino de Arte.
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Estaria Charlot falando apenas aos professores? Não. O pensador fala de gente, de educação.
O movimento para a aprendizagem se dá pelo desejo, sentimento inerente ao ser humano que vive A
rodeado pela constatação de sua incompletude. É um exercício de educar-se mediado pela relação com ROTINA
ou outro. São tantas as Adélias, Cecílias, Clarices e Coras que povoam as escolas, ávidas pela troca de
NAS
experiências que resultam no tingimento diário do papel em branco, pois, certamente, muitas manhãs
PEDAGO
virão e com elas novas oportunidades de relações de aprender o mundo. Novas cores para o papel, que
aos nossos olhos, jamais esteve branco. GIAS DA
EDUCAÇ
ÃO INFANTIL: dos binarismos à complexidade
Maria Carmen Silveira Barbosa
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
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dos educadores. Por um lado, eles defendem a concepção de que é preciso assumir, por sua condição, o
papel de exercer sobre as crianças e os jovens a transmissão das idéias, dos usos e dos costumes que lhes
permita adaptar-se melhor à sociedade e, por outro, a idéia de que é melhor desenvolver as
potencialidades e as aptidões dos indivíduos para que eles tenham êxito no seu futuro, desenvolvendo-se
pessoalmente e criativamente. De cada uma dessas concepções vão surgir diferentes projetos
pedagógicos.
Esses discursos antagônicos e apresentados em oposição recíproca enfatizam prioritariamente um
dos aspectos de duplas como: a natureza e a cultura, o espírito e o corpo, o intelectual e o manual, a
passividade e a atividade, a liberdade e a submissão, a iniciativa e a disciplina, a dependência e a
autonomia, a teoria e a prática, o sujeito e o objeto, entre outros.
Tais polaridades que, inicialmente estavam estabelecidas como antagônicas acabaram sendo
redimensionadas ao longo da elaboração deste estudo, tanto no que diz respeito à análise dos textos
pedagógicos dos autores fundadores das pedagogias da educação infantil quanto às observações
realizadas na pesquisa de campo pois, em ambas as fontes, deparei-me muito mais com a constante
emergência das contradições do que com uma coerência interna dentro de cada uma delas.
A partir dessa constatação verifiquei que as antinomias necessitavam ser problematizadas e
historicizadas para dar visibilidade a cada um dos pólos e permitir verificar, assim, o poder que está
presente em cada uma delas e as suas possibilidades pedagógicas. Procurando sintetizar e atualizar tais
antinomias, que estão profundamente arraigadas nos discursos e nas práticas pedagógicas, escolhi
trabalhar a partir das pesquisas realizadas por Basil Bernstein nas quais esse autor redimensiona a
discussão acerca da polarização das pedagogias.
1. Pedagogias Antinômicas
Nas décadas de 60 e 70, Basil Bernstein realizou vários estudos sobre a socialização das crianças
na escola, sendo algumas dessas pesquisas realizadas em pré-escolas. Ele chegou a algumas conclusões
que nos parecem relevantes para a presente pesquisa. Bernstein concluiu que existem duas importantes
concepções de pedagogias as quais denominou de visíveis e invisíveis (a partir do ponto de vista da
criança ou do aluno).
Para exemplificar essas pedagogias ele descreve a execução de uma atividade pedagógica com
denominação semelhante - a pintura - em duas pré- escolas com propostas pedagógicas diferenciadas.
Numa delas, as crianças sentam-se em filas, o professor distribui desenhos padronizados, dá seis lápis de
cor e pede a elas para pintarem as figuras. O professor interfere, perguntando: de que cor é mesmo tal
coisa? O professor exerce sua função explicitamente, o lugar que as crianças ocupam já está previamente
definido, a seqüência da atividade já é conhecida e as crianças sabem quais são seus limites e
possibilidades.
Em outra pré-escola, mais parecida com as idealizadas e preconizadas nos nossos dias, a situação
é diferente: as crianças têm folhas grandes de papel, escolhem as cores, o professor apóia e age de modo
indireto, realizando uma pedagogia invisível que é criada “por uma hierarquia implícita, por regras de
seqüência implícitas e critérios implícitos, múltiplos e difusos” (Bernstein, 1986, p. 184). Nas pedagogias
invisíveis, o controle dos professores não está claro, estes criam um ambiente que a criança irá recriar
tendo aparentemente largos poderes sobre o que seleciona e como o estrutura, bem como sobre a escala
de tempo das suas atividades; a criança aparentemente regula os movimentos e suas relações sociais; a
ênfase sobre a transmissão dos conhecimentos e a aquisição de aptidões é reduzida, ou melhor, a ênfase é
posta sobre as inter-relações, tem classificações e enquadramentos relativamente fracos; os critérios de
avaliação pedagógica são múltiplos e difusos e, por isso, dificilmente mensuráveis. (idem, p. 185)
Bernstein continua seu artigo, demonstrando como as pedagogias invisíveis centram sua atenção
no conhecimento do educador em relação aos estágios do desenvolvimento das crianças, na sua prontidão,
nas atividades e nos jogos. O professor observa as ações das crianças, reflete sobre isso e propõe novas
atividades. Segundo o autor, a criança é “filtrada através desta vigilância e, assim, é implicitamente
moldada de acordo com a interpretação, avaliação e diagnóstico”. Aos poucos, as crianças introjetam o
código sem dar-se conta.
Para Bernstein, tanto as pedagogias visíveis como as invisíveis operam com conceitos como
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tempo, espaço e controle social. Nas pedagogias visíveis, a progressão das transmissões estão ordenadas
no tempo e por regras explícitas. O currículo regula a seleção das disciplinas, os conteúdos das mesmas e
sua adequação ao grupo etário. Nas invisíveis, as progressões temporais dependem das teorias de
desenvolvimento interno, dos campos cognitivo, motor e afetivo, e os conteúdos são decididos
coletivamente. Em uma as crianças sabem o que se espera delas, na outra, não.
Quanto ao controle social nas pedagogias visíveis, a hierarquia é explícita, as regras são
apresentadas e com elas as punições. Os princípios da ordem devem ser aceitos, não sendo necessário
compreendê-los. Nas invisíveis, o controle é inerente a uma elaborada comunicação interpessoal, o
contexto é de vigilância, e, a criança fica exposta em sua subjetividade, sendo, muitas vezes, maior o
poder e o controle.
Apesar das rotinas pedagógicas parecerem encaixar-se, com maior facilidade nas pedagogias
visíveis, elas também estão presentes nas propostas pedagógicas das 'pedagogias invisíveis. Isso acontece
porque as instituições educacionais como um corpo social delimitado, com uma ordem social e moral,
necessita assegurar a sua continuidade por meio de rituais bem definidos. De acordo com Bernstein
(1986), a convivência na escola pode modificar a identidade de muitas crianças, os seus modos de pensar
e sentir, transformar a natureza de suas relações com a família e a comunidade e possibilitar- lhes o
acesso a outros estilos de vida e a outros modos de relações sociais.
Domingos, interpretando esses conceitos de Bernstein, afirma: a escola em sua prática educativa
transmite dois complexos de pensamento distintos e interligados; um deles refere-se à formação do caráter
e outro às aprendizagens formais. Portanto, há duas estruturas de relações sociais (que se inter-relacionam
profundamente): uma que controla a transmissão de ordem moral, que o autor denomina ordem
expressiva e outra que controla o currículo e a pedagogia denominada de ordem instrumental.(1986,
p.117) . Pelo que verifiquei até o presente momento sobre a execução das rotinas nas instituições
observadas, elas operam com o objetivo de estruturar, organizar e sistematizar as ordens moral e formal -
acentuando seus esforços na ordem moral - afinal, um dos principais papéis da escolarização inicial é o de
transformar as crianças em alunos. Para desempenhar esse papel, as rotinas utilizam-se de rituais -
cerimônias, castigos, imagem de condutas, caráter, modos valorizados de ser e proceder - que relacionam
os indivíduos com a ordem social do grupo, criando um repertório de ações que são compartilhadas com
todos e que dá o sentimento de pertencimento e de coesão ao grupo. A rotina desempenha um papel
estruturante na construção da subjetividade de todos que estão submetidos a ela.
Esses rituais são geralmente decididos pelos adultos, mas também as crianças os estabelecem. As
rotinas pedagógicas da educação infantil agem sobre a mente, as emoções e o corpo das crianças e dos
adultos. É importante que as conheçamos e saibamos como operam, para que possamos estar atentos às
questões que envolvem nossas próprias crenças e ações. Afinal, reconhecer limites pode ajudar a
enfrentá-los. Aceitar o tédio e declará-lo com consciência pode ser uma ótima premissa para aproximar-se
da novidade. Vivê-lo em silêncio, quase envergonhando-se da repetição que se faz cotidianamente, é um
modo para conferir-lhe, nem sempre conscientemente, a dignidade de um modelo cognitivo, transmitindo-
o às crianças e aos colegas com os quais trabalhamos. (Scchetto apud Mongay & Cunill, 1995, p.XII)
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uma hiper-estimulação da criança que produzirá muito, mas de maneira estéril. Os resultados são
muitos e vistosos, mas os processos são pobres, pontuais e duram o tempo da realização e muitas
vezes esta é repetitiva. (1986, p.24)
Do ponto de vista dessa reflexão, é preciso considerar que tal perspectiva trouxe para as crianças
e os adultos um novo modo de vida nas escolas infantis. Apesar de as diversas mudanças pedagógicas
apontarem para uma maior democratização dos espaços educativos, observa-se que estes continuam com
falta de politização dessas atividades, o apoderar-se - das crianças e adultos - da gestão do seu
conhecimento. Poder, ao vivenciar tais experiências, fazê-lo de modo consciente. Conforme Tonucci
(1986), isso pode ocorrer quando os alunos examinarem: de novo, na escola, as suas experiências,
conhecerá seu ambiente e recuperará a sua história, tudo isto em contato com o ambiente social de outras
crianças e de adultos, rica e articulada, significada, dando-lhe poder sobre as situações.
Como referem os autores suecos Dahlemberg e Asen (1994):
Em tal sociedade mutante, onde se pode apenas ter pistas dos contornos do futuro, as crianças
devem ser preparadas para tomar parte ativa e construtiva no desenvolvimento e mutação da
sociedade. Pedagogia na sociedade complexa e invisível de hoje deve considerar a idéia de tornar
visível o invisível para as crianças e os jovens. Numa sociedade moderna onde o conhecimento e
a informação estão ligados não apenas à produção de bens, mas também à comunicação, símbolos
e relacionamentos, tornar-se-á crescentemente importante desenvolver não apenas habilidades
básicas tradicionais, mas também criatividade, competência comunicativa e capacidade de
solucionar problemas, (p.165)
O quadro a seguir apresenta algumas características das duas pedagogias antinômicas que foram
apresentadas anteriormente. Na coluna da esquerda, observa-se um padrão de formação vinculado às
idéias de manutenção e na coluna da direita, idéias de transformação social, num típico movimento
polarizador.
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A princípio poder-se-ia pensar que as rotinas estão representadas principalmente pelo lado direito
do quadro e que elas, em geral, têm servido mais para a manutenção do que para a criação, mais para a
regulação que para a emancipação das pessoas que a elas estão subordinadas.
Essa divisão, que sempre me pareceu adequada, passou a ser contestável ou não suficiente para
abrigar o que foi encontrado na literatura sobre o tema e na pesquisa de campo realizada.
Até bem pouco tempo - para não dizer até hoje - era o que vulgarmente conhecíamos como
“pedagogia tradicional" e “pedagogia nova” - os universos dos nossos programas de ensino e da nossa
didática, ainda que, há muito, nossa educação não se sustentasse em nada disso”(Ghiraldelli Jr. 1996, p.
124).
Uma das maiores dificuldades foi classificar as atitudes, os comentários e as propostas das
professoras nessas duas polaridades. Não foi encontrada uma pureza na prática pedagógica; o que se
verificou foi uma tensão permanente entre esses elementos acrescidos da dicotomia encontrada entre o ser
e o dever ser, entre a intenção e a realização. A complexidade da vida, em um contexto educacional,
demonstra que a polarização pode ser um instrumento analítico importante, mas ele não consegue dar
conta da amplitude de elementos que funcionam conjuntamente.
Além disso, era possível observar que, mais do que produzir conhecimentos, procurava-se
produzir nas salas, nas relações entre os adultos e as crianças, sujeitos com características muito
semelhantes. É importante aprofundar essa questão para que se possa ter um pouco mais de clareza a
respeito de como se produz liberdade e, não se deixar cair naquilo que é apenas uma estratégia para a
manutenção.
Se, em meados do século XX, a coluna do lado direito do quadro era aquela que encerrava as
proposições mais de acordo com as suas teorias pedagógicas para a construção de uma sociedade
igualitária (política) e que levam em consideração a idéia da construção do conhecimento
(epistemologia). È possível observar que ela não é um bloco, que essa coluna efervesce, tem uma energia
em movimento. Para exemplificar pode-se tomar o item participação. A princípio, a idéia da participação
de todos nas decisões é o caminho considerado mais democrático, mas se observarmos, certos modelos de
gestão escolar, muitas vezes a participação de todos é mais uma forma de controle do que de
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democratização.
É preciso reconsiderar essa divisão, não para voltar às pedagogias explicitas, mas para poder
reconsiderar as pedagogias implícitas e verificar suas contradições internas. Também é preciso pensar
com cuidado nessas proposições, pois elas encerram ambigüidades que devem estar presentes nas
reflexões acerca de toda a educação e, neste caso, especificamente da educação infantil. Como avalia
Brunner (1996,1997), os estudos feitos nos últimos anos sobre a educação das crianças pequenas
levantaram várias antinomias, e hoje “graças a uma maior lucidez” é possível tirar lições para o futuro a
partir delas.
As antinomias não são apenas fonte de confusão, mas também de reflexão fecunda, pois nos
lembram de que as verdades não existem independentemente dos pontos de vista daqueles que as
proclamam (1996, p. 125)
Para esse autor, desde os anos 60, as pesquisas indicavam que as crianças pequenas eram seres
muito mais ativos do que reativos do ponto de vista cognitivo, muito mais atentas ao mundo social em
que se situam, tinham movimentos muito mais de interação do que de passividade, isto é, eram muito
mais inteligentes do que se tinha suposto anteriormente. E, com toda a certeza, elas não habitavam um
mundo onde apenas reinava a confusão e a falta de sentido; era possível observar que elas pareciam em
busca de uma estabilidade previsível (1996, p. 131). Segundo Bruner, o conhecimento humano:
Para ele, três desconcertantes dicotomias têm sido mantidas nas pesquisas e nas práticas da
educação infantil. A dicotomia entre o desenvolvimento do potencial de cada um dos seres humanos e a
preservação da cultura estabelecida; os talentos individuais inatos e as possibilidades e o direito de ter
acesso aos instrumentos da cultura; o saber local e o saber universal.
As pedagogias das instituições de cuidado e educação das crianças pequenas devem observar que tais
espaços de educação coletiva também são lugares para formular pedagogias onde se pode criar e
recriar, “reinventar, polir, refrescar a cultura de cada geração” (idem, p.137).
Para Bruner, as escolas podem elaborar novas culturas, pois, sendo espaços para a atividade
comum, podem ser portadoras de uma contracultura. Elas podem aprender a utilizar de outra maneira as
ordens impostas, usar de forma astuta, pirata, clandestina (De Certau, 1994,1997).
Ao longo das observações realizadas no trabalho de campo e das leituras feitas ao longo da
elaboração desta pesquisa, encontrei uma série de antinomias, compreendendo situações de conflito, em
que se encontram duas proposições, contraditórias, que podem ser separadas e justificadas com
argumentos de igual força e rigor, as quais permeiam as práticas discursivas da Educação Infantil.
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Na perspectiva de tais polarizações, como pode ser visto no quadro acima, as pedagogias
caracterizam-se como saberes antinômicos atravessados constitutivamente por oposições não-removíveis
como as apontadas. Isto ocorre porque a pedagogia é um saber historicamente situado e integrado aos
processos sociais, culturais e econômicos.
A tarefa do lluminismo é limitada pelo reconhecimento de que existem múltiplas reivindicações e
que estas estão historicamente delimitadas e emergem das lutas e tensões sociais do mundo em que
vivemos, e que a produção das possibilidades humanas sempre contém contradições. (Popkewitz apud
Dahlembreg, G.&Asen, G„ p.170)
Se, na era moderna, essas ambivalências eram consideradas irredutíveis, é possível pensar que, na
contemporaneidade, pode-se dar um passo além. Jameson (1994, p.95), ao discutir os dualismos
constituidores da modernidade, afirma que alguma coisa aconteceu com eles pois: sempre constituíam, no
período moderno, uma ocasião para uma brilhante e nova visão do mundo, enquanto que, no período pós-
moderno, o máximo que oferecem é o material para uma ginástica mental de sofismas e paradoxos, para
voltar assim à vocação arcaica do primeiro ou primordial de todos os dualismos: a oposição mítica entre
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identidade e diferença. Mas isso ocorre somente quando a luta entre as idéias do Velho e do Novo já
foram abandonadas pelo terceiro termo de práxis política ou projeto coletivo.
Para o mesmo autor, se não é possível resolver as contradições para chegar a esse novo termo, o
fundamental é tentar pensar os dois lados da contradição ao mesmo tempo, procurar usá-las ativamente,
produtivamente, umas com as outras denunciando os julgamentos absolutos e as afirmações totalizantes:
Talvez a atitude pedagogicamente mais fecunda, como afirmam Bertolini (1996) e Cambi (1995),
seja a de trabalhar com a aproximação das polaridades, vendo-as não como oposições, mas como
antinomias pedagógicas, isto é, procurando:
As pedagogias passam a ser vistas, assim, como uma atividade social complexa, que deve ser
pensada sem a perspectiva da manutenção ou da ênfase em apenas um lado da dicotomia mas, procurando
encontrar estratégias e caminhos que reconheçam as ambigüidades - ativando-as, criando espaços
comuns, pontos de cruzamento, pondo-as em confronto, jogando com a sua polivalência, com seu jogo de
sentidos. Pode-se estabelecer como imagem dessa concepção, a das estrelas binárias, que são estrelas
duplas, constituídas de dois corpos que rotam, incessantemente, em tomo uma da outra.
As pedagogias não podem continuar excluindo as tensões, pois estas fazem parte constitutiva das
identidades de crianças e adultos no mundo atual. Viver é dramático, conflitivo, tenso. As sociedades
globalizadas também.
O italiano Gianni Rodari, em seu belíssimo livro A Gramática da Fantasia, sugere um jogo para
fazer com as crianças seu nome: Os Binômios Fantásticos. Nesse jogo, o autor propõe que o educador
liste dois grupos de palavras diferentes, estranhas, substantivos e adjetivos, e que posteriormente tais
palavras sejam transcritas em pequenos papéis que serão colocados em dois recipientes. Cada criança,
retira de cada recipiente uma palavra e procura, através de uma relação insólita, fazer com que sua
imaginação crie, produza uma frase. Essa será uma frase sem um sentido usual e que um novo sentido a
palavras até a pouco restritas.
A discussão que pretendi levantar neste artigo é o de tentar “o avesso do avesso”, isto é, juntar
palavras que parecem conter contradições, que parecem ser uma a negação da outra, e uni-las, instituindo,
assim, o fantástico. A criação seja ela pedagógica ou não, ocorre quando se tenta aproximar idéias que
não eram, a princípio, conciliáveis, mas que explodem ao serem articuladas, fazendo surgir o que não
estava dado. Assim as rotinas pedagógicas que eram vistas inicialmente apenas em seu caráter de
reprodução ou de afirmação do controle também podem ser vistas como potencializadoras, geradoras do
novo, da transgressão, do inusitado.
Notas
As práticas pedagógicas organizadas por esses autores provavelmente também teriam as suas diferenças
das teorias, como até hoje vemos, mas esta é apenas uma suposição.
Um texto denominado Sociologia e Educação, publicado originalmente em 1951, pertencente a uma
coletânea organizada por Jesus Palacios denominada Psicologia e Educación.
A pesquisa de campo foi realizada em 1996 e 97 em 3 escolas brasileiras e em 1998 foram feitas visitas
a escolas estrangeiras não com o objetivo da comparação mas o da problematização das questões
pesquisadas.
Vários outros autores trabalham com a perspectiva de dividir, para compreender, as escolas infantis em
modelos educativos. Podemos lembrar de Plaisance (apud Frangos, 1996, p.63), distingue os modelos
expressivos dos modelos produtivos a partir da origem de classe dos alunos e, Tonucci (1986, p.21) que
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Refletindo
Repensando sobre as pedagogias apresentadas no texto percebemos que a escola
brasileira, orientada pelo governo, especificamente pelas diretrizes do MEC, tem lutado
para manter ações homogêneas, salas e alunos em “pé de igualdade” e garantir a educação para todos.
Vis pedagogias passam a ser vistas, assim, como uma atividade social complexa, que deve ser pensada
sem a perspectiva da manutenção ou da ênfase em apenas um lado da dicotomia mas, procurando
encontrar estratégias e caminhos que reconheçam as ambigüidades - ativando-as, criando espaços
comuns, pontos de cruzamento, pondo-as em confronto, jogando com a sua polivalência, com seu jogo
de sentidos", p.65 12)
Redija um texto estabelecendo a relação entre currículo e prática pedagógica na escola brasileira da
atualidade, tendo como suporte os textos e estudos realizado ao longo dessa disciplina.
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Referências
REFERÊNCIAS
BARBOSA, Maria Carmen Silveira. A rotina nas pedagogias infantis: dos binarismos à complexidade.
Disponível em www.curriculosemfronteiras.com.br acesso em 27 de maio de 2008.
www.curriculosemfronteiras.ora
www.icpg.com.br/hp/revista/download.exec.php?rpa_chave=25444f7b96f6c76e1e89
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Atividades Avaliativas
1) Sendo a dicotomia inevitável na educação escolar, quais estratégias podemos utilizar para
minimizar as grandes diferenças apresentadas entre currículo e prática pedagógica?
2) Ao fazer um resgate das experiências vividas como alunos é possível perceber em algumas
práticas o formato de escola na qual estudamos e sua possível tendência. Redija um texto
relatando suas experiências e lembranças do tempo de escola procurando resgatar as questões
discutidas.
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