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MOVIMENTOS SOCIAIS E EDUCAÇÃO POPULAR NA AMÉRICA LATINA:

MADRES E MST
Carlos Eduardo Rebuá Oliveira – Doutorando do Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal Fluminense (PPGE)
Agência Financiadora: CAPES

Resumo
O trabalho tem como objeto dois fundamentais movimentos sociais latino-
americanos: As Madres (ARG) e o MST (BRA). Nos interessam as iniciativas recentes
de ambos os movimentos de construir espaços de educação popular contra-hegemônicos
a partir de suas experiências de luta: a Universidad Popular Madres de Plaza de Mayo
(UPMPM - 2000) e a Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF - 2003),
respectivamente.
No contexto de crise do neoliberalismo no continente (2000-2010) e de ascensão
de governos “progressistas” no Brasil e na Argentina, diversos movimentos sociais têm
empreendido uma luta material e simbólica no sentido de erigirem espaços de
educação/formação política contra-hegemônicos, que representem um “novo ponto de
partida”, uma trincheira e ao mesmo tempo uma estratégia política nas lutas anti-
sistêmicas em nuestra America. Interessa-nos investigar estes movimentos – a partir do
referencial gramsciano - em direção a uma “nova pedagogia dos de baixo”, fundada sob
as experiências de luta de Madres/MST, que coloca na ordem do dia a discussão sobre o
caráter do público, fundamental para os trabalhadores e suas lutas.
Palavras-Chave: movimentos sociais – educação popular – contra-hegemonia

Arcabouço Teórico
Na última década, não são poucos os movimentos sociais – sobretudo latino-
americanos – que têm empreendido frentes culturais no campo da educação, no sentido
de erigirem novos espaços de luta, construírem novos consensos e amealharem forças
diante do neoliberalismo e sua barbárie cotidiana. A formação não é algo surgido nos
últimos dez anos no seio destes variados movimentos sociais (mulheres, camponeses,
piqueteros, operários, defensores dos direitos humanos, ambientalistas, movimentos de
gênero, dentre outros), mas vem ganhando novo ímpeto no período (2000-2010) que
intitulamos de crise neoliberal na América Latina.
Mapear e compreender as demandas e dinâmicas dos movimentos sociais na
contemporaneidade não é tarefa fácil. Sua enorme variedade e complexidade

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apresentam ao pesquisador grande desafio teórico-prático-epistemológico. Dos
zapatistas aos estudantes universitários/secundaristas, das Madres de Plaza de Mayo ao
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, uma soma diversa de grupos tem
forjado lutas que numa perspectiva mais global, exigem um mundo com mais justiça,
mais democracia, mais humanidade.

Hegemonia/Contra-hegemonia

Gramsci entende a sociedade valendo-se de um esquema triádico, formado por


economia-sociedade civil-Estado (sociedade política), com a economia correspondendo
à estrutura e sociedade civil/sociedade política representando dois grandes planos
superestruturais. O marxista sardo amplia a teoria leninista do Estado, defendendo que a
hegemonia não se reduz à força econômica e militar, mas resulta de uma batalha
constante pela conquista do consenso no conjunto da sociedade (grupos subalternos e
potenciais aliados). Para ele, a hegemonia corresponde à liderança cultural e ideológica
de uma classe sobre as demais, pressupondo a capacidade de um bloco histórico (aliança
de classes e frações de classes, duradoura e ampla) dirigir moral e culturalmente, de
forma sustentada, toda a sociedade. Portanto, é impossível pensar a hegemonia sem
pensar na luta de classes. Abordar a hegemonia e a contra-hegemonia é tocar na questão
do antagonismo entre as classes sociais que, a partir de sua posição (dominante ou
subalterna, no interior da sociedade e do Estado), exercem/sofrem/disputam o poder de
maneira permanentei.
O conceito de contra-hegemonia não foi criado por Gramsci, correspondendo a
uma interpretação do conceito de hegemonia do filósofo revolucionário a partir de uma
perspectiva crítica, atualizada e, sobretudo estratégica, por parte de inúmeros
marxistasii, objetivando traduzir e/ou demarcar, em termos de luta ideológica e material,
um projeto antagônico de classe, em relação à hegemonia burguesa. O termo, que se
consolidou pelo uso, significa que a luta é contra uma hegemonia estabelecida, uma luta
que objetiva a construção de uma nova hegemonia, e que por isso, corresponde a um
projeto de classe distinto. Como corresponde a uma interpretação, tal conceito oferece
muitas dificuldades para quem se dispõe a explorar seu (s) significado (s). Além de
escassa na literatura marxista, a definição do conceito pode ser encontrada sob os mais
distintos espectros político-ideológicos.

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Madres, MST: UPMPM, ENFF

Lideranças consagradas na Argentina, as Madres, surgidas em 1977, construíram


um movimento que se tornou um dos principais emblemas internacionais na defesa dos
direitos humanos. Enquanto a imagem de seus pañuelos se convertia num símbolo
fundamental das lutas pela memória (contra a “memória oficial”) e pela justiça na
Argentina, o período de transição da ditadura para a democracia colocaria em questão
toda a experiência anterior do movimento, obrigando-o a repensar reivindicações,
formas de luta e modos de atuação política, sob a pressão de vários setores para que
essas mudanças ocorressem na direção de seus interessesiii. Na busca por uma nova
práxis, sintonizada com as novas lutas pós-ditadura, as Madres, mais “maduras”,
ampliaram seus objetivos coletivos (e logo, sua identidade) não apenas nas questões
concernentes aos direitos humanos, mas também para criticar o neoliberalismo e suas
consequências - extremamente desastrosas em seu país, como atesta a Crise de
2001/2002 - consolidando-se como um importante sujeito político coletivo.
A Universidad Popular Madres de Plaza de Mayo (UPMPM) representa o
principal lugar de memória forjado pelas Madres, o maior e mais representativo deles,
inaugurada em 6 de abril de 2000, em Buenos Aires, defendendo uma educação
vinculada à transformação social, numa perspectiva crítica frente ao status quo, no
sentido de construir uma sociedade melhoriv. A UPMPM “nasce” para materializar os
sonhos interrompidos de milhares de hijos, sendo “el camiño increíble para la
revolución que soñaron nuestros hijos”, como afirmou Hebe de Bonafini, uma das
fundadoras das Madres e principal porta-voz do movimento, presidindo-o e atuando
como reitora da UPMPM. Sob a metáfora do parto, as Madres construíram poderosas
bandeiras, traduzidas, por exemplo, nos lemas “parir rebeliones” e “nuestros hijos nos
parieron”.
Ancorada na tríade ensino-pesquisa-extensão, a Universidade – que começou
com poucos cursos - oferece hoje cursos de graduação, seminários anuais e oficinas,
também anuais. A UPMPM se oferece como um espaço alternativo, crítico ao poder,
representando uma “contraoferta” tanto às universidades privadas quanto às
universidades públicas argentinas.
Esta universidade, criada pelo movimento social de maior referência daquele

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país, propõe um tipo de conhecimento que se baseia na experiência, sobretudo por ter
surgido justamente da experiência de sofrimento daquelas mulheres durante a ditadura,
sendo a memória o nexo entre filhos e mães, que com o passar dos anos, não quiseram
mais “enterrá-los” a fim de poder manter seus sonhos “vivos”. Defendem um saber
ancorado na espessura do real, interessado pelas demandas sociais, pelas reivindicações
por justiça e pelas lutas. Em oposição aos paradigmas pós-modernos, que dissolvem as
utopias, negam a História e sepultam a luta de classes e os ideais revolucionários, a
UPMPM resgata as bandeiras revolucionárias dos anos 1960 para torná-las válidas, em
outra conjuntura e através de outras armas.
De todas as dimensões da luta do MST, movimento fundado em 1984, a
educação é sem dúvida aquela para o qual o movimento dedica mais atenção. Quando
os sem terra fazem uma ocupação, a primeira barraca que instalam é a escola. Inúmeros
autores, como Leherv e Zibechivi, afirmam que o MST protagoniza uma das experiências
mais originais e ricas de autoformação e autopedagogia em curso no Brasil e no
continente, sendo provavelmente o movimento social latino-americano que tem
trabalhado o tema da educação de forma mais intensa. Hoje, são mais de mil e
oitocentas escolas de ensino infantil e fundamental, mais de duzentas escolas de ensino
médio, totalizando cerca de setenta mil alunos em todo país, num singular esforço de
conversão das escolas em espaços públicos.
Dois princípios básicos norteiam as escolas do MST: desenvolver a consciência
crítica do aluno com conteúdos que levem à reflexão e à aquisição de uma visão de
mundo ampla e distinta do discurso oficial, e a transmissão da história e do significado
da luta pela terra e pela reforma agrária, da qual resultou o assentamento onde está a
escola e onde vivem. Em síntese, a escola do MST é uma escola em movimento,
construída materialmente e simbolicamente pelos próprios assentados, e
pensada/desenvolvida a partir de suas demandas, sintonizada com elas.
Nesta última década, de grandes movimentações/conquistas dos movimentos
populares na América Latina, o MST lançou-se na construção do projeto que é hoje o
principal centro de formação do movimento: a Escola Nacional Florestan Fernandes
(ENFF), inaugurada em janeiro de 2005 e localizada em Guararema-SP, numa área total
de 4,5 mil metros quadrados, construída em regime de mutirão voluntário por cerca de
oitocentos militantes, durante quatro anos. Trata-se de um empreendimento político-
pedagógico pelo qual o movimento organiza e oferece cursos de formação política e
profissional para integrantes do MST e de outros setores/entidades ligados ao campo e

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às lutas sociais. A escola possui cursos livres, de graduação, especialização e pós-
graduação. Possui convênios e parcerias com diversas instituições de ensino médio e
superior, além de outros órgãos como o Ministério do Desenvolvimento Agrário,
Unicef, Unesco e CNBB.

Imagem 1: UPMPM, Buenos Aires


(foto tirada na pesquisa de campo da tese, em outubro de 2012)

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Imagem 2: Juanita, a Madre mais antiga de todas e uma das fundadoras do movimento
(foto tirada na pesquisa de campo da tese, em outubro de 2012)

Imagem 3: Pedra fundamental da ENFF, Guararema-S


(foto tirada na pesquisa de campo da tese, em maio de 2012)

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Imagem 4: Palestra de um dos coordenadores da ENFF aos visitantes do dia
(foto tirada na pesquisa de campo da tese, em maio de 2012)

i
DANTAS, Rodrigo. “Ideologia, hegemonia e contra-hegemonia”. In: Comunicação e contra-hegemonia:
processos culturais e comunicacionais de contestação, pressão e resistência. Org. de Eduardo Granja
Coutinho. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2008, p. 91.
ii
Por exemplo, os brasileiros Leandro Konder e Carlos Nelson Coutinho e os britânicos Raymond
Williams e Terry Eagleton.
iii
GORINI, Ulises . La rebelion de las Madres. Historia de las Madres de Plaza de Mayo Tomo I (1979-
1983). Buenos Aires: Grupo Editorial Norma, 2006.
iv
BASILE, Teresa. “La Universidad Popular de las Madres de Plaza de Mayo: emergencia de nuevas
prácticas en cultura y poder en la Argentina de la posdictadura”. In: Daniel Mato, coord.: Estudios y
Otras Prácticas Intelectuales Latinoamericanas en Cultura y Poder. Caracas: CLACSO, CEAP, FACES,
Universidad Central de Venezuela, 2002, p. 67. Disponível em: globalcult.org.ve/pdf/Basile.pdf – Acesso
em: ago. 2011.
v
LEHER, Roberto. Escola Nacional Florestan Fernandes: um grande acontecimento para a educação e
para as lutas sociais do Brasil, 2005. Disponível em: http://www.rls.org.br - Acesso em: ago. 2011.
vi
ZIBECHI, Raul. La educación em lós movimientos sociales. FLAPE – Foro Latinoamericano de
Políticas Educativas, 2005. Disponível em: www.foro-latino.org - Acesso em: ago. 2011.

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