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Grupo focal em pesquisa qualitativa aplicada: intersubjetividade e construgao de sentido Roque Tadeu Gui’ Resumo Este artigo analisa a utilizacao da técnica de grupo focal’ (focus group) a partir da experiéncia do autor e colaboradores com pesquisa qualitativa aplicada. A técnica é descrita em con- formidade com a literatura cientifica e a sua aplicagdo é problematizada a partir da avaliagdo realizada pelos informan- tes envolvidos. Alguns aspectos relativos a intersubjetividade dos participantes do grupo focal sao destacados: a condigao de su- jeitos sociais assumida pelos participantes, a emergéncia de sig- nificados no decorrer do processo, 0 envolvimento dos infor- mantes com a construcio desses significados, a criagdo de “espa- co de sentido” constituido a partir da percepgdo dos partici- pantes sobre os propésitos da pesquisa e as intengdes dos pes- quisadores. Palavras-chave: grupo focal; pesquisa qualitativa aplicada; intersubjetividade; espaco de sentido. * Psicdlogo Organizacional e psicblogo analitico, Universidade Corporativa Banco do Brasil Mestrando em Pricotogiana Universidade de Brasfia(rgui@bb.com.br). wear | veuies [neneno [zens] as] ES | iss aoave Tadou Gut_| Focus Group in apllied qualitative research: intersubjectivity and construction of meanings ‘This paper analyses the use of focus group technique based on the author’s and his collaborators’ experience with applied qualitative research. The technique is described according to the scientific literature and its application is analysed based on the experience evaluation of the informers involved with specified research situation. Some aspects concerning the focus group participants intersubjectivity are emphasized: social subject condition assumed by them, emergence of intersubjective signification along the process, informers psychological involvement with the construction of the meanings, creation of a “meaning-space” from participant perception about the research purposes and researchers intentions. Keywords: focus group; applied qualitative research; intersubjectivity, meaning-space. wpor | vouume 3 | NUMERO 1] saneIRO - sunt] 2009] p.135-t60 | Spe fost am psc quits apode:iesubjededs # ers de senide 1. Contexto da pesquisa Pretende-se, neste artigo, analisar a utilizagdo da técnica de grupo focal (focus group) em pesquisa qualitativa aplicada, ressaltando a emergéncia dos aspectos intersubjetivos de cons- trugdo de sentido. Busca-se problematizar o uso da técnica a partir da literatura cientifica ¢ da avaliacao realizada pelos par- ticipantes. Para isso, € necessdrio situar a técnica no contexto da pesquisa na qual foi utilizada. O conceito de representagao social implica um processo social que se desenvolve por meio da comunicagio e do discur- so, ao longo. do qual “ (...) significados e objetos sociais séo construidos e elaborados” (Wagner, 1999: 149). Em meados de 2000, um grupo de profissionais da area de recursos humanos do Banco do Brasil realizou pesquisa com o objetivo de descrever as representagées sociais construfdas por seus pares sobre o tema “prazer e sofrimento no trabalho” (Amidani e colaboradores, 2000). Pretendia-se que o estudo fosse de natureza descritiva e de carater exploratério. Segundo Gil (1995), as pesquisas des- critivas tém como objetivo primordial a descrigao das caracteris- ticas de determinada populacao ou fendémeno ou o estabeleci- mento de relacées entre varidveis, enquanto que as pesquisas exploratérias tém como principal finalidade o esclarecimento ou a transformagao de conceitos ou idéias, com vista A formula- ¢ao de problemas mais precisos ou de hipéteses que possam ser objeto de estudos posteriores: “As pesquisas exploratérias s4o desenvolvidas com o objetivo de proporcionar visio geral, de tipo aproximativo, acerca de determinado fato. Este tipo de pesquisa é realizado especialmente quando 0 tema escolhido € pouco explorado € torna-se dificil sobre ele formular hipdteses precisas e operacionalizdveis” (Gil, 1995: 45). O carater exploratério decorreria, portanto, do fato de haver poucas pesquisas sistematizadas voltadas para o tema do sofrimento e prazer associados ao trabalho do profissional qua- lificado (Mendes, 1994). Os pesquisadores desconheciam a exis- Tooune > [ineno + amino sonra] 205] presses 137 téncia de outros trabalhos sobre essa tematica, que tivessem sido realizados com profissionais de Recursos Humanos. O estudo do tema, inédito no contexto da organizacéo em que a pesquisa se realizaria, mostrava-se promissor pelos seus reflexos sobre diversos processos gerenciados pelos profis- sionais participantes da pesquisa. A partir do estudo do envolyimento subjetivo desses profissionais com o tema, segui- do por suas elaboragGes intersubjetivas no grupo, esperava-se que surgissem insighisimportantes a respeito das vicissitudes do trabalho de profissionais de RH em geral. Além disso, as con- clus6es da pesquisa subsidiariam reflex6es sobre outros temas de relevancia para a 4rea de Recursos Humanos da instituicdo, tais como “clima organizacional”, “motivagio”, “desempenho profissional”, “satide ocupacional”, “lideranga”, “comunicacao”. 2. Opgdo Metodolégica [..] © objeto das Ciencias Sociais é essencialmente qualitativo. (Minayo, 1998:21) Além da fundamentag4o teérica necessdria para a pesqui- sa do tema - teoria da psicodinamica do trabalho ¢ teoria das representacées sociais - o grupo pesquisador estava convencido da necessidade de conduzir o trabalho numa perspectiva metodolégica que ressaltasse a dimensao qualitativa do objeto em estudo. Procuraria, ent4o, fazer justiga a essa necessidade e consideraria a natureza qualitativa da experiéncia humana, expressa na fala dos entrevistados. Isso implicaria, segundo Minayo, “(..) considerar 0 sujeito de estudo [como] gente, em determi- nada condigao social, pertencente a determinado grupo social ou classe com suas crengas, valores ¢ significados. Implicaria também considerar que o objeto das ciéncias sociais € complexo, contradit6rio, inacabado, e em permanente trans- formacao” (1998:22). | Grupa fecal em pasquisa qualitative aplcedo; intersubjotividade © consteugdo de eentida, Abandonar-se-ia, conseqiientemente, as expectativas de se chegar a uma conclusio definitiva, inequivoca e exata sobre o objeto em estudo. . Nao é 0 caso de nos estendermos na fundamentagao teé- rica do estudo em cujo contexto utilizou-se a técnica do grupo focal; os interessados poder4o recorrer ao trabalho realizado (Amidani ¢ colaboradores, 2000). F suficiente, para os objetivos deste artigo, destacar que o método de pesquisa deveria ser instrumentalizado por técnica que possibilitasse uma aproxi- macao empatica dos pesquisadores a experiéncia dos partici- pantes do estudo, capturando as significacées atribuidas por estes as questGes de pesquisa. O instrumento escolhido deveria favo- recer a livre expresso dos pensamentos'e sentimentos dos in- formantes, permitindo emergir os significados relacionados ao tema. Se este objetivo fosse realizado, estariamos procedendo ao “(...) transito de uma epistemologia da resposta a uma epistemologia da construgao”, nas palavras de Gonzalez Rey (2002: 3). . Decidiu-se, entao, pela utilizagdo da técnica do grupo fo- cal (focus group), como o principal instrumento-de coleta de dados. Dirfamos, antes, construgao de informagées. O uso do termo construgéo denota a énfase numa concepgio epistemolégica em que se considera o dado - a informagio ge- rada pela pesquisa - como ja parcialmente construfdo desde.o primeiro momento de sua identificagéo. Nao se trata, portan- to, propriamente de uma coleta, como se o dado ali estivesse 4 espera de ser capturado, mas sim de captar os significados que emergem no “aqui e agora” da situagao de pesquisa, 4 medida que os participantes refletem e discutem sobre o tema propos- to. 2.1 Instrumentalizagdo do método Grupo Focal (Focus Group) Segundo Berg (1998), a técnica do grupo focal existe des- de o inicio da Segunda Grande Guerra, tendo sido utilizada. a para determinar a efetividade dos programas de radio destina- voor [veuine s [Rien 1] santa io] ams] p80 veor [vouawes [wero | aveno -aunno] 2a] riaeaee dos a elevar o “moral” das tropas americanas. Até recentemen- te, seu uso mais extenso ocorreu com os pesquisadores de marketing. Durante a década de 90, a técnica passou a ser mais aceita pelos pesquisadores sociais a ponto de um autor declarar que “(...) a metodologia do grupo focal € um-dos instrumentos de pesquisa qualitativa mais amplamente utilizado nas ciéncias sociais aplicadas” (Sussman e colaboradores, apud Berg, 1998). Segundo Morgan (1997), a marca registrada do grupo focal é a utilizagéo explicita da interacdo grupal para produzir dados e insights que seriam menos acessiveis sem a interagio produzida em grupo. A principal vantagem do grupo focal éa oportunidade de observar uma grande quantidade de interagao a respeito de um tema em um periodo de.tempo limitado. No grupo focal, nao se busca o consenso e sim a pluralidade de idéias. Assim, a énfase est4 na interagéo dentro do grupo, baseada em tépicos oferecidos pelo pesquisador, que assume 0 papel de moderador. O principal interesse é que seja recriado, desse modo, um contexto ou ambiente social onde o individuo pode interagir com os demais, defendendo, revendo, ratificando suas préprias opiniées ou influenciando as opinides dos demais. Essa abordagem possibilita também ao pesquisador aprofundar sua compreensao das respostas obtidas. A Teoria das Representagées Sociais adiciona novos fun- damentos A técnica. Segundo SA, “(..) seu interesse [...] reside no fato de que ela de certo modo - simula as conversacées espontaneas pelas quais as representagGes so veiculadas na vida cotidiana. [...] Em que pese um certo grau de artificialidade, os grupos focais podem fazer emergir uma boa quantidade dos mesmos temas e argumentos que fariam parte de uma conversagdo sobre o assunto no ambiente natural” (1998:93). Compreende-se, entio, a razao adicional pela qual os pes- quisadores optaram pelo uso da técnica do grupo focal (além daquela outra, de cunho epistemoldgico, apontada na secio anterior deste artigo): descrever representages sociais cuja na- tureza cambiante exige instrumento que favoreca a observacio de processos construtivos de sentido. ver [vou 8 | NOERO [anand awe] ae] eae | Grsno Foss! em paseuisa qualitativa aplicada: Imteraubjotividae e construgso de sentido 2.2 Vantagens e desvantagens do grupo focal Para Morgan (1997), o grupo focal ocupa uma posicio intermediaria entre a técnica de observag4o participante ea da entrevista aberta, e apresenta, como qualquer-outro instrumen- to, vantagens e desvantagens em sua utilizacao. A principal vantagem do grupo focal em relacéo a obser- vacdo participante consiste na oportunidade de observar uma quantidade muito maior de interagdo entre os participantes a respeito de um t6pico, em um limitado intervalo de tempo, podendo o pesquisador direcionar e focalizar o tema da pesqui- sa. Em contrapartida, pode-se ver af uma desvantagem 2 medi- da que, em certo sentido, 0 grupo constituido para efeitos de pesquisa j4 no representa um espaco natural.de trocas sociais. A interagéo em ambientes naturais, objeto da observagao parti- cipante, possibilita a coleta de informagées sobre uma ampla variedade de comportamentos, maior variedade de interagdo entre os participantes e discussio mais aberta sobre os tépicos da pesquisa. Outra desvantagem do grupo focal refere-se ao fato deste limitar-se ao comportamento verbal, consistindo apenas de interacéo em discussées de grupo, criadas e administradas pelo pesquisador. Assim, a técnica nao substitui a observagao partici- pante quando for necessério observar comportamentos em seu contexto natural e, principalmente, quando for necessdrio acompanhar esses comportamentos ao longo do tempo. O fato do pesquisador criar ¢ dirigir o grupo focal pode tornd-lo menos natural do que a observacio participante. Pode ser que o facilitador, na tentativa de manter o foco da entrevis- ta, influencie as interagdes do grupo. A presenca de outras pes- soas pode, para alguns participantes, afetar o que eles dizem ou como dizem. Embora a critica possa ser pertinente, ela afeta igualmen- te outras estratégias de obtengao de informagées, tal como, por exemplo, a entrevista individual. Afinal, wear [voune 3 [nveno [aaa aw] ma] asses Jon : | | | | Roque Todeu Gut _| “(...) O simples conhecimento, por parte do sujeito, de que esté envolvido em um estudo, é suficiente para alterar, de forma significativa e certamente em um nivel desconhecido, sua resposta diante do pesquisador. A preparagdo do grupo para a discussio, com a criacéo de um clima favoravel a exposicio de pensamentos e sentimentos, torna-se critica para minimizar esses efeitos indesejaveis” (Lincoln e Cuba, apud Gonzalez Rey,2002:78). Caberé ao facilitador do grupo focal a preparagéo dos participantes para a discussao que se seguird, favorecendo uma conyersacéo espontanea em que a “[...] a intimidade entre os sujeitos participantes cria uma atmosfera natural, humanizada, que estimula a participacao e leva a uma teia de relacdo que se aproxima & trama das relagGes em que 0 sujeito se expressa em sua vida cotidiana” (Gonzalez Rey, 2002:87). Em relagio as entrevistas individuais, a vantagem do gru- po focal é a possibilidade de observar a interagao das pessoas em torno do.tema proposto, evidenciando-se as similaridades e as diferencas nas opinides ¢ experiéncias. A entrevista indivi- dual, por outro lado, possibilita um controle maior por parte do pesquisador e € particularmente util quando a quantidade de informacio que o informante tem para compartilhar é mui- to grande. Outra limitacio do grupo focal a ser considerada é a difi- culdade de reunir as pessoas que -participarao dos encontros. Além disso, ele exige maior atencao do facilitador e fornece menos detalhes sobre as opinides de cada um dos participantes. O facilitador precisar4 optar entre dar controle ao grupo, e possivelmente ouvir menos sobre 0 tépico pesquisado, ou to- mar o controle da situacio e possivelmente perder a fluidez da discusso. No balango das vantagens e desvantagens da utilizagaéo do grupo focal para a obtencao de informagées, podemos dizer que a técnica possibilita 0 acesso a uma grande variedade de tépicos, selecionados segundo o interesse do pesquisador. E um recurso rapido e de aplicagao relativamente facil, desde que 0 facilitador tenha sido preparado para isso. A interagéo grupal possibilita aos participantes insights sobre temas e comporta- | Grupo fecal em peanwins cuelitetive aplicads; intarcubjetivideds @ conat-ugao de sanridg mentos complexos, dando continuidade ao processo de cons- truco social que ocorre no cotidiano das relagGes entre as pes- soas. 2.3 Caracteristicas do grupo focal Berg (1998) caracteriza a técnica de grupo focal a partir da existéncia dos seguintes elementos: 1. objetivo ou problema de pesquisa claramente definido; 2. caracteristicas do grupo, tais como a homogeneidade ou heterogeneidade de seus membros ¢ a adequagéo de sua composicéo para os propésitos da pesquisa; 3. ~ qualidade da relagao estabelecida entre o pesquisador ¢ os membros do grupo, clima de confidencialidade em relagio aos assuntos discutidos ¢ facilitagéo da fala espontanea dos participantes; 4. facilitador preparado e bem organizado, que tenha clareza sobre as questées a serem propostas para discussao; 5. ouvir atemto do facilitador, que permita a emergéncia de novos temas nao previstos no planeiamento inicial: 6. estrutura, direcionamento e contribuicgao restrita do facilitador para a discusso do tema, evitando opinides e comentarios substantivos; 7. assistente de pesquisa que ajude a elaborar notas sobre a dinamica grupal, a transcrever as falas ou lidar com os equipamentos de registro de voz ou video, quando permitidos e utilizados; 8. registro sistematico das informagdes de maneira a permitir 0 uso de técnicas de andlise de contetido por quaisquer pessoas interessadas em elaborar conclusGées sobre os dados. voor | wouuves [Nowero 7] weno sur] 2s] nas 60 148 us| rons nny ou_| 2.4 Participantes do grupo focal Aescolha dos participantes que integraram o grupo focal foi feita conforme os propésitos da pesquisa. Embora Morgan (1997) recomende a utilizagao de pessoas estranhas entre si para compor © grupo, a experiéncia relatada neste artigo contradiz essa recomendac4o, como veremos mais adiante. De resto, pes- quisas aplicadas desenvolvidas no Ambito de organizacées tor- nam inevitavel e, muitas vezes, até mesmo desejavel, a partici- pacao de pessoas que se conhecem. Vichas (apud Giovinazzo, 2001) afirma que os grupos devem ser homogéneos quanto a determinados parametros de- finidos de acordo com a pesquisa a ser realizada. Essa homogeneidade favorece a identificagéo e integracao entre os participantes, evitando posigGes radicalmente conflitantes en- tre os membros do grupo. Contudo, muitas vezes, interessam exatamente as diferengas contrastantes de perspectivas € pon- tos de vista dos participantes, exigindo-se, nesse sentido, uma certa heterogeneidade na composigao do grupo focal. 2.5 Moderador do grupo focal O moderador do grupo focal devera apresentar certas ha- bilidades decisivas para uma boa conducao do encontro. Deve- ra ser cépaz de criar um ambiente de empatia, nao ameagador, que encoraje os participantes a exporem suas idéias e senti- mentos. Seré flexivel ao lidar com as diividas e questionamentos do grupo, ao controlar a seqiiéncia de t6picos a serem discuti- dos € o tempo disponfvel para isso. Controlara a emergéncia de comportamentos de dominagio por parte de um ou mais inte- grantes do grupo, resguardando o fluxo democratico da pala- vra. Deverd, ainda, ser capaz de identificar o momento em que 0 assunto ja se esgotou ou esta se tornando excessivamente ame- acador. O nivel de diretividade do moderador dependera dos ob- jetivos estabelecidos para a pesquisa e, conseqiientemente, do tipo de informagao que se espera do grupo. De maneira geral, VOLUME 3 | NUMERO 1 | JANEIRO - JUNHO] 2003] p.185-160 | Grupo focal em pesquisa qualitativa aplicnde: inlersubjatvidade ¢ construgio de senda. a baixa diretividade é indicada quando a coleta de informacées possui 0 carater francamente exploratério e h4 tempo dispont- vel para sessdes seqiienciais que permitam,o aprofundamento gradual do tema discutido. Quando, ao contrario, se procura assegurar que alguns tépicos sejam necessariamente discutidos, em um periodo de tempo restrito,.o alto envolvimento do mo- derador se torna desejavel. A primeira circunstancia favorece a emergéncia, por parte do grupo, de interesses n&o previstos, embora os contetidos possam surgir de modo menos organiza- do. Seja como for, mesmo quando o moderador vier a assumir uma conduta mais diretiva, evitara a expresso de suas préprias opinides a respeito do tema em discussao. O seu papel deve ser percebido pelos participantes como o de um facilitador do flu- xo de comunicagio. 2.6 Contetidos abordados pelo grupo focal O grupo focal pressupée, como seu nome indica, a exis- téncia de um “foco”, ou “tema”, em torno do qual as pessoas iréo expor suas idéias, percepgées, sentimentos. E desejavel, entao, que o processo de discussao seja cuidadosamente plane- Jado, seqiienciando-se os aspectos do tema a ser discutido. Os tépicos devem ser organizados e roteirizados segundo 0 esque- ma légico mais adequado ao projeto de pesquisa em questio. Essa medida auxiliaré o moderador a se orientar no decorrer da sessdo, dando-lhe maior controle sobre a situacéo. Além disso, favorecera uma abordagem mais homogénea dos grupos focais, quando houver mais de um facilitador conduzindo os encon- tros. O roteiro, contudo, nao devera transformar-se em uma “camisa de forga” que obrigue o grupo a discutir mais extensa- mente um t6pico que claramente nao lhe interessa ou a passar para outro t6pico quando ainda tem o que dizer a respeito da questéo que esta sendo examinada. Krueger (apudf Giovinazzo, 2001) avalia que o numero ideal de quest6es para compor 0 roteiro de entrevista é de apro- ximadamente 12, discutidas ao longo de 1h30 a 2h00. O autor Tear [volumes [ven s [oneno wo] Zea] ae |e 1 | Foquo Taiew Goi _| deste artigo e colaboradores utilizaram um roteiro com 6 ques- tdes basicas, eventualmente esclarecidas por subitens, quando necessario. O expediente parece ter funcionado satisfatoriamen- te. 2.7 Saturagao informacional do grupo focal Mattar (apud Giovinazzo, 2001) considera que o tama- nho ideal para os grupos deva ficar entre 8 e 12 pessoas. Se- gundo o autor, experiéncias mostram que grupos acima de 12 pessoas inibem e reduzem as possibilidades de participagao de todos. Assim, quando o ntimero de integrantes exceder 12 pes- soas, é aconselhavel dividir o grupo. Segundo Morgan (1997), é desejavel que se formem de trés a cinco grupos, composto de seis a dez pessoas cada. Obser- vou-se que um ntimero maior de grupos raramente produz mais informagées. Aqui, intervém a habilidade do pesquisador em cessar a coleta de dados quando perceber que 0 ponto de satu- racao ja foi atingido. 3. A experiéncia de utilizagao dos grupos focais “Em grupos, é possivel observar os padrées de argumentacao , por meio disso, testemunhar os processos de pensamento na pratica, como os respondentes se comprometem no entra-e-saida discuss4o” (Billig, apud Gonzalez Rey, 2002: 88) Dada a natureza do tema em estudo - representacées so- bre prazer e sofrimento ~ ¢ a necessidade de se contar com a espontaneidade nas manifestacdes dos participantes, a equipe de pesquisa optou por compor grupos de voluntarios, median- te convite, organizando-os de maneira a assegurar a maior representatividade possivel do coletivo de profissionais de re- cursos humanos da instituigdo pesquisada: “ (...) As vezes, quan- do a participagéo na pesquisa é exigente, ou por razées éticas, voor [vou + [Nousn0 [vena ao] Fa] 1 0 | Grupa focal em pesquise quelitativa aplicada: intaroubjatividade e canstrugéo de sentido: o tema abordado for delicado, apelar-se-4 a uma amostra de voluntarios fazendo um apelo para reunir pessoas que aceitem participar” (Laville e Dionne, 1999: 170). Ao todo, 75 (setenta e cinco) profissionais participaram da pesquisa, a saber: o Diretor de Recursos Humanos da insti- tuigio; o Superintendente Executivo de Recursos Humanos; 3 (trés) Gerentes Executivos; 6 (seis) Gerentes de Divisao; 39 (trin- ta e nove) funciondrios em diferentes cargos (analistas € assis- tentes); 15 (quinze) funciondrios dos Centros de Formagao man- tidos pela instituigaéo e 10 (dez) funciondrios das unidades do Servico de Engenharia de Seguranca e Medicina do Trabalho (SESMT). A técnica do grupo focal foi utilizada com 45 desses parti- cipantes: 1 grupo com os 6 Gerentes de Diviséo e 5 com os 39 analistas e assistentes (4 grupos com 7 participantes cada e I grupo com 11), Os demais informantes foram ouvidos median- te entrevistas individuais (Diretor, Superintendente e Gerentes Executivos) e por meio de questiondrios (funciondrios dos cen- tros de formagao e das unidades do SESMT). A escolha desses recursos deveu-se As dificuldades de agenda dos executivos, im- possibilitando a realizagio dos encontros exigidos pela técnica do grupo focal. No caso dos funciondrios dos centros de forma- cao e SESMT a técnica nao foi utilizada pelo fato dos profissio- nais estarem distribuidos em diversas regides do Pais. 3.1 Roteiro de entrevista A equipe de pesquisa elaborou roteiro de entrevista para a condugio das sesses, constituido por perguntas centradas em 11 categorias definidas a prior/, com base na literatura sobre Psicodinamica do Trabalho, a saber: significado do trabalho, conhecimento do trabalho, controle sobre o trabalho, relacio- namento interpessoal, conceito de prazer e de sofrimento, exis- téncia de prazer e de sofrimento na organizagao, causas do pra- zer e do sofrimento, efeitos do prazer e do sofrimento no indi- viduo, efeitos do prazer e do sofrimento na organizacao, for- mas de lidar com o sofrimento, papel do profissional de Recur- sos Humanos. wear | vouones | waneno + Avene aaswo] sae] erenaae | v47 sommes | © quadro a seguir contém as perguntas com os intervalos de tempo previstos para a exploracao de cada questao, 6 (seis) ao todo. As perguntas descritas nos subitens foram criadas para esclarecer a quest4o ou estimular a discussao, caso fosse necessa- rio. Como regra geral, o contetdo expresso nos subitens emer- giu espontaneamente na discussio grupal em torno das ques- tées basicas. riéo conhecem o trabalho que realizain? ” ‘© que existe na realidade de trabalho que facilita 0 conhecimento do trabatho realizado? . Quais séo os fatores que impedem os funciondrios de conhecer o trabalho que realizam? * 0 quamo cada um de vocés conhece 0 trabalho que realiza? Por que nao conseguem fazer isso? . E voces possuem possibilidade de interferir e mudar 0 trabalho que realizam? . De que forma voeds fazem isso? . © que impede voces de fazé-lo? mi as TelagGes entre os functor Existéncia do prazer/sofrimento - Vocés acham que existe prazer no trabatho entre os funcionérios do Banco? E vocés acham que existe sofrimento no trabalho entre os funcionarios do Banco? . Caracteristicas do prazer/sofrimento - O que caracteriza o prazer no trabalho entre os funciondios do Banco? Como os funcionarios expressam o sofrimento no trabalho? POT | VOLUME 3 1unno] 2003] ©-135-180 I Grupa focal em pesquisa qualitstiva aplicada: interavbietividade @ construgéo de sentido Causas da existencia ou da mexistencia do prazer? sofrimento — Por que vocés acham que nao existe prazer no trabalho entre os funcionarios do Banco? Quais sao as causas do sofrimento existente na organizagio? . Formas de lidar com 0 sofrimento ~ O que as pessoas fazem para lidar com 0 sofrimento? . Conscqtiéncias do prazer/softimento para o individuo — Quais sioas conseqiiéncias do sofrimento no trabalho para as pessoas que trahalharn no Banco? . Conseqiiéncias do prazer/sofrimento paraa organizagio ~ Quais s4o as conseqiténcias do sofrimento no trabalho para o Banco? . Sinuagbes pessoais - O que é agradavel e prazeroso no trabalho que vocés realizam? Cada de um de vocés poderia relatar uma situagio pessoal de sofrimento jé Além de contar com um roteiro estruturado, os pesquisa- dores adotaram algumas providéncias preparatéorias que se re- velaram muito importantes para viabilizar a realizagdo dos gru- pos focais. Assim, o grupo apresentou o projeto da pesquisa € o cronograma das reunides ao Comité Tatico da Unidade de Re- cursos Humanos, com os seguintes objetivos: a) conseguir a ade- so dos gerentes de divisdo para que constituissem um dos gru- pos € b) facilitar a liberagio dos funcionarios que desejassem participar dos demais grupos a serem formados. Posteriormen- te, duplas de pesquisadores visitaram as divisdes da unidade para efetivar o convite aos funciondrios e comunicar os propésitos da pesquisa. Conforme j4 citado, o ntimero de integrantes em cada grupo variou de 6 a 11 (1 grupo com 6 participantes, 4 grupos com 7 participantes ¢ 1 grupo com 11 participantes). Os en- contros foram realizados no perfodo de 8 a 12 de maio de 2000. Gada sessao durou cerca de 2 horas. Para conduzir as sessdes, os pesquisadores optaram pela seguinte organizacao: . um moderador; . um co-moderador; . um responsdvel pelo equipamento de gravacdo; ¢ . dois observadores e controladores do tempo. wor [vousve s | winena 1 [weno vow] acca] 1850 149 : none tins 64 | Esta estrutura foi alterada de acordo com a disponibilida- de da equipe de pesquisadores; no entanto, a estrutura minima de um moderador, um co-moderador e um observador foi res- peitada em todos os grupos. Um primeiro grupo foi utilizado como grupo-piloto, pos- sibilitando aos pesquisadores verificar a adequagao do roteiro de perguntas, dos tempos previstos ¢ das instrug6es dadas aos participantes. O moderador, ao iniciar os trabalhos com o grupo, adota- va 0 seguinte protocolo: . agradecia a participacao de todos; . explicava 0 objetivo do encontro; . solicitava autorizagaéo para gravar, garantindo que haveria sigilo das informagées na utilizagao dos dados ¢ no anonimato dos participantes, pois apenas os integrantes da equipe de pesquisa teriam acesso as fitas. As gravagées seriam inutilizadas ao final do wabalho; . informava sobre a devolugao dos resultados, bem como sobre sua apresentagao ¢ discusséo, em um. tnico encontro com a presenga de todos os .participantes. Estes poderiam nao s6 assistir A apresentagao das conclusées, mas também discutir 0s resultados obtidos ¢ participar com sugestées ¢ criticas, configurando uma auténtica co-construgéo do conhecimento. Esse encontro seria realizado antes da apresentacio final da pesquisa a instituicao patrocinadora. 3.2 Enquadramento Aseguir, descreve-se a interagao inicial do moderador com os participantes de um dos grupos focais. Moderador: - Todos se conhecem? [os participantes acenam afirmativamente]. Nés vamos ficar aqui conversando por cerca de duas horas, temos ali uns salgadinhos e algumas bebidas, ok?, Vamos falar um pouco sobre como vai funcionar a nossa dinfmica. A idéia € que vocés possam falar a respeito des te- mas propostos aqui. Eu vou coordenar o trabalho e L. {o moderador aponta para a co-moderadora] vai me ajudar {rar [vores ]winno + [uaiero -sewwo] soa] 195160 | Grupe fevel em pesquics qualitative enlicada: intereubjetividads ® consirugéo de sentide ness processo. As colegas [0 moderador aponta para duas pesquisadoras auxiliares] va4o estar observando, cuidando do equipamento e acompanhando nossa dindmica, mas sem interferir, ok? Minha posigéo vai ser a de moderar. Nao vou participar, nao vou dar as minhas opinides. A palavra vai estar com vocés. [...] Nao vamos exigir que cheguemos a um consenso; trata-se apenas de ouvir a opiniao que vocés tém a respeito desses temas. Toda palavra deve ser ditigida ao grupo endo a mim. £ importante a gente falar sobre a questo do sigilo. Embora nés estejamos gravando [o grupo concordara previamente com a gravagao], a idéia é poder recorrer a essa gravagao para poder fazer as transcrigées, mas as pessoas nfo serao identificadas € as fitas depois de usadas serao inutilizadas. O que vai sobrar serdo as transcrigdes onde as pessoas nao seréo reconhecidas. Da mesma forma, a gente pede a vocés que ao sairem nao fagam comentarios sobre o que foi discutido aqui. Isto é um pacto de sigilo para que todos possam ficar a vontade para dizer qualquer coisa. Bom, para que a conversa possa fluir melhor eu pediria que fale um, de cada vez, que a gente procure o maximo poss{vel ocupar © nosso espaco ¢ dar espago para o outro, que as nossas colocagées no sejam excessivamente extensas, para que todos tenham oportunidade de opinar a respeito do tema. Depois de concluido este trabalho, vocés terfo por volta de junho ou julho uma devolugao. Vamos retnir todas as pessoas que participaram ‘da pesquisa ¢ vamos fazer uma devolucao dos dados que obtivemos e da andlise que nés teremos feito até entao. E vocés terao acesso 4 monografia também. O tema siéo as. representagées sociais dos profissionais de RH sobre sofrimento € prazer no trabalho. Traduzindo isso numa linguagem mais simples, desejamos conhecer a visio que os profissionais de Recursos Humanos tém a respeito do tema. E Sbvio que vocés tém uma visio sobre seu proprio sofrimento e sobre o sofrimento do funciondrio do banco em geral. As duas coisas estaréo em questao aqui. Para isso eu vou propor alguns motes para que vocés comecem a conversar. [...] Bom, uma primeira questio que a gente quer propor é sobre 0 significado do trabalho na vida das pessoas. Como vocés véem essa questdo: o papel que o trabalho tem na vida das pessoas Tar [voLuves [nbweso | vanenosunio] ans] 5-00 a1 v= | rogue tadow Ga | Reproduziu-se extensamente a fala inicial do moderador a fim de.evidenciar os elementos de enquadramento da dinami- ca que ocorrera no grupo focal. Lembremos que os grupos fo- cais foram antecedidos de encontros nos diversos setores de tra- balho da Unidade de Recursos Humanos da Organizacao, con- duzidos pelos pesquisadores, nos quais foram expostos os obje- tivos do trabalho e, em linhas gerais, a dindmica que ocorreria nos grupos. Analisemos alguns aspectos do enquadramento. O coor- denador procura estabelecer um contato informal (“todos jA se conhecem”) e lembra a todos 0 intervalo de tempo de que pre- cisarao dispor (os integrantes se afastaram do posto de trabalho para participar do grupo). A seguir define o seu papel e o dos participantes. Esclarece sua reduzida intervengdo (“nao vou participar”, “a palavra dever4 ser dirigida ao grupo”) e a ndo- exigéncia de consenso. Convida os participantes a pactuarem 0 compromisso do sigilo necessario para a espontaneidade das interagées. Propde uma ordenaco da fala dos participantes a qual, sob risco de limitar ou inibir a expressdo, visar4 assegurar © processo de ouvir e ser ouvido. A seguir, o coordenador asse- gura ao grupo a existéncia de um momento para a devolugado das informagées coletadas e discussao das conclusées elaboradas pela equipe pesquisadora. Por fim, ainda mais uma vez, da es- clarecimentos sobre o tema que sera objeto da conversa e ofere- ce o estimulo inicial na forma de uma primeira pergunta. 3.3 Tratamento das informagées e avaliagdo dos resultados da pesquisa Apés o término dos encontros, o grupo de pesquisadores transcreveu todas as fitas cassetes, realizou a andlise das infor- macées produzidas e elaborou suas conclusées. Embora o foco deste artigo refira-se aos aspectos intersubjetivos da construgao de sentido na experiéncia de gru- po focal, cabe fazer algumas consideragées sobre o tratamento ¢ andlise das informagées produzidas pelos grupos focais. A leitura geral do material transcrito confirmou as cate- l Grupo {oral em pesauise qualtativa ealeada: intoroubjetvideds o construgdo de sentido nesse processo. As colegas [0 moderador aponta para duas pesquisadoras auxiliares] vo estar observando, cuidando do equipamento e acompanhando nossa dindmica, mas sem interferir, ok? Minha posigao vai ser a de moderar. Nao vou participar, no vou dar as minhas opiniGes. A palavra vai estar com vocés. [...] Nao vamos exigir que cheguemos a um consenso; trata-se apenas de ouvir a opinido que vocés tém a respeito desses temas. Toda palavra deve ser ditigida ao grupo endo a mim. E importante a gente falar sobre a questdo do sigilo. Embora nés estejamos gravando [o grupo concordara previamente com a gravacio], a idéia € poder recorrer a essa gravaco para poder fazer as transcrigées, mas as pessoas ndo serio identificadas ¢ as fitas depois de usadas serao inutilizadas. © que vai sobrar serao as transcricées onde as pessoas n4o sero reconhecidas. Da mesma forma, a gente pede a vocés que ao safrem no facam comentérios sobre o que foi discutido aqui. Isto € um pacto de sigilo para que todos possam ficar 4 vontade para dizer qualquer’ coisa. Bom, para que a conversa possa fluir melhor eu pediria que fale um de cada vez, que a gente procure o maximo possivel ocupar 0 nosso espago e dar espaco para o outro, que as nossascolocacées nao sejam excessivamente extensas, para que todos tenham oportunidade de opinar a respeito do tema. Depois de concluido este trabalho, vocés terdo por volta de Junho ou julho uma devolucdo. Vamos reunir todas as pessoas que participaram da pesquisa ¢ vamos fazer uma devolucao dos dados que obtivemos e da andlise que nds teremos feito até entao. E vocés terao acesso 4 monografia também. O tema sio as. representagées sociais dos profissionais de RH sobre sofrimento e prazer no trabalho. Traduzindo isso numa linguagem mais simples, desejamos conhecer a visio que os profissionais de Recursos Humanos tém a respeito do tema. E dbvio que vocés tém uma visio sobre scu proprio sofrimento € sobre 0 sofrimento do funciondrio do banco em geral. As duas coisas estarao em questio aqui. Para isso eu vou propor alguns motes para que vocés comecem a conversar. [..] Bom, uma primeira questéo que a gente quer propor é sobre 0 significado do trabalho na vida das pessoas. Como vocés véem essa questao: o papel que o trabalho tem na vida das pessoas spor [voiae 3 [woneno + [aanemo ano] Fan] wae 0 vPor [vous | WonERo [aeRO wae] awa] seven jis 1s | sore vies os_| Reproduziu-se extensamente a fala inicial do moderador a.fim de evidenciar os elementos de enquadramento da dinami- ca que ocorreré no grupo focal. Lembremos que os grupos fo- cais foram antecedidos de encontros nos diversos setores de tra- balho da Unidade de Recursos Humanos da Organizacao, con- duzidos pelos pesquisadores, nos quais foram expostos os obje- tivos do trabalho e, em linhas gerais, a dinamica que ocorreria nos grupos. Analisemos alguns aspectos do enquadramento. O coor- denador procura estabelecer um contato informal (“todos ja se conhecem”) ¢ lembra a todos 0 intervalo de tempo de que pre- cisarao dispor (os integrantes se afastaram do posto de trabalho para participar do grupo). A seguir define o seu papel eo dos participantes. Esclarece sua reduzida intervengdo (“nao vou participar”, “a palavra deverd ser dirigida ao grupo”) € a nao- exigéncia de consenso. Convida os participantes a pactuarem 0 compromisso do sigilo necess4rio para a espontaneidade das interagdes. Propde uma ordenagio da fala dos participantes a qual, sob risco de limitar ou inibir a expresso, visar4 assegurar o.processo de ouvir € ser ouvido. A seguir, o coordenador aSSe- gura ao grupo a existéncia de um momento para a devoluc&o das informacées coletadas e-discussao das conclusées elaboradas pela equipe pesquisadora. Por fim, ainda mais uma vez, da es- clarecimentos sobre o tema que sera objeto da conversa e ofere- cé o estimulo inicial na forma de uma primeira pergunta. 3.3 Tratamento das informagGées e avaliagao dos resultados da pesquisa Apés o término dos encontros, 0 grupo de pesquisadores transcreveu todas as fitas cassetes, realizou a andlise das infor- magées produzidas e elaborou suas conclusées. Embora o foco deste artigo refira-se aos aspectos intersubjetivos da construgio de sentido na experiéncia de gru- po focal, cabe fazer algumas consideragées sobre 0 tratamento e-andlise das informagées produzidas pelos grupos focais. A leitura geral do material transcrito confirmou as cate- rar [wouunes | wveno +] weno auno] aoa] 8 rae08 | rope toca on pease cuss apad:intersutetdade constugd de snide aceitado participar dos encontros, mesmo que essa participagao Tepresentasse um certo 6nus para suas rotinas de trabalho, em decorréncia do interesse despertado pela Proposta de pesqui- sa. Muitos se referiram, também, A credibilidade e confianga depositada no grupo de pesquisadores, todos eles companhei- ros de trabalho e reconhecidos por seus pares como profissio- nais comprometidos com o valor de centralidade do ser huma- no nas organizacGes. Os participantes consideraram a discussio do tema como questéo critica para o profissional de RH, suge- tindo que esse tipo de trabalho venha a ocorrer com certa regu- laridade. A condugdo por parte dos facilitadores, que poderia sugerir & primeira vista uma certa restri¢éo ao fluxo esponta- neo das conversacées, foi, ao contrario, valorizada e percebida como uma forma sistematizada de abordagem do tema. Os participantes manifestaram preocupacao de que suas opinides pudessem ser vistas como muito especificas de profissi- onais de recursos humanos ¢ sugeriram que elas sejam cotejadas com a opiniao de outros funciondrios do banco. Expressaram, também, a expectativa de que o trabalho auxilie na melhoria das relagées no interior da 4rea de RH e na diminuicéo do sofrimento na organizagéo. Esperam fundamentalmente que o trabalho resulte em ages concretas. Segundo eles, “j4 sabemos demais, precisamos fazer”. Os aspectos em destaque merecem ser comentados. O gru- po focal representa para o participante uma oportunidade so- cial de expressao de idéias que podem ser, eventualmente, con- firmadas, complementadas, ampliadas ou retificadas, pela in- tervengdo dos demais interlocutores. Reproduz, assim, em um micro-espaco interacional, qualidades encontradas nas redes sociais cotidianas em que essas pessoas esto inseridas. O grupo representa, ainda, uma oportunidade de desabafo, de liberagao das tensdes e ansiedades associadas ao tema. O desabafo gera informag6es importantes sobre os componentes afetivos das re- presentagdes construfdas pelo grupo. Um outro aspecto assinalado na avaliacio feita pelos gru- Pos refere-se & importancia que os informantes atribuem ao tema em discussao. De fato, as pessoas envolveram-se com as questées propostas, implicaram-se na expressao de suas idéias vwor [vouies [wero | waveno —aunwo] aos] psoas | 158 | de suas emocées, por identificarem um campo de significagao, ou uma “zona de sentido”, na acepgao de Gonzalez Rey (2002). © tema as toca, tem a.ver com o sentido de seu trabalho, com as emocgoes de suas vidas: “(..) A qualidade e a complexidade da informagio produzida pelos sujeitos pesquisados, condigdes essenciais para a construgio do conhecimento sobre a subjetividade, s6 sto aleangadas pela implicagéo daqueles nas redes de comunicagio desenvolvidas pela pesquisa.” (Gonzalez Rey, 2002: 56). Certamiente, um grupo focal que aborde tema nao-signi- ficativo para seus membros dificilmente poder4 contar com a implicagao e espontaneidade das pessoas. Credibilidade atribuida aos facilitadores (e mais ainda, 4 toda a equipe de pesquisa), associada & confianga, parece cons- tituir fator critico para a mobilizag4o subjetiva dos informan- tes. O pacto de sigilo proposto pelo coordenador pode ser acei- to ou rejeitado psicologicamente, dependendo do clima criado nas interagées iniciais entre a equipe de pesquisa € os infor- mantes. Embora a critica de artificialismo no grupo focal - con- forme autores que escreveram a respeito da técnica - possa ser procedente e aplicavel também a outras técnicas de captacéo de informacées, na experiéncia ora relatada ela se atenua. Os gru- pos valorizaram a sistematizacio da exposigao de opinides, uma certa ordem, ndo exatamente encontrada nas interagées do dia- a-dia. O moderador passava para a quest4o seguinte apenas quando o grupo considerava o tema suficientemente discutido, tendo todos os participantes oportunidade de expor seu pen- samento. . A técnica parece ter propiciado uma certa desaceleragéo nos discursos individuais, assegurando-se uma melhor escuta de cada um, por parte dos demais interlocutores. As pessoas apre- ciaram ter falado e ter ouvido de maneira organizada. O fluxo de comunicagio torna-se qualificado e qualificante, ou seja, per- mite a expressdo de cada um dos participantes ao mesmo tem- po em que a valoriza. wor | voume 9] NUMER +] saNeino - sunHo] 2008] 135-160 i Grupo focal em pescuisn qualitative apliceds: Intersubjetivideds @ constevgie da sentido E, por fim, aspecto nao menos importante refere-se ao sentido de finalidade atribuido pelas pessoas envolvidas as in- formagées coletadas. Quando se trata de um tema diretamente vinculado 4 vida dos participantes, é natural que estes desejem conhecer os desdobramentos, as conseqiiéncias do investimen- to de suas energias intelectuais ¢ afetivas. “Digo o que penso.e o que sinto a troco de qué? O que elaboramos neste grupo servira para algo? Posso sentir-me contribuinte para algum processo de transformagao?”. As respostas possiveis.a essas perguntas in- timas norteardo o grau de envolvimento dos participantes do grupo focal. 5. Conclusées Procurou-se avaliar a utilizagao da técnica do grupo focal no contexto de uma pesquisa qualitativa aplicada que enfatizou © processo de construgio de sentido em relag4o ao tema estuda- do. A experiéncia aponta para sua efetividade enquanto ins- trumento de captagao de informacées, ao tempo em que ressal- ta os cuidados que precisam ser adotados quanto ao tamanho dos grupos, 4 quantidade de questées discutidas, 4 profundida- de desejada para a discussdo, aos riscos de dispersao da conversa e, conseqiientemente, distanciamento em relagéo aos propési- tos da pesquisa. De maneira geral, as caracteristicas da técnica, tais como indicadas por Berg (1998) e Morgan (1997), foram observadas e ratificadas pela experiéncia relatada neste artigo. O compromisso com o processo construtivo do discurso levou a observacdo de importantes aspectos relativos a intersubjetividade dos participantes do grupo focal, significativos para a reflexéo sobre a metodologia qualitativa e a pesquisa aplicada: a. reconhecimento do papel de sujeitos sociais desempenhados pelos participantes, aptos & expresso de idéias que podem ser confirmadas, contestadas, ampliadas ou alteradas pela interlocugéo com outros individuos; b. expressao de sentimentos e emogdes que conformam as representagées sociais do grupo ¢ contribuem para a construgio de um conhecimento grupal sobre o tema discutido; por | vouuMe s | umeno +] saneiRo - Juno] 2008] ».135-169 | 187 tani tor ca_| c. implicag4o dos participantes na situacdo estruturada pelo grupo focal, decorrente da emergéncia de significados no transcorrer das discussées; d. experiéncia de ouvir/ser ouvido, em ambiente de confianga, parece ser fundamental para a consecugao dos objetivos pretendidos pela técnica. A confianca diz respeito’ as relagdes estabelecidas pelos facilitadores com os participantes do grupo, e destes entre si, fundamentadas na empatia ¢ na ética. Diz respeito, também, ao contexto social e institucional em que se realiza.a pesquisa e se utiliza o instrumento. Ambientes ameacadores certamente produzirao outras relagées intersubjetivas que poderdo dificultar a expressio espontanea das opinides. Esse risco, contudo, aplica-se a quaisquer outros instrumentos utilizados em pesquisa; e¢ por fim, €_ espaco de significado criado pelo grupo focal inclui necessariamente a percepcao dos participantes sobre as finalidades a.que se prestarao as informagées coletadas. Na experiéncia discutida, esses elementos tornaram-se per- ceptiveis e contribufram para a realizacao dos objetivos da pes- quisa. Convém advertir, contudo, que 0 uso por si s6 de uma técnica, por melhor estruturada que seja segundo os padrées estabelecidos pela literatura cientifica, nao iré assegurar o cum- primento do programa epistemoldégico que fundamenta o mé- todo qualitativo. Outras condigées deverao ser observadas, con- forme assinala Gonz4lez Rey (2002). Pretendeu-se neste artigo discutir algumas dessas condigées, ressaltando-se a potencialidade de um instrument - no caso, o grupo focal - que auxilie o pro- jeto de pesquisa transitar de uma “epistemologia da resposta” (Gonzalez Rey, 2002) para uma outra que enfatize a criagdo-de espacos de significacao e re-significagdo do objeto de pesquisa pelos informantes. Grupo focal em pesavisa qualitative oplcada: interubjetvidade @ corstrugso de sentide Referéncias AMIDANI, C.; CUNHA, L. H.B.G. da; GUL, R. TE; PIRES, A. R. de M.; SIMOES, A. N. da G; ‘TORRECILLAS, M. I. C. de. Prazer e softimento no trabalho: re- presentagies sociais de profissionais de recursos humanos do Banco do Bra- sil, Monografia de conchusio do curso de especializacio.em Administragao de Recursos Humanos. USP-FIA/Banco do Brasil. Brasilia:2000. BERG, B. L. Qualitative research methods for the social sciences. 34 ed. Allyn e Bacon. MA (USA): 1998. GIL,A.C, Métodose téenicas de pesquisa social. 5® ed. Atlas. S40 Paulo:1995. GIOVINAZZO, R. A. Focus group em pesquisa qualitativa —fundamentos e reflexées. Adminis- tragdo On-Line - Pratica ~ Pesquisa — Ensino.v. 2, n° 4.2001. GONZALEZ REY, F. L. Pesquisa qualitativa em psicologia ~ caminhos e desafios. Pioneira- Thomson Learning. Sao Paulo:2002. LAVILLE, C.; DIONNE, J. (1999). A construgéo do saber: manu- alde metodologia de pesquisa em ci- éncias humanas. Artes Médicas, Porto Alegre; UFMG, Belo Horizonte: i999. MENDES, A. M.B. Prazer e softimento no wabalho qua- lificacto: um estudo explorat6riocom engenheiros de uma empresa publica de telecomunicagébes. Dissertagio de mestrado. Universidade de Brasflia. Brasilia: 1994. MINAYO, M. C. deS. Odesatio do conhecimento - pesquisa qualitativa em satide. 54 ed. Hucitec- Abrasco. Séo Paulo-Rio de Janei- 70:1998, MORGAN, D.L. Focus groups as qualitative research. SAGE Publications. London:1997 SA, G. P de. A construgao do objeto de pesquisa em representacdes sociais. FdUERJ. Rio de Janeiro:1998. SPINK, M. J. P; MEDRADO, B. Produgdo de sentidos no cotidiano: uma abordagem tedrico-metodol6gica para anilise das prdticas discursivas. Em M. J. P. Spink (Org.). Prdticas discursivas e produgio de sentidos no cotidiano — aproximagées tedricas e metodolégicas. Cortez. S40 Pau- 0:1999. pp. 41-61. WAGNER, W. Descrigdo, Explicagéo ¢ Método na pesquisa das representagées sociais. Em: P Guareschi ¢ $, Jovchelovitch (Org,). Textos em representagées so- ciais. 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