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O QUE E UM IMIGRANTE?* Uma das caracteristicas fundamentais do fendmeno da imigragao € que, fora algumas situagdes excepcionais, ele contribui para dissimular a si mesmo sua propria verdade. Por nao conseguir sempre por em conformidade 0 direito € 0 fato, a imigragdio condena-se a engendrar uma situagio que parece destiné-la a uma dupla contradigao: nao se sabe mais se se trata de um estado provis6rio que se gosta de prolongar indefinidamente ou, ao contrério, se se trata de um estado mais duradouro mas que se gosta de viver com um intenso sentimento do provi- soriedade. Oscilando, segundo as circunstancias, entre 0 estado provisrio que a define de dircito ¢ a situagdo duradoura que a caracteriza de fato, a situagao do imigrante se presta, nio sem alguma ambigiidade, a uma dupla interpretagdo: ora, como que pata nao confessar a si mesmo a forma quase definitiva que com freqiiéncia cada vez maior a imigragio reveste, apenas se leva em conta na qua- lidade de imigrante o seu cardter eminentemente provisdrio (de direito); ora, ao contrério, como se fosse preciso desmentir a definigao oficial do estado de imi- grante como estado provisério, insiste-se com razio na tendéncia atual que os imigrantes possuem de se “instalar” de forma cada vez mais duradoura em sua condigiio de imigrantes. Por se encontrar dividida entre essas duas representa- gdes contraditérias que procura contradizer, tudo acontece como se a imigragdo necessitasse, para poder se perpetuar e se reproduzir, ignorar a si mesma (ou fazer * Este artigo foi publicado em Peuples méditerranéens, n, 7, abr-jun, 1979, pp. 3-23. ‘ABDELMALEK SAYAD 46 de conta que se ignora) ¢ ser ignorada enquanto proviséria e, ao mesmo tempo, nao se confessar enquanto transplante definitivo, Da mesma forma como que se impde a todos — aos imigrantes, é claro, mas também A sociedade que os recebe, bem como a sociedade da qual provém -, essa contradicao fundamental, que parece ser constitutiva da prépria condigdo do imigrante, impée a todos a manu- tengo da ilusao coletiva de um estado que nao € nem provis6rio nem permanen- te, ot, o que da na mesma, de um estado que s6 € admitido ora como provisério (de direito), com a condigao de que esse “provisério” possa durar indefinidamen- te, ora como definitive (de fato), com a condigao de que esse “definitivo” jamais seja enunciado como tal, E, se todos os atores envolvidos pela imigragio aca- bam concordando com essa ilusio, € sem diivida porque ela permite que cada sso sem ter um componha com as contradigdes préprias & posigdo que ocupa, © © sentimento de estar infringindo as categorias habituais pelas quais os outros pensam e se constituem os imigrantes, ou ainda pelas quais eles prdprios se pen- sam ¢ s¢ constituem. Sao, em primeiro lugar, os primeiros interessados, os pré- prios imigrantes que, tendo entrado como que sub-repticia ¢ provisoriamente (como cles pensavam) numa sociedade que sentem hostil, precisam convencer a si mesmos, As vezes contra as evidéncias, de que sua condigdo é efetivamente provis6ria: ela no poderia ser aquela antinomia insuportavel (uma situagio teo~ ricamente proviséria mas que, de fato, se dé objetivamente como praticamente definitiva) que Ihes mostram sua experiéncia ¢ seu itinerdrio de imigrantes. Sao, em seguida, as comunidades de origem (quando nao ¢ a sociedade de emigragio por inteiro) que fingem considerar seus emigrantes como simples ausentes: por mais longa que seja sua auséncia, estes iltimos sto chamados evidentemente (quando nao por necessidade) a retomar, idénticos ao que cram, o lugar que ja- mais deveriam ter abandonado e que s6 abandonaram provisoriamente. E, por fim, a sociedade de imigragao que, embora tenha definido para o trabalhador imigrante um estatuto que 0 instala na provisoriedade enquanto estrangeiro (de direito, mesmo se nao o € sempre, ou, x¢ 0 € pouco, de fato) que, assim, nega- Ihe todo direito a uma presenga reconhecida como permanente, ou seja, que exista de outra forma que nao na modalidade do provisério continuo e de outra forma que no na modalidade de uma presenga apenas tolerada (por mais antiga que seja essa tolerancia), consente em trata-lo, ao menos enquanto encontra nisso al- gum interesse, como se esse provisério pudesse ser definitivo ou pudesse se pro- longar de maneira indeterminada, Enquanto a expansio econdmica, grande consumidora de imigragio, preci- sava de uma mao-de-obra imigrante permanente ¢ sempre mais numerosa, tudo concorria para assentar ¢ fazer com que todos dividissem a iluso coletiva que se (© QUE E UM IMIGRANTE? encontra na base da imigrag3o. Com efeito, emanando de todos os horizontes politicos ¢ sociais (0 patronato em primeito lugar, os homens no poder, mas tam- bém, ¢ por razGes certamente diferentes daquelas dos principais beneficidrios da imigragio, os partidos politicos ¢ os sindicatos de esquerda), s6 se viam entio — ¢ isso durante décadas ~ proclamagbes e declaragdes que, todas, desejavam ser tranqiilizadoras; fossem quais fossem os sentimentos que se pudesse alimentar e as opinides que se pudesse ter em relagdo aos imigrantes, néio se parava de afir- mar que eles eram necessdrios, quando nio indispenséveis, para a economia ¢ até mesmo para a demografia francesas, O resultado disso tudo foi que todos acaba- ram por acreditar que os imigrantes tinham seu lugar durdvel, um lugar & mar- gem ¢ na parte inferior da hierarquia social, é verdade, mas um lugar duradouro; quer, ao reconhecer a utilidade econdmica e social dos imigrantes, ou seja, as “vantagens” que eles ofereciam para a economia que 0s utilizava, se queira agra- decer-Ihes (pelo menos verbalmente) ou ainda defender seus direitos (os que ja foram adquiridos ou os que precisam ser conquistados, como, por exemplo, 0 di- reito de “continuar como imigrantes”); quer, ao taxiilos de parasitas ¢ 0 esti- mar que nao se deve nada a cles, se deplore 0 “custo social” clevado que sua presenga impde & sociedade', ao mesmo tempo que se gosta de afirmar, nas suas costas (ou seja, de forma facil), as virtudes com as quais se gratifica a sociedade de recepgao e com as quais se gratifica a si mesmo, dessa forma (virtude das tra- digdes politicas e sociais que se querem todas humanitérias, liberais, igualitérias etc.), Assim, a garantia da permanéncia e da continuidade da presenga do imi- grante partilhada por todos e antes de tudo pelos préprios imigrantes?, 1. Por certo, mesmo se continuames céticos em relagio a validate dos resultados € quanto aos efeites persuasivos da costumeira contabilidade dos “custos e vantagens” comparados da imigragao. $6 po- demos deixar 0 cuidado de decidir entre posigoes extremas que, ao se determinarem (ou ao se comba- terem) umas &s outras. devem sua “verdade” apenas, diretamente ou por reagio, a pressuposios ideo- 6gicos € ndo a argumentos cientficos: ef. para isso nosso artigo, “Coats et profits de I"immigration, les préssupos¢s politiques d'un débat économique”, Acte de fa recherche en sciences sociales, , 61, ‘mar, 1986, pp. 79-82, 2, Esta certeza, da qual os imigrantes nio estavam sempre seguros ~ pois, como nunca est adquirida de ‘uma vez. por todas, supde um trabalho continuo de re-garantia -, no exclui angiistias, medos fantas éticos habitados pelo temor da eventualidade sempre possivel de uma “expalsio” em massa: "e se ‘eles nos mandassem de volta para casa..; em todo caso, nds no estamos em casa, principalmente porque nds (subertendido: 0s argelinos), nds escolhemos, nds fizemos de tudo para ni estarmos em caza, aqui, na Franga.. 0 que vor’ diria de um estrangeiro que viesse & sua casa e ¢e instalasse como se estivesse na casa dele... yoc8 sempre pode mandi-lo embora!... nés nfo estamos no nosso pais!” Tudo ocorre como se a situagio de hoje tivesse como efeito reavivar, mesmo entre os imigrantes mais ‘certox” da perenidade de sua condigio de imigrantes, ¢ principalmente entre estes, 0 temor da "cals ‘midade da expulsi0”, dando assim razdoa percepdo esponidinea, instintiva, emocional, iacional, po- deriamos dizer (por oposicdo & andlise “vientifica” que conclui a partir de consideragoes econdmicas a7 ABDELMALEK SAYAD 48 Tendo adquirido essa certeza, os imigrantes comegaram a tomar 0 hébito de reivindicar, de forma extremada, poderfamos dizer, seu direito a uma existén- cia plena ¢ nfo mais apenas seus direitos parciais de trabalhadores imigrantes. ‘Ao sc afastarem dos limites que Ihes haviam sido outorgados, ao ultrapassarem seu papel de imigrantes, eles deixaram, em certa medida, de se parecer com a definigao que deles se dava. Era mais do que se poderia tolerar para que os imi- grantes continuassem sendo imigrantes; assim, era necessdrio voltar a uma de- finigo mais estrita da imigragao ¢ do imigrante. Esta revisdio parece tanto mais facil de operar quanto as circunstincias atuais (ao menos tais como so apresen- tadas), porque nao sio de natureza a encorajar a imigragio ¢, muito mais, por- que servem de pretexto, certo ou errado, para um refluxo dos imigrantes (de forma desigual segundo sua pertinéncia nacional segundo suas caracterfsticas sociais, principalmente as caracterfsticas adquiridas durante a imigragdo) j4 nao podem autorizar a série de dissimulagdes que alimentavam a imigragio em tem- pos normais. Assim, basta que as circunstancias que se encontravam na origem da imigragdo (ou seja, as condigdes cconémicas) mudem ¢, ao mudar, que im- ponham uma nova avaliagaio dos lucros que se pode tirar dos imigrantes, para que ressurja naturalmente, contra a ilusio coletiva que permitia que a imigragio se perpetuasse, a primeira definigao do imigrante como trabalhador provis6rio ¢ da imigragio como estadia literalmente proviséria. Ao mesmo tempo que se faz essa confissio da provisoriedade — que todos concordam em dissimular em tempo normal -, é também a verdade objetiva do que € a imigragio ¢ do que é 0 imigrante (ou um aspecto dessa verdade) que se desvenda. Essa verdade é a mesma que preside ao balango contabil que se faz dos “custos ¢ vantagens comparados” da imigragdo; quais as “‘vantagens” de se recorrer 4 mao-de-obra imigrante ¢ quais os “Custos” que se pagam pela utiliza- io dessa mio-de-obra, “vantagens” ¢ “custos” sendo entendidos, € claro, em todos os sentidos desses termos (¢ no apenas no sentido econdmico)? Mesmo se ¢la ndo acaba mais de inventariar as “vantagens” ¢ os “custos” que considera — sem diivida porque nao se esté sempre de acordo sobre a definigdo ou, mais ¢xa- tamente, sobre as definigdes que devem ser dadas a esses termos? —, essa técnica, ‘ou politicas a permanéncia da imigragio € a estabilidade dos imigrantes), que os imigrantes tém da precariedade de sua sitwagio 3. Mesmo incerto — j4 que nunca estaremos seguros de que ele possa ser exaustivo, assim como nunca poderemos estar certos da exatidio das avaliagées a que chega, quando nio da possibilidade de algu- ‘mas dessas avatiogdes ov da possibilidade de avaliar tudo -, 0 método de andlise que consiste em le- vantar os efeitos da imigragio chegou a excelentes resultados: permitiu, notadamente, identficar wm ‘numero crescente de fatores que nao aparecem sempre claramente; ele constitu assim, uma excelen- (©. QUE E UM IMIGRANTE? te abordagem para a teoria econdmica da imigrago, Mas, na contramfo desse método de pura inves tigagao das incidéncias da imigragdo (incidéncias de toda ordem) ¢ porque dele se afasta, o “modo de tratar os problemas de migragio em termos complementares ou antitéticos de custos e vantagens traz algumas ressalvas, algumas de ordem epistemoligica, outras de ordem pritica” (cf., entre ou- tras referencias, N. Scott, Principes d'une analyse comparative des coats et des avantages des migrations de main-d ‘oeuvre, OCDE, semindrio de Atenas, out. 1966; “Grandes lignes d'une méthode pour Manalyse des codis et des avantages des migrations de main-d'oeuvre". em Bullevin de l'Institut inter- nacional d'études sociales, 2 fey, 1967, pp. 55-72; E. 1. Mirshan, “Does Immigration Confer Econo- mic Benefits on the Host Country”, em Economic Issues in Immigration, stitute of Economic A\tfais, 1970, pp. 91-122; G. Tapinos, L’Economie des migrations internationales, Presses de la F. N.S. R. 1974, 287 pp.; Anicet Le Pors, Immigration et développement économique et social, Paris, Documen- tation frangaise, 1977, 364 pp) 15) Em primeiro lugar, por mais dteis que sejam os resultados levantados pelo métedo, nfo se deve esquecer que fazer mecanicamente um balango dos efeitos da imigragio (mesmo agueles menos visi- veis ou mais dificeis de quamtificar, ou aqueles cujo alcance ests mais distante) ¢ repart-los em “eus- tos" ¢ “beneficios”(c isto para cada uima das partes em questdo: a sociedade € a economia usudrias da ‘mao-de-obra imigrante, a Sociedade de origem ¢ sua economia, os préprios imigrantes) nto passa, cm ‘iltima instineia, da retomads, em termos contabeis, do inventirio brutal que uma certa tcoria econd- ‘mica (i, €..a teoria do equilfbrio geral) acabou impondo. 2) Aldm disse, a definigio que se dé das “vantagens" dos “custos", mesmo te for corrigida, se for efinada e atenuada, notadamente com a distingo introdurida entre efeitos quantitativos (ou seja, estritamente econdmicos) ¢ efeitos qualitativos (ou seja, «rosso modu, todas as outras implicagdes, sociais, politicas, culturais ete.) da imigragdo e entre efeitos a curto prazo-e efeitos a prazo mais dila- tado, permanece sinda demasiado absoluta: enquanto cada um dos elementos do quadro de conjunto ‘que a imigragio oferece ¢ definido co ‘ou “custo” de forma imutdvel, na verdade todes eles sio objeto de interpretagSes coniraditérias: "beneficios” aqui, “eustos” ali, ov ainda “beneticios" para uns e “custos” para os outros, a impressio que prevalece &a de uma construgio para fins polémi- cos: um dos melhores exemplos dessa polémica imposta (em razao das divergéncias que a imigragio suscita) nos é fornecido pelas conclusdes radicalmente opostas as quais chegam, a partir de pontos sensivelmente idénticos, os relatérios conhecidos com 0 nome de “Rapport général Anicet Le Pors" (cf. op. cit) € "Rapport Fernand leant" (Le Cod social des travailleurs étrangers en France, nota de sinese, Assembiéia Nacional, 1976, 123 pp) Se Anicet Le Pors, inspetor das financas, ex-aluno da ENA (Escola Nacional de Administragio) e principalmente membro influente do partido comunista frances, ao retomar de seu ponto de vista a problemitica dos “custos e vantagens” da imigragiio, pro- cede a uma avaliagio do custo social dos imigrantes que contraria as idéias fetas bem como uma grande uantidade de teses comumente admitidas ¢ traz assim a prova do carster relativo da distingo que se ‘20sta de estabelecer, de uma vez por todas, entre “vantagens” € “custos”, o deputado F. Icart entrega- Se a uma avaliagao simétrica em todos 0s pontos, colocando as vezes entre os “custos” 0 quc seu rival tratava como “vantagens” 3*) "Custos e vantagens” foram estabelecidos ¢ calculados, antes de mats nada, pela sociedad de imi- fragdo. Mas ndo terfamos a tendéncia de transpor para a sociedade de emigrago nossa problemstica nossas técnicas de avaliagdo, ¢ isso sem nos perguntarmos sempre sobre a validade da operacao ¢ sobre as conseqiéncias que acarreta? Pecando por excesso de einocentrismo, rotalmemte inalequado quando se trata de apreciar os efeitos mais propriamente sociolégicos (i. ¢., qualitativos) da emigra- 649, a transposigao descontrolada do méiodo ignora a especificidade da economia das sociedades de origem dos emigrantes: se no caso da economia desenvolvida das soviedades de imizrayiio é quase um postulado afirmar a primazia do calculo, pois tudo € (idealmente) mensurdvel ¢ calculdvel e, ma verdade, udu ou guase two € medido vu calculady, nv easy da economia do» paves suldesenvol vi dos (posto que esta ¢ a realidade econdmica da maioria dos paises dc emigragdo) a primazia seria dada mais & qualidade, que escapa ao célculo, Como enido realizar 0 desafio que consiste em calcular (i ., €m avaliar 0s “custos” € as “antagens”) 0 que por definigdo se da como incalculivel? Como, por exemplo, medir os efeitos qualitativos do que é, nesse caso, auséncia (ou seja, emigragdio)? Como apreciar, no mesmo ato € ao mesmo iempo que se avalia a quantidade de dinheiro introduzida com a antage! 49 ‘ABDELMALEK SAYAD. 50 que ¢, em seu prinefpio, to antiga quanto a prépria imigragao, trai a fungao atri- bufda aos imigrantes ¢ © significado que se deseja reservar imigragio: imigra- gio ¢ imigrantes 86 tém sentido e razdo de ser se 0 quadro duplo erigido com 0 fim de contabilizar os “custos” e os “Iucros” apresentar um saldo positivo — ideal- menie, a imigragdo deveria comportar apenas “vantagens” e, no limite, nenhum “custo”. Como maximizar as “‘vantagens” (principalmente as vantagens econd- micas) da imigragio, reduzindo a0 mesmo tempo ao minimo o “custo” (notada- mente 0 custo social e cultural) que a presenga dos imigrantes imp6e? Esta é uma formulagio que, ao mesmo tempo que condensa em si toda a hist6ria do fendme- no da imigragdo, revela a fungdo objetiva (ou seja, secreta) da regulamentagio aplicada aos imigrantes: mudando segundo as circunstancias, segundo as popu- lagOes relativas, essa regulamentagdo visa impor a todos a definicao constitufda cm fungdo das necessidades do momento. Com efeito, no pode escapar a nin- guém que, no fundo, é uma certa definigiio da imigragio ¢ dos imigrantes que emigragio (0 que é habitualmemte pereebido como uma “vantagem” para a sociedade que recebe esse dinheiro), os efeitos que a gencralizagdo do uso da moeda podem ter a longo prazo sobre a economia camponesa tradicional? Na verdade, & o préprio estatvto da economia (no sentido em que a eniende- ‘mos num sistema econdmico desenvolvido) que se enconira em questi. +) Pode-se ainds fazer outra etitica a esse método, Sendo concebido e comprovado apenas do ponto de vista da economiaa servigo da qual os imigrantes se colocam, ele opera, implicita ¢ as vezes expli- citamente, como se as "Yantagens” de uma das duas partes (a sociedade de imigragio ou a sociedade de emigrago) correspondessem necessariamente aos “custos” sofridos pela outra parte: assim, s6 se~ iam “beneficios” trazidos pelos imigrantes aqueles que fossem pagos com um “custo” qualquer por sua Sociedade de origem (assim o par “vantagem’ custo” constituido como o seguinte: por um Indo, a “vaniagem” que representa uma miio-de-obra imigrante na idade adultae. do outro, em contraparti- Usio” da eriagio, como se diz, com que o pais de origem deve arcar) e, inversamente, no existe iputivel a0 fato de se usar uma maio-de-obra imigrante que niio corresponda. para os paises de emigrago. a alguma “vantagem” econdmica ¢ social. Essa forma absoluta de transpor a definigio hsoluta do “custo” eda “vantagem”, doravante constituidos como solidarios um do outroe igualmente solidarios de ambos os sistemas econdmicos (0 de imigragao ¢ 0 de emigragdo), impede de perceber ‘que 0 que pode ser considerado como uma “vantagem” hoje, ou seja, num momento dado da histéria ‘da imigragdo num caso ¢ da emigragdo no outro (ou ainda num dado momento do estado de wma ou ovira dessas sociedades ¢ do estado das relagdes de forga que se instalam entre elas por ccasido da relagdo migratoria), pode revelar-se como “custo” amanha; da mesma forma, o que era (ou ainda é) “custo” pode (ou poderd) tomar-se “vantagem’. Assim, para ambos os parceiros, mas de forma mais fundamental para 0 pats de emigragdo, bastaria uma mudanga de perspectivas ou uma mudanga pol tica (notadamente em terms de desenvolvimento) para que se tomem “custos” ou problemas objesi- Vos 0 que antes, em circunstincias particulares, era definido como “vantagens”. No fundo, o que nunca 1 definigdo de “vantagem” e de “custo” negociada; ela reflete o estado de uma cada parte trabalha para convencer seu parceiro de que ele encontra no fenémeno migratério uma “vantage” maior ou, pelo menos, uma soma de “vantagens” que compensa ampla- mente inconveniente que resulta para ele; vantagens sempre renovadas para colocar em beneficio, do outro, Trabalhar, por um lado, para maximizar as vantagens que s¢ atribui a seu parceiro e, por outro, para mascarar suas préprias vantagens ou minimizé-las: & desse trabalho de imposigio que resulta a definigdo do que se entende, a cada vez, por “vantagens” e “custos”” © QUE € UM IMGRANTE? esti em questao através do trabalho 20 mesmo tempo juridico ~ direitos que de- vem ser reconhecidos ao imigrante, posto que ele vai residir e trabalhar na Franga (direitos de nacionalidade) -, politico ~ acordos de mio-de-obra, conven- ges bilaterais concluidas com os paises de emigragdo (ao definir sempre de for- ma diferente as condigoes de entrada, de estadia e de trabalho na Franca, esses contratos desembocam em estatutos diferentes que apenas consagram, em suma, as diferengas que existem ou as variagdes que surgem nas relagdes de forga entre a Franga ¢ os paises de origem) - ¢ social ~ agées diversas que contribuem, to- das, para uma melhor adaptagdo da populagdo imigrante -, empreendido sobre as pessoas dos imigrantes. Sem diivida por causa da distancia que se tomou insuportavel, apesar do trabalho assim efetuado, entre, por um lado, a concepgao que se tem de costume (ou que os empregadores notadamente adotam) da imi- gragdo - ou seja, como tendo uma fungao exclusivamente econdmica e técnica - e, por outro lado, a realidade presemte da imigragao (que, pelo “custo social” e, de forma acessoria, cultural cada vez maior que ela impde, contradiz esta con- cepgaio), nunca talvez a contradigao prépria imigragiio ou ao que se pode cha- mar de politica de imigragdo esteve tao evidente quanto neste periodo conheeido pela crise econdmica, pelo desemprego e por dificuldades de toda sorte. Ao fin- 51 ABDELMALEK SAYAD 52 gir que a estamos descobrindo somente hoje, estamos jogando sobre essa contra digo para orientar a imigracao no melhor sentido para os interesses, materiais ¢ simb6licos, que atribuimos a nés mesmos: é ela que inspira as palavras que sio ditas hoje em dia sobre os imigrantes ou a propésito dos imigrantes*; é cla que serve de pretexto para as préticas cotidianas em relagio aos imigrantes’, bem 4, Na situagio atual, podemos dizer que nio existe discurso sobre o desemprego que nio seja ao mesmo tempo um discurso sobre os imigrantes, ou melhor, sobre a relagio de causa-efeito que, as vezes, & apenas sugerida, mas que, outras vezes, é explicitamente afirmada, entre a imigracio e o desemprego, “Num pais que conta com dois mithdes de trabalhadores imigrantes, 0 problema do desemprego nio deveria se colocar”, (J. Chirac). As vezes. € para indignar-se e escandalizar-se: e, quando se finge 0 espanio € a incompreensio, ¢ apenas para suspeitar melhor que os imigrantes so nocivos ao interesse nacional (¢ is80 coma cumplicidade de seus “amigos”, dentre os quais aparecem, mesclados, primei- +10 08 mifitantes, os sindicalistas ¢ os intclectuais de esquerda, os homens de igrejae, depois, os pa trdes, bem como os politicos ou os homens no poder que sfo considerados como “favordveis” acs imi- ‘grantes): "Os imigrantes tomam o trabalho dos franceses... logo, roubam o pao dos franceses”, “tra- tase de substituir com a mao-de-obra nacional (subentendidos os desempregados) a dos imigrantes"(R. Barre), “a preocupagio do governo francés ¢ diminuir 0 nimero de trabalhadores imigrantes na Fran- sa” (L. Stoléma, 28 set, 1978), ow ainda “no vale a pena cantar de galo no exterior quando nao somos ccapazes de catar 0 lixo em nosso priprio pais” (L. Store): “As regides que tecebem muitos imigran- tes nio devem esperar auxiio do govemo” (ministro da Industria) ete. As vezes, rata-se, 30 contri- ro, de esforgar-se (sinceramente ou apenas pela circunstincia) de tranquilizar os imigrantes: “0 imi- ‘grante ndo ¢ uma pessoa que s¢ deporta... um homem que vem para nosso pais com uma esperanga, a de participar da vida econdmica de um pais que a tera do trabalho, a term da liberdade.."(P. Dijoud, nos Dossiers de I’écran, 14 jan. 1975); “O pats nfo deve explorar os trabalhadores imigrantes, ¢ sim da-thes os mesmos direitos e as mesmas oportunidades que di aos trabalhadores franceses, © muitas veres mais..." (P. Dijoud, apresentaglo de seu programa de 25 medidas em 1974), ou ainda: “Ni se- ria comreto querer se livrar da mio-de-obra imigrante que trabalha para n6s hi muitos anos sob o pre- texto de que sentimos dificuldades de emprego” (L. Storélu, Le Figaro, 1 de setembro de 1975): “Os trabalhadores imigrantes podem atravessar a crise conosco, como n6s" (L. Storélu, na televisio, § nov. 1977), “a fraternidade francesa estende-se aos trabalhadores imigrantes que contribuem para nossa produgaio ¢ nosso progresso” (V, Giscard d’Estaing, no Conselho dos Ministros, 9 out. 1974), “acom- paahavei pessoalmente a implantagdo do programa de melhoria das condigdes de vida dos trabalha- dores imigrantes e de sua protegio social ¢ cultural” (V. Giscard d’Estaing, jul. 1974). Em todos os casos, seja qual for 0 discurso, 0 resultado é 9 mesmo: de um lado, os imigrantes, ou sejo, trabalhado- res estrangeiros ou estrangeiros em trabalho, pois 0 imigrante s6 pode ser concebido indissociavelmente ligndo ao trabalho (um imigrante desempregado ndo existe, como diria RK. Desnos); do cittro lado, os desempregados franceses. ow melhor, franceses no desemprego. Mesmo se essa aproximagio, 2 qual se da um aspecto de esciindalo completo (escdndalo intelectual, social, moral ¢ politico), é na verdade ‘questionavel (intelectualmente), inexata (socialmenic),injusta (moralmente), mesquinha (politicamen- tc), ela basta para langar o deserédito sobre os imigrantes; basta para producir ¢ impor na opiniio publica a cquagao simplista¢ falaciosa: imigragdo = desemprego, contraverdade que tem como efeito tomar os imigranies responsiveis pelo desemprego dos franceses ¢, fazendo com que se tomem bo- des expiatirios, apresentar sua partida como a solugio mais répida para as dificuldades do emprego: “Num pais em que hi mais de um milho de desempregados ¢ dois milhdes de imigrantes ativos, a solugdo € simples: mandem-nos de volta para casa”, 5. Ainda é no dia-a-dia, nas préticas cotidianas (por exemplo, nas verificagdes de documentos feitas nas ruas ov por ocastio de todas as diligencias administrativas, nas reiagdes com a ANPE ~ Agencia Na- ‘cional para o Emprego -, que sempre sto relagdes de crise, pois explicitam a coniradigao entre a qua- lidade de imigrante ¢ a situayio de inativo etc), na atitude geral adotada para com os imigrantes (as

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