Você está na página 1de 23

Estudo do Efeito Magnetocalórico em Compostos FeMnP0,45As0,55

Universidade Estadual de Campinas


Instituto de Física Gleb Wataghin
Grupo de Preparação e Caracterização de Materiais

RELATÓRIO FINAL

PROJETO:

ESTUDO DO EFEITO MAGNETOCALÓRICO EM COMPOSTOS FeMnP0,45As0,55

Aluno: Luana Caron R.A. 002003


Orientador: Prof. Dr. Sérgio Gama

1
Estudo do Efeito Magnetocalórico em Compostos FeMnP0,45As0,55

O nosso projeto

Recentemente, Tegus1 et al. reportaram a descoberta de um novo material, o


composto FeMnP 0, 45 As 0,55 , que apresenta grande variação de entropia magnética
e temperatura de Curie em torno de 300 K, o que permite a sua utilização para
refrigeração magnética em temperatura ambiente. A refrigeração magnética é
baseada no efeito magnetocalórico (EMC), que corresponde ao aumento de
temperatura quando um corpo magneticamente ordenado é submetido
adiabaticamente a um campo magnético. Este processo é reversível, ou seja, a
temperatura do corpo diminui quando é retirado o campo, possibilitando a sua
utilização em um ciclo para refrigeração. As ótimas características
magnetocalóricas deste composto e o seu baixo custo, (não há terras raras em
sua composição) o tornam um forte candidato à refrigeração magnética comercial.
Este projeto consiste da síntese deste composto através da técnica de
encapsulamento em cadinho de nióbio, técnica esta que foi desenvolvida neste
laboratório para síntese de ligas contendo elementos voláteis, e subseqüentes
tratamentos térmicos, e sua caracterização estrutural. Este projeto consiste do
estudo do efeito magnetocalórico em compostos FeMnP0,45As0,55 através da
síntese por técnica de encapsulamento em cadinho de nióbio e sua caracterização
magnética utilizando o magnetômetro SQUID, e estrutural por meio de análise
metalográfica e difração de raios X.

O efeito magnetocalórico

O efeito magnetocalórico (EMC) corresponde à variação de temperatura que é


observada quando um corpo magneticamente ordenado sofre uma variação na
sua magnetização. Se esta é aumentada adiabaticamente, a entropia do corpo
diminui devido ao ordenamento dos spins (mantendo constante a entropia total do
sistema), e a temperatura do sistema aumenta. Inversamente, se a magnetização
é diminuída ou reduzida a zero adiabaticamente, a entropia magnética aumenta e
a temperatura do corpo diminui. Em uma abordagem mais ampla, o efeito pode
ser visto como descrevendo variações de entropia magnética de um sistema
provocadas por processos a que este sistema é submetido. Este efeito é
conhecido desde 1881, mas somente após a descoberta do método de purificação
e separação das terras raras é que começou a ser levado em conta efetivamente,
pois o gadolínio, cuja temperatura de ordenamento magnético é próxima à
temperatura ambiente, apresenta um efeito magnetocalórico grande o suficiente
para que se possa pensar em aplicações tecnológicas, especialmente em
refrigeração. É preciso frizar que este efeito é mais significativo ao redor das
transições de fase magnéticas, o que implica que o conhecimento do diagrama de
fases magnético é importante para o estudo deste efeito. Há interesse principal em
transições de fase de primeira ordem, pois, neste caso, as variações de entropia
são mais intensas.
O estudo do EMC é importante porque pode fornecer informações sobre
transições de fase magnéticas que são difíceis de serem obtidas por outras
abordagens. Além disso, há um interesse tecnológico muito grande nestes

2
Estudo do Efeito Magnetocalórico em Compostos FeMnP0,45As0,55

materiais devido à possibilidade concreta de sua utilização na construção de


refrigeradores magnéticos englobando o intervalo de temperatura desde a
ambiente até valores criogênicos, com maior eficiência que os processos atuais, e
sem o uso de compostos que agridam o meio ambiente como os CFC’s.

O que foi realizado no período

Esta seção dividirei em três partes. Nas duas primeiras apresentarei as duas
diferentes técnicas que utilizamos para sintetizar as amostras, assim como as
análises das amostras obtidas. Na última farei uma comparação entre ambas,
tentando apresentar os prós e contras de cada uma.

Encapsulamento em Cadinho de Nióbio


Primeiramente, com o objetivo de reproduzirmos os resultados publicados por
Tegus1, fabricamos uma liga a partir de pedaços ou pós dos elementos
constituintes, utilizando a técnica de fabricação em recipiente hermético de nióbio,
desenvolvida em nosso laboratório para sintetizar ligas contendo elementos
voláteis. Esta liga tem estequiometria um pouco diferente da reportada, pois
queríamos ver como a variação da proporção P-As afetava a temperatura de Curie
como mencionado no artigo. Portanto, ao invés de utilizarmos a proporção 0,45-
0,55, utilizamos 0,47-0,53, proporções estas para o fósforo e arsênico,
respectivamente.
Outra grande diferença entre a nossa liga e a de Tegus é que a nossa foi
fabricada a partir dos elementos, enquanto que a que foi reportada no artigo foi
produzida a partir dos compostos Fe2P e FeAs2 e completado com as proporções
apropriadas de manganês e fósforo, de forma a obter a estequiometria correta.
Foi produzida uma liga com as seguintes massas:
Fe 1,690 g
Mn 1,666 g
P 0,4416 g
As 1,2032 g
Massa total 5,0008 g
Como relatado acima, alguns elementos foram utilizados em pó (Fe, P) e outros
em pedaços (As, Mn).
Estes elementos foram colocados dentro de um cadinho de nióbio que foi selado
sob atmosfera de argônio. O cadinho por sua vez foi encapsulado em dois tubos
de quartzo, um dentro do outro, ambos selados sob atmosfera de argônio, assim
como o cadinho.
Assim encapsulada, a amostra foi colocada no forno por 11 dias a 1050 0C.
Após os 11 dias, os tubos foram abertos e verificou-se que o cadinho apresentava
uma rachadura em toda a sua extensão no sentido longitudinal. Verificou-se que
todos os cadinhos que foram usinados da mesma peça de nióbio e que foram
colocados sob condições semelhantes, apresentaram o mesmo problema. Após
uma breve análise sob microscópio óptico, não encontramos motivo para acreditar
que a amostra tenha sido contaminada devido a este problema .

3
Estudo do Efeito Magnetocalórico em Compostos FeMnP0,45As0,55

Depois de aberto o cadinho de nióbio, verificamos que a amostra havia reagido


bem, apresentando-se porosa e quebradiça. Também verificamos que a liga é
magnética, simplesmente aproximando um imã FeNdB desta.
Uma parte dela, 14,8 mg, foi para análise no magnetômetro SQUID. Abaixo
apresento os parâmetros utilizados na medida:
Intervalo de temperatura: 4-400K
Campo magnético: 200 oersted
Taxa de variação da temperatura: 4K/min
Medidas: a cada 30s
A temperatura de transição do material foi encontrada diferenciando-se o gráfico
feito com os pontos da análise do magnetômetro SQUID de magnetização X
temperatura. A temperatura de Curie encontrada para o material é em torno de
260 K, como pode ser visto nos gráficos das figuras 1 e 2.

C3
Temperature x Long Moment
0,25

0,20
Long Moment (EMU)

0,15

0,10

0,05

0,00

0 50 100 150 200 250 300 350


Temperature (K)

Figura 1: gráfico da temperatura X momento magnético para a primeira amostra

4
Estudo do Efeito Magnetocalórico em Compostos FeMnP0,45As0,55

Abaixo a derivada do primeiro gráfico:

C3'

0,006 Temperature x Long Moment Derivative

0,004

0,002

0,000
dµ/dT

-0,002

-0,004

-0,006
260,4
-0,008
0 50 100 150 200 250 300 350
Temperature (K)

Figura 2: gráfico da temperatura X derivada do momento


magnético para a primeira amostra

Uma outra parte da amostra foi embutida em resina e polida para posterior análise
metalográfica.

Amostra tratada
Cerca de dois terços do restante foi moído e prensado (6 ton) na forma de uma
pequena pastilha para que fosse feito um tratamento térmico, com o objetivo de
elevar um pouco a temperatura de Curie do material.
O tratamento foi feito com a pastilha dentro de uma folha de tântalo que, por sua
vez, foi selada sob atmosfera de argônio dentro de um tubo de quartzo, como feito
para o primeiro tratamento. Este durou 3 dias a 700oC.
A amostra já tratada apresentou-se “esfarelenta”, o que indica que não ocorreu
uma boa sinterização, certamente devido à baixa temperatura do tratamento. Nova
análise foi feita no SQUID, em torno da temperatura de Curie encontrada
anteriormente. Utilizamos os mesmos parâmetros da análise anterior com exceção
da massa, que desta vez é de 28 mg. Nesta nova análise obtivemos o seguinte
gráfico e sua derivada (figuras 3 e 4):

5
Estudo do Efeito Magnetocalórico em Compostos FeMnP0,45As0,55

C3
Temperature x Long Moment
0,25
(amostra tratada)

0,20
Long Moment (EMU)

0,15

0,10

0,05

0,00

0 50 100 150 200 250 300 350 400


Temperature (K)

Figura 3: gráfico da temperatura X momento magnético para a


amostra tratada
A derivada:

6
Estudo do Efeito Magnetocalórico em Compostos FeMnP0,45As0,55

C3'6
Temperature x Long Moment derivative
(amostra tratada)
0,000

-0,001
dµ/dT

-0,002

-0,003

-0,004
274,5

0 50 100 150 200 250 300 350 400

Temperature

Figura 4: gráfico da temperatura X derivada do momento magnético para a amostra tratada

A temperatura de Curie do material depois de tratado, obtida pela análise no


SQUID é 274,5 K, pouco acima de zero Celsius. Assim verificamos que o
tratamento a que a amostra foi submetida foi capaz de elevar a temperatura de
Curie em aproximadamente 15 graus.
Desta amostra tratada também foi embutida e polida uma parte para que fosse
feita análise metalográfica.

Da análise metalográfica dos compostos obtidos, vemos duas fases, uma mais
abundante e outra, mais clara, em menor quantidade, provavelmente
paramagnética.

Da primeira amostra, que não passou pelo tratamento de três dias, temos duas
imagens. Na figura 5 vemos pontos de óxido em forma de círculo e, em seu
interior uma fase branca diferente da matriz, que apareceu em apenas dois pontos
da amostra analisada. Na figura 6, vemos uma terceira fase, diferente da matriz,
mais abundante que a fase branca, e que se espalha por todo o material.

7
Estudo do Efeito Magnetocalórico em Compostos FeMnP0,45As0,55

Figura 5: fase branca Figura 6: fase cinza diferente da matriz

Da amostra tratada temos outras imagens, bastante parecidas com as da amostra


não tratada. Vimos nesta amostra que a segunda fase que se apresentava em
abundância por toda a amostra não tratada, aqui se concentra em um ponto da
amostra, assim como os pontos da fase branca e pontos de óxido. O ponto onde
se concentra a segunda fase na amostra tratada é apresentado na imagem abaixo
(figura 7):

Figura 7: fase cinza

Também foram feitas análises de difração de raios-X das amostras. Para estes
obtivemos os gráficos apresentados nas figuras 8 e 9 para a amostra preparada e
para a tratada, nesta ordem. Da análise em si, encontramos o composto Mn2P,
que era desejado por apresentar efeito magnetocalórico e manganês não reagido,
como assinalado nos gráficos.

8
Estudo do Efeito Magnetocalórico em Compostos FeMnP0,45As0,55

Figura 8: gráfico da difração de raios-X para a amostra preparada

Figura 9: gráfico da difração de raios-X para a amostra tratada

9
Estudo do Efeito Magnetocalórico em Compostos FeMnP0,45As0,55

Forno de Crescimento de Cristais


Numa segunda fase do projeto, resolvemos utilizar um forno de crescimento de
cristais sob pressão recentemente reativado para sintetizar nossas amostras.
Resolvemos fazer essa mudança por vários motivos. Neste forno é mais fácil a
preparação da amostra, pois não exige que um cadinho e vários tubos de quartzo
sejam selados, bastando colocar todos os elementos em um cadinho aberto, além
do que é completamente seguro uma vez que a atmosfera é controlada. Também
permite maior controle do processo em si, já que podemos controlar tanto a
temperatura como a pressão em que a síntese é realizada. E não exige um
tratamento térmico subseqüente, uma vez conhecida a rotina de síntese. Por
último, o que talvez seja uma das maiores vantagens, diminui substancialmente o
tempo de obtenção de uma amostra de cerca de sete dias, sem contar o
tratamento térmico de três dias, para cerca de cinco horas, no máximo.

Mas, também existem uma série de desvantagens nessa técnica. Uma delas é
que tivemos de pensar em um modo de manter os elementos voláteis controlados
para que a reação desejada ocorresse. Para isto, completamos o cadinho utilizado
na síntese com óxido de boro (B2O3), que tem ponto de fusão mais baixo que os
elementos do composto em questão, e assim formando um selo sobre o composto
antes que os elementos com maior pressão de vapor mudassem de estado.
Também controlamos a pressão, mantendo-a alta para nos certificarmos de que
os elementos mais voláteis, fósforo e arsênico, ficassem junto com os outros do
composto. Existem outras desvantagens, assim como vantagens, que
apresentarei durante a descrição dos procedimentos, pois foi quando foram
percebidas.

Antes de sintetizarmos qualquer amostra fizemos dois testes com o forno vazio,
apenas com a atmosfera de argônio, a qual utilizamos se não para todas, para a
grande maioria das sínteses, por ser inerte. Foi nestes testes que aprendemos a
relação entre a taxa em que aumenta a temperatura e a potência aplicada, além
de como a pressão influencia no limite de temperatura a que se pode chegar, o
que é de grande importância, já que queríamos chegar a temperaturas de quase
1500oC. Foi então que estabelecemos alguns parâmetros dos quais falo no
relatório, como por exemplo, a pressão de 60 bar que é mantida em quase todo o
processo. Também percebemos que não é necessária uma potência muito alta
para que temperaturas como 1500oC sejam atingidas, na verdade basta cerca de
30% da potência total que o forno é capaz de fornecer.

Segunda amostra
Bem, vamos à descrição do procedimento em si, onde as maiores diferenças com
a primeira técnica ficarão claras.
Continuamos com as mesmas proporções da primeira amostra sintetizada, não só
para podermos comparar os resultados dos dois métodos, mas porque não
ficamos completamente satisfeitos com os resultados já obtidos. Assim temos as
seguintes massas:
Fe 1,688 g
Mn 1,681 g

10
Estudo do Efeito Magnetocalórico em Compostos FeMnP0,45As0,55

P 0,447 g
As 1,288 g
Massa total 5,104 g
Da mesma forma que na primeira amostra, o ferro e o fósforo foram colocados em
pó, e o manganês e o arsênico em pedaços, dessa vez menores para que a
reação fosse mais completa.
Tudo foi colocado dentro de um pequeno cadinho de alumina, pois a alumina é
bastante inerte, mesmo em altas temperaturas. Os materiais em pedaços no fundo
e o que estava em pó por cima. O espaço restante foi preenchido com óxido de
boro, o qual tivemos de nos certificar que estava seco, para que a água não
reagisse com o fósforo e o restante do composto, por isso colocamos o óxido de
boro em um outro forno e o aquecemos a pouco mais de 100oC enquanto vácuo
era feito, para nos livrarmos de toda a água. Este processo acabou levando mais
de um dia, bem mais do que esperávamos.
O cadinho de alumina, por sua vez, foi colocado dentro de um cadinho de grafite
pouco maior, e evitamos que os dois entrassem em contato colocando uma
pequena folha de tântalo entre eles. Isto foi feito simplesmente para evitar
qualquer eventual reação que pudesse ocorrer, por mais que a alumina seja
bastante estável.

Esta primeira amostra sintetizada no forno de crescimento de cristais foi realmente


a caráter de teste, pois, quase tudo o que tinha de dar errado aconteceu. Mas foi
crucial para que aprendêssemos a manusear o forno para esse propósito
específico e a evitar estes erros no futuro.

Neste caso faz parte descrever as etapas em que a síntese foi feita.
Primeiramente, após colocar a amostra preparada como descrito dentro do forno e
lacrá-lo, foi feito vácuo (2.10-1 mbar) e em seguida, após fechar a câmara ao
sistema de vácuo, injetei 49 bar de argônio, ou seja, como feito na primeira
amostra, utilizamos uma atmosfera inerte, com a diferença de que agora a
pressão é maior. A temperatura foi lentamente aumentada desde a ambiente até
cerca de 600oC, temperatura em que o óxido de boro já está fundido. A
temperatura foi mantida em torno dos 600oC por dez minutos, para que o óxido
fundisse completamente. A essa altura, a temperatura fez o resto do serviço e
elevou a pressão para o valor desejado, em torno de 60 bar, onde foi mantida a
maior parte do tempo, liberando um pouco de gás quando necessário, pois
descobrimos em um teste preliminar com o forno, tendo-o vazio, que se a pressão
estiver muito alta fica quase impossível subir a temperatura ao nível desejado.
Novamente a temperatura foi elevada, até cerca de 830oC onde foi mantida por
mais dez minutos, pois esta é a temperatura em que o arsênico funde, devido à
alta pressão como um metal qualquer, sem a ocorrência de sublimação. O tempo
de espera foi para que o arsênico impregnasse bem a amostra. Então a
temperatura foi elevada para que chegasse ao ponto de fusão mais alto dos
materiais envolvidos. Então o sistema de aquecimento foi desligado e o sistema
deixado esfriar para que pudesse ser aberto e retirada a amostra.
Após este processo, foi feito vácuo novamente e injetado argônio, para que a
atmosfera fosse trocada, pois o arsênico é bastante venenoso. Todo o gás retirado

11
Estudo do Efeito Magnetocalórico em Compostos FeMnP0,45As0,55

do forno é jogado diretamente no exaustor da capela do laboratório. O forno é


sempre aberto usando equipamento de segurança, como luvas, jaleco e máscara.
Depois de retirado do forno, é necessário remover a camada de óxido de boro de
cima do material. Para isso, basta literalmente ferver a amostra em água que o
óxido se dissolve. Foi daí que descobrimos que a amostra não havia reagido
completamente, e parte dela acabou sendo perdida na fervura. Também
levantamos a hipótese de que a temperatura acusada pelo sensor não é aquela
em que está a amostra, e por isso resolvemos manter uma margem de segurança,
elevando a temperatura um pouco mais do que o necessário se o sensor
acusasse a mesma temperatura da amostra.
Tentei recuperar a maior parte que consegui e após seca, submetemos a amostra
a um segundo tratamento. Foi acrescentado fósforo completando-se a massa
perdida supondo que toda a massa que foi perdida foi devido à evaporação do
fósforo. E o cadinho foi simplesmente completado com óxido de boro.

Assim, retornamos o cadinho ao forno. O processo foi repetido, quase que


identicamente a não ser pelo fato de que, por algum motivo que desconhecemos,
o controle do forno simplesmente desligou o sistema de aquecimento quando a
temperatura atingiu 1159oC, talvez tenha sido a potência muito alta (41%), dentre
outros fatores, mas não há como saber ao certo. Esperamos cerca de duas horas
até o sistema voltar à temperatura ambiente e começamos a aquecê-lo
novamente, sempre mantendo a pressão em torno dos 60 bar, até que atingisse a
temperatura de 1364oC quando o aquecimento foi desligado e o sistema deixado
esfriar.
E novamente o procedimento da abertura foi repetido.

O segundo tratamento foi capaz de fundir a amostra, mas nos deparamos com
algo inesperado. O óxido de boro havia se transformado em uma espécie de vidro,
impossibilitando a retirada da amostra de dentro do cadinho, pelo menos
mantendo este último intacto. No final, após muitas tentativas, tivemos que
quebrar o cadinho para que a amostra fosse liberada. Como este material é
bastante poroso, sua parte externa acabou ficando com um pouco do vidro
grudado na amostra em si.
Retirei o que pude do vidro sem danificar a amostra, para poder pesá-la. Ainda
com o vidro do óxido havia grande diferença entre a massa inicial colocada para
fundir e a obtida. A massa final obtida foi: 4,444 g.

Por essa amostra estar, quase que certamente, fora de estequiometria, nenhuma
outra análise a não ser a metalográfica foi feita.
Primeiramente (figura 10) temos uma visão geral da microestrutura, com muitos
poros, como já apresentados na amostra anterior, assim como uma fase num tom
de cinza mais escuro, diferente da matriz:

12
Estudo do Efeito Magnetocalórico em Compostos FeMnP0,45As0,55

Figura 10: microestrutura da amostra (250X luz normal)

Abaixo observamos um ponto de um material que provavelmente não reagiu


completamente, e que possui características de óxido, e aparece em vários pontos
da amostra.

Figura 11: material não reagido (500X luz normal)

Nas figuras 12 e 13 vemos duas imagens de uma mesma região da amostra, uma
com luz normal, outra com luz polarizada. Vemos uma fase que polariza
fortemente:

13
Estudo do Efeito Magnetocalórico em Compostos FeMnP0,45As0,55

Figura 12: luz normal 500X Figura 13: luz polarizada 500X

Terceira amostra
Desta vez, conhecendo melhor o funcionamento do forno e com algumas
mudanças no procedimento, fundimos uma terceira amostra, novamente, com a
mesma estequiometria. As massas utilizadas:
Fe 1,692g
Mn 1,665g
P 0,441g
As 1,213g
Massa total 5,011 g
A amostra foi preparada da mesma forma que descrevi para a segunda. O que
houve de diferente foi a seqüência utilizada no forno.
O processo foi praticamente o mesmo, com exceção de que a temperatura foi
mantida entre 800oC e 900oC por 3 horas, para que os materiais que não fundem
a esta temperatura ficassem realmente impregnados pelos que fundem.
Uma “descoberta” feita neste ponto é que, com este material dentro do forno, é
quase impossível estabilizar a temperatura em um dado valor com uma potência
fixa, implicando que a temperatura teve que ser monitorada constantemente
durante três horas.
Finalmente, elevamos a temperatura a um valor superior ao da amostra anterior,
até 1452oC, além do que mantivemos a temperatura acima dos 1400oC por mais
tempo, cerca de dez minutos.
Dessa forma a amostra foi fundida. Mas retornamos ao problema de como retirá-la
do cadinho, pois a reação entre a alumina e o óxido de boro ocorreu mais uma
vez, mas em maior quantidade, pois quase todo o óxido havia reagido. Assim,
mais uma vez, tivemos que quebrar o cadinho.

Também houve perda de massa, se bem que menor. A massa final foi 4,665g.
Todas as análises devidas foram feitas, SQUID, difração de raios-X e
metalográfica.

No magnetômetro SQUID fizemos uma rotina pouco diferente das primeiras,


variando o campo de 0 a 70000 Oe a 5 K para vermos a magnetização de

14
Estudo do Efeito Magnetocalórico em Compostos FeMnP0,45As0,55

saturação do material. De resto a rotina foi a mesma. A temperatura foi feita subir
desde 5 K até 400 K e depois descer.
Os parâmetros utilizados na medida: 27,7 mg
Intervalo de temperatura: 5-400 K
Campo magnético: 200 Oe
Taxa de variação da temperatura: 4K/min

Abaixo temos, a subida e a descida de temperatura, sem as medidas a


temperatura constante feitas em 5K, em seguida, separadamente, a subida e a
descida da temperatura, com seus respectivos ajustes polinomiais, feitos no
software Origin 6.0, (adiante explicarei a necessidade dos ajustes).

0,22 subida e descida


0,20

0,18
Long Moment (EMU)

0,16

0,14

0,12

0,10

0,08

0,06

0 100 200 300 400


Temperature (K)

Figura 14: subida e descida da temperatura na medida do magnetômetro SQUID

Por ter sido feita uma medida a 5K, o material pode ter adquirido memória
magnética, fazendo com que a intensidade tenha se deslocado fazendo com que
as curvas se cruzassem. Além da própria histerese do material.

15
Estudo do Efeito Magnetocalórico em Compostos FeMnP0,45As0,55

M B
subidadaM Polynomial Fit of descidadados_B
0,20 0,22
Segunda amostra feita no forno de Segunda amostra feita no forno de
crescimento de cristais: subida da 0,20
crescimento de cristais: descida
0,18
temperatura no SQUID de temperatura no SQUID
0,18
0,16
Long Moment (EMU)

Long Moment (EMU)


0,16
0,14
0,14
0,12
0,12
0,10
0,10

0,08
0,08

0,06 0,06

0 100 200 300 400 0 100 200 300 400

Temperature (K) Temperature (K)

Figura 15: subida da temperatura Figura 16: descida da temperatura


(ajuste em azul) (ajuste em vermelho)

Na figura 17 apresentamos as derivadas dos gráficos, daí, vemos a necessidade


dos ajustes, pois uma descontinuidade nas medidas mascarou a transição.
Foi utilizado um ajuste polinomial de grau nove.
Primeiro temos a derivada sem o ajuste e, logo em seguida a derivada dos ajustes
( figura 18):

B'
Pky
M'
0,000

-0,002
dµ/dT

-0,004

-0,006

-0,008
250,002

0 100 200 300 400


Temperature (K)

Figura 17: derivada sem o ajuste

16
Estudo do Efeito Magnetocalórico em Compostos FeMnP0,45As0,55

As duas temperaturas de Curie diferentes na subida e na descida são explicadas


pelo deslocamento das curvas devido à alta velocidade de varredura em
temperatura. Como temperatura de Curie deste material tomamos a média das
duas como um valor aproximado, pois já carrega o erro dos ajustes polinomiais.

descidadB'
subidadaM'

0,0010

derivadas dos fits polinomiais


0,0005
dµ/dT

0,0000

383,31753
28,69759
-0,0005

-0,0010
241 267

-100 0 100 200 300 400 500


Temperatura

Figura 18: derivada dos ajustes

É complicado apontar uma temperatura minimamente precisa neste caso, pois


além do erro do equipamento de medida, temos a discrepância entre as medidas,
o erro do ajuste, apesar deste ser bastante bom na região da transição. Ainda
assim, percebe-se que a temperatura de Curie dessa amostra é inferior à da
amostra tratada na técnica de encapsulamento. Além disso, há um espalhamento
da temperatura de Curie, indicativo da heterogeneidade na amostra.

E, finalmente a parte da medida que foi feita a temperatura constante, 5K,


variando-se o campo de 0 a 70000 Oe, para medir a magnetização de saturação,
que está em torno de 81,5 emu/g. (figura 19)

17
Estudo do Efeito Magnetocalórico em Compostos FeMnP0,45As0,55

2,4

2,2

2,0
Long Moment (EMU)

1,8

1,6

1,4

1,2

1,0

0,8

0,6

0 10000 20000 30000 40000 50000 60000 70000 80000


Field (oersted)

Figura 19: momento magnético X campo

Também foi feita a análise metalográfica da amostra obtida.


Curiosamente, a parte da amostra escolhida, ao acaso, para ser embutida em
resina, polida e depois analisada, apresenta duas regiões bastante distintas, uma
com enorme quantidade de poros e outra quase sem poros, quando comparadas,
sendo esta peculiaridade visível a olho nú. Das imagens vindas de nossas
análises, destacarei algumas que representam aspectos mais interessantes da
amostra.
Na figura 20 a separação que mencionei, à direita a região menos porosa, e à
esquerda a região porosa:

18
Estudo do Efeito Magnetocalórico em Compostos FeMnP0,45As0,55

Figura 20: limite entre as regiões da amostra ( luz normal 32X)

A figura 21 mostra a região mais porosa sob luz normal e a figura 22 sob luz
polarizada:

Figura 21: região mais porosa ( luz normal 125X)

19
Estudo do Efeito Magnetocalórico em Compostos FeMnP0,45As0,55

Figura 22: região mais porosa ( luz polarizada 125X)

Na figura 23 a microestrutura da região menos porosa sob luz normal, onde vemos
grande quantidade da fase branca mencionada anteriormente. E, na figura 24 a
mesma região sob luz polarizada, onde vemos que a fase branca polariza
fortemente. Essa fase não aparece em toda a parte menos porosa da amostra,
pois além de termos observado regiões sem esta fase, quando incidimos luz
polarizada sobre estas não observamos atividade óptica.

Figura 23: região menos porosa, fase branca ( luz normal 125X)

20
Estudo do Efeito Magnetocalórico em Compostos FeMnP0,45As0,55

Figura 24: região menos porosa, fase branca ( luz polarizada 125X)

Por último, temos a análise de difração de raios-X, mostrada na figura 25, na qual
percebemos a linha mais intensa que corresponde ao Mn2P, que é o composto
desejado por apresentar efeito magnetocalórico. Também temos uma linha pouco
menos intensa que corresponde a manganês, provavelmente material não
reagido. Como pode ser percebido, o composto ainda não está homogêneo, mas
este gráfico tem bem menos picos que os das amostras anteriores, assim
indicando que esta amostra está pouco mais homogênea que as outras, apesar de
ainda não ser o ideal.

I
160
39,48045 Difração de raios-X
Mn2P
140 amostra 3

120

100

80 43,26053
counts

60 Mn

40

20

-20
20 30 40 50 60 70 80

Figura 25: gráfico da difração de raios-X para a terceira amostra

21
Estudo do Efeito Magnetocalórico em Compostos FeMnP0,45As0,55

Comparação das duas técnicas

Um ponto a favor da utilização do forno de crescimento de cristais é, sem dúvida,


sua rapidez. Apesar de termos obtido uma temperatura de Curie superior nas
amostras feitas por encapsulamento em cadinho de nióbio, creio que seja apenas
uma questão de tempo até dominarmos melhor a técnica de manipulação do forno
e conseguirmos melhores resultados ainda.
Da comparação das análises de raios-X vemos que este último composto
apresenta apenas duas linhas mais intensas, ao contrário das outras que
apresentam várias, o que pode significar que a amostra está mais homogênea,
apesar de não ser o ideal.
Das análises metalográficas pode-se perceber que nesta última amostra,
sintetizada no forno de crescimento de cristais, obtivemos partes mais
homogêneas, que com as amostras sintetizadas em cadinho de nióbio.

Sobre os erros nas medidas

Quanto às temperaturas observadas através do sensor do forno de crescimento


de cristais, vale deixar registrado que, além de não ser a temperatura da amostra,
pois o sensor não está em contato direto com esta, é esperado um erro de um a
dois graus no que o sensor acusa, principalmente quando lidamos com
temperaturas superiores aos 1000oC.
Quando falo em pressão da câmara em torno de 60 bar, esta informação tem uma
imprecisão de mais de 2 bar, que é a precisão do medidor. Esta imprecisão nos
rendeu um pequeno acidente sem maiores conseqüências quando não
percebemos que ainda havia um pouco de pressão dentro da câmara e a abrimos
para o sistema de vácuo e o trap criogênico se soltou da bomba de vácuo. Neste
ponto tivemos que pensar em um outro modo de fazer vácuo sem contaminar o
sistema. A solução veio do professor Gama. Enquanto o trap não fosse
recolocado, durante o processo de fazer vácuo, deveríamos chegar a uma
pressão baixa, fechar a câmara, injetar argônio e refazer o vácuo. Repetindo estes
passos algumas poucas vezes faz o processo seguro novamente.

Quanto à precisão do SQUID, encontramos em seu manual referência à medida


de temperatura e do campo magnético. No modo em que estávamos trabalhando,
que é chamado de normal, pois há um outro chamado “resolution mode”, a
precisão é de 1 gauss. Já a temperatura, acima dos 20K tem um erro, δT / T ,
menor que 0,01%. Para temperaturas abaixo desta interferem a baixa capacidade
térmica da câmara de amostras, entre outros fatores, mas de qualquer forma o
erro nesta faixa de temperatura não é comentado. Em todo caso, os erros de
calibração devem, sem dúvida, superar os mencionados pelo manual, mas não é
do alcance deste relatório, ou deste projeto, tentar quantificar o erro de um
equipamento tão sofisticado como o magnetômetro SQUID.
Quanto à difração de raios-X, por ser um composto, consideramos apenas as
linhas de maior intensidade como significativas, de onde vieram as informações
apresentadas.

22
Estudo do Efeito Magnetocalórico em Compostos FeMnP0,45As0,55

Observações

Todas as análises metalográficas foram feitas com a amostra como polida, no


microscópio óptico Neofot 32 Zeiss, do Laboratório de Baixas Temperaturas do
IFGW. As imagens foram selecionadas e capturadas com o auxílio do Professor
Gama.
Os polimentos foram realizados nas politrizes deste mesmo laboratório e com o
auxílio da técnica Cleuza Barnabé.
As medidas de difração de raios-X foram realizadas pela equipe do professor
Lisandro Pavie Cardoso, do Laboratório de Raios-X do IFGW.
O manuseio do forno foi auxiliado, principalmente pela doutoranda Ariana de
Campos e pelo Dr. Adelino de Aguiar Coelho.
As medidas feitas no magnetômetro SQUID também foram auxiliadas por este
último.

Conclusão e próximos passos

Mesmo sem termos obtido o composto como gostaríamos, mais homogêneo e


com a temperatura de Curie pouco mais alta, estou aprendendo as técnicas de
caracterização, assim como o manuseio do forno.
Em seguida pretendemos fazer uma outra tentativa de evitar o problema com o
óxido de boro, fazendo uma “cama” de pó de alumina dentro do cadinho,
esperando que o óxido reaja com o pó e não com o cadinho. Também estamos
pensando na hipótese de utilizar um cadinho de carbono vítreo.

Referências e Artigos estudados

[1] O. Tegus, E. Bruck, K. H. J. Buschow and F. R. de Boer, Nature 415, 150


(2002).
P. J Von Ranke, Ciência Hoje 155, 26 (1999).
V. K. Pecharsky, K. Gschneidner, Journal of Magnetism and Magnetic Materials,
200 (1999) 44-56.

23

Você também pode gostar