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O GLOBO localiza duas pessoas que


viram assassinato de Marielle e
Anderson Gomes
11-15 minutos

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RIO - O relógio digital da esquina das ruas Joaquim Palhares e João


Paulo I, no Estácio, local de iluminação precária, marcava 21h14m,
do último dia 14, quando um Cobalt prata fechou um carro branco,
que quase subiu o meio-fio. A violência com que o motorista do
primeiro veículo abordou o segundo, numa curva em direção à
Tijuca, chamou a atenção de duas pessoas que estavam a cerca de
15 metros da cena. Uma delas aguardava o sinal fechar para
atravessar o cruzamento. Ambas contam que o motorista do veículo
branco, um Agile, reduziu a velocidade, na tentativa de não subir a
calçada. O susto viria em seguida: o passageiro sentado no banco
traseiro do Cobalt abriu a janela, cujo vidro tinha uma película escura,
sacou uma pistola de cano alongado e atirou. O som da rajada soou
abafado. Numa manobra arriscada, o veículo do agressor deu uma
guinada e fugiu pela Joaquim Palhares, cantando pneus. Só depois
de o carro das vítimas parar, mais à frente, os dois se deram conta
de que testemunharam os assassinatos da quinta vereadora mais
votada no Rio, Marielle Franco (PSOL), de 38 anos, e de seu
motorista Anderson Pedro Gomes, de 39. No Agile branco, estava
ainda uma assessora parlamentar, que escapou com vida.

LEIA MAIS: Diante de Pezão, viúva de Marielle diz que as mãos do


governador ficarão sujas de sangue até solução do crime

Marielle: investigação deve ter 'olhar acurado' sobre atuação política,


diz secretário de Segurança

As duas testemunhas do crime foram localizadas pelo GLOBO e


revelaram dados como horário e local exatos, detalhes da
abordagem, rota de fuga dos criminosos, além de características do
autor dos disparos. Elas não foram ouvidas pela Delegacia de
Homicídios da Capital (DH), que investiga o crime, e contaram que,
logo depois dos assassinatos, policiais militares do 4º BPM (São
Cristóvão) chegaram ao local e ordenaram que todos se
afastassem, com exceção da sobrevivente do veículo atacado.
Alguns agentes sugeriram, segundo uma das testemunhas, que
todos fossem para casa.

— Foi tudo muito rápido. O carro dela (Marielle) quase subiu a


calçada. O veículo do assassino imprensou o carro branco — diz a
testemunha, apontando para o meio-fio com algumas marcas. — O
homem que deu os tiros estava sentado no banco de trás e era
negro. Eu vi o braço dele quando apontou a arma, que parecia ter
silenciador.

LEIA TAMBÉM: Assassinatos de Marielle e Anderson completam


duas semanas e seguem sem respostas

Após morte de Marielle, governo promete reforçar programa que


protege ativistas

As versões das duas testemunhas, que não se conhecem e


conversaram com o jornal separadamente, são idênticas. Elas
disseram não ter visto um segundo carro na emboscada contra a
vereadora, embora câmeras de rua tenham flagrado um possível
segundo veículo, na saída de um evento onde Marielle estivera na
Lapa.

— Não consegui ver os integrantes do carro de quem atirou. Quando


ouvi a rajada, não sabia o que fazer. Depois dos tiros, o carro do
assassino saiu disparado nesta reta — disse a testemunha,
apontando para a Rua Joaquim Palhares, que desemboca na
Avenida Francisco Bicalho, via que permite acesso rápido à Avenida
Brasil ou à Ponte Rio-Niterói. — Cheguei a aguardar por alguns
minutos no local, mas os PMs mandaram as pessoas irem para
casa. Disseram para procurarmos o que fazer. Vi os policiais
comentando que era uma vereadora. Liguei para a minha família, que
mandou eu sair de lá, com receio que eu também me complicasse.
Fiquei com medo e desisti de falar o que vi — afirmou a testemunha.

O relato de que o motorista do Cobalt prata jogou o veículo contra o


Agile, dirigido pelo motorista da vereadora, pode explicar a reação de
Marielle pouco antes de ser atingida pelos tiros. A assessora, em
depoimento, disse que a ouviu dizer “ué?”, com surpresa. As duas
viajavam juntas no banco de trás. A sobrevivente, em seguida,
escutou o barulho de uma rajada e um “ai”, dito pelo motorista,
Anderson. Distraída ao celular, a assessora não percebeu o carro
dos assassinos. Atingida por quatro tiros — três deles na cabeça —,
Marielle tombou sobre a assessora, que precisou se desvencilhar
para puxar o freio de mão, porque o carro, embora em velocidade
baixa, seguia pela Rua João Paulo I. Ao todo, o carro foi alvejado por
13 tiros.

Dezoito dias após os assassinatos de Marielle e Anderson,


autoridades na área de segurança pública não têm dúvidas sobre a
complexidade do caso. O próprio secretário de Segurança, general
Richard Nunes, afirmou, durante entrevista à Globonews na última
quinta-feira, que “é inegável” que as investigações caminhem para
uma motivação relacionada à atuação política de Marielle Franco. Um
investigador do caso relatou ao jornal que estão sendo considerados
projetos da vereadora e conflitos relacionados à atividade legislativa,
apesar de ela nunca ter recebido ameaças. O mesmo agente
afirmou que ela defendia pautas que contrariavam interesses de
grupos, inclusive de milicianos.

O crime, que ganhou até o noticiário internacional, expôs graves


falhas no sistema de policiamento, que prejudicam a investigação de
homicídios, como, por exemplo, o fato de a câmera no cruzamento
das ruas Joaquim Palhares e João Paulo I não ter gravado as
imagens do atentado. Segundo a CET-Rio, ela serve para a
contagem de veículos e para regular o tempo dos sinais. O
equipamento só envia dados para o controlador de trânsito.

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INFRAESTRUTURA DEFICIENTE

Segundo o chefe da Casa Civil do governo Marcelo Crivella, Paulo


Messina (PRB), há 11 câmeras da prefeitura no trajeto percorrido
pelo Agile onde estavam as vítimas, da Rua dos Inválidos, no Centro,
onde a vereadora participou de um evento na Casa das Pretas, até o
local do crime. Quatro delas não funcionavam, e nenhuma é de alta
resolução.

— O Centro de Operações (COR) nunca teve um viés de


segurança. Esse caso mostra a necessidade de criarmos um órgão
ligado à segurança pública, com videomonitoramento. Temos
câmeras de trânsito suficientes, mas faltam equipamentos de alta
resolução — disse, informando que a prefeitura dispõe de 596
câmeras na cidade.

As quatro câmeras enguiçadas fazem parte de um total de 200


doadas pelo governo federal à prefeitura na Olimpíada de 2016. O
contrato de manutenção dos equipamentos não foi renovado. O
problema só foi percebido quando, durante as fortes chuvas de
fevereiro, os técnicos não puderam avaliar a situação dos pontos que
mais alagaram. Messina conta que, por causa disso, solicitou que a
CET-Rio passasse a fazer o serviço de manutenção.

A Imagem Rio, que faz para a prefeitura a manutenção de cinco das


11 câmeras do trajeto, garante que todos os equipamentos sob sua
responsabilidade estão operando. A Secretaria de Segurança, que
também tem câmeras na região, mas não revela quantas são,
assegurou, por meio de sua assessoria, que todas funcionam.

Até ontem, o Disque Denúncia recebeu 76 ligações pelo telefone


2253-1177.

Especialista em segurança pública e ex-capitão do Bope, o


antropólogo Paulo Storani afirmou que já tinha alertado para o fato de
que segurança pública não se faz só com homens nas ruas:

— Segurança pública não é só a presença policial nas ruas. Precisa


investimento em infraestrutura. Em qualquer lugar do mundo, o
sistema de câmeras reduz a necessidade da presença do agente e
ajuda nas investigações. As câmeras com alta resolução para ver
detalhes, como placas, são imprescindíveis para elucidar crimes.
Tivemos chance de ter o que há de mais moderno em tecnologia
com a Copa e os Jogos, mas cadê o legado?

No rastro das lutas da vereadora


Rio das pedras: Ela era contra verticalização que interessaria à
milícia

Marielle apoiou um grupo de mulheres de Rio das Pedras que se


posicionaram contra um projeto de verticalização da comunidade da
Zona Oeste. Os desalojados iriam para prédios populares. Há
informações de que a milícia se beneficiaria com a cobrança de
taxas. Fontes do município, que desistiu do projeto, negam que ele
tivesse apoio de grupos paramiliatres da região.

LEIA AINDA: Mulheres, negras, LGBTs e favela: com seus projetos,


Marielle representava minorias na Câmara

Guarda municipal armada: Veredora dizia ter impedido uso de arma


não letal

Em pronunciamento no plenário da Câmara Municipal, em 31 de


outubro do ano passado, Marielle disse que barrou a aprovação de
uma emenda que daria uma brecha para armar a Guarda Municipal
do Rio. Ela chegou a publicar o vídeo no Facebook e postar no
Twitter : "Bala de borracha, bombas de gás e efeito moral, e armas
de choque podem, sim, ser letais!".

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Abusos no Alemão: Denúncia de que PMs tinham invadido 11 casas


de moradores

De janeiro a abril do ano passado, soldados lotados na UPP foram


acusados de invadir 11 casas de moradores da comunidade Nova
Brasília, no Complexo do Alemão. Os policiais militares alegaram a
necessidade de erguer bases para se protegerem dos tiros.
Acionada por uma rede de ativistas, Marielle fez discursos na tribuna
da Câmara Municipal para denunciar a suposta arbitrariedade.
Mortes em Acari: No facebook, acusou PM de agressões e
execução de dois jovens

Quatro dias antes de morrer, a vereadora publicou críticas ao 41º


BPM (Irajá) sobre os abusos contra moradores da favela de Acari, na
Zona Norte. Na postagem, ela dizia: “Nessa semana dois jovens
foram mortos e jogados em um valão. Hoje a polícia andou pelas
ruas ameaçando os moradores. Acontece desde sempre e com a
intervenção ficou ainda pior”.

Álbum de retratos de Marielle Franco

Entrevista com os pais da vereadora Marielle Franco,


assassinada há duas semanas no Centro do RioFoto: Márcia
Foletto / Agência O Globo
Foto de Marielle Franco na infânciaFoto: Márcia Foletto /
Agência O Globo
Marielle e sua irmã caçula, Anielle, na infânciaFoto: Márcia
Foletto / Agência O Globo
Marielle e a mãe dela, que é formada em DireitoFoto: Márcia
Foletto / Agência O Globo

Festa de debutante para 300 pessoas de Marielle, quando os


pais gastaram R$ 15 mil para fechar o Clube de
BonsucessoFoto: Márcia Foletto / Agência O Globo
Marielle aos 9 anos, segurando uma sombrinha colorida, em um
estúdio fotográfico de João Pessoa, onde ela e a irmã
costumavam passar as férias escolaresFoto: Márcia Foletto /
Agência O Globo

Marielle com o ex-marido, quando se casaram. Ela foi


abandonada pelo marido no dia 3 de janeiro de 2004, quando já
estava na PUC-RioFoto: Márcia Foletto / Agência O Globo
Festa de casamento de Marielle, que se separou em 2004,
quando já era mãeFoto: Márcia Foletto / Agência O Globo
Arquivo de fotos de Marielle na casa dos pais, próximo à
MaréFoto: Márcia Foletto / Agência O Globo
Foto da infância de Marielle Franco, vereadora assassinada
junto com o motorista no Centro do RioFoto: Márcia Foletto /
Agência O Globo

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