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CADERNOS IPPUR

Publicação semestral do Instituto de Pesquisa e Planejamento


Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro

Editora O CADERNOS IPPUR é um periódico


Ana Clara Torres Ribeiro semestral, editado desde 1986 pelo Instituto
de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regio-
Comissão Editorial nal da UFRJ. Dirige-se ao público acadêmico
Ana Clara Torres Ribeiro interdisciplinar formado por professores,
Fania Fridman pesquisadores e estudantes interessados na
Helion Póvoa Neto compreensão dos objetos, escalas, atores e
Hermes Magalhães Tavares práticas da intervenção pública nas dimen-
Pedro Abramo sões espaciais, territoriais e ambientais do
desenvolvimento econômico-social. É dirigi-
Assessoria Técnica
do por um Conselho Editorial composto por
Ana Lúcia Ferreira Gonçalves professores do IPPUR e tem como instância
Conselho Científico de consultação um Conselho Científico inte-
grado por destacadas personalidades da pes-
Alain Lipietz (CEPREMAP-FR)
quisa urbana e regional do Brasil. Acolhe e
Aldo Paviani (UNB)
seleciona artigos escritos por membros da
Bertha Becker (UFRJ) comunidade científica em geral, baseando-
Carlos de Mattos (PUC-CHI) se em pareceres solicitados a dois consulto-
Celso Lamparelli (USP) res, um deles obrigatoriamente externo ao
Clélio Campolina (UFMG) corpo docente do IPPUR. Os artigos assina-
Hélène Rivière d’Arc (CNRS-FR) dos são de responsabilidade dos autores, não
Inaiá Moreira de Carvalho (UFBA) expressando necessariamente a opinião do
Leonardo Guimarães (UFPB) corpo de professores do IPPUR.
Lícia do Prado Valladares (UNIV.LILLE-
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CADERNOS IPPUR
Ano XX, N o 2
Ago-Dez 2006
Indexado na Library of Congress (E.U.A.)
e no Índice de Ciências Sociais do IUPERJ.

Cadernos IPPUR/UFRJ/Instituto de Pesquisa e Planeja-


mento Urbano e Regional da Universidade Federal
do Rio de Janeiro. – ano 1, n.1 (jan./abr. 1986) –
Rio de Janeiro : UFRJ/IPPUR, 1986 –

Irregular.
Continuação de: Cadernos PUR/UFRJ
ISSN 0103-1988

1. Planejamento urbano – Periódicos. 2. Planejamen-


to regional – Periódicos. I. Universidade Federal do Rio
de Janeiro. Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano
e Regional.
EDITORIAL

No presente, têm sido profundamente desestabilizados os fundamentos materiais e


político-ideológicos do planejamento urbano e regional. No que concerne ao terri-
tório, observam-se, por exemplo, a desigual extensão das novas redes técnicas e a
regionalização privada. Quanto ao Estado, constatam-se o deslocamento da ação
no sentido de favorecer os investimentos estrangeiros e a implementação de políticas
sociais de cunho compensatório. Com relação à economia, multiplicam-se os mo-
delos que procuram sintonizar o novo, tais como os referidos ao planejamento es-
tratégico, aos arranjos produtivos locais, à logística territorial e ao desenvolvimento
endógeno.

Sem dúvida, a reorganização do capitalismo na escala mundial, que é subjacente a


essa desestabilização, tem imposto um trabalho teórico contínuo a pesquisadores
do campo do planejamento urbano e regional. Trata-se de um amplo investimento,
não isento de polêmicas, na proposição de conceitos que permitam apreender os
sentidos mais amplos das mudanças socioespaciais em curso. As grandes cidades
constituem o epicentro desse investimento, já que os impactos da globalização eco-
nômica rompem as formas de cooperação e a concentração espacial de recursos
que caracterizaram as fases anteriores do capitalismo.

Emergem, atualmente, novas escalas de realização da economia, que mesclam o


urbano e o regional, ao mesmo tempo que surgem novos regionalismos, indicativos
dos rumos tomados pela atualização da ação político-administrativa. Na América
Latina, e particularmente no Brasil, o ajuste, ainda que parcial, a tendências globais
tem estimulado a releitura das desigualdades espaciais. Qual é o novo conteúdo
das disparidades regionais? Quais são os novos determinantes das desigualdades
intra-urbanas? Como os atores políticos têm assumido os desafios do presente? Quais
são as potencialidades trazidas pelas novas tecnologias para o desenvolvimento
regional? Como a legislação tem acompanhado a dinâmica espacial da economia?

Os artigos publicados neste número dos Cadernos IPPUR tratam essas e outras ques-
tões relacionadas ao ajuste periférico às condições trazidas pela globalização eco-
nômica. Acredita-se, como indicado no segmento “Rumos da pesquisa”, que o
tratamento dessas tendências pode ser enriquecido por estudos que valorizem tanto
a história do pensamento social dedicado às questões urbano-regionais quanto a
cuidadosa escuta das múltiplas vozes que expressam leituras sociais do presente.
Trata-se da necessária articulação entre o esforço teórico dedicado ao novo e o exame
de processos que demonstram a complexidade e a vitalidade do espaço herdado.
CADERNOS IPPUR

Ano XX, No 2 SU MÁ R I O
Ago-Dez 2006
Artigos, 7
Edward W. Soja , 9
Algunas consderaciones sobre el concepto de
ciudades-región globales
SECRETÁR IA
Vera Lúcia Silva Cruz Alberto de Oliveira
Jorge Natal, 45
REVISÃO GERAL E PROJETO GRÁFICO Questão regional, Estado e desenvolvimento no
Claudio Cesar Santoro século XX – “olhares” fluminenses a partir dos
“interesses” do Rio
CAPA
André Dorigo Marcos Antônio Mattedi
Ivo Marcos Theis, 69
Lícia Rubinstein
Inovação e desenvolvimento: uma análise
ILUSTRAÇÃO DA CAPA comparativa de dois programas de novas
Imagem da direita: Barranquilla, tecnologias em Santa Catarina
Colômbia. Foto de Óscar A. Alfonso R. Óscar A. Alfonso R., 93
(2007). Economía política del desarrollo inmobiliario
residencial, Colombia 1950-2005
Imagem da esquerda: Alegoria à
“evolução urbana” de Porto Alegre,
incluída em livro de autoria de Edvaldo Rumos da Pesquisa, 117
Pereira Paiva, publicado em 1943. João Farias Rovati , 119
Desenho de Deusino Varela. Evolução urbana no Rio Grande do Sul:
trajetórias intelectuais
Anita Loureiro de Oliveira , 137
Música e ação no Rio de Janeiro a partir dos
anos 1990: vozes insurgentes na cidade
Ar tigos
Algunas consideraciones sobre el
concepto de ciudades-región
globales *

Edward W. Soja

Introducción
En tan sólo unos pocos años una históri- canzado implica una concentración ex-
ca frontera humana como es la demo- traordinaria de población y, sin lugar a
gráfica se ha visto desbordada. Por dudas, una concentración aún mayor de
primera vez en la historia, la mayoría de poder social, económico, político, y cul-
la población mundial vive actualmente tural, en alrededor de 400 áreas urbani-
desparramada en extensas regiones zadas en continua expansión que han
metropolitanas de más de un millón de sido descritas por la literatura especializa-
habitantes. Lo que es nuevo no es preci- da como ciudades-región globales 1.
samente que la mayoría de los habitantes
de nuestro planeta viva en asentamien- ¿Qué son las ciudades-región globa-
tos urbanos de diverso tamaño, pues pro- les y por qué han llegado a ser tan pro-
bablemente ha sido así durante muchas minentes en el mundo contemporáneo?
décadas. El nuevo umbral que se ha al- ¿Qué distingue a las ciudades-región con

* A Comissão Editorial dos Cadernos IPPUR agradece à revista Ekonomiaz, do Departa-


mento de Fazenda e Administração Pública do Governo Basco, a possibilidade de publicar
este artigo.
1
El término ciudad región (sin guión entre las palabras) es el que se utilizará a lo largo del
texto, excepto cuando se haga referencia a escritos en los que expresamente se usaba el
término ciudad-región. La ausencia de el guión entre ciudad y región, no obstante, no
significa que desaparezcan las connotaciones del término con guión, tales como la creciente
convergencia entre las escalas regional y urbana o la sutil llamada al viejo concepto de
ciudad-estado.

Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XX, No 2, 2006, p. 9-43


10 Algunas consideraciones sobre el concepto de ciudades-región globales

proyección global de conceptos afines zación que han estado transformando la


como ciudad mundial o ciudad global? metrópoli moderna durante los últimos
¿Cómo y por qué las ciudades-región treinta años, ligando el concepto de ciu-
global plantean nuevos desafíos a la go- dad-región global a lo que he descrito
bernanza regional, la planificación, y la como la transición postmetropolitana
política pública? Abordaré estas cuestio- (Soja, 2000). El tercer rasgo definitorio
nes bajo tres enfoques, intentando refle- recombina de forma original lo global y
jar los tres componentes del término lo urbano en el contexto de lo que se
compuesto: global; ciudad y región. Co- denomina el Nuevo Regionalismo (NR)
menzaremos con una discusión sobre la Defenderé que el componente regional
globalización y sus efectos sobre las ciu- del concepto de ciudades-región globa-
dades y áreas metropolitanas, rastreando les es su rasgo más distintivo y analítica-
el surgimiento del concepto de ciudades- mente significativo. La discusión concluye
región global del discurso de la globali- con un comentario conciso sobre la utili-
zación, al menos parcialmente. dad del concepto de ciudades-región glo-
bal en el orden de la planificación del
A esto seguirá un examen más con- desarrollo urbano y regional.
creto de los nuevos procesos de urbani-

Efectos de la globalización
El proceso de desarrollo y globalización y procesos de urbanización no es por lo
de las grandes ciudades se ha producido tanto nueva. La economía de mercado
a lo largo de muchos siglos 2. A lo largo ha acumulado capital a escala mundial
del siglo XVI Amberes era, por ejemplo, desde sus inicios. Precisamente los Paí-
el centro más importante de la econo- ses Bajos surgieron como nación a través
mía europea. También Londres y Áms- de su papel crucial en el centro estraté-
terdam, eran ya ciudades globales en gico de la economía mundial en el siglo
dicho siglo y concentraban los flujos XVI. Pero eso no quiere decir que una
mundiales del comercio y las finanzas. economía mundial sea una economía
Casos todavía más tempranos de globa- global. Es ahora cuando está surgiendo
lización urbana pueden encontrarse en una economía global. Desde al menos
ciudades comerciales, imperiales, y re- el comienzo de los sesenta ha habido
ligiosas a lo largo y ancho del mundo una creciente toma de conciencia de que
entero. La ligazón entre la globalización está habiendo una aceleración pronun-

2
Entre los años 800 y 1000, las ciudades europeas con más de 20.000 habitantes pasan
de 25 a 35, para llegar a más de 100.000 en 1300. Si en el año 800 las ciudades supe-
riores a 50.000 habitantes son apenas 2 y 4 en el año 1000, en 1300 son 12 y serán 21
en 1500. como dice Jan de Vries, cuanto más avanzamos en la Edad Moderna registra-
mos la formación de un “sistema de ciudades” que cubre Europa occidental como las
intersecciones de una telaraña cada vez más tupida.
Edward W. Soja 11

ciada en la globalización del capital, el El aumento de los flujos globales de


trabajo y la cultura, y que esta globali- trabajo y capital y la concentración de
zación intensa está teniendo efectos sig- estos flujos en ciertas áreas urbanas ha
nificativos sobre las ciudades y la vida propiciado la extensión de poblaciones
urbana en todo el mundo. El primer metropolitanas hasta alcanzar unas pro-
paso para entender cabalmente el con- porciones hasta ahora inauditas, como
cepto de ciudades-región globales es por ejemplo, donde en Asia oriental
analizar someramente la globalización varias regiones urbanizadas (ciudades-
y su impacto sobre las ciudades. región) han alcanzado, si no lo han so-
brepasado ya, los cincuenta millones de
Por economía global entendemos habitantes. Más allá de la contribución
una economía que funciona como uni- a esta expansión demográfica sin pre-
dad en tiempo real a escala planetaria. cedentes de las poblaciones metropoli-
Una economía donde los flujos de capi- tanas, la globalización también ha sido
tal, los mercados laborales, los mercados un factor de primer orden en la creación
de materias primas, la información, los de ciudades culturalmente diversas y
productos básicos, la gestión y la organi- heterogéneas y económicamente im-
zación, en fin, las principales funciones portantes, como nunca antes se había
del sistema están internacionalizados e conocido en el mundo, lo que ha en-
interconectados en todo el planeta, aun- trañado cambios fundamentales no sólo
que de forma asimétrica, y caracteriza- en la geografía metropolitana, sino en
dos por una integración desigual de las los procesos de planificación y toma de
diferentes áreas del planeta al sistema decisiones políticas.
global. La globalización de la economía
está asociada a un proceso de reestructu- También hemos asistido a un cam-
ración productiva y reorganización terri- bio significativo de las relaciones de las
torial en la que las distintas empresas y ciudades con su entorno, en gran parte
ámbitos espaciales se aprestan a activar debido a los efectos geográficamente
sus propios recursos para no quedar al desiguales de la globalización y al impac-
margen o poder competir con éxito en to de las nuevas tecnologías de informa-
un mundo cada vez más interconecta- ción y comunicación (TIC). Las ciudades
do. Por ello los efectos de globalización han expandido el alcance geográfico de
sobre las ciudades y el desarrollo urbano sus interacciones y se han estructurado
pueden analizarse en dos niveles: inter- jerárquicamente según criterios no sim-
no y externo. En el interior de las ciuda- plemente de tamaño demográfico, sino
des y las regiones metropolitanas, la sobre todo según el grado de control de
globalización ha desempeñado induda- los flujos transnacionales de capital, traba-
blemente un papel clave en la reconfi- jo, información, y comercio, ejercido a
guración de la organización social y través de centros decisorios establecidos
espacial de la metrópoli moderna y en en las mismas ciudades. En la medida
el cambio de algunas condiciones bási- en que hay una creciente interacción y
cas de la vida contemporánea urbana. por ende una creciente influencia mutua
12 Algunas consideraciones sobre el concepto de ciudades-región globales

según sus posiciones relativas dentro de y aún más, el fin de la geografía como
esta jerarquía global, los acoplamientos una fuerza moldeadora de la actividad
interurbanos a los que asistimos cada vez económica y de la vida contemporá-
con más frecuencia superan las fronteras nea. 3 En los últimos años, los efectos
nacionales sustituyéndose los lazos esta- desiguales de la globalización económi-
blecidos a larga distancia por aquellos ca dentro y entre las ciudades han esta-
más cercanos que se dan entre ciudades do en el origen de numerosos protestas
del entorno. Esta madeja de vínculos in- y revueltas urbanas dirigidas en su
terurbanos va mucho más allá de los tra- mayoría contra la globalización en mar-
dicionales compromisos y acuerdos entre cha. Independientemente del impacto a
“ciudades hermanas” y su objetivo es li- largo plazo que pueda tener, está claro
diar con asuntos de gran alcance como que la toma de decisiones y los proce-
la son la inversión transnacional, el co- sos de planificación local, así como la
mercio, el turismo, la producción indus- vida diaria en ciudades, se está viendo
trial, o los intercambios culturales. cada vez más afectado por el desarrollo
cada vez más intenso.
En el desarrollo de este proceso no
es difícil imaginar en el futuro grandes Uno de los primeros en advertir esta
áreas regionales de actividad económica nueva configuración en curso tanto in-
más o menos especializadas. Grandes terna como externa de las ciudades y sus
circuitos de condensación de actividades vínculos con los procesos de globaliza-
económicas en servicios comerciales y ción fue el teórico de planificación John
bancarios, actividades manufactureras Friedmann 4, un investigador puntero de
varias, mercados de capitales, centros de toda la vida en el campo de desarrollo
extracción-producción y transporte de urbano y regional quien a finales de los
energía, agriculturas especializadas, etc. años setenta examinó las tendencias
Y no hay muchas razones que hagan principales que afectaban a las ciudades
pensar que esos procesos podrán ser y regiones en el mundo entero y, con
detenidos por las fronteras nacionales Goetz Wolff, publicó un artículo en 1982
existentes. Estas tendencias han llevado titulado “La formación de Ciudad Mun-
a algunos observadores a especular dial: una agenda para la investigación y
sobre la aparición de un “mundo sin la acción” 5. Este trabajo iniciaría un de-
fronteras” del “final del estado nación” bate animado sobre la globalización de

3
Ver Ohmae (1990, 1995); O’Brien (1992).
4
La primera gran publicación en usar el término “ciudad mundial” fue Las ciudades
mundiales de (ahora Sir) Peter Hall, publicada en Londres por Weidenfeld and Nicolson
en 1966. Sin embargo, esta referencia no fue directamente relacionada con los efectos de
la globalización.
5
Friedmann y Wolff (1982). Ver también Friedmann (1986, 1995). Para una continuación
de esta tradición de investigación de la ciudad mundial, ver las ricas y extensa páginas web
de Globalization and World Cities Group and Network (GaWC) en <http://www.lboro.ac.uk/
gawc>.
Edward W. Soja 13

las ciudades que finalmente jugarían un el término ciudad global, definido y di-
papel importante en el desarrollo del fundido más convincentemente a partir
concepto ciudad-región global. del trabajo de Saskia Sassen (1991,
1993). Bajo la influencia de Friedmann,
La “hipótesis ciudad-mundial” como de la teoría de sistemas mundiales, y de
la denominó tan clarividentemente Fried- las hipótesis de corte sociológico del
mann, examinaba desde la perspectiva postindustrialismo, Sassen centró la aten-
del activista social los efectos nefastos de ción sobre la polarización social y el in-
la globalización cada vez más evidentes tenso crecimiento económico causado
sobre las condiciones de vida urbana, por la concentración de poder financiero
sobre todo con respeto a la polarización en un cada vez más pequeño grupo de
creciente entre las expansivas ciudade- “centros de mando” globales, lo que
las del poder financiero y político y los podría llamarse los nodos controladores
guetos comprimidos de los pobres. Tam- espaciales de una economía global que
bién centró la atención sobre dos fenóme- no cesa de ampliarse. Esto tenía el efec-
nos: la red global que ha ido surgiendo to de estrechar la definición de ciudad
y la jerarquía de ciudades y regiones global, concentrando la atención sobre
metropolitanas que afectaban de modo las tres grandes “ciudades del capital mun-
significativo al “sistema mundial” de re- dial” (Londres, Nueva York, y Tokio), las
laciones de poder económico y político, llamadas plazas financieras mundiales, y
reforzándolo, y enturbiando en alguna enfocar la atención en el papel determi-
medida los acuerdos internacionales nante del capital financiero en la forma-
entre el Primer y el Tercer Mundo. Este ción tanto la estructura interna como de
enfoque del desarrollo de las urbes y el las conexiones externas de las principales
énfasis en el alcance regional de las rela- regiones metropolitanas del mundo.
ciones entre ciudades, así como su inte-
rés en la combinación de la cara positiva El concepto de Sassen de ciudades
y negativa de la globalización, esto es, globales también desvió la atención lejos
los efectos positivos sobre el crecimiento del proceso de reestructuración indus-
económico, el comercio o el consumo y trial en curso y de las perspectivas espa-
los decididamente negativos sobre el ciales y regionales que eran centrales al
bienestar, la igualdad y el medio ambien- concepto de Friedmann. Incluso con
te marcaría y alimentaría el debate sobre mucha más fuerza, apartó la atención
ciudades mundiales a lo largo de muchos del creciente grupo de geógrafos y plani-
años. ficadores que estudiaban en la Universi-
dad de California, Los Ángeles (UCLA) 6,
El concepto de ciudades mundiales las reestructuraciones urbanas y econó-
seguiría influyendo en el trabajo de pla- micas que estaban teniendo lugar. En
nificadores y geógrafos, pero el término un entorno tan rápidamente cambiante
específico ciudad mundial fue eclipsado como Los Ángeles, la UCLA era el cen-
en la literatura académica y popular por tro de investigación empírico para los

6
Para obtener una breve idea del trabajo de este grupo, ver Soja, Morales y Wolff (1983).
14 Algunas consideraciones sobre el concepto de ciudades-región globales

estudiosos de la ciudad global, incluyen- y la publicación dos años más tarde del
do a Friedmann, mientras que Nueva estudio Global City-Regions, compila-
York era el centro principal de los que ción de las conferencias corregidas por
apostaban por un enfoque más socio- Allen J. Scott (2001), organizador prin-
lógico y financiero. cipal del congreso y figura prominente
del colectivo de investigadores urbanos
Diferentes contextos de investiga- y regionales de la UCLA. Entre los par-
ción ayudaron a crear prioridades dife- ticipantes y autores capitales estaban los
rentes y puntos de vista divergentes al mencionados padres de las nociones de
estudiar la globalización de ciudades. ciudad-global y ciudad mundial (Peter
Aquellos que se centraban en Nueva Hall, John Friedmann, Saskia Sassen),
York y Londres tendieron a adoptar la especialistas prominentes en economía
versión más cómoda de la tesis de socie- internacional con un interés particular
dad postindustrial, que ve la ciudad glo- en la evolución de ciudades y regiones
bal como una ciudad desmantelada (Kenichi Ohmae, Michael Porter), finan-
industrialmente y dominada por el po- cieros como el Presidente de Banco
deroso sector terciario FUEGO 7 (finan- Mundial James Wolfensohn, y otros in-
zas, seguro, bienes inmuebles). Al vestigadores especialistas en la formación
contrario, el colectivo agrupado entorno de ciudades-región globales provenien-
a Los Ángeles veía no el final del indus- tes de Quebec y Ontario, San Paulo y
trialismo y el ascenso de una economía Mombasa, Corea y Japón, Estambul y
basada en los servicios, sino más bien Brasilia, además de Los Ángeles.
un proceso de reestructuración indus-
trial y la aparición de una nueva era in- El capítulo primero que fijaba el pro-
dustrial marcada por una transición del grama de investigación de Global City-
modelo fordista (consumo masivo, gran- Regions fue escrito conjuntamente por
des escalas de producción, cadena de cuatro geógrafos y planificadores de la
montaje, homogeneidad de producto, UCLA que han jugado papeles claves
etc.) a la industrialización postfordista en el desarrollo de la teoría urbana y
urbana. El grupo de investigadores de regional: Allen Scott, Edward Soja,
Los Ángeles era también decididamente Michael Storper, y John Agnew.
partidario de un enfoque más espacial
y expresamente regional, un énfasis que Aquí reproduzco un extracto de este
conduciría más directamente al concep- capítulo marco.
to de ciudad-región global.
El concepto de ciudades-región glo-
La afirmación y defensa más pode- bales puede remontarse al de “ciudades
rosa del nuevo concepto de ciudades- mundiales” de Hall (1966) y Friedmann
región globales ocurrió en el transcurso y Wolff (1982), y al de las “ciudades glo-
de una conferencia internacional que bales” de Sassen (1991). Sobre estos
tuvo lugar en UCLA en octubre de 1999, esfuerzos pioneros, construiremos uno

7
Juego de palabras en inglés: FIRE (finance, insurance, real estate).
Edward W. Soja 15

nuevo, tratando de ampliar el significado camente vacío atravesado solamente


del concepto base, mediante nuevas por flujos de capital e información aes-
perspectivas económicas, políticas, y te- paciales? Esta antítesis entre la reorde-
rritoriales, y por encima de todo nos es- nación de la economía mundial basada
forzaremos para mostrar cómo las en lo espacial y territorial y la basada
ciudades-región funcionan cada vez más en flujos internacionales parece respon-
como nodos esenciales espaciales de la der a dos lógicas contrapuestas, a dos
economía global y como actores políti- estrategias o tendencias que están dán-
cos singulares sobre la escena mundial. dose simultáneamente: la lógica domi-
De hecho, muy lejos de haberse disuelto nante, sin anclaje territorial, marcada por
como objetos sociales y geográficos por la gran empresa trasnacional que ha
los procesos de globalización, las ciuda- cambiado el modo de producción for-
des-región se hacen cada vez más cen- dista por el de empresa-red, pero cuyo
trales en el tejido de la vida moderna, y patrón de competitividad sigue apoyán-
aún más en tanto que la globalización dose en la explotación de recursos ge-
(en combinación con las oleadas de néricos (capaces de permitir reducción
cambio tecnológicos) ha reactivado su de costes/precios), pero que son más
importancia como base para todas las fáciles de sustituir. La otra estrategia,
formas posibles de actividad producti- adoptada por sistemas territoriales de
va, sea la manufactura o los servicios, la alcance regional y local integrados por
tecnología avanzada o los sectores de pequeñas y medianas empresas que
tecnología sencilla. En la medida en que cooperan a la vez que compiten y que,
estos cambios han comenzado a definir merced a las actuaciones llevadas a cabo
su curso, se ha hecho gradualmente más por un tejido de agentes sociales e insti-
evidente que la ciudad en el sentido tuciones, son capaces de convertir los
estricto es una unidad cada vez menos recursos genéricos en otros específicos
idónea o viable de organización local y (cultura organizativa, capacidad de ges-
social en comparación con las ciudades- tión, redes sociales, cualificación y for-
región o las redes regionales de ciuda- mación de recursos humanos), más
des. En este proceso, sostenemos que difíciles de reproducir ya que requieren
las ciudades-región globales han surgido de un anclaje territorial por lo que es-
como una clase nueva y críticamente tán sirviendo como referente teórico.
importante en el ámbito geográfico e
institucional, (Scott, 2001, p. 11-12). ¿Cómo han respondido las ciudades
y regiones con nuevas formas de organi-
El capítulo comienza con algunas zación económica y social a la globali-
preguntas espinosas. ¿Por qué las ciu- zación, y que nuevos problemas han
dades-región globales están creciendo surgido como consecuencia? ¿Cuáles
tan rápidamente al mismo tiempo que son las principales tareas de gobernanza
algunos analistas afirman que el final de que enfrentan las ciudades-región globa-
geografía está a la vista y el mundo se les? ¿Pueden las áreas menos avanzadas
va convirtiendo en un espacio geográfi- económicamente del mundo enjaezar las
16 Algunas consideraciones sobre el concepto de ciudades-región globales

ventajas potenciales del desarrollo mun- reducido la importancia del espacio y


dial de ciudades-región globales a sus geografía en sí mismos y de las perspec-
propias ventajas competitivas y recur- tivas territoriales en el análisis en la me-
sos? ¿Cómo están siendo desafiadas las dida en que los intensos flujos globales
nociones tradicionales de democracia y de información, capital, trabajo, y la cul-
ciudadanía por la aparición de ciuda- tura erosionan fronteras territoriales, las
des-región globales? Los subtítulos prin- identidades individuales y colectivas y
cipales del capítulo incluyen el Nuevo los apegos sentimentales a lugares parti-
Regionalismo en el contexto global, las culares, ciudades, y regiones. Aquí argu-
ciudades-región como los motores de la mentaremos justo lo contrario. A pesar
economía global, la geografía social de de la enorme importancia de los flujos
ciudades-región globales, nuevas cues- que recorren diariamente la economía
tiones de gobernanza en ciudades-región mundial, la globalización y las nuevas
globales, las ciudades-región globales en TIC lejos de relegar el papel de lo terri-
países en vías de desarrollo, y desafíos torial y local está provocando que el
ideológicos y políticos en el nuevo siste- espacio, la localización geográfica, las
ma mundial. redes de ciudades como nodos espacia-
les, el desarrollo territorial, las ciudades
Este programa de trabajo representa y regiones, y el regionalismo adquieran
mucho más que un cambio nominal del una importancia creciente en el mundo
análisis de la globalización urbana y del contemporáneo. A través del concepto
concepto de ciudades globales. Señala de ciudades-región global, la globaliza-
una nueva conceptualización mucho ción, la urbanización, la industrializa-
más amplia y ambiciosa. Refleja sobre ción, y el desarrollo económico, social,
todo y afirma convincentemente el re- y político, se analizan conjuntalmente
surgimiento del interés por la importan- como procesos fundamentalmente de
cia del espacio y de la perspectiva naturaleza espacial y regional.
espacial, sobre todo en el estudio de
procesos de globalización. Hay que re- En este marco se ratifica también la
cordar que hasta hace bien poco la co- importancia de la producción industrial
rriente dominante de la economía no y de “todas las formas de actividad pro-
había prestado ninguna atención a la ductiva”, independientemente de que
geografía. 8 sean en la industria o en los servicios. Se
trata de señalar una clara ruptura con las
Mucho se ha escrito sobre cómo la ideas postmodernas y su representación
globalización y las TIC (Internet) han ideológica de la sociedad postindustrial

8
En las universidades y manuales, la economía se describe sin ciudades y regiones, se trata
de una economía esencialmente incorpórea donde cuestiones tales como las causas de la
urbanización, las razones de por qué la actividad económica tiene lugar en un determinado
lugar geográfico, el por qué los centros comerciales o financieros se crean en determinados
puntos espaciales y no en otros, y en general el papel que desempeña la localización física
espacial en las decisiones económicas brillan por su ausencia.
Edward W. Soja 17

y su exagerado énfasis en la importancia 1988). La globalización del capitalismo


del sector servicios. Las ciudades-región urbano industrial está lejos de culminar,
globales son todavía manifestamente la pero ha cambiado considerablemente la
expresión del capitalismo urbano indus- tradicional división internacional de tra-
trial, ahora más vigoroso si cabe por el bajo y la clara división existente entre el
embate de una fuerza geográfica e insti- Primero, el Segundo, y el Tercer Mundo
tucional nueva cada vez más importante que hubo durante la mayor parte del
en la economía global. Como Scott y pasado siglo.
otros han estado argumentando durante
muchos años, el sector manufacturero (la A escala global o internacional, los
industria) sigue siendo todavía un bastión mejores ejemplos de esta difusión selec-
de las economías urbanas, regionales, tiva son los conocidos por el acrónimo
nacionales, y globales, especialmente inglés NIC (Países Recién Industrializa-
cuando se piensa en la aparición de im- dos), incluyendo la incorporación más
portantes sectores económicos nuevos reciente del llamado “Tigre celta” irlan-
como la producción de herramientas y dés. Irlanda es actualmente la tercera eco-
servicios de información (hardware y soft- nomía más rica de Europa después de
ware), servicios avanzados a la empresa Noruega y Luxemburgo. Pero también
(financieros y tecnológicos), la industria podemos encontrar muchos ejemplos de
de la cultura y la de las artes creativas. NIR (Regiones Recién Industrializadas).
A escala subnacional, se observa un
Tras el énfasis en la reestructuración fuerte ascenso del llamado Sunbelt en
urbana e industrial hay una perspectiva EE.UU. y el desarrollo de la llamada
distinta y característica del proceso de Tercera Italia, localizada entre el alta-
globalización en sí mismo. Se argumenta mente industrializado norte y el atrasado
que el rasgo que más distingue la actual sur agrícola, es otro ejemplo llamativo.
fase de globalización no es la extensión A escala de región metropolitana, tene-
del comercio internacional, el alcance mos el caso mundialmente renombra-
global del capital financiero o la inver- do del Silicon Valley en California pero
sión extranjera directa, sino que es es- existen otras muchas concentraciones de
pecíficamente la difusión selectiva de las producción de tecnología avanzada y de
formas avanzadas de producción urba- empleo muy cualificado que se han de-
na industrial. La globalización en este sarrollado en zonas anteriormente subur-
sentido ha sido asociada con la creación banas, las llamadas áreas “greenfield”.
de “nuevos espacios industriales” en
muchas escalas territoriales diferentes, La expansión de estas formas avan-
extendiendo las formas avanzadas de zadas de industrialización hacia nuevas
industrialización y las condiciones carac- localizaciones ha venido acompañada
terísticas de las sociedades urbanas in- por otra forma de “inversión de roles”
dustriales a áreas donde muy poco de de las regiones, en la medida en que
esto existía antes de las crisis urbanas y regiones en otro tiempo dinámicas como
otras que marcaron los sesenta (Scott, el Cinturón Manufacturero Americano,
18 Algunas consideraciones sobre el concepto de ciudades-región globales

la región noroeste de Inglaterra o la han sido notablemente conformados por


cuenca alemana del Ruhr han vivido esta nueva relación.
una desindustrialización selectiva y se
han visto obligadas a re-organizar sus No hay que olvidar que la extensión
economías regionales para evitar el de- geográfica de formas avanzadas de in-
clive industrial sostenido. Un proceso dustrialización hacia nuevas áreas ha
similar se ha producido en el vaciamien- sido acompañada por la profunda des-
to de las concentraciones industriales en industrialización de regiones tradicio-
los núcleos centrales urbanos de ciuda- nales de industria en lo que puede
des como Detroit y Cleveland. llamarse una auténtica “inversión de pa-
peles” desempeñados por las regiones.
Sostenido por los flujos masivos Regiones industriales históricas que go-
transnacionales e interregionales de tra- zaban de una larga prosperidad como
bajo, capital, comercio, y la informa- el Cinturón Manufacturero Americano,
ción, esta reestructuración compleja el Noreste Inglaterra, o el Ruhr alemán
industrial ha creado una nueva y muy fueron intencionadamente desindustria-
diferente relación entre la globaliza- lizadas con criterio selectivo y forzadas
ción, la industrialización, y los procesos a reorganizar sus economías a fin de
de urbanización. El desarrollo desigual evitar un pronunciado declive económi-
de ciudades, regiones, y economías co. Un proceso similar está asociado al
nacionales a través del planeta, así vaciamiento de las concentraciones in-
como la aparición del concepto y la dustriales en ciudades de economía for-
realidad de ciudades-región globales, dista como Detroit y Cleveland.

Transformaciones urbanas
Las ciudades y regiones metropolitanas postfordista, flexible, global, etc.; y c) el
de todo el mundo han estado experi- impacto de la revolución de los TIC.
mentando significativos cambios duran- Estas tres fuerzas motrices han contribui-
te los últimos treinta años. Mientras do de manera fundamental a configu-
continúa todavía el debate en cuanto a rar la metrópoli moderna, un proceso
si estos cambios han sido realmente que he descrito como la transición
transformadores y en qué medida, sin postmetropolitana (Soja, 2000). Al igual
embargo parece haber unanimidad en que el estudio de globalización, el aná-
que tres fuerzas interrelacionadas son lisis de los procesos de reestructuración
principalmente las responsables de esta urbanos traza un camino esclarecedor
reestructuración urbana: a) la globaliza- del concepto de ciudades-región globa-
ción de capital, el trabajo, y la cultura; les. Las reglas del juego económico-fi-
b) la formación de una Nueva Econo- nanciero en vigor refuerzan un orden
mía definida de formas diversas como territorial crecientemente polarizado en
Edward W. Soja 19

núcleos atractores de recursos, capitales el de las ciudades-región emergentes.


y población y áreas de abastecimiento Tampoco hay que ignorar comporta-
y vertido que se despliega tanto a escala mientos de carácter “horizontal” que
global como regional y local. El nuevo trascienden a las economías territoria-
orden metropolitano resultante es fértil les y se producen en un ámbito mundial
en paradojas: se solapan mercados glo- como son las estrategias de las grandes
bales y economías de archipiélago, fe- empresas trasnacionales o las finanzas
nómenos de integración a gran escala y internacionales (banca y mercados).
de exclusión socioeconómica, de cone- Toda clase de actividad o acontecimien-
xión y de fragmentación territorial. to urbano, tanto si está engarzada a la
producción, al consumo, al comercio, al
La metrópoli moderna tal como entretenimiento o la cultura, tiene en
existió en los años sesenta se ha hecho algún sentido un carácter no sólo local
cada vez más “indelimitable” en varios sino también global, dando lugar a tér-
sentidos de este término. Más que nunca minos híbridos como “glocalización”
antes, el alcance de la ciudad se ensan- para describir las interconexiones cre-
cha hacia fuera extendiéndose a escala cientes entre lo global y lo local 9.
global. El interior metropolitano (hinter-
land) ya no será definido exclusivamen- Mirado de un modo diferente, al
te por las fronteras próximas trazadas por mismo tiempo que la ciudad-región glo-
la vida cotidiana, los viajes de cercanías bal se extiende por el mundo entero, éste
que diariamente se hacen al lugar de tra- a su vez también la está influyendo in-
bajo, el empleo de medios de comuni- tensamente, creando los espacios más
cación y transporte o las identidades heterogéneos urbanos que jamás hayan
residenciales. Los “límites de ciudad” existido. Es como si la metrópoli moder-
han explotado en escala y en alcance. na hubiera estado girando sobre sí mis-
Hasta llegar al nivel mundial hay toda ma simultáneamente de dentro afuera
una escala espacial que se inicia en lo y, al revés, de fuera adentro, haciendo
local y asciende hacia regiones de nue- que lo que asociamos con la ciudad y
va configuración, estados y conjuntos el urbanismo como un “estilo de vida”
supraestatales integrados. No se trata de aparezca por todas partes mientras al
una visión estática, sino de una realidad mismo tiempo que lo cosmopolita
histórica evolutiva, en proceso de cam- (“todas partes”) cada vez más se hace
bio acelerado. Hay múltiples relaciones presente en la ciudad. En este sentido,
entrecruzadas entre todos esos niveles, se puede decir que cada lugar sobre la
el comportamiento de la economía tierra, desde el Amazonas a la Antártida,
mundial condiciona, de modo diverso, está siendo al mismo tiempo globaliza-
a las economías particulares; pero, a su do y urbanizado, aunque en intensida-
vez, viene determinado por el de los des muy diferentes. Pareciera que el
principales espacios económicos o por mundo como un organismo de cambios
9
Para una especial discusión y autocrítica del término glocalización, ver Erik Swyngedouw
(1997).
20 Algunas consideraciones sobre el concepto de ciudades-región globales

y contagios se haya puesto en acción. capital proveniente de una inversión


Las ciudades necesitan proyectarse fuera mundial revigorizada. Mientras la ciudad
de si mismas y las que no se expandan interior está siendo configurada de nue-
fuera de sus tradicionales límites, termina- vo, también ha comenzado lo que puede
rán por perder la identidad que desean ser descrito como la urbanización de su-
preservar y acabarán pos ser englobadas burbios (otro concepto aparentemente
en el universo territorial de otras más paradójico). Lo que antaño fueron los
poderosas. Crecer o morir parece ser la anillos externos concéntricos y homogé-
nueva divisa de la modernidad. El intento neos de las metrópolis se ven hoy salpi-
de conservar las tradicionales actividades cados por ciudades-margen (edge
económicas o las particularidades de go- cities) 10 densamente pobladas, tecnó-
bierno evitando una expansión territorial polis, y otros descomunales polos de
o la asociación e integración en unidades concentración de trabajo externos a la
territoriales mayores, ciudades-región glo- ciudad.
bales, termina por no hacer viable su su-
pervivencia. En la transición entre la metrópoli y
la postmetrópoli, el foco típicamente
Un movimiento en espiral similar monocéntrico de la región metropolita-
parece estar ocurriendo dentro de la re- na se ha hecho cada vez más policéntri-
gión metropolitana al estar siendo afec- co o multinodal. Una vez que distintas
tada por las fuerzas de globalización, la concentraciones urbanas han ido es-
reestructuración económica, y las nue- parciéndose y multiplicándose desde el
vas tecnologías. En un paradójico pro- centro hacia los suburbios y han comen-
ceso de deconstrucción selectiva y zado a estabilizarse como aglomeracio-
reconstitución todavía en curso, la me- nes periféricas el predominio de la
trópoli moderna ha sido desindustriali- ciudad central se debilita. Lo que ante-
zada e industrializada de nuevo, se ha riormente eran fronteras relativamente
descentralizado y centralizado de nuevo, claras entre la ciudad y la periferia, lo
en intensidades y mezclas sumamente urbano y lo no urbano, el urbanismo y
variadas. La transición postmetropolita- el suburbanismo como modos de vida
na toma muchas formas diferentes en claramente diferentes se hacen cada vez
espacios urbanos diferentes. Muchos más difusos y difíciles de distinguir en
centros urbanos densamente poblados, la medida en que surgen las nuevas
por ejemplo, se han “ahuecados hacia redes de interacción y la ciudad fluye
fuera”, perdiendo población y empleos, sobre el suburbio y viceversa. Lo que
mientras otros han logrado lo contrario está surgiendo de estos cambios puede
densificarse y rellenarse de nuevo con describirse como un proceso de urbani-
la afluencia de emigrantes globales y de zación regional. Asistimos a una reno-

10
Las ciudades-margen (J. Garreau, 1992) describen los inmensos centros comerciales,
centros de convenciones y complejos de oficinas que se extienden por las áreas suburbanas
de las ciudades norteamericanas que compiten con sus tradicionales centros comerciales
y financieros.
Edward W. Soja 21

vación del papel de las regiones y las a la polarización social, intensificando


ciudades como lugar de toma de deci- muchos de los problemas identificados
siones y foro de autonomía política; las por Friedmann a finales de los años
ciudades-región están claramente sur- 1970. La marcha hacia lo supranacio-
giendo como guías y fuerzas motrices en nal empaña y difumina las identidades
la construcción de la nueva sociedad nacionales, las barreras sociales y eco-
mundial. nómicas provocando una polarización
social y territorial que se proyecta no
Uno de los ejemplos más notables solo dentro de los países sino también
de urbanización regional se encuentra dentro de las ciudades, haciendo que,
en la ciudad-región Los Ángeles. En los por ejemplo, la esperanza de vida en los
años 1960, el área urbanizada de Los barrios desfavorecidos de Nueva York
Ángeles estaba entre la menos densa de o Los Ángeles caiga por debajo incluso
todas las áreas principales metropolita- de la media de los países más pobres.
nas de EE.UU. Hacia 1990, sin embargo, La polarización social avanza así de la
ésta había ya sobrepasado el área urba- mano de la segregación espacial y cultu-
nizada de Nueva York convirtiéndose en ral, amenazando con romper el espacio
la más densa del país. Mientras más de de vida colectivo, de libertad, apertura
un millón de residentes blancos y ne- y de civismo que en su día fue o preten-
gros abandonó el centro de la ciudad, dió ser la ciudad. Durante los últimos
no menos de cinco millones de nuevos treinta años, no sólo se ha ido ensan-
emigrantes lo inundaron, creando una chando la brecha entre ricos y pobres
densidad poblacional en el viejo cora- en las ciudades principales estadouni-
zón urbano parecida a la de Manhattan. denses (encabezado por Los Ángeles y
Al mismo tiempo, al menos tres ciuda- Nueva York), sino también se ha pro-
des externas, la más grande situada en ducido una reducción significativa del
el Orange County, crecieron desboca- tamaño de la clase media, con unos
damente en barrios periféricos de los pocos afortunados (comúnmente defi-
suburbios, elevándose allí también los nido como el yuppy) que han logrado
niveles de densidad demográfica. No es, ascender por la escala de ingresos mien-
por tanto, sorprendente que el concepto tras un número mucho más grande cae
de ciudad-región global se ha desarro- hacia las filas crecientes de los trabaja-
llado a partir de sus fuertes raíces en Los dores urbanos pobres. Incluso donde
Ángeles. hay fuertes sistemas de bienestar de
lucha contra la pobreza y la exclusión
La creciente urbanización regional que han amortiguado esta polarización
a escala mundial y el proceso de transi- de ingresos, como en la mayor parte de
ción histórica que están experimentando la Unión Europea, las ciudades se han
las ciudades han venido indisoluble- ido dividiendo cada vez más política y
mente asociados con la crisis de las iden- culturalmente. Han sido sobre todo los
tidades culturales y nacionales y con las conflictos entre poblaciones domésticas
desigualdades crecientes que conducen e inmigrantes el eje fundamental de la
22 Algunas consideraciones sobre el concepto de ciudades-región globales

discordia. Las grandes ciudades euro- de alarmas, gruesos muros defensivos re-
peas están concentrando en sus periferias matados con espiral de pinchos y cables
a la abrumadora mayoría de los millo- electrificados, entradas blindadas, garitas
nes de inmigrantes de la última década y armadas en las esquinas de las zonas
de ciudadanos de minorías étnicas (hijos residenciales. En fin, barrios, residencias,
e hijas de inmigrantes). La ocupación del casas y propiedades transformados en
territorio urbano por la nueva pobreza y baluartes fortificados con cámaras de vi-
los colectivos desarraigados están alimen- gilancia omnipresentes. 11
tando las olas de racismo y xenofobia
que están sacudiendo las instituciones Todas estas transformaciones urbanas
nacionales y de la nueva Europa. han tenido el efecto adicional de entur-
biar otro límite, el que de manera con-
En este contexto de desigualdades y vencional se conocía como las escalas
polarizaciones cada vez más profundas, urbana y regional-metropolitana. Antes
de creciente heterogeneidad cultural era bastante fácil distinguir lo urbano de
(consolidación de sociedades multiétni- lo regional como niveles diferentes de
cas y multiculturales no integradas), y una análisis. En la gran metrópolis moderna
rápidamente cambiante geografía urba- o postmetrópoli, los dos parecen mezclar-
na, la postmetrópoli que todavía está en se de muchos modos diferentes. Así, la
proceso de desarrollo se ha convertido estructura simple de la metrópoli moder-
en un espacio sumamente volátil, apa- na, con su clara división entre urbano y
rentemente listo para explotar bajo sus suburbano, su estructura monocéntrica
nuevas contradicciones. Esto ha provo- basada en el modelo núcleo-periferia se
cado que por todo el mundo, se expanda ha hecho añicos y se ha transformado en
una verdadera globalización, a lo que un abigarrado conjunto de formas nue-
Mike Davis ha llamado “el urbanismo vas y todavía inestables de en tres me-
obsesionado por la seguridad” y la “eco- tropolitanos de naturaleza multinivel y
logía de miedo” (Davis, 1990). La amal- policéntricos, en un regionalismo com-
gama de inseguridades y de amenazas plejo y asimétricamente conectado en
conduce a situaciones anímicas en las red, una amalgama de grandes regiones
que el encapsulamiento y la exclusión multiculturales estructurada entorno a
pasan a ser la primera ley de superviven- ciudades de distinta posición jerárquica.
cia. La arquitectura se ocupa entonces del Esto también nos plantea quizás el rasgo
control urbano, la vida urbana en cual- más definitivo del concepto de ciudad-
quier lugar del mundo se fortifica cada región global, centrar su foco de atención
vez más detrás de complicados sistemas en las regiones y el regionalismo.
11
Los Ángeles, ciudad presentada como una especie de laboratorio en que contemplar
ciertas tendencias de los macroprocesos de metropolización actualmente en marcha:
desindustrialización y deslocalización a escala gigantesca y reindustrialización, externalización
de la mano de obra, tematización, desarticulación de la dialéctica centro-periferia, etc. Es
una guerra de baja intensidad contra y entre las bandas, que ha convertido Los Ángeles
en una ciudad en estado de excepción permanente, en la que la policía goza de poderes
desmesurados que usa para imponer un auténtico régimen de terror.
Edward W. Soja 23

El Nuevo Regionalismo
Orígenes del Nuevo ignorar, la existencia de niveles inferio-
Regionalismo res en los que el sistema económico glo-
bal que va configurándose opera de
El renacer y afianzamiento del NR ha forma diferenciada, segregando toda una
estado estrechamente relacionado con el nueva gama de interacciones entre lo
interés en redes y nodos y el papel de la internacional, los espacios o bloques eco-
aglomeración urbana e industrial, (los nómicos, las nuevas regiones intra e in-
clustering) en la generación de fuerzas de terestatales, los estados y las localidades.
creatividad e innovación en las econo- El proceso de articulación del espacio de
mías regionales. La estructura interna de la economía mundial es por lo demás
las regiones o, más expresamente, de la complejo12. No solo se aumenta el alcan-
ciudad-región global está compuesta por ce de las nuevas formas regionales como
redes de nodos urbanos de tamaños di- se ha dicho sino también la diversifica-
ferentes conectados unos a otros por flu- ción de los nexos, la extensión y tipolo-
jos de personas, bienes, información, gía de las relaciones.
inversión de capital, ideas, etc. A escala
global, forman un mosaico, un archipié- En esta economía global ¿cuál es el
lago de ciudades-región que cubren casi nivel que debemos considerar primario:
la superficie de toda la tierra y está organi- municipios, regiones, estados, bloques
zado en una estructura jerárquica fluida económicos o en el extremo superior la
de acoplamientos interregionales. Cada economía mundial? No existe un crite-
vez más, estas redes de ciudades-región rio objetivo que proporcione una res-
compiten con las economías y mercados puesta indiscutible, por lo que hay que
nacionales como fuerzas conductoras del recurrir a una convención, más o menos
desarrollo de la economía global. arbitraria, establecida en función de lo
que nos interese investigar. Tradicional-
El concepto ciudad-región global mente se parte del espacio de los esta-
está más directamente arraigado al resur- dos, las economías nacionales, por
gir del interés por las regiones y el regio- considerarlas centro gravitacional de
nalismo que al estudio de globalización todo el funcionamiento, porque han
y su impacto sobre la reestructuración sido a lo largo de al menos los dos últi-
urbana y metropolitana. El énfasis en el mos siglos los espacios económicos bá-
plano mundial de las transformaciones sicos, donde además, reside la mayor
económicas en curso, es decir, el estudio riqueza de información. Pero optamos
de la globalización no puede hacernos por considerar lo más relevante los
12
Aun cuando llegásemos a la conclusión de que existen niveles diferenciados dentro de la
economía mundial, se suscitarían nuevos problemas. ¿Qué grado de dinámica específica
tienen esos niveles? ¿Cómo se interrelacionan? ¿Es posible establecer tipologías significa-
tivas de su interdependencia? ¿Cómo caracterizar la inserción de los niveles regional y
local en el proceso de globalización? ¿Cuál es su margen de libertad? ¿Hasta qué punto es
posible aumentarlo y a través de qué medidas?
24 Algunas consideraciones sobre el concepto de ciudades-región globales

subespacios en ellos contenidos, de ám- la formación del sentido teórico y prác-


bito regional y local, cuya articulación tico de la globalización, la reestructura-
influye en la configuración de las econo- ción económica, el cambio tecnológico,
mías nacionales y que son, a la vez, ca- y otros procesos que conforman la vida
paces de establecer relaciones directas de contemporánea. El sostén del NR es una
nuevo tipo con otros territorios incluso teorización significativamente nueva de
más allá de las fronteras nacionales los conceptos claves de región y regio-
donde se hayan. No hay pues ningún nalismo de la que a continuación vamos
plano, mundial, estatal, regional o local, a presentar alguna reflexión relevante.
exclusivo y excluyente que en el mundo
actual pueda identificarse como el pri- El regionalismo en el sentido más
mordial. Por el contrario existen dinámi- amplio del término es una forma de lo-
cas económicas significativas en todos los grar mayor visión teórica y conocimien-
niveles mencionados. El grado de con- to práctico de las regiones, una creencia
sistencia como sistema de cada nivel y la pragmática activamente defendida de
articulación actual y tendencial entre los que las regiones son instrumentos útiles
distintos niveles sistémicos detectados se para alcanzar una amplia variedad de
convierte en una cuestión central. Lo que objetivos. Estos objetivos pueden ser in-
afirma el NR es que la dimensión regio- ducir un desarrollo económico más rá-
nal de la globalización y los procesos de pido y equitativo, el mejoramiento de
urbanización son con mucho lo más im- la eficacia administrativa, la promoción
portante de las transformaciones en mar- y defensa de la identidad cultural, el real-
cha. Es la perspectiva regional la que zar la democracia participativa y la re-
absorbe y define fundamentalmente la presentación política, la conservación
interacción entre globalización, urbani- del medio ambiente natural, y el estímu-
zación, industrialización, y desarrollo, y lo de la innovación y la creatividad.
establece el concepto de ciudad-región Como forma de propugnar y afirmar, un
global como fundamento de una forma programa defiende la acción colectiva.
particular de análisis e interpretación. Por ello el NR es intrínsecamente políti-
co, esto es promueve ideas, organizacio-
Durante las tres últimas décadas, nes, e identidades regionales en modos
hemos asistido a no sólo una vuelta pro- y formas que a menudo no encajan fácil-
nunciada multidisciplinar hacia el pen- mente dentro de las estructuras políticas
samiento y el análisis espacial, sino existentes. Esto conecta el regionalismo
también a un desarrollo estrechamente con los temas de la gobernanza, y sobre
relacionado con las perspectivas espe- todo con las dimensiones territoriales o
cíficamente regionales. Este NR, como espaciales de gobierno, la administra-
ha venido a llamarse, ha estado jugando ción, el control social, y la recreación del
un papel particularmente importante en medio ambiente sea natural o creado 13.

13
La conexión entre regionalismo y gobernanza territorial se remarca en la raíz latina regere,
que significa dirigir o gobernar sobre un espacio definido. De ahí han derivado términos
como régimen, regir, regentar, regular y la propia región.
Edward W. Soja 25

Como se ha dicho la globalización situada entre la escala subnacional y la


de la economía está asociada a un pro- supraurbana, es decir a regiones geográ-
ceso de reestructuración productiva y fico-económicas o estados regionales
reorganización territorial en las que em- como Quebec y Cataluña, así como a
presas y ámbitos espaciales se aprestan regiones metropolitanas, como el Gran
a activar sus propios recursos para no Montreal o Barcelona. La ciudad-región
quedar al margen o poder competir con global puede ser vista sentándose a hor-
éxito en un mundo cada vez más inter- cajadas sobre estas dos formas, entre el
conectado. La estrategia adoptada por estado y la ciudad. El término región
múltiples sistemas locales integrados por también puede ampliarse conceptual y
pequeñas y medianas empresas que analíticamente para describir todo tipo
cooperan a la vez que compiten y que, de dominios espaciales organizados y
merced a las actuaciones llevadas a cabo delimitados, desde las “burbujas” espa-
por un tejido de agentes sociales e insti- ciales personales que rodean el cuerpo
tuciones, son capaces de convertir los humano, que definen la más íntima re-
recursos genéricos en otros específicos gión geográfica, y ascendiendo por una
(cultura organizativa, capacidad de ges- escala de formas geográficas intermedias,
tión, redes sociales, cualificación y for- hasta llegar al planeta Tierra, la región
mación de recursos humanos), más más grande ocupada por los humanos.
difíciles de reproducir ya que requieren
de un anclaje territorial están sirviendo Pensamiento programa de acción e
como referente teórico en programas de identidad regional están pues estrecha-
desarrollo regional. Esta estrategia, en mente asociados con conceptos y teorías
la que el territorio pasa de ser escenario de naturaleza geográfica. Esta conjun-
a convertirse en protagonista de los pro- ción de regiones y escalas diversas pue-
cesos de desarrollo, responde como se de ser expresada en una declaración
verá al modelo de distrito industrial o axiomática u ontológica que describe la
sistema productivo local para explicar el especialidad como dimensión funda-
éxito de las áreas de industrialización mental de vida humana. La existencia
difusa del centro y nordeste de Italia. Se de todos los seres humanos se desarro-
trata de ámbitos donde la proximidad lla en nesting of nodal regions (regio-
espacial, las relaciones interempresa- nes de nidos nodales), comenzando con
riales y las redes socio-institucionales la región móvil del propio cuerpo y si-
favorecen la aparición y difusión de co- guiendo el movimiento hacia arriba por
nocimientos convirtiendo a los distritos el ambiente construido de habitaciones,
en áreas potencialmente innovadoras, casas, vecindarios, barrios, etcétera hasta
lo que explica su consideración como llegar a ámbitos más y más grandes.
territorios emergentes en la lógica pro- Mientras el significado específico, el nú-
ductiva actual. mero de estas escalas y su influencia
sobre nuestras vidas varían de un lugar
A menudo, el término región ha sido a otro, de cultura a cultura, y cambian a
usado solo para referirse a una zona gris lo largo de la historia, hay siempre un
26 Algunas consideraciones sobre el concepto de ciudades-región globales

sistema de nidos nodales que moldean las estructuras geopolíticas y geoeconó-


el comportamiento humano y su existen- micas enraizadas. No estamos, por tanto,
cia. En el mundo moderno, las escalas sólo ante la expansión físico-geográfica
más grande definidas concretamente de la economía de mercado, sino frente
según tales términos son la región me- a la transformación de los espacios so-
tropolitana la región subnacional, el esta- ciales y políticos en los que se asienta,
do nación las regiones supranacionales ante una contradictoria reconfiguración
como la Unión Europea, y finalmente la del espacio social que acaece simultá-
región global. El que a pesar de su indu- neamente en múltiples escalas geográ-
dable influencia en nuestra vida poda- ficas, que no son ni autosuficientes, ni
mos no ser deliberadamente conscientes estancas, ni recíprocamente excluyen-
de esta regionalización multiescalar y en tes. El espacio social global se nos pre-
efecto, todavía se ha escrito relativamente senta como un complejo mosaico de
poco expresamente sobre ello en las cien- nodos, niveles, escalas y morfologías
cias sociales, no deja de reflejar un rasgo superpuestas e interdependientes. El
fundamental de vida humana. proceso de globalización deja de con-
cernir sólo a lo mundial, ya que afecta,
Hay mucho más que decir sobre esta modifica y transforma todos los espa-
regionalidad multinivel omnipresente. cios, haciendo que la territorialidad se
Es importante reconocer, por ejemplo, diferencie de nuevo concretándose en
que este sistema de nidos nodales es una múltiples plasmaciones institucionales.
construcción social y no algo que nos Todo proceso histórico de cambio tiene
venga naturalmente dado. Esto significa lugar a través de la continua producción
que regionalidad y regionalismo al no y transformación de los límites territoriales
sernos dado por la naturaleza pueden establecidos y de las prácticas espaciales
ser ambos socialmente cambiados o re- que contienen. Pero esta capacidad de
formados. Efectivamente, durante la modificar la escala de la territorialidad al-
década pasada, se ha desarrollado una canza un grado cualitativo en la fase ac-
literatura creciente sobre la noción del tual de la globalización y se convierte en
nuevo escalamiento regional o territo- diferencia específica de ésta.
rial, sobre todo en conexión con la glo-
balización creciente y los efectos de la Un ejemplo de estas interrelaciones
Nueva Economía 14. y morfologías solapadas fue discutido
anteriormente al hablar de la posible
La dimensión espacial de la globa- convergencia que enturbia los ámbitos
lización la vemos como una reconfigu- urbano y regional. El otro tiene que ver
ración simultánea de espacios sociales con la reestructuración del estado nación
superpuestos en múltiples escalas geo- y la soberanía nacional en relación con
gráficas, modificación en todas ellas de los regionalismos subnacionales y supra-

14
Para un reciente y excelente estudio sobre este tema, ver Neil Brenner (2004). La obra
de Brenner está directamente relacionada con los trabajos existentes sobre economía
política regional y reestructuración industrial.
Edward W. Soja 27

nacionales, ejemplificados en los deba- vez, capaces de establecer relaciones


tes sobre la distribución de poderes en directas de nuevo tipo con otros territo-
la Unión Europea, en la medida en la rios incluso más allá de las fronteras
que funciones características del poder nacionales donde se hayan. Las regio-
político son ejercidas externamente al nes y el regionalismo en este sentido
territorio sobre el que se ejerce sobera- general pueden así ser vistos como con-
nía o, al menos, son determinadas o ceptos e hipótesis meso-analíticos situa-
condicionadas exógenamente. dos en medio y sirviendo como un
eslabón que vincula los niveles macro
Las distintas escalas regionales y las y micro o, con más precisión hablando
estructuras centro-periferia a su vez a en términos regionales, lo global y lo
menudo están asociadas con los diferen- local. A la vanguardia en el desarrollo
tes niveles de poder o influencia ejerci- del NR ha estado la formación de un
dos sobre nuestras vidas individuales y campo híbrido de economía política re-
colectivas. Tradicionalmente se ha parti- gional, un fértil campo que aporta una
do del espacio de los estados y las eco- visión creativa meso-analítica construida
nomías nacionales, por considerarlas combinando distintas perspectivas de la
centro gravitacional de todo el funciona- economía política urbana e internacio-
miento, porque han sido a lo largo de al nal, ligando estrechamente lo exógeno
menos los dos últimos siglos los espacios (factores incontrolados), o sea las fuerzas
económicos básicos, la escala regional de la globalización que actúan de la
más influyente donde además, reside la cima a la base o de arriba abajo (nivel
mayor riqueza de información. Recien- macro) a lo endógeno, que van de la
temente, la escala global ha aumentado base a la cumbre, de abajo arriba, (nivel
considerablemente en su influencia tanto micro), como son los procesos de rees-
absoluta como relativamente. Esto ha tructuración urbana industrial, desloca-
generado una literatura interesante y lización, etc. Dicho brevemente, el NR
popular sobre el impacto de la globali- es una nueva perspectiva proveniente
zación en la mengua del poder y de la de la interacción de lo global y lo local
soberanía del estado-nación y el desa- vistos ambos no simplemente como un
rrollo de nuevos conceptos de ciudada- dualismo o dicotomía, sino como los es-
nía en una gama que va de lo local a lo labones finales de un encadenamiento
global (ciudadanía cosmopolita), por lo de múltiples escalas regionales inter-
que la naturaleza exclusivamente nacio- medias. Una gama de variantes se confi-
nal de ciudadanía está crecientemente guran como opciones combinables. La
cuestionada (Isin, 2000, 2001). articulación de ese complejo de espacios
intermedios deviene un gran desafío cuya
Pero actualmente lo más relevante existencia se sustenta en un entramado
son los subespacios nacional-estatales, institucional suficientemente enraizado
de ámbito regional y local, cuya articu- y controlado y en diversas ciudadanías
lación influye en la configuración de las simultáneas. Esta articulación no debe
economías nacionales y que son, a la interpretarse como una simple y única
28 Algunas consideraciones sobre el concepto de ciudades-región globales

relación entre lo particular y la totalidad, de fuerzas sociales, económicas, y políti-


lo local y la economía mundial, porque cas subyacentes, conceptuándolo como
en toda dinámica, existe no tanto dilu- un dominio externo, un contenedor en
ción de las relaciones y límites anterio- el cual las cosas pasan, pero raras veces
res como articulación, combinatoria de como una variable independiente, un
planos; local, nacional, 50internacional, factor que influye y moldea todos los
global, perviven, surgen y se combinan demás ámbitos. Las estrategias de de-
de mil maneras, derivándose una com- sarrollo basadas en una red de agentes
binatoria de múltiples articulaciones; sociales e institucionales en la que el
opera en sentido vertical, ascendente en territorio pasa de ser escenario a conver-
escalones sucesivos, con cada nivel rela- tirse en protagonista de los procesos de
cionándose con el inmediato siguiente, desarrollo responden a modelos surgi-
desde lo local a lo mundial, atravesando dos de las propuestas del NR. Se trata
regiones y estados; se forman redes den- de ámbitos donde la proximidad espa-
tro de los mismos niveles (interestatal, cial, las relaciones interempresariales y
interregional, interlocal); aparecen nue- las redes socio-institucionales favorecen
vas instancias, como bloques o regiones la aparición y difusión de conocimientos
transfronterizas, fruto de la integración convirtiendo a las regiones en áreas po-
de estados preexistentes; se establecen tencialmente innovadoras, lo que explica
también, interrelaciones cruzadas, con su consideración como territorios emer-
vinculaciones directas que se saltan los gentes en la lógica productiva actual.
escalones intermedios: de lo local con lo Hoy, la región está siendo concebida de
estatal o directamente con lo mundial manera bastante diferente, y es esta di-
(ciudades mundiales), de lo regional con ferencia lo que más enérgicamente dis-
bloques y mundos (áreas geográficas que tingue la ciudad-región global de otros
agrupan territorios pertenecientes a dis- conceptos relacionados.
tintos estados), etc.
Storper define las regiones como las
Quizás la expresión más poderosa del unidades fundamentales de la vida social,
NR vista desde la óptica de la economía comparable en importancia a la familia,
política regional es el título de una obra el estado, y el mercado como modos y
acertadamente nombrada, El Mundo ámbitos básicos de organizar las socie-
Regional, escrita por Michael Storper dades y las relaciones sociales. Además,
(1996), por lo que no es ninguna mera argumenta que las regiones y el regio-
coincidencia que su autor también haya nalismo son igualmente fundamentales
contribuido considerablemente al desa- como fuerzas motrices para el desarrollo
rrollo del concepto de ciudad-región social, similares en impacto e influencia
global. Como Storper apunta, casi todos a fuerzas sociales tales como la innova-
los enfoques más tempranos del regio- ción tecnológica, la división de trabajo,
nalismo y el desarrollo regional trataron el comportamiento optimizador guiado
la región como una variable casi com- por el lucro y el interés o la libre com-
pletamente dependiente, un resultado petencia de los mercados. En otras pa-
Edward W. Soja 29

labras, las regiones y, en particular, las dencia de las regiones a organizarse


economías regionales cohesionadas y entorno a centros o nodos. La existen-
consistentes, son fuerzas activas y forma- cia de nodos de alta concentración, ca-
ciones sociales singulares que pueden paces de recibir y procesar flujos de
influir considerablemente en nuestras información, recursos financieros, servi-
vidas, tanto positiva como negativamen- cios y de redistribuir eficazmente los
te, a través de modos que van bastante inputs recibidos de centros nodales fun-
más allá de las influencias físicas ambien- damentales que usan su potencial y las
tales, el acceso a los recursos, o las ven- nuevas TIC para extender y profundizar
tajas simples de localización. su alcance mundial es un elemento clave
de la actual regionalidad. El grado de
En ciertas condiciones, las regiones conexión a los nodos es también deter-
o, en palabras de Storper, los “mundos minante de la posibilidad de acceder a
regionales de producción”, pueden ser esos flujos y de las distintas inserciones
vistos como generadores del desarrollo espaciales inducidas. La proximidad e
y el cambio y estímulos de la innovación intensidad de la conexión a un centro
y la creatividad. Esta reformulada visión nodal por lo general trae ventajas com-
de las regiones que ha tenido importan- petitivas (regional). En este sentido, ocu-
tes repercusiones teóricas y prácticas, par una posición central o centralidad
proporciona un fundamento y explica también define su contrario, ocupar una
muy convincentemente el resurgimiento posición periférica (periferialidad o mar-
del interés por las regiones y por el NR ginalidad) entraña potencialmente una
y, de un modo indirecto, manifiesta por desventaja relativa, dando a todas las
qué la “regionalidad” es tan central al regiones al menos una estructura de
concepto de ciudad-región global. La periferia principal superficial. En la nue-
ciudad-región global no es solamente va economía la productividad y la com-
una nueva vuelta de tuerca al concepto petitividad de las regiones, las ciudades
de ciudad global, sino que es un argu- y las ciudades-región está determinada
mento teórico y una actitud reivindicativa por su habilidad para combinar capaci-
para situar a las regiones en primera línea dad de información, calidad de vida y
en el análisis y la interpretación de glo- conectividad a la red de grandes nodos
balización, la formación de una Nueva metropolitanos a escala nacional e in-
Economía, el impacto de nuevas tecno- ternacional.
logías, y el modelo de desarrollo urbano
y metropolitano. La “nodalidad”, o mejor la conecti-
vidad a los nodos centrales del sistema
regional genera ventajas económico
La estructura nodal y las competitivas y estimula las fuerzas del
economías de aglomeración desarrollo de dos modos diferentes por
lo menos. El primero obviamente, pro-
El término nodal acentúa otro aspecto viene de los ahorros de tiempo y energía
fundamental de la regionalidad, la ten- asociados con la acumulación (beneficios
30 Algunas consideraciones sobre el concepto de ciudades-región globales

de aglomeración o clustering) de activi- se han convertido en centro de investi-


dades en el espacio, reduciendo los cos- gación principal de la nueva economía
tes de transacción e información y de política regional. Aquí el análisis va
distancia. Esto ha sido la base de lo que mucho más allá de la difícil estadística
durante mucho tiempo se ha conocido de relaciones input-output para la firma
como economías de aglomeración o individual o para el grupo o sector eco-
economías de localización. Estos aho- nómico para ir al lado más cualitativo
rros y otras ventajas debido a la proxi- de los “mundos regionales de produc-
midad pueden tomar muchas formas: el ción” (Storper) y pone de relieve la im-
aprovisionamiento de materias primas portancia de factores fundamentales del
e inputs de los procesos de producción desarrollo como son los emparentados
(encadenamientos hacia atrás en la ma- como convenciones sociales, fidelidades
triz de interrelaciones), en el acceso a los y compromisos no recogidos en contratos
mercados de consumo y a otros produc- negociados jurídicamente, el pensamien-
tores (encadenamientos hacia adelante), to estratégico reflexivo, y otros activos re-
en la búsqueda de habilidades técnicas gionales específicos.
especializadas y de fuerza de trabajo
cualificada. En términos sencillos, ha- Entre los economistas que más tem-
biendo necesidad de recursos, incluyen- pranamente reconocieron estas ventajas
do el capital humano, tener cerca al menos calculables que provienen de la
alcance de la mano polos de fuerza de aglomeración urbana está Alfred Mar-
trabajo cualificada puede reducir los shall, una figura clave en el estudio de
gastos de producción e inducir crecimien- externo o economías de aglomeración
tos de la eficiencia y la productividad. y la formación de “distritos industria-
les” 15. Marshall vio estas ventajas “en el
Además de estos efectos claramente aire” o la atmósfera de la ciudad y el clus-
visibles de reducción de coste directos ter industrial. Cómo esta atmósfera fun-
de la nodalidad o conectividad (nodali- ciona para estimular la productividad y
ty effects), hay otras ventajas menos tan- el crecimiento eran confusos, pero que
gibles que pueden ser descritas de había algo innegable en la emanación
manera amplia como “efectos de inno- especial de aglomeraciones y se vinculó
vación y aprendizaje”. Estos no sólo a los efectos inducidos de creatividad y
ayudan a reducir los gastos de produc- aprendizaje.
ción, sino que contribuyen al creci-
miento económico continuo y a una Las aglomeraciones territoriales de
expansión económica sostenible. Pode- empresas (clusters) han recibido una
mos referir a estos efectos generados por atención creciente dentro del análisis de
la aglomeración, más difíciles de medir la ventaja competitiva de la empresa.
y de muy complejo funcionamiento, Algunas experiencias empresariales (por
como “economías de urbanización”, y ejemplo: Silicon Valley o la Tercera Italia)
15
Resulta tentador recordar aquí la frase asociada a la vieja Liga de Ciudades Hanseáticas,
siglos atrás “el aire de la ciudad te hace libre”.
Edward W. Soja 31

han aportado importantes fuentes de en el ámbito de todo el distrito. Esta idea


datos y han ayudado a la difusión del ya fue señalada en las economías mar-
fenómeno. Entre los conceptos pro- shallianas y ha venido a confirmarse por
puestos, el de “distrito industrial” puede el aprendizaje colectivo de las aglome-
definirse como “una entidad socio-terri- raciones intensivas en conocimiento
torial que se caracteriza por la presencia como Silicon Valley. En conclusión, la
activa de una comunidad de personas esencia de las concentraciones de em-
y una población de empresas en un área presas se encuentra en los mecanismos
natural e históricamente limitada”. Así colectivos de gestión de recursos huma-
pues, el distrito industrial está compren- nos para desarrollar aprendizajes espe-
dido por numerosas pequeñas empresas cializados y acumular conocimiento.
que desarrollan actividades relacionadas
y que están localizadas en una comuni- En los años 1960, Jane Jacobs per-
dad claramente identificable, donde los cibió claramente los efectos generativos
participantes comparten un sentimiento y creativos de la aglomeración urbana
de pertenencia o identidad común, así y le sacó mucho partido al asunto ha-
como un sistema de valores y creencias. blando “de la chispa” de vida urbana
Aunque el distrito industrial se puede económica. Incluso fue mucho más lejos
considerar como un territorio caracteri- hasta llegar a decir que todo el desarro-
zado por un cluster productivo particular, llo social, desde hace 12.000 años, re-
es preferible una definición socio-econó- montándonos a los orígenes de las
mica del mismo, entendiéndolo como un ciudades y la sociedad agraria, fue ge-
proceso “emergente” más que como nerado por los efectos de aglomeración
una simple localización productiva, re- urbana (Jacobs, 1969). Hoy, algunos
forzando por tanto, la importancia del economistas geográficos se refieren a
contexto social en el mismo. Es un tejido estos efectos que aumentan el capital
de agentes sociales e instituciones, ca- humano en las ciudades como econo-
paces de convertir los recursos genéricos mías o “externalidades jacobsianas”.
en otros específicos (cultura organizati-
va, capacidad de gestión, redes sociales, El NR ha reconquistado las ideas de
cualificación y formación de recursos hu- Marshall y Jacobs y llevado unos cuan-
manos), más difíciles de reproducir ya tos pasos adelante, moviéndolas hacia
que requieren de un anclaje territorial e conceptos todavía no definitivamente
identitario. Recientemente algunos au- formulados pero potencialmente ricos
tores han integrado la literatura de los como “capital espacial” y “economías
distritos industriales con las teorías de de regionalización”. El concepto de dis-
la creación del conocimiento y la inno- trito industrial marshalliano ha influido
vación. Las empresas aglomeradas pre- en nuestra comprensión de la industria-
sentan capacidades para la combinación lización regional en muchas partes del
y recombinación de conocimientos di- mundo, desde la “Tercera Italia” a Sin-
versos. Dentro de los distritos existe una gapur, Bangalore, Silicon Valley o Holly-
dotación de conocimiento compartido wood. En un trabajo reciente, Michael
32 Algunas consideraciones sobre el concepto de ciudades-región globales

Storper (con el economista británico An- impulso que multiplica sus ambiciones.
tonio Venables) avanza estas ideas su- El nuevo espacio urbano acerca entre
brayando la importancia de los contactos sí a las personas, crea oportunidades de
cara a cara en la promoción de innova- contactos anteriormente más esporádi-
ción, creatividad, y el aprendizaje, al cos, homologa culturas y comporta-
menos para ciertas actividades y sectores mientos. La ciudad es el lugar donde el
económicos. Ellos llaman este estímulo trabajo deja de ser sinónimo de servi-
particular que proviene de la aglomera- dumbre, donde lo local y específico se
ción urbana “el zumbido/rumor” y, en el inserta en redes universales que lo obli-
subtítulo original del artículo, lo descri- gan a renovarse para no sucumbir. La
bieron como una parte vital de la “fuerza ciudad es incubadora de modernidad
económica de ciudades” (Storper y Ve- porque es ahí donde se pone en movi-
nables, 2004). En Postmetropolis, sigo a miento una acción recíproca entre eco-
Jane Jacobs cuando se remonta 12,000 nomía y política sin un destino prefijado,
años atrás a la ciudad neolítica (una con- sin una armonía final definible a priori.
tradicción en sus términos para la mayor La ciudad es espejo y espacio de inte-
parte de arqueólogos) y uso el término racciones abiertas. Además es el lugar
antiguo griego synoikismos, traducido en que la concentración de la población
como synekism, para describir el estímulo multiplica posibilidades de coopera-
de la aglomeración urbana y ayudar ex- ción, ocasiones de conflicto y reacciones
plicar la declaración hecha por Jane más rápidas frente a estímulos de diversa
Jacobs que “sin ciudades todos nosotros naturaleza.
seríamos pobres” esto es, que la urbani-
zación ha sido fundamental a todo el La relación mutuamente dinámica
desarrollo social a partir de los principios entre regionalidad y nodalidad, es cap-
mismos de vida sedentaria 16. tada con más eficacia en la investigación
reciente sobre los efectos regionales de
El mundo moderno tiene en la ciu- aglomeración y es susceptible de dar
dad su motor inicial y en el agranda- nuevos significados a lo que muchos
miento de su geografía e influencia el pueden ver como simplemente una adi-

16
“En las ciudades mercantiles nacen nuevos grupos sociales, se perfilan inéditas formas de
conflicto entre sus habitantes y entre ellos y señoríos territoriales que exigen un derecho
patrimonial y de sujeción. Desde adentro de sus murallas o desde los campos abiertos-
donde se enfrentan entre sí, o contra el imperio o contra los turcos- las ciudades son, a lo
largo de siglos, el lugar (real y simbólico) de la ausencia de reposo. Un hormiguero donde
el conflicto prepara un vago gusto por la democracia, y la democracia incipiente el enfermizo
placer de los líderes carismáticos que la asfixian en abrazos demasiados amorosos. La
división del trabajo amplía las fronteras de la eficiencia, el comercio sostiene y extiende
los cambios, el roce cotidiano de los individuos en los angostos espacios urbanos los
fuerza a experimentar formulas inéditas de convivencia y gobierno. Y tal vez haya sido
justamente la distancia entre nuevos problemas y viejas, inadecuadas, respuestas, aquello
que imprimió a los albores de la Edad Moderna sus rasgos de creatividad insatisfecha”
(Ugo Pipitone).
Edward W. Soja 33

ción de ciudad más región. Tal como la espacial, la ciudad-región global o, si se


ciudad y el estado se fundieron para prefiere, la ciudad-región. En cualquier
originar un término compuesto en la caso, el concepto probablemente se
formación de la polis o ciudad-estado ampliará en su empleo e influencia al
hace varios miles de años, la ciudad y mismo tiempo que vayamos compren-
la región han estado caminando juntos diendo el sentido práctico y teórico de
y mezclándose durante al menos los lo que está ocurriendo en las ciudades
treinta últimos años pasados para crear y la vida urbana en el siglo veintiuno.
una nueva formación distintiva socio-

Nuevos desafíos para la gobernanza regional y la


planificación

La discusión del NR y su papel central regionales y economías inteligentes o


en el desarrollo del concepto de ciudad- de aprendizaje (learning economies).
región global que ha surgido en los úl- Mientras sabemos todavía relativamente
timos diez años se ha concentrado poco sobre cómo y por qué una aglo-
principalmente en la revisión de las teo- meración o cluster, o una ciudad-región
rías tradicionales de regiones y regiona- global, se hace más generadora y crea-
lismo. Para concluir, ampliaré la discusión tiva que otra, la necesidad de centrarse
a los usos potenciales del concepto ciu- en la promoción de la capacidad de
dad-región global para promover enfo- desarrollo de las economías regionales
ques más innovadores a la planificación se ha impuesto actualmente como un
del desarrollo urbano y regional y la go- objetivo estratégicamente planificado 17.
bernanza territorial.
Hacer hincapié en la tarea de crear
Las implicaciones de política econó- economías inteligentes, cohesionadas y
mica y planificación práctica más impor- emprendedoras no es suficiente, sin
tantes que pueden extraerse del NR y embargo, puesto que hay muchos de-
del concepto de ciudad-región global safíos adicionales en los ámbitos de la
son en principio relativamente claras. gobernanza regional y la planificación.
Hoy día, el desarrollo regional depende Los efectos positivos sobre el desarrollo
cada vez más de redes intraregionales e que la globalización y la aglomeración
interregionales de aglomeraciones y del de la Nueva Economía inducen se ven
grado en que pueda configurarse para acompañados de otros negativos, cos-
funcionar como sistemas de innovación tes inherentes o implícitos expresados en

17
Ciertamente, el uso de conceptos como clusters, economías de emprendizaje, sistemas
de innovación regional y ciudades creativas como herramientas de planificación, han
avanzado mucho más que el verdadero significado de estas ideas y como funcionan en
contextos del mundo real.
34 Algunas consideraciones sobre el concepto de ciudades-región globales

variadas formas de polarización social y las sociedades capitalistas y las formas


espacial, marginación y exclusión. En tradicionales de racismo blanco-negro
casi todas las 400 ciudades-región glo- sino en realidad con las nuevas condicio-
bales, y quizás sobre todo en aquellas nes que han surgido de treinta años de
que están creciendo más rápidamente, globalización acelerada, de reestruc-
hay signos de una concentración cre- turación económica continua, de impacto
ciente de riqueza y poder en el estracto diferencial de las nuevas tecnologías, de
más rico de la población, una extensión las relaciones entre trabajadores nacio-
del número de pobres, significativas pre- nales e inmigrantes crecientemente ten-
siones económicas sobre la clase media sas, de la extensión de la obsesión por la
tradicional y un crecimiento de los con- seguridad urbana (“ecología del miedo”)
flictos políticos que surgen principal- por el mundo entero, y de otras tenden-
mente de las reacciones nacionales a la cias globales, regionales, y urbanas de las
llegada creciente de inmigrantes. que se ha hablado antes. Pareciera que
las ciudades-región globales del mundo
Tanto si los expresamos como un han estado transformándose partiendo de
problema económico de desigualdad un período de reestructuración generada
económica, moral, de justicia social, o por crisis puntuales y acontecimientos de
sociológico de exclusión social y econó- los años sesenta y principios de los años
mica, esta desigualdad y polarización setenta a un período de crisis intermiten-
intensificada ha tomado nuevos bríos y tes generadas por una reestructuración
urgencia en el mundo contemporáneo permanente provocada por cambios ra-
en todas las escalas geográficas o regio- dicales continuos que han marcado las
nales, desde la global a la local. La de- tres décadas pasadas del siglo XX.
sigualdad, la pobreza, y el desarrollo
desigual se han hecho cada vez cuestio- Estrechamente asociado con todos
nes “glocales” explosivas, provocando estos cambios y acontecimientos econó-
una serie de manifestaciones violentas mico-territoriales hay una crisis creciente
de descontento y rechazo a los efectos de gobernanza territorial. La globaliza-
negativos de la globalización y la Nueva ción y las fuerzas por ella liberadas segu-
Economía. Incluyo aquí no solamente ramente no han producido un mundo
las protestas y manifestaciones con mo- sin fronteras, pero si han producido cam-
tivo de las reuniones internacionales en bios notables del significado de las fron-
Seattle, Génova, y otras ciudades, sino teras territoriales sea cual sea la escala
también los tempranos disturbios que política que consideremos. Esto se ha
tuvieron lugar en Los Ángeles en 1992 debido en gran parte a las velocidades
y los demoledores atentados del 11 de incomparablemente diferentes de los
septiembre de 2001. procesos de reestructuración económica
frente al ritmo parsimonioso de los cam-
Estos acontecimientos se relacionan bios políticos e institucionales. Las es-
no tanto con los desacuerdos estructura- tructuras políticas e institucionales han
les y las características desigualdades de tendido a adaptarse mucho más lenta-
Edward W. Soja 35

mente a las condiciones económicas vimientos sociales y el resurgimiento de


rápidamente cambiantes del mundo las nociones de sociedad civil no sola-
contemporáneo, y han creado lo que mente a escala local, sino también regio-
podrían llamar una brecha o déficit de nal, nacional, y global. La conflictiva
gobernanza. relación nunca resuelta entre mercado
y estado crea nuevas demandas y opor-
Este déficit de gobernanza o desajuste tunidades para el desarrollo de fuerzas
entre los órdenes económicos y políticos, sociales y espaciales localizadas en
se ha entendido de modos bien diferen- medio de ambos polos susceptibles de
tes. Adoptando los términos de la Escuela encarar los fracasos de ambos. Como he
Francesa Regulacionista, podríamos ex- señalado antes, esto estimula en todos
presarlo como el desafío (problema toda- los ámbitos nuevas ideas sobre ciuda-
vía pendiente de resolver) por desarrollar danía y democracia, incluyendo un re-
un modo apropiado de regulación que planteamiento de la misma naturaleza
sea capaz de satisfacer las exigencias de del nacionalismo y del estado nación y
lo que claramente ha devenido en un presiones en aumento para lograr
nuevo y sustancialmente diferente ré- mayores niveles de democracia local y
gimen de acumulación capitalista. Algo regional 18.
similar es captado en la metáfora de Cas-
tells del fluido espacio (económico) de Queda todavía mucho más por es-
flujos que erosiona el espacio estructural tudiar acerca de la nueva economía geo-
(territorial y político) de lugares. Algunos política global, pero concluiré volviendo
investigadores ven este déficit de gober- más concretamente a los temas de la ciu-
nanza surgiendo del complejo proceso dad-región global y a la cuestión de la
todavía en curso de desterritorialización gobernanza y la planificación regional.
y reterritorialización, al mismo tiempo que Aquí extraeré algunas conclusiones de
muchas viejas fronteras nacionales se un informe inédito que he preparado
desvanecen y otras nuevas se crean. Lo como consultor para Barcelona Regio-
que parece estar ocurriendo es que las nal, un organismo público encargado
impetuosas fuerzas económicas están de promover la planificación regional en
poniendo al descubierto la obsolescencia Cataluña. El informe titulado “Cons-
de las estructuras políticas y las fronteras truyendo un Nuevo Regionalismo en
territoriales existentes, y presionando Cataluña: Estrategias para el desarrollo
para llevar a cabo una reestructuración regional innovador y la buena gober-
política y territorial acorde con los pro- nanza” comienza con una discusión ge-
cesos económicos de reestructuración neral del desarrollo histórico de las ideas
global. de planificación regionales y las escuelas
del desarrollismo que hacían hincapié
Otro aspecto de esta brecha de go- en los recursos nacionales y la sustitu-
bernanza es el ascenso de nuevos mo- ción de importaciones como base para
18
El concepto de democracia regional o regionalismo democrático es analizado desde
interesantes prismas en Iris Marion Young (2000). Ver también Gerald Frug (1999).
36 Algunas consideraciones sobre el concepto de ciudades-región globales

el desarrollo, propias del período de en- El regionalismo emprendedor de la


treguerras, pasando por la planificación última época seguramente no es intrín-
de sistemas espaciales y el regionalismo seco a la matriz de la que ha surgido la
del bienestar que dominó el período de conceptualización del NR: las redes ge-
1950 hasta, al menos, 1970, el ascenso nerativas de aglomeración, economías
de lo que puede llamarse la planifica- inteligentes, sistemas de innovación re-
ción emprendedora urbana y regional gionales, etc. Fue mucho más el produc-
a partir de 1975, hasta llegar a la intro- to de la reestructuración del estado de
ducción reciente de las ideas del NR. bienestar, las demandas cambiantes de
la Nueva Economía, y la fuerza creciente
De algún modo, los enfoques del NR de la globalización neoliberal. Es fácil
pueden considerarse como una continua- entender, sin embargo, cómo planifica-
ción del acento puesto en el espíritu em- dores activamente emprendedores com-
prendedor y lo empresarial como guía prometidos con la regeneración de
de la planificación urbana y regional que ciudades, la publicidad internacional de
ha surgido en los treinta últimos años. La las mismas y la promoción regional,
planificación regional apuntaba a redu- buscando algún golpe regenerador de
cir las desigualdades regionales y a pro- gran impacto del tipo “Efecto-Bilbao”,
pagar las ventajas de desarrollo a los pudieron ser atraídos a las ideas sobre
más amplios segmentos de la población las nuevas fuerzas motrices de las econo-
nacional, lo que he llamado el regiona- mías regionales promovidas por el NR.
lismo de bienestar, que era dependiente Si lo analizamos solamente bajo esta
de una economía de mercado próspera perspectiva los enfoques neoregiona-
y un estado liberal interventor o estado listas de planificación pueden ser fácil-
del bienestar. Las sucesivas crisis de los mente vistos como poco más que una
años 60 y principios de los años 70 fue- continuación de las feroces estrategias
ron seguidas en la mayor parte de paí- competitivas de los empresarios regio-
ses por un abandono gradual de las nales.
ambiciosas metas del estado del bienes-
tar, de los sistemas de gobernanza de Las propuestas del NR, sin embargo,
arriba abajo, de la descentralización de también han resucitado el regionalismo
la administración pública nacional en de bienestar y reforzado los sistemas de
beneficio del protagonismo de ciudades planificación espaciales mediante una
y regiones, y el estímulo de iniciativas teorización más rigurosa y actualizada de
de desarrollo locales autogeneradas la dinámica regional y, sobre todo, de
basadas en gran parte en la capacida- la ciudad-región global. Estas propues-
des competitivas interurbanas e interre- tas ofrecen un entendimiento mucho
gionales acrecentadas para conseguir más sofisticado de la dinámica subya-
ventajas comparativas en unos merca- cente de desarrollo regional y territorial
dos cada vez más globalizados, sobre que el que caracterizó los tradicionales
todo con respeto al turismo y la atracción sistemas de planificación espaciales y la
de la inversión del capital global. teoría del polo de crecimiento, ambos
Edward W. Soja 37

instrumentos fundamentales del viejo da de modos de combinar la “eficacia”


regionalismo de bienestar. Los nuevos con la “equidad” pero ahora por medio
desafíos, sin embargo, van bastante más de políticas espaciales/locales, se basa en
allá de una combinación simple del fuertes fundamentos teóricos y prácticos.
nuevo espíritu de emprendizaje y los En las actuales circunstancias, las econo-
viejos dogmas del bienestar. mías regionales cohesionadas económi-
ca y socialmente son fuerzas poderosas
El objetivo fundamental es crear una generativas tanto para estimular el de-
forma flexible y democrática de gober- sarrollo económico como para contra-
nanza regional y planificación que rrestar la polarización social creciente y
puede ser adaptable a las condiciones la desigualdad. La eficacia y la equidad
rápidamente cambiantes y mejorar la en las particulares circunstancias de hoy
competitividad regional en la economía deben ser planificadas conjuntamente,
global, a la vez que se asegura una pro- y esto requerirá un replanteamiento fun-
tección social eficaz, la integración cul- damental de las estructuras instituciona-
tural, y el respeto medioambiental para les de la gobernanza regional 19.
todos los residentes. Desde una pers-
pectiva social, el modelo propuesto por El “regionalismo flexible”, como
el NR debe basarse en una concertación llamo al NR, es altamente improbable
socio-institucional que es incompatible que vaya a producir una institución mo-
con situaciones de precariedad laboral, nolítica y centralizada que planifique
conflictividad social y desigualdes pro- magistralmente todos los aspectos de de-
fundas. Desde una óptica medioam- sarrollo regional. Este regionalismo
biental, el modelo no puede sustentarse adaptativo es intrínsecamente policén-
en una sobreutilización de recursos no trico y debería implicar una extensa in-
renovables y una supeditación total a terconexión a muchos niveles diferentes
los requerimientos del mercado (que así como una distribución descentrali-
ponen el acento en la eficiencia produc- zada de las autoridades capaces de toma
tiva, social y territorial). Desde una pers- de decisiones. Esto también tendrá que
pectiva territorial se trata, de un modelo ser organizado políticamente en alguna
sostenible basado en una planificación forma de confederalismo político que
no centralizada que revierta en un asegure la representación de una multi-
mayor equilibrio y desarrollo territorial, plicidad de ámbitos políticos (distritos
en una progresión del bienestar social electorales) y, por supuesto, de algún
de todos los colectivos y zonas que im- grado de coordinación general. La plu-
pulsan el crecimiento económico. ralidad de agentes, instituciones y planes
con objetivos y actuaciones dispares y
A pesar de que este objetivo poliédri- a menudo descoordinadas contribuyen,
co pueda parecerse a la anterior búsque- sin duda, a acrecentar el desorden territo-

19
Ejemplos de amplias coaliciones en Los Ángeles incluye a “La Asociación de usuarios de
autobús” y la “Alianza de Los Ángeles por una Nueva Economía”. Ver el debate de
construcción de alianzas, justicia espacial y democracia regional en Soja (2000).
38 Algunas consideraciones sobre el concepto de ciudades-región globales

rial. El NR pone su acento en la consecu- Europea, y, considerando la reciente


ción de un gobierno multinivel implícito política comunitaria europea, c) con re-
en el concepto de gobernanza. Se trata giones transfronterizas (con fronteras
de lograr una coordinación real y efec- estatales comunes) que posibilitaría apro-
tiva entre los distintos niveles adminis- vechar las nuevas oportunidades de pro-
trativos: estado central/federal; estados moción del desarrollo fronterizo regional.
federales/gobiernos autonómicos o re- Barcelona y Cataluña, que juntas forman
gionales; ayuntamientos/distritos muni- una dilatada ciudad-región, han sido
cipales, etc. La desconexión entre las particularmente activas a la hora de esta-
actuaciones sectoriales acometidas por blecer interconexiones a todos los nive-
cada escala político administrativa des- les. Juegan un papel principal en el
virtúa el principio de la estructura en red Comité de las Regiones de la UE, en la
propia del gobierno relacional. La falta red de Eurociudades de casi 100 ciuda-
de entendimiento entre las diferentes des principales, y en la formación del Arco
instituciones que operan en estos ámbi- fronterizo Occidental mediterráneo, que
tos puede tener como resultado desa- incluye Montpellier y Toulouse así como
tender las dimensiones ambiental, social Palma de Mallorca, Zaragoza, y Valen-
y territorial que son fundamentales en cia. Estas redes y otras tienen que desa-
el NR. Pero incluso una estructura con- rrollar a fondo el potencial de sinergia
federal tiene que ser flexible y permitir que entrañan, promoviendo complemen-
la formación de coaliciones de múltiples tariedades transnacionales económicas y
ámbitos políticos (distritos electorales) y culturales.
alianzas de entidades regionales que
trascienden las fronteras locales y las Debe también estimularse la exten-
diferentes escalas espaciales. Son de sión de redes similares entre todas las
importancia particular las coaliciones ciudades principales y subregiones den-
entre las organizaciones de empresarios tro de la región más grande cuya confi-
y trabajadores basadas en la comunidad guración aumente la probabilidad de
territorial que adoptan una perspectiva que una aglomeración más grande pue-
regional. da generar efectos positivos netos sobre
otras áreas colindantes. Dado que en las
En Cataluña, el País Vasco, y mu- ciudades-región globales hay un alto
chas otras partes de la “Europa de las grado de interdependencia espacial, (lo
Regiones”, hay una necesidad creciente que pasa en un punto espacial tiene
de una planificación regional que tenga efectos significativos sobre todos los
en cuenta no sólo las relaciones entre demás), esto implica que las economías
las grandes capitales nacionales, como de las urbes tienen que ser supervisadas
en el pasado, sino también las conexio- y moldeadas para estimular una maxi-
nes y coaliciones que pueden estable- mización de los efectos “rebasamiento/
cerse en tres escalas supranacionales: a) diseminación” y una minimización de
con otras regiones en el mundo; b) con los efectos “perturbadores/turbulentos”,
otras ciudades y regiones de la Unión para usar los viejos términos de Gunnar
Edward W. Soja 39

Myrdal. Desde luego, esto no será fácil, de las administraciones locales-munici-


pero si contamos con una gobernanza pales a dejar cualquiera de sus poderes
regional flexible y adaptable, renovada a las autoridades regionales.
y mejorada con nuevas políticas con
fuerte potencial innovador como son las En ausencia de una autoridad cen-
promovidas por la “Perspectiva Euro- tralizada regional única, la coordinación
pea de Desarrollo Espacial”, las posibi- de actividades de desarrollo regionales
lidades para alcanzar un grado mayor se convierte en una cuestión absoluta-
de éxito que en el pasado son mucho mente clave. Hay una clara necesidad de,
mayores 20. al menos, tres agencias de planificación
especializadas funcionalmente: la relati-
En la medida de lo posible, las ini- va al Medioambiente (desarrollo soste-
ciativas locales tienen que ser coordina- nible y protección medioambiental); la
das también dentro de un contexto de relativa a Infraestructuras (físicas y tecno-
planificación más grande. Aquí también lógicas); y la relacionada con el Desarro-
la noción de construcción o forja de coa- llo Económico y Cultural. Estas agencias,
liciones es importante. El “regionalismo sin perjuicio de que conserven cierta au-
flexible” debe ser tan sensible como sea tonomía por razón de su especialidad,
posible a las necesidades de la comu- deben estar fuertemente coordinadas a
nidad local y a la participación activa través de una agencia única a escala re-
ciudadana. Al mismo tiempo, las orga- gional. Su existencia es esencial, con res-
nizaciones comunitarias locales tienen ponsabilidad especial para coordinar
que ser abiertas y adaptarse a las venta- programas internos regionales y relacio-
jas y desventajas, restricciones y opor- nes externas interregionales, así como
tunidades regionales, y no concentrarse para facilitar el intercambio de informa-
enteramente en cuestiones inmediatas ción, promover la identidad regional y
y de interés meramente local. Se trata la cultura, supervisar las condiciones de
de un desafío particularmente difícil, ya bienestar regionales, y servir como labo-
que ello exige un complejo conocimien- ratorio de ideas o grupo experto (think
to regional, comunicaciones estrechas y tank) en la creación de nuevas ideas y
fluidas entre los niveles local y regional, programas de investigación punteros.
y buena voluntad de las autoridades Esta agencia informaría y ofrecería regu-
intermedias, así como la existencia de larmente un balance de sus actividades
estructuras de administración local que a una asamblea regional (o gobierno es-
permitan que sus ámbitos competencia- tatal) formada por miembros elegidos y
les territoriales y fronteras administrati- representantes de las organizaciones
vas sean transcendidos a fin de animar principales y coaliciones.
las interdependencias local-regionales.
Muchos esfuerzos de planificación regio- Estas recomendaciones para asentar
nal han fallado debido a la resistencia un regionalismo más flexible, innovador,
20
Para el debate de Perspectiva del Desarrollo Espacial Europeo, ver varios capítulos en
Andreas Faludi (2002).
40 Algunas consideraciones sobre el concepto de ciudades-región globales

y democrático representan sólo una más acusada de las condiciones y nue-


primera aproximación al intento de re- vas fuerzas que han ido desarrollando y
plantear la nueva gobernanza y la pla- emergiendo tan rápidamente durante
nificación regional. En gran medida, son los treinta últimos años. Condiciones
deudoras de los enfoques tradicionales que han creado tanto nuevas exigencias
del desarrollo regional y la planificación y obligaciones como oportunidades
de sistemas espaciales, pero también para una planificación y gobernanza re-
reflejan como hemos repetido un impor- gional innovadoras. Estas nuevas cir-
tante número de circunstancias contem- cunstancias incluyen todas las ideas que
poráneas relevantes. Los esfuerzos por han sido expuestas y discutidas en este
promover la gobernanza y la planifica- artículo en relación con el concepto ger-
ción regional fueron bloqueados en el minal y en desarrollo de ciudades-región
pasado por la rigidez de los gobiernos globales y las fuerzas de desarrollo y crea-
locales y estatales temerosos de poder tivas que de ellas emanan, incluyendo
perder recursos financieros en favor de la crisis creciente de gobernanza en todas
otros niveles político-administrativos. In- las escalas, de la global a la local. Como
dudablemente, las fronteras estatales y nos movemos a partir de una etapa de
las soberanías nacionales siguen siendo reestructuración generada por crisis a
en todos los sitios claramente rígidas y otra de crisis permanente generadas por
resistentes al cambio, pero nunca en la reestructuraciones continuas, reflejando
historia reciente las escalas territoriales los cambios profundos que han estado
de gobierno habían estado más abier- ocurriendo durante las tres décadas pa-
tas a su transformación, a lo que unos sadas, “la cuestión regional” y la impor-
han llamado la reterritorialización, la tancia de las ciudades-región globales
nueva escala de agrupamiento, la rees- nunca hasta ahora había sido más cru-
tructuración estatal. cial en el orden del día de la acción so-
cial de cara a dar respuesta a los ingentes
Asimismo también hemos asistido al problemas económicos, políticos, y cul-
surgimiento de una conciencia cada vez turales que nos esperan.

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Resumen A bstrac t
¿Qué son las ciudades-región globales y What are global city regions and why
por qué han llegado a ser tan prominen- have they become so prominent in the
tes en el mundo contemporáneo? ¿Cómo contemporary world? How and why do
y por qué las ciudades-región global global city regions generate new chal-
plantean nuevos desafíos a la gobernanza lenges to regional governance, plan-
regional, la planificación, y la política ning, and public policy? I will address
pública? Estas cuestiones se abordan, these questions in three ways, reflecting
intentando reflejar los tres componentes the three components of the composite
del término compuesto: global; ciudad y concept: global + city + region. I begin
región. Comenzaremos con una discu- with a discussion of globalization and its
sión sobre la globalización y sus efectos effects on cities and metropolitan areas,
sobre las ciudades y áreas metropolita- tracing how the concept of global city
nas, rastreando el surgimiento del con- regions has emerged in part from the
cepto de ciudades-región global del globalization discourse. This is followed
discurso de la globalización, al menos by a more specific look at the new ur-
parcialmente. A esto seguirá un examen banization processes that have been
más concreto de los nuevos procesos de transforming the modern metropolis
urbanización que han estado transfor- over the past thirty years, linking the
mando la metrópoli moderna durante los concept of global city region to what I
últimos treinta años, ligando el concepto have described as the post-metropolitan
de ciudades-región global a lo que he transition. The third defining feature re-
descrito como la transición postmetropo- combines the global and the urban in
litana. El tercer rasgo definitorio recom- the framework and context of what has
bina de forma original lo global y lo been called the New Regionalism. The
urbano en el contexto de lo que se de- discussion concludes with a brief com-
nomina el Nuevo Regionalismo. La dis- ment on the usefulness of the concept
cusión concluye con un comentario of global city regions in urban and re-
sobre la utilidad del concepto de ciuda- gional development planning.
des-región global para la planificación
del desarrollo urbano y regional.
Edward W. Soja 43

Palabras clave : global, ciudad-región, Keywords: global, city-region, metropo-


metrópoli, gobernanza regional. lis, regional governance.

Recebido em outubro de 2006. Aprovado para publicação em novembro de 2006

Edward W. Soja é professor de Desenvolvimento Regional e Internacional do


Departamento de Planejamento Urbano da UCLA (Universidade da Califórnia, Los
Angeles) e PhD em Geografia pela Universidade de Syracuse (NY). Tem concen-
trado sua pesquisa, nos últimos vinte anos, na reestruturação urbana em Los Angeles
e nos estudos urbanos e regionais.
Questão regional, Estado e
desenvolvimento no século XX –
“olhares” fluminenses a partir
dos “interesses” do Rio *
Alberto de Oliveira e Jorge Natal

Apresentação
Este artigo, escrito na forma de ensaio, a população carioca 3. A segunda diz
parte de quatro evidências. A primeira respeito ao fato de a presença do Estado
diz respeito ao fato de a clássica temática ter sido decisiva para a reprodução eco-
denominada questão regional ser estra- nômica e mesmo societária da região em
nha aos debates travados sobre a reali- exame, pelo menos desde o momento
dade e o devir da região fluminense 1 em em que ela se tornou sede do governo
parcela significativa da segunda metade imperial, com destaque para o espaço
do século passado 2, notadamente entre que no presente compreende o referido

* O termo fluminense diz respeito aos habitantes do atual estado do Rio de Janeiro. Antes
da chamada fusão (1973) do antigo estado do Rio de Janeiro com o também antigo
Estado da Guanabara (1961-73), esse termo era atinente apenas aos habitantes da pri-
meira unidade federativa assinalada; mas depois da referida fusão o designativo fluminense
foi estendido para toda a população do estado.
1
A expressão região fluminense refere-se à área compreendida pelo antigo estado do Rio
de Janeiro e a ex-capital federal (ou seja, o atual estado do Rio de Janeiro).
2
Que demarca o período do seu auge e relativo ocaso enquanto tema relevante da agenda
pública nacional.
3
Desde 1973, o termo refere-se apenas aos habitantes do atual município do Rio de
Janeiro. Em termos históricos, pode-se também fazer menção aos que um pouco antes
(1960-73) habitavam o antigo Estado da Guanabara. Ainda em termos históricos, pode-
se fazer igual menção aos que habitavam o antigo Distrito Federal quando ele estava
sediado na fração territorial hoje designada município do Rio de Janeiro (1763-1960).

Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XX, No 2, 2006, p. 45-68


46 Qustão regional, Estado e desenvolvimento no século XX

município do Rio de Janeiro. A terceira ria (mesmo) ser caracterizada como tal,
evidência é que o próprio Estado qual seja, uma “região-problema”. De
acabou sendo naturalizado na região outra forma: o Estado desempenhou
mencionada, principalmente no espaço então papel fundamental no espaço flu-
anotado, pela (simples!) razão de nele minense, marcadamente no carioca,
sediar-se, por aproximados duzentos posto ser ele a sede da presidência da
anos, a capital federal do país. E a quarta república, dos ministérios, das estatais,
evidência é que essa presença, do Esta- do parlamento etc. (por aproximados
do, foi determinante para efeito do 200 anos), resultando daí, como já se
apontado estranhamento (da questão indicou, a sua inequívoca naturalização
regional) em toda a região em tela, com e a conseqüente obliteração do tema
destaque para a ex-capital brasileira aqui quando ele foi guindado à agenda pú-
em exame (e não para o antigo estado blica.
do Rio de Janeiro – como resultará evi-
dente). Por conseguinte, poder-se-ia con-
cluir que a “questão regional” era no li-
Dadas essas quatro evidências, en- mite um não-tema, seja para a reflexão
tende-se que é possível sintetizá-las em da academia seja para a da população
duas linhas reflexivas: uma delas diz res- em tela (principalmente entre a carioca),
peito ao entendimento da chamada por causa do seu relativo dinamismo
questão regional pela população flumi- econômico, assim como a própria dis-
nense e, em particular, pela carioca, em cussão acerca dos interesses (e do desen-
sua (evidente) imbricação histórica com volvimento) do “Rio” na sua imbricação
a problemática do Estado; e a outra, re- com o Estado, posto que ele encontrava-
plicando o que acabou de ser escrito, se completamente incorporado à “pai-
distingue-se pela consideração da pro- sagem” da vida social local.
blemática do desenvolvimento (da re-
gião em tela). Mas a partir do final dos anos 1950
tudo se transforma. De maneira precisa:
Em termos meramente introdutó- inicialmente com a transferência da ca-
rios, observa-se que a problemática re- pital para Brasília (1960) e depois com
gional, com participação relevante no a fusão (1973), há a emergência e o
debate nacional a partir de meados do avanço da elaboração não apenas de
século passado (até a década seguinte), um discurso de cunho regionalista, mas
sempre esteve associada às chamadas também de reiteradas demandas e críti-
“regiões-problemas” – quer na literatura cas aos sucessivos governos federais,
brasileira quer estrangeira. Nesses ter- invocando-se compromissos (de Esta-
mos, o Rio de Janeiro, enquanto capital do) assumidos pregressamente com a
federal, com sua larga capacidade de unidade federativa aqui em exame por
atrair recursos de toda ordem (e não conta dos eventos assinalados (transfe-
apenas fiscal-financeiros), pelo menos rência da capital e fusão), tratados que
até a entrada dos anos 1960 não pode- são como “perdas” e, passo seguinte,
Alberto de Oliveira e Jorge Natal 47

responsáveis pela sua fragilidade eco- É desse imbróglio, que articula re-
nômica. gião/regionalismo e estado/governo
federal – termos esses às vezes concei-
Iniciava-se aí, finalmente, o processo tualmente confundidos –, conforme os
de reconhecimento de que o Rio de Ja- “olhares” do Rio acerca dos seus “inte-
neiro era parte da União, mas não “a resses”, que se tratará neste artigo. Para
União”. Nesse contexto, convém subli- tal, além desta apresentação, ele encon-
nhar que o período compreendido entre tra-se estruturado em três outras seções.
o início da década de 1980 e final da Na primeira, examinam-se a gênese e o
primeira metade da que lhe é subseqüen- desenvolvimento da chamada questão
te, sintetizado por Dain (1990) como regional brasileira em sua imbricação
sendo o do “Rio de Todas as Crises”, é com o Estado, mostrando-se o porquê
também aquele no qual o binômio “crise dessas temáticas serem estranhas aos flu-
econômica” 4 - “discurso regionalista” minenses em geral e aos cariocas em
teria alcançado seu ápice – o período in- especial no “momento” compreendido
dicado e o processo histórico sugerido entre o final do Século XIX e os anos
serão retomados adiante de forma mais 1950. Na segunda, examina-se o binô-
acurada. mio supracitado de modo a desvelar o
entendimento também dos fluminenses
Por último, a partir de meados da dé- em geral e dos cariocas em particular
cada passada até o momento presente, sobre a chamada questão regional (fi-
em razão da inflexão econômica positiva nalmente enunciada como problema
experimentada pelo estado fluminense também “nosso”) e a necessidade do go-
(Natal, 2005), conquanto seja minimi- verno federal para efeito da promoção
zada sua caracterização como “região- do seu desenvolvimento econômico
problema”, aprofunda-se o discurso (acusado de ser ausente ou mesmo dis-
proferido por dirigentes do Executivo criminatório para com “os interesses do
Estadual, parte do empresariado e mes- Rio”), no período que se estende da
mo parcela importante da população entrada dos anos 1960 até o primeiro
que atribui aos sucessivos governos fe- qüinqüênio deste Século XXI. Na tercei-
derais a culpa pelo desenvolvimento ra, de Considerações Finais, tendo em
econômico não ser mais avançado no conta as principais questões exploradas
estado; haveria, enfim, conforme essa no artigo, aponta-se para a complexida-
retórica, um alheamento perverso do de presente na atualidade para a afirma-
Rio pelos sucessivos governos federais ção de um projeto de desenvolvimento
no/do intervalo temporal supramencio- “digno desse nome” no estado do Rio
nado. de Janeiro (ERJ) 5; complexidade essa

4
O Rio seria uma unidade federativa entendida como estando vivendo uma espécie de
situação terminal.
5
Que combine crescimento econômico com justiça distributiva, avanço da democracia e
maior “equilíbrio” ao nível dos seus espaços, bem como ativa participação nas lutas fede-
rativas em termos da disputa pela condução dos rumos do país.
48 Qustão regional, Estado e desenvolvimento no século XX

que se mostra ainda maior quando se dade), não apenas confundem como,
observa que determinados discursos pior, obstam à produção de diagnósticos
presentes na cena política do estado, verdadeiramente conseqüentes acerca
com “peso” (qual seja, alguma legitimi- da realidade dessa unidade federativa.

Questão regional e papel do Estado – a “região


fluminense” do final do século XIX aos anos 1950

A chamada questão regional brasileira nou a questão regional objeto de ação


emerge inequivocamente no debate so- institucional, é dizer, que cabia ao Esta-
cioeconômico e político a partir de mea- do, através dos seus aparelhos, promo-
dos dos anos 1950. Conforme Cano ver as políticas públicas que se fizessem
(1977) 6, fatos diversos levaram à referi- necessárias para a superação planejada
da emergência, a saber: a publicação dos seus “atrasos”; as disparidades exis-
dos dados das Contas Nacionais e Re- tentes em termos de desenvolvimento
gionais do Brasil evidenciou as dispari- econômico entre países do “centro” e da
dades regionais existentes em termos de “periferia” (conforme o léxico da Comis-
taxas de crescimento econômico, prin- são de Estudos para a América Latina e
cipalmente das verificadas no Sudeste Caribe - Cepal), notadamente no pós-
em relação às demais regiões, em espe- Segunda Guerra Mundial, intensifica-
cial as de São Paulo em relação às do ram a discussão interna, regional, posto
Nordeste (NE); a divulgação dos resul- terem prescrito não apenas políticas
tados do Censo de 1960 mostrou a con- públicas para o país (a industrialização
centração da produção industrial em nacional), como especificamente para as
São Paulo vis-à-vis ao restante do Brasil, suas regiões “subdesenvolvidas” (como
reforçando a identificação da questão seria o caso do Nordeste).
regional brasileira a problemas próprios
do desenvolvimento nacional em sua Nesses termos, é possível afirmar
concreção espacial Nordeste (e, simul- que a denominada questão regional
taneamente, pressupondo a “experiên- ingressa na agenda pública nacional es-
cia” paulista como paradigma a ser treitamente associada à defesa da neces-
seguido); a ocorrência de grandes secas sidade da presença do Estado para efeito
no NE ao final dos anos 1950 levou à da superação dos problemas que ela
extraordinária migração em direção ao expressava. Em face do anotado, tam-
sul do país e, assim, corroborou a afir- bém cumpre sublinhar que não há re-
mação nacional da problemática regio- gistro de qualquer preocupação na
nal; a ampla divulgação das técnicas e literatura que a examina apontando a
experiências de planejamento econômi- antiga capital federal carioca como “re-
co no contexto da América Latina tor- gião-problema”; quando muito se po-

6
Ver especialmente as duas primeiras páginas da Introdução (11 e 12).
Alberto de Oliveira e Jorge Natal 49

deria afirmar que, se havia um senão, formação brasileira? Em linhas gerais,


ele diria respeito ao antigo estado do Rio em consonância com a análise elabora-
de Janeiro – tal aspecto será retomado da nos anos 1970 por economistas da
logo à frente. Universidade Estadual de Campinas
(Cano, Cardoso de Mello, Sérgio Silva,
Voltando ao ponto. Se a emergência Conceição Tavares), a tese é que com a
da questão regional no debate nacional economia cafeeira paulista verifica-se
ocorre nos anos 1950, sua gênese, ainda uma experiência pioneira e singular na
seguindo a análise de Cano, data do fi- história brasileira, a saber: forma-se um
nal do século XIX. Mais especificamente: verdadeiro complexo econômico (ca-
ela é posicionada no cenário nacional feeiro), com efeitos notáveis de enca-
a partir da civilização do café 7 ou, con- deamento dinâmico, irreproduzível em
forme o léxico de Cardoso de Mello, quaisquer outros espaços nacionais.
desde o surgimento no país da chamada Explicando: a economia cafeeira exige
economia exportadora capitalista cafeei- o surgimento ou o desenvolvimento de
ra nacional (paulista). De autores como uma série de indústrias, setores, ativida-
Furtado até mesmo ao literato Monteiro des, e de um amplo mercado de traba-
Lobato, há o notório reconhecimento de lho e de consumo, de sorte a estabelecer
que com o café, quando instalado no uma estrutura econômico-societária im-
Oeste Paulista, inaugura-se uma nova possível de se reproduzir enquanto tal
etapa na história brasileira. Enfim, para em qualquer outro lugar do Brasil.
a maioria da intelectualidade brasileira,
o café foi verdadeiramente o primeiro E o que é decisivo para a presente
tradeable (ou commodity) do país 8. reflexão: essa estrutura societária, pelo
Explicando: com ele, as relações de pro- seu dinamismo econômico, implicou na
dução e as forças produtivas, assim constituição de uma série de vínculos
como a dinâmica da acumulação de entre o “centro” dinâmico (economia
capital, mostraram-se pela primeira vez paulista) e as demais economias “peri-
na história brasileira verdadeira e defi- féricas”. Esses vínculos, de especializa-
nitivamente capitalistas. ções e complementaridades (de início
de natureza comercial e depois de na-
Qual a importância dessa civilização tureza produtiva 9), acabaram diferen-
(do café)? De outra maneira: por que ciando os lugares: uns, principalmente
com essa civilização a questão regional São Paulo, mais modernos em termos
emerge na cena social nacional, adicio- capitalistas, e os demais (em diferentes
nando mais uma problemática à (já) graus), ao reverso, mais eivados de rela-
complexa e igualmente problemática ções sociais pretéritas (com prevalência

7
Ver a respeito Motta Sobrinho (1978).
8
É dizer: a madeira, o açúcar, a borracha nunca puderam, nas condições históricas, ex-
pressar-se verdadeiramente enquanto mercadoria, conforme o sentido conceitual em-
prestado por Marx a essa categoria.
9
Ver a respeito Guimarães (1986).
50 Qustão regional, Estado e desenvolvimento no século XX

de relações de trabalho não-assalariadas, No caso da primeira, não há dúvida


de estruturas produtivas com baixos coe- de que a emergência da poderosa eco-
ficientes de elaboração industrial e tecno- nomia paulista, em certa medida auto-
lógica, do mando típico do coronelismo suficiente e extremamente competitiva,
etc.). De outra forma: a chamada questão foi letal para as atividades cafeeiras flu-
regional brasileira emerge como (mais minenses 10. Ela apresentava importan-
um) problema integrante da agenda so- tes desvantagens competitivas: escalas
cial do país no contexto dos primeiros de produção (diminuta, com notórias
passos da industrialização verificada em implicações sobre os custos e a lucrativi-
São Paulo; logo, ela “nasce” como con- dade), custos de transportes (ferroviários
creção histórica e questão teórica próprias elevados, em região topograficamente
da economia/sociedade cafeeira estrutu- acidentada em vista das montanhas que
rada a partir do último quartel do Século precisavam ser cruzadas), escasso mer-
XIX no estado. cado de consumo (mão-de-obra escra-
va) etc. De outro lado, o que era restrição
Portanto, a instauração de relações para a economia cafeeira fluminense se
mais especificamente capitalistas nas mostrava no limite potencialidade ou
condições sociais dadas teria instaurado mesmo vantagem para a nascente eco-
também, como uma das suas expres- nomia capitalista paulista. Por conse-
sões, uma diferenciação não-natural das guinte, embora houvesse um espaço
diversas frações territoriais nacionais. extremamente problemático no tocante
Assim sendo, parece pertinente dizer à geração de riqueza social no âmbito
que essa diferenciação “seguiria” uma da “região” fluminense, ele dizia respeito
dada lógica de estruturação, qual seja, ao antigo estado do Rio de Janeiro e não
a lógica comandada a partir dos moder- ao antigo Rio de Janeiro, a ex-capital
nos interesses capitalistas sediados em federal (como se analisará mais adiante).
São Paulo.
No entanto, apesar do inegável de-
E a região fluminense nesse contex- clínio econômico e mesmo societário do
to? No caso, há que considerar as duas antigo estado do Rio de Janeiro, que
formações sociais, distintas, que a inte- talvez tenha sido uma das principais “ví-
gravam: a do antigo estado do Rio de timas” nacionais da emergência e desen-
Janeiro e a do antigo Rio de Janeiro, a volvimento da moderna economia
ex-capital federal. paulista no país (num certo cinturão de

10
Dizê-la letal significa considerar que a referida emergência foi a gota d’água. De outra
maneira: havia no processo histórico de estruturação dessa economia cafeeira problemas
de toda ordem (endividamento elevado junto aos atacadistas, localizados no porto do
Rio; o envelhecimento dos cafezais e da própria terra, que reduzia a produtividade cafeeira;
a massa significativa de capitais aplicada na escravaria, tornada assim óbice para outras
aplicações que avançassem a produtividade da atividade em tela; etc.) que vieram intei-
ramente à tona quando do posicionamento da economia exportadora cafeeira capitalista
paulista na cena nacional.
Alberto de Oliveira e Jorge Natal 51

economias decadentes) 11, essa unidade produção paulista, particularmente do


federativa nunca foi apresentada como café 12. Em adição, convém anotar que
uma das expressões do processo de dife- o Rio de Janeiro continuou, também por
renciação socioespacial brasileiro então muito tempo, e por causa, sendo a princi-
em curso – nem mesmo quando da sua pal praça comercial e financeira do país.
entrada “para valer” na agenda pública Se há um senão, e ele existe, é que a eco-
nacional nos anos 1950. Possivelmente nomia carioca (que não passou por ne-
as “luzes da ex-capital ofuscassem a vi- nhuma crise efetiva em termos de renda
sualização” do então estado vizinho; e emprego, como assinalado) foi progres-
nesses termos, mais rigorosa e detida- sivamente perdendo posição relativa
mente, as especificidades econômicas e para a economia paulista em termos de
da política local em sua interação com produção industrial, diversificação pro-
processos mais gerais (muitos deles na- dutiva etc.
cionais) são os melhores “lugares” para
buscar as explicações fundadoras do fe- Mas essa situação, de perda de po-
nômeno em discussão. Mas esse temá- sição relativa, foi em larga medida nuan-
rio, ao escapar ao foco deste artigo, fica çada pelo próprio avanço da economia
aqui apenas sugerido. paulista, da brasileira como um todo, e
ainda por conta das diversas conjuntu-
No caso da segunda, sem prejuízo ras positivas da mundial (todas favore-
das “virtudes” da emergente e poderosa cedoras da economia nacional e, em
economia paulista materializada na sua algum grau, da economia do Rio de Ja-
relativa auto-suficiência e competitivida- neiro). Explicando: no que concerne à
de, não se pode dizer que a economia economia paulista, por meio tanto dos
da antiga capital federal foi então negati- impactos positivos da sua demanda
va e gravosamente alcançada em termos sobre a economia carioca quanto da sua
de derrubada da sua renda e emprego. capacidade contributiva em termos fis-
Como desenvolvido em outro trabalho cais (afinal, o Rio era a capital do país),
(Natal, 2005), em determinados aspec- o seu dinamismo acabava “alimentando”
tos a economia da ex-capital federal foi a unidade federativa em tela; no caso da
até mesmo beneficiada, na medida em economia brasileira, “puxada” pela pau-
que, por exemplo, a Estrada de Ferro lista, ela também acabava contribuindo
Central do Brasil e o porto do Rio de para o relativo dinamismo da mesma eco-
Janeiro, pelo menos até os anos 1940, nomia carioca mediante o aumento de
continuaram ou mesmo ampliaram suas renda e da demanda que gerava; e no
centralidades como caminho e lugar, caso da economia mundial ela igualmen-
respectivamente, para o escoamento da te contribuía para a economia nacional

11
Ver a situação do Espírito Santo e de bordas “fluminenses” de Minas Gerais à época, que
foram igualmente arrastados nesse processo (histórico).
12
Essa situação apenas veio a ser alterada quando se logrou vencer os obstáculos relativos
à travessia da serra (de Santos), via cremalheiras, e, passo seguinte, conferiu-se ao Porto
de Santos a primazia antes conferida ao Porto do Rio.
52 Qustão regional, Estado e desenvolvimento no século XX

(e carioca, por suposto), na medida em anos, via Plano de Metas (1956-61) do


que ampliava sua demanda e nela inje- governo JK, apesar da euforia carioca
tava recursos via investimentos diretos ou de então (ver bossa nova, cinema novo,
porque, quando se fechava em projetos arquitetura etc.), foi São Paulo (SP) que
nacionais autárquicos, permitia o surgi- de fato conseguiu obter decisivos apoios
mento de indústrias e serviços que pas- fiscal-financeiros para a consolidação de
savam a atender à demanda doméstica. uma industrialização especificamente
capitalista 14. E a ex-capital federal? Esta
Portanto, ao mesmo tempo que a ficou com o passar do tempo, a cada dia,
chamada questão regional ia sendo ins- mais defasada em relação à moderna
crita na agenda nacional, principalmen- indústria de SP, mostrando-se ainda tri-
te como questão nordestina, na antiga butária da União, bem como, por força
capital federal continuava a se viver à daquela realidade histórica brasileira,
margem desse debate; melhor, como se da própria capacidade de arrecadação
esse problema fosse dos “outros”, em deste ente governamental ao nível da
que pese a crescente perda de posição economia paulista. Não fora bastante,
relativa da sua economia para a paulista há nesse mesmo processo a transferên-
e, nesse sentido, não ao nível discursivo, cia da capital para Brasília na entrada
mas da realidade concreta, do seu con- da nova década (1961).
tínuo encaminhamento no sentido de
afirmar-se como mais uma “região-pro- Mas desse novo período se tratará
blema” brasileira 13. na seção seguinte. Ele implica consi-
derar no mínimo dois fenômenos: um
Esse quadro se estende pelo menos é o reconhecimento de que a chamada
até os anos 1950. Reiterando: os seto- questão regional brasileira, entendida
res mais avançados da economia pau- como aprofundamento da diferencia-
lista e da fluminense, notadamente os ção socioespacial vis-à-vis a outras uni-
que mais logravam ter acesso, direta ou dades federativas economicamente
indiretamente, aos fundos públicos, não mais dinâmicas, não era fenômeno so-
tinham do que reclamar. Nesses mesmos cial exclusivo dos estados do Nordeste 15,

13
Não se derive do anotado, pois não é este o sentido, afir mando que a situação
socioeconômica se equivale à prevalecente na região Nordeste à época; apenas, insista-
se, afirmando que o desenvolvimento capitalista nacional, na ausência de condições sociais
intra-unidade federativa para fazer frente ao desenvolvimento anotado, pelo menos em
parte contribuiu para o seu crescente estiolamento econômico.
14
Ver, a respeito do termo “especificamente capitalista”, o livro O Capital, Livro I, Capítulo
VI (Inédito) (1978), de Karl Marx. Sobre os recursos alocados, ver Ianni (1977), Lafer
(s./d.) e Lessa (1975).
15
É fato que a questão regional não foi verbalizada enquanto tal na ex-capital federal; mas,
como apontado, parece pertinente insistir: caso ela tivesse sido e o Rio de Janeiro fosse
considerado uma “região-problema”, isso mudaria a discrepância de ritmo de crescimento
paulista diante do fluminense? Em outras palavras: suspeita-se firmemente que a aplicação
de mecanismos de transferência de renda para a unidade federativa em análise não alteraria
Alberto de Oliveira e Jorge Natal 53

e o outro (simplificando) é que o Estado, para o seu devir histórico, ou seja, para
em face da diminuição da sua presença o seu desenvolvimento (em sentido
em seus “domínios”, tornou-se efetivo lato).
problema para aquele presente e quiçá

Questão regional e papel do Estado – da entrada dos


anos 1960 ao novo século na “região” fluminense

Como veio de ser registrado, até o final segundo qüinqüênio e entrada deste
dos anos 1950, nem a temática do de- novo século, conquanto a economia flu-
senvolvimento regional nem a do Esta- minense tenha logrado alcançar sensível
do eram entendidas como problemas melhora na geração de riqueza, proces-
societários de relevo pelos cariocas em so que minimizou a retórica que o loca-
geral e tampouco pelas “elites” locais. lizava como uma “região-problema”,
Como também se registrou, a reversão persiste um “clima” de conflito em vista
desse quadro, o que sublinha o plano de um sentimento razoavelmente gene-
discursivo, tem início com a transferência ralizado de que o estado do Rio de Ja-
da capital para Brasília e avança inques- neiro estaria sendo marginalizado pelos
tionavelmente com a fusão do antigo es- sucessivos governos federais, procedi-
tado do Rio de Janeiro com o também mento que, por conseguinte, obstaculi-
antigo Estado da Guanabara (criado zaria o seu desenvolvimento econômico
quando da mencionada transferência). mais vigoroso. Dessas questões/periodi-
Luzes de aviso dos novos tempos foram zações se tratará em seguida.
então acesas. De outra maneira: os anos
1960 e 1970 foram ante-salas do que
estava por vir. Mais precisamente: os A emergência da “questão
anos 1980 e a primeira metade dos anos regional fluminense” e o
1990 foram marcados pelo entendimen- “abandono” pelo governo
to generalizado de que o estado do Rio federal
de Janeiro possuía enormes problemas
econômicos (baixo dinamismo) e pela É fato que a transferência da capital fe-
reiteração de verbalizações regionalis- deral para Brasília provocou “dores”
tas (de demandas e reclamações relati- como as das perdas definitivas; uma sen-
vas ao governo federal); sendo que no sação saudosista, para o bem e para o

suas condições sociais, históricas, físicas etc., como ilustrado pelo NE, que mesmo com a
introdução deles (mecanismos) não experimentou modificações econômicas significati-
vas, quer em termos nacionais quer em relação ao estado de São Paulo (ainda que tenha
havido impactos não desprezíveis em termos da sua renda absoluta, ao nível distributivo
intra-estadual ou regional também pouco mudou, a não ser o aprofundamento do abis-
mo social).
54 Qustão regional, Estado e desenvolvimento no século XX

mal, em especial na “alma” carioca. Em dinamismo da economia internacional e


que pese essa observação/fato, nos anos de o clima de guerra fria “produzir” efei-
1960 as atenções e preocupações esta- tos positivos em economias periféricas
vam centralmente voltadas não apenas de relativo porte, como (já) o era a bra-
para os processos societários que culmi- sileira.
naram no golpe político-militar de 1964,
como para os seus desdobramentos, Nesses termos, o sentimento de per-
sendo ainda necessário reconhecer que da existia, mas ele mais alcançava os
a economia nacional, depois da relativa desvãos da alma carioca, da sua auto-
paralisia de 1961-66, logo volta a cres- estima, do que propriamente a dinâmica
cer, relegando a segundo plano a ques- econômica e os ganhos das “elites” lo-
tão regional (inclusive a nordestina). cais. É dizer: nem a temática do desen-
Ademais, alguns investimentos impor- volvimento regional nem a ausência do
tantes, pela magnitude dos capitais apli- Estado eram, especialmente para os ca-
cados, foram efetivados em seu território riocas, questões verdadeira e definitiva-
nesses mesmos anos 1960, como exem- mente inscritas na agenda pública local.
plificado pela duplicação da capacidade Portanto, esses problemas continuavam
produtiva da Refinaria de Duque de sendo, sobretudo, dos outros.
Caxias, reforçando o adiamento da en-
trada efetiva da temática em discussão E os anos 1970? Nessa década, ape-
na agenda pública local. sar de o desempenho da economia
mundial sinalizar para o esgotamento
Completando um pouco mais esse dos seus “trinta anos gloriosos” (primeiro
quadro: a transferência da capital para e segundo choques do petróleo, avanço
Brasília encontrava-se em processo, o do desemprego, tensões inflacionárias
que significa dizer que seus efeitos ne- etc.), a brasileira experimentou cresci-
gativos sobre a renda local não geravam mento extraordinário (ver o chamado
resultados imediatos na ex-capital fede- milagre brasileiro – 1968-73 – e os im-
ral do país, sem falar das reiteradas pro- pactos notáveis sobre a economia nacio-
messas de sua compensação, aventadas nal derivados da implantação do II PND
pelo governo da época, pelas aponta- do Governo Geisel – 1974-79). Ou seja:
das “perdas” (entendidas como um embora houvesse falas orientadas no
compromisso a ser honrado pelo Estado sentido das cobranças relativas aos ônus
Nacional em vista da assinalada trans- do Rio para com o governo federal, quer
ferência). Há ainda que considerar o pela transferência da capital quer pela
seguinte: a economia mundial vivia na- ulterior fusão, tanto o cenário econômi-
quele momento (até o final dos anos co paulista quanto o do conjunto do país
1960) sob o signo dos anos de ouro do e também o internacional eram de cres-
capitalismo, conjuntura que também cimento, evidentemente mitigando as
conspirava contra a inclusão do tema supramencionadas reclamações e o pró-
crise econômica na agenda pública na- prio reconhecimento da região flumi-
cional; afora, é trivial, o fato de o próprio nense como “problema”.
Alberto de Oliveira e Jorge Natal 55

Convém enfatizar nesse ponto ainda, mento tímido de um discurso de cunho


como lembra Carlos Lessa (1978) em regionalista, inaudito nas plagas cario-
diversas falas e escritos, de que havia no cas, ganham densidade e passam a ser
ideário castrense de então um olhar ge- voz corrente, principalmente entre “eli-
neroso, embora eivado de delírios au- tes” empresariais e políticas.
toritários: o de que o Rio de Janeiro seria
a sede das empresas tecnologicamente
mais modernas do país. Mas não eram A questão regional e a “falta”
apenas delírios; tanto não eram que al- de apoio federal aportam
guns investimentos, seja pelos recursos finalmente nas “praias”
empregados seja pelo seu conteúdo tec- fluminenses (1980-2000)
nológico, chegaram mesmo a ser verifi-
cados no território fluminense, como Como apontado, a troca de sinal das
ocorreu emblematicamente com a ins- questões em tela é notável a partir da
talação da Usina Nuclear de Angra dos entrada dos anos 1980. Ou seja: o que
Reis. fora ensaiado nos anos 1960 e 1970,
mas contido pelas diversas conjunturas
Por conseguinte, havia elementos econômicas (interna e externa) e cons-
reais de “represamento” tanto da questão trangimentos políticos (ditadura), assu-
regional quanto do avanço das cobran- me então toda a sua plenitude.
ças aos governos federais acerca dos
seus compromissos com a nova unidade Isto posto, é preciso considerar que
federativa criada por força de lei – quan- há importantes distinções a serem feitas
do mais não fosse porque o Brasil se no largo período histórico iniciado a
encontrava sob as “botas de uma dita- partir dos referidos anos 1980. Em certo
dura político-militar” que, reitere-se, em esforço de periodização, entende-se que
seus delírios, executava uma política do há dois “momentos” a analisar, a saber:
“Estado, para o Estado e pelo Estado” o que diz respeito aos anos 1980 e à
(Lessa, 1978). Nos termos dos temas e primeira metade do decênio passado, e
recortes aqui propostos, essa é a confor- o que diz respeito à segunda metade
mação socialmente presente pelo me- desse mesmo decênio e ao qüinqüênio
nos até o final dos anos 1970, quando, inicial deste novo século.
enfim, resulta meridianamente claro que
os anos de ouro seriam “coisas” do pas- No que trata dos anos 1980/primeira
sado. Da “ilha de tranqüilidade em mar metade dos anos 1990, cumpre sublinhar
revolto” do general Geisel passa-se à que diversos fenômenos contribuíram
“economia de guerra” do general Fi- para que tanto a questão regional quanto
gueiredo, à moratória mexicana, aos as reclamações das “elites” fluminenses,
“defaults”, à chamada década econômi- especialmente das cariocas, no tocante
ca perdida. Numa frase: a festa acabara ao não-cumprimento por parte dos su-
e, com ela, o que fora ensaiado; as co- cessivos governos federais dos seus com-
branças ao governo federal e o surgi- promissos (supostos ou verdadeiros, não
56 Qustão regional, Estado e desenvolvimento no século XX

importa para este artigo) com o estado cas de recursos para o exterior (por conta
do Rio de Janeiro ganhassem efetiva dos saldos obtidos na balança comercial),
densidade. com gravosos impactos sobre os gastos
públicos e, por via de conseqüência, sobre
Um dos fenômenos mais flagrantes a própria geração de renda e emprego
da década de 1980 foi o relativo à crise domésticos, notadamente ao nível de um
econômica brasileira. Como segue. De- estado tão tributário da União/governo
pois de anos e mais anos de “produção” federal. Mas os problemas não pararam
de taxas expressivas de crescimento da aí, posto haver, ademais, a questão re-
riqueza social nacional, apesar de uma cursos internos: e esses, ao também
ou outra conjuntura desfavorável, o Brasil serem reduzidos 16, levaram à nova com-
experimentou um decênio marcado pela pressão dos gastos públicos, à elevação
recessão. Essa crise assumiu tamanha di- da carga tributária e ao enxugamento
mensão e complexidade que chegou a geral da chamada base monetária, im-
suscitar, da parte de economistas, a ex- pactando negativamente sobre a capa-
pressão “década econômica perdida”. cidade de gastos da quase totalidade dos
Mas qual a importância desse fenômeno agentes econômicos (públicos e priva-
para a discussão-objeto da presente re- dos) e incidindo mais uma vez de ma-
flexão? De maneira sintética: a crise do neira dramaticamente onerosa sobre a
aparelho econômico instalado no Brasil economia fluminense em vista do fecha-
no que concerne à geração de riqueza mento de mais essa possibilidade de fi-
social, pelo menos como ocorria antes, nanciamento dos seus gastos correntes
alcançou dramática e definitivamente o e de capital.
estado do Rio de Janeiro.
O resultado geral desse processo foi
Uma das suas principais dimensões a “década econômica perdida”, pelo
foi a atinente ao padrão de financiamen- menos em termos tecnológicos, para a
to da economia brasileira. Explicando: maioria da população brasileira 17. Ou
no que trata dos recursos externos, até seja: a conjuntura que até então permitia
então abundantes, eles escasseiam, pas- à economia fluminense ser beneficiada
sando o país a ser exportador líquido de por recursos públicos, via transferências
capitais. É dizer: ao adotar uma política constitucionais, salários do seu funcio-
econômica de natureza recessiva (deno- nalismo público e dos aposentados e
minada “de ajuste”), com centralidade pensionistas (todos gravemente arro-
discursiva no combate à inflação, para chados), como pelos gastos públicos
em verdade gerar superávits na balança autônomos, alcança seu limite. Para re-
comercial (exportação menos importa- sumir: uma economia (e sociedade) tão
ção), o Brasil transferiu somas gigantes- tributária da União e do governo federal,

16
Com a exceção dos recursos que foram destinados às atividades agroexportadoras, para
fazer divisas internacionais e pagar a dívida externa.
17
Mas não para os interesses do agroexportador e para os credores internacionais, que
experimentaram então, com certa defasagem, o seu “milagre”.
Alberto de Oliveira e Jorge Natal 57

como a carioca, não poderia se mostrar “vozes do Rio” (que operavam até então
senão em situação verdadeiramente dra- sem produzir maiores “reverberações
mática. sonoras”) começam a se fazer ouvir no
conjunto da sociedade fluminense. Tais
Assim sendo, é trivial que (passo vozes, principalmente aquelas ligadas
seguinte) as históricas fragilidades estru- aos setores naval, comercial e financeiro,
turais acumuladas pela economia e so- todas localizadas no município-sede,
ciedade fluminense, em especial pela buscaram nesse contexto emparedar os
carioca, se desnudassem por completo 18. governos estaduais então eleitos legiti-
Nesse sentido, o que era crise potencial mamente e, por conseguinte, tornar-se
se transformou em crise real. Explican- hegemônicas à luz da relativa escassez de
do: a perda de posição relativa da eco- recursos públicos; concomitantemente,
nomia fluminense para a economia esses mesmos interesses atacaram as re-
paulista, e desde os anos 1970 também presentações parlamentares locais no
para a mineira 19, não apenas fez soar Congresso Nacional visando assumir o
uma estridente sirene como evidenciou papel de “as vozes” de interlocução no
as fragilidades histórico-estruturais acu- Executivo Federal. Diversas reuniões
muladas que, em vista das várias conjun- são realizadas e entidades, criadas, de
turas analisadas (e apontadas), lograram modo a articular os fluminenses no sen-
ficar até então “submersas”. De outra tido de clamar por uma atenção parti-
forma: houve o definitivo reconheci- cular do governo federal para com os
mento do Rio, capital e interior, enquanto interesses do Rio. Afinal, seguia o discur-
unidade federativa na qual as diferencia- so, havia um compromisso não honrado
ções socioespaciais próprias do desen- (pelo Estado, melhor, pelos sucessivos
volvimento capitalista brasileiro também governos federais) tendo em vista a
se faziam presentes, bem como de sua transferência da capital e da fusão!
extrema dependência do Estado.
Mas a verdade é que, além de discur-
É desse modo, como mostrado em sos e interesses pretensamente represen-
trabalho anterior (Natal, 2005), que as tativos, havia uma realidade inescapável:
18
Fragilidades estruturais essas expressas em termos econômicos (na decadência e na falta de
competitividade da sua estrutura industrial), sociais (com agravamento da questão social,
como manifesto nos baixos salários, na precariedade no que trata das relações trabalhistas
etc.), político-institucionais (com avanço dos conflitos de natureza federativa com a União/
governo federal) etc., tudo isso, enfim, reiterando o quanto as elites (termo empregado
sem qualquer pretensão de rigor conceitual) locais foram capazes de afirmar seus interesses
sobre o conjunto da sociedade fluminense e de impedir, assim, a elaboração de diagnósticos
mais conseqüentes e transformadores – ver, a respeito, Natal (2005, capítulo 1).
19
Convém assinalar que diversos autores (Cano, Diniz, Pacheco etc.) mostram que desde
meados dos anos 1970 (e pelos menos até meados do decênio seguinte) houve impor-
tante mudança na geografia econômica nacional, o que significa dizer que muitos espaços
nacionais, até mesmo alguns sem qualquer história anterior de dinamismo econômico,
foram contemplados com investimentos e que a região fluminense ficou quase inteiramente
à margem desse processo.
58 Qustão regional, Estado e desenvolvimento no século XX

o governo federal fizera a opção por uma críticas das “elites” locais ao “abandono
política econômica recessiva e de apoio do Rio pelo governo federal” e aos que
praticamente exclusivo ao “agrobusi- o representavam no governo estadual e
ness”, o que, é trivial, passava à distância no parlamento federal.
do Rio de Janeiro e de todos os espaços
brasileiros vinculados ao setor industrial E tudo isso em quadro de pronuncia-
e ao mercado interno. Desse modo, a das mudanças no cenário econômico-
crise econômica crescentemente aguda espacial do país, na medida em que
no estado finalmente revertia à histórica diversas das suas frações territoriais alcan-
naturalização da presença do Estado na çavam graus importantes de dinamização
região fluminense, com destaque mais econômica, reforçando nas “elites” locais
que evidente no âmbito carioca, como e, por derivação, em parcela expressiva
ao também histórico alheamento da cha- da sociedade, em vista das críticas que
mada questão regional nas terras flu- elas (elites) faziam e logravam reverbe-
minenses, principalmente nas “praias” rar, o sentimento e/ou a apreensão de
cariocas. que o conjunto do estado bem como sua
fração carioca seriam estruturas societá-
No que trata dos anos 1990, parece rias em situação terminal 20. Portanto, o
possível demarcar dois breves subperío- que se apresentava, explicitamente ou
dos: o primeiro, grosso modo, refere-se não, era mais ou menos o seguinte: ou o
aos primeiros quatro a cinco anos dessa governo federal intervinha e resgatava
década, e o segundo, à sua segunda essa supostamente nova “região-proble-
metade. ma” (como se ela houvesse sido “inven-
tada ali” nos anos 1960 e 1970, quiçá
No que trata dos primeiros quatro nos próprios anos 1980!) ou a “situação
anos (ou alargando um pouco mais o terminal” seria inexorável!
tempo, apenas para facilitar o leitor, da
primeira metade do decênio anterior), É bem verdade que a partir do final
a situação fluminense se mostra de con- dos anos 1980 ou, mais especificamen-
tinuação, agravada, dos dez anos ante- te, de 1989 em diante, a realidade social
riores, sedimentando aí extraordinário mundial (ou pelo menos de quase todo
“caldo de cultura” para que as reclama- o mundo) se transformou de maneira
ções contra o governo federal fossem rápida e profunda. Nesse contexto, no
mantidas ou mesmo ampliadas. De âmbito doméstico, a chegada de Collor
outra forma: dados os cortes nos gastos de Mello ao poder central do país intro-
públicos, a manutenção do processo duziu, com “peso”, a agenda neolibe-
inflacionário, o avanço da crise interna- ral. Também nesse contexto, o estado do
cional etc., a crise econômica interna Rio de Janeiro acabou sendo alcança-
seguia adiante levando à ampliação das do, com novo destaque da sua fração

20
De outra maneira: sem possibilidade de suscitar qualquer devir que resgatasse pelo menos
um pouco da sua anterior e destacada presença na vida política nacional, como verificado
nos quase 200 anos em que fora capital imperial e da república.
Alberto de Oliveira e Jorge Natal 59

carioca, gerando outra “folga” nas críti- mente favorável ao estabelecimento


cas anteriores. Do seguinte modo: por de ações estratégicas (de desenvol-
conta de a perspectiva neoliberal ganhar vimento) e, não fora bastante, pelo
naquela conjuntura muitos corações e menos até 1999, em um cenário de
mentes, houve entre parcela importan- crescimento econômico;
te das “elites” locais uma espécie de
“sonho”; em linhas gerais, seria o seguin- — o centro da política nacional passa
te: o Rio de Janeiro acabaria sendo be- a sediar-se definitivamente em São
neficiado na medida em que, de um Paulo (com os dois governos Fernan-
lado, se a presença do Estado seria en- do Henrique Cardoso), evidencian-
fraquecida, de outro, principalmente a do, também em definitivo, que o Rio
sua capital, por continuar sendo “a porta deixara de ser referência para efeito
de entrada do país”, poderia voltar a da política e do jogo do poder nacio-
obter alguma centralidade no cenário nal e, ainda não fora igualmente
nacional em vista da sua história co- bastante, em contexto de importante
mercial, portuária e financeira, como e grave internacionalização (depen-
também enquanto sede de indústrias dência) da economia e da vida na-
modernas dos setores tecnológicos de cional; e
ponta. Em resumo: as antigas reclama-
ções acerca do abandono do Rio pelo — o fato de o governo do estado (do
governo federal e o sentimento que se Rio de Janeiro) ser assumido por An-
foi enraizando de que o Rio era uma “re- thony Garotinho, que não apenas se
gião-problema” experimentaram então põe em oposição ao presidente da
uma espécie de (nova) fase de (algum) República, Fernando Henrique Car-
recolhimento... doso, como brande discurso con-
soante com o ideário mais geral e
Já na segunda metade dos anos tradicional de correntes progressistas
1990 (em diante) há pelo menos três brasileiras, em especial cariocas, que
mudanças importantes no estado das articulam o binômio Estado-Projeto
artes do debate em exame, a saber: Nacional de Desenvolvimento.

— a sociedade brasileira volta a adquirir Em vista das mudanças e quadros


a possibilidade, incluindo a fluminen- apontados, especificamente do que trata
se, de “desenhar futuros” por conta da dimensão socioespacial, é preciso
da estabilização (dos preços) logra- ressaltar que surge em diversos lugares
da pela implantação do Plano Real do país um leque relativamente amplo
(1994). De outra maneira: descorti- de definições e de políticas orientadas
na-se depois de anos e mais anos de para a promoção de seus respectivos de-
exacerbação conjuntural (combate à senvolvimentos “locais” 21. Esse também
inflação) um quadro social relativa- é o caso do estado do Rio de Janeiro.
21
Provavelmente em função da ausência de qualquer macroprojeto nacional de referência
(Natal, 2006).
60 Qustão regional, Estado e desenvolvimento no século XX

Nesse sentido, cumpre registrar que houve sigual). Nova adição: que o governo
(mesmo) então um número razoável de estadual (Garotinho) teria conseguido
empreendimentos considerados de “base estabelecer uma parceria plena de êxito
local”, tais como: o Frutificar, no Norte e com o empresariado espraiado no e pelo
Noroeste; Moda Íntima, em Friburgo; estado, “driblando” o cerco do governo
Metal-Mecânico, no Médio Vale do Pa- federal “paulista”.
raíba etc. (Natal, 2005, cap. 7).
Possivelmente o que veio de ser
Em adição, sublinhe-se que esse es- (apenas) sugerido ganhe base analítica
tado começa a partir de meados dos mais segura quando se considera que
anos 1990 a apresentar determinada nesse período houve nítido reforço do
recuperação da sua economia, principal- discurso regionalista (emergente nos
mente quando ela é comparada consigo anos 1960). Isto é: o ERJ estaria sendo
mesma no tempo (tenha-se em conta sistematicamente discriminado pelos
que os anteriores 15 anos foram dramá- sucessivos governos federais, talvez até
ticos, sob qualquer perspectiva que se de forma mais aguda a partir dos gover-
analise o estado, inclusive ou mesmo nos “paulistas” de Fernando Henrique
destacadamente sob a da economia). Cardoso e Lula. Tais governos, “inimi-
gos do Rio”, seriam, por conseguinte,
Por conseguinte, poder-se-ia derivar óbices a um estado que, se não era mais
que o estado do Rio de Janeiro teria apresentado como “região-problema”
sido suficientemente ágil no sentido da (dada a inflexão econômica positiva),
compreensão da necessidade da defini- continuaria, no entanto, com enormes
ção de projetos estratégicos que, diante dificuldades para alcançar estágio vigo-
dos novos tempos e adversidades, o le- roso em seu processo de desenvolvi-
vasse a encontrar não só sua senda de mento econômico exatamente pela falta
desenvolvimento econômico, como a de apoio do ente governamental supra-
“produção” de maior equilíbrio espacial mencionado (o governo federal)!
(em um território tão historicamente de-

Considerações finais
Esta última seção encontra-se organiza- tempos presentes, tendo em vista, por
da em três blocos analíticos: A) o primei- suposto, os fios condutores deste artigo,
ro, extremamente sucinto, resgata as o Estado e a questão regional; C) o ter-
principais “conclusões” constantes do ceiro, brevíssimo, alinhavado em termos
presente artigo; B) o segundo, um pouco bastante amplos, busca situar o binômio
mais extensivo, discute a complexidade em tela vis-à-vis à temática do desen-
inerente ao tema desenvolvimento eco- volvimento fluminense.
nômico do estado do Rio de Janeiro nos
Alberto de Oliveira e Jorge Natal 61

A) AS PRINCIPAIS “CONCLUSÕES” DO ARTIGO cio dos anos 1960 até meados dos anos
1990), na sua formulação discursiva (de
Este trabalho, que examinou o que se determinadas frações capitalistas em
poderia denominar de entendimento busca de afirmação hegemônica) ele fun-
dominante verbalizado pelos fluminen- cionou, também cumpre assinalar, mais
ses em geral e cariocas em particular como “cortina de fumaça” à elaboração
acerca da trajetória da chamada questão de diagnósticos verdadeiramente conse-
regional e do Estado, na sua interação qüentes acerca da economia da região e
com os interesses “do Rio”, em linhas das suas relações, mais que com o Esta-
gerais chegou às seguintes “conclusões”: do, com os sucessivos governos federais;
o referido binômio não faria parte da sendo que no último recorte cronológico,
agenda de preocupações sociais (dos compreendido entre meados dos anos
fluminenses em geral e dos cariocas em 1990 e o presente, há tanto um “apaga-
particular, insista-se) desde o final do mento” indevido do estado do Rio de
século passado à entrada dos anos 1960, Janeiro como “região-problema”, na
quando passou a ser extremamente “ce- medida em que inexiste qualquer garan-
lebrado” – pelo menos até meados dos tia sobre a sustentação das suas taxas
anos 1990; sendo que a partir daí uma “positivas” de crescimento econômico,
das suas “pernas” mereceu destaque, a mesmo no futuro mais imediato, quanto
que concerne ao Estado (leia-se governo uma sublimação dos conflitos estabele-
federal), mas não a outra, a atinente à cidos com os sucessivos governos fede-
questão regional. rais que, assim sendo, ao transcenderem
à questão “discriminação do Rio de Ja-
De maneira um pouco mais detida. neiro”, obstam o entendimento do que
Embora no primeiro período o binômio efetivamente consiste em discriminação
tenha sido negado como tema societário e do que é disputa política em vista de
relevante, cumpre assinalar que ele mais projetos de poder (pouco importando
obliterou a realidade que propriamente aqui se eles são pessoais ou não, legíti-
a desvelou, posto que o fato de a “União” mos ou não!).
estar no Rio não significava que ele fosse
a “União”, nem que a economia flu-
minense, mesmo a carioca, não experi- B) A COMPLEXIDADE INERENTE À DISCUSSÃO DO DE-
mentasse gravosa e crescente perda de SENVOLVIMENTO ECONÔMICO DO ESTADO DO RIO
importância no contexto nacional, “cami- DE JANEIRO, TENDO EM VISTA, POR SUPOSTO, O
nhando” que estava para posicionar-se, ESTADO E A QUESTÃO REGIONAL NO PERÍODO QUE
no tempo, como mais uma “região- SE ESTENDE DE MEADOS DOS ANOS 1990 ATÉ OS
problema” nacional (em termos da sua DIAS CORRENTES
crescente “perda de fôlego” endógena
quanto à geração de riqueza social); por Particularmente no que diz respeito à
outro lado, apesar de o referido binômio atual dinâmica econômica da “região” flu-
ganhar centralidade ao nível da práxis no minense e às disputas dos governos do
intervalo temporal subseqüente (do iní- ERJ com os governos federais no perío-
62 Qustão regional, Estado e desenvolvimento no século XX

do supramencionado, faz-se necessário trás (como dizem os economistas), deri-


considerar analiticamente que, além dos varam de decisões feitas por “agentes”
(últimos) reparos efetuados sobre o dis- como o governo federal (ver o setor pe-
curso que nega o ERJ como uma “re- tróleo, com rebatimentos no âmbito de
gião-problema” e o que acusa o governo todo o estado e, em particular, na sua
federal como “o” responsável pelos seus Região Norte) e o grande capital estran-
males, há verbalizações recentes acerca geiro (ver o setor metal-mecânico, no
desse debate a merecerem alguma aten- Médio Vale do Paraíba, com destaque
ção, posto “dificultarem” a apreensão para Resende e Porto Real). Reiterando:
mais acurada da realidade do estado; a os investimentos que mais contribuíram
saber: para a inflexão econômica positiva ve-
rificada desde meados do decênio an-
B.1) A RECENTE E RELATIVA RECUPERAÇÃO DA ECO- terior ocorreram por conta de processos
NOMIA FLUMINENSE (PÓS-1995) SERIA RESULTADO “sitos” fora do controle da Firjan e dos
DE SOLUÇÕES LOCAIS E DE INICIATIVAS E DECISÕES governos estaduais, como ilustrado pela
TOMADAS PELO GOVERNO ESTADUAL, O QUE PODE- privatização de ativos públicos (de do-
RIA LEVAR AO SEGUINTE E EQUIVOCADO ENTEN- mínio da órbita federal) e pelas novas
DIMENTO : O DESENVOLVIMENTO DO ESTADO SE lógicas estratégicas de localização das
RESOLVERIA EM SEU PRÓPRIO ÂMBITO grandes empresas globais (como é o
caso das relativas à dinâmica de inves-
É preciso considerar que, apesar de timento da indústria automotiva).
muitos empreendimentos levados a
cabo no estado terem sido assumidos Logo, a tese que defende ser o Rio
como seus pelo governo estadual e uma não-“região-problema” parece ser
constarem da carteira de projetos da no mínimo insuficiente pelo fato de o
Federação das Indústrias do Estado do seu desenvolvimento econômico, pelo
Rio de Janeiro (Firjan) 22, eles têm, es- menos o recente, guardar relação estrei-
pecialmente os que “pesam” para a eco- ta com “variáveis exógenas” à dinâmi-
nomia do ERJ, suas decisões efetuadas ca econômico-societária fluminense (!).
por “agentes externos ao estado”, de
maneira alheia ao controle da Firjan e B.2) EM VISTA DE B. 1 , TAMBÉM SE PODERIA INTUIR,
das “elites” políticas e econômicas flu- DISCURSIVA E EQUIVOCADAMENTE, QUE O DESENVOL-
minenses (ou propriamente cariocas). VIMENTO FLUMINENSE RECENTE NÃO DERIVARIA DAS
SUAS IMBRICAÇÕES COM AS ORIENTAÇÕES NEOLIBE-
Dizendo de maneira diferente: os RAIS (MAS SE DERIVASSE?)
investimentos decisivos para o dinamis-
mo econômico do estado, ou seja, aque- A realidade francamente nega a tese an-
les intensivos em capital, com maiores terior; a saber: o desenvolvimento eco-
efeitos econômicos para frente e para nômico fluminense recente não pode

22
Sem prejuízo dos esforços que esses “atores” tenham feito no passado relativamente
recente (pós-1995) e fazem no presente para a promoção do desenvolvimento econô-
mico da unidade federativa em análise (o que os autores não negam).
Alberto de Oliveira e Jorge Natal 63

ser explicado sem a consideração dos vel afirmar que essa unidade federativa
investimentos efetuados pelas empresas continuaria mal em termos da produção
globais (centralmente definidos pelas de riqueza social, quiçá como se encon-
suas lógicas de atuação planetária), de- trava nos anos 1980 e primeira metade
vendo-se acrescentar aí os que se verifi- dos anos 1990.
caram a partir do recuo do Estado das
suas tradicionais obrigações públicas e Insistindo. O que se está aqui (mais
em prol do crescimento econômico, e que) sugerindo é que as políticas de ins-
sob a sua égide. Logo, não há como fazer piração neoliberal, no caso do estado
tábula rasa das orientações neoliberais do Rio de Janeiro, no que tange à gera-
presentes na realidade contemporânea ção de riqueza social, não teriam sido
fluminense. tão-somente problemas (desemprego
etc.), mas também “caminho” (impor-
De maneira sucinta: os dados esta- tante) de “pavimentação” da relativa re-
tísticos comprovam de maneira inequí- cuperação da economia do estado.
voca que a política econômica, de Tanto que, com a exceção do estado de
inspiração neoliberal, tão criticada, in- São Paulo, poucos foram os lugares que
clusive pelos autores deste artigo 23, teria conseguiram obter tantos investimentos
participado até decisivamente no/do ligados à privatização em semelhantes
processo histórico de “inflexão econô- magnitudes, assim como tantos capitais
mica positiva” do Rio, dado que se o estrangeiros (aplicados em setores diver-
estado em tela dependesse apenas da sos da economia local).
capacidade de investimento público es-
tadual, e dos capitais privados locais e Em que pese essa “positividade”,
nacionais, quase certamente seria possí- não se pode esquecer que, além do que
23
Nesses termos, convém registrar o seguinte: se é fato que os investimentos em tela injetaram
recursos na economia fluminense, não se pode perder de vista que essas inversões, incluindo
ou mesmo sublinhando as advindas do processo de privatização, não implicaram na disse-
minação de ganhos de produtividade (a famosa modernização) pelo conjunto da estrutura
produtiva fluminense (senão o contrário, na medida em que elas foram majoritariamente
pontuais, em termos tanto setoriais quanto espaciais). Adicione-se nessa linha que particu-
larmente em relação à indústria petrolífera, que ocupa posição de destaque no que respeita
a investimento e a arrecadação, ela define um ramo da atividade econômica com horizonte
temporal relativamente preciso (pois está baseado em matéria-prima não-renovável), sendo
ainda altamente gerador de externalidades negativas (ambientais) cujos prejuízos, regra
geral, recaem sobre o poder público (conquanto seja ainda difícil contabilizar essas
externalidades, principalmente na área da saúde). Além disso, como se trata de uma Indústria
“madura”, o capital estrangeiro atraído para o Rio de Janeiro em razão da privatização não
agregou “conhecimento novo” (tecnologia) significativo ao parque industrial (deve-se lem-
brar que essa era uma das promessas das teses liberais). Enfim, se não há dúvidas de que
o crescimento recente da economia fluminense é explicado principalmente pelo aporte de
recursos públicos e privados derivados da política liberal (privatização), muitas são as inquie-
tações sobre a capacidade de manutenção desse processo de crescimento a longo prazo,
em vista pelo menos dos seus custos em termos ambientais, bem como sobre seus desdo-
bramentos no conjunto da matriz produtiva estadual.
64 Qustão regional, Estado e desenvolvimento no século XX

se assinalou na nota 23, se o dinamis- Nesse sentido, posicionar-se-ia uma


mo econômico do estado repousa em nova démarche: apesar de a capital ter
alguma medida em capitais e decisões sido transferida para Brasília, haveria
externas ao país, sem deixar de mencio- subsistido algum poder carioca (por in-
nar suas implicações gravosas em relação crível que possa parecer ao estado das
a emprego, a concorrência doméstica, a artes dominante do debate contemporâ-
gestão democrática etc., torna-se eviden- neo), tanto que ele teria sido importan-
te que a dinâmica econômica “local” se te para o relativo renascer da economia
encontra submetida a processos e deci- fluminense (!). E mais: que assim sendo,
sões extremamente complexos, o que além da saudação que ainda se faria
mais uma vez indica o quanto é prema- necessário à passagem da capital impe-
turo (ou indevido mesmo) afirmar que rial e da república pelo Rio de Janeiro,
o Rio de Janeiro é desde logo uma não- seria mais que nunca necessário avaliar
“região-problema”. com o devido rigor a reiterada reclama-
ção tão carioca do “Rio discriminado
B.3) O RIO DE JANEIRO, EM VISTA DO SEU PROCESSO pelo governo federal”, tendo em vista,
HISTÓRICO DE “PERDAS” E CONFLITOS COM OS SU- apesar dos pesares (leia-se, dos ventos
CESSIVOS GOVERNOS FEDERAIS, NÃO TERIA MAIS neoliberais e da privatização dos anos
QUALQUER PODER POLÍTICO NO ÂMBITO DA FEDE- 1990), a presença de empresas estatais
RAÇÃO BRASILEIRA É OUTRO DISCURSO CORRENTE, de porte em seu território como o são,
MAS TAMBÉM EQUIVOCADO por exemplo, a Petrobras, o BNDES, a
Finep, a Infraero, bem como dos inves-
Não parece impertinente afirmar que a timentos privados que vieram de ser nele
inflexão econômica positiva tantas vezes efetuados em interação com a história
referida neste trabalho se explicaria pelo desse lugar.
menos em parte pelas heranças deixadas
pela passagem da capital imperial e da Nesse caso, seria imprescindível se-
capital republicana pelo território flumi- parar o que efetivamente é governo e o
nense (portos, universidades, centros de que é Estado, de modo a não obscurecer
pesquisa, indústria naval, sedes de di- ainda mais a discussão, uma vez que se
versas estatais etc.), posto que se assim a questão fosse apenas o segundo, o
não fosse como explicar, ilustrando, que Estado, possivelmente não se poderia
as grandes empresas de telefonia priva- falar, muito menos enfaticamente, em
da tenham escolhido flagrantemente o discriminação do Rio; e, por fim, também
Rio para implantar suas sedes 24? seria imprescindível não perder de vista

24
Igualmente, como explicar que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social (BNDES), a maior e única instituição com capacidade de financiamento de longo
prazo, esteja situada na Avenida Chile e não na Avenida Faria Lima (berço do novo,
poderoso e maior centro financeiro do país)? Logo, em sendo verdade o sugerido, poder-
se-ia dizer que apenas a política (simbólica) seria capaz de explicar esse fenômeno, pon-
tificando aí a apontada herança carioca de ter sido por tanto tempo capital imperial e da
república.
Alberto de Oliveira e Jorge Natal 65

que se a presença do governo federal res deste artigo têm marcadas suspeitas
continua importante para a unidade fe- quanto à veracidade dessa tese-discurso.
derativa em exame, como a história
desse lugar, o seu desenvolvimento, De outra maneira: mais ainda duvi-
mesmo considerada apenas a dimensão dam de que os cariocas, em sua maio-
econômica, igualmente continua a me- ria, tenham experimentado um processo
recer preocupação, na medida em que histórico-cultural (acelerado) de elimina-
tanto o tema do Estado quanto o da his- ção da idealização de grandes projetos
tória encontram-se fora da agenda pú- de referência para o estabelecimento do
blica. seu desenvolvimento. Enfim: possuem
a firme convicção de que essa tese-dis-
B.4) A INFLEXÃO ECONÔMICA POSITIVA SERIA RESUL- curso seria improcedente não apenas
TADO DA PREVALÊNCIA DO IDEÁRIO DAS SOLUÇÕES porque seu ponto de partida seria pro-
LOCAIS E DE UMA POSTURA POLÍTICO -CULTURAL vavelmente mistificador, o que supõe
ANTI-ESTADO, TESES ESSAS RADICALMENTE ANTÍPO- que haveria incontestável superioridade
DAS À HISTÓRIA DA FORMAÇÃO SOCIAL CARIOCA 25, das “soluções locais” e das parcerias
E ESSA RACIONALIDADE E PRÁTICA TERIAM EVITADO público-privadas sobre as formas que
QUE O RIO CONTINUASSE A SER UMA “REGIÃO-PRO- lhe são opostas, como também porque
BLEMA”, O QUE, COMO ANTES, TAMBÉM PELA SUA a história de uma formação social não
EXCESSIVA SIMPLIFICAÇÃO, MOSTRA-SE MAIS UMA “evapora” dos corações e mentes, com
VEZ TESE/DISCURSO EQUIVOCADO grande facilidade, ao sabor de mudan-
ças de natureza conjuntural.
Em vista do conjunto dos aponta-
mentos efetuados sobre a realidade flu- Assim, evidencia-se o quanto é pro-
minense pós-1995, particularmente blemático tributar o desenvolvimento
nestas considerações finais (todos proble- econômico do estado a “soluções” como
matizando o desenvolvimento econômi- as que vieram de ser aludidas e, passo
co da “região” fluminense), a questão seguinte, considerá-lo uma não-“região-
que intitula este subitem também precisa problema”. Talvez pior ainda: abrindo
ser enfrentada. Avançando: em que pese mão do seu patrimônio sociocultural, da
ser voz corrente em meios intelectuais, sua histórica participação nas grandes
empresariais etc., a defesa da necessi- lutas nacionais, do seu também histórico
dade do abandono do que restou de olhar holístico e escalar, para tristemente
veleidade quanto a macroprojetos de re- refugiar-se numa irrefletida e inconse-
ferência para o desenvolvimento, tanto qüente busca pela (sua) salvação no cre-
para o estado quanto para o país, os auto- do “paroquial-hedonista” que, ao fim e

25
Quando possivelmente a parceria política do governo estadual com a Firjan, indepen-
dentemente da consciência dos sujeitos envolvidos, tenha sido a expressão do reconheci-
mento de que se encontrava em curso um processo que escapava do seu controle e
mesmo da sua efetiva capacidade de intervenção. Ou seja: essa parceria seria uma espécie
de tentativa de lograr centralidade política em uma situação que lhes era relativamente
adversa.
66 Qustão regional, Estado e desenvolvimento no século XX

ao cabo, apenas disfarça suas muitas fra- trar que é preciso não perder de vista
gilidades, em especial as estabelecidas que a economia fluminense continua,
com o governo federal. apesar dos esforços dos governos esta-
duais do período em atrair empresas e
negócios para o seu território, a apresen-
C) A QUESTÃO REGIONAL, O ESTADO E O (FUTURO) tar enormes debilidades endógenas no
DESENVOLVIMENTO FLUMINENSE que concerne à sustentação do seu cres-
cimento econômico e a confundir, pro-
A análise desenvolvida neste artigo pro- positadamente, conflito de natureza
curou resgatar o quanto o abandono da federativa, que parece existir, e de for-
questão regional, particularmente pela ma mais aguda nos últimos anos (pós-
população carioca, afirmando-a como FHC), com disputas políticas de
questão nordestina, acabou cumprindo “espaço”. Logo, salvo engano, parece
papel perverso para o efetivo desnuda- que a sociedade fluminense encontra-
mento dos seus muitos problemas; que, se vivenciando uma situação, expressa
assim sendo, é trivial, “apenas” se acu- na démarche em questão, que mais con-
mularam. Mais: que o processo de “na- funde do que esclarece a produção de
turalização” do Estado foi decisivo na diagnósticos conseqüentes sobre o seu
medida em que obliterou esses mesmos devir.
problemas (ao “funcionar” como biom-
bo para que certos interesses particula- Não fora bastante, e possivelmente
res, a maioria “dependente de recursos por causa disso, há o posicionamento de
públicos”, se afirmassem discursivamen- uma série de discursos nitidamente equi-
te como “do estado”). Passo seguinte se vocados ou insuficientes concernentes à
mostrou que o “choro lamuriento” ver- referida produção (de diagnósticos e de
balizado por dadas frações de classe e terapias), todos mais ou menos dominan-
prevalecente dos anos 1960 até meados tes, alguns deles negando os outros 26, o
dos anos 1990, não obstante desvelar a que demonstra o quanto é preciso apro-
crise societária profunda e complexa flu- fundar a análise de modo a evitar que
minense, fundamentalmente indicava o eles adiem a busca por soluções efetivas
quanto essas frações haviam sido aban- para o enfrentamento das inúmeras di-
donadas em vista das novas configura- ficuldades que estão postas para a eco-
ções econômicas e políticas que se nomia e a sociedade fluminense, posto
posicionaram na cena brasileira. Por serem regra geral “apenas” ideológicos
fim, no pós-1995, procurou-se demons- e/ou políticos, e nada científicos.

26
Tais como: microiniciativas de base local, definições e ações do governo estadual (quando
as decisões empresariais privadas do grande capital internacional foram determinantes
da inflexão econômica positiva de meados dos anos 1990 para cá), dependência total do
Rio ao governo federal, negação definitiva da importância do Rio na vida nacional brasi-
leira etc.
Alberto de Oliveira e Jorge Natal 67

Referências

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brasileira no Século XX. Rio de Janeiro: Campinas: Unicamp, 1998.
Pubblicati, 2006.

Resumo A bstrac t
O objetivo desse estudo é comparar a The objective of this work is to compare
evolução da economia fluminense vis- the diagnostics and the evolution of the
à-vis aos discursos produzidos pelos economy of Rio de Janeiro. It’s intended
agentes econômicos. A análise abrange to show the differences between the
três importantes momentos da histórica speeches and the real situation of the
econômica do Rio de Janeiro: i) do final economy in three important periods: the
do século XIX até os anos 1960, quan- end of 19th century until 60’s, when
do os sinais da crise não eram identifi- there’s no crisis in Rio de Janeiro for
cados na economia; ii) as décadas de many players; ii) the 70’s and 80’s, when
1970 e 1980, quando o discurso da crise several agents demanded resources of
emerge colado à demanda por recursos the federal government in reason of the
federais; e iii) dos anos 1990 até a atuali- crisis, and iii) the 90’s until today, when
dade, quando o Rio de Janeiro retomou the economy of Rio de Janeiro returns
a trajetória ascendente de crescimento to economic growth.
econômico.

Palavras-chave : Rio de Janeiro, desen- Keywords: Rio de Janeiro, regional de-


volvimento regional, economia brasileira. velopment, Brazilian economy.

Recebido em agosto de 2006. Aprovado para publicação em maio de 2007

Alberto de Oliveira é economista, Doutor em Planejamento Urbano e Regional


pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (IPPUR/UFRJ) e professor do Departamento de Economia da Uni-
versidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).
Jorge Natal é economista, Doutor em Ciências Econômicas pela Universidade
Estadual de Campinas e professor-associado do Instituto de Pesquisa e Planejamento
Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Coordena o Labora-
tório Estado, Economia e Território (LESTE). É pesquisador do CNPq e da FAPERJ.
Inovação e desenvolvimento:
uma análise comparativa de dois
programas de novas tecnologias
em Santa Catarina *
Marcos Antônio Mattedi e Ivo Marcos Theis

A problemática da inovação tecnológica em Santa


Catarina

A preocupação com a relação entre Ciên- processo de modernização homogenei-


cia, Tecnologia e Inovação (CT&I) e De- zadora baseada e, na maior parte dos
senvolvimento Regional (DR) em Santa casos, sustentada por uma forte presen-
Catarina surge no contexto da redefini- ça do estado, que muitas vezes se so-
ção do padrão predominante de desen- brepôs às especificidades culturais e
volvimento socioeconômico do estado. ambientais de cada região 1, a dinâmica
Num cenário nacional marcado por um de desenvolvimento de Santa Catarina

* Uma versão inicial deste artigo foi apresentada nas VI Jornadas Latino-Americanas de
Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia, que tiveram lugar entre 19 e 21 de abril de
2006 em Bogotá, Colômbia. A pesquisa que lhe deu suporte foi financiada pela Fundação
de Amparo à Pesquisa Científica e Tecnológica do Estado de Santa Catarina (Fapesc).
1
O pressuposto é de que espaços regionais são permanentemente produzidos a partir da
[re]definição, também permanente, de limites e fronteiras pela dinâmica capitalista – em
uma palavra: por causa da permanente [re]regionalização. A esse propósito, cabe acres-
centar que “o termo refere-se, mais do que à efetiva existência de regiões, à capacidade
de produzi-las, o que inclui o acionamento de ideologia, com apoio, por exemplo, em
dados da paisagem, valores culturais compartilhados ou critérios político-científicos que
legitimem fronteiras e limites. O reconhecimento de regiões fundamenta-se [...] na natu-
ralização de relações sociais, baseada em processos que ocultam diferenças e interesses”
(Ribeiro, 2004, p. 198).

Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XX, No 2, 2006, p. 69-92


70 Inovação e desenvolvimento

sempre foi apresentada como uma ex- ca de desenvolvimento (ver Quadro 1).
periência diferenciada em relação aos Por um lado, cresce a importância das
demais estados do país. Os principais grandes empresas, crescimento patroci-
aspectos desse diagnóstico referem-se nado, sobretudo, por políticas públicas
tanto ao modelo de ocupação quanto à que forneceram suporte financeiro para
estrutura socioeconômica. Com relação a expansão do setor têxtil e do setor
ao modelo de ocupação, este foi mar- metal-mecânico, acompanhando a ten-
cado pela colonização estrangeira, que dência nacional do período. Por outro
introduziu uma estrutura fundiária na lado, intensificou-se o processo de con-
qual prevaleciam a pequena proprieda- centração da população nas maiores ci-
de e a policultura. Quanto à estrutura dades, notadamente nas cidades de
socioeconômica, esta vinha sendo ca- Joinville e Blumenau, invertendo-se,
racterizada pela capacidade de desen- assim, a estrutura fundiária que caracteri-
volvimento sustentado da pequena e zou o período anterior. Essa redefinição
média indústria, que direcionavam sua da tendência histórica de desenvolvi-
produção para o mercado local. Essas mento acabou gerando um conjunto de
precondições históricas responderiam, problemas característicos da concentra-
assim, pela relativamente equilibrada ção das atividades produtivas e da popu-
distribuição espacial da população e das lação. Mas, em função das características
atividades econômicas, complementada do processo de ocupação do espaço e
pelo desenvolvimento de uma rede de do padrão de apropriação dos recursos,
pequenas e médias cidades e por uma essa redefinição acabou gerando tam-
menor concentração de renda. Esses bém um conjunto de problemas espe-
seriam os fundamentos do que se con- cíficos, como, por exemplo, a sobrecarga
vencionou caracterizar como “modelo da capacidade regenerativa do ambien-
catarinense de desenvolvimento” (Ceag, te natural e a sobrecarga da capacidade
1980; Hering, 1987; Raud, 1999; Lenzi, assimilativa causada pela poluição cres-
2000). cente. Esse processo tornou as princi-
pais cidades dessas regiões vulneráveis
A partir da década de 1970, contudo, a impactos socioambientais (Mattedi,
observa-se uma redefinição dessa dinâmi- 2000, p. 195-230).

Quadro 1 : Estilização dos modelos de desenvolvimento brasileiro e catarinense

Especificação Brasil Santa Catarina


Distribuição População concentrada em
População dispersa em pólos regionais
demográfica regiões metropolitanas
Distribuição equilibrada: regiões
Elevada concentração no
Parque industrial especializadas com aglomerados setoriais
eixo Rio-São Paulo
locais
Continua
Marcos Antônio Mattedi e Ivo Marcos Theis 71

Quadro 1 : Continuação
Especificação Brasil Santa Catarina
Perfil da Propriedade de médio e Pequena propriedade (agricultura familiar,
agropecuária grande portes temporariamente bem-sucedida)
– quanto ao módulo Predomínio da agricultura Equilíbrio entre lavouras e pecuária (aves,
predominante suínos e gado)
– quanto à produção
Empresas líderes:
Origem das Predominância de empresários
multinacionais e grandes locais/estaduais e papel secundário de
empresas grupos econômicos
estatais produtivas e multinacionais
nacionais
Origem dos recursos: Origem dos recursos:
a) Fase pioneira: a) Fase pioneira:
– capitais do setor – artesanato industrial e pequena empresa
cafeeiro e do comércio (recursos oriundos de atividades
exterior comerciais, de captação de poupança do
setor rural e de lucros retidos)
Capitalização b) Após 1960: b) Após 1960:
– recursos governamen- – recursos próprios, financiamentos de
tais (estatais federais) longo prazo de Bancos de
– recursos de multinacio- Desenvolvimento e incentivos fiscais
nais (repassados para estaduais
filiais estabelecidas no
Brasil)
Oferta limitada de Significativa expansão do emprego industrial
empregos industriais até 1980, em razão do desenvolvimento
simultâneo de indústrias dinâmicas e da
Geração de reconversão de subsetores tradicionais
empregos
Drástica redução da oferta Retração, após 1985, da oferta de empregos
de emprego após 1985 industriais e forte redução de mão-de-obra
no setor agropecuário
Acentuado dinamismo no período 1970-
Potencial de Desempenho fraco / médio 1995, com perfil diversificado e significativa
exportação
participação de produtos industrializados
Elevada capacidade e dinamismo
Empreendedorismo Fraco / médio
empresariais
Aumento progressivo da solidariedade entre
os atores governamentais e representantes
Associativismo / das atividades produtivas.
Fraco a médio
cooperativismo Ambiente institucional favorável a avanços.
Bom uso dos ativos relacionais, baseados na
construção da confiança e na cooperação
Desenvolvimento recente. Incorporado à economia estadual, com
Turismo Predomínio de resorts: fortes impactos socioambientais, sobretudo
grandes complexos na franja litorânea e lastreado em micro,
turísticos auto-suficientes pequenos e médios empreendimentos
Font e : Vieira e Cunha (2002, p. 298).
72 Inovação e desenvolvimento

Paralelamente ao declínio das ativi- presas de software; b) Centro de Desen-


dades produtivas tradicionais observado volvimento Biotecnológico (CDB), que
a partir da década de 1970, verificam-se constituiu uma associação civil de direito
também a emergência e o fortalecimento privado e de caráter científico, criada com
de pequenas e médias empresas de alta o objetivo de promover as atividades de
tecnologia. Esse processo é o resultado pesquisa e desenvolvimento no campo
de uma combinação bastante particular da biotecnologia industrial. Muito embo-
das relações entre CT&I e a sociedade, ra o binômio CT&I venha assumindo
mais precisamente, das relações entre a uma importância crescente para o DR,
universidade, o poder público e o setor essas relações permanecem ainda consi-
produtivo. Como exemplos do fortaleci- deravelmente incompreendidas no esta-
mento do setor de alta tecnologia no de- do de Santa Catarina. Nesse sentido, o
senvolvimento de algumas regiões de interesse no estudo destes dois casos
Santa Catarina, destacamos: a) Blume- surge do contraste que ambos apresen-
nau Pólo de Software (Blusoft), que tam quanto aos respectivos arranjos ins-
constitui uma incubadora de empresas titucionais, modelos de coordenação e,
cujo objetivo é a promoção de novas em- principalmente, resultados alcançados.

Estratégias de abordagem da ciência tecnologia &


inovação
A preocupação com CT&I vem assumin- ção entre contexto social e conhecimento
do importância crescente nos países in- por meio de uma equação linear: + ciên-
dustrializados, revelando que a mudança cia = + tecnologia = + inovação = +
tecnológica vem sendo considerada a desenvolvimento = + bem-estar regio-
base do desenvolvimento econômico, na nal. Entretanto, ao contrário do que se
medida em que a produção do conheci- imaginava até pouco tempo, a relação
mento e a inovação compreendem o entre inovação tecnológica e DR não é
principal fator de agregação de valor ao linear, mas um processo multidimensio-
processo produtivo (Arrow, 2000; Bird, nal, condicionado por fatores culturais,
1999). No momento em que o conheci- políticos e econômicos. As análises sobre
mento se converte num fator determinan- esse processo indicam que “o forte entre-
te da dinâmica de desenvolvimento das laçamento de alianças e interações entre
sociedades modernas, as relações entre empresas, e entre elas e as instituições
CT&I e o DR permanecem ainda bastante locais, constitui um fator explicativo mui-
desconhecidas no estado de Santa Cata- to importante” (Bercovich e Schwanke,
rina. Essa incompreensão pode se acen- 2003, p. 9). Porém, o interesse analítico
tuar porque as representações do parece residir justamente na explicação
processo de produção do conhecimento, de como se entrelaça socialmente essa
presentes nos meios acadêmicos e na rede de alianças e interações.
opinião pública, ainda descrevem a rela-
Marcos Antônio Mattedi e Ivo Marcos Theis 73

Do ponto de vista metodológico, exerce sobre o perfil do desenvolvimen-


existe um conjunto verdadeiramente to científico e tecnológico, mas também
amplo de concepções das relações entre os efeitos que esse processo exerce sobre
conhecimento científico-tecnológico e o próprio contexto social. Assim, não se
DR. Pode-se, por exemplo, supor que trata de supor que o êxito relativo do
essas relações sejam guiadas por uma Blusoft para o desenvolvimento do Vale
base normativa, já que a ciência, como do Itajaí em comparação com o CDB
qualquer outra instituição, fundamenta- para o Vale do Cubatão se deva às dife-
se em regras, como mostrou a análise renças de gabarito tecnológico ou às
efetuada por R. Merton sobre o cresci- diferenças de significado que cada uma
mento do interesse pela tecnologia e das regiões atribui ao desenvolvimento
pela ciência na Inglaterra do século XVII tecnológico. Mais precisamente, não se
(Merton, 1970; Bem-David, 1974). trata somente de supor que as diferenças
Dessa perspectiva, as ligações entre de- entre os dois programas se deva à maior
senvolvimento científico e tecnológico articulação do setor de informática em
e DR em Santa Catarina deveriam ser face da crise do setor têxtil no Vale do
buscadas nas mudanças de valores. Itajaí em comparação com a falta de ar-
Pode-se também supor que essas rela- ticulação do setor biotecnológico em
ções sejam de natureza mais profunda face da internacionalização do setor
e, assim, determinem o próprio conteú- metal-mecânico no caso do Vale do Rio
do do conhecimento científico, consti- Cubatão. Na verdade, a hipótese subja-
tuindo-se no resultado de um processo cente sustenta que a morfologia dos pro-
de construção social, como sugere o gramas de inovação tecnológica e suas
Programa Forte em Sociologia do Co- articulações com o DR são produtos de
nhecimento. Trata-se, por exemplo, do uma relação que atravessa as instituições
modelo de análise denominado Social tecendo redes complexas e inesperadas
Construction of Technology, para o qual que envolvem os atores individualmen-
a tecnologia é construída socialmente te, as instituições e as esferas de atividade.
(Bijker, 2005, p. 19-53; Bijker e Pinch,
2002, p. 361-369). Nesse caso, as liga- O ponto de partida dessa caracteri-
ções entre cada programa de novas tec- zação constitui o reconhecimento da
nologias (aqui, o CDB e o Blusoft) e o heterogeneidade das relações que vincu-
DR seriam o resultado das escolhas e lam os programas de inovação tecnoló-
interpretações que os atores envolvidos gica ao DR. Na realização das atividades
efetuaram, tanto do setor de informática tanto econômica quanto política ou cien-
quanto do setor de biotecnologia, e seu tífica, observa-se sempre mais e mais
papel no desenvolvimento de Santa uma diversidade de atores que possuem
Catarina. fins, projetos e interesses distintos e, até
mesmo, contraditórios. Assim, na im-
Mais recentemente, tem ganhado plantação de um programa científico-
força uma abordagem que destaca não tecnológico, enquanto um conjunto de
só as influências que o contexto social atores, como os cientistas, pode visar à
74 Inovação e desenvolvimento

consolidação do processo de formação pelo mercado ou pela hierarquia pública.


científica na região, outro pode, simples- Com base nesse ponto de vista, argumen-
mente, visar à melhora de sua participa- tamos que as diferenças verificadas entre
ção no mercado, como os empresários, o CDB e o Blusoft podem ser atribuídas
e outro, ainda, pode visar à reprodução aos gradientes de convergência que cada
política, como os representantes políti- rede conseguiu firmar com o DR por
cos. Isso indica um crescente processo meio das alianças heterogêneas firmadas
de interação entre atores e, com isso, a entre laboratórios, indústrias, setor públi-
multiplicação de negociações e o estabe- co e usuários. Por isso, para entender o
lecimento de compromissos entre os en- posicionamento de uma empresa de
volvidos. Para que essas relações sejam software no mercado, é necessário re-
materializadas, é necessário criar com- compor as alianças que ela estabelece
promissos por meio de “intermediários” com os centros de pesquisa. Do mesmo
entre os atores envolvidos, como, por modo, não se consegue entender o di-
exemplo, sobre informações que cir- namismo de um laboratório sem consi-
culam sob a forma de conhecimentos derar suas alianças com as empresas.
codificados (relatórios, livros, artigos,
patentes etc.), ou sobre os objetos téc- Analiticamente, a RTE tem como
nicos, ou mesmo sobre as indicações das base a actor-network theory desenvol-
competências e o saber que cada ator vida progressivamente pelo encontro
incorpora. Nenhum ator, isoladamente, dos trabalhos de Michel Callon e Bruno
possui os meios necessários para imple- Latour no Centre de Sociologie de L’Inno-
mentar um programa de inovação tec- vation (Callon, 1986, 1989; Callon, La-
nológica. redo e Mustar, 1999); Latour, 2000,
2005; Law e Hassard, 1999; Mattedi,
Para cobrir esse tipo de interação que 2004). A noção de ator-rede supõe, por
emerge da relação entre inovação tecno- um lado, qualquer entidade individual
lógica e DR, pode-se empregar a noção ou coletiva que participe em negocia-
de “rede técnico-econômica” (RTE), cria- ções e contribua para atingir um acordo
da por Michel Callon, Philippe Laredo e e, por outro, um grupo de relaciona-
Philippe Mustar (1995, p. 415-462). Por mentos não específicos entre entidades
um lado, a RTE permite designar os ajus- cuja própria natureza é indeterminada.
tes locais de negociação pelos agentes em Assim, um ator-rede pode ser descrito
contato direto, como, por exemplo, os em termos de sua própria visão do pro-
ajustes que se estabelecem dentro de um cesso, e, portanto, o conceito nos habi-
laboratório de pesquisa ou numa incu- lita a reconstituir a dinâmica de decisões
badora, que, em virtude da localização, tomadas pela comunidade de atores
terminam tornando as ações compatí- confrontada com a necessidade de fazer
veis. Por outro, ela permite também ca- opções tecnológicas. Isso significa que
racterizar as formas de organização é possível descrever a trajetória de cada
híbrida ou intermediária que suplantam um dos programas como resultado de
os tipos de coordenação proporcionada um instrumento e de compromissos pro-
Marcos Antônio Mattedi e Ivo Marcos Theis 75

gressivos entre os atores. Assim, cada diz respeito ao grau de dispersão e de


ator-rede atua simultaneamente como convergência da rede, que se refere ao
um ator que compõe outras redes e grau de integração entre os atores: é con-
como uma rede composta por outros vergente quando as atividades de cada
atores. Desse ponto de vista, o desen- ator se assemelham; é dispersa quando
volvimento tecnológico resulta de um essas atividades são muito diferenciadas.
processo coletivo que envolve um gran- Outra característica das RTEs refere-se à
de número de decisões feitas por atores extensão da rede. Nesse caso, quando as
heterogêneos, como, por exemplo, cien- redes apresentam pouca descontinui-
tistas e engenheiros, evidentemente, e dade, são classificadas de longas; quando
também usuários, empresários e entes apresentam descontinuidades, são defi-
governamentais. nidas como curtas. Uma última caracte-
rística que permite caracterizar as RTEs
Segundo Callon, Laredo e Mustar diz respeito às modalidades de coorde-
(1995), para analisar as inovações e os nação das interações que se estabelecem
efeitos de uma RTE sobre o desenvol- entre os atores: são polarizadas, quando
vimento de uma região, é necessário prevalece o modo de coordenação pró-
considerar a densidade e a dinâmica da prio de um tipo de ator; são sem domi-
rede de sustentação. A densidade da nância, quando os atores são guiados por
rede de sustentação pode ser determi- várias modalidades de coordenação
nada pelo grau de encadeamento, con- (Callon, Laredo e Mustar, 1995, p. 420-
vergência, extensão e dominância das 425). Portanto, pode-se argumentar que
associações estabelecidas entre os atores a densidade de uma rede constitui o
ou pólos que compõem a rede. Uma resultado do encadeamento, da conver-
primeira distinção relevante diz respeito gência, do comprimento e da dominân-
ao grau de desenvolvimento de cada cia, pois menores serão os esforços de
ator que compõe a rede, na medida em adaptação, de tradução e decodificação
que pode configurar relações lacunárias, dos recursos e dos interesses dos atores
quando certos atores não estão presen- mobilizados. O que significa que as dife-
tes ou são subdesenvolvidos, ou relações renças entre os dois programas devem-se
encadeadas, quando todos os atores à densidade e às interações estabeleci-
estão presentes. Uma segunda distinção das em cada uma das redes estudadas.

O CDB – centro de desenvolvimento biotecnológico


de Joinville
A implantação do CDB constitui uma com a área de biotecnologia compreende
resposta aos impasses que marcaram o a operação por meio da qual se procu-
processo de desenvolvimento de Santa rou associar as necessidades de impor-
Catarina na segunda metade da década tação de insumos e aditivos biológicos
de 1980. Nesse sentido, a preocupação do setor agroalimentar do estado com a
76 Inovação e desenvolvimento

tentativa de traduzir regionalmente as e da geração de produtos e processos,


oportunidades de constituição de gru- por meio da implantação de um núcleo
pos de pesquisa – postas em circulação produtivo e da indução de usuários para
pelo Subprograma de Biotecnologia a ativação do mercado reprimido. Mais
(SBIO), do Programa de Apoio ao De- precisamente, tratava-se da oferta de
senvolvimento Científico e Tecnológico uma tecnologia totalmente nova, ligada
(PADCT), do Ministério da Ciência e a um conjunto de usuários quase ine-
Tecnologia, em decorrência da necessi- xistentes. Para isso, a secretaria mobiliza,
dade de redefinição do padrão predo- por um lado, o interesse do setor indus-
minante de desenvolvimento de Santa trial de Joinville por meio do apoio da
Catarina. O desenvolvimento da pesqui- Associação Comercial e Industrial de
sa em biotecnologia converte-se, dessa Joinville (Acij) e, por outro, os recursos
forma, na possibilidade de mobilizar re- e o apoio do ministro da Ciência e Tec-
cursos científicos e financeiros para a nologia, Luiz Henrique da Silveira, ex-
produção de insumos para as indústrias prefeito de Joinville, para desconcentrar
de alimentos, de ração e farmacêutica, os investimentos do CNPq e da Finep,
tais como aminoácidos, vitaminas, en- mas também para firmar os acordos in-
zimas, fermentos lácteos, colorantes e ternacionais necessários para a consoli-
outros aditivos que no período eram, em dação do centro. Portanto, a constituição
sua maioria, importados, configurando, dessa RTE (ver Figura 1) se estabelece
pois, “apropriação de novas tecnologias”. a partir da tradução efetuada pela Se-
Portanto, o CDB compreendeu a tentati- cretaria Estadual de Ciência e Tecnolo-
va de estabelecer uma associação regio- gia de Santa Catarina dos recursos do
nalmente inédita dos pólos científico, CNPq e da Finep, da Acij e do governo
econômico e público para o desenvolvi- alemão, mediante acordos firmados com
mento institucional e a capacitação numa duas instituições de pesquisa, a Gesell-
área de ponta. Ao mesmo tempo, levou schaft für Biotechnologische Forschung
à criação de novas ligações entre atores (GBF) e o Forschungszentrun Jülich
estratégicos, principalmente as agroindús- (KFA) (Morali, 1996). Como afirmava
trias de alimentos e os laboratórios de seu primeiro diretor administrativo, “um
pesquisa científica e tecnológica. dos fundamentos do Centro de Biotec-
nologia é o seu modelo institucional
A implantação do CDB começou a praticamente inédito no país, reunindo
ser negociada em 1987 por iniciativa da três pilares básicos: a agilidade adminis-
Secretaria Estadual de Ciência e Tecno- trativa, com base no modelo empresa-
logia, mediante a equivalência estabe- rial, através da participação de órgãos
lecida entre preocupações, atividades e como a Acij e a Facisc; os recursos finan-
enunciados de atores altamente hetero- ceiros do Estado, através das aplicações
gêneos. A equivalência da dinâmica da do CNPq e da Finep; e a massa crítica
pesquisa com a ação política acabou li- da universidade, representada pelo
gando pólos muito pouco desenvolvi- aporte técnico-científico dos pesquisa-
dos e dispersos em torno da concepção dores” (Biotecnologia, 1991, p. 9).
Figura 1: RTE estabelecida pelo CDB

Marcos Antônio Mattedi e Ivo Marcos Theis

Fonte : elaboração própria.


77
78 Inovação e desenvolvimento

Para unir esses interesses, foi criada de um núcleo de competência que pos-
uma sociedade civil de caráter científico sibilitasse a associação com universida-
e direito privado, sem fins lucrativos, des locais, nacionais e estrangeiras para
cujo objetivo principal era promover a produção do conhecimento e a for-
pesquisa e desenvolvimento na área de mação de recursos humanos por meio
biotecnologia industrial. Era gerida por da implantação de programas de pós-
um Conselho Administrativo composto graduação. Em seguida, pretendia-se
pela Secretaria de Estado de Tecnologia, criar novos insumos biotecnológicos na
Energia e Meio Ambiente, as Centrais área de biorreatores (fermentadores).
Elétricas de Santa Catarina S/A, a Em-
presa de Pesquisa Agropecuária e Difu- Por meio da intermediação desses
são Tecnológica de Santa Catarina S/A, interesses, o CDB foi implantado em
a Fundação Osvaldo Cruz, a Fundação 1991, no distrito de Pirabeiraba, no dis-
25 de Julho, a Associação dos Laborató- trito industrial de Joinville. Os seus la-
rios Farmacêuticos Nacionais, a Associa- boratórios ocupavam uma área de mais
ção Comercial e Industrial de Joinville, de 2.600 m2. Foram construídos com o
a Federação das Associações Comer- apoio da Acij, que se dispôs a ceder a
ciais e Industriais de Santa Catarina e a área e a promover os investimentos físi-
Confederação Nacional da Indústria. cos necessários para a implantação do
Para a constituição do CDB, foi neces- centro, estimados em US$ 700 mil. Para
sário mobilizar e alinhar um conjunto de a montagem dos laboratórios, foram
interesses muito heterogêneos. Assim, a adquiridos de instituições alemãs apare-
Assembléia Geral, juntamente com um lhos de última geração, compreendendo
Conselho Administrativo e um Conselho investimentos da ordem US$ 8 milhões –
Fiscal, eram os órgãos que estabeleciam 60% investidos pelo CNPq e pela Finep
as metas do CDB. Como órgãos de e 40% pelo governo alemão. Para a ope-
apoio e aconselhamento funcionavam racionalização do centro, foi montada
também a Câmara Técnico-Científica e uma equipe multidisciplinar formada
o Comitê de Pesquisa e Projetos. Inicial- por um diretor científico e oito pesquisa-
mente, procurou-se reunir especialistas dores nas áreas de química e agronomia,
com competência técnica e científica e um quadro administrativo composto
nacional e internacional em áreas como por um diretor administrativo, um geren-
fermentação, microbiologia e genética te de projetos, um gerente administrati-
microbiana, bioquímica e química dos vo, uma secretária, um contador, um
produtos naturais, biologia molecular, técnico de processamento de dados e
cultura de tecidos, de vegetais, econo- um auxiliar administrativo. Além disso,
mia, avaliação e perspectiva tecnológi- o centro mantinha um programa de ca-
ca. Previa-se, com isso, a integração das pacitação permanente composto por
atividades de pesquisa com as institui- quatro bolsistas de Iniciação Científica,
ções locais e regionais para o estabele- seis bolsistas de Estágio de Aperfeiçoa-
cimento de atividades de cooperação, mento, três bolsistas de Mestrado, um
procedimento que objetivava a criação bolsista de Doutorado no exterior e três
Marcos Antônio Mattedi e Ivo Marcos Theis 79

bolsistas de Estágio no exterior manti- muito amplo de programas de pesquisa


dos pelo programa Recursos Humanos e pós-graduação de universidades, tais
em Áreas Estratégicas (Rhae/CNPq). como a Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC), a Faculdade de Quími-
As principais atividades desenvolvi- ca de Lorena, a Universidade de Joinville
das pelo CDB compreendiam as tarefas (Univille) e a Universidade de Blumenau
de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), (Furb), bem como acordos de coopera-
formação, capacitação e intercâmbio ção com instituições na Alemanha, em
científico, bem como a colaboração com Portugal, na Argentina e no Chile. O
a iniciativa privada e a preservação am- CDB desenvolveu bens e serviços de
biental. As atividades de pesquisa desen- origem biotecnológica, por meio de estu-
volvidas pelo CDB concentravam-se, dos relacionados a microorganismos, fár-
basicamente, na biotecnologia industrial, macos, alimentos, insumos biológicos e
e os projetos, na sua grande maioria, químicos, biorreatores, energia e gestão
eram enquadrados na categoria de nível ambiental. Os principais projetos de pes-
intermediário de complexidade. Para isso, quisas desenvolvidos para a demanda de
foram mobilizados recursos científicos e mercado estão listados no Quadro 2.
tecnológicos dispersos num conjunto

Quadro 2 : Principais projetos de pesquisa desenvolvidos pelo CDB

— Produção de concentrado nitrogenado em planta piloto a partir de soro de


queijo por Lactobacillus bulgaricus;
— Produção de sorbitol e de ácido glicônico por Zymomonas mobilis;
— Produção de acetaldeído por Zymomonas mobilis;
— Produção de oligofrutados a partir de insulina;
— Produção de enzimas de restrição;
— Desenvolvimento de processo de produção industrial de Bacillus
Thuringiensis;
— Produção de enzimas de interesse industrial (lactase) a partir do soro de
queijo por Kluyveromyces marxianus;
— Desenvolvimento de biorreator para o laboratório.
Font e : elaboração própria.

No que se refere às atividades de de- e o Projeto Joinville. Já no que respeita


senvolvimento, o CDB participava, junto aos projetos realizados para o setor
com outras instituições, de dois grandes privado, destacam-se: a otimização do
projetos na área ambiental: o Projeto de processo de produção de películas de
Tratamento de Dejetos da Suinocultura celulose para uso químico-farmacêutico
80 Inovação e desenvolvimento

e a produção de um antagônico micro- mobilizados. O fato de seu diretor admi-


biano para distúrbios gastrointestinais. nistrativo não ser da área de biotecno-
Porém, esses intermediários não consegui- logia, mas da área da administração,
ram estabilizar e manter unida a rede de também aumentaria a tensão na rede.
associações entre os atores mobilizados. Durante muito tempo essas questões
não foram consideradas. Contudo, na
Ao converter-se num ponto de pas- medida em que a estratégia de priorizar
sagem obrigatório para a redefinição do a pesquisa aplicada industrial, a qualifi-
processo de desenvolvimento de Santa cação de recursos humanos e a intensi-
Catarina, o CDB passa a articular a ten- ficação dos intercâmbios institucionais
são – permanente – que se instala entre não conseguiu manter unidos os pólos
a dinâmica da pesquisa e os interesses da RTE, as linhas de pesquisa, o fluxo
políticos. Muitos atores estimaram que de recursos públicos, a atuação dos
teria sido prematura a implantação do empresários e o papel do CDB no de-
centro de excelência na região de Join- senvolvimento de Santa Catarina torna-
ville, principalmente pela carência de ram-se questões muito controversas.
recursos humanos. Não havia cursos Sem a capacidade do setor empresarial
superiores em áreas como biologia, far- local de traduzir a pesquisa aplicada em
mácia, ou no campo agroalimentar, na inovação na área de biotecnologia, o
região de Joinville, com capacidade CDB não conseguiu prestar serviços;
para absorver o conhecimento gerado sem a prestação de serviços, não foi al-
pelo centro. Essas objeções logo foram cançada a independência de financia-
postas de lado pelo argumento de que mento; com a falta de aplicação do
o centro atuaria “como um agente des- conhecimento, diminuíram os recursos
centralizador da pesquisa”. Outros pro- públicos, paralisando as atividades de
blemas surgiram, como, por exemplo, a pesquisa; com a paralisação das ativida-
composição do conselho de administra- des de pesquisa, pararam de circular os
ção, no qual, curiosamente, as universi- intermediários necessários para manter
dades não possuíam assento, apesar de a RTE unida. Com isso, a rede começa-
desempenharem um papel decisivo no ria a se decompor – e o centro seria de-
desenvolvimento das atividades de pes- sativado em 1994.
quisa e na associação dos interesses

Blusoft – Blumenau pólo de software


O Blusoft abrange uma RTE que asso- culo “externo” com o Blusoft, pois pres-
cia empresas de informática do municí- tam serviço de apoio para o desenvol-
pio de Blumenau. Elas podem ser vimento da indústria de software de
divididas em dois conjuntos principais: Blumenau. Podem ser subdivididas em
Empresas Associadas (EA) e Empresas seis grupos principais: treinamento, in-
Incubadas (EI). As EA mantêm um vín- ternet e multimeios, provedor e acesso,
Marcos Antônio Mattedi e Ivo Marcos Theis 81

assessoria e consultoria, venda e aluguel Focus, Grupo Ebapi, Dataplan, Mastro,


de equipamentos, outros. Na sua sede, o Automasoft, Universal, Dynamic, Times,
Blusoft mantém uma incubadora que abri- Hardt, Simatec, Residual, Ilog. Para isso,
ga EI, que possuem um vínculo “interno”, o Blusoft conta com o suporte de quatro
uma vez que compartilham a infra-estru- entidades caracterizadas como “mantene-
tura em regime de condomínio: ISY, FIS, doras” (Lauth, 2000) (ver Quadro 3).

Quadro 3 : Entidades mantenedoras do Blusoft


Segmento Representante Sigla

Fabricantes de software Associação das Empresas Brasileiras de Assespro


Software e Serviços de Informática
Comunidade científica Universidade Regional de Blumenau Furb
Comércio e indústria Associação Comercial e Industrial de Acib
Blumenau
Poder público Prefeitura Municipal de Blumenau PMB
Font e : elaboração própria.

Além disso, o Blusoft mobiliza recursos de mais oito entidades denominadas


“apoiadoras” (Quadro 4):

Quadro 4 : Entidades apoiadoras do Blusoft


Entidade Sigla Esferas de atuação
Associação Nacional de Entidades
Promotoras de Empreendimentos Anprotec Nacional
Inovadores
Sociedade de Usuários de Informática e Sucesu-SC Estadual
Telecomunicações de Santa Catarina
Banco de Desenvolvimento de Santa Badesc Estadual
Catarina
Brasil Telecom Brasil Telecom Nacional
Federação das Industrias de Santa Fiesc/IEL Estadual
Catarina/Instituto Evaldo Lodi
Softex Execellence in Software Softex Nacional
Serviço de Apoio a Micro e Pequena Sebrae-SC Estadual
Empresa de Santa Catarina
Brazilian Software Brazilian Software Nacional
Font e : elaboração própria.
82 Inovação e desenvolvimento

As atividades do Blusoft consistem a disposição de recursos humanos qua-


na intermediação de recursos, na nego- lificados formados pela Furb e a difusão
ciação de alíquotas locais de imposto do microcomputador durante a década
para o setor de informática, no apoio de 1980. Dessa associação resultaram a
para a participação em eventos, no su- indústria de software local e a circulação
porte para a formulação de convênios de um conjunto de intermediários que
etc. Na intermediação desses interesses começaram a unir interesses e recursos
e recursos, o Blusoft atua simultanea- dispersos. Três exemplos: o processador
mente como um pólo que integra outras de texto Fácil para Windows, premiado
redes e como uma rede na qual cada como melhor software nacional do ano
entidade integrada na RTE é traduzida de 1993 pelas revistas Byte e PC Maga-
segundo um processo de simplificação. zine, a criação do primeiro compressor
Essa forma de atuação gera alianças de dados nacional chamado Stress; e a
heterogêneas entre as organizações e primeira planilha eletrônica de cálculo
dentro da própria organização. Easy Calc (Lauth, 2000; Sakurada, 1999)
(ver Figura 2).
A constituição dessa RTE compreen-
de o resultado de mobilização, desloca- A conjunção desses três fatores, asso-
mento e alinhamento de interesses e ciada à crise do setor manufatureiro têx-
recursos de um conjunto de atores muito til na região, converteram a “indústria de
variados. Por um lado, o Blusoft mobili- software” num ponto de passagem obri-
zou a experiência regional acumulada na gatório para a problematização das al-
área de informática pela criação do Cen- ternativas de DR, tanto pelo movimento
tro Eletrônico da Indústria Têxtil (Cetil), econômico quanto pela qualificação dos
em 1969, em Blumenau, constituído por recursos humanos exigidos. Contudo, as
13 empresas da área têxtil – que acabou transformações operadas no setor de
se transformando no maior bureau pri- informática na cidade de Blumenau, o
vado de processamento de dados da fim da política de reserva de mercado e
América Latina (Bercovich e Schwanke, as sucessivas mudanças impulsionadas
2003; Theis, Bercovich e Schwanke, pela difusão da microeletrônica altera-
2003). Por outro, alinhou o conhecimen- ram significativamente o perfil da indús-
to sistemático gerado pela criação do pri- tria de software local. As atividades que
meiro curso superior de informática e se baseavam na prestação de serviço em
terceiro do país pela Furb, em 1973. A mainframes, na produção de softwares
abertura da entrada de produtores inde- não compatíveis com o ambiente Win-
pendentes de programas, promovida dows e a internet ou na produção de
pela separação progressiva da distribui- softwares horizontais de uso massivo e
ção do hardware da do software (Mowery de baixo preço que fundamentavam a
e Rosenberg, 2005, p. 171), tornou pos- lógica de atuação da indústria local ti-
sível a associação entre a experiência na veram de ser abandonadas.
área de informática adquirida pelo Cetil,
Figura 2: RTE estabelecida pelo Blusoft

Marcos Antônio Mattedi e Ivo Marcos Theis

Fonte : elaboração própria.


83
84 Inovação e desenvolvimento

A operação por meio da qual o Blu- para a indústria local, transformando


soft se tornou um ponto de passagem Blumenau num núcleo de treinamento,
obrigatório para enfrentar a decadência conectando a indústria de software local
da indústria de software local e as alter- com os centros de pesquisa nacionais e
nativas para a crise do padrão de DR internacionais e estimulando a geração
começa com a instituição da Comissão de projetos de incubação e a troca de
Municipal de Desenvolvimento de Soft- informações sobre o mercado (Campos,
ware de Blumenau (Comsoft), no ano 1997; Theis, 1998). A projeção da in-
de 1992. A Comsoft detecta que o forta- dústria de software local em âmbito na-
lecimento da indústria de software local cional é impulsionada pela participação
envolvia a articulação dos produtores e em eventos. Assim é que, durante a 5ª
o acesso às instituições de apoio. Mais Feira Nacional do Software (Fenasoft),
precisamente, o fortalecimento da indús- a visita do então secretário da Ciência e
tria de software local passava pela con- da Tecnologia, José Goldemberg, ao
versão de Blumenau em um pólo de estande da empresa WK Sistemas, no
software para ter acesso ao Programa qual os expositores trajam roupas em
Nacional de Software para Exportação estilo germânico, chama a atenção da
(Softex) 2000, conduzido pelo CNPq. imprensa para o software de Blumenau,
O Softex põe então à disposição os estí- que se torna manchete em diversos jor-
mulos financeiros e comerciais de apoio nais de circulação nacional (Quadro 5).

Quadro 5 : Manchetes em jornais de circulação nacional

Data Jornal Manchete resultante da visita do


secretário nacional de C&T
24/04/91 Gazeta Mercantil Blumenau terá Pólo de Software
24/04/91 Jornal do Brasil Presença de Blumenau: cidade quer ser
produtora de software
24/04/91 O Globo Os Jetsons se mudam para Blumenau
29/04/91 O Estado de SP Blumenau mostra o software catarinense
18/05/91 Revista Manchete Silicon Valley em Santa Catarina
20/05/91 Jornal da Tarde Blumenau maior pólo de software do país
12/06/91 Revista Veja Informática migra para Santa Catarina
(Reportagem de capa)
Font e : Campos (1997, p. 29-30).

Para promover a articulação dos in- zação de ferramentas e aplicativos em


teresses mobilizados por essa projeção, regime de condomínio para estimular
criou-se o Blusoft, com o objetivo de novos empreendimentos. O Blusoft aca-
estabelecer uma rede que possibilitasse bou associando as entidades integrantes
soluções inovadoras por meio da utili- no desenvolvimento de software, pelo
Marcos Antônio Mattedi e Ivo Marcos Theis 85

entrelaçamento de consumidores, poder iniciante, de estudante ou de profissio-


público, órgãos representantes dos em- nal que já possui um projeto desenvol-
presários e pesquisadores. vido; a incubada interna, referente à
empresa iniciante cujo projeto será exe-
A atuação do Blusoft como uma rede cutado no Blusoft; e a incubada externa,
visa coordenar os papéis inter-relacio- referente a empresa de qualquer porte
nados atribuídos a cada um dos atores cujo projeto será desenvolvido nas pró-
mobilizados no desenvolvimento do prias instalações (Campos, 1997; Theis,
pólo de software local. Para isso conta 1998).
com uma área física de aproximadamen-
te 1.000 m², onde se localizam a sala Assim, no desenho delineado para a
de reuniões, a sala de direção, a sala de incubação de novas empresas, verificou-
administração, o auditório, a sala de trei- se uma especificação muito precisa dos
namento, o laboratório, a cozinha, os papéis que cada um desses atores desem-
toaletes e 30 salas para empresas incu- penhou no desenvolvimento do Blusoft
badas. O Blusoft presta serviços de tele- (Figura 3). À Assespro, por exemplo, foi
fonia, fotocópia, correio, assistência atribuído o papel de mediação dos direi-
médica e assistência jurídica. Sua atua- tos de propriedade e acesso aos softwares
ção como rede pode ser dividida em básicos para o desenvolvimento de no-
duas instâncias distintas: administrativa vos produtos. À Furb, foram atribuídos o
e laboratorial. As tarefas administrativas papel de apoio a novos projetos e o pro-
são executadas por meio de uma secre- cesso de certificação da qualidade dos
tária e um gerente executivo, este indi- softwares, juntamente com o desenvol-
cado pelo Conselho de Administração, vimento da inteligência no setor de infor-
tendo como objetivo a gestão adminis- mática. No que se refere à Acib, o Blusoft
trativa de rotina como autorizações e procurou se valer de seus mecanismos
aquisições, mas também a elaboração de relacionamento comercial, tais como
do plano anual de atividades e a repre- a colocação de produtos e serviços no
sentação do Blusoft, por exemplo, na mercado e a definição do design de no-
coordenação do núcleo local do Softex. vos produtos; mas também na área in-
Já as tarefas laboratoriais abarcam a as- dustrial, a Acib possibilitou testes de
sistência tecnológica por meio de equi- produtos e a promoção de processos de
pamentos, softwares e a biblioteca para automação. Quanto à PMB, seu papel
empresas desenvolvedoras de software compreendeu a geração de incentivos
da região. Para que uma empresa possa para a localização de indústrias de soft-
ser incubada, ela precisa possuir firma ware no município, promovendo facilida-
registrada na Jucesc e apresentar um des por meio de investimentos públicos
Plano de Negócios; a permanência má- e fornecendo apoio logístico para a ma-
xima prevista para hospedagem no Blu- nutenção das atividades através de recur-
soft é de dois anos. O Blusoft possibilita sos para o custeio da incubadora (Theis,
três modalidades de incubação: a pré- Meneghel e Bagattolli, 2004).
incubada, que compreende a empresa
Figura 3: Atores integrantes da RTE estabelecida pelo Blusoft

86

Fonte : elaboração própria.


Inovação e desenvolvimento
Marcos Antônio Mattedi e Ivo Marcos Theis 87

A intermediação de interesses efe- de software, o Blusoft representa o con-


tuada pelo Blusoft constitui, simultanea- tato com associações corporativas, como,
mente, a atuação de um ator que integra por exemplo, a Sucesu e a Acib, e, por-
diversas redes e o funcionamento de tanto, a garantia da defesa dos direitos
uma rede formada por diversos atores. autorais e de propriedade, o acesso a
Para as empresas de software, o Blusoft softwares básicos e a possibilidade de co-
representa o acesso privilegiado a recur- mercialização de serviços e produtos. Já
sos públicos – por exemplo, recursos fe- para as associações, o Blusoft sustenta e
derais disponíveis em programas como ampara a produção de software e apre-
Softex/CNPq ou da Finep, em termos de senta-se como um agente regional de di-
financiamento direto, mas também em fusão da excelência do software. Assim,
forma de bolsas, novos softwares, even- essa intermediação é efetuada por meio
tos etc. Além disso, o Blusoft também de um contínuo processo de tradução re-
tem acesso a programas estaduais, como cíproca dos interesses mobilizados no
os da Fapesc e do Badesc, ou munici- qual a identidade de cada ator é móvel.
pais, como renúncia fiscal. Ao mesmo A conversão do Pólo de Software de Blu-
tempo, o Blusoft se converte num ponto menau em uma RTE decorre de um pro-
de rede de cada um desses atores, justi- cesso de envolvimento dos principais
ficando as políticas governamentais. Em atores estratégicos, resultante da proje-
relação à universidade, o Blusoft não só ção do software local em âmbito nacio-
possibilita o acesso à certificação do nal. O Blusoft se tornou um ponto de
conhecimento gerado pela pesquisa rede que procura mobilizar e alinhar re-
acadêmica, como constitui a possibili- cursos para a integração da indústria de
dade de atuação profissional e absorção software local ao mercado de softwares
de recursos humanos formados na área personalizados que se consolida durante
de informática. Para as empresas locais a década de 1980 (Theis, 2006).

Considerações finais
Como sugere nossa hipótese de partida, um deles se caracteriza pelos tipos de in-
os programas de inovação tecnológica termediários que consegue mobilizar e
que marcaram o processo de desenvol- pôr em circulação. O pólo científico se
vimento do estado de Santa Catarina po- caracteriza principalmente pela produção
dem ser descritos por meio dos atores de conhecimento, em que os intermediá-
envolvidos e pelos intermediários que rios constituem os artigos certificados por
conseguem pôr em circulação (Figura 4). revistas científicas. O pólo público se ca-
Tanto no caso do CDB quanto no do racteriza pela elaboração de dispositivos
Blusoft, verifica-se que as RTE se estrutu- de apoio, dotados de uma coerência pró-
ram em torno de três pólos: o científico- pria, capazes de estabilizar as relações
tecnológico, o mercantil e o público. Cada entre os atores. O pólo mercantil corres-
88 Inovação e desenvolvimento

ponde ao universo de usuários e utiliza- que permitem a aproximação entre a ino-


dores, ou seja, a identidade dos consu- vação tecnológica e o DR. Portanto, as
midores, a natureza das necessidades, a diferenças entre o CDB e o Blusoft fun-
hierarquia de preferências, as formas de dam-se nos tipos de intermediários que
organização. Os casos analisados ensi- eles conseguem pôr em circulação por
nam que são as interações criadas e de- meio dos atores que imitam, consomem
senvolvidas entre as diferentes atividades e transformam esses intermediários.

Figura 4: Intermediários postos em circulação pelas RTEs estabelecidas pelo CDB e


pelo Blusoft

Fonte : elaboração própria.

Do ponto de vista do desenvolvi- papéis e na articulação entre os atores


mento de uma região, a inovação tecno- nos dois casos estudados. Por exemplo,
lógica compreende o estabelecimento enquanto no caso do Blusoft os papéis
de uma associação entre atores que se desempenhados por cada ator foram
encontravam completamente desconec- bem definidos, no caso do CDB eles
tados. Nesse sentido, observa-se uma permaneceram muito vagos. É emble-
variação considerável na definição dos mática a exclusão das universidades na
Marcos Antônio Mattedi e Ivo Marcos Theis 89

composição do Conselho Administrativo caso do CDB, era altamente polarizada


do CDB. Nesse caso, como assinala o pela predominância da forma de coor-
plano teórico empregado, o CDB cor- denação do setor público; o Blusoft já se
responde a uma “rede lacunária”, na me- caracteriza pela integração de diversas
dida em que o pólo do mercado se formas de coordenação. Dessa forma,
mostrou ausente ou muito pouco desen- pode-se concluir que as diferenças de
volvido. Por outro lado, a RTE que ca- êxito encontradas entre as duas RTEs
racteriza o Blusoft pode ser reconhecida resultam das operações por meio das
como uma “rede encaixada”, na medida quais os interesses e recursos disponíveis
em que todos os pólos encontram-se es- foram sendo adaptados, traduzidos e de-
truturados. Outra característica que dis- vidamente decodificados pelos atores de
tingue as duas experiências diz respeito cada região.
às modalidades de coordenação, que, no

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Resumo A bstrac t
O presente artigo aborda as relações In this article we examine the links be-
entre inovação tecnológica e desenvol- tween technological innovation and re-
vimento regional, com especial atenção gional development. Special attention is
para os fatores que explicam diferentes given to the factors which explain different
graus de êxito na implantação de pro- degrees of success in the implementation
gramas de novas tecnologias no estado of new technologies programms in the
de Santa Catarina. As experiências que southern Brazilian State of Santa Catarina.
se examinam são as do Blusoft – Blume- The experiences here analysed are that
nau Pólo de Software, no Vale do Itajaí, of Blusoft – Blumenau Pólo de Software,
e do CDB – Centro de Desenvolvimento localized in the Itajaí Valley, and that of
Biotecnológico, no Vale do Cubatão. O CDB – Centro de Desenvolvimento Bio-
interesse da pesquisa realizada reside tecnológico, localized in the Cubatão
tanto nas diferenças que marcam o grau Valley. Two main purposes motivated the
92 Inovação e desenvolvimento

de institucionalização de ambos os pro- investigation of these cases: first, we tryed


gramas como nas modalidades de sua to catch the differences which define the
integração nas respectivas comunidades institutionalisation degree of both pro-
regionais. Para descrever esse processo gramms; second, we looked for the modal-
foi empregada a noção de Rede Técni- ities of their integration into the respectives
co-Econômica (RTE): quanto mais con- regional communities. In order to describe
vergente for a RTE, mais estabilizadas theses processes we employed the con-
serão as relações entre inovação tecno- ception of Techno-Economic Network
lógica e desenvolvimento regional. (TEN): the more convergent the TEN
becomes, the more the links betwen tech-
nological innovation and regional devel-
opment tend to stabilize.

Palavras-chave : Biotecnologia, desen- Keywords : Biotechnology, regional


volvimento regional, informática, inova- development, informatics, technological
ção tecnológica, Rede Técnico-Econômica. innovation, Techno-Economic Network.

Recebido em março de 2007. Aprovado para publicação em setembro de 2007

Marcos Antônio Mattedi é professor do Programa de Pós-Graduação em Desen-


volvimento Regional da Universidade Regional de Blumenau, Doutor em Ciências
Sociais pela Universidade Estadual de Campinas, Pós-Doutor pelo Centre de Socio-
logie de L’innovation, CSI, França.
Ivo Marcos Theis é economista, Doutor em Geografia Humana pela Eberhard-
Karls-Universität Tübingen (Alemanha), Pós-Doutor pela Universidade Estadual
de Campinas, professor e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Desen-
volvimento Regional da Universidade Regional de Blumenau.
Economía política del desarrollo
inmobiliario residencial,
Colombia 1950-2005 *

Óscar A. Alfonso R.

Introducción
La urbanización de la población en tránsito hacia el planeamiento urbano, se
América Latina y, en particular, la estruc- inicia precisamente con tal perfecciona-
turación residencial urbana, es una de miento que tiene lugar con la aprobación
las principales fuentes de transferencia local de los Planes de Ordenamiento
de riquezas entre los agentes que parti- Territorial que, no por casualidad, ocurre
cipan en ella. En Colombia tal transfe- en momentos en que la construcción civil
rencia se ha desenvuelto en dos grandes atravesó por un interludio recesivo y en
momentos: el primero, signado por las el que las reformas al más importante
prácticas laissezferistas urbanas, con- sistema de financiación de vivienda de
cluye con el perfeccionamiento de la largo plazo originaron una inusual crisis
acción colectiva urbana en las ciudades que implicó la transferencia de las resi-
como resultado de la expedición de la dencias de 50.427 familias a los bancos
Reforma Urbana en 1997 que, a su vez, hipotecarios.
desarrolló los principios del ordena-
miento urbano promulgados en 1991 En este artículo presentamos una
con la Nueva Constitución Política de explicación de estos fenómenos de pro-
Colombia; y, el segundo momento, de fundo impacto social para las ciudades

* Este trabajo hace parte de la tesis La Ciudad Segmentada: hacia una teoría económica
institucional urbana de la estructuración residencial de las metrópolis latinoamericanas
orientada por el profesor doctor Pedro Abramo y apoyada por la Universidad Externado
de Colombia y el Lincoln Institute of Land Policy.

Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XX, No 2, 2006, p. 93-116


94 Economía política del desarrollo inmobiliario residencial, Colombia 1950-2005

colombianas, desde una economía po- Corte Constitucional– van a adoptar


lítica que nos permite identificar a los para alterar o resguardar en términos
agentes de la estructuración residencial jurídicos un orden complejo al que de-
urbana en su pugna por la transferencia nominamos como la acción colectiva
de riquezas y, además, la manera como urbana. En la primera parte analizamos
tal pugna se ha ido resolviendo: el insti- su génesis y la acción del capital inmo-
tucionalismo urbano (cf. Alfonso, 2007). biliario para anticiparlo y, en la segun-
Este último tiene que ver con el sentido da, proponemos una interpretación de
de las intervenciones que otros agentes la reacción del capital financiero en la
como la autoridad monetaria y crediti- pugna redistributiva de riquezas. Las
cia –la Junta Directiva del Banco de la consecuencias de tal pugna para un ter-
República– y los estrados judiciales de cer agente –las familias– se analiza en la
última instancia a los que denominamos tercera parte para, finalmente, examinar
como el tripartito –la Sala Constitucional las intervenciones del tripartito.
de la Corte Suprema de Justicia y la

Urbanización de la población, iniciativas


parlamentarias por una Reforma Urbana y la
reacción del capital inmobiliario

El vigoroso proceso de urbanización de ducción y acceso a la vivienda y, poste-


la población colombiana acaecido desde riormente, se extendió hasta aspectos de
la segunda mitad del siglo pasado estuvo orden ambiental y de la planeación ur-
acompañado, por cerca de 35 años, de bana. En las iniciativas de Reforma Ur-
una serie de fallidos intentos por dotar al bana de los años setenta se comenzó a
país de un Reforma Urbana que intro- incorporar reflexiones más desarrolladas
dujera la acción colectiva indispensable sobre las formas de operación de los
para reducir la inequidad y la desigual- agentes en el mercado del suelo urbano
dad subyacentes a la opción laissezferista y sobre la necesidad de dotar a las ciuda-
de la configuración residencial urbana des de los instrumentos de intervención
que se verifica en la distribución inequi- para hacer menos azarosa la producción
tativa de las cargas y de los beneficios que del espacio edificable requerido para
de tal proceso se derivan y en la notoria acoger a la población urbana y a las acti-
segregación socioeconómica y espacial vidades económicas. Este interés se in-
de la población urbana. El contenido de tentó sofocar con algunas iniciativas que
tales intentos, surgidos en su totalidad se presentaron en los ochenta hasta que,
de iniciativas gubernamentales o parla- finalmente, el país y las ciudades conta-
mentarias, se ocupó inicialmente de las ron con una primera versión de la acción
condiciones institucionales para la pro- colectiva urbana, la Ley 9ª de 1989.
Óscar A. Alfonso R. 95

Cuando se presentó la primera ten- en 1993 se constata que el mayor peso


tativa de Reforma Urbana en 1960, de las migraciones recae, en lo fundamen-
Colombia estaba involucrada en un in- tal, sobre las de carácter intraregional.
terludio de su proceso de urbanización
en el que también se redefinían los pac- A partir de la segunda mitad de la
tos políticos y se experimentaban trans- década del sesenta, la población colom-
formaciones de fondo en la estructura biana y sus territorios fueron sometidos
productiva del país como resultado del a diversas terapias desarrollistas que re-
avance de la industrialización, con lo dundaron en un interludio hiperconcen-
que la dinámica social no podía perma- trativo del crecimiento poblacional
necer intacta. De una parte, el nuevo urbano pues sólo diez ciudades dieron
modo de desarrollo volcado hacia el cuenta del 59,2% de tal crecimiento.
apalancamiento de las actividades indus- Estas terapias se fraguaron en medio de
triales detonó procesos concentracionis- la decisiva coyuntura económica y polí-
tas de la mejor tierra rural en diferentes tica de 1966-1967 pues con las políticas
latitudes del país al igual que procesos de Estado consignadas en la Operación
de mecanización de la producción en Colombia, elaboradas bajo la orienta-
tierras planas y, de otra, ideologías de ción del influyente Lauchlin Currie 1, se
lo urbano comenzaron a impregnar los sentaron las bases de una política de
planes de desarrollo nacionales y, obvia- urbanización de la población y de in-
mente, los locales: si con anterioridad dustrialización según la cual las activi-
la vida en la ciudad se divulgaba como dades modernas urbano-industriales se
algo azaroso y hasta peligroso, una nue- encargarían de jalonar el desarrollo
va pedagogía se encargará de acentuar agrario y propiciar el incremento de la
sus ventajas. Las migraciones del campo productividad del suelo rural y del tra-
a la ciudad se erigieron como el princi- bajo a partir de la mecanización que
pal factor demográfico del crecimiento ocurriría indisolublemente ligada al la-
de la población urbana con la particu- tifundio, “en lugar de una nación llena
laridad de que, en ausencia de prácticas de campesinos propietarios” (sic), pro-
dirigistas, tales contingentes se difundie- vocación que contribuyó a deflagrar una
ron con gran volatilidad por todo el terri- nueva etapa del conflicto armado co-
torio nacional. Entrados los años setenta, lombiano pues fue en esa coyuntura que
el crecimiento vegetativo de la pobla- se organizaron las FARC como ejército
ción urbana de las ciudades colombia- irregular engrosado por los campesinos
nas superó el atribuible a las migraciones que previamente se habían organizado
y la volatilidad de la población colom- como autodefensas y que, en adelante,
biana comenzó a ceder al punto que ya promoverán por la vía armada un mo-
en el periodo intercensal que culmina delo de sociedad rural antagónico al

1
Economista canadiense que trabajó como asesor del gobierno norteamericano y que
encabezó la primera misión del Banco Mundial a Colombia, donde posteriormente contrajo
nupcias y se radicó hasta su fallecimiento en 1989. Su trabajo en Colombia fue decisivo
en el diseño de las políticas de crecimiento y urbanización contemporáneas.
96 Economía política del desarrollo inmobiliario residencial, Colombia 1950-2005

propuesto por las burguesías urbano- zantes fueron asesinados con gran cele-
industriales, dando inicio a una prolon- ridad, presentó una propuesta en 1986
gada y nefasta terapia violenta. Al nivel que desató una inusitada efervescencia
urbano, el pacto bipartidista del Frente de iniciativas de Reforma Urbana: fue-
Nacional operó sigilosamente para po- ron presentadas otras cuatro propuestas
ner fin a las políticas de erradicación de con origen en los partidos tradicionales,
tugurios practicadas con aguda intensi- en una disidencia liberal y en el propio
dad hasta el gobierno del conservador ejecutivo, con contenidos y propósitos
Guillermo León Valencia que finalizó sustancialmente diferentes pero, en
precisamente en 1966. ausencia de acuerdo político y progra-
mático, a ninguna se le dio curso en el
Los grandes terratenientes urbanos legislativo. Este episodio fue precedido
de ese entonces que, en algunos casos, por dos burdos intentos de “rescatar” la
actuaban simultáneamente como pro- Reforma Urbana ya que, tanto en 1984
motores inmobiliarios y mantenían es- como en 1985, se presentó nuevamente
trechos vínculos con los gobiernos de el conocido y fracasado “proyecto socia-
turno, arremetieron contra el proyecto lista” de 1971 con los resultados ya co-
de Reforma Urbana que “no era tan so- nocidos. Pero hacia finales de 1988 una
cialista –y que en ciertos aspectos pare- iniciativa legislativa orientada a dictar
cía incluso conservador–” (Valencia, normas sobre los planes de desarrollo
2003:100); calificaron al Ministro de municipales fue aprobada por el Con-
“comunista” y forzaron su posterior re- greso y sancionada por el Presidente de
nuncia al cargo, situación que se presen- la República, ley que se promulgó el 11
tó ante la opinión pública con el carácter de enero de 1989 bajo el título de Re-
de expulsión del gobierno pretendiendo forma Urbana.
con ello, como se estilaba en la época,
generar un hecho simbólico lo suficien- Además de modificar sustancialmen-
temente notorio como para escarmentar te el Código de Régimen Municipal vi-
a quienes desafiaban con des-sacralizar gente desde 1986, la Ley 9ª de 1989
los ilegítimos derechos de propiedad incorporó un conjunto de medidas para
sobre el suelo urbano que se amparaban intervenir en el mercado del suelo ur-
en códigos napoleónicos. Ya a comien- bano y en la producción y financiación
zos de la década de los ochenta, el go- del ambiente construido, en las que so-
bierno populista de Belisario Betancur, bresale un nuevo arreglo institucional:
empeñado en sacar adelante el proceso el tratamiento de la propiedad como
de paz, realizó una serie de acuerdos una función social y no como un dere-
políticos que se percibieron como un cho, lo que supone la obligación de usar
intento de ampliación de la participa- y explotar los suelos urbanos y demás
ción política en Colombia. La Unión Pa- bienes inmobiliarios de acuerdo con las
triótica, partido de izquierda emergente normas de planeación del desarrollo
en este brote de democracia cuyos cua- local o departamental. Otras medidas
dros políticos y muchos de sus simpati- como la expropiación de inmuebles ur-
Óscar A. Alfonso R. 97

banos y suburbanos y la participación tructores, y en representación de


del Estado en los incrementos del precio Fedelonjas, demandé la Ley 9ª en
del suelo originados en “el esfuerzo so- lo referente a la extinción del domi-
cial o estatal” inquietaban a los terrate- nio –contratando para el efecto a dos
nientes y a los constructores quienes, excelentes abogados, quienes des-
después de analizar su contenido, enten- pués fueron magistrados de la Corte
dieron que, en el caso de la expropiación, Constitucional–, pero perdimos. La
la Ley podría inclusive ser aprovechada Corte Suprema de Justicia –encar-
en su favor y, en el caso de las plusvalías, gada de la guarda de la Constitución
la detección de ciertos errores técnicos en en aquel momento, ya que la Corte
su redacción podrían llevarla, como en Constitucional fue creada sólo en la
efecto ocurrió, a su inaplicabilidad. Constitución de 1991– confirmó la
extinción de dominio para asuntos
Pero la medida más controvertida urbanos, causando pánico entre los
que introdujo la Reforma Urbana fue la propietarios, que consideraron que
extinción del dominio y, por su trascen- había llegado el socialismo (Borrero,
dencia para el desenvolvimiento urbano 2003:106).
de las ciudades, desencadenó dos efec-
tos: el de más hondo calado y de carác-
ter estructural, es que va a poner en el La declaratoria de la extinción de
centro de la discusión los supuestos “de- dominio en la Reforma Urbana se vin-
rechos de propiedad sobre el suelo ur- culó a la noción de la función social de
bano” que reclamaban los terratenientes propiedad y a una de sus representacio-
y que, ulteriormente, serán esclarecidos nes sociales más trascendente que es la
con la Constitución Política de 1991. El obligatoriedad de urbanizar y construir
de carácter coyuntural, motivado por la el suelo en la ciudad. La incertidumbre
posibilidad de que el Estado comenzara que generó la manera como las cortes
a emplear este instrumento e iniciar pro- resolverían la avalancha de demandas
cesos de extinción de dominio, causó que buscaban la declaratoria de incons-
“pánico” entre algunos terratenientes y titucionalidad y/o ilegalidad de 94 de los
rápidamente “contagió” a otros propie- 127 artículos de la Ley 9ª de 1989 (Pi-
tarios. Los terratenientes urbanos y los nilla, 2003:241) llevó a que los inmobi-
capitalistas inmobiliarios se movilizaron liarios represaran sus decisiones de
en contra de la extinción del dominio, construir a la espera de la resolución y
ya a través de las demandas jurídicas clarificación de los nuevos arreglos ins-
entabladas en las altas Cortes o ya in- titucionales urbanos. La Sala Constitu-
tentando desmoralizar a la Reforma Ur- cional de la Corte Suprema de Justicia
bana con la reedición de las viejas resolvió con notable celeridad la mayor
prácticas de la Guerra Fría: parte de las demandas presentadas con-
tra la constitucionalidad de la Ley 9ª de
En 1989, con el aporte de los dife- 1989: a manera de ejemplo, la demanda
rentes propietarios de tierras y cons- contra la extinción de dominio se resolvió
98 Economía política del desarrollo inmobiliario residencial, Colombia 1950-2005

por sentencia del 14 de septiembre y la en los casos en que entraren en conflic-


de las “cesiones obligatorias gratuitas” tos tales derechos con los de la sociedad;
el 9 de noviembre de 1989, ambas ne- adicionalmente, si la propiedad es una
gando las pretensiones de los demandan- función social esto hace con que la pro-
tes y declarando ajustado su contenido piedad derive también en obligaciones.
a la Constitución.
Los constructores y terratenientes ur-
Entrado 1990 Colombia experi- banos agremiados en la Lonja de Propie-
mentó una gran agitación política moti- dad Raíz y en Fedelonjas, que seguían
vada por la expectativa de modificación de cerca los debates al interior de la
de la centenaria Constitución de 1886 Asamblea, tuvieron la oportunidad de
que, impulsada por los promotores de expresar su opinión en contrario, siendo
la séptima papeleta, triunfó en las urnas su argumento central la existencia de una
en el mes de mayo. Luego del cruento “contradicción lógica” entre la noción de
asesinato de Luís Carlos Galán Sarmien- la función social de la propiedad y la del
to, la victoria del candidato liberal César derecho de propiedad. En contraste con
Gaviria llegó junto con el mandato del la escasa sofisticación argumental de ese
pueblo de realizar las elecciones para la grupo de interés, los constituyentes del
conformación de la Asamblea Nacional Partido Conservador a los que se sumaron
Constituyente, cuya ulterior instalación algunos liberales “de derecha” recurrie-
implicó el cierre temporal del Congreso ron a las razones jusnaturalistas-indivi-
de la República. La Asamblea Nacional dualistas que, de cualquier forma, fueron
Constituyente que promulgó la Nueva derrotadas por las tesis de las facciones
Constitución Política de Colombia en progresistas de la Constituyente. La re-
1991 elevó a rango constitucional los novada visión de la acción colectiva ur-
principios que orientan la regulación del bana desató una nueva etapa de las
ordenamiento territorial: la función so- prácticas anticipadoras del capital inmo-
cial y ecológica de la propiedad, la pre- biliario pues, después de promulgado,
valencia del interés general sobre el sólo restaba la expedición de la Ley que
particular y la distribución equitativa de lo desarrollará y que las ciudades, en
las cargas y beneficios de la urbaniza- ejercicio de su intervención urbanística
ción, así como también la participación gubernamental, definiera el contenido
del Estado en las plusvalías que genere económico de la propiedad, o sea, que
su acción urbanística. Por fuerza del los Planes de Ordenamiento Territorial
nuevo arreglo constitucional, la extin- establecieran los usos del suelo y el de-
ción del dominio desapareció del dere- recho de construir sobre este: los estruc-
cho urbanístico colombiano pues, según turadores urbanos organizados sabían
el artículo 58 de la Constitución de que tal derecho de construir, desligado
1991, en adelante se garantizará tanto del derecho de propiedad, retornaría a
la propiedad privada como los derechos su legítimo poseedor –la ciudad– y sólo
adquiridos de los particulares, pero el les quedaba por esclarecer el tiempo en
interés público primará sobre el privado que esto se concretaría.
Óscar A. Alfonso R. 99

De manera coetánea, el impacto mobiliario sobre el auge de la construc-


negativo de las reformas neoliberales ción civil y la posterior introducción de
sobre el crecimiento económico se hizo los cambios institucionales en el orde-
evidente al generar problemas de de- namiento urbano, los mismos que por
manda efectiva que, sumados a la eleva- décadas comandaron la oposición a la
ción de la tasa de interés hipotecaria que Reforma Urbana, que obraron con inu-
pasó del 4,4% a comienzos de 1990 al sitada celeridad para demandar ante la
18,6% a finales de 1995, configuraban Sala Constitucional de la Corte Supre-
un ambiente macroeconómico poco fa- ma de Justicia la Ley 9ª de 1989 y que
vorable para la dinámica de la construc- movilizaron sus capacidades para poner
ción civil en Colombia y, sin embargo, al servicio de esas causas a los más pres-
es una fase de un auge de la actividad tigiosos abogados, aparecen cándidas a
inédita en el país. Los determinantes de luz de los acontecimientos pues, según
tal auge corresponden, según nuestro nuestro entender, resulta contraevidente
criterio, a un capítulo más de la capaci- que a nueve años de expedida la Cons-
dad anticipadora y reactiva del capital titución “hayan comprendido que el
estructurador urbano pues, en efecto, las esquema había cambiado” y que el pue-
reformas urbanísticas advenidas entre blo de Colombia “les había metido un
1989 y 1991 no son fácilmente eludi- gol y no se habían dado cuenta”:
bles pues, como se le atribuye a Maldo-
nado (Borrero, 2003:109), la misma Hace tan sólo dos años, en 2000,
Constitución como norma de normas en el Simposio Internacional de
no puede ser demandada por “incons- Avalúos, organizado por la Lonja de
titucional”. La incertidumbre acerca de Propiedad Raíz de Bogotá, María
la celeridad con la que el gobierno fuera Mercedes Maldonado, abogada ex-
a expedir la Ley de Desarrollo Territorial perta en desarrollo urbano, afirmó
y, subsecuentemente, con la que las ciu- que el derecho de propiedad no in-
dades colombianas adopten los planes corporaba automáticamente el dere-
de ordenamiento, constituyó un deto- cho de construir y que este derecho
nante sin igual de la actividad construc- era de la colectividad. La reacción
tiva. Es decir, que el capital inmobiliario de sorpresa y resistencia fue inme-
movilizó su acumulación previa en pro- diata. Posteriormente, en el mismo
cura de la apropiación rápida de los simposio, el profesor español Javier
derechos de construir en la transición García Bellido reafirmó lo anterior;
entre la promulgación de la Constitu- explicó que en España tenían este
ción, la expedición de la Ley de Desa- esquema desde finales de la déca-
rrollo Territorial y la aprobación de los da de 1950 y que, en este país, este
subsecuentes Planes de Ordenamiento principio era indiscutible. A partir de
Territorial. ese momento, comprendimos que el
esquema había cambiado. En un
Las explicaciones que ofrecen los principio se pensó demandar la Ley
voceros más acreditados del capital in- 388 de 1997 por considerar que ese
100 Economía política del desarrollo inmobiliario residencial, Colombia 1950-2005

derecho no se les podía quitar a los personas como Fabio Giraldo Isaza,
propietarios de tierra. Para el efecto, quien había sido vicepresidente de
consultamos a la doctora María Mer- Camacol y en ese momento era el
cedes Maldonado y a otros aboga- Viceministro de Vivienda, Desarro-
dos en derecho urbanístico, quienes llo Urbano y Agua Potable– y con-
aclararon que este derecho estaba cluimos que Camacol no debía
consagrado en la Constitución y que oponerse porque lo que se necesi-
era imposible demandar por incons- taba era, precisamente, tierra barata
titucional a la misma Constitución. para desarrollos urbanísticos. Así fue
Ya no había duda, nos habían meti- como entendimos que no se afecta-
do un gol en la Constitución y no nos rían los intereses del gremio de la
habíamos dado cuenta. (Borrero, construcción, y tanto la Junta Direc-
2003:108-109) tiva de la Cámara de la Construcción
como los principales promotores de
proyectos inmobiliarios decidimos
Lo anterior resulta aún más contrae- apoyar el proyecto. (Borrero, 2003:
vidente si agregamos que, en un episo- 107)
dio más de su acción anticipadora, el
gran capital inmobiliario contó durante
el proceso de elaboración de la Ley 388 Un nuevo ciclo del urbanismo co-
de 1997 con la asesoría directa del Vi- lombiano se inició en el 2000. Las ex-
ceministro de Estado cuya cartera regula pectativas creadas entre los alcaldes de
y decide sobre el ordenamiento te- las ciudades colombianas por los “estí-
rritorial –el Viceministro de Vivienda, mulos” anunciados en el artículo 13 de
Desarrollo Urbano y Agua Potable–, la Ley 546 de 1999, generó una ava-
prerrogativa que ningún otro agente in- lancha de acuerdos locales en los que
mobiliario, pequeño constructor, urba- se adoptaban las normas de ordena-
nizador popular o semejante, tuvo a su miento territorial ya que durante el mes
alcance: de junio de 2000 se realizaron 110 en
otros tantos municipios y solo en el últi-
(…) Luego surgió la discusión de la mo día del mes, fecha límite señalada
Ley 388 de 1997, con Juan Martín por la Ley, se aprobaron 32 acuerdos
Caicedo como uno de los ponentes – municipales: 24 esquemas de ordena-
en ese momento, años 1996 y 1997, miento territorial, 7 planes básicos y un
yo estaba en la Junta Directiva de plan. Pasada la euforia adopcionista, y
Camacol y, posteriormente, asumí el reconocida la precariedad fiscal del go-
cargo de Presidente de la Cámara de bierno nacional para asumir el compro-
la Construcción en Bogotá–. En la miso con un programa de alguna
discusión del proyecto de ley, comen- trascendencia, el perfeccionamiento de
zamos a revisar en detalle las figuras la acción colectiva urbana con la adop-
de la Ley 9ª y las nuevas alternativas ción de las normas de ordenamiento
propuestas –incluso asesorados por continuó al ritmo del voluntarismo local,
Óscar A. Alfonso R. 101

siendo un rasgo central el tímido cuando urbano a precios más bajos, estrategia
no insustancial empleo de los instru- empleada para enfrentar el nuevo ciclo
mentos introducidos por la Reforma que se inicia y que va a ser facilitada por
Urbana para garantizar un reparto equi- la definición de los usos del suelo y de
tativo de las cargas y beneficios del pro- las áreas de expansión y de renovación
ceso de urbanización. urbana en los planes de ordenamiento
territorial. Como era de esperarse, los
Por su parte, la capacidad anticipa- más inescrupulosos recurrieron a “pro-
dora de los estructuradores urbanos, fesionales del urbanismo” que, al am-
que había sido empleada para apropiar- paro de la omisión estatal cuando no
se de manera ilegitima del derecho de contando con la connivencia de las au-
construir de propiedad de las ciudades toridades urbanísticas locales, evadie-
haciendo que se pagase a precios exor- ron lo dispuesto en la Ley 388 de 1997
bitantes el suelo edificable en su poder, para convertir la ilegitimidad de sus
fue empleada en esta nueva coyuntura “prácticas formales” en un problema de
en procura de nuevas áreas de suelo legalidad.

Contra reacción del capital financiero y colapso de


la financiación de vivienda a largo plazo

Varios sistemas de financiación de la vi- so que haya conocido cualquier activi-


vienda a largo plazo han operado en dad capitalista en Colombia: el 2 de
Colombia durante los últimos sesenta mayo de 1972 fue promulgado el De-
años. La acción del Estado en su fase creto 677 que dio origen al sistema de
corporativa promovió sistemas como el la Unidad de Poder Adquisitivo Cons-
de la Caja de la Vivienda Militar e, inclu- tante (UPAC) con el que se institucio-
sive, el del Fondo Nacional del Ahorro, nalizó la indexación y a través del que
mientras que su cara social tomó cuerpo se canalizó el mayor volumen de ahorro
en el administrado por el Instituto de privado hacia la construcción residen-
Crédito Territorial, entre otros. Pero es cial. Convertir los depósitos de ahorro
hacia mediados de 1972 cuando la a la vista en financiación de la vivienda
construcción civil colombiana comienza a largo plazo se erigió, al igual que en
a gozar de un cuantioso y estable flujo otros países latinoamericanos, en la gran
de capital de crédito pues, siguiendo las innovación financiera de entonces.
orientaciones de Currie, el ministro Ra-
mírez Ocampo, aquel que fuera acusado Las Corporaciones de Ahorro y Vi-
de “comunista” y posteriormente expul- vienda, entidades financieras que ope-
sado del gobierno, se encargó de pro- raron el sistema UPAC, entraron a jugar
mover la creación del mecanismo de un papel decisivo en el urbanismo co-
apalancamiento financiero más podero- lombiano, en la medida que al otorgar
102 Economía política del desarrollo inmobiliario residencial, Colombia 1950-2005

un crédito hipotecario a los constructo- pósitos a la vista del sistema bancario, y


res y, posteriormente, subrogarlo a los una tasa de interés pagadera por trimes-
compradores, entró a validar las localiza- tre vencido que se liquidaba sobre el
ciones más rentables y menos expuestas saldo mínimo en la cuanta de ahorro del
al riesgo y, con ello, orientó la valoriza- depositante durante el período. Para los
ción o desvalorización virtual de ciertos asalariados esto no representaba mayor
vecindarios. El sistema indexado que se atractivo pues difícilmente podían inmo-
conoció como la UPAC surgió en un vilizar un saldo mínimo sustancial como
momento decisivo para el devenir del para que la remuneración fuera consi-
capital inmobiliario colombiano así derable, mientras que para las CAV esta
como para la estructuración residencial forma de reconocimiento del rendimien-
de las ciudades que estaban creciendo to financiero de los ahorros constituía
pues la ausencia de mecanismos de cré- la principal fuente de sus beneficios de
dito hipotecario de largo plazo en un intermediación.
ambiente inflacionario anunciaban un
periodo de crisis para la industria de la Las modificaciones que la Junta de
construcción, amago que se disipó ve- Ahorro y Vivienda introdujo al cálculo
lozmente por la entrada en operación del valor en pesos de la UPAC y que
del sistema UPAC y por la capacidad de estuvieron vigentes hasta mayo de 1984
los promotores inmobiliarios de aquella se refirieron indefectiblemente al hori-
época para conseguir la hazaña de “ha- zonte temporal del índice de precios al
ber logrado quebrar finalmente la resis- consumidor. De manera complementa-
tencia de las capas más ricas a consumir ria, y después de las coyunturas inflacio-
apartamentos y casas estandarizadas” narias de los setenta y de la conmoción
(Jaramillo, 1994:326) como ocurrió en social que ello generó, su acción regu-
el caso bogotano. ladora se enfocó a limitar el crecimiento
del valor de la UPAC hasta el 1º de julio
La mayor parte de las Corporacio- de 1976 cuando fue suprimida y sus
nes de Ahorro y Vivienda fueron cons- funciones fueron asumidas por la Junta
tituidas como sociedades de capital a Monetaria. La modificación a la meto-
partir del segundo semestre de 1972 al dología del cálculo de la UPAC que in-
tiempo que la recién creada Junta de trodujo en 1984 hacía que cualquier
Ahorro y Vivienda daba inicio a sus acti- desfase positivo o negativo entre la in-
vidades indicando que la base de cál- flación y la tasa de interés fuera conver-
culo de la UPAC sería el promedio del tido en un plus relativamente marginal
índice de precios al consumidor de los a la corrección monetaria y, consecuen-
tres meses anteriores a la fecha de cál- temente, a la variación máxima de la
culo. El sistema indexado había entrado UPAC, pero lo trascendente es que con
a operar. Las CAV abonaban a los aho- esa modificación se comenzó a introdu-
rradores la corrección monetaria calcu- cir la tasa de interés como variable de
lada con la inflación corriente, lo cual referencia para la indexación. Este inter-
ya era una ventaja frente al resto de de- ludio va a ser el punto de quiebre entre
Óscar A. Alfonso R. 103

el modelo de acumulación de capital ya en una ocasión –abril de 1975–. Pero


inmobiliario privado soportado en el entre noviembre de 1990 y junio de
crédito hipotecario indexado y la opción 1992 ello se convirtió en práctica con-
estatal de producción del espacio edifi- suetudinaria, alcanzando diferencias
cado que se definirá a favor de los in- considerables que alcanzaron su máxi-
mobiliarios. mo en octubre de 1991, período duran-
te el que se introdujeron las primeras
La espiral inflacionaria por la que modificaciones al criterio de indexación.
atravesó la economía colombiana du- La permisividad y laxitud en el control
rante el gobierno Barco (1986-1990) les financiero que caracterizó este lapso
reportó cuantiosas ganancias financieras ocasionó el incremento ilegal del monto
a los propietarios de las firmas que de las deudas hipotecarias y del margen
operaban en mercados con estructuras de intermediación de las CAV pero, ade-
monopólicas y oligopólicas y derivó, más, esta práctica se constituyó en el
consecuentemente, en un notable de- preámbulo a la reforma que debilitó la
terioro en la distribución personal del credibilidad del público en el contrato de
ingreso. Bajo la orientación de la orto- crédito hipotecario por el sistema UPAC.
doxia fiscal y financiera que paulatina-
mente copó los espacios de la política En enero de 1990 y por iniciativa
económica, el presidente Barco comen- de la entonces Ministra de Desarrollo
zó a cambiar decididamente el arreglo Económico María Mercedes Cuéllar de
institucional que hacia de la inflación la Martínez, el gobierno Barco había inter-
variable para ajustar el valor de la UPAC: venido decididamente la actividad cre-
la reforma a la metodología de cálculo diticia de las Corporaciones de Ahorro
que efectuó hacia mediados de 1988 y Vivienda y del Banco Central Hipote-
anticipó las medidas de política econó- cario a favor de la vivienda de interés
mica que, con especial énfasis desde social. Posteriormente, y como parte de
1991, colocaron el control de la infla- su reforma liberalizadora, la administra-
ción como el eje de la política moneta- ción Gaviria introdujo importantes mo-
ria y fiscal, de manera que al vincular a dificaciones a las entidades estatales que
la tasa de interés DTF (Diferencial de los orientaron la política de vivienda de in-
Depósitos a Término Fijo) –irremedia- terés social para adecuarlas a los nuevos
blemente superior a la variación del ín- instrumentos: el otorgamiento del sub-
dice de precios al consumidor–, al sidio directo a la demanda y la exposi-
cálculo de la UPAC, el gobierno sentó ción de los hogares de ingresos bajos a
las bases para la ampliación de los már- las vicisitudes del mercado del crédito
genes de intermediación financiera de hipotecario que se avecinaban.
los bancos hipotecarios.
El sistema financiero fue liberado de
La regulación que operaba sobre la cualquier compromiso con los programas
variación máxima del valor de la UPAC de vivienda de interés social, pues los
desde agosto de 1974 se había violado créditos hipotecarios quedaron sujetos a
104 Economía política del desarrollo inmobiliario residencial, Colombia 1950-2005

las reglas con que operaría el opaco siste- en lo que atañe al sistema indexado co-
ma indexado; posteriormente el sistema nocido como la UPAC, la reforma fi-
sufrirá un “ajuste” ya que la conforma- nanciera estableció que:
ción de la cuota inicial de las familias
deberá ser administrada por los bancos Artículo 16. Atribuciones. Al Banco
en las “cuentas de ahorro programado”. de la República le corresponde es-
Al finalizar los primeros cuatros años del tudiar y adoptar las medidas mone-
nuevo sistema, los resultados en mate- tarias, crediticias y cambiarias para
ria de cumplimiento de metas era juz- regular la circulación monetaria y en
gado como “positivo” por el gobierno general la liquidez del mercado fi-
entrante: de la construcción de 500.000 nanciero y el normal funcionamiento
soluciones de vivienda prometidas a las de los pagos internos y externos de
“familias necesitadas” se habrían alcan- la economía, velando por la estabi-
zado a construir el 61,6%, mientras que lidad del valor de la moneda. Para
el 42,2% se habría beneficiado con el tal efecto, la Junta Directiva podrá:
subsidio directo. Dentro de las modali- (…)
dades de las viviendas de interés social f) Fijar la metodología para la deter-
a las que se dirigieron los subsidios, la minación de los valores en moneda
mayor proporción (44%) correspondió legal de la Unidad de Poder Adquisi-
a los “lotes con servicios”, modalidad tivo Constante (UPAC), procurando
que exige la prolongación de la jorna- que ésta también refleje los movi-
da de trabajo o la participación de más mientos de la tasa de interés en la
miembros de la familia al mismo para economía.
levantar la edificación.

En medio del auge de la construc- Transcurrieron siete años hasta que


ción civil se expidió la Ley 31 de 1992 el tripartito –la Corte Constitucional–
que introdujo un conjunto de reformas sentenció la inexequibilidad del nume-
en el plano monetario, cambiario y cre- ral f) de la Ley 31 de 1992 por ser con-
diticio que redefinieron el papel del trario a la Constitución, lapso durante
Banco de la República en la economía el que se hicieron evidentes los notables
colombiana, dotándolo de una mayor desaciertos en materia de política de cré-
autonomía en su relación con el Gobier- dito hipotecario. En el momento en que
no Central: la Junta Directiva del Banco se proclamó la Ley 31, las autoridades
de la República quedó investida con el monetarias sostenían que la tasa de in-
carácter de autoridad monetaria, cam- terés DTF reflejaba coyunturalmente los
biaria y crediticia, siendo la función fun- movimientos de la tasa de interés de la
damental del Banco la de velar por el economía pero, en adelante, tal tasa se
mantenimiento de la capacidad adquisi- elevó tan vigorosamente como las ga-
tiva de la moneda, o sea, por el control nancias de intermediación de los bancos
de la inflación. En lo concerniente al originadas en la ampliación del margen.
crédito hipotecario y, específicamente, En 1994, en momentos en que la ortodo-
Óscar A. Alfonso R. 105

xia monetaria y financiera proclamaba el fundada en la remuneración del crédito


éxito de las “nuevas” políticas de con- hipotecario: la tasa DTF cerró en alza en
trol a la inflación, la tasa DTF se elevó a 1994 alcanzado un nivel tal –37,9%–
tal nivel como para que las Corporacio- que, al modificar la tasa de colocación
nes de Ahorro y Vivienda presionaran hipotecaria, llegó inclusive a superar en
una modificación en la metodología del diferentes momentos la tasa máxima de
cálculo del valor de la UPAC pues, si la remuneración al crédito o, en otras pa-
inflación estaba descendiendo y la DTF labras, llegó a situarse en los niveles crí-
elevando, era fácilmente discernible que ticos de la usura (cf. Jaramillo et al.,
el resto del sistema financiero obtenía 2000). Tal elevación sería justificable en
mayores ganancias de intermediación el caso de que la remuneración al aho-
que las entidades financieras que opera- rro se hubiera elevado proporcional-
ban la UPAC. Los frutos de tal presión mente, pero los depósitos a la vista de
se recogieron a partir de la entrada en los colombianos en las cuentas de aho-
vigencia de la Resolución Externa #26 rro de las CAV continuaron recibiendo
de 1994 de la Junta Directiva del Banco un interés irrisorio.
de la República, expedida al amparo del
numeral f) de la Ley 31 de 1992. Mien- Pero alguna sospecha asediaba a los
tras que en sus anteriores decisiones en miembros de la Junta Directiva del Ban-
este frente de la política crediticia, esto co de la República quienes, en una suer-
es, el que concierne a la determinación te de mea culpa, decidieron que, a partir
de las metodologías para el cálculo del del 1º de agosto de 1995, el cálculo del
valor de la UPAC, la Junta Directiva valor de la UPAC ya no se realizaría to-
había preservado al menos parcialmen- mando como referencia el promedio
te a la inflación como el índice de refe- móvil de las últimas doce semanas sino
rencia para tal efecto, a partir del 1º de el de las últimas cuatro, con lo que se-
octubre de 1994 dió un viraje radical al guramente aspiraban a corregir el desa-
reemplazar tal índice por un “porcentaje cierto que significaba creer que tal
de la DTF efectiva”, inicialmente fijado cálculo reflejaba “el movimiento de la
como del 74% de su promedio móvil tasa de interés de la economía”. Pero el
de las últimas doce semanas. efecto irreparable de estas decisiones en
cuanto a la credibilidad de las familias
Esta decisión tuvo un efecto inme- sobre la estabilidad y el equilibrio del
diato sobre los contratos de hipoteca contrato de crédito hipotecario se co-
pactados entre las CAV y los deudores menzó a percibir en medio de la crisis,
pues, además de modificar unilateral- en buena medida, por lo que esto signi-
mente las condiciones pactadas en cuan- fica en tanto interrupción del flujo mo-
to al cambio del índice para establecer netario para el financiamiento de la
la corrección monetaria de los saldos producción y circulación de los activos
insolutos de las deudas, ocasionó el in- residenciales. Aunque en el Banco de la
cremento en el monto de las cuotas República se conocían bien las implica-
mensuales y la elevación drástica e in- ciones negativas que sobre el crecimiento
106 Economía política del desarrollo inmobiliario residencial, Colombia 1950-2005

económico y el empleo tenía la decisión lución 10 de 1999 que entró en vigen-


de sustraer liquidez a la economía en cia el mismo día y en la que se restauró
esta coyuntura recesiva (Urrutia, 2000: de manera transitoria el sistema de in-
5-6) en la medida que ésta significaba dexación que tomaba como referencia
acabar de estrangular la demanda agre- a la inflación. El fallo de inexequibilidad
gada al ocasionar la contracción del fue proferido por la Corte Constitucio-
consumo y la inversión, la arrogancia nal el 27 de mayo de 1999 día en que,
impidió recapitular y rectificar oportuna- con la Sentencia C-383, se inauguró un
mente el error en que había incurrido. agudo debate sobre el mal denominado
Un remedo de tal enmienda fue tomado “decisionismo judicial” (cf. Cuellar, 2005)
de manera precipitada por la Junta Di- pues el tripartito vino a rectificar todo
rectiva con la expedición de la nebu- lo actuado por la Junta Directiva y las
losa Resolución Externa 8 de 1999, pero Corporaciones de Ahorro y Vivienda
la intervención de la Corte Constitucio- desde la entrada en vigor de la Resolu-
nal ya era irreversible y a su tenor la ex- ción 6 de 1993 hasta la vigencia de la
pedición de la Resolución 10 esterilizó Resolución 6 de 1999 en la medida que
sus efectos. tales decisiones fueron opuestas al prin-
cipio equitativo de la proporcionalidad.
En una acción desesperada por evi-
tar la pérdida de gobernabilidad de la Pero la actitud de la Corporaciones
política de crédito hipotecario que se de Ahorro y Vivienda ante el consecuen-
avecinaba con la aparición del tripartito te deterioro de la cartera hipotecaria en
y sus decisiones, la Junta Directiva del poder de los constructores, esto es, que
Banco de la República intentó anticipar una porción creciente de la misma había
el fallo introduciendo una medida com- entrado en mora en el pago, fue la de
plementaria a la metodología de cálculo evitar artificiosamente que el indicador
que había aprobado dos meses atrás y de calidad de la cartera reflejara la mag-
que consistía en dejar variable el por- nitud del problema pues ello les impli-
centaje de la DTF para el cálculo del caría constituir más reservas para cubrir
valor de la UPAC, ligando tal porcentaje el riesgo de incumplimiento: las Corpo-
a una compleja ecuación que incorpo- raciones de Ahorro y Vivienda optaron
raba tanto la tasa de inflación, como “la entonces por “prorrogar” este tipo de
tasa de interés nominal correspondiente créditos y reestructurarlos de manera
a la tasa de interés real de largo plazo”. reiterada hasta que pudieran ser subro-
Esta medida, que fue tomada por medio gados (cf. Romero, 2003), de manera
de la Resolución 8 del 14 de mayo de que aparecían artificialmente “al día” en
1999 y entraba a regir a partir del 1º de los reportes a las entidades de control.
junio, fue totalmente inocua pues la Ese artificio implicó que los intereses
Corte Constitucional profirió sentencia corrientes y de mora que no cubrían los
de inexequibilidad el 27 de mayo de constructores eran incorporados al prin-
1999 y, con notable celeridad, la Junta cipal del crédito, artificio contable que
Directiva expidió el 1º de junio la Reso- en la práctica significaba la capitalización
Óscar A. Alfonso R. 107

de los intereses y que, en el plano institu- gradual en las tasas de interés para
cional, puso en evidencia nuevamente reducir el crecimiento de la cartera
la debilidad de los arreglos imperantes a partir de 1994…Aunque muy cri-
y la laxitud de la Superintendencia Ban- ticada, la política de aumentar las
caria y del Banco de la República pues tasas de interés evitó mayores desca-
“los intermediarios del sector encontra- labros. Se podría argumentar que el
ron maneras de evadir los controles es- endurecimiento de la política mone-
tablecidos”: taria ha debido iniciarse antes (Urru-
tia, 2000:21-23).
Aunque el Banco de la República
reiteradamente les solicitó a los ban-
cos reducir el crecimiento de la carte- Los presidentes engavetaron las in-
ra, ellos ignoraron sistemáticamente genuas solicitudes que les enviaba el
las advertencias. En una reunión el gerente del Banco de la República y, en
presidente de uno de los principales su afán por incrementar su participación
bancos del país le respondió al Ge- en esa creciente masa de ganancias in-
rente del Banco de la República que mobiliarias derivadas de la apropiación
la función de un banco es prestar, y de los derechos de edificabilidad, el sis-
que no tenía sentido pedir modera- tema financiero se encargó de opacar
ción en el crecimiento del crédito… aún más el mercado de crédito hipote-
Ante el fracaso de las advertencias cario pues administraba 90 sistemas de
el Banco de la República en marzo amortización del crédito hipotecario. La
de 1994, tomó la decisión de impo- ineficacia de los mecanismos de coor-
ner límites al crecimiento de la cartera. dinación de mercado de los deseos de
Infortunadamente este instrumento es los agentes inmobiliarios, de los inter-
bastante burdo en un sistema finan- mediarios financieros y de los trabaja-
ciero liberalizado y los intermediarios dores, y la renuencia de la autoridad
del sector encontraron maneras de monetaria a rectificar lo actuado, llevó
evadir los controles establecidos. Se al colapso del sistema de crédito hipo-
tuvo que acudir entonces a la res- tecario y a una contracción abrupta de
tricción de liquidez y a un aumento la producción residencial.

Disolución del trabajo estable en las ciudades y del


patrimonio de las familias
Hacia 1962 comenzó a operar en Co- sidencial urbana de las ciudades a la ca-
lombia un régimen laboral cuyos arre- beza de la red primada colombiana. La
glos institucionales consignados en el estabilidad del contrato de trabajo y
Código Sustantivo del Trabajo persistie- otras garantías laborales como la retroac-
ron por casi tres décadas e incidieron de tividad de las cesantías facilitaron el acce-
manera decisiva en la estructuración re- so a la vivienda a las familias de quienes
108 Economía política del desarrollo inmobiliario residencial, Colombia 1950-2005

tenían contratos de trabajo a término entre los colombianos el paro friccional,


indefinido. Estas conquistas laborales amén del sesgo anti-salarial de la política
estimulaban a los urbanistas colombianos monetaria constatable en el incremento
de inspiración corbuseriana a relanzar de la tasa de desempleo abierto, retiró
las ideas que soslayaban las funciones del mercado potencial de crédito hipo-
del espacio público (Lefebvre, 1999:30) tecario a los trabajadores flexibilizados
y que eventualmente tomarían cuerpo que dejaron de ser sujetos de crédito
en grandes proyectos inmobiliarios de- para las Corporaciones de Ahorro y Vi-
nominados genéricamente como “las vienda y a los nuevos desempleados
ciudades dentro de las ciudades”, esto que engrosaron la lista de morosos y
es, que se proyectaban simultáneamen- que, posteriormente, se vieron forzados
te como el lugar de trabajo, el lugar de a entregar sus viviendas en dación en
habitación, el lugar de consumo, el de pago por la deuda hipotecaria con las
la educación de los hijos y, en fin, el del CAV. Justo en el momento en el que la
acceso a los “placeres programados”. tendencia de la tasa de desempleo sufre
Las cesantías y las primas salariales pero, la inflexión más fuerte de la última dé-
especialmente, la garantía de un pago cada, el tercer trimestre de 1994, la Junta
periódico y estable configuraban al tra- Directiva decide modificar unilateral-
bajador como un excepcional sujeto de mente las condiciones del crédito hipo-
crédito en tanto tuviese ese tipo de con- tecario y, en momentos en que se ha
trato, pues disminuía el riesgo financiero confirmado el aumento del desempleo
de incumplimiento y de mora en el pago y la ampliación de la informalidad –se-
en las operaciones hipotecarias de finan- gundo semestre de 1995–, la Junta Di-
ciación de la vivienda a largo plazo, rectiva se reafirmó en la decisión tomada
amén que la residencia era la garantía con una versión ajustada a las variacio-
real exigida para amparar tal operación. nes coyunturales de la tasa de interés
DTF: ese ineluctable sendero a la des-
La administración de César Gaviria trucción del empleo estable fue la con-
heredó de su antecesor Barco una “mi- tribución de la ortodoxia monetaria y
sión de empleo” cuyos estudios llevaron financiera a la recesión.
a la modificación del arreglo laboral, en
lo individual como en lo colectivo, re- La coyuntura que se inició en 1996
forma que abriría paso a las subsiguien- y que se prolongó hasta 1999, es un final
tes con las que se liberalizó la economía de siglo en el que la actividad constructi-
colombiana. La flexibilización del con- va se sumergió en un interludio recesivo
trato de trabajo y la eliminación de la del que emergieron nuevos arreglos ins-
retroactividad de las cesantías se aduje- titucionales en materia de crédito para la
ron como medidas necesarias para elevar financiación de la vivienda a largo plazo
la competitividad del aparato producti- los que, sumados a los contenidos en la
vo colombiano, situación que evidente- Ley 388 de 1997, incidirán decisivamente
mente no ha ocurrido y que, en cambio, en la dinámica residencial urbana de las
comenzó a hacer cada vez más reiterado ciudades en crecimiento en Colombia.
Óscar A. Alfonso R. 109

Fue en esta coyuntura que se reveló cómo proporción de los mismos. Tradicio-
la autoridad monetaria y los intermedia- nalmente en Colombia se financiaba
rios financieros erraron flagrantemente de hasta 70% a compradores, este valor
objetivo pues, en su búsqueda por una es para constructores de vivienda,
mayor participación de las ganancias in- pero en 1995 ya había planes que
mobiliarias, terminaron exprimiendo el financiaban hasta el 90% del proyec-
ya deteriorado fondo salarial para el con- to (Urrutia, 2000:8-18).
sumo de los hogares, tornando inapla-
zable la intervención del tripartito que
pondrá en el centro de la discusión el Según se puede inferir de las frag-
principio de separación de poderes –la mentarias estadísticas de la entidad que
Corte Constitucional: agremia a los bancos hipotecarios, el Ins-
tituto Colombiano de Ahorro y Vivienda
La última vez que se había generado (ICAV), al finalizar 1999 tenían en su
algún exceso de oferta de viviendas stock 6.624 viviendas entregadas por los
y oficinas había sido en 1974, y por usuarios del crédito en dación en pago
lo tanto, la gente estaba acostumbra- por la impagable deuda. En los años
da a que los precios de la finca raíz subsiguientes recibieron 43.803 vivien-
siempre subían… El aumento de la das por esta misma razón de manera
demanda se multiplicó por el suminis- que, para tener una idea de la magnitud
tro creciente de crédito de vivienda. del fenómeno, las 50.427 viviendas re-
Con precios al alza, las corporaciones cibidas hasta finalizar el 2005 equival-
de ahorro y vivienda se comprome- drían aproximadamente al stock total de
tieron a financiar un mayor número viviendas de una ciudad intermedia de
de proyectos, y comenzaron a otor- Colombia.
gar préstamos para cubrir una mayor

La intervención del tripartito y la renovada acción


colectiva urbana

Para comprender las decisiones del tri- Reforma Urbana. El tránsito del laissez-
partito proponemos que ellas se suscitan ferismo urbano hacia la regulación va
en dos grandes momentos: el de la in- a ser detectable, según nuestro enten-
fluencia del Código Napoleónico y el der, a partir de las sentencias de exequi-
de la acción colectiva urbana. Una de bilidad que la Sala Constitucional de la
las decisiones más notables de ese pri- Corte Suprema de Justicia profirió para
mer momento fue la declaratoria de ine- decidir sobre las demandas que el capi-
xequibilidad que la Sala Constitucional tal inmobiliario agenció en contra de la
de la Corte Suprema de Justicia profirió Ley 9ª de 1989. Una de las más tras-
en 1979 contra la Ley 61 de 1978 de cendentes por sus implicaciones para la
110 Economía política del desarrollo inmobiliario residencial, Colombia 1950-2005

distribución de las cargas y beneficios enteramente gratuito en la práctica


del proceso de urbanización, así como el acto de enajenación que la norma
por la consistencia teórica del fallo en acusada impone, exigencia ésta que
materia económica, fue la que se originó se cimienta en la facultad de control
en la demanda al artículo 2º de la Ley 9ª urbanístico del Estado, vasto campo
de 1989 que obliga a las alcaldías a in- al que se viene extendiendo la noción
corporar en los planes de desarrollo de orden público.” (Pinilla, 2003:247)
municipal las “cesiones obligatorias gra-
tuitas” que son las porciones de suelo
urbano que los terratenientes y construc- Es decir que por causa de tales cesio-
tores inmobiliarios “tienen el deber de nes el suelo urbano remanente para la
ceder con destino a la conformación del edificación adquiere un precio de merca-
espacio público, los equipamientos y las do mayor al que potencialmente tendría
vías que permiten dar efectivamente aquel en donde no se realizan, por lo
soportes urbanos al desarrollo inmobi- que ese mayor valor es la compensación
liario” (Pinilla, 2003:246). La ambiva- exigida como si se tratase de un acto de
lencia de la noción fue aprovechada por enajenación voluntaria. Esta forma de
los terratenientes y constructores orga- comprender la naturaleza del suelo urba-
nizados en la Federación de Lonjas de no como un bien complejo compuesto
Propiedad Raíz como argumento para de forma inseparable por la porción
intentar desmoralizar el instrumento: la construible y la porción pública es de-
gratuidad la asimilaban a una donación cisiva en la estructuración urbana de las
que naturalmente debía ser voluntaria ciudades y más aún, como lo previó la
y no obligatoria, de manera que cual- Corte al vincular su decisión con la “no-
quier cesión obligatoria y sin aparente ción de orden público”, es crucial en el
contrapartida era interpretada por ellos proceso instituyente de la ciudadanía.
como una “expropiación encubierta sin Es, según nuestra forma de ver, en este
indemnización”. Pero la Sala Plena de lapso transcurrido entre la expedición de
la Corte Suprema de Justicia, con inusi- la Ley 9ª de 1989 y la promulgación de
tada claridad y celeridad, profirió el fallo la Constitución Política de 1991 y en el
que fue contrario a las aspiraciones de que, además, las sentencias que profi-
los demandantes: rió la Corte Suprema de Justicia permi-
tieron acumular una rica jurisprudencia
Es de suponer por otra parte, que el en relación con la función social de la
precio de las fajas o porciones de propiedad del suelo, que la Reforma
terreno objeto de las “cesiones obli- Urbana va a presentar notables avances
gatorias gratuitas”, refluye a la postre llegando inclusive a afirmarse que es en
en el precio del terreno restante que ese material que se encuentra el origen
aumentará de valor por causa o del derecho urbanístico colombiano
motivo de las obras de urbanización con ámbito propio de actuación jurídica
a emprenderse por el particular. Por y con especificidades delante de su pre-
ello, para el propietario no resulta cursor, el derecho administrativo.
Óscar A. Alfonso R. 111

La Sala Constitucional de la Corte para tal efecto, a partir del 1º de octubre


Suprema de Justicia se diluyó para dar de 1994 dará un viraje radical al reem-
paso a la Corte Constitucional. Una de plazar tal índice por un “porcentaje de
sus actuaciones más decisivas tuvo lugar la DTF efectiva”, inicialmente fijado
en 1999 con la sentencia de inexequi- como del 74% de su promedio móvil
bilidad del numeral f) de la Ley 31 de de las últimas doce semanas. La Junta
1992 por ser contrario a la Constitución. Directiva del Banco de la República y
En el momento en que se proclamó la las Corporaciones de Ahorro y Vivienda
Ley 31, las autoridades monetarias sos- introdujeron modificaciones en la polí-
tenían que la tasa de interés DTF refle- tica de crédito hipotecario y en sus prác-
jaba coyunturalmente los movimientos ticas a fin de intentar subsanar los errores
de la tasa de interés de la economía en que incurrieron y que laceraron las
pero, en adelante, tal tasa se elevó tan bases del “negocio del crédito hipote-
vigorosamente como las ganancias de cario”. Las acciones que preveía el go-
intermediación de los bancos originadas bierno Pastrana eran bastante timoratas
en la ampliación del margen. En 1994, delante de la magnitud del problema
en momentos en que la ortodoxia mo- que habían creado y cuyas consecuen-
netaria y financiera proclamaba el éxito cias, no obstante, estaba claramente iden-
de las “nuevas” políticas de control a la tificadas:
inflación, la tasa DTF se elevó a tal nivel
como para que las Corporaciones de Por su parte, los usuarios que de
Ahorro y Vivienda presionaran una mo- manera masiva se endeudaron du-
dificación en la metodología del cálculo rante los primeros años de la década
del valor de la UPAC pues, si la inflación del noventa se han visto perjudica-
estaba descendiendo y la DTF elevan- dos, no solamente por el significativo
do, era fácilmente deducible que el resto incremento de la corrección mone-
del sistema financiero obtenía mayores taria, sino además por el descenso
ganancias de intermediación que las sostenido que desde 1996 se viene
entidades financieras que operaban la presentando en el valor de las vivien-
UPAC. Los frutos de tal presión se reco- das; lo que a su vez ha incrementado
gieron a partir de la entrada en vigencia la cartera mala de las CAV, puesto
de la Resolución Externa #26 de 1994 que ni con la devolución del inmue-
de la Junta Directiva del Banco de la ble es posible saldar las deudas. (De-
República, expedida al amparo del nu- partamento Nacional de Planeación,
meral f) de la Ley 31 de 1992. Mientras 1998:498-499)
que en sus anteriores decisiones en este
frente de la política crediticia, esto es, el
que concierne a la determinación de las La coyuntura del segundo semestre
metodologías para el cálculo del valor de 1999 fue notablemente creativa y
de la UPAC, la Junta Directiva había estuvo orientada por las expectativas
preservado al menos parcialmente a la sobre el contenido decisorio de los fallos
inflación como el índice de referencia de la Corte Constitucional que había
112 Economía política del desarrollo inmobiliario residencial, Colombia 1950-2005

admitido otras dos demandas de inexe- el diseño de la política de financiación


quibilidad de normas atinentes a la fi- de vivienda a largo plazo con nuevos
nanciación de la vivienda. La sentencia arreglos institucionales pues establece
C-700 restauró para el país la potestad que, para tal efecto, no se podrán capi-
del Legislativo de dictar las normas ge- talizar los intereses y que los deudores
nerales en materia de financiación de hipotecarios podrán realizar amortiza-
vivienda y conminó al Congreso a ejer- ciones extraordinarias al capital, deno-
cer su atribución constitucional dictan- minadas como “prepagos”, sin que ello
do la ley que “establezca las directrices derive en cualquier tipo de sanción que
necesarias para la instauración del sis- pudieran aplicar a los deudores las enti-
tema que haya de sustituir al denomi- dades crediticias.
nado UPAC”: la muerte del sistema
UPAC que se anunció en la Resolución Mientras que, en general, los miem-
26 de 1994 fue finalmente decretada bros de la Junta Directiva del Banco de
por la Corte Constitucional y será eje- la República concordaban en que lo
cutoriada por el Congreso con la expe- que estaba en juego en esta coyuntura
dición de la Ley 546 de 1999 en la que era la preservación del principio de la
se creó el nuevo sistema, la Unidad de separación de poderes y, en este sentido,
Valor Real (UVR). De manera comple- el uso de la facultad legislativa del Con-
mentaria, la sentencia C-747 de la Corte greso era insoslayable, el contenido de
Constitucional indicó una pauta decisiva la Ley 546 de 1999 les significó otra
para la nueva política de financiación derrota en la batalla librada con la Corte
de vivienda a largo plazo al considerar Constitucional, sentándose a partir de
contraria a la Constitución la capitaliza- ella el precedente de que las decisiones
ción de intereses en este tipo de opera- de la “banca central independiente” no
ciones hipotecarias. podrán estar exentas del control de
constitucionalidad. Para el usuario del
El Congreso de la República legisló crédito hipotecario la Ley 546 significó,
rápidamente pues, además de la juris- en principio, darle más transparencia al
prudencia acumulada en los sucesivos mercado del crédito hipotecario pues,
fallos de la Corte Constitucional, tenía en la transición del sistema UPAC al
a su disposición los argumentos de la nuevo sistema de financiación de vivien-
Junta Directiva y de los usuarios del cré- da a largo plazo –la UVR–, la Superin-
dito que se habían organizado en la tendencia Bancaria eliminó 85 de los 90
Asociación Nacional de Usuarios del sistemas de amortización ofrecidos hasta
UPAC (ANUPAC): el 23 de diciembre entonces por las Corporaciones de Aho-
de 1999 expidió la Ley 546 que, en el rro y Vivienda que incluían diferencias
artículo primero, no solo creó el nuevo sustanciales en cuanto a capitalización
sistema en el que se retorna a la inflación de intereses y aceptación de prepagos
como variable de indexación –la Uni- totales o parciales de los saldos hipote-
dad de Valor Real, UVR– sino que co- carios insolutos (cf. Romero, 2003). Pero
mienza a intervenir decididamente en el legislativo incidió de forma aún más
Óscar A. Alfonso R. 113

decisiva en la política de financiamiento exequibilidad en la Sentencia C-955


de la vivienda pues, en el artículo 17, que resuelve una nueva demanda de
trazó los criterios generales de tal política inconstitucionalidad.
con cuyo contenido se intentó, infruc-
tuosamente, restaurar la credibilidad del Una de las principales cuestiones
público en el sistema y apalancar la reac- que se levantó en relación con los tér-
tivación de la construcción civil, al paso minos establecidos en la Ley 546 de
que el numeral 2º significó el inicio de 1999 es la proyección de la evolución
un nuevo capítulo de la disputa corpo- previsible del precio del inmueble, pues
rativa pletórico de contradicciones pues, en el fondo esa indicación guarda es-
aún defendiendo la potestad legislativa trecha relación no solo con la valoración
del Congreso, los miembros de la Junta de la garantía real como si con la estruc-
Directiva del Banco de la República no turación del espacio residencial de las
se ahorraron argumentos para manifes- ciudades, en la medida que las contra-
tar su inconformismo e irritación con su dicciones inherentes a las formas de
contenido pues significa una interven- coordinación de las decisiones de los es-
ción permanente de la tasa de interés tructuradores urbanos y las de la banca
hipotecaria y, en la práctica, torna insus- hipotecaria, están concebidas para que
tancial la intervención de la autoridad sea el mismo sistema el que se encargue
monetaria en esta materia. Ulteriormen- de estimular la desvalorización virtual
te, la Corte Constitucional declaró su de los stocks residenciales.

Comentarios finales
Las fabulosas e ilegitimas ganancias organizados ahora en sociedades anóni-
percibidas por los agentes inmobiliarios mas, a exacerbar el empleo de la red para
“formales”, surgidas de la apropiación valorizar sus capitales, simbiosis entre la
anticipada del derecho de construir en Internet y el mercado inmobiliario de
las grandes ciudades y de las cuantiosas donde refluye la información que busca
plusvalías por la mayor intensidad en el desvalorizar virtualmente aquellas loca-
uso del suelo en su poder, que quedaron lizaciones que ulteriormente van a alla-
intactas después de la errada arremetida nar con nuevas propuestas de vecindario.
del sector financiero, están a la búsqueda En la medida que los epítetos aprendi-
de nuevas posibilidades de valorización. dos durante la Guerra Fría y empleados
Los vientos de la contra-Reforma Urba- para desmoralizar la Reforma Urbana
na azotan con más frecuencia a la em- entraron temporalmente en desuso, las
pobrecida Colombia. En el intertanto, el nuevas fuentes de segmentación de la
nuevo discurso de la globalización y ciudad y de disolución de la ciudadanía
bursatilización inmobiliaria comenzó a se hacen posibles por la presencia de
hacer carrera y los agentes inmobiliarios, medrosos alcaldes que sucumben ante
114 Economía política del desarrollo inmobiliario residencial, Colombia 1950-2005

la retórica de la inseguridad, el vigilan- ZP 2 explique nada, sin votación de


tismo, y casuísticamente condonan las las Cortes. ¡Vamos, sin tripartito! El
cesiones obligatorias a la ciudad para los Euríbor está en el nivel más alto
nuevos emprendimientos inmobiliarios. desde 2003. Ha aumentado hasta el
La segunda residencia localizada en los 2,684%. Ya se oye el galopar de los
municipios circunvecinos a las grandes jinetes del Apocalipsis de la subida
ciudades continua consolidándose como del precio del dinero, de los tipos de
reflejo del invariable deterioro en la dis- interés, pero el familiar Euríbor de
tribución personal del ingreso urbano y la hipoteca, que es como de la fami-
de la política de extinción de la agricul- lia, que es el que nos cobija en la
tura tradicional, irradiando la ciudad sus casa que todavía no es nuestra, sino
pautas de segmentación a los espacios del Banco o de la Caja, ése ya recita
metropolizados hasta donde la ilegitima el Romance de la Pepa: sube que
acumulación de capitales inmobiliarios sube que sube, trepa que trepa que
otrora no llegaba. trepa. (Burgos, 2005:7)

Como en un palimpsesto, los agen-


tes que movilizan al poderoso real estate Pero aún hay quienes sostienen que,
español comienzan a reescribir parte de con la intervención de la Corte Consti-
esta historia y las primeras plumas que tucional, Colombia se apartó del curso
anticipan su curso y reclaman la inter- de la historia y, contra toda evidencia,
vención pronta del tripartito son las de condenan el denuedo con el que el tri-
la propia derecha: partito comenzó a despejar el camino
para reencausar la historia del tiempo
Y a la mayoritaria España hipoteca- presente de nuestras ciudades hacia un
da, sin comerlo ni beberlo, le han futuro más prometedor en términos de
subido el Euríbor, sin consultarle, sin una urbanización más igualitaria y de-
que el Gobierno abra la boca, sin mocrática: el del planeamiento urbano.
que Solbes explique nada, sin que

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__________. Aportes para una teoría eco- de los gremios inmobiliarios y construc-

2
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Óscar A. Alfonso R. 115

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ción de las leyes 9ª de 1989 y 388 de

Resumen A bstrac t
El vigoroso proceso de urbanización de The strong urbanization process of the
la población colombiana acaecido desde Colombian population during the sec-
la segunda mitad del siglo pasado estuvo ond half of the 20th century had, for near-
acompañado, por cerca de 35 años, de ly 35 years, unsuccessful attempts to
una serie de fallidos intentos por dotar al provide a collective action to reduce the
país de una acción colectiva que le permi- urban unfairness and inequality that
tiera reducir la inequidad y la desigualdad emerge from the residential configura-
urbanas emanadas de la configuración tion. The most evident traits of the proc-
residencial. La distribución inequitativa ess are the unfair distribution of costs and
de las cargas y de los beneficios que de benefits and the obvious socioeconomic
tal proceso se derivan y la notoria segre- and spatial urban segregation. This arti-
gación socioeconómica y espacial urbana cle presents the tensions and conflicts,
de la población son sus rasgos más cons- due to social impacts, of a plethoric proc-
picuos. En este artículo se presentan las ess of contradictions in the actions of the
tensiones y los conflictos, amén de los im- agents who participate in the urban res-
pactos sociales, de un proceso pletórico idential organization of the Colombian
de contradicciones en la acción de los cities.
agentes que participan de la estructura-
ción residencial urbana de las ciudades
colombianas.

Palabras clave: economía urbana, desa- Keywords: urban economics, real state
rrollo inmobiliario residencial, acción co- residential development, collective action,
lectiva, desigualdad urbana, segregación urban inequality, spatial urban segrega-
espacial urbana. tion.

Recebido em outubro de 2006. Aprovado para publicação em maio de 2007

Óscar A. Alfonso R. é economista, Doutorando no Instituto de Pesquisa e Pla-


nejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, professor-
pesquisador da Universidad Externado de Colombia e sócio-fundador da Asociación
Colombiana de Investigadores Urbano Regionales (ACIUR).
Rumos da Pesquisa
Evolução urbana no Rio Grande
do Sul: trajetórias intelectuais *

João Farias Rovati

Procedimento e linha de pesquisa


A noção de evolução urbana é freqüen- espaço, integrado por professores e pes-
temente empregada no Brasil em pelo quisadores de diferentes origens disci-
menos dois espaços discursivos. Em um plinares, a noção aparece em programas
deles, é evocada como método ou pro- de ensino de graduação e pós-gradua-
cedimento analítico, cujo objetivo prin- ção, em relatórios, teses e dissertações,
cipal é subsidiar a elaboração de planos como constatam inventários da pesquisa
e projetos urbanísticos. Os enfoques e a realizada na área de estudos urbanos
abrangência dos estudos situados nesse (Valladares et al., 1991; Sant’Anna et al.,
âmbito são muito diversos. Vão da ela- 2001). Também aí os enfoques são muito
boração de mapas, onde é representa- variados.
do o processo de crescimento de um
setor urbano, cidade ou região, à elabo- Tais espaços discursivos, evidente-
ração de longos relatórios. Esse é um mente, não são estanques. Um estudo
lugar ocupado, sobretudo, embora não de evolução urbana, realizado a partir
exclusivamente, por arquitetos, urbanis- de abordagem acadêmica, pode se tor-
tas e planejadores do urbano. No outro nar referência para a elaboração de um

* Este artigo tem por base os resultados parciais de pesquisa iniciada em março de 2006,
realizada com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do
Sul (FAPERGS): “Os estudos de evolução urbana como abordagem da cidade”, e foi apre-
sentado no XII Encontro Nacional da ANPUR (Belém, 21-25 de maio de 2007). O título foi
alterado por sugestão da Comissão Editorial dos Cadernos IPPUR.

Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XX, No 2, 2006, p. 119-136


120 Evolução urbana no Rio Grande do Sul: trajetórias intelectuais

plano urbanístico. Um trabalho realizado e de Souza e Müller foram concluídos no


por consultores ou técnicos municipais, mesmo ano de 1978. Um levou quase
com perspectiva estritamente operacio- dez anos para ser publicado em livro,
nal, pode se tornar referência para a outro, quase vinte.
pesquisa acadêmica.
O trabalho de Abreu derivou-se de
Um traço marcante e comum aos dois pesquisa de escopo mais abrangente, que
espaços discursivos brevemente caracte- o autor realizou para o Centro de Pes-
rizados é a farta utilização de imagens, quisas Urbanas do Instituto Brasileiro de
especialmente desenhos e fotografias. Administração Municipal (Ibam). Portan-
Em outros termos, trata-se de uma nar- to, originalmente, era parte de um rela-
rativa em que a iconografia comparece tório de pesquisa (Abreu, 1987, p. 9). A
como aspecto integrante do discurso, e publicação do livro que daí resultou foi
não como ilustração ou complemento da apoiada pelo IplanRio, como que a tes-
palavra. Aliás, bem ao contrário disso, em temunhar a importância da obra para a
alguns desses estudos as palavras têm cidade e para seu planejamento.
menos força que as imagens.
O livro de Souza e Müller também
Cito dois trabalhos que me parecem se originou de relatório de pesquisa, ela-
exemplificar bem a démarche que acabo borado para a Secretaria de Planeja-
de situar: Evolução urbana do Rio de mento Municipal de Porto Alegre. Era
Janeiro, de Maurício Abreu (1987), e parte de um extenso conjunto de estudos
Porto Alegre e sua evolução urbana, de contratados pela prefeitura nos anos
Célia Ferraz de Souza e Doris Maria 1977-1978, realizados com o declarado
Müller (1997). objetivo de subsidiar a elaboração do
novo Plano Diretor da cidade, aprovado
Sem propor aqui qualquer compara- em 1979 (Souza e Müller, 1997, p. 9).
ção quanto a seus conteúdos, chamo a
atenção para algo que esses trabalhos Há algo que distingue, entretanto,
têm em comum: um discurso que articula os dois estudos. Abreu confessa que seu
texto e imagem, pautado pela busca da livro, em certa medida, foi obra do acaso:
síntese, assentado na reunião de informa- seu trabalho não tinha como objetivo,
ções originadas de fontes muito diversas. inicialmente, tratar da “evolução urba-
na” do Rio de Janeiro 1. Souza e Müller,
Cabe assinalar, e não apenas como ao contrário, foram especificamente con-
curiosidade, que os trabalhos de Abreu tratadas para abordar tal questão. O re-
1
“O objetivo inicial da pesquisa era o estudo da influência das políticas públicas sobre a
distribuição espacial da população de baixa renda na Área Metropolitana do Rio de Ja-
neiro. E foi nesta direção que eu e Olga Bronstein, responsáveis por sua elaboração,
encaminhamos inicialmente o estudo. Na divisão de trabalho que se seguiu, a mim foi
confiada a tarefa de buscar elementos históricos que servissem de ponto de partida para
a discussão da estrutura urbana atual da metrópole carioca. A partir daí, o estudo tal
como o havíamos imaginado começou a mudar de direção” (Abreu, 1987, p. 9).
João Farias Rovati 121

latório que redigiram intitulou-se “Porto no âmbito acadêmico, cujo exame, em


Alegre, análise de sua evolução” (Souza 1974, renderia à Doris Maria Müller o
e Müller, 1978). O estudo operou um título de Livre-Docente em Evolução
“modelo” já debatido e experimentado Urbana.

A evolução urbana no Rio Grande do Sul


Professora da Faculdade de Arquitetura des nas diferentes civilizações desde a
da Universidade Federal do Rio Grande Antiguidade. A cidade e a cultura. Urba-
do Sul (UFRGS), a arquiteta Doris Maria nismo no Brasil” (Propur, 1970, p. 34).
Müller (1925-2000) ministrou aulas de
evolução urbana por quase três déca- Célia Ferraz de Souza, também ar-
das. Na graduação, desde os anos 1970, quiteta, tornou-se professora da UFRGS
ao lado de Célia Ferraz de Souza, foi em 1972, ano em que a Evolução Ur-
responsável pelos conteúdos de uma bana passou a fazer parte do currículo
disciplina também denominada Evolu- do curso de arquitetura; desde então, ali
ção Urbana. Esse era, também, o nome ministra aulas nessa disciplina. Em 1977,
da disciplina que ministrou no curso de obteve o título de mestre em planeja-
urbanismo que existiu na mesma Facul- mento urbano e regional pelo Propur.
dade entre 1954 e 1972 – um curso de Foi aluna de Doris Maria Müller, que
pós-graduação lato sensu ou de especia- participou de sua banca de mestrado. A
lização, como talvez fosse definido nos noção de “estrutura urbana”, uma das
dias de hoje. Müller pertenceu ainda ao mais freqüentemente evocadas em es-
primeiro corpo docente do Programa de tudos de evolução urbana 2, ocupa lugar
Pós-Graduação em Planejamento Ur- central na dissertação de Souza (1977).
bano e Regional (Propur) daquela mes- Há poucos anos, ela foi autora de um
ma Universidade. A partir de 1971, no dos capítulos do Atlas Ambiental de
Propur, igualmente ministrou aulas de Porto Alegre, intitulado “Evolução ur-
evolução urbana, em disciplina denomi- bana: dos arraiais à metrópole” (1998),
nada História da Cidade e do Urbanis- o que de alguma maneira testemunha a
mo, cujo programa era assim resumido: vitalidade e a atualidade dessa aborda-
“Análise histórica da evolução das cida- gem no Rio Grande do Sul 3.

2
Ver, por exemplo, Abreu (1987, p. 11): “Um trabalho que vise analisar o processo de
evolução de qualquer cidade a partir de sua organização atual é, por definição, um estudo
dinâmico de estrutura urbana”.
3
Foge aos propósitos deste artigo fazer um balanço da literatura assentada na análise da
“evolução urbana”; apenas para sublinhar a atualidade, diversidade e alcance dessa abor-
dagem, cito, nas referências, trabalhos publicados nos últimos anos no Rio Grande do
Sul (Borges, 2001), em São Paulo (Lima, 2002) e no Paraná (Garcez, 2006), todos de
alguma maneira associados ao espaço acadêmico.
122 Evolução urbana no Rio Grande do Sul: trajetórias intelectuais

Do presente para o passado, e sem O quadro de referências disciplina-


que essa constatação implique necessa- res, teóricas e conceituais desse modelo
riamente no estabelecimento de linhas (Müller, 1976, p. 31-43) evoca alguns
de afinidade teórico-conceituais, pode- nomes que merecem ser aqui pelo me-
se dizer que Célia Ferraz de Souza deu nos citados. Estudos urbanos privile-
continuidade ao trabalho de Doris Maria giando abordagens da geografia e da
Müller, que, por sua vez, prosseguiu o economia ocupam ali o lugar mais rele-
trabalho iniciado por outros importantes vante. São mencionados, por exemplo,
personagens dos mundos acadêmico e trabalhos de John Alexander, William
profissional local: Demétrio Ribeiro, Luiz Alonso, Jacqueline Beaujeu-Garnier,
Arthur Ubatuba de Faria e Edvaldo Pe- Georges Chabot, Richard Chorley, Pierre
reira Paiva. George, Chauncy D. Harris, Bert Hose-
litz, Walter Izard, Rui Aguiar da Silva
Doris Maria Müller diplomou-se en- Leme, Pedro Paz, Marie-Andrée Prost,
genheira-arquiteta, em Porto Alegre, no Octávio Rodriguez, Bernardo Secchi,
ano de 1952. Em 1955, na mesma ci- Louis Trotier e Edward Ullman. Além
dade, concluiu o curso de urbanismo da desses, são citados estudos difíceis de
Faculdade de Arquitetura. Como já men- classificar sob uma mesma rubrica, como
cionado, o programa desse curso incluía os de autoria de Charles West Churchman,
uma disciplina denominada Evolução John Friedmann e Constantinos Doxia-
Urbana, ministrada por Demétrio Ribeiro dis, que tratam da teoria dos sistemas, do
desde 1954. Müller, portanto, foi aluna planejamento e da “ciência” dos estabe-
de Ribeiro. Em 1957, ela o substituiu lecimentos humanos. Entre os trabalhos
temporariamente na cátedra de Evolu- citados por Müller cabe destacar, ainda,
ção Urbana do curso de urbanismo. A Evolución urbanística, una teoría de la
partir de 1965, após o afastamento de ciudad en la historia, de Patrício H. Ran-
Ribeiro da Universidade, por ato do re- dle (1972) – na época, titular da cátedra
gime militar, tornou-se titular da disci- de mesmo nome na Universidade de
plina. Buenos Aires –, que, como revela o sub-
título de seu livro, propunha então uma
Em 1974, no trabalho que apresen- abrangente reflexão teórica sobre o lugar
tou para a obtenção da Livre-Docência da cidade na história.
em Evolução Urbana, Crescimento ur-
bano: um instrumento de trabalho apli- Um dos pontos centrais do modelo
cado ao Vale do Taquari, Müller propõe proposto por Müller é a “lei geral” do
e testa um “modelo” para o estudo da crescimento urbano. “O modelo”, expli-
evolução urbana. Esse modelo já fora ca, “baseia-se numa lei que pode ser
esboçado em 1970, em pesquisa reali- chamada de geral, pois na amplitude de
zada por encomenda do governo do Rio sua formulação, compreende todos os
Grande do Sul visando à formulação de aspectos do crescimento urbano, seja ele
uma política regional de desenvolvi- positivo, negativo ou referente aos casos
mento urbano (PDU, 1970-1975). extremos do início ou extinção de um
João Farias Rovati 123

núcleo”. Tal lei é assim definida: “Um nos dois últimos decênios como inte-
núcleo urbano sofre modificações quanti- grantes da ekistics” – neste último caso,
tativas ou qualitativas em sua população, evocando o termo criado por Constanti-
quando ocorrem mudanças quantitati- nos Doxiadis para designar a “ciência do
vas ou qualitativas em suas funções” aglomerado urbano”. A própria autora
(Müller, 1976, p. 31). Essa hipótese, classifica seu trabalho como contribuição
sem pretensão de originalidade, aparece situada “nas duas últimas categorias”.
no trabalho de Müller como síntese de
suas leituras teóricas. O trabalho de Souza estabelece claras
relações de continuidade com o modelo
Apenas para situar algumas linhas anteriormente resumido: “A evolução
de ruptura e continuidade entre as traje- urbana da cidade ao longo da história”,
tórias abordadas, registro que a hipótese escreve em 1998, “pode ser entendida
da “lei geral” do crescimento urbano a partir da relação existente entre varia-
também está presente no relatório redi- ção de população (acréscimos e decrés-
gido por Souza e Müller em 1978. cimos) e funções urbanas”. Contudo, seu
interesse privilegia os enfoques da his-
Em sua dissertação de Livre-Docên- tória da cidade e do urbanismo, isto é,
cia, Müller (1976, p. 19) diz que, “sob a precisamente os “grupos de contribui-
denominação de evolução urbana”, ções” que não foram priorizados no ci-
poderiam ser considerados pelo menos tado trabalho de Müller. A abordagem
“quatro grupos de contribuições”; resu- da evolução urbana interessa a Souza,
midamente: (i) o enfoque da história das sobretudo para compreender como a
cidades; (ii) o enfoque da história do “variação das funções” se refletiria “na
urbanismo; (iii) as “análises monográfi- configuração das estruturas e da morfolo-
cas de cidades, em especial aquelas rea- gia urbana” e “na concepção arquitetôni-
lizadas por urbanistas em preparação a ca das edificações” (Souza, 1998, p. 99).
planos”; (iv) “os estudos de teoria do Desse ponto de vista, as preocupações de
crescimento urbano, em parte esparsos Souza, como veremos adiante, revelam-
e setoriais, de geógrafos, economistas e se mais próximas daquelas que orienta-
sociólogos, em parte, tomando corpo ram o trabalho de Demétrio Ribeiro.

Pioneiros
Por mais de meio século, Demétrio Ri- exercida especialmente em entidades de
beiro Neto (1916-2003) foi uma refe- classe, como o Instituto dos Arquitetos
rência profissional e intelectual em Porto do Brasil (IAB).
Alegre, por suas realizações como arqui-
teto e urbanista, por sua atuação como Originário de uma família de estan-
docente e por sua militância política, cieiros, Ribeiro tinha o mesmo nome do
124 Evolução urbana no Rio Grande do Sul: trajetórias intelectuais

avô, professor de matemática de convic- do curso de arquitetura. Graças aos re-


ções positivistas, ministro da Agricultura cursos que obteve com esses prêmios,
nos primeiros anos da República. Nas- Cravotto realiza uma longa viagem de
cido em Porto Alegre, Ribeiro tinha mãe estudos. Entre 1919 e 1921, conhece
francesa. Viveu a infância e a adolescên- muitas cidades e visita um grande nú-
cia em Paris. De volta ao Brasil, em mero de países – Argentina, Chile, Peru,
1937, quis cursar arquitetura no Rio de Equador, Panamá, Estados Unidos (onde
Janeiro, na Escola Nacional de Belas reside por oito meses, primeiro em Nova
Artes, onde não foi aceito, segundo o York, depois, na Califórnia), Inglaterra,
seu próprio testemunho 4, porque os es- Espanha, Bélgica, Itália (reside três me-
tudos que realizara no liceu francês não ses em Roma), França (reside um ano
foram considerados compatíveis com os em Paris).
programas de ensino em vigor no País.
Matriculou-se, então, no curso de arqui- Entre 1920 e 1921, além de fre-
tetura da Universidade da República do qüentar o ateliê de Léon Jaussely, Cra-
Uruguai, onde obteve seu diploma em votto tem aulas de évolution des villes
1943. com Marcel Poëte. O ambiente intelec-
tual parisiense e a figura de Poëte marca-
Em Montevidéu, Ribeiro milita na riam de maneira decisiva sua trajetória
seção local da Internacional Comunista profissional. Lembro que o nome de
e torna-se amigo de Mauricio Cravotto, Poëte está associado a episódios insti-
um de seus professores da Faculdade de tucionais e intelectuais importantes para
Arquitetura. Membro de uma família o urbanismo francês: em 1916, funda o
que cultivava o pensamento de Auguste Instituto de História, Geografia e Econo-
Comte, Ribeiro passa a se interessar pelos mia Urbanas da Biblioteca Histórica da
escritos de Karl Marx. De Cravotto, es- Cidade de Paris; em 1919, cria a revista
pírito erudito de convicções anarquistas, Vie urbaine; ainda em 1919, é um dos
Ribeiro teria recebido suas “melhores fundadores da Escola de Altos Estudos
lições de arquitetura”. Urbanos, instituição integrada à Sorbonne
em 1924, que daria origem ao Instituto
Mauricio Cravotto (1893-1962), filho de Urbanismo da Universidade de Paris
de imigrantes italianos, estudou arqui- (IUP), hoje pertencente à Universidade
tetura em Montevidéu, onde se diplo- de Paris-12 (Val-de-Marne).
mou em 1918. Sua trajetória acadêmica
brilhante seria recompensada com dois De retorno a Montevidéu, Cravotto
prêmios: a Medalha de Ouro concedida inicia uma relativamente curta mas pro-
pela Universidade da República, como lífica trajetória acadêmica e profissional.
melhor estudante daquela instituição, e Os projetos do Montevideo Rowing Club
o Grande Prêmio, como melhor aluno (1923), do Palácio Municipal (1929), do

4
Entrevista concedida em agosto de 1995, como parte de pesquisa realizada para tese de
doutorado (Rovati, 2001); outras notas biográficas apresentadas neste artigo têm por
base a mesma pesquisa.
João Farias Rovati 125

Hotel Rambla (1931) e da Biblioteca Na- As afinidades pessoais e profissio-


cional (1939), os planos reguladores de nais de Demétrio Ribeiro com Cravotto
Montevidéu e Mendoza (1940-1941), revelam-se de maneira comedida, porém
são algumas de suas realizações. Em decisiva, em alguns episódios.
1922, torna-se professor da Faculdade
de Arquitetura, instituição cujo progra- Diplomado, Ribeiro instala-se em
ma de ensino seguia a tradição beaux- Porto Alegre em 1944. Em 1945, inte-
arts e que, na época, era dirigida por um gra o quadro docente do recém-fundado
arquiteto formado por aquela escola, o curso de arquitetura do Instituto de Belas
francês Joseph Paul Adrien Carré. Artes (IBA), sendo responsável pelo ate-
liê de Grandes Composições. Dirigente
Cravotto iniciou sua trajetória docen- local do Partido Comunista (PCB), é
te no ateliê de Grandes Composições, obrigado a exilar-se por alguns meses
como assistente de Carré. Em 1923, cria em Montevidéu, em 1947, ano em que
a disciplina Traçado das Cidades e Ar- o partido foi posto na ilegalidade. Cra-
quitetura Paisagista. Na primeira das votto o acolhe em sua casa. Aproveitan-
quatro partes do programa desse curso do a estadia forçada no Uruguai, Ribeiro
eram tratados, entre outros, os seguin- convida Cravotto para ministrar aulas a
tes temas: geografia geral, geografia hu- estudantes dos cursos de arquitetura e
mana, leis e fatores da vida coletiva, de urbanismo do IBA, o que se efetiva
caráter e fisionomia das cidades, estru- em 1948.
turas urbanas, história urbana, história
do urbanismo, evolução dos aglomera- Ribeiro, como Cravotto, via com re-
dos urbanos através do tempo. Tal era o servas o ideário estético do movimento
bloco “conceitual e cultural” do curso, moderno. Os projetos desses dois arqui-
que prosseguia com o “estudo analítico” tetos, embora evocando expressões sim-
da cidade e de seus componentes, da bólicas distintas, parecem marcados por
“cidade moderna” e das técnicas urba- um mesmo desafio: conceber uma arqui-
nísticas contemporâneas. O interesse de tetura “contemporânea” sem descon-
Cravotto por esses temas o levaria a fun- siderar os ensinamentos da tradição
dar, nos anos 1930, na Faculdade de historicista. Cravotto, que se definia um
Arquitetura, um Instituto de Urbanismo, humanista, perseguiria esse objetivo ba-
em que dirige a realização de pesqui- lizado por sua sólida formação beaux-
sas, publica uma revista e organiza cur- arts; Ribeiro o faria inspirado pela estética
sos. Na segunda metade dos anos 1940, e pela ideologia do realismo socialista.
suas idéias, consideradas “antigas” es- Não por acaso, nos anos 1950, Ribeiro
pecialmente por estudantes partidários combateria publicamente o ideário esté-
do movimento moderno, passam a ser tico dos “modernistas” brasileiros e en-
fortemente contestadas. Em 1952, quan- contraria na obra do arquiteto francês
do ainda não completara sessenta anos André Lurçat – um “moderno” crítico do
de idade, aposenta-se e praticamente movimento moderno (Cohen, 1997) –
encerra sua vida profissional. uma de suas principais referências.
126 Evolução urbana no Rio Grande do Sul: trajetórias intelectuais

Cravotto e Ribeiro foram, cada um tema interessou a outros personagens,


a seu modo, pioneiros do urbanismo. particularmente a Luiz Arthur Ubatuba
Entenda-se bem: viam-se como prota- de Faria (1908-1954) e a Edvaldo Pe-
gonistas de um processo que implicava reira Paiva (1911-1981).
na construção de uma nova disciplina,
de um novo campo do conhecimento, Ubatuba de Faria interessou-se pelo
de uma nova profissão. E situavam-se, urbanismo desde jovem. Em 1926, aos
nesse terreno, sempre e claramente dezoito anos de idade, quando era es-
como arquitetos. Ali, no pequeno mun- tudante da Escola de Engenharia de
do da arquitetura, construíram seu espa- Porto Alegre (diplomou-se engenheiro
ço discursivo e, a partir dele, dialogaram civil em 1932), passou a trabalhar na
com economistas, geógrafos, sociólo- Seção de Cadastro da Prefeitura. Na-
gos, planejadores, cientistas, artistas, quela época, a cidade conhecia um
autoridades políticas. As trajetórias de amplo programa de reformas. Ubatuba
Cravotto e Ribeiro, seus escritos e reali- de Faria o acompanhou de perto, parti-
zações, dão um bom testemunho desse cipando dos trabalhos de levantamento
posicionamento. cadastral e topográfico. Na repartição,
interessou-se também por “mapas anti-
Ribeiro ministrou aulas de evolução gos”, pelo estudo das cidades, pela fo-
urbana no curso de urbanismo da Fa- tografia como arte e como ferramenta de
culdade de Arquitetura por cerca de trabalho. Tinha bons conhecimentos de
uma década. Mas quase nada escreveu, francês e, após diplomar-se, colaborou
especificamente, sobre o assunto. Sua discretamente com a Igreja Positivista de
disciplina, como resume o programa Porto Alegre.
distribuído aos estudantes em 1960,
envolvia aulas teóricas e práticas. As teó- No início dos anos 1930, na Seção
ricas buscavam “ressaltar a historicidade de Cadastro, conheceu obras que teriam
dos fenômenos urbanos”, abordando a grande importância para a definição de
cidade como “manifestação da cultura seu destino profissional: Estudo de um
material e intelectual de uma época”. Já plano de avenidas para a cidade de São
as aulas práticas eram vistas como “estí- Paulo, de Francisco Prestes Maia (1930),
mulo à pesquisa” e ao desenvolvimento e Cidade do Rio de Janeiro, extensão,
da “capacidade de interpretação dos remodelação, embelezamento, de Donat-
fatos urbanos” (URGS, 1960, p. 19-20). Alfred Agache (1930).

Contudo, não se iniciaram com Ri- O interesse de Ubatuba de Faria pelo


beiro o ensino e a abordagem da evo- urbanismo ganhou novo impulso em
lução urbana em Porto Alegre. No 1933, quando Edvaldo Pereira Paiva, na
plano estritamente factual, aliás, esse época estudante da Escola de Engenharia
percurso ainda precisa ser melhor escla- (onde, em 1935, obteve o diploma de
recido. Porém, sabemos com certeza engenheiro civil), foi contratado para re-
que, desde o início dos anos 1930, o forçar a equipe da Seção de Cadastro.
João Farias Rovati 127

Inicia-se ali uma relação de amizade e Inspirado na primeira parte do tra-


de estreita colaboração em torno de um balho realizado por Agache para o Rio
objetivo: propor um “plano de conjunto” de Janeiro (1930, p. 43-113), Paiva
para Porto Alegre. A absoluta “necessi- apresenta sua análise em dois capítulos:
dade” deste plano seria publicamente um dedicado aos “componentes antro-
reclamada por Ubatuba de Faria ainda pogeográficos de Porto Alegre”, outro,
em 1933, em conferência proferida na à “análise da situação urbana” (Paiva e
Sociedade de Engenharia (Ubatuba de Ubatuba de Faria, 1938, p. 5-30). Paiva
Faria, 1934). Nos anos seguintes, eles segue, quase item por item, o roteiro
esboçam esse plano, descrito em relató- que orientou a exposição de Agache.
rio intitulado “Contribuição ao estudo Aparece ali um discurso que persegue
da urbanização de Porto Alegre” (Paiva a síntese e que, para tanto, emprega
e Ubatuba de Faria, 1938). Fartamente palavras, tabelas e imagens (mapas, fo-
ilustrado com fotografias de ruas da ci- tografias). Sem dúvida, Paiva toma a
dade, de mapas, de projetos e maque- obra do arquiteto francês não apenas
tes, esse documento reúne trabalhos como um “plano”, mas como referência
conhecidos desde 1936, ano em que teórica e metodológica para a “análise
foram apresentados na “Exposição de da cidade”, e, nesse contexto, a noção
Urbanismo” organizada pelos dois en- de evolução urbana merece posição
genheiros 5. Trata-se de um documento destacada.
singular, uma colagem de estudos, pla-
nos e projetos, aparentemente escritos No discurso de Agache, a noção de
e concebidos individualmente, porém evolução urbana está associada ao mes-
articulados com o mesmo “plano de mo tempo a um objeto de estudo e a
conjunto”. Nele encontramos uma parte um procedimento que antecede a ela-
dedicada à “evolução da cidade de Porto boração do plano.
Alegre” (redigida por Paiva), outra, ao
“plano de avenidas” (também escrita Na introdução de seu trabalho, Aga-
por Paiva), um capítulo dedicado ao che reproduz as cinco conferências que
“novo bairro industrial” (este escrito por proferiu no Rio de Janeiro, em 1927. O
Ubatuba de Faria) e assim por diante. tema da evolução urbana é ressaltado na
Em muitos escritos, e mesmo em alguns conferência intitulada “Ensino e Propa-
projetos, fica evidente a compilação de ganda do Urbanismo em França” (Aga-
textos e o rebatimento de proposições che, 1930, p. 37-42). Agache faz,
de Prestes Maia e de Agache. É o que inicialmente, um breve balanço da situa-
acontece na matéria que nos interessa ção do ensino do urbanismo em seu país.
mais de perto, dedicada à evolução ur- Afirma que lá, “só em 1912 teve início o
bana de Porto Alegre, inteiramente com- movimento urbanista”; evoca as expe-
pilada da obra de Agache. riências do Museu Social e da Escola de

5
Dois desses trabalhos foram reproduzidos pelo Boletim da Sociedade de Engenharia
(Ubatuba de Faria, 1936; Paiva, 1937).
128 Evolução urbana no Rio Grande do Sul: trajetórias intelectuais

Altos Estudos Urbanos; refere-se à cria- Em primeiro lugar, os encarregados


ção, em 1924, do Instituto de Urbanismo desse trabalho devem ter um conhe-
de Paris e descreve suas cinco “secções” cimento profundo da história e da
de ensino: evolução da cidade (i); orga- geografia da capital gaúcha. Devem
nização social (ii), econômica (iii) e ad- ser compilados todos os dados sobre
ministrativa (iv) da cidade; arte e técnica a origem e o desenvolvimento da
na construção da cidade (v). Ao explicar cidade. O estudo da estatística é ne-
cada uma dessas “secções”, a de evolu- cessário porque devemos nos basear
ção urbana merece particular destaque. no passado para podermos prever
“Esta secção, mais histórica”, observa o futuro. [E prossegue, agora tratan-
Agache, “estuda a origem e a transfor- do do presente] Em segundo lugar,
mação de todas as organizações urba- esses encarregados devem fazer uma
nas”. A cidade é comparada a um “ser análise completa das condições de
vivo que, por transições mais ou menos vida da cidade, de suas tendências
notáveis, percorre uma série de ‘etapas’, de crescimento, de seus diferentes ele-
que o urbanista deve notar”. Cada uma mentos. (Paiva e Ubatuba de Faria,
dessas etapas deve ser abordada em sua 1938, p. 2)
integralidade, relacionando a “fisiono-
mia” da cidade a aspectos sociais e eco-
nômicos. A seguir, Agache enumera, em Porto Alegre, enfim, é o objeto de
longa lista, os temas que deveriam ser estudo. A compilação de dados sobre o
considerados nesse tipo de estudo, desde seu passado e o estudo de suas “condi-
as “primeiras aglomerações humanas da ções atuais”, nessa ordem, é o método
idade da pedra lascada” à cidade da “era para compreendê-la. Como resultado,
da manufaturas” (ibid., p. 39-40). formula-se uma hipótese sobre sua “evo-
lução”. Apresentada na primeira parte do
Contudo, para Agache, o estudo da trabalho de Paiva e Ubatuba de Faria, tal
evolução tem também (especialmente hipótese – sistematicamente retomada ao
no caso do plano para o Rio de Janeiro) longo do plano de conjunto – orienta,
um valor operacional. É o ponto de parti- justifica e articula proposições.
da, “a base” para a proposição do plano:
“É absolutamente necessário conhecer Poucos anos depois, Ubatuba de
os fatores históricos que governam o Faria (1940, p. 344-353) publica os re-
passado de uma cidade antes de estu- sultados de seu próprio exercício do
dar os fatores que deverão governá-la método, no artigo “Evolução Urbana de
no futuro” (ibid., p. 45). Porto Alegre”. Reaparece aqui a narra-
tiva que combina palavras e imagens; o
Sempre inspirado em Agache, Paiva discurso que se serve da geografia e da
assim descreve o ponto de vista que, pre- história para produzir uma síntese que
liminarmente, deveria ser adotado pelo identifica e qualifica tendências de cres-
urbanista na concepção de um plano de cimento da cidade. E sublinha-se, mais
conjunto para Porto Alegre: uma vez, o grande valor do estudo das
João Farias Rovati 129

“origens” da cidade para o urbanista: “É gem de estudos a cidades balneárias do


esse passado, e só ele, que poderá dar Uruguai e da Argentina. Em Montevidéu,
ao urbanista a compreensão exata dos visita o Instituto de Urbanismo e conhece
complexos problemas do presente. E os Mauricio Cravotto. A partir de 1945, in-
fatos que a memória esquece, os relató- tegra o corpo docente do IBA, onde é
rios arquivam e, em qualquer época, nos responsável por quatro disciplinas: Hi-
fazem lembrá-los” (ibid., p. 353). giene da Habitação e Saneamento das
Cidades (cursos de arquitetura e de ur-
Ao abordar a evolução urbana de banismo), Urbanologia, Arquitetura Pai-
Porto Alegre, Paiva e Ubatuba de Faria sagística e Organização Social das
operam, portanto, em duas direções: Cidades (curso de urbanismo). Em 1952,
como “cientistas”, descortinam um pro- quando é criada a Faculdade de Arqui-
cesso velado pela realidade do presente; tetura (que incorporou os cursos de ar-
como “urbanistas”, praticam um método quitetura e de urbanismo do IBA), passa
que explica e justifica suas proposições. a ministrar ali a disciplina Higiene da
Habitação e Saneamento das Cidades.
Esse entendimento, particularmente Mas sua atividade nessa Faculdade foi
no que se refere a Paiva, será reforçado breve. Ubatuba de Faria falece, em 1954,
nos anos 1940, época em que o per- aos quarenta e cinco anos de idade.
curso dos dois engenheiros segue dire-
ções diferentes. Edvaldo Pereira Paiva, desde estu-
dante, mostrou interesse pela militância
Ao longo dos anos 1930, as quali- política. Em 1931, chegou a participar
dades de Ubatuba de Faria como urba- de uma rocambolesca ocupação arma-
nista (mais do que as de Paiva) ganham da da Escola de Engenharia, quando os
grande visibilidade. Ubatuba de Faria é alunos protestaram contra os conceitos
freqüentemente convidado pela impren- de um professor de cálculo integral.
sa para opinar sobre os “problemas” da Próximo do PCB (partido ao qual se in-
cidade e recebe novas propostas de tra- tegrará no final dos anos 1930), o estu-
balho. Em 1937, transfere-se para o re- dante Paiva publicou alguns artigos
cém-criado Departamento de Balneários, inspirados em textos de Karl Marx na
órgão do governo estadual. No mesmo revista TAS (abreviação de “tese, antí-
ano, é contratado pelo Instituto Nacio- tese, síntese”). Nesse período, participou
nal de Estatística, para participar do le- ativamente da luta por meia-entrada nos
vantamento aerofotogramétrico do Rio cinemas e, em 1935, foi um dos fundado-
Grande do Sul. Ainda por essa época, res da Federação dos Estudantes Univer-
trabalhando para o Departamento de sitários, o “Diretório Central” da época.
Balneários, ou por encomenda de parti-
culares, elabora uma série de planos para Após ter se diplomado engenheiro,
núcleos urbanos litorâneos – Atlântida, Paiva dedicou-se integralmente a seu
Capão da Canoa, Cidreira, Imbé, Pinhal, trabalho na Seção de Cadastro da Pre-
Oásis, entre outros. Em 1942, realiza via- feitura. Seu projeto, por esses anos, era
130 Evolução urbana no Rio Grande do Sul: trajetórias intelectuais

conceber (ao lado de Ubatuba de Faria) Ao longo dos anos 1940, como ocor-
e implementar um “plano de conjunto” reu com Ribeiro e Ubatuba de Faria,
para a cidade. No entanto, tal objetivo torna-se professor dos cursos de arquite-
sofreu um duro revés em dezembro de tura e de urbanismo do IBA e, em 1952,
1938, quando o prefeito José Loureiro da Faculdade de Arquitetura. Entre
da Silva contratou o arquiteto Arnaldo 1944 e 1953, vivendo um prolongado
Gladosch para elaborar o “plano dire- conflito com a orientação política da
tor” da cidade. A principal credencial municipalidade, não ocupa postos de
apresentada pelo prefeito para justificar importância na prefeitura. Nesse período,
tal contratação era o fato de Gladosch coordena a elaboração de cinco planos
ter colaborado com Agache na elabo- “diretores”: Uruguaiana (1944-1945),
ração do plano do Rio de Janeiro. Lageado (1948-1949), Florianópolis
(1951), Passo Fundo e Caxias do Sul
Sentindo-se desvalorizado, Paiva (1952-1953). Em 1954, quando Leonel
parte, em 1941, para Montevidéu, a fim Brizola assume o comando do governo
de estudar “urbanismo”, contando para municipal, passa a coordenar o processo
tanto com o apoio financeiro da muni- de elaboração do Plano Diretor de Porto
cipalidade. No Uruguai, conhece Mau- Alegre, aprovado em 1959. Em 1965,
ricio Cravotto e Demétrio Ribeiro. Nas após ser afastado de suas funções na
aulas que freqüentou, na literatura que Universidade por ato do governo mili-
consultou, no contato com militantes tar, transfere-se para Montevidéu, onde
comunistas uruguaios, Paiva vê fortale- trabalha na Universidade da República
cida sua convicção da importância da até 1971.
evolução urbana para a “ciência urba-
nística”. De volta a Porto Alegre, escre- No curso de urbanismo do IBA,
verá diversos artigos tratando do tema Paiva era responsável por duas discipli-
e, de maneira que se revelaria definiti- nas: Teoria e Prática dos Planos de Ci-
va, faz do estudo da evolução urbana a dades e Evolução Urbana. O “Pré-Plano
pedra angular do seu urbanismo. da Cidade de Rio Grande”, trabalho
de conclusão do curso de urbanismo
Entretanto, desde sua estadia em realizado sob a orientação de Paiva e
Montevidéu, Paiva passa a abordar a evo- Ubatuba de Faria pelos estudantes di-
lução urbana como capítulo do survey – plomados em 1948 (Edgar Albuquer-
ou do expediente urbano, como se tor- que Graeff, Francisco Riopardense de
naria conhecido esse procedimento entre Macedo, Nelly Peixoto Martins e Sérgio
os urbanistas locais. Ainda em Montevi- Corrêa), revela, de maneira exemplar,
déu, esboça o expediente urbano de a importância então atribuída ao ex-
Porto Alegre, mais tarde publicado em pediente urbano. Das nove pranchas
livro (Paiva, 1943a). Nessa época, pu- apresentadas, sete sintetizam esse pro-
blica diversos artigos tratando do assunto, cedimento – duas delas exclusivamente
em que o tema da evolução urbana apa- dedicadas ao capítulo da “evolução”.
rece de forma recorrente. O tema ocuparia lugar semelhante ou
João Farias Rovati 131

ainda mais relevante em outros traba- nova”, como foi o caso do plano de ur-
lhos realizados por Paiva, inclusive no banização do Delta do Jacuí (Paiva et
contexto do projeto de uma “cidade al., 1958).

Planejar a evolução
A passagem de Paiva por Montevidéu Paiva não dá maiores explicações
reorientaria alguns aspectos de sua abor- sobre tal “lei interna”, neste artigo ou em
dagem da evolução urbana. Por um qualquer outro. Sua referência “teórica”,
lado, ele a atualiza e sistematiza como neste caso, sem dúvida é Léon Jaussely,
procedimento; por outro, a reinterpreta cuja obra lhe fora apresentada por Cra-
com base no “materialismo dialético”. votto. Mas Paiva pratica o método e, no
final de seu artigo, assim descreve a lei
Nos anos 1930, inspirado em Aga- do desenvolvimento extensivo de Porto
che, Paiva escrevia que, para elaborar Alegre:
um plano de conjunto, o urbanista de-
veria conhecer e analisar, primeiro, a A partir de um núcleo primitivo, lo-
história, a geografia e as estatísticas da calizado no extremo da península, a
cidade e, a seguir, suas “condições de cidade foi se estendendo fragmenta-
vida” no presente. No artigo “Origem e riamente, ao longo de caminhos ra-
evolução de Porto Alegre” (1942), um diais de penetração, à base de um
dos primeiros que publicou depois de sistema de divisão de terras em “quar-
seu retorno do Uruguai, ele retoma essa teirões” herdado da época colonial.
questão de método e apresenta sua Essa forma de desenvolvimento exten-
nova leitura do problema. sivo deu como resultado uma exage-
rada e inharmônica evolução urbana.
“Quando se tem em vista organizar (Ibid., p. 114)
o plano diretor de uma cidade”, inicia
Paiva, “é indispensável conhecer os seus
antecedentes, a sua origem e evolução”. Sublinhe-se a importância adquirida
E prossegue: pela noção de evolução urbana nesse
contexto discursivo: ao constatar uma
Através dessa análise histórica, à base “exagerada e inharmônica” evolução
do conhecimento que intervieram urbana, de fato Paiva evoca a hipótese
nesse sentido, poderemos encontrar de que deve haver outra, parcimoniosa
a lei interna de desenvolvimento ex- e harmônica.
tensivo da aglomeração. Dessa ma-
neira, poderemos pôr em evidência O método, contudo, não se resume
o caráter e a forma que disso resultou ao exame dos “antecedentes” da cida-
para a cidade. (Paiva, 1942, p. 107) de. É preciso, também, “conhecer as
132 Evolução urbana no Rio Grande do Sul: trajetórias intelectuais

características, medidas e interdepen- segundo Stalin, conceberia tal processo


dências dos fatos urbanos atuais” (ibid., “como movimento progressivo, que lem-
p. 106). De maneira menos aleatória do bra uma espiral ascendente, como a pas-
que nos trabalhos inspirados em Aga- sagem do velho estado quantitativo ao
che, reaparecem no expediente urbano novo estado qualitativo, como evolução
os traços da geografia urbana francesa do simples ao complexo, do inferior ao
e da tradição monográfica iniciada por superior” (Staline, 1941, p. 638).
Raoul Blanchard e Antoine Vacher.
Os escritos de Paiva, inclusive os pou-
Tendo por base os estudos realiza- cos publicados antes de 1941, são mar-
dos por Poëte e seus contemporâneos, cados por essa compreensão progressiva
e à luz das interpretações de Agache ou e finalista da marcha da natureza e das
de Cravotto, a história e a geografia ur- sociedades humanas. Nos anos 1930,
bana ocupariam posição determinante diria que seu plano de conjunto para
no método operado por Paiva, antes e Porto Alegre buscava contribuir para “a
depois de sua viagem a Montevidéu. continuidade da curva de progresso da
Contudo, a partir de 1941, a análise dos cidade” (Paiva e Ubatuba de Faria, 1938,
resultados dessa operação ganha um p. 2). Nos anos 1950, tratando do pro-
novo componente. cesso de urbanização no Rio Grande do
Sul, definiria as primeiras aglomerações
No Uruguai, dois escritos – um de surgidas na região como “organismos sim-
Wladimiro Acosta, Vivienda y ciudad ples” que, com o passar dos anos, torna-
(1936), outro de Josef Stalin, “Sobre el ram-se “complexos” (Paiva, 1954, p. 92).
materialismo dialéctico y el materialismo Os “núcleos urbanos criados no Brasil
histórico” (1941) – parecem ter impres- nos últimos cinqüenta anos”, escreveu
sionado Paiva de maneira particular. No em outro artigo, estariam se transforman-
primeiro, de autoria de um arquiteto do em “asilos de imensas populações
nascido na Rússia (Wladimir Konstanti- marginalizadas, que não oferecem ne-
novsky) e radicado na Argentina, Paiva nhuma condição decente de trabalho e
encontraria inspiração para um “método abrigo” – constatação que o levaria a con-
ideológico” de abordagem da “ciência cluir que “não houve progresso; houve
urbanística” (Paiva, 1943b, p. 13). No se- mudança quantitativa, mas não qualita-
gundo, que jamais citou em seus traba- tiva” (Paiva, 1959, p. 79).
lhos, encontraria base para sua visão das
ciências e, particularmente, da “evolução”. Inspirado no trabalho de Wladimiro
Acosta, Paiva construiria sua síntese
“O método dialético”, como era defi- “da” evolução urbana, apresentada na
nido por Stalin no texto publicado pela conferência “Urbanismo, ensaio de in-
primeira vez em 1938, “não concebe o terpretação social” (Paiva, 1943b).
processo de desenvolvimento como um
movimento circular, simples retomada de Apoiando-se em trabalhos de Pierre
um caminho já percorrido”. A dialética, Lavedan e Marcel Poëte, Paiva sustenta
João Farias Rovati 133

que a cidade se desenvolveu de ma- uma “mutação”, caracterizada por “mu-


neira contínua da Antiguidade à Idade danças qualitativas”. Tal processo, con-
Média, etapa da história em que teria clui, seria vivido com inquietação pela
sofrido uma “retrogradação”. A partir do humanidade, mas a conduziria, final-
Renascimento, a cidade teria retomado mente, ao “progresso” – momento cul-
sua marcha progressiva em linha ascen- minante da marcha da evolução (ibid.,
dente até o presente, quando “condensa passim).
toda a ciência e toda a técnica”. Porém,
na hora atual, a humanidade conhece- O que poderia fazer o urbanista dian-
ria uma “etapa de transição”, que a con- te desse quadro? Após seu retorno de
duziria do capitalismo ao socialismo. Montevidéu, todo o trabalho de Paiva
“Da perspectiva histórica”, escreve Paiva seria marcado por essa pergunta. Suas
em outra passagem, a cidade seria o “re- respostas, muitas vezes incoerentes, in-
flexo mais fiel, tanto por sua forma plás- completas e ambíguas, de toda maneira
tica, como por seu conteúdo social, da colocam a “evolução” no centro do de-
vida coletiva de cada etapa da evolução bate. Como sugere em diversos artigos
humana”. No “estádio atual”, entretanto, e memoriais dos planos que concebeu
tal forma já não mais corresponderia ao desde então, seu desafio como urbanis-
seu conteúdo. Toda passagem de uma ta, mais do que elaborar planos, seria
etapa da história a outra seria acompa- contribuir para o “planejamento da evo-
nhada, para a sociedade humana, de lução das cidades” (Paiva, 1945, p. 25).

De volta ao século XXI


Há setenta anos são realizados estudos A geografia francesa da primeira
de evolução em Porto Alegre, como es- metade do século XX, seus métodos
pécie de preliminar para a elaboração cartesianos – o estudo do sítio, da fisio-
de planos urbanísticos. Desde 1947, há nomia e das estruturas urbanas, de sua
sessenta anos, portanto, tal abordagem inserção regional – e suas monografias
tem ali um estatuto de disciplina univer- sedutoras; o tratamento da cidade como
sitária. “organismo” ou “Ser coletivo”, como fazia
Marcel Poëte; as improváveis articula-
Transitando da cidade como “pro- ções entre forma e conteúdo, quantidade
blema” à cidade como objeto de estudo, e qualidade, de certa dialética: este es-
essa abordagem parece manter algum paço discursivo, valorizado por cientistas
vigor neste início de século XXI. Sua tra- (da natureza e do social) e por urbanistas
jetória, marcada por certo sincretismo filiados a diferentes ideologias e corren-
teórico e conceitual, revela, contudo, no- tes filosóficas, parece ter encontrado, no
táveis linhas de continuidade. Rio Grande do Sul, fiéis interlocutores.
134 Evolução urbana no Rio Grande do Sul: trajetórias intelectuais

Os estudos de evolução urbana realiza- como totalidade e, ao mesmo tempo,


dos ali – e esta é uma hipótese – não can- como lugar que somente revela seus
sam de atualizá-lo. A banalidade das principais traços quando é relacionado
conclusões de alguns desses trabalhos a dinâmicas socioespaciais globais e de
parece resistir, teimosamente, à prova do longa duração. Ou ainda talvez porque
tempo. Isto talvez porque essa abordagem se teça ali um discurso que, associando
carregue consigo, e com certo pioneiris- palavras e ícones, conceitos e imagens,
mo, a pretensão de considerar a cidade não se destina somente a iniciados.

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Resumo A bstrac t
O propósito de descrever e analisar a The purpose of describing and analyz-
evolução de um bairro ou cidade tem ing the evolution of a neighborhood or
animado a realização de um grande nú- a city has generated a large number of
mero de trabalhos, geralmente classifica- studies, broadly classified as studies on
dos como estudos de evolução urbana. urban evolution. This article revisits the
O artigo revisita os caminhos desta abor- how this approach was applied in the
dagem no Rio Grande do Sul, desde os state of Rio Grande do Sul, Brazil, since
anos 1930. No quadro esboçado, desta- the 1930s. The approach of the city as a
ca-se um de seus principais traços: o en- problem and, at the same time, as a sub-
foque da cidade como problema e, ao ject for research is emphasized.
mesmo tempo, como objeto de estudo.

Palavras-chave: evolução urbana, urba- Keywords: urban evolution, urbanism,


nismo, planejamento urbano, Rio Grande urban planning, Rio Grande do Sul.
do Sul.

Recebido em maio de 2007. Aprovado para publicação em setembro de 2007

João Farias Rovati é arquiteto e urbanista, Doutor em Projeto Arquitetônico e


Urbanístico (Paris-VIII, França), professor da Faculdade de Arquitetura e do Programa
de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional (PROPUR) da Universi-
dade Federal do Rio Grande do Sul.
Música e ação no Rio de Janeiro
a partir dos anos 1990: vozes
insurgentes na cidade

Anita Loureiro de Oliveira

Cidade, música, ação!


Aproximar a produção teórica sobre o pensamento hegemônico, e os novos
urbano da rica experiência do senso processos de organização que transfor-
comum é o objetivo principal deste tra- mam o sentido e a direção das lutas pela
balho, que pretende apresentar, através apropriação do espaço urbano é parte
da emoção contida na recente produção de um esforço coletivo de tentar conso-
musical carioca, a luta insurgente pela lidar uma nova episteme, dialógica e ne-
co-presença e a disputa de projetos que cessária para revelar e desvendar a
dão densidade à vida urbana. Como complexidade do (e com o) Outro 1.
recurso operacional de apreensão da
experiência social, a música torna a aná- A música contribui para uma aborda-
lise sensível às circunstâncias do Outro, gem singular da vida na cidade, por meio
permitindo o reconhecimento de práti- da dimensão imaterial, expressa na ação.
cas, identidades e territorialidades que Apropriações, encontros e festas, que
expressam no urbano a possibilidade do fazem parte da construção do humano,
diálogo e da legitimação das diferenças. se revelam a partir das práticas musicais
Reconhecer o valor prático do senso co- e mostram a cidade a partir dos sujeitos
mum, experiência pouco valorizada pelo que a constituem. Com a música – sons,

1
Essa reflexão teórico-metodológica desenvolvida e orientada pela professora Ana Clara
Torres Ribeiro realiza-se no âmbito do Laboratório da Conjuntura Social: Tecnologia e
Território (Lastro) – vinculado ao Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional /
Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR/UFRJ).

Cadernos IPPUR, Rio de Janeiro, Ano XX, No 2, 2006, p. 137-164


138 Música e ação no Rio de Janeiro a partir dos anos 1990

versos, narrativas e personagens –, o su- dinâmica dos lugares na era da globali-


jeito reinventa o cotidiano e relata ma- zação e para a reflexão sobre a força
neiras de viver e conviver na cidade. solidária e inventiva dos homens lentos.

Reconhecer a experiência urbana Como recorte espaço-temporal da


através da música é uma opção para al- reflexão, temos a cidade do Rio de Ja-
cançar os valores e visões de mundo neiro do início da década de 1990 aos
que orientam a ação. A música, como dias atuais. A escolha do Rio de Janeiro
arte, é criação, representação e comuni- para a análise não foi casual, já que a
cação, e, por isso, pode revelar a cidade cidade apresenta elevada densidade
como lugar da simultaneidade e do en- simbólica, amplificada pelo abrigo de
contro (Lefebvre, 2001). Através da funções culturais relevantes e pela difu-
música é possível reconhecer a existência são de imagens-sínteses (Rio – capital
do Outro na cidade, a partir dos novos cultural, cidade aberta, cosmopolita, ci-
processos de organização e mobilização dade-cenário) que permitiram o reco-
social compreendidos como possibilida- nhecimento de sua raridade (Ribeiro,
des de libertação do sujeito. As escolhas 1995; 2006). A “cidade maravilhosa”
do sujeito criativo permitem reconhecer preserva ainda hoje, na escala do país,
maneiras de lutar, de rebelar-se, de reve- um papel de difusora de costumes, com-
lar ou de conviver com o hegemônico – portamentos e hábitos sociais, mesmo
a cultura do dinheiro, calcada no indivi- sendo considerada um lugar social e
dualismo, na competitividade e no con- economicamente desestabilizado, por
sumismo alienante. condensar contradições sociais em es-
cala nacional e por ter sido tratada como
Trata-se de uma reflexão que tem uma cidade-espetáculo (Ribeiro, 1995).
como base teórico-metodológica a va-
lorização do cotidiano como lugar de De acordo com García (1997), em
reprodução das relações sociais, permi- uma cidade-espetáculo, o fundamental
tindo o reconhecimento de encontros e é fortalecer a imagem da cidade, proje-
confrontos provocados pela vida urbana, tando-a internacionalmente, para atrair
como nas reflexões de Henri Lefebvre investimentos, negócios e turistas. As
sobre o direito à cidade; a análise da ações que fortalecem a lógica da com-
ação, que pretende contribuir para o petitividade e que tendem a favorecer
entendimento de que a sociedade se interesses privados em detrimento dos
produz em movimento e de que a trans- interesses coletivos enfraquecem o diá-
formação social depende do sentido e logo entre os grupos sociais e interferem
do destino da ação; o reconhecimento no uso da cidade e em sua apropriação
do valor prático do agir espontâneo e simbólica. Tal como afirma Ribeiro (2006,
criativo do homem ordinário, como pro- p. 45),
põe Michel de Certeau; e o diálogo com
a teoria crítica do espaço proposta por o discurso que difunde novos ideá-
Milton Santos para a compreensão da rios para a gestão urbana, realçando
Anita Loureiro de Oliveira 139

o mercado e a iniciativa empresarial, tador. Um Outro que rejeita o imobilis-


não deve ser compreendido, apenas, mo, idéia que está na base da cidade-
como sinal de alienação; pois, con- espetáculo. Este sujeito quer participar,
cretamente, este discurso defende mas a insatisfação diante de uma ordem
interesses que conectam a vida urba- política específica revela que o sentido
na ao metabolismo do capital. político da ação está na perspectiva crí-
tica e contestadora de sua criação musi-
cal. Os caminhos propositivos criados a
Para Ribeiro (2006), hoje é menos partir das práticas musicais que desta-
equivocado considerar a cidade como camos neste texto são reveladores dessa
uma empresa ou mercadoria do que em experiência urbana reflexiva. Se a visão
períodos anteriores. Entretanto, se a unidirecionada do consumo produz
idéia da cidade-espetáculo corresponde apatia e passividade, a recente criação
à afirmação do sujeito-espectador, cuja musical carioca é reveladora de uma ação
função mais importante é a de consu- insurgente, contestadora e resistente 2.
midor, é possível identificar na ação do
homem criativo sua afirmação como ci- Através da música, um discurso al-
dadão, protagonista das novas formas de ternativo ao suposto pensamento único
ativismo urbano. Por meio das práticas vai se consolidando, e, assim, certos pro-
de criação musical, que revelam uma jetos e atitudes ganham maior ressonân-
postura crítica diante do pensamento cia e visibilidade, pois o estado musical
hegemônico, é possível reconhecer que da palavra é mais sutil e temas de difícil
a lógica espetacular, mesmo sendo he- abordagem podem atingir a sensibilida-
gemônica, não é única. de de quem se abre para a arte 3. A maior
parte das vozes que não se calam diante
A música permite um reconhecimen- do grande espetáculo conduzido pela
to da existência de um Outro sujeito, que lógica do mercado se insurge contra ele
não se conforma em ser apenas espec- desde a década de 1990, atribuindo à

2
É evidente que nem todas as expressões musicais podem ser entendidas como manifes-
tações políticas. No entanto, aqui nos interessam as que têm a perspectiva da oposição a
um projeto hegemônico de dominação ou que simplesmente revelam a possibilidade do
diálogo, do reconhecimento e da legitimação da diferença.
3
Para garantir visibilidade à ação resistente, é preciso relacionar-se com a ordem
hegemônica, e isso é, no caso da ação musical contestadora, um movimento em si mesmo
contraditório. O sujeito da resistência vive o conflito porque questiona a ordem na qual
vive; assim, vive a contradição consigo mesmo e com seu meio, principalmente se consi-
derarmos que a visibilidade é garantida no mercado fonográfico a partir de ações de
marketing que são perversas do ponto de vista da democratização do acesso aos bens
culturais. Nesse sentido, não cabe aqui discutir se esses indivíduos beneficiam-se ou não
da “lógica do mercado” para garantir visibilidade à sua ação, mas sim a forma como usam
essa visibilidade para a construção de um Outro projeto: a consolidação de uma Outra
fala sobre a cidade. Numa perspectiva próxima, Parra (2006) faz uma análise das práticas
artísticas dos jovens como expressão política na cidade de Medellín, que mantém algumas
semelhanças com a reflexão aqui proposta, como veremos.
140 Música e ação no Rio de Janeiro a partir dos anos 1990

música um importante canal de expres- divergentes e opostas aos discursos dos


são e manifestação social. Muitas vezes meios de comunicação privados e ofi-
elas interferem inspiradas em movimen- ciais. Para o autor, os jovens da cidade,
tos musicais revolucionários de outros assim como fazem outros grupos popu-
tempos, outras vezes se inspiram em lacionais, sussurram as “verdades” que
expressões musicais bastante recentes, o poder armado – em um país em guer-
mas pouco valorizadas por sua origem ra e em uma cidade tristemente famosa
popular. pela violência – quer calar. Essas vozes
sussurram, mas também gritam e can-
A ação de criação musical não se tam, revelando a aguçada consciência
esgota na arte, pois manifesta diferentes social da juventude que participa da
modos de vivenciar a ordem hegemô- vida social e política através de sua prá-
nica e o sentido libertário da prática tica cultural.
musical – produtora de contra-discursos
e de canais alternativos para a difusão O Rio de Janeiro é uma “cidade de
dessa Outra fala. Tal como Parra (2006) cidades misturadas”, como diz a compo-
ressalta em seu artigo sobre as práticas sitora e cantora Fernanda Abreu em sua
artísticas de jovens da cidade de Me- música “Rio 40 graus”, que atualiza a
dellín, acreditamos que a postura inter- idéia de uma cidade maravilhosa, agora
rogante desses agentes mostra que a transformada em “purgatório da beleza
realidade está conformada por situações e do caos” 4.

Rio 40 graus
Cidade-maravilha, purgatório da beleza e do caos
Capital do sangue quente do Brasil
Capital do sangue quente, do melhor e do pior do Brasil
Cidade sangue quente, maravilha mutante
O Rio é uma cidade de cidades misturadas
O Rio é uma cidade de cidades camufladas
Com governos misturados, camuflados, paralelos, sorrateiros ocultando
comandos

A novidade cultural da garotada favelada, suburbana, classe média marginal


É informática metralha sub-azul equipadinha com cartucho musical de
batucada digital
(...) meio batuque inovação de marcação pra pagodeira curtição de falação
de batucada com cartucho sub-uzi de batuque digital, metralhadora musical
(...)

4
Abreu (p1992b). Ver também em <http://www2.uol.com.br/fernandaabreu/entidade_
fernanda2.htm>. Site Fernanda Abreu. Acesso em: 24 nov. 2006.
Anita Loureiro de Oliveira 141

A letra da música evidencia as dife- das. Brotam espontâneas. Crescem de-


renças reunidas em uma grande cidade senfreadas. desorientadas. Desobedien-
como o Rio de Janeiro e revela as novas tes. Crescem e crescem. Nunca param.
experiências musicais da “garotada fa- De crescer. Cidades. Nunca morrem.
velada, suburbana, classe média margi- São mutantes”. A cidade é vista como
nal” equipada “com cartucho musical de “um corpo urbano. Vivo. Um corpo cida-
batucada digital”. A etapa de criação das de. Dissecado. Retalhado”. Um corpo
músicas inclui as escolhas rítmicas e com “suas vias, seus canais, seus órgãos
melódicas e, também, os encontros pos- vitais” que reúne e movimenta a vida
sibilitados pela formação de parcerias neste “sistema circulatório”, com “san-
musicais, reveladoras das redes sociais gue coagulado”, de “trânsito engarrafa-
e dos laços afetivos construídos pelos do”. Uma cidade-cenário, “caótica”, “de
agentes 5. hiperinflação humana, de acúmulo hu-
mano, de excesso urbano”. Um “tecido
Muitas outras composições de Fer- urbano” materializado em “sua pele de
nanda Abreu têm a cidade como temá- concreto armado”, que é produto da
tica central. O CD Entidade Urbana ação social, um “corpo urbano, tatuado,
(2000) é inspirador para essa análise, planejado, monitorado, viciado, aerofo-
pois, além de as letras das músicas pos- togrametrado, radiografado, encurrala-
sibilitarem uma leitura singular da vida do. Bio-degradável. Bio-degradante”.
na cidade do Rio de Janeiro, seu lança- As músicas do CD passeiam pelos luga-
mento foi acompanhado de textos (re- res da cidade para desvendar a “natureza
leases) que ajudam a compreender a urbana-humana” e, também, “a nature-
reflexão feita pela compositora sobre a za humana-urbana”. Seja “do alto de
vida urbana em seu processo de criação um prédio, da fila, do elevador, daquela
musical. No release escrito em versos esquina” ou “de dentro do carro, do
pela própria cantora, a intenção de fazer meio da rua”, a música pretende reco-
uma música sobre a vida urbana é clara: nhecer “as tribos, as gírias” e os espaços
“Viver nas cidades. Falar de viver nas vividos por este “ser urbano, filho de pai,
cidades (...). Viver de falar das cidades. de mãe e de cidade” 6.
São a fonte, a ponte, o mote, a inspira-
ção”. Nos versos, as cidades estão em Para Hermano Vianna, o CD Entida-
constante movimento: “Nascem planeja- de urbana é, antes de tudo, a celebração

5
Assim como a cidade, a música é mutante, e ao samba-funk da primeira versão foram
adicionados elementos da embolada, do coco e do maracatu, no arranjo musical feito
por Chico Science e Nação Zumbi para a segunda versão de “Rio 40 graus”, gravada no
CD Raio X (1997) de Fernanda Abreu. Esse novo arranjo registra o encontro da garota
carioca suingue sangue-bom com os maiores representantes do movimento mangue-beat
recifense – uma importante influência para a produção musical de todo o país. Essa
gravação possibilitou ainda o encontro de outros nomes dessa geração da música carioca,
como Pedro Luís, Pedro Sá, Kassin e Berna Ceppas, que participaram como vocais no
refrão de “Rio 40 graus”.
6
Ver texto completo em <http://www2.uol.com.br/fernandaabreu/entidade.htm>.
142 Música e ação no Rio de Janeiro a partir dos anos 1990

da dança que se pode dançar à beira e evidentes com a dinâmica da vida


do abismo de um desastre urbano sem- social e cultural de suas cidades de
pre anunciado e, alegremente, adiado 7. origem. As letras abordam explicita-
Se entendermos que o desastre pode ser mente assuntos do cotidiano urba-
evitado com o diálogo, com a diminui- no que as gerou, tornando-as parte
ção dos preconceitos, das distâncias so- integrante da invenção sempre reno-
ciais, das formas de isolamento e do vada de suas identidades culturais
evitamento social, então a música torna- mutantes 8.
se um instrumento importante para a
aproximação dos diferentes modos de
viver que coexistem na cidade, como Essa ação “anti-segregação musical”
Lefebvre (2001) nos inspira. é também libertária, pois pretende rom-
per com as formas rígidas de distinção
A força do manifesto musical de Fer- dos estilos musicais. Quase todas as
nanda Abreu está nas letras, mas tam- músicas selecionadas para esta análise
bém na sonoridade plural, já que com são inclassificáveis quanto ao estilo, por
seu batuque samba-funk revela o encon- sua pluralidade de referências musicais.
tro de ritmos que, como sugere Hermano O músico (compositor, arranjador, intér-
Vianna, conformam um manifesto “anti- prete) não limita sua ação criativa à de-
apartheid cultural”, “anti-segregação finição rígida de um gênero musical.
musical”. Para Vianna, os estilos musi- Definir, classificar ou distinguir um estilo
cais mais globais parecem ser os mais musical parece ser uma preocupação
abertos para dialogar com complexas e para os que concentram esforços na eta-
variadas realidades urbanas, gerando pa da comercialização do produto mu-
uma quantidade infindável de subestilos sical e não para os que são responsáveis
ou de fusões. Sobre a relação música e pela etapa criativa do processo de pro-
cidade, Vianna afirma que: dução da música 9.

o nascimento e o desenvolvimento A mistura de sonoridades também


das músicas têm conexões profundas pode ser significativa do ponto de vista
7
O antropólogo e amigo da cantora Hermano Vianna escreveu em um outro release do CD
Entidade Urbana que “Rio 40 graus” é o hino de uma urbanidade mutante (pós-partida e
pós-maravilha) e que o CD é a seqüência lógica do combate “carioca”, que nos ajuda a ver
que a situação (partida ou maravilhosa) do Rio não é única ou absolutamente original, mas
sim a situação-limite de uma “condição social” que se tornou planetária. Ver texto completo
em <http://overmundo.com.br/banco/release-para-o-disco-entidade-urbana-de-fernanda-
abreu>.
8
Vianna, ver texto completo no site citado na nota anterior.
9
Segundo informações obtidas em <http://pt.wikipedia.org>, ritmo, melodia e harmonia
são entendidos aqui apenas em seu sentido de organização temporal, pois a música pode
conter propositalmente harmonias ruidosas (ruídos ou sons externos ao tradicional) e
arritmias (ausência de ritmo formal ou desvios rítmicos) que algumas vezes podem servir
para provocar incômodo ou reflexão. Ver em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Harmonia>.
Portal da enciclopédia livre wikipedia. Acesso em: 24 nov. 2006.
Anita Loureiro de Oliveira 143

da aproximação dos grupos sociais. Fer- e áreas pobres da cidade do Rio de Ja-
nanda Abreu, que é uma moradora da neiro. Para Luna (2006), os bailes funks
abastada Zona Sul carioca, faz uma im- serviram como ponto de partida para a
portante mediação entre grupos sociais criação de uma série de outros produtos,
que experimentam formas de distancia- como CDs, programas de rádio e TV,
mento social. Para superar a visão limi- jornais, fanzines e revistas. A “indústria
tada de uma “cidade partida”, Fernanda do funk” se estabeleceu e fez com que
Abreu costuma destacar, em suas com- o jovem da favela assumisse o papel de
posições e entrevistas, a importância do produtor e consumidor de uma rede
funk, do samba e do rap para sua cria- mais complexa de produtos. Os próprios
ção musical e, principalmente, como jovens funkeiros trabalham como DJs,
expressões desta Outra fala da cidade. MCs, técnicos de som, iluminadores,
A compositora afirma que tais referên- dançarinos, coreógrafos, instrumentis-
cias sonoras têm muito a dizer sobre a tas, aderecistas e outras profissões 10.
vida urbana, pois revelam a importân-
cia das expressões musicais vindas da A música “Bloco Funk”, da cantora
favela, na conformação da identidade Fernanda Abreu, é uma colagem de tre-
musical carioca. chos de funks que sintetiza parte signifi-
cativa da história desta expressão musical
O funk carioca é uma manifestação das favelas cariocas: os preconceitos so-
cultural surgida nas favelas, mas também fridos pelos funkeiros e suas formas de
ouvido e consumido por indivíduos que afirmação e resistência na cidade 11. Tal
talvez nunca tenham estado em um baile como o DJ Marlboro costuma afirmar, “o
realizado numa favela ou por indivíduos funk é a cola da cidade partida”, porque
que pertencem a outros grupos sociais, “é som de preto, de favelado / mas quan-
mas que o vêem como uma expressão do toca, ninguém fica parado” 12.
do modo de vida de alguns jovens de
espaços populares da cidade. A rejeição Assim, entendemos que o Outro –
das camadas médias e altas da socieda- não-desejado, não-planejado – já não é
de ao funk e aos “bailes de comunida- territorialmente distante ou alheio, mas
de” tem origem, justamente, no fato de parte constitutiva da cidade (Herschmann,
essa manifestação cultural ter como prin- 2005a, p. 228). Concordamos com o autor,
cipais músicos, compositores e consu- quando afirma que nem tudo é fragmen-
midores, pessoas que vivem em favelas tação na cidade. Herschmann, ao enfocar
10
Segundo Luna, em um baile, cerca de 60 pessoas trabalham recebendo de R$ 10 a R$ 200
por noite. Estima-se que, a cada fim de semana, sejam gastos cerca de R$ 1,8 milhão
apenas com o pagamento de mão-de-obra nos mais de 600 bailes promovidos no Grande
Rio. Apesar desse movimentado mercado, os funkeiros ainda sofrem discriminação e re-
pressão policial contra os bailes e, apesar de terem transformado o funk no ritmo mais
popular na cidade, agora precisam se organizar como sujeito coletivo. Outros dados sobre
o movimento funk podem ser encontrados em Essinger (2005).
11
Abreu (p.2006b).
12
Amilcka e Chocolate (p2006).
144 Música e ação no Rio de Janeiro a partir dos anos 1990

as territorialidades dessas redes sociais gistro do encontro de Fernanda Abreu


fortemente vinculadas à música, pretende e Pedro Luís, os compositores falam
refletir as relações de coexistência entre desse “povo carregado de calor e de
segmentos sociais que atuam em uma di- luta”, um “povo bamba”, que “cai no
nâmica cultural urbana que pode arre- samba, dança o funk”, que “tem suingue
messar esses jovens à margem ou ao até no jeito de olhar”, que “tem balanço
centro. A territorialidade, mesmo sendo no trejeito, no andar” 13. A versão de
flexível, transitória ou momentânea, é a “Tudo vale a pena” gravada por Fernan-
expressão identitária da apropriação sim- da Abreu incluiu a citação de um tre-
bólica dos lugares da cidade. cho da música “Miséria no Japão” de
Pedro Luís, que questiona a visão he-
Esses ritmos e rimas que circulam gemônica que se tem sobre a favela, fo-
pelo espaço urbano contribuem para a cada na miséria, nas ausências e na
conformação da identidade do carioca. desconsideração das potencialidades
Na música “Tudo vale a pena”, um re- desses espaços populares.

E quem te disse que miséria é só aqui?


Quem foi que disse que a miséria não ri?
Quem tá pensando que não se chora miséria no Japão?
Quem tá falando que não existem tesouros na favela? 14

O hip-hop, assim como o funk, ins- Bill, em “Emivi”, fala dessa atitude con-
creve-se na cidade como expressão do testadora do rapper e de como o hip-
Outro. No entanto, o hip-hop denuncia hop garantiu um canal de expressão
de forma mais direta um cotidiano difícil para sua indignação diante da desigual-
e projeta a realidade da favela e do su- dade e da violência da exclusão 15.
búrbio dos MCs por toda a cidade. MV

(...) No meio de uma guerra


Foi onde eu nasci
O berço da exclusão foi onde eu cresci

13
Abreu (p1995b).
14
Pedro Luís e A Parede (p1997, Faixa 8 “Miséria no Japão”).
15
MV (Mensageiro da Verdade) Bill é um rapper carioca da Cidade de Deus (Zona Oeste), funda-
dor da Central Única das Favelas (Cufa), ONG que desenvolve projetos sociais, com base no
movimento hip-hop, e promove o Prêmio Hutúz para os melhores do hip-hop nacional. Em
2005, publicou o livro Cabeça de porco, escrito com seu empresário Celso Athaíde e Luís
Eduardo Soares, e, em 2006, lançou o projeto-documentário Falcão: meninos do tráfico.
Ver em <http://www.mvhp.com.br>. Portal de letras de músicas. Acesso em: 27 nov. 2006.
Anita Loureiro de Oliveira 145

Não me intimidei
Foi preciso resistir
Faço parte do quilombo comandado por Zumbi
De lá pra cá ou daqui pra ali
Enquanto você chora quem controla o poder sorri
Vou guerrear pra não deixar me destruir
É por essas e por outras que eu sou EMIVI
(...)
Ensinamento da minha mãe assimilei
Ser humilde e não humilhado nunca mais esquecerei
Com a proteção no caminho que vou seguir
Mensageiro da verdade sem deixar me sucumbir
Odiado e amado pelo que eu promovi
Mais respeito pelo povo da favela eu exigi
As mentiras dos livros da escola eu descobri
É por essas e por outras que eu sou EMIVI (...) 16

Os rappers são sujeitos sociais cuja e cultural, parece ser a melhor forma para
importância está na força de suas postu- enfrentar a questão da invisibilidade dos
ras narrativas e no fato de poderem ser jovens pobres.
vistos como cronistas dos subúrbios ou
porta-vozes da periferia. No discurso de As músicas que apresentamos neste
rappers renomados – como MV Bill –, o artigo revelam um olhar crítico do su-
hip-hop aparece como a porta de en- jeito, já que muitas delas tratam de te-
trada para o questionamento do mun- máticas e problemas que a maior parte
do, tanto que Bill costuma dizer em suas da população muitas vezes prefere não
entrevistas que foi o hip-hop que o fez ver/ouvir. Nelas, está registrada a plura-
ler mais e se expressar melhor. Em “Sol- lidade sonora que compõe essa “nova
dado do morro”, Bill relata a vida de um música” – muitas vezes inclassificável
indivíduo que trabalha no tráfico de dro- quanto ao gênero – e que utiliza propo-
gas, e a intenção não parece ter sido sitalmente harmonias ruidosas e arrit-
exaltar essa condição, mas alertar aos mias para provocar o ouvinte. Esse é o
jovens pobres que esse não é um desti- caso de “Chuva de bala” de Pedro Luís,
no determinado 17. Se o tráfico atrai esses que mistura ritmos para construir uma
jovens, é porque, aparentemente, ofere- sonoridade cuja referência é uma “trilha
ce benefícios materiais e bens simbólicos sonora” cada vez mais presente no dia-
e afetivos (sensação de poder, status, a-dia do carioca: as rajadas de balas que
sentimento de pertencimento a um gru- percorrem o céu nos freqüentes tiroteios
po). No entanto, a arte, a criação estética provocados pelas disputas territoriais do
16
MV Bill (p2002b).
17
Id., p1998b.
146 Música e ação no Rio de Janeiro a partir dos anos 1990

tráfico de drogas na cidade 18. Essa ins- sitor, que, sem eliminar a ironia, trans-
piração melódica absolutamente atual forma o horror em sublime criação mu-
revela o tom da indignação do compo- sical.

Amor, tá chovendo bala


Abre a janela pra não quebrar (as vidraças)
Recolhe as coisas da sala
Maloca as crianças por trás do sofá (e passa a usar)
Guarda-chuvas de aço
E o peito blindado pro coração não sangrar
Tatuagens no braço
De balas passando rentes qual facas no ar
Há nuvens tão carregadas
Rajadas são trilha sonora do day by day
Chove, chove, chove, chove, chove, chove bala
Chove, chove, chove, chove sem parar! [grifos nossos] 19

Os gritos, o som caótico, assim como sical. Na música “Caio no Suingue”, a


os efeitos ruidosos parecem ter como festa surge como um momento de pra-
inspiração a própria poluição sonora da zer que não elimina a reflexão, pois nela
cidade. O uso da gíria maloca revela que a existência crítica do sujeito também se
o poeta está sintonizado com os usos da manifesta. O funk e a sonoridade que
língua falada nas ruas da cidade. O som remete ao barulho provocado pelos ti-
produzido pelas “rajadas de metralha- ros compõem a base rítmica e melódica
doras” aparece em outras letras e melo- que acompanha a letra: “um protesto em
dias de Pedro Luís, evidenciando a forma de oração” que sugere que os in-
intenção do autor de incorporar os pro- divíduos, em versos, tomem atitudes
blemas cotidianos à sua produção mu- transformadoras:

Eu caio no suingue pra me consolar


É que essa vida não tá mole
E eu faço assim pra me segurar
18
A Pesquisa Domiciliar de Vitimização na Cidade do Rio de Janeiro 2005-2006, apresen-
tada por Alba Zaluar durante o Seminário “Zonas urbanas desfavorecidas: olhar cruzado
Brasil-França” (2006), revelou dados sobre a freqüência com que a população ouve o
barulho dos tiros, evidenciando que essa forma de violência (simbólica) afeta cada vez
mais a vida cotidiana do carioca e, por isso, já começa a ser mensurada pela pesquisa
científica sobre violência urbana.
19
Pedro Luís e A Parede (p1997, Faixa 10 “Chuva de bala”). Ver também em <http://
www.plap.com.br>. Site oficial de Pedro Luís e A Parede. Acesso em: 27 nov. 2006.
Anita Loureiro de Oliveira 147

Esse funk é tiro de canhão


Rajada de metralhadora que situação
Esse país na emboscada
E a mais injusta divisão
Com a boca escancarada
Faço esse protesto em forma de oração

Ave mãe
Filhos primos
Espíritos que habitam o planeta
Façam votos
Criem versos, tomem atitudes
Pra mudar a coisa que já tá pra lá de preta

Eu tô cantando, você dirigindo


O outro tá rezando, alguns se divertindo
Muitos precisando, outros conseguindo
Se todos realizam algo, o mundo segue o seu caminho [grifos nossos] 20

Algumas músicas nos permitem sibilitar o diálogo e o reconhecimento


apreender as conseqüências perversas do direito à cidade por meio da criação
da vida urbana – a desigualdade, a es- musical.
tigmatização da população pobre e seus
lugares de moradia, a violência –, a par- Trata-se de reconhecer o Outro a
tir da fala do sujeito crítico e contestador. partir de sua música: reconhecer o sujeito
Nesse sentido, é preciso pensar o urbano que não se conforma com as imposições
considerando as necessidades deste da ordem dominante e que se expressa
Outro não-desejado, não-planejado. As através de uma ação criativa e crítica. A
músicas escolhidas para esta reflexão in- música revela, de forma sensível, a pos-
dicam a existência de sujeitos que en- sibilidade de vivermos uma Outra cida-
xergam a possibilidade de a música ser de, cujos planos, projetos e ações tenham
uma expressão livre e criativa do modo outras finalidades e intencionalidades
de estar no mundo. A potencialidade da que não a acumulação capitalista, a cons-
música está na sua capacidade de apro- trução de uma cidade-mercadoria ou de
ximar grupos sociais distintos e de pos- uma cidade-espetáculo.

20
Ibid., Faixa 6 “Caio no Suingue”.
148 Música e ação no Rio de Janeiro a partir dos anos 1990

Lugar e resistência: “alguma coisa está fora da


ordem, fora da nova ordem mundial” 21

Santos (1997) afirma que se, por um formas de solidariedade horizontal e


lado, é evidente que a ordem global multiplica a inventividade do homem
busca impor a todos os lugares uma lento (Santos, 1997).
única racionalidade, por outro, os luga-
res respondem ao Mundo segundo di- Os efeitos dessa ordem global na
versas racionalidades. Para o autor, vida cotidiana aparecem nas músicas em
enquanto a ordem global funda escalas que a cidade é a temática central, como
superiores ou externas à escala do coti- no caso da música “Egocity”, da Frente
diano e seus parâmetros são a razão Urbana de Trabalhos Organizados,
técnica e operacional bem como os cál- banda carioca conhecida pela sigla O
culos matemáticos, a ordem local funda F.U.R.T.O. 22. Ao tratar das distâncias so-
a escala do cotidiano e seus parâmetros ciais existentes entre os diferentes gru-
são a co-presença, a vizinhança, a inti- pos sociais que coexistem na cidade, o
midade e a socialização com base na compositor Marcelo Yuka faz uma crítica
contigüidade. A contra-racionalidade da experiência urbana marcadamente
vinda dos lugares opacos, da rua, do individualista, preconceituosa e consu-
convívio com a vizinhança, é feita de mista.
temporalidades diversas, experimenta

Carros à prova de bala, com vidros à prova de gente


Cor fumê da indiferença
E vão lambendo os cartões de crédito
Comprando de quase tudo; do orgulho à cocaína
de dólares a meninas
Passando em frente à réplica da Estátua da Liberdade
que nos prende ao consumo siliconizado e farpado urgente
que diz: Bem-vindo a Ego City
Lutadores sem filosofia, crianças sem esquinas

21
Veloso (p1991, Faixa 1 “Fora da Ordem”).
22
Marcelo Yuka, ex-baterista e principal compositor dos primeiros CDs da banda O Rappa,
trata de maneira crítica e contundente a experiência urbana atual. Yuka, após ter sido
baleado durante uma tentativa de assalto no Rio de Janeiro, trocou a bateria pelos efeitos
sonoros eletrônicos e elevou o tom da indignação contra as perversidades da desigualdade
social, ao sair da banda O Rappa e fundar O F.U.R.T.O. Em 2007, Yuka passou a dedicar-
se mais ao tratamento fisioterápico e interrompeu temporariamente a trajetória da banda
O F.U.R.T.O.
Anita Loureiro de Oliveira 149

Realidade da portaria, mas só se for pela porta dos fundos


De frente pro mar, de costas pro mundo (...) [grifos nossos] 23

A referência à réplica da estátua da garantem invisibilidade diante daqueles


liberdade que nos prende ao consumo que muitos preferem evitar.
questiona a lógica consumista e alienan-
te e ainda localiza a narrativa no bairro Já na música “O que sobrou do
da Barra da Tijuca, cenário mais ade- céu”, gravada pela banda O Rappa, a
quado para a verificação de como ocor- letra de Yuka expressa o desejo do per-
re a espetacularização seletiva de áreas sonagem urbano de espantar o mal pro-
urbanas e a consolidação de imagens e vocado pela vida acelerada das grandes
símbolos desta cultura global – Avenida cidades. A música sugere que as cores
das Américas, repleta de condomínios escondidas nas nuvens da rotina e o uso
exclusivos, shoppings e outros ícones do das ciências de baixa tecnologia podem
capitalismo avançado. Conforme afirma curar esta azia, talvez provocada pela
Ribeiro (2006, p. 43), a nova posição paisagem urbana, que permite apenas
ocupada pelo consumo ampliou a in- uma visão parcial do que sobrou do céu,
tervenção das empresas privadas na por entre os prédios. A música retrata a
administração da cidade e na psicosfera riqueza de possibilidades vivenciadas
dos lugares (Santos, 1997 apud Ribeiro, em um dia quando a falta de luz causa
2006). A narrativa de Yuka situa o ouvin- a quebra da rotina, possivelmente ditada
te nesse bairro onde as grandes avenidas pela televisão. Esse aparelho, ao ser des-
dificultam o encontro e tornam ainda ligado, torna-se um espelho capaz de
mais difícil a convivência entre camadas fazer, enfim, o homem comum se enxer-
sociais distintas, muitas vezes próximas gar. Sem a televisão comandando a vida
geograficamente, mas que experimen- espetacular, o vidro transparente do apa-
tam as conseqüências mais perversas do relho reflete a vida banal do homem
distanciamento social. A blindagem dos comum, que se apropria da rua, da es-
carros retrata o medo da violência, assim quina, e faz desse espaço urbano apro-
como os vidros cor fumê da indiferença priado lugar de encontros.

(...) Faltou luz, mas era dia, o sol invadiu a sala


Fez da TV um espelho refletindo o que a gente esquecia
Faltou luz, mas era dia... dia
Faltou luz, mas era dia, dia, dia
O som das crianças brincando nas ruas
Como se fosse um quintal
A cerveja gelada na esquina
Como se espantasse o mal

23
O F.U.R.T.O (p2005b).
150 Música e ação no Rio de Janeiro a partir dos anos 1990

O chá pra curar esta azia


Um bom chá pra curar esta azia
Todas as ciências de baixa tecnologia
Todas as cores escondidas nas nuvens da rotina
Pra gente ver... por entre prédios e nós...
Pra gente ver... o que sobrou do céu... [grifos nossos] 24

Como num retrato da vida do ho- lento viver o entorno resistindo às imposi-
mem lento, vindo de baixo, habitante das ções da ordem global, através do estabe-
áreas opacas da cidade, que vive o es- lecimento de uma outra ordem, fundada
paço do aproximativo (Santos, 1994), os numa racionalidade paralela (Santos,
versos falam da “brincadeira das crian- 1997). Para Santos (2005), hoje, na gran-
ças nas ruas como se fosse um quintal” e de cidade, a força dos “lentos” está nos
do encontro para tomar “a cerveja gelada espaços do aproximativo e da criativida-
na esquina, como se espantasse o mal”, de. A solidariedade fundada nos tempos
indicando a apropriação do espaço da lentos da metrópole desafia a perversi-
rua e sua transformação em lugar, mesmo dade difundida pelos tempos rápidos da
que essa apropriação seja momentânea, competitividade (ibid.) e essa afirmação
num curto instante em que “faltou luz, do homem comum, capaz de desvendar
mas era dia”. Lugar que é, espontanea- os recursos indispensáveis à vida (Ribeiro,
mente, a sede da resistência (Santos, 2005), propõe uma compreensão reno-
1997, p. 207), que permite ao homem vada da própria ação política.

A criação musical e o direito à cidade


A luta simbólica pelo direito à liberdade e unidirecional do consumo e se entre-
e à cidade se expressa na afirmação do gue à busca da cidadania. O indivíduo
indivíduo-criativo, em um momento em que não se conforma com o unidirecio-
que a tendência global predominante namento do consumo, que contesta e
afirma o indivíduo-consumidor. Esse se rebela, produzindo um discurso e
indivíduo criativo inventa formas sutis uma ação propositiva, afirma-se como
de confrontar o pensamento hegemô- cidadão. A criação musical que colabora
nico, e essa inventividade do homem para que o indivíduo se aproprie da ci-
lento amplia suas margens de liberdade dade, sentindo-se pertencente a ela,
diante das imposições de uma ordem com a potencialidade de renová-la,
global. Para Santos (2005, p. 66-67), transformá-la, é o que consideramos
um novo mundo é possível desde que como expressão criativa do direito à ci-
o indivíduo ultrapasse a visão limitada dade.

24
O Rappa (p1999b).
Anita Loureiro de Oliveira 151

Lefebvre propõe que o direito à ci- informações, o urbano é aquilo que


dade seja pensado como direito à vida sempre foi: lugar do desejo, do desequi-
urbana, transformada, renovada, o que líbrio permanente, da sede da dissolução
pressupõe uma teoria integral da cidade das normalidades e coações, do mo-
e do urbano que supere a cisão entre mento do lúdico e do imprevisível. Para
filosofia da cidade e ciências da cidade. o autor,
Lefebvre (2001, p. 116-117), ao refletir
sobre uma ciência analítica da cidade, o direito à cidade se manifesta como
assinala a importância de pensarmos o forma superior dos direitos: direito
objeto virtual que é “o urbano”, utilizan- à liberdade, à individualização na
do, de forma conjunta, os recursos da socialização, ao habitat e ao habitar.
ciência e da arte. Para o autor, cabe à O direito à obra (à atividade partici-
força social capaz de realizar a sociedade pante) e o direito à apropriação
urbana tornar efetiva e eficaz a unidade (bem diferente do direito à proprie-
(a síntese) da arte, da técnica e do conhe- dade) estão implicados no direito à
cimento. cidade. (Ibid., p. 135) [grifos do autor]

Necessária como a ciência, não su-


ficiente, a arte traz para a realização Essa é uma referência importante
da sociedade urbana sua longa me- para encontrarmos na música um recurso
ditação sobre a vida como drama e operacional da apreensão das falas do
fruição. Além do mais, e sobretudo, senso comum e, assim, realizarmos uma
a arte restitui o sentido da obra; ela análise teórica e poética da experiência
oferece múltiplas figuras de tempos urbana.
e espaços apropriados: não impos-
tos, não aceitos por uma resignação Uma bela expressão de que a vida
passiva, mas metamorfoseados em urbana inclui o lúdico, o imprevisível e
obra. (Ibid., p. 115) a criação artística libertária é o grafismo
do “profeta” Gentileza, transformado em
música por Marisa Monte em 2000,
Segundo Lefebvre (2001, p. 79), ao quando a arte urbana do poeta marginal
mesmo tempo que lugar de encontros, foi apagada da memória da cidade ao
convergência das comunicações e das ser coberta de tinta 25.

25
Gentileza foi um personagem andarilho, “messiânico”, que passou 35 anos nas ruas pre-
gando a gentileza e suas virtudes. Como afirmou Leonardo Boff, se autodenominou
“Profeta” e “até a sua morte em 1996 percorria a cidade, viajava nas barcas Rio-Niterói,
entrava nos trens e ônibus para fazer a sua pregação”. A intervenção artística realizada
por Gentileza na paisagem urbana teve como suporte as pilastras do viaduto do Caju,
numa extensão de aproximadamente 1,5 km, perto da Rodoviária Novo-Rio, numa área
de intensa circulação de pessoas. As 55 pilastras pintadas por Gentileza e depois apagadas,
conforme lembra a letra de Marisa Monte, foram restauradas com o projeto “Rio com
Gentileza”, coordenado pelo Prof. Leonardo Guelman, com o apoio da Universidade
Federal Fluminense, da Secretaria de Cultura do Rio e do Consórcio Novo Rio. Os trabalhos
152 Música e ação no Rio de Janeiro a partir dos anos 1990

De acordo com Guelman (2000), “a Apagaram tudo


obra de Gentileza demarca um espaço e Pintaram tudo de cinza
uma permanência – mesmo que ameaça- A palavra no muro
da – para sua mensagem”, pois, quando Ficou coberta de tinta
o Profeta passa a pintar suas mensagens
diretamente sobre a superfície do concre- Apagaram tudo
to, “sua grafia e seus signos se inscrevem Pintaram tudo de cinza
agora na própria cidade, transformando Só ficou no muro
pilastras em tábuas de seus ensinamen- Tristeza e tinta fresca
tos”. Para Leonardo Boff (2004), a obra
de Gentileza “nas 55 pilastras do viaduto Nós que passamos apressados
do Caju, com inscrições em verde-amare- Pelas ruas da cidade
lo propondo sua crítica do mundo e sua Merecemos ler as letras
alternativa ao mal-estar de nossa civiliza- E as palavras de Gentileza
ção”, evidencia a “gentileza como irradia-
ção do cuidado e da ternura essencial”. Por isso eu pergunto
A você no mundo
A música Gentileza é um registro Se é mais inteligente
dessa luta simbólica pelo direito à O livro ou a sabedoria
cidade. Uma luta que surge em 1997,
quando a Companhia de Limpeza Ur- O mundo é uma escola
bana do Rio de Janeiro, demonstrando A vida é o circo
falta de sensibilidade para diferenciar a Amor palavra que liberta
arte urbana das poluições visuais que Já dizia o Profeta 26
se espalham pela cidade, “limpou” os
muros da “sujeira” das escrituras feitas
pelo Profeta, desencadeando um movi- A possibilidade de expressar sua arte
mento de apoio ao artista popular já fale- e de deixar registros dessa ação libertária
cido. A letra de Marisa Monte, inspirada na cidade conforma o gesto valorizado
nas frases pintadas por Gentileza, ques- nessa reflexão. Isso significa que a cidade
tiona a razão que despreza a sabedoria reúne formas plurais de ver o mundo e,
popular e a arte do homem comum, or- portanto, de ver o sujeito que não se con-
dinário como diria Certeau (2003), que forma em ser apenas espectador ou con-
se expressa pintando nos muros da ci- sumidor e que luta para se afirmar como
dade suas mensagens de amor e genti- cidadão por meio de sua criação artística.
leza, como um gesto libertário. Para Lefebvre (2001), o uso da cidade,
foram concluídos em 2000 e registrados nos vídeos “Universo Gentileza” (1997) e “Brasil:
Tempo de Gentileza” (2000). Ver em http://www2.uerj.br/~clipping/maio04/d07/jb_
profeta_gentileza.htm; <http://www2.uerj.br/~clipping/maio04/d07/jb_profeta_gentileza.
htm>. Site Clipping UERJ. Acesso em: 20 nov. 2006; <http://www.gentileza.org.br>.
Site ONG Gentileza. Acesso em: 20 nov. 2006; <http://www.cienciaefe.org.br/OnLine/
0404/gentileza.htm>. Site Ciência e Fé. Acesso em: 20 nov. 2006.
26
Monte (p2000, Faixa 10).
Anita Loureiro de Oliveira 153

cada vez mais, deixa de estar vinculado gares reais como a rua, o bairro e, neles,
ao direito à cidade e às possibilidades a ação insurgente. O plano do lugar pode
plenas de apropriação do espaço, por ser entendido como base para a repro-
estar associado ao valor de troca. Entre- dução da vida e espaço da constituição
tanto, o mesmo autor considera que “a de identidades, criadas a partir do uso e
vida urbana pressupõe encontros, con- da apropriação simbólica que conferem
frontos das diferenças, conhecimentos e sentido aos lugares (Carlos, 2004). Dian-
reconhecimentos recíprocos (inclusive te da crise e da violência, os indivíduos
no confronto ideológico e político) dos estigmatizados da cidade revelam sua
modos de viver, dos ‘padrões’ que coe- ação sensível e insurgente através da arte
xistem na Cidade” (ibid., p. 15). que é produto do sujeito e de seu lugar e
reveladora de identidades, relações e
Trata-se, portanto, de uma análise memórias.
que busca identificar nas músicas os lu-

Por um Outro espetáculo


A ação ativa e contrastante dos espaços sujeitos criativos, cuja ação tem amplia-
populares é evidenciada por expressões do o debate político sobre a cidade,
musicais como o funk e o hip-hop, mo- mostram a favela como um lugar onde
vimentos que usam a música para rom- discursos, contradiscursos e imagens
per com o isolamento desses territórios emergem com força em forma de músi-
da cidade e que legitimam a presença ca, teatro, vídeo, fotografia, dança, entre
do Outro, de sua atividade criativa, e o outras práticas, que rompem com a lógi-
direito de manifestar as leituras do seu ca assistencialista, ao privilegiar o poten-
mundo 27. Funkeiros, rappers e outros cial ativo do sujeito 28.
27
No livro Favela: alegria e dor, os autores Silva e Barbosa (2005) apresentam um olhar
próprio da dinâmica do espaço favelado, em termos temporais e espaciais, e optam por
tornar mais visível o cotidiano plural desses espaços populares. A proposição principal é
que só teremos uma cidade marcada pela possibilidade do encontro das diferenças quando
pensarmos uma cidade e um cidadão, sem que deixemos de reconhecer a pluralidade
das identidades, práticas e territórios, o que significa dizer que é preciso ver, efetivamente,
a favela como parte da cidade.
28
Muitos grupos culturais surgidos nas favelas contam com o apoio de ONGs para a consoli-
dação, financiamento e articulação de projetos de natureza socioeducativa, assim como o
apoio de empresas públicas, empresas privadas, organismos supranacionais (Unesco, Unicef)
e fundações internacionais de financiamento, evidenciando uma vinculação da lógica global
em ações locais. Afro Reggae, o Jongo da Serrinha, o Nós do Morro, as ações culturais da
Cufa e outras ações consistentes no campo da cultura revelam a importância da arte nesses
espaços populares. No entanto, Silva e Barbosa (2005) alertam para a necessidade de
atentarmos para projetos que difundem discursos preconceituosos que pretendem “tirar os
jovens do domínio do tráfico de drogas”, como se todos os jovens fossem potencialmente
154 Música e ação no Rio de Janeiro a partir dos anos 1990

Esta Outra música, vinda das áreas grafos de nosso cotidiano. Para Soares,
estigmatizadas do espaço urbano, denota no centro de suas interpelações, O Rappa
uma luta pela apropriação simbólica da traz à cena a realidade muito complexa
cidade, uma luta que não disputa a pro- de uma nova cidade que canta, descreve,
priedade, mas o sentido de pertencimen- enuncia, convoca e evoca nas suas várias
to ao lugar e à cidade. As ações musicais seqüências. Em cada uma de suas letras,
podem evidenciar modos de viver e for- a cidade aparece em uma de suas feições:
mas variadas de apropriação simbólica mundo dos negócios (muitas vezes ilíci-
dos lugares. Em alguns casos, as cria- tos), descrito em “A feira”; e a cidade re-
ções musicais inscrevem-se como ma- pleta de personagens cheios de ódio e
nifestações por reconhecimento social. altivez, descrita em “Hey Joe” (uma ver-
Bourdieu (2004, p. 118) define essa são de Marcelo Yuka e Ivo Meirelles para
manifestação de forma esclarecedora: a música de Bill Roberts que retrata a vida
dos garotos envolvidos com o tráfico de
(...) um acto tipicamente mágico (o drogas). Em “Tribunal de Rua”, a banda
que não quer dizer desprovido de retrata a forma como a violência policial
eficácia) pelo qual o grupo prático, atinge especialmente quem é estigmati-
virtual, ignorado, negado, se torna zado por ser preto-pobre-favelado, assim
visível, manifesto, para outros grupos como o fizera em “Todo camburão tem
e para ele próprio, atestando assim um pouco de navio negreiro”, música do
a sua existência como grupo conhe- primeiro CD da banda.
cido e reconhecido, que aspira à ins-
titucionalização. O mundo social é Essas músicas testemunham a pos-
também representação e vontade, e tura crítica da banda O Rappa e chamam
existir socialmente é também ser a atenção para a escolha de temas liga-
percebido como distinto. [Grifos do dos à vida na cidade, como os encon-
autor] tros, os contrastes sociais e a violência
urbana. Para Soares (2004), através das
músicas, o grupo constrói-se como per-
Em seu artigo “Uma questão de atitu- sonagem público. Trata-se de uma ati-
de: O Rappa e as novas formas de inter- tude evidentemente construída por sua
venção política nas cidades brasileiras”, produção musical, mas que não se es-
Luiz Eduardo Soares (2004, p. 62) mos- gota nela 29. Segundo Soares (ibid.), esse
tra por que considera os integrantes dessa engajamento político, tão importante
banda verdadeiros inspiradores e etnó- quanto toda e qualquer forma de consti-

violentos e criminosos. A possibilidade de construção de um novo olhar em relação à favela


e seus moradores deve estar pautada no reconhecimento do valor de suas potencialidades
criativas e na reconstrução afirmativa de uma identidade plural.
29
Além de o engajamento político estar associado à poesia da banda, O Rappa tem uma
parceria com a Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase) e, por
meio de uma série de convocações explícitas, incentiva o ouvinte a apoiar iniciativas
sociais.
Anita Loureiro de Oliveira 155

tuição poética, brota da associação entre sofrimento alheio que nos tornamos in-
personagem público à margem, esse sensíveis e censuramos o drama que em
personagem crítico, jovem, subversivo, cada esquina é encenado para nossas
e seu engajamento positivo, construtivo, consciências. Ainda segundo Soares
que aparece por meio de propostas que (ibid., p. 56-57), O Rappa tem uma sen-
são adicionadas ao objeto estético-musi- sibilidade musical muito aguda e, através
cal dos CDs. dela, consegue captar o tema da invisi-
bilidade, suas ambigüidades e ambiva-
Para Soares (ibid.), nas ruas das ci- lências de forma eloqüente e reveladora.
dades brasileiras, o menino pobre e, em
particular, negro, é quase um ser social “Miséria S.A.”, cujo autor é Pedro
invisível, é um sujeito socialmente invi- Luis, mas que se tornou sucesso na gra-
sível. A experiência da invisibilidade é vação de O Rappa, é uma dessas músi-
constitutiva de um processo fundamen- cas que falam de uma cidade que muitos
tal – matriz da criminalidade – que per- preferem não ver. Descrevendo o coti-
mite compreender um pouco mais as diano de pessoas que andam nos ônibus
tensões que hoje marcam a forma e o “pedindo uma ajuda por necessidade”
conteúdo das relações sociais nas gran- aos passageiros, a música revela uma
des cidades: o tráfico de armas e drogas. cidade “encharcada da humildade res-
Para o autor, é justamente porque não sentida” (Soares, 2004). A forma de can-
suportamos a imagem de uma criança tar faz referência à musicalidade expressa
mendigando, abandonada, vagando por esses pedintes ou vendedores, que
pelas ruas, que criamos à nossa volta uma têm um repertório comum para agrade-
verdadeira blindagem e que obliteramos cer a “boa vontade e atenção dispensa-
os canais de percepção; é exatamente da” e, principalmente, o “trocadinho
porque somos sensíveis e vulneráveis ao bem recebido”.

Senhoras e senhores estamos aqui


Pedindo uma ajuda por necessidade
Pois tenho irmão doente em casa
Qualquer trocadinho é bem recebido
Vou agradecendo antes de mais nada
Àqueles que não puderem contribuir
Deixamos também o nosso muito obrigado
Pela boa vontade e atenção dispensada
Vamos agradecendo antes de mais nada
Bom dia passageiros
É o que lhes deseja
A miséria S.A.
Que acabou de chegar 30

30
O Rappa (p1996b).
156 Música e ação no Rio de Janeiro a partir dos anos 1990

“Ritmos, ações e manifestos” (“RAM”) na cidade. A pesquisa sobre a ação so-


são o título e o refrão de uma outra cial tem evidenciado a vitalidade dos
música de Marcelo Yuka, principal com- processos de organização social e de
positor das letras dos primeiros CDs da reivindicação popular, que, por vezes,
banda carioca O Rappa. A letra de são lidos de forma reduzida ou equivo-
“RAM” é relevante para a pesquisa por cada pela grande imprensa e pelos go-
tratar especificamente de protestos que vernos 31.
interrompem por curtos instantes a vida

Nação não é bandeira


Nação é união
Família não é sangue
Família é sintonia

Novos satélites nos aproximam


Mais e mais
Então a gente se vê nos telejornais
Agora mesmo pedras estão voando
Na direção certa

Confie nisso “véio”


Ritmos, ações e manifestos [refrão]

Atirados em passeatas
Ou em casos solitários
Como batuques diferentes
Numa mesma pulsação
Que não vão mudar o mundo
Mas fazem a diferença
Fazem nossa diferença
Ao fascismo que cresce
Com a crise
Fazem nossa diferença
Na maneira de encarar
Cidadania, ruas e microfones [grifos nossos] 32

31
Ribeiro, Ana Clara Torres. Cartografia da ação e análise de conjuntura: reivindicações e
protestos em contextos metropolitanos. Projeto de pesquisa desenvolvido com o apoio
do CNPq e da Faperj no âmbito do Laboratório da Conjuntura Social: tecnologia e
território (Lastro), vinculado ao Ippur/UFRJ, 2003-2006.
32
O Rappa (p1994b).
Anita Loureiro de Oliveira 157

A “maneira de encarar” a crise, a fonográfico, tem um público atento e


partir de “cidadania, ruas e microfones”, numeroso, e o fato de ter como temática
revela que, embora o personagem urbano de suas músicas a crise social é revelador
não tenha a intenção de mudar o mundo, de como algumas contestações podem
sabe que sua ação faz diferença diante utilizar a força do mercado para amplifi-
dos problemas sociais. Essa letra confirma car as vozes do protesto. Nesse sentido,
como a música é capaz de realizar o enga- ressaltamos que as ações de costura do
jamento dos níveis mais singulares da pes- tecido social, possibilitadas pela difusão
soa com os mais coletivos, como Guattari da idéia da contestação, podem ocorrer
(1990) propôs ao pensar a cidade subje- também nos canais de diversão, circula-
tiva. Em busca da afirmação da cidada- ção e comunicação hegemônicos, por
nia, personagens se apropriam das “ruas, meio da criação musical 33.
atirados em passeatas ou em casos soli-
tários”, e reconhecem a importância de Essa música que fala das angústias
amplificar as vozes do protesto, com a re- dos que vivem uma invisibilidade social
ferência ao “microfone” – para que os ganha força quando passa a ser difun-
protestos alcancem os ouvidos da multi- dida pelos meios de comunicação de
dão. Os versos indicam a possibilidade massa. A música provoca encontros e
de a ação contestadora ser reconhecida contatos capazes de gerar um diálogo
pela maior parte da população, já que, positivo entre grupos sociais distintos, e
em tempos de circulação instantânea da alguns indivíduos fazem mediações im-
informação, “os novos satélites nos apro- portantes que ampliam o potencial pro-
ximam”, permitindo que o personagem positivo e transformador da criação
insurgente possa se ver “nos telejornais”. musical. Fernanda Abreu, Pedro Luís (e
a Parede), Marisa Monte, Marcelo Yuka
O Rappa é hoje uma banda que ocu- (O Rappa; O F.U.R.T.O), MV Bill (Cufa)
pa uma posição privilegiada no mercado são alguns dos sujeitos (individuais e

33
O Rappa é uma banda carioca formada em 1993, que tem uma sonoridade plural baseada
na mistura rítmica de groove, dub, reggae, rock, com alguns remetimentos ao samba e
ao rap. O nome do grupo é uma gíria popular usada para designar fiscais da prefeitura
que apreendem as mercadorias de camelôs que vivem da economia informal nas ruas do
Rio de Janeiro. Em 1994, lançou o primeiro disco, O Rappa, em que a crítica social está
presente em várias músicas, como “Todo camburão tem um pouco de navio negreiro”,
“Brixton, Bronx Ou Baixada” e “Catequeses do medo”. Em 1996, lançaram o CD O
Rappa Mundi, com “A feira”, “Miséria S.A.”, “Hey Joe” e ainda “Vapor barato” (de Jards
Macalé e Wally Salomão), que fez sucesso em várias emissoras de rádio por todo o país.
Mas foi o terceiro CD, Lado B lado A, lançado em 1999, que projetou a banda nacional-
mente. As músicas “O Que Sobrou Do Céu”, “Tribunal De Rua” e “Minha Alma” revelavam
que, mesmo com grande espaço na mídia, a banda não deixava de ter músicas contes-
tadoras. Em 2001, lançaram Instinto coletivo - ao vivo. Após a saída de Marcelo Yuka,
baterista e principal compositor da banda, em 2002, O Rappa lançou, pela gravadora
Warner Music, o CD/DVD O silêncio que precede o esporro (2003) e o CD/DVD O
Rappa Acústico MTV (2005). Ver em <http://www.geocities.com/SunsetStrip/Lounge/5843/
rappa2. html>. Home page oficial da banda O Rappa. Acesso em: 21 nov. 2006.
158 Música e ação no Rio de Janeiro a partir dos anos 1990

coletivos) que fazem mediações impor- culturais provenientes das favelas e peri-
tantes entre a criação musical, a ação po- ferias afirmam sua identidade por meio
lítica e o mercado. Contribuem para a da arte e da luta simbólica, usando de
construção de um outro olhar sobre a forma positiva os canais de comunicação
cidade, seja através das letras das músi- hegemônicos. A estigmatização do mo-
cas seja através de falas cotidianas, e, rador da favela não permite o reconhe-
assim, colaboram para a superação da cimento de suas estratégias criativas,
invisibilidade do Outro na cidade. complexas e heterogêneas acionadas no
enfrentamento das dificuldades do dia-
O potencial transformador da criação a-dia. Mas os sujeitos insurgentes têm
musical encontra-se no seu sentido liber- utilizado a indústria fonográfica e os ca-
tário e contestador. Entretanto, a ação dos nais de difusão musical de modo bastante
homens ordinários (Certeau, 2003), ou proveitoso.
dos homens lentos, que vêm “de baixo”
ou dos lugares pouco luminosos e pouco Para Herschmann (2005b, p. 154),
velozes da cidade (Santos, 1997), ganha “o espetáculo contemporâneo parece
força com a visibilidade possibilitada indicar a emergência de uma nova are-
pela articulação e pela mediação feitas na política – midiática – e a importância
por indivíduos que, como vimos, ocu- da esfera da cultura ou dos fatores cultu-
pam posições privilegiadas nos canais rais como vetores capazes de mobilizar
de comunicação hegemônicos. Esses efetivamente os atores sociais”. Segun-
canais tornam-se especialmente relevan- do o autor, a espetacularização e a alta
tes para os grupos minoritários e margi- visibilidade, construídas no ambiente
nalizados, que costumam ser tachados midiático, são estratégicas para que o
pelo discurso midiático como grande discurso e a ação alcancem êxito, e é
ameaça ao corpo social. nesse sentido que analisamos as estra-
tégias desenvolvidas por agentes do
O jovem negro, pobre e favelado é campo da produção musical.
quem mais sofre com a violência urbana.
Racismo, estigmatização e isolamento so- Assim, a referência ao espetáculo nem
cial são alguns dos temas mais freqüen- sempre reflete aspectos negativos a serem
temente propagados por Outros sujeitos, extirpados do social, pois uma análise
que têm utilizado variados canais de co- mais detida pode ajudar a perceber a for-
municação para amplificar seu protesto, ma como diferentes sujeitos e organiza-
como é o caso do Grupo Cultural Afro ções apropriam-se da espetacularizacão
Reggae e da Central Única das Favelas para garantir maior visibilidade à ação
(Cufa). Estes e numerosos outros grupos construída na perspectiva da resistência 34.

34
As ações promovidas pela Cufa podem evidenciar essa complexa incorporação dos sujeitos
da resistência à lógica do mercado. O prêmio Hutúz transformou-se em um festival anual
no qual diversas atividades artísticas – premiações, shows, batalhas de DJs, MCs, B.Boys,
intervenções de grafiteiros, festivais de cinema – se articulam com palestras e debates, que
têm dado mais visibilidade e projeção a cada ano ao festival na agenda cultural e política da
Anita Loureiro de Oliveira 159

A articulação da ação musical contesta- estabelecem um conflito de poder, ques-


dora com o mercado fonográfico não é tionam a hegemonia e indicam a existên-
simples. A popularização, a conquista de cia da resistência. A inserção do sujeito
espaços de visibilidade e a inserção dos crítico e criativo nos novos e velhos es-
sujeitos da contestação no mercado e na paços midiáticos demonstra uma nova
mídia trazem consigo fortes conflitos e forma de ação política que faz emergir e
temores. Apesar do medo da pasteuri- consolidar o Outro, a partir da utilização
zação e do enfraquecimento do discurso de linguagens, estéticas e estratégias
diante da repetição massificada de músi- adequadas, empregadas em “máquinas
cas e imagens, esses sujeitos compreen- de pensamento”, fundamentais para a
dem que, sem o uso de estratégias de (re) construção da subjetividade e a su-
difusão utilizadas pela indústria fonográ- peração da opressão.
fica, é bem mais difícil se fazer ouvir e
lutar contra o que consideram injusto. Tal como Herschmann ressalta, as
Tal como Herschmann (2005b, p. 162) colagens, as apropriações, os agencia-
sugere, não só a mídia constitui uma mentos, mesmo de outros segmentos
“arena” na qual diferentes discursos con- sociais e do mercado, não esvaziam o
correm engendrando diferentes sentidos, conteúdo dessas manifestações musi-
como também cada discurso, em si mes- cais, e sim o tornam mais potente. Visi-
mo, abriga perspectivas diversas e, muitas bilidade, potência e recursos são mais
vezes, posições até contraditórias. que necessários para que esses sujeitos
possam costurar suas ações transforma-
Os agentes da contestação eviden- doras. Apoiada em um instrumental téc-
ciam em seus discursos a existência de nico cada vez mais veloz, a sua ação de
uma “cidade polifônica” (Herschmann, resistência torna-se mais potente e capaz
2005a, p. 93), isto é, uma cidade em que de alcançar um número maior de pes-
as vozes dissonantes e as ações insurgen- soas. Se a indústria fonográfica lucra
tes fortalecem e configuram a instabi- agenciando os sujeitos contestadores,
lidade social, mas por meio de músicas aos jovens consumidores dessas músicas
críticas, propositivas e criativas. Parra é facultado o acesso a produtos musicais
(2006, p. 54) acredita que algumas expres- capazes de contribuir para uma reflexão
sões artísticas configuradas como ordens sobre a vida social e a experiência ur-
alternativas têm caráter político porque bana. Para Santos (1997, p. 257),

cidade. A complexidade das articulações feitas para viabilizar um evento como esse revela-
se na identificação das instituições financiadoras e co-patrocinadoras do evento: Unesco,
Consulado Geral dos Estados Unidos da América, CCBB, Viva Rio, Cyclone; bem como
das instituições privadas e governamentais ligadas à promoção do evento: a Rede Globo,
MTV, Rádio Transamérica FM, o Ministério da Cultura, as Secretarias de Cultura do estado
e do município. As ações da Cufa e de outros articuladores da produção cultural “periférica”
carioca revelam sua complexidade, pois, ao mesmo tempo que promovem ações de
caráter propositivo e emancipatório fortalecem os vínculos com agentes claramente confor-
mados com a manutenção da ordem hegemônica.
160 Música e ação no Rio de Janeiro a partir dos anos 1990

cria-se uma cultura popular de mas- criativa e propositiva quanto aos novos
sas, alimentada com a crítica espon- caminhos para uma sociabilidade urbana
tânea de um cotidiano repetitivo e, possível e reveladora deste outro ima-
também não raro, com a pregação ginário urbano referenciado aos espa-
de mudanças, mesmo que este dis- ços populares ou múltiplos da cidade.
curso não venha com uma proposta
sistematizada. A idéia de buscar na música con-
tribuições para a reflexão do novo pla-
nejamento das espacialidades vem,
A cidade cantada transforma-se em justamente, desta outra música urbana.
lugar, uma porção do espaço apropriá- Música que retrata a existência de um
vel para a vida, através do qual o sujeito Outro sujeito que não se conforma em
se sente pertencente à cidade, vivendo ser apenas espectador ou consumidor,
tanto a cooperação quanto o conflito. que quer se expressar, cantar sua indig-
Cada lugar é, ao mesmo tempo, objeto nação e, assim, afirmar-se como cidadão.
de uma razão global e objeto de uma O direito à cidade, entendido como a
razão local que convivem dialeticamen- possibilidade de renovar, de transformar
te, pois o lugar é este cotidiano compar- a experiência urbana, parece, portanto,
tilhado entre as mais diversas pessoas, ser alcançável por meio da criação mu-
firmas e instituições (Santos, 1997). sical e das vozes dissonantes que com-
põem a cidade polifônica. Os esquemas
Para que a cidade seja verdadeira- racionalistas impostos pelo pensamento
mente polifônica, é preciso que a lógica hegemônico já estão sendo transforma-
do espetáculo possa revelar também a dos a partir desta experiência criativa da
criação musical insurgente, dissonante, música carioca inconformada que se
enfim, a música do Outro. Este artigo manifesta com poesia.
destaca uma produção musical crítica,

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Resumo A bstrac t
O presente artigo pretende apreender a The present article intends to apprehend
experiência urbana através do sujeito e the urban experience through the citizen
de sua ação de criação musical. A idéia and of its action of musical creation. The
é buscar na música expressões da luta idea is to search in music expressions of
simbólica pelo direito à cidade – reno- the symbolic fight for “the right to the
vada, transformada. Tal música retrata a city” – renewed, transformed. Such mu-
escala do cotidiano, do lugar, e as falas sic portray the scale of the daily one, of
inconformadas que resistem ao pensa- the place and voices unresigned to them
mento que se diz único. A criação musi- that resist the “unique thought”. The
cal é uma prática que possibilita ao musical creation is one practical one that
sujeito uma apropriação da cidade, sua makes possible to the individual an ap-
afirmação como cidadão e, principal- propriation of the city, its affirmation
164 Música e ação no Rio de Janeiro a partir dos anos 1990

mente, uma manifestação crítica e poé- while citizen and, mainly, a critical and
tica da existência do Outro no espaço poetical manifestation of the existence
urbano. of the Other in the urban space.

Palavras-chave : cidade, música, ação Keywords: city, music, rebellious action


insurgente

Recebido em novembro de 2006. Aprovado para publicação em maio de 2007

Anita Loureiro de Oliveira é geógrafa, Mestre em Geografia pela Universidade


Federal Fluminense e Doutoranda no Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano
e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Áreas de interesse: cidade e
cultura, comunicação e consumo.
Instruções aos colaboradores dos CADERNOS IPPUR
1. As contribuições enviadas sob a forma de centralidades e dinâmicas espaciais na me-
artigo devem ser apresentadas em no máxi- trópole fluminense. In: SILVA, Catia Antonia
mo 25 (vinte e cinco) laudas, incluindo fi- da; FREIRE, Désirée Guichard; OLIVEIRA,
guras, notas de rodapé, referências e anexos. Floriano José Godinho de (Org.). Metrópole:
As figuras deverão ser em P&B, ter exten- governo, sociedade e território. Rio de Janei-
são JPG ou TIF e 300 dpi. ro: DP&A Editora; FAPERJ, 2006. p. 79-97.
2. O texto deve ser digitado com fonte 12 e d) Dissertações e Teses
espacejamento de 1,5. As citações de mais Exemplo:
de três linhas, notas de rodapé, paginação e MARQUES, Ana Flávia. Novos parâmetros
legendas de ilustrações e tabelas devem ser na regionalização dos territórios: estudo do
digitadas com fonte tamanho 10 e espace- zoneamento ecológico-econômico (ZEE) na
jamento simples. Amazônia legal e das bacias hidrográficas
do Rio Grande do Sul. 2006. 189f. Disser-
3. As referências devem ser redigidas de acordo tação (Mestrado em Desenvolvimento Re-
com a NBR 6023/2002 da ABNT:
gional) – Universidade de Santa Cruz do
a) Livro – último sobrenome em caixa-alta, se- Sul, Santa Cruz do Sul, 2006.
guido de prenome e demais sobrenomes e) Artigo e/ou matéria de revista em meio ele-
do(s) autor(es). Título em destaque (itálico):
trônico
subtítulo. Número de edição, a partir da se-
gunda. Local de publicação: editora, ano Exemplo:
de publicação. Número total de páginas do WACQUANT, Loïc. Elias no gueto. Rev. de
livro. Quando houver mais de um volume, Sociologia e Política, Curitiba, n. 10, jun. 1998.
citar somente o número de volumes (Cole- Disponível em: <http://www.humanas.
ção ou Série). ufpr.br/publica/revsocpol>.
Exemplos: 4. Deve ser enviado um resumo em português
MOOG, Vianna. Bandeirantes e pioneiros: (ou espanhol) e inglês, e uma relação de no
paralelo entre duas culturas. 19. ed. Rio de máximo 5 (cinco) palavras-chaves (em por-
Janeiro: Graphia, 2000. 351 p. tuguês e inglês) para efeito de indexação.
MAMANI, Hernán Armando. Transporte in- 5. O autor deve enviar informações relativas à
formal e vida metropolitana: estudo do Rio sua trajetória profissional e vínculos institu-
de Janeiro nos anos 90. Rio de Janeiro: cionais (no máximo 5 linhas).
UFRJ, 2004. 2 v.
b) Artigo – último sobrenome em caixa-alta, 6. O autor de artigo publicado em Cadernos
prenome e demais sobrenomes do(s) au- IPPUR receberá três exemplares do respec-
tor(es); título do artigo: subtítulo; título do tivo fascículo da revista.
periódico em destaque (itálico), local de pu- 7. Os artigos devem ser enviados à Comissão
blicação, nº do volume, nº do fascículo, da Editorial dos Cadernos IPPUR através do
página inicial e final do artigo, mês e ano de endereço eletrônico cadernos@ippur.ufrj.br.
publicação. 8. Em caso de aprovação, o autor deverá enviar
Exemplo: pelo correio o formulário (disponível na
HABERMAS, Jürgen. O falso no mais pró- homepage) de autorização devidamente
ximo: sobre a correspondência Benjamin/ preenchido e assinado para disponibiliza-
Adorno. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, ção em texto completo nas bases de dados
n. 69, p.35-40, jul. 2004. às quais os Cadernos IPPUR estejam inde-
c) Capítulo de livro xados, incluindo a Base Minerva da UFRJ.
Exemplo: 9. Para as resenhas críticas de publicações, re-
OLIVEIRA, Floriano José Godinho de. Mu- comenda-se o máximo de 4 páginas.
danças no espaço metropolitano: novas
IPPUR/UFRJ
Prédio da Reitoria, Sala 543
Cidade Universitária / Ilha do Fundão
Rio de Janeiro (RJ) CEP 21.941-590
Tel: (21)2598-1676
Fax:(21)2598-1923
Para assinatura ou número avulso, consultar: http://www.ippur.ufrj.br

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