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Geraldo da Cruz Almeida

DIREITO INTERNACIONAL
PRIVADO
AULAS PRÁTICAS
GRAVADAS PELOS ALUNOS DA FACULDADE DE DIREITO DE LISBOA
ANO 2003

LISBOA 2003
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PRÓLOGO 30/10/2002

Costumo começar as aulas práticas com uma visita guiada ao código civil tal
como está estabelecido no programa. Vamos então analisar os art.º 14 e
seguintes do CC.

Chamo a vossa atenção para alguns aspectos da sistematização do código


civil. Os art.º 14 e seguintes do código civil, regulam os direitos dos
estrangeiros, e os conflitos de leis. Como é que isto está sistematizado? Tem
uma parte geral composta pelos art.º 14 a 24 do CC, e uma parte especial
composta pelos art.º 25 a 65 do CC.

No entanto, dentro da parte especial há uma parte que é geral, e que tem que
ver com o seguinte: se nós repararmos bem esta sistematização obedece à
mesma sistematização do código civil. O código civil está ordenado segundo
a classificação germânica, tal como o direito de conflitos português. por
conseguinte, a parte dos art.º 25 a 65 do CC nós encontramos a parte
correspondente a cada um dos ramos dessa classificação.

Assim:

Art.º 25 a art.º 34 do CC correspondente ao livro I do CC- parte geral


Art.º 35 a art.º 45 do CC correspondente livro II CC- Dt.º Obrigações
Art.º 46 a art.º 48 do CC correspondente ao livro III CC – Dt.º Coisas
Art.º 49 a art.º 61 do CC correspondente ao livro IV CC – Dt.º Família
Art.º 62 a art.º 65 do CC correspondente ao livro V CC- Dt.º Sucessões

Termos em consideração esta sistematização é um passo na compreensão da


problemática da qualificação em DIP que nós analisaremos mais adiante.

Se nós queremos qualificar uma norma que está dentro do livro II do CC já


sabemos que a norma de conflitos correspondente e útil para essa
qualificação encontra-se entre os art.º 35 a 45 do CC. Se queremos
qualificar uma norma que está no livro IV do CC vamos recorrer às
disposições correspondentes do direito de conflitos português para fazer
essa mesma qualificação e que serão dos art.º 49 a 61 do CC.

Mas chamo também a vossa atenção para que isto é apenas uma ideia. É
apenas um princípio de qualificação porque, como já sabemos, muitas vezes
uma norma que está dentro de um determinado livro do CC, não significa
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que tenha essa mesma qualificação principalmente se se tratam de normas


excepcionais.

As normas excepcionais têm uma valoração diferente. Por vezes apontam


para uma qualificação diversa. É o caso, por exemplo, do art.º 877º do CC
que não obstante estar enquadrado no livro do regime das obrigações,
todavia não se qualifica como uma norma de natureza obrigacional.
Qualifica-se como norma de natureza familiar e mais especificamente como
uma norma atinente às relações entre pais e filhos. Portanto, esta
sistematização é uma sistematização que segue a classificação germânica, e
isso é útil para a problemática das qualificações em DIP.

Visita guiada ao Código Civil Português

Passemos agora à visita guiada ao Código Civil começando pelo art.º 14 do


CC

Art.º 14 do CC

Artigo 14º - (Condição jurídica dos estrangeiros) ”1 - Os estrangeiros


são equiparados aos nacionais quanto ao gozo de direitos civis, salvo
disposição legal em contrário. 2 - Não são, porém, reconhecidos aos
estrangeiros os direitos que, sendo atribuídos pelo respectivo Estado
aos seus nacionais, o não sejam aos portugueses em igualdade de
circunstâncias”.

Esta é uma norma aparentemente simples de interpretar. Mas as normas de


direito internacional privado exigem uma interpretação como qualquer outra
norma. Nós não podemos ficar satisfeitos com a sua aparente simplicidade.
Todas elas suscitam diversos problemas de interpretação e o art.º 14 do CC
também não está longe disso, e a começar logo pelo próprio n.º 1. a
equiparação prevista pelo n.º 1 pressupõe, desde logo, um conjunto de
problemas.

Antes de mais nada, temos que saber quem é que são os estrangeiros?
Quando é que nós dizemos que uma pessoa tem a condição jurídica de
estrangeiro? Quando é que alguém é estrangeiro?
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Em regra, cada Estado define quem são os seus nacionais. Este é o chamado
princípio da liberdade dos Estados na fixação da nacionalidade. e isto
significa também que cada Estado ao definir quem são os seus nacionais,
define, de facto, quem são os estrangeiros, com a referência a esse Estado.

No entanto, pode ocorrer relativamente ao mesmo indivíduo que mais de um


Estado diga que ele é, ou que não é, seu nacional, ou então, que nenhum
Estado diga que ele é seu nacional. Então nós temos duas situações:;
 Uma situação de conflito positivo de nacionalidades, i.e. quando 2 ou
mais Estados segundo os seus critérios de atribuição da nacionalidade
decidem que um indivíduo é seu nacional;
 Uma situação de conflito negativo de nacionalidades, i.e. quando 2 ou
mais Estados ou todos os estados segundo os seus critérios de fixação
da nacionalidade dizem que um indivíduo em questão não é seu
nacional.

Nesta ultima situação quando nenhum Estado diz que alguém é seu nacional
temos um apátrida. Será estrangeiro para efeitos do art.º 14 do CC? Sim, é
estrangeiro para efeitos do art.º 14 do CC porque não tem a nacionalidade
portuguesa.

A definição de quem é estrangeiro faz-se por exclusão de partes, i.e. faz-se


pela negativa. Um refugiado é também um estrangeiro para efeitos do art.º
14 do CC. Um refugiado político não é um apátrida porque tem
nacionalidade, mas é um estrangeiro para efeitos do art.º 14 do CC porque
não tem a nacionalidade portuguesa.

E um investidor externo? Depende dos critérios estabelecidos na lei do


investimento externo. Se tem nacionalidade estrangeira será estrangeiro para
efeitos do art.º 14 do CC. Temos de ter em atenção a lei do investimento
externo porque há determinados Países que permitem que os seus emigrantes
nacionais de um Estado que estejam a trabalhar fora do seu território,
possam ser equiparados a investidores estrangeiros. Por exemplo, um
português a trabalhar em França, que vem fazer investimentos em Portugal,
se a lei portuguesa o reconhecer como investidor externo para efeitos de
atribuição de um determinado estatuto de investidor externo, que
normalmente é um estatuto privilegiado, neste caso, o investidor português
não será estrangeiro para efeitos deste art.º 14 do CC. Tudo vai depender do
conteúdo da lei reguladora do investimento externo.
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E um diplomata? Também é considerado estrangeiro para efeitos do art.º 14


do CC.

Em suma, a questão de saber quem é que é estrangeiro para efeitos do art.º


14 do CC, numa apreciação muito simples, não é uma questão muito fácil,
tendo em conta todos os aspectos que é necessário considerar.

1. o princípio segundo o qual cada Estado decide quem são os seus


nacionais. A ideia de que os Estados podem definir critérios de
atribuição da nacionalidade que se sobrepõem, ou então, que se
excluem mutuamente. Se se sobrepõem, há conflito positivo de
nacionalidades, se se excluem há conflito negativo de nacionalidades,
e depois coloca-se o problema do apátrida, do refugiado político, do
investidor externo, do trabalhador externo, etc. Em rigor o princípio
geral é o de que é estrangeiro para efeitos do art.º 14 do CC, quem não
tem a nacionalidade portuguesa, e isso é definido de acordo com os
critérios fixados pela lei portuguesa.
2. o segundo aspecto que resulta deste artigo é o princípio da
equiparação também chamado princípio do tratamento nacional.
Este princípio tem uma projecção constitucional porque também está
contido no art.º 15 da Constituição da Republica Portuguesa. A
projecção constitucional é muito mais ampla do que a projecção que o
princípio tem no art.º 14 do CC.

Uma outra questão está também em saber como é que nós entendemos esta
ideia de igualdade. Pode perguntar-se: é uma igualdade em abstracto? Ou em
concreto? Ou é uma igualdade material? Ou é uma igualdade formal? Todos
estes aspectos se colocam no que respeita à interpretação do art.º 14 do CC.

Quando se fala em igualdade em abstracto e em concreto , o que é que isto


quer dizer? Vamos supor uma lei da Guiné Bissau que diz “todos têm direito
de personalidade”, mas no momento do exercício desses direitos, os direitos,
ou um determinado direito como por exemplo, o direito à honra, não seriam
reconhecidos aos estrangeiros. Que diferença é que existe entre estas duas
situações? Isto significa que, em abstracto a igualdade existe, mas que em
concreto a igualdade não existe.

Ajuda nesta definição se tivermos em conta que as características das regras


jurídicas são a generalidade e a abstracção. A generalidade tem que ver
sujeitos as situações jurídicas, e a abstracção tem a ver com o objecto das
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situações jurídicas. A generalidade é a característica da norma que diz


respeito aos sujeitos, e a abstracção diz respeito ao objecto ou às situações
jurídicas. Aquela norma aplica-se a todas as situações jurídicas que
preencherem a previsão da norma e aplica-se a todas as pessoas.

Quando nós falamos aqui em equiparação em sentido abstracto ou em


equiparação em sentido concreto estamos a pensar em qualquer coisa que é
um pouco semelhante a isto. Mas também podemos falar em equiparação em
sentido formal e em equiparação em sentido material. O que significam?
Esta é uma pergunta que se costuma fazer a propósito do art.º 14 do CC e
tem mais importância para o direito internacional privado.

Nós dizemos que em DIP, na sua vertente conflitual, é fundamentalmente


um direito formal. Aliás, uma das características que nós vimos da regra
jurídica de conflitos foi o seu carácter formal.

O carácter formal da norma/regra de conflitos corresponde à ideia de que a


norma de conflitos quando manda aplicar uma determinada norma material
estrangeira, se desinteressa do resultado material decorrente da aplicação
dessa norma material estrangeira. por isso é que se diz que a norma de
conflitos é uma regra cega.

Mas nós sabemos que existem limitações ao carácter formal da regra de


conflitos que são:
 as que resultam da intervenção da reserva de ordem pública. A reserva
pública pode intervir para minimizar o carácter formal da regra de
conflitos, o que significa que o legislador vai atender a um
determinado resultado material.

 Existe, pelo menos, mais um caso para além da reserva de ordem


pública internacional em que o legislador se interessa pelo carácter ou
resultado material decorrente da aplicação do direito chamado pela
regra de conflitos. Também no privilégio da nacionalidade há alguma
ideia de materialidade que é tomada em consideração, mas isso é um
caso muito particular porque envolve a intervenção de um sujeito que
é português. tem que haver a intervenção de um cidadão português. e
esta norma é uma norma problemática. é uma norma em que a
doutrina tem vindo a suscitar a questão da sua constitucionalidade, e
nomeadamente, o prof. Lima Pinheiro é uma das pessoas que defende
que essa norma é inconstitucional por violação do princípio de
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igualdade. Está a discriminar pessoas que se encontram na mesma


situação e a constituição não autoriza uma disposição semelhante ao
art.º 1100 do CPC.

 A outra situação em que o legislador toma em consideração o


resultado material diz respeito à intervenção do princípio do Favore
Negotii que está previsto no art.º 36/2 do CC e no art.º 65 do CC.
Nestas disposições, o legislador atende a um determinado resultado
material para minimizar o carácter formal da regra de conflitos. Se nós
seguíssemos a regra formal acabaríamos necessariamente por
invalidar o negócio numa situação em que formalmente uma das leis
em presença validaria o negócio. É neste caso, temos que ter
naturalmente em conta estes dois aspectos: o art.º 36/2 e o art.º 65 do
CC.

O que é então a equiparação formal e a equiparação material do ponto de


vista do art.º 14 do CC? Quando é que se diz que um estrangeiro é
equiparado materialmente perante um português?

Há equiparação material quando nós aplicamos ao estrangeiro e ao


português a mesma norma material. Portanto, vamos atender à norma que
diz ou fala sobre o direito à vida. Se nós aplicarmos esta mesma norma para
regular a condição jurídica do estrangeiro e do português, naturalmente que
estamos a fazer uma equiparação material. Ou seja, quando uma norma
define direitos e obrigações, ónus e sujeições jurídicas e ela é aplicável
igualmente quer ao estrangeiro quer ao português, esta é uma equiparação
material.

A equiparação formal é aquela que decorre da regra de conflitos, i.e., é


aplicar ao estrangeiro e ao português a mesma norma de conflitos. Esta é
uma equiparação formal, sendo certo que a norma de conflitos pode
desembocar num direito material que é diferente.

Por exemplo:

Temos a regra de conflitos do art.º 45 do CC que manda aplicar a lei do


lugar do delito e esta aplica-se quer a portugueses quer a estrangeiros.
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Art.º 45 do CC

Lei do lugar
do delito

Português Estrangeiro

Portugal

Esta é uma situação em que praticamente vai haver quase sempre tanto
igualdade formal, como igualdade material porque a concretização da lei do
lugar do delito que vamos supor ocorreu em Portugal, é comum a ambos, e
neste caso vamos aplicar a lei portuguesa quer ao português quer ao
estrangeiro. Neste caso há igualdade tanto formal como material.

Mas há situações em que a concretização da regra de conflitos pode ocorrer


em países diferentes. Por exemplo:

Art.º 49 do CC
Lei pessoal

Lei nacional

Se é português Se é estrangeiro

Lei Portuguesa Lei Estrangeira

Queremos saber se um estrangeiro tem capacidade para casar. Por isso


aplicamos o art.º 49 do CC, que manda aplicar a lei pessoal, que é a lei da
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nacionalidade. se o indivíduo é português aplica-se a lei portuguesa, se o


indivíduo é estrangeiro aplica-se a lei estrangeira.

Neste caso não há igualdade material, mas há igualdade formal.

Não há igualdade material porque nós não aplicamos ao estrangeiro e ao


português a mesma norma material. A norma material é aquela que fixa
direitos e obrigações, i.e., são normas que constituem, modificam ou
extinguem situações jurídicas.

A norma que diz que o lugar do delito é a lei reguladora da responsabilidade


extracontratual, ou então determina a lei reguladora da capacidade para
casar, são normas formais. Há então uma equiparação formal. A equiparação
formal consiste precisamente em aplicarmos ao estrangeiro e ao português a
mesma norma de conflitos. Mas a igualdade formal pode não desembocar
numa igualdade material.

Por exemplo:

Se nós quisermos saber qual é a lei reguladora de uma coisa, isto vai sempre
conduzir a uma igualdade quer material quer formal. Se queremos saber se
um estrangeiro adquiriu a propriedade de um imóvel, vamos ao art.º 46 do
CC. O art.º 46 do CC manda aplicar a lei do lugar da situação do imóvel.
Portanto, é esta lei que vai dizer se ele adquiriu a propriedade de um imóvel.
E isto ocorre nos mesmos termos quando se trata de um português. agora,
nas situações pessoais, ou então, nas situações em que há um conflito móvel,
nestas situações pode não ocorrer igualdade material, embora igualdade
formal haja sempre.

Art.º 14/1 do CC “salvo disposição em contrário”

O que é que são direitos civis antes de mais?

Há alguma doutrina que defende que o art.º 14 do CC apenas prevê


igualdade formal. Eu penso que não. Penso que não faz sentido admitir esta
ideia porque há um leque de direitos que não passam pelas regras de
conflitos. Basta nós pensarmos nas tais normas autolimitadas, por exemplo.

O que é que são normas autolimitadas? São normas de direito material


comum que delimitam o seu âmbito de aplicação no espaço.
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Neste momento importa saber que há determinadas normas materiais que


estabelecem determinados direitos ou deveres e que são uniformemente
aplicáveis quer a nacionais quer a estrangeiros. Basta nós pensarmos nas
normas materiais que estivemos a ver na aula teórica, que não dependem da
aplicação de uma regra de conflitos. Estas regras são uniformemente
aplicáveis quer a estrangeiros quer a portugueses.

Eu entendo que as normas relacionadas com o direito de personalidade, i.e.,


com o direito a ser pessoa são normas que se aplicam independentemente da
passagem por uma regra de conflitos. E, neste caso, há uma aplicação directa
na medida em que eles reconhecem direitos civis tanto a portugueses como a
estrangeiros e, portanto, são uniformemente aplicáveis. isto é, se essas
normas fixarem direitos civis podem ser aplicadas directamente quer aos
portugueses quer aos estrangeiros independentemente de receberem título de
aplicação. Aliás, não necessitam sequer de uma regra de conflitos para lhes
conferir título de aplicação. Aplicam-se sempre que haja uma conexão com
o Estado do foro. A conexão com o Estado do foro tem de existir
forçosamente a menos que estejamos a falar das normas de aplicação
necessárias estrangeiras, que estudaremos adiante.

Quanto ao n.º 2 do art.º 14 do CC, qual é a problemática que se suscita?

Trata-se do princípio da retaliação ou retorsão. O artigo está escrito pela


negativa e diz que se não for reconhecido aos portugueses determinados
direitos, por exemplo, no Brasil, sendo certo que o Brasil reconhece esses
direitos aos seus nacionais, então, nós não vamos reconhecer aos brasileiros
esses mesmos direitos em Portugal. É o princípio da retaliação ou retorsão.

É claro que este princípio visto na sua formulação positiva, é um princípio


da reciprocidade.

Esta disposição tem vindo a suscitar alguns problemas na doutrina


portuguesa. O prof. Castro Mendes desde 1976 aquando da aprovação da
Constituição da Republica Portuguesa, tem suscitado a questão se saber se
esta disposição será ou não constitucional. Ele admitiu que a disposição seria
inconstitucional.

O problema põe-se hoje. Por exemplo, o prof. Lima Pinheiro entende que o
art.º 14/2 do CC não está em vigor e que viola uma regra ou norma
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constitucional. O que é que fundamentaria a inconstitucionalidade da


norma? A falta de protecção aos cidadãos estrangeiros em Portugal!

E depois há um outro problema que daí resulta, que é o de como fazer esta
verificação. Aí surge-nos outra vez a questão de saber se esta verificação
deve ser feita em abstracto ou em concreto. Ou seja, é necessário que uma
norma exclua os portugueses? Ou basta que uma actividade administrativa
ou diplomática, ou consular não permita essa equiparação?

Mas o artigo ainda suscita um outro tipo de problemas, que é a questão da


equiparação entre vários estrangeiros no mesmo país. Por exemplo, vamos
supor que nós aplicávamos esta norma relativamente a um brasileiro. Esse
brasileiro ficaria em desigualdade de circunstâncias com um Cabo
Verdeano, por exemplo, porque como Cabo Verde reconhece este direito aos
portugueses e neste caso Portugal reconhece os mesmos direitos ao Cabo
Verdeano, todavia o Cabo Verdeano e o brasileiro que deveriam encontrar-
se em igualdade de circunstâncias perante a Ordem Jurídica Portuguesa,
ficam numa posição de desigualdade.

A aplicabilidade prática desta disposição é muito duvidosa, e tenho sérias


dúvidas em como é que se há-de averiguar que um determinado Estado não
reconhece determinados direitos aos portugueses em igualdade de
circunstâncias com os seus nacionais e com outros estrangeiros, porque isso
pressupunha, no fundo, um conhecimento profundo dessa Ordem Jurídica.

Em segundo lugar há este problema que é o da igualdade entre estrangeiros


face à ordem jurídica portuguesa.

Tendo isto em consideração admito que, de facto, o art.º 14/2 do CC é uma


disposição inconstitucional.

Chamo a vossa atenção para o facto de que a condição jurídica do


estrangeiro é um dos aspectos que nós vamos dedicar a máxima atenção
neste curso. E as fontes dos direitos de estrangeiros não se encontram apenas
no CC. Nós encontramos normas constitucionais que regulam a condição
jurídica dos estrangeiros. E encontramos um conjunto de normas a que
chamamos “normas especiais” ou “normas materiais de conexão especial”
que são as normas que regulam a entrada, a permanência e a saída e a
expulsão de estrangeiros de território português. temos também normas
sobre o trabalho dos estrangeiros. Temos normas sobre o investimento
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estrangeiro, sobre os diplomatas, sobre os apátridas, sobre os refugiados, e


portanto, temos uma panóplia de disposições ou de fontes diversa que
disciplinam a condição jurídica dos estrangeiros, como veremos ao longo do
curso.

O art.º 14/1 do CC é de aplicação formal ou material?

É de aplicação formal e material. Ambas. A igualdade prevista no art.º 14/1


do CC pode ser interpretada tanto em sentido formal como em sentido
material. Em sentido material corresponde à aplicação da mesma norma
material , i.e., da mesma norma que fixe direitos e obrigações tanto ao
estrangeiro como ao português. em sentido formal é a aplicação da mesma
regra de conflitos que pode ou não desembocar na aplicação da mesma
norma material.
ART.º 15 do CC

Artigo 15º - (Qualificações): “A competência atribuída a uma


lei abrange somente as normas que, pelo seu conteúdo e pela
função que tem nessa lei, integram o regime do instituto visado
na regra de conflitos”

Qualificar as situações puramente internas é diferente do que qualificar as


situações transnacionais. Quando nós falamos em qualificar em direito
interno e qualificar em direito internacional privado não tem diferenças, nós
não podemos esquecer que, a regra de conflitos quando remete para
determinada ordem jurídica vai também fazer qualificação naquela ordem
jurídica. É sempre qualificação em direito interno.

A regra de conflitos desencadeia a aplicação de uma determinada ordem


jurídica. Nós podemos dizer que estamos a qualificar no quadro daquela
ordem jurídica, mas eu penso que a separação correcta é entre qualificar as
situações puramente internas, neste caso serão feitas no quadro da ordem
jurídica estadual em que elas se inserem, e qualificarmos as situações
transnacionais em que efectivamente pode relevar a tal ideia da relatividade
do processo de qualificação.

As ordens jurídicas podem ter diferentes qualificações consoante as normas


materiais que estão ligadas à disciplinas ou que dão conformação à situação.
E o exemplo que nós demos, que penso ser um exemplo esclarecedor, é a
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união de facto. Por exemplo, uma união de facto entre dois Suíços, pode não
valer coisa nenhuma. Há determinados ordenamentos jurídicos que não
atribuem qualquer valor jurídico à união de facto. Uma união de facto entre
dois portugueses já produz efeitos de direito. Uma união de facto entre dois
franceses também já produz alguns efeitos de direito. Há uniões de facto que
produzem a totalidade dos efeitos do casamento basicamente.

A questão torna-se até um pouco mais complicada quando um cidadão


francês e um português se juntam em união de facto. O francês cujo país
atribui efeitos pontuais à união de facto, vive em união de facto com um
boliviano, por exemplo, que atribui à união de facto determinados efeitos de
direito.

Vamos supor o seguinte: A adquire a B um bem X que está situado na


Alemanha. A é português B é francês o contrato foi celebrado em Espanha.
Nós temos aqui naturalmente uma situação transnacional porque os seus
elementos estão em contacto com mais do que uma ordem jurídica.

Quando a regra do art.º 15 do CC, diz “a competência atribuída a uma lei”


a primeira questão que se nos coloca, é saber como se atribui a
competência e que lei é esta.

Atribui-se a competência a uma lei através de uma norma de conflitos. No


caso do nosso exemplo será através do art.º 46 do CC, a lei do lugar da
situação da coisa.

Quando nós dizemos a competência atribuída a uma lei, isto significa que é
competência que resulta da concretização de um determinado elemento de
conexão previsto na regra de conflitos.

Artigo 46º - (Direitos reais): “1 - O regime da posse, propriedade e


demais direitos reais é definido pela lei do Estado em cujo território
as coisas se encontrem situadas. 2 - Em tudo quanto respeita a
constituição ou transferência de direitos reais sobre coisas em
trânsito, são estas havidas como situadas no país do destino. 3 - A
constituição e transferência de direitos sobre os meios de transportes
submetidos a um regime de matrícula são reguladas pela lei do país
onde a matrícula tiver sido efectuada”.
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Temos o art.º 46 que diz que os direitos reais são regulados pela lei do lugar
da situação. Se, o bem está situado na Alemanha, então isto significa que, o
art.º 46 do CC atribui competência à lei alemã, para regular os aspectos
ligados à propriedade daquele imóvel.

A competência atribuída à lei alemã, por força do art.º 46 do CC. Portanto,


quando nós perguntamos como é que se atribui competência, a resposta é
que essa atribuição é através de uma norma de conflitos, dizendo através da
concretização do elemento de conexão da ordem jurídica chamada pela regra
de conflitos. Neste caso a ordem jurídica chamada é a lei do lugar da
situação do imóvel. Concretiza-se na Alemanha. Logo a Alemanha é
competente para regular os direitos ligados à propriedade do imóvel.

Agora, podíamos fazer o mesmo raciocínio relativamente à capacidade de A


para dispor do bem X. Íamos ar art.º 25 do CC, mais o art.º 31/1 do CC, que
manda aplicar neste caso a lei da nacionalidade. a lei nacional é a lei
portuguesa, e portanto, a lei portuguesa vai regular os aspectos ligados com
a capacidade.

Eu estou a seccionar o art.º 15 do CC para poder depois ser entendido.

Isto significa que, a competência atribuída à lei portuguesa, para regular


os aspectos ligados com a capacidade, resulta da concretização deste
elemento de conexão, nacionalidade, na ordem jurídica portuguesa.

E podíamos usar o mesmo raciocínio no que respeita à capacidade de B que


é francês. Art.º 25 do CC + art.º 31/1 do CC, manda aplicar o critério da
nacionalidade. a nacionalidade é francesa, ou seja a concretização do
elemento de conexão não se dá agora em Portugal, dá-se em França.
Portanto, a lei francesa vai regular a capacidade do Francês para celebrar
aquele contrato.

A competência resulta da concretização do elemento de conexão chamado


pela regra de conflitos. Portanto, quem atribui competência è a ordem
jurídica do foro, através da concretização do elemento de conexão previsto
na sua regra de conflitos. E esta atribuição pode ser feita tanto à lei do foro
como a uma lei estrangeira.

Só que o art.º 15 do CC diz “a competência atribuída a uma lei”. tenhamos


ainda em consideração, que lei, para efeitos do art.º 15 do CC, significa
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ordem jurídica. No fundo é competência atribuída à ordem jurídica alemã,


ou a competência atribuída à ordem jurídica portuguesa, ou a competência
atribuída à ordem jurídica francesa.

Porque é que nós dizemos que é ordem jurídica? Porque depois de falar em
lei o próprio art.º 15 do CC fala em normas, o que significa que está a
separar as duas coisas. Por outro lado, se cotejarmos o art.º 15 com o art.º 23
do CC,

Artigo 15º - (Qualificações): “A competência atribuída


a uma lei abrange somente as normas que, pelo seu conteúdo e
pela função que tem nessa lei, integram o regime do instituto
visado na regra de conflitos”

Artigo 23º - (Interpretação e averiguação do direito


estrangeiro) “1 - A lei estrangeira é interpretada dentro do
sistema a que pertence e de acordo com as regras
interpretativas nele fixadas. 2 - Na impossibilidade de
averiguar o conteúdo da lei estrangeira aplicável recorrer-se-á
à lei que for subsidiariamente competente, devendo adoptar-se
igual procedimento sempre que não for possível determinar os
elementos de facto ou de direito de que dependa a designação
da lei aplicável”

Chegamos à conclusão de que lei para efeitos do art.º 15 do CC significa


Ordem Jurídica.

Outra consequência que temos de retirar daí. Quando o art.º 15 do CC fala


em competência atribuída a uma lei, tanto pode ser lei portuguesa, como
uma lei estrangeira, isso por força do princípio da bilateralidade da regra
de conflitos.

Essa competência é uma competência material. A competência prevista no


art.º 15 do CC, é uma competência material. Não é uma competência formal.
Significa que, serão chamadas normas destinadas a regular a capacidade, etc.

Passemos a outra parte do artigo. Diz que “abrange somente as normas que,
pelo seu conteúdo e pela função que tem nessa lei, integram o regime do
instituto visado na regra de conflitos”.
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Agora nós vamos andar de trás para a frente. O que é o instituto visado na
regra de conflitos?

O instituto visado na regra de conflitos, é o conceito quadro da regra de


conflitos. È a capacidade, relações de família, sucessões por morte, tutela,
direitos reais, sucessões, família, relações entre pais e filhos, etc., portanto,
se nós percorrêssemos os art.º 25 e seguintes do CC nós encontraríamos um
conjunto de institutos visados na regra de conflitos.

Esses institutos são o Estado dos indivíduos e a capacidade das pessoas, as


relações de família, sucessões por morte, cada um de per si é um instituto
visado na regra de conflitos, depois temos início e termo da capacidade
jurídica, direitos de personalidade, tutela e institutos análogos, art.º 29 do
CC, apátridas, pessoas colectivas, pessoas colectivas internacionais,
perfeição, declaração e integração de regulação negocial, tudo isto são
institutos visados na regra de conflitos.
O que é que significa isso? São seccionamentos de aspectos da vida que o
legislador entendeu por bem identificar, com vista a determinar qual a lei
que vai regular esses diversos aspectos.

Tenham em consideração aquilo que nós dissemos no início do curso. O


legislador fracciona a situação da vida, vai dividindo a situação da vida em
bocados, e a cada bocado diz qual o direito que o vai regular. No fundo,
quando nós dizemos que uma coisa é a capacidade, outra coisa são os
direitos de personalidade, outra coisa é a forma de declaração, outra ainda
são os direitos reais, etc., são os tais bocados fraccionados que vão ser
regulados.

No nosso exemplo, o contrato foi celebrado em Espanha, mas nem sempre


aplicamos a lei do lugar da celebração para regular o contrato. A lei do lugar
da celebração pode regular a forma da declaração. Nós podemos continuar a
fraccionar esta situação. Podemos colocar questões relacionadas com a
forma, podemos colocar questões relacionadas com a própria substância da
obrigação, no fundo no nosso exemplo há um contrato de natureza real, mas
que não deixa de ser um contrato obrigacional. Aqui nós tínhamos que
separar aspectos reais e os aspectos obrigacionais, e todos eles têm de ser
devidamente fraccionados com vista a determinar qual a lei aplicável. No
nosso caso, a forma é regulada com base no art.º 36 do CC , a substância
para nós não irmos mais longe, vamos supor que era dedicado às obrigações,
o art.º 41 do CC, que regula a substância da obrigação. Neste caso seria a
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lei escolhida pelas partes. Se as partes não tivessem escolhido a lei, seria
regulado por uma outra lei. e assim, sucessivamente.

Importa nesta fase do curso termos em consideração que cada situação da


vida é fraccionada em bocados, e que cada bocado dessa situação da vida é
regulada por uma lei. no nosso caso temos que:
 A propriedade é regulada pela lei alemã;
 A capacidade de A é regulada pela lei portuguesa;
 A capacidade de B é regulada pela lei francesa;
 A forma do contrato é regulada pela lei espanhola;
 Pode ser também aplicada a lei da substância;
 Os demais aspectos relacionados com o cumprimento do contrato,
modalidades de cumprimento, etc., todos os aspectos substanciais
desse contrato, eram regulados por exemplo, por uma lei escolhida
pelas partes, que podia ser, por exemplo, a lei inglesa.
 E assim sucessivamente.
Portanto, temos uma situação que está devidamente fraccionada, e cada
bocado desta situação é regulada por uma determinada lei.

O que nós estamos a tratar neste momento, é da delimitação da competência


de cada uma das leis chamadas a regular a situação. Então, tudo se passa
como se cada ordem jurídica estivesse dividida em bocados.

Neste caso, vamos supor a ordem jurídica portuguesa. A que título é que ela
é chamada? Ela é chamada para regular o aspecto do estatuto pessoal da
pessoa, o que significa que a ordem jurídica portuguesa que não é
competente para mais nada. Por isso é que o artigo diz que “abrange
somente as normas que, pelo seu conteúdo e pela função que tem nessa lei,
integram o regime do instituto visado na regra de conflitos”.

Neste caso o instituto visado na regra de conflitos, é a capacidade de A.


Portanto, significa que a lei portuguesa só recebe título de aplicação com
vista à regulação da capacidade de A. O mesmo se diz da lei francesa. Só é
chamada para regular os aspectos ligados à capacidade de B. A lei
portuguesa só é competente para analisar os aspectos da capacidade. A lei
alemã só é competente para regular os aspectos reais. Porquê? Porque o
título de aplicação que recebe é com base no art.º 46 o CC. O art.º 46 do
CC, regula os direitos reais. Regula a posse, o direito de propriedade e
demais direitos reais. A lei escolhida pelas partes, que neste caso seria a lei
inglesa, regularia os aspectos ligados ao cumprimento do contrato, de acordo
18

com o art.º 10.º da convenção de Roma, que tem isto tudo muito bem
explicado.

A competência atribuída à lei portuguesa abrange somente as normas que


por seu conteúdo e função correspondem à categoria de conexão,
correspondem portanto, ao regime jurídico da capacidade. Só as normas que
regulam os aspectos ligados à capacidade, é que recebem título de aplicação,
é que podem ser aplicadas naquele caso concreto. Todas as demais normas,
não se podem aplicar a esta situação do direito português, nem ao normas
que regulam a forma, nem as normas que regulam as obrigações, nem as
normas que regulam os direitos reais. Tudo isso está fora da causa, porque
para isso a lei portuguesa não recebeu título de competência.

No fundo estão a ver porque é que o art.º 15 do CC está escrito de trás para a
frente? Porque quando fala em instituto visado na regra de conflitos, se nós
pegássemos por exemplo, no art.º 49 do CC, o instituto visado na regra de
conflitos o instituto que está no fim deste art.º 15 do CC está logo no
princípio do art.º 49 do CC.

Artigo 49º - (Capacidade para contrair casamento ou


celebrar convenções antenupciais) “A capacidade para
contrair casamento ou celebrar a convenção antenupcial é
regulada, em relação a cada nubente, pela respectiva lei
pessoal, a qual compete ainda definir o regime da falta e dos
vícios da vontade dos contraentes”

Em regra o instituto visado na regra de conflitos está no início da regra de


conflitos, não está no fim como está no art.º 15 do CC. Por exemplo, direitos
reais, art.º 46 do CC,

Artigo 46º - (Direitos reais) “1 - O regime da posse,


propriedade e demais direitos reais é definido pela lei do
Estado em cujo território as coisas se encontrem situadas. 2 -
Em tudo quanto respeita a constituição ou transferência de
direitos reais sobre coisas em trânsito, são estas havidas como
situadas no país do destino. 3 - A constituição e transferência
de direitos sobre os meios de transportes submetidos a um
regime de matrícula são reguladas pela lei do país onde a
matrícula tiver sido efectuada”
19

Qual é o instituto visado na regra de conflitos? Posse, direito de


propriedade e demais direitos reais. Qual é a função desse instituto visado
na regra de conflitos? É delimitar a competência legislativa da lei chamada
pela regra de conflitos. A competência legislativa da lei chamada pela regra
de conflitos, circunscreve-se ao instituto visado nessa mesma regra de
conflitos.

O direito internacional privado estabelece uma coordenação entre as normas


de conflitos, e neste caso a coordenação terá sido da seguinte maneira: se a
questão se tivesse colocado na Alemanha, a Alemanha ia perguntar à sua
regra de conflitos qual é a lei reguladora da capacidade. E a regra de
conflitos do direito Alemão, determinaria que é aplicável a lei nacional.
Portanto, haveria uma harmonização entre a ordem jurídica portuguesa e a
ordem jurídica Alemã quanto à determinação da lei reguladora da
capacidade.

Mas muitas vezes isso poderá não acontecer. Pode não acontecer, e neste
caso concreto há uma situação em que de facto não acontece. Porque, por
exemplo, vamos supor que esta lei, a lei inglesa dissesse que a transferência
da propriedade se dá por mero efeito do contrato. Como acontece na ordem
jurídica portuguesa, vamos supor que a lei inglesa dava esta solução. Íamos
encontrar uma dificuldade relacionada com o direito Alemão, que exige uma
Traditio. O direito Alemão, além do contrato celebrado, há um acto material
de tradição da coisa. E só neste momento é que o contrato está perfeito. Só
quando se dá a tradição da coisa é que efectivamente o contrato está perfeito.

Reparem há uma zona de sobreposição entre as duas coisas. Como é que nós
vamos resolver a questão? Reduzindo o âmbito de competência da lei
inglesa. Quando a lei inglesa diz a transferência da propriedade dá-se por
mero efeito do contrato, ela está a invadir a competência da ordem jurídica
Alemã. Quando a ordem jurídica portuguesa diz que a transferência da
propriedade se dá por mero efeito do contrato, no fundo está a extrair uma
consequência do contrato obrigacional, para um âmbito real, ou seja, está a
invadir a competência da lei que seria pela norma competente para regular
os direitos reais. Então o que é que nós temos de fazer? Nós temos que
interpretar restritivamente, quando se trate de uma situação transnacional, a
norma portuguesa, ou então, nós podemos até dizer que aquela norma não é
aplicável.
20

A norma portuguesa que diz que a coisa se transfere por mero efeito do
contrato, não é aplicada quando a coisa se situa no estrangeiro. Porque a lei
estrangeira não tem este efeito jurídico. E aí temos uma situação de colisão
entre as duas ordens jurídicas.

Se a situação for inversa passa-se o mesmo. Quando muito vamos ter é que
extrair a consequência dessa traditio. Porque reparem, se nós considerarmos
que essa traditio é um efeito real, como parece ser, se a coisa está situada em
Portugal, a norma não é aplicável. Se a coisa está situada em Portugal por
força do art.º 46 do CC é a lei Portuguesa que compete dizer se exige traditio
ou não. Portanto não obstante o contrato ter-se celebrado neste caso na
Alemanha, isso não significa que realmente nós devamos aplicar a norma
Alemã.

A ideia do fraccionamento é uma ideia fundamental para nós resolvermos os


casos de direito internacional privado.

Queria dizer mais coisas sobre este artigo. Já vimos que a competência de
uma lei é uma competência material, e já vimos que a competência que
permite uma lei faz-se por via de uma regra de conflitos. É a regra de
conflitos que atribui competência a uma lei. Essa lei pode a lei portuguesa
como a lei estrangeira, por força do princípio da bilateralidade da regra de
conflitos. Abrange somente as normas significa que faz uma delimitação de
competência legislativa de cada ordem jurídica para regular a situação
privada internacional, portanto, a ordem jurídica não é chamada a regular a
totalidade da situação privada internacional, mas só é chamada um aspecto
daquela situação privada. E depois temos um Puzzle que no final vai ter de
ser reconstruído. Pelo seu conteúdo e função significa que vamos ter que
analisar realmente o aspecto literal dessas normas, mas ter naturalmente em
consideração a teleologia dessas normas.

Daí pode resultar que certas normas que têm um enquadramento sistemático
num determinado capítulo, por exemplo, do código civil, podem não ter a
mesma qualificação jurídica correspondente àquela própria inserção
sistemática. Eu já vos tinha dado o exemplo, do art.º 877 do CC, que é um
artigo sobre o qual vamos conversar mais adiante, quando estudarmos os
aspectos relacionados com o direito da família. Mas, o art.º 877 do CC, não
obstante ser uma disposição inserida no quadro do direito das obrigações,
então nós podíamos pensar que o art.º 877 do CC tem título de aplicação por
força do art.º 41 do CC, mas o art.º 877 do CC recebe título de aplicação por
21

força do art.º 57 do CC que se trata de uma disposição relativa às relações


entre pais e filhos e não uma disposição relativa às obrigações.

O regime do instituto visado pela norma de conflitos é o conceito – quadro


da norma de conflitos, ou então, é a categoria de conexão, para utilizar outra
expressão, prevista na regra de conflitos. Isto é, é a sucessão por morte, as
relações de família, a capacidade, etc., esses são os tais institutos visados
pela norma de conflitos.

O art.º 15 do CC, desempenha fundamentalmente duas funções:


 Delimitar a competência legislativa das ordens jurídicas chamadas
pela regra de conflitos;
 E conferir ao intérprete um método para qualificar as situações da
vida privada transnacional.

Nem todas as ordens jurídicas têm um art.º 15 para resolver os problemas de


qualificação em direito internacional privado. Este artigo foi muito criticado
por alguns autores estrangeiros, nomeadamente Alemães. Eles consideram
que o legislador português foi um pouco longe ao estabelecer critérios de
qualificação. Eu penso que o art.º 15 do CC, podia perfeitamente ser
dispensado, tanto assim que antes do código civil de 1966 não havia o art.º
15. na vigência do código civil de 1877 fazíamos qualificação nos mesmos
termos como se faz hoje sem ter o art.º 15. o que se veio fazer foi consagrar
uma prática que já existia no regime internacional. Se nós dispensássemos o
art.º 15 acabaríamos por obter o mesmo resultado, só que o art.º 15 tem esta
função pedagógica.

Por exemplo, no art.º 18 do CC qual é o instituto visado pela regra de


conflitos? O art.º 18 do CC não é uma norma de conflitos. Ocupa-se do
reenvio. Algumas disposições não têm institutos visados pela regra de
conflitos. No fundo o instituto visado pela norma de conflitos é a previsão da
regra de conflitos. Nós não podemos dizer isso a seco porque a previsão da
regra de conflitos tem de corresponder a um conceito – quadro, um conceito
técnico – jurídico amplamente abrangente, de uma situação da vida. O art.º
não prevê nenhuma situação da vida. Prevê, no fundo, uma situação
puramente técnica de relacionamento entre as ordens jurídicas.

Quando nós queremos saber qual é a lei reguladora do processo, nós não
temos uma regra de conflitos que diz que a lei reguladora do processo é a lei
do foro, mas de um modo geral toda a doutrina aceita este princípio. Todo o
22

processo – todo o procedimento com vista à obtenção de um determinado


resultado é regulada pela lei do foro. Algumas convenções internacionais
dizem isso taxativamente. Algumas leis de direito internacional privada
como por exemplo a lei Italiana, dizem isso taxativamente, ao processo é
aplicável a lei do foro. Na nossa ordem jurídica nós não temos uma norma
que diga isso. Mas aceita-se pacificamente que o processo é regulado pela
lei do foro. Podemos considerar que há até um costume em direito
internacional privado, no sentido de que todo o processo é regulado pela lei
do foro. A substância das questões que vão ser reguladas, é regulada pela
Lex Causae. Se a prescrição tem natureza processual, daí resulta a
consequência de que é aplicável a lei do foro. Significa que um caso tratado
na Alemanha, ou em Portugal, será aplicada a lei Alemã, no que diz respeito
à prescrição. Se a prescrição na Alemanha for de 3 anos, aplicar-se-á esse
prazo substantivo de três anos. Mas se outra ordem jurídica considera que a
prescrição em vez de ter natureza processual, é substantiva, neste caso é
aplicável a lei reguladora da substância. A lei reguladora da substância é
uma operação dependente, o que significa que tudo depende do direito a que
a prescrição se refere, para nós sabermos qual é a lei reguladora da
prescrição. Vamos supor que se trata de um contrato obrigacional. Se se trata
de um contrato obrigacional então há – de ser a lei reguladora da obrigação
que vai dizer qual é a lei reguladora da prescrição. A prescrição consoante
tenha natureza substantiva há – de ser a lei reguladora da obrigação ou do
direito a que a prescrição se refere, que determina qual é o prazo de
prescrição.

Por exemplo, um contrato obrigacional, regulado pelo direito português,


portanto, um dado substantivo, há – de ser a lei portuguesa a definir também
o prazo prescricional. Vamos supor que seria a lei portuguesa, e o prazo de
prescrição era de 6 anos. Se houvesse divergência de qualificação, e a
questão fosse colocada numa dessas ordens jurídicas, podia ocorrer ou que
chegávamos à conclusão de que havia dois prazos de prescrição que deviam
ser aplicados, ou chegávamos à conclusão que nenhum dos prazos de
prescrição teria de ser aplicado, como aconteceu com um caso famoso na
Alemanha.

Na Alemanha o que aconteceu foi o seguinte. a questão era regulada pelo


direito dos Estados Unidos. O tribunal Alemão considerando que nos
Estados Unidos a prescrição tinha natureza processual, entendeu por bem
que, sendo o processo regulado pela lei alemã, não podia aplicar o prazo de
prescrição dos Estados Unidos. Do mesmo modo nós vamos fazer o
23

raciocínio contrário. Também nós não podemos aplicar a lei dos Estados
Unidos considerando que a prescrição tem natureza substantiva. Porquê?
Porque na Alemanha a prescrição tem natureza substantiva e a lei reguladora
da substância é a lei dos Estados Unidos. Então o direito Alemão não aplica
a lei dos Estados Unidos, nem aplica a sua própria lei sobre prescrição
porque considera realmente que há aí uma divergência de qualificação.

Nós temos uma solução para este caso. Esta solução é dada pelo próprio art.º
15 do CC. Não importa a qualificação dada nos Estados Unidos da América,
portanto, o nome jurídico que os Estados Unidos atribui a este caso, à
prescrição não nos interessa. Não nos interessa saber se nos Estados Unidos
a prescrição é matéria processual ou substantiva. O que interessa é que este
prazo desempenha a mesma função. Daí a tal ideia do conteúdo e função do
art.º 15 do CC. Neste caso aplicaríamos o prazo dos Estados Unidos.

As normas de conflitos começam a partir do art.º 25 do CC.

Art.º 16 do CC.
Artigo 16º - (Referência à lei estrangeira. Princípio geral) “A
referência das normas de conflitos a qualquer lei estrangeira
determina apenas, na falta de preceito em contrário, a
aplicação do direito interno dessa lei”

Art.º 15 do CC
Artigo 15º - (Qualificações) “A competência atribuída a uma lei
abrange somente as normas que, pelo seu conteúdo e pela função que
tem nessa lei, integram o regime do instituto visado na regra de
conflitos”

Já temos uma noção do que é a qualificação, já sabemos que o processo da


qualificação é um processo relativo significa uma situação da vida consoante
o leque de contactos que tem com as mais diversas ordens jurídicas, ela
pode ser qualificada desta ou daquela maneira, e nós podemos fazer um
exercício no sentido de questionarmos se relativamente a qualquer norma do
código civil, e perguntar: esta norma para ser aplicada numa situação
privada transnacional, o que é que é preciso que ocorra?
24

Por exemplo vamos supor o art.º 483 do CC.

Artigo 483º - (Princípio geral) “1 - Aquele que, em dolo ou mera


culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição
legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a
indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação. 2 - Só existe
obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos
especificados na lei”

Se nós perguntássemos a esta disposição para ser aplicada a uma situação


privada transnacional o que é que é necessário que ocorra?

Temos uma situação privada transnacional, cujo instituto é a


responsabilidade extra – contratual que tem um elemento de conexão neste
caso o lugar do delito, e a concretização deste elemento de conexão ocorre
em Portugal. Se ocorre em Portugal significa que o art.º 483 do CC é
aplicável.

Basta que ocorra em Portugal o facto ilícito que deu lugar à responsabilidade
extra – contratual, para nós aplicarmos o art.º 483/1 do CC.

Então nós podemos dizer em tese final, que para que o art.º 483 do CC seja
aplicado é necessário que o art.º 45 do CC lhe atribua título de competência.

Artigo 45º - (Responsabilidade extracontratual) “1 - A


responsabilidade extracontratual fundada, quer em acto ilícito,
quer no risco ou em qualquer conduta lícita, é regulada pela lei
do Estado onde decorreu a principal actividade causadora do
prejuízo; em caso de responsabilidade por omissão, é aplicável
a lei do lugar onde o responsável deveria ter agido. 2 - Se a lei
do Estado onde se produzir o efeito lesivo considerar
responsável o agente, mas não o considerar como tal a lei do
país onde decorreu a sua actividade, é aplicável a primeira lei,
desde que o agente devesse prever a produção de um dano,
naquele país, como consequência do seu acto ou omissão. 3 -
Se, porém, o agente e o lesado tiverem a mesma nacionalidade
ou, na falta dela, a mesma residência habitual, e se
encontrarem ocasionalmente em país estrangeiro, a lei
aplicável será a da nacionalidade ou a da residência comum,
25

sem prejuízo das disposições do Estado local que devam ser


aplicadas indistintamente a todas as pessoas”.

Para que o art.º 483 do CC seja aplicado é necessário que o art.º 45 do CC


lhe atribua título de competência, numa situação privada transnacional.
Numa situação puramente interna o art.º 483 do CC é sempre aplicável. Nós
estamos a falar naquelas situações em que há um elemento de estraneidade.

Por exemplo, o art.º 123 do CC.

Artigo 123º - (Incapacidade dos menores) “Salvo disposição


em contrário, os menores carecem de capacidade para o
exercício de direitos”

Para que esta disposição seja aplicável o que é necessário? É apenas


necessário que esta disposição seja chamada ou titulada por uma regra de
conflitos. Como é que nós ficamos a saber se aplicamos ou não a regra de
conflitos portuguesa? Sempre que a questão for julgada em Portugal. Uma
pessoa coloca um problema perante um tribunal português. Pode ser um
problema relacionado com um facto que ocorreu no estrangeiro. Vamos
colocar o problema perante o tribunal português, e aí recorremos à regra de
conflitos se encontrarmos um elemento de estraneidade.

Colocamos o problema perante um notário português. Um cônsul português.


Um conservador português. São aquelas entidades que aplicam o direito
português. O critério para nós recorrermos à regra de conflitos não é o
critério do lugar da prática do facto. É o critério da competência do órgão
que vai decidir.

Se o órgão que vai decidir é um tribunal e se a situação privada contiver


elementos de estraneidade, o tribunal recorrerá à regra de conflitos. Se o
órgão que vai decidir é o notário, o conservador, o cônsul, etc., eles
recorrerão à regra de conflitos. O critério não é o do lugar da prática do facto
ser em Portugal. O critério é de apreciação do facto em Portugal por uma
entidade competente.

Mas, retomando, o que é preciso é que este art.º 123 do CC seja chamado
por uma regra de conflitos. Em tese geral. Para ser chamada por uma regra
de conflitos é necessário que o art.º 25 e o art.º 31/1 do CC mandem aplicar
26

a lei da nacionalidade, que, tratando-se de um cidadão português, de um


menor de nacionalidade portuguesa, é aplicável o art.º 123 do CC.

E nós podemos continuar a fazer este exercício relativamente a qualquer


norma do código civil, ou a qualquer norma do direito material português.

Se um estrangeiro está em Portugal e vai realizar um testamento perante as


instituições portuguesas. Neste caso, quando diz vai realizar um testamento,
no fundo já resolvemos um problema. já qualificámos o acto que ele vai
praticar. Já dissemos que se trata de um testamento, uma disposição de
última vontade. A disposição que regula esta matéria, a nossa regra de
conflitos é o art.º 63 do CC

Artigo 63º - (Capacidade de disposição) “1 - A capacidade


para fazer, modificar ou revogar uma disposição por morte
bem como as exigências de forma especial das disposições por
virtude da idade do disponente, são reguladas pela lei pessoal
do autor ao tempo da declaração. - Aquele que, depois de ter
feito a disposição, adquirir nova lei pessoal conserva a
capacidade necessária para revogar a disposição nos termos
da lei anterior”

Esta norma diz para se aplicar a lei pessoal para as disposições de ultima
vontade. Se um estrangeiro vai celebrar um testamento em Portugal,
recorremos ao art.º 63 do CC, e o art.º 63 diz que é aplicável a lei pessoal. O
art.º 31/1 do CC manda aplicar a lei da nacionalidade.

Artigo 31º - (Determinação da lei pessoal) ”1 - A lei pessoal é


a da nacionalidade do indivíduo. 2 - São, porém, reconhecidos
em Portugal os negócios jurídicos celebrados no país da
residência habitual do declarante, em conformidade com a lei
desse país, desde que esta se considere competente”

E aqui vamos para o problema da concretização. Se ele for inglês por


exemplo, é a lei inglesa que vai disciplinar. Reparem que isto é importante.
Por exemplo, algumas ordens jurídicas que permitem que uma pessoa
disponha de todos os seus bens. Há outras que não. A ordem jurídica
portuguesa não permite que uma pessoa disponha de todos os seus bens. Isso
tem consequências práticas importantes, e pode levar a situações de
injustiça.
27

Por exemplo, num caso como este, se um francês, se a ordem jurídica


inglesa lhe permitisse, dispor da totalidade dos seus bens, se nós
aplicássemos o direito português, estaríamos a limitar a capacidade dessa
pessoa, a capacidade de fazer disposições de última vontade. Porquê?
Porque estamos a aplicara regra da legítima que é uma coisa que não existe
no direito inglês.

Quem trabalha com o direito internacional privado é obrigado a conhecer o


direito estrangeiro. Se não conhece o direito estrangeiro, tem que arranjar
todos os meios possíveis para os conhecer. Um dos institutos que nós vamos
estudar lá mais para diante, é o do reconhecimento e prova do direito
estrangeiro. Há mecanismos e até instituições internacionais aptos para
resolver o problema da falta de conhecimento do direitos estrangeiros. Um
dos mecanismos é recorrer ao cônsul, à embaixada pois estas certificam a
existência de uma determinada figura de direito. E há até convenções
internacionais que regulam a matéria sobre o reconhecimento e prova do
direito estrangeiro.

Temos de registar o seguinte: para nós aplicarmos qualquer disposição de


direito material português, ou estrangeiro, esta norma tem de receber título
de habilitação através de uma norma de conflitos.

Em direito internacional privado salvo aquelas situações de regulação por


força do direito material, em que de facto a norma se aplica directamente, já
vimos quando estudámos os planos, processos e técnicas que uma das
técnicas de regulação é a regulação pelo direito interno. Neste caso a norma
aplica-se directamente, independentemente da passagem por uma regra de
conflitos, mas, como nós já vimos, a regulação do direito conflitual é a regra.
Significa que a aplicação de qualquer norma de direito material
estrangeira ou portuguesa, a uma situação privada transnacional, tem
sempre que ter um título de competência emprestado por uma regra de
conflitos.

O art.º 483 do CC, recebe o título de competência do art.º 45 do CC, o art.º


123 recebe título de competência através do art.º 25 mais o art.º 31/1 do CC.
Podemos dizer por exemplo, que todo o livro IV e V do Código Civil
recebem título de competência através das normas que regulam a família e a
sucessão, no quadro das regras de conflitos, todo o livro III do Código Civil,
basicamente recebe título de competência através das normas de conflitos
28

que regulam os direitos reais, art.º 46 e seguintes do CC, e assim


sucessivamente. Mas também já sabemos, que esta ordenação sistemática
pode não ser determinante para nós sabermos se uma determinada norma
material recebe ou não título de habilitação. Também já sabemos, que dentro
desta ordenação sistemática o legislador muitas vezes semeia normas que
têm uma natureza completamente diversa da que corresponde à sua
colocação sistemática.

Art.º 16 do CC
Artigo 16º - (Referência à lei estrangeira. Princípio geral) “A
referência das normas de conflitos a qualquer lei estrangeira
determina apenas, na falta de preceito em contrário, a
aplicação do direito interno dessa lei”

Para nós percebermos o art.º 16 do CC, vamos recorrer a este sistema.


Vamos chamar a isto ordem jurídica P (portuguesa) e ordem jurídica B.
Quando nós dizemos a referência feita a uma lei estrangeira, isto parece
contender com um princípio que nós aprendemos do princípio da
bilateralidade da regra de conflitos.

O que é que significa o princípio da bilateralidade da regra de conflitos?


A regra de conflitos tanto pode mandar aplicar uma lei estrangeira como a
lei portuguesa.

Mas entretanto o art.º 16 do CC vem dizer “referência das normas de


conflitos a qualquer lei estrangeira”. Nós podíamos pensar, que o art.º 16
do CC está a limitar essa ideia da bilateralidade da regra de conflitos. Mas
não! É que este art.º 16 do CC só é útil quando nós estamos a fazer
referência a uma lei estrangeira, este art.º 16 só é útil quando a regra de
conflitos manda aplicar uma lei estrangeira.

O que é que acontece? Temos a lei portuguesa, esta seria a ordem jurídica
portuguesa que seria mais ou menos representada por dois círculos. O
círculo exterior seriam as regras de conflitos, e o círculo interno seria as
normas materiais.

P B

Regras Conf. Regras Conf.


Normas
materiais
29

Normas
materiais

Fig. 1 Fig. 2

Se um português decide casar então a regra de conflitos do art.º 49 do CC,


manda atribuir competência à lei portuguesa, portanto, nacionalidade
portuguesa, para regular a capacidade desse português para casar. Portanto,
tudo é como se fizesse assim. (ver fig.1). é como se a regra de conflitos
procedesse a ligação exemplificada na fig. 1. neste caso o art.º 49 fica no
círculo exterior, que remete competência para a norma material o que
significa que o art.º 49 do CC, vai mandar aplicar todas as normas sobre os
impedimentos matrimoniais da ordem jurídica portuguesa.

Portanto, é quase um processo que se desenrola no interior do direito


português. Por isso é que o art.º 16 do CC, não é para aqui chamado.
Porquê? Porque a referência, mal seria se o direito português fizesse uma
referência conflitual ao próprio direito português. Vê-se claramente que isto
é uma situação que não tem lógica nenhuma, porque o legislador já fez a sua
escolha, já fez a escolha do elemento de conexão, e neste caso é este
elemento de conexão congruentemente com o resto do sistema, vai regular a
situação privada internacional.

Agora, pode acontecer que em vez da regra de conflitos se concretizar na


ordem jurídica material portuguesa, se vá concretizar numa outra ordem
jurídica. Por exemplo um brasileiro, quer casar.

Então vamos: regra de conflitos art.º 49 do CC que manda aplicar a lei


brasileira. O que é que o art.º 16 do CC vem dizer? O art.º 16 vem dizer
que esta referência feita pelo art.º 49 do CC à lei brasileira, é, em princípio,
uma referência material. É uma referência feita a normas materiais
brasileiras, porque no Brasil também temos normas materiais de conflitos.
Todas as ordens jurídicas em princípio têm estes dois círculos da nossa fig.
1. e que correspondem às regras de conflitos, e correspondem às normas
materiais.
30

Agora pode haver uma de duas situações:

1. ou a regra de conflitos faz uma referência material à ordem jurídica, e


neste caso nós aplicamos as normas materiais. No caso do nosso
exemplo, como é que se procederia? Íamos recorrer a todas as normas
materiais brasileiras sobre impedimentos materiais. No nosso
exemplo, quando a regra de conflitos manda aplicar a lei brasileira,
diz o art.º 16 do CC que nós devemos entender como referência
material. Portanto, significa que quando o art.º 16 fala em direito
interno, significa direito material interno.

Vamos ter que tomar em atenção o seguinte. é uma regra enunciada pelo
Prof. Baptista Machado. Em regra, nós não podemos aplicar uma lei
estrangeira se essa lei estrangeira não quer ser aplicada. Como princípio,
nós não podemos aplicar o direito brasileiro se o direito brasileiro não quiser
ser aplicado. Não podemos aplicar o direito Cabo – Verdeano se este direito
não quiser ser aplicado.

E como é que nós ficamos a saber se um direito quer ou não ser


aplicado? Consultando a sua regra de conflitos. Reparem num caso como o
do nosso exemplo, a lei portuguesa com base no art.º 49 do CC, manda
aplicar a lei da nacionalidade, que se concretiza no Brasil. O direito
Português já mandou aplicar a norma material brasileira. Todavia, para nós
sabermos se o Brasil quer ser aplicado nós temos de consultar a sua regra de
conflitos. Se a regra de conflitos brasileira também regula o mesmo caso
pela lei da nacionalidade, então significa que há identidade de soluções. A
ordem jurídica portuguesa aplica ao caso a lei da nacionalidade, a norma de
conflitos brasileira também aplica ao caso a lei da nacionalidade. aqui nós
resolveríamos a questão de acordo com este princípio que é enunciado pelo
Prof. Baptista Machado. Nós não aplicamos a lei brasileira se ela não quiser
ser aplicada.

Vamos supor que a lei brasileira em vez de utilizar a nacionalidade utilizasse


o domicílio. Neste caso significava que não queria ser aplicada. Em regra,
nós não podemos aplicar uma lei estrangeira, quando ela não quer ser
aplicada. Como é que nós ficamos a saber que ela não quer ser aplicada?
Recorrendo à sua regra de conflitos.

A expressão “na falta de preceito em contrário” previsto no art.º 16 do CC,


significa que o legislador está a pensar nos art.º 17 e 18 do CC.
31

O que o art.º 16 vem dizer é o seguinte: quando a lei portuguesa, ou seja,


norma de conflitos portuguesa, atribui competência a uma lei estrangeira,
em princípio essa referência é uma referência material, em princípio
significa, que manda aplicar as normas materiais daquela ordem jurídica,
sem tomar em consideração as regras de conflito daquela ordem jurídica, em
princípio a regra de conflitos portuguesa manda aplicar a norma brasileira,
mas isto é em princípio. Em princípio porquê? O art.º 16 suscita muita
confusão precisamente por causa disto. Diz que é um princípio geral, mas
que em rigor acaba por não funcionar como princípio geral. O que funciona
efectivamente como princípio geral é uma referência conflitual.

Eu neste aspecto não estou inteiramente de acordo com o prof. Lima


Pinheiro, porque ele no seu manual defende que o princípio regra do direito
português é de referência material. Eu entendo que o princípio regra é uma
referência conflitual. Porque é que eu digo isto? Porque mesmo quando a
ordem jurídica estrangeira se declara competente temos sempre que
recorrer à regra de conflitos para saber se ela se declara competente.

Vejam a seguinte situação: a lei portuguesa, regula a sucessão pela lei da


nacionalidade. a lei belga também regula a sucessão pela lei da
nacionalidade. se um Belga morre em Portugal, nós recorremos ao art.º 62
do CC, conjugado com o art.º 31/1 do CC e este manda aplicar a lei da
nacionalidade, que neste caso seria a ordem jurídica Belga. Nós dizemos que
aplicamos a lei material Belga com base no art.º 16 do CC. Não é verdade.
Pelo seguinte. para nós sabermos se o direito Belga aceita a competência
temos de questionar a sua regra de conflitos. Para nós sabermos se o direito
Belga aplica a lei da nacionalidade, temos necessariamente que recorrer à
sua regra de conflitos.

Portugal manda aplicar a lei da nacionalidade, a nacionalidade é portanto, a


lei Belga, mas a Bélgica na sua regra de conflitos manda aplicar a lei do
domicílio. Se a pessoa tiver por exemplo, domicílio em França, significa que
a Bélgica já mandou aplicar a lei francesa. Vamos supor que França em vez
de mandar aplicar a lei do domicílio, não aceitando portanto, também a
competência, manda aplicar a lei do lugar da celebração, e vamos supor que
o lugar de celebração seria a Itália, e assim sucessivamente.
32

Para nós sabermos se uma ordem jurídica aceita a competência nós temos de
recorrer forçosamente às suas regras de conflito. Portanto, a referência é
sempre uma referência conflitual.

No que refere à interpretação do art.º 16 há na verdade quem entenda que o


princípio que está subjacente ao direito português é um sistema de referência
conflitual, ou seja, atendemos sempre aquilo que dizem as normas de
conflito da lei estrangeira, ao passo que o Prof. Lima Pinheiro diz que o
princípio regra é o princípio de referência material, e que tem excepções.
Acaba por chegar quase ao mesmo resultado, mas o que eu estou a tentar
demonstrar é que para nós sabermos se aplicamos a norma material
estrangeira temos sempre de questionar a norma de conflitos. Como é que
nós sabemos se a Bélgica aplica a lei da nacionalidade sem consultar a sua
norma de conflitos? É impossível.

O que acontece é o seguinte: lei portuguesa – regra de conflitos remete a lei


belga – regra de conflitos que declara competente a lei material Belga.

Para entendermos o art.º 16 do CC enunciaremos a questão da seguinte


maneira. Quando o art.º 16 do CC diz “referência das normas de conflitos a
qualquer lei estrangeira”, neste caso a referência da norma de conflitos a
uma lei estrangeira determina em princípio, a aplicação das normas materiais
dessa lei estrangeira. Em princípio. Porque como eu já disse, temos de
questionar as normas de conflitos estrangeiras, para saber se ele se declara
competente ou não.

Para regular qualquer situação privada internacional, por exemplo, o


casamento, as ordens jurídicas utilizam critérios de conexão. Portugal utiliza
o critério da nacionalidade. A França utiliza o critério do domicílio. O Brasil
utiliza o critério do domicílio. E assim sucessivamente. Se houver identidade
de soluções, então de facto é a referência material. Mas se não houver
identidade de soluções, a referência não pode ser material.

O que a demais doutrina diz sobre esta questão é que é um princípio


residual. E na verdade, ocorre melhor fazer referência a que se trata de um
princípio residual, visto que pode acontecer que não se consiga aquilo que
nós chamamos e vocês já vão ver, a harmonia de julgados.

Se não houver harmonia de julgados então aí sim, nós podemos aplicar


quase que arbitrariamente o art.º 16 do CC.
33

A referência material consiste em que uma ordem jurídica qualquer pratica


referência material significa que manda aplicar estas normas materiais da
ordem jurídica chamada pela regra de conflitos independentemente de ela
aceitar ou não a competência. Pode acontecer que ela através da sua regra de
conflitos aceite a competência. Mas também pode acontecer que não aceite a
competência. É isso que se chama referência material. A referência
conflitual ou referência global ocorre quando uma ordem jurídica através da
sua regra de conflitos consulta a regra de conflitos de outra ordem jurídica
para saber se ela aceita a competência ou não.

O Brasil por exemplo, pratica referência material. O Brasil quando manda


aplicar a lei do domicílio significa que aplica a lei do lugar onde está
domiciliada a pessoa independentemente da lei desse lugar se declarar
competente ou não. Quando a lei Brasileira diz que a capacidade é regulada
pela lei do domicílio, Um brasileiro está domiciliado em Portugal, significa
que o Brasil vai aplicar as normas materiais portuguesas para regular a
capacidade do brasileiro domiciliado em Portugal, independentemente de
Portugal aceitar a competência ou não. Por acaso no caso a lei Portuguesa
declara-se competente, mas há casos em que se pode declarar não
competente.

Já sabemos que o art.º 16 só vale para a referência de normas de conflitos de


uma lei estrangeira, o direito interno aqui significa direito material interno,
significa que em princípio não toma em consideração as normas de conflitos,
o na falta de preceito em contrário significa que se se verificarem as
situações que levem à aplicação dos art.º 17 e 18 do CC, então nós não
aplicaremos o art.º 16 do CC.
Quando é que nós aplicamos o art.º 16 do CC? Quando não é possível
aplicar o art.º 17 e 18 do CC. Mas também nós aplicamos o art.º 16 nas
situações em que, podendo aplicar o art.º 17 e 18 do CC, todavia intervém o
art.º 19, como vamos ver mais à frente.

O art.º 19 do CC afasta a aplicação dos art.º 17 e 18 do CC. Se afasta a


aplicação dos art.º 17 e 18 do CC significa que intervém o art.º 16 do
CC.

Art.º 19 do CC (continuação)
34

Este artigo faz cessar a aplicação da lei quando dessa lei resulta a invalidade
do negócio. Por exemplo, se a lei portuguesa, remete para a lei brasileira, e a
lei brasileira remete para a lei mexicana, segundo a norma material
mexicana o negócio era inválido, intervém o art.º 19 do CC.

LP ------------- LB --------------LM (o negócio é inválido) / art.º 19

Intervém o art.º 19, se e na medida em que, por força da lei brasileira o


negócio seria válido. Por exemplo, vamos supor que se trata da seguinte
situação:
 Suponhamos que no Brasil, a maioridade se atingia aos 18 anos, e no
México a maioridade se atingia aos 21 anos. O contrato em questão
tinha sido praticado por um indivíduo de 19 anos. Significa que
aplicando a lei mexicana, a lei material mexicana, considerava então
que o contrato em questão foi celebrado por um indivíduo menor.
Sendo o indivíduo menor, o contrato é inválido. Mas, aplicando o
direito brasileiro, o direito material brasileiro, ele já é considerado
maior, porque o direito material brasileiro diz que a maioridade se
atinge aos 18 anos. Por conseguinte, num caso como este, o art.º 19
faz cessar o reenvio em nome do princípio Favore Negotii.
 E isto acontece quer em face do art.º 17, quer em face do art.º 18, em
que a lei portuguesa remete por exemplo para a lei brasileira, e a lei
brasileira por sua vez devolve para a lei portuguesa. Vamos supor que
segundo as normas materiais portuguesas o negócio em questão era
inválido em Portugal, então neste caso se o negócio é inválido em
Portugal, mas fosse por hipótese válido no Brasil, nós cessaríamos o
reenvio para a lei portuguesa, e aplicaríamos portanto, a lei material
brasileira.

Em todas estas situações intervém o art.º 19 do CC, para fazer cessar o


reenvio. Portanto, a situação é muito simples. Sempre que nós fazemos
reenvio temos que averiguar se da aplicação da lei material determinada, se a
lei a que a ordem jurídica portuguesa atribuiu competência, valida ou
invalida o negócio. Quando estou a falar de negócio estou a falar em sentido
amplo. Se valida ou não valida a situação privada internacional. Se invalida
a situação privada internacional, então o art.º 19 do CC vai intervir para
favorecer o negócio.

Sempre que haja reenvio invalidado temos de averiguar se intervém ou não


o princípio do Favore Negotii.
35

Vamos supor que se trata de determinar a capacidade de um brasileiro com


domicílio em Portugal. O negócio é celebrado em Portugal. A lei portuguesa
com base no art.º 25 conjugado com o art.º 31/1 do CC vai remeter para a ei
brasileira, a lei da nacionalidade. Mas a lei brasileira , por sua vez, segundo
a sua regra de conflitos manda aplicar a lei do domicílio. A lei nova do
código civil brasileiro que foi recentemente revisto e entra em vigor em
janeiro de 2003, diz que as questões relacionadas com o estatuto pessoal, são
reguladas pela lei do domicílio, o que significa que um brasileiro
domiciliado em Portugal, rege-se pela lei portuguesa, e não pela lei
brasileira.

Como o Brasil remete para Portugal, então vamos supor que o negócio em
questão, sendo inválido em Portugal, seria válido no Brasil. Num caso como
este, vamos fazer intervir o art.º 19 do CC em nome do princípio do Favore
Negotii, da validade do negócio.

Vamos supor que se trata de um árabe que por hipótese quer casar em
Portugal. Com base no art.º 49 do CC conjugado com o art.º 31/1 do CC
mandamos aplicar a lei árabe. Mas neste caso não há reenvio. Não há
reenvio porquê? Porque a lei árabe vai ser a lei aplicável para determinar a
capacidade daquele senhor em questão. Agora, se efectivamente ela manda
autorizar casar com 4 mulheres, o que intervém é o regime de ordem
pública. Mas isto é matéria que vamos ver a seguir.

Vamos supor que a lei do país árabe não se declarava competente. Mandava,
por hipótese aplicar a lei portuguesa. A lei portuguesa ia dizer que não pode
casar. Não havia um problema de invalidade.

Nós podíamos ser levados a pensar que não podendo casar segundo a lei
portuguesa, então neste caso faríamos intervir o art.º 19 do CC, mas não
porque não há uma situação de invalidade. O que há aqui é uma situação de
ordem pública.

 princípio da autonomia das partes.

Quanto ao art.º 19 do CC além deste princípio do Favor Negotii, gostaria de


chamar a vossa atenção para um outro princípio que é o princípio da
autonomia das partes.
36

Está previsto no n.º 2 do art.º 19 do CC.

Art.º 19/2 do CC: “Cessa igualmente o disposto nos mesmos


artigos, se a lei estrangeira tiver sido designada pelos
interessados, nos casos em que a designação é permitida”

Há determinadas situações em que a lei permite que as partes possam


designar a lei aplicável. Por exemplo, se uma pessoa faz um contrato de
compra e venda, em regra, as pessoa podem escolher uma lei. Por exemplo,
eu posso vender uma casa, e dizer que a lei aplicável é a espanhola. Eu posso
vender mesas, cadeiras, animais, etc., e nós no contrato dizermos que ele
regulado pelo direito espanhol, ou pelo direito francês, ou pelo direito inglês.

As partes são livres de escolher a lei reguladora das obrigações. A ideia é


uma espécie de liberalização da lei reguladora das obrigações. Porque nós
celebramos uma obrigação num contrato, e essas obrigações, regra geral,
extinguem-se no momento. Há situações mais duradouras, como por
exemplo o contrato de trabalho, mas de qualquer modo há sempre essa
liberdade, no caso do contrato de trabalho com certos limites, mas em regra
as partes podem escolher a lei reguladora dos seus contratos obrigacionais.

Aluno.: a lei estrangeira está aqui aplicada em sentido amplo contemplando


a arbitragem, ou não?

Vamos supor que as partes escolhem a lex Mercatori para regular o seu
contrato obrigacional. Eu acho que não há nenhuma razão para não incluir
aqui a lex Mercatori. Há uma identidade de razão. Podíamos dizer até que
por maioria de razão quando essa lei estrangeira for a lex Mercatori, agora
só que tenham isto em consideração. Há dúvidas na doutrina sobre se é
possível escolher a lex Mercatori para regular as relações obrigacionais. O
Prof. Lima Pinheiro é das pessoas que aceita com base na convenção de
Roma, é possível escolher a Lex Mercatori para regular os contratos. Eu
também não vejo que realmente haja obstáculo nessa escolha. Só que a
dúvida persiste na doutrina. Existe no sentido de saber se de facto a
Convenção de Roma o permite e aí alguns autores proferem uma posição
contrária.
37

Há quem diga que isto está na autonomia das partes. A tese do Prof. Lima
Pinheiro é no sentido de que realmente as partes são autónomas no sentido
de escolher a Lex Mercatori. E tratando-se de questões obrigacionais, de
facto a lei sedia na vontade das partes toda a problemática da determinação
da lei reguladora dos contratos. Os contratos obrigacionais, a sua conexão é
a conexão vontade. É o que as pessoas quiserem. É um elemento de conexão
de natureza pessoal em que as partes conjugam as suas vontades e
determinam a lei que querem que regule o seu contrato. A vontade das partes
é que é o elemento de conexão.

É uma situação um pouco bizarra porque nós estamos habituados a ver o


elemento de conexão como sendo uma referência territorial. É a
nacionalidade, eleito um país como nacionalidade, é a lei do país de
domicílio, é a lei do país de residência habitual, portanto estamos habituados
a ver a conexão como uma referência territorial. Neste caso nós temos uma
conexão com referência pessoal. São as partes que decidem qual é a lei que
vai regular aquele contrato.

Com base no código civil havia certas, limitações desta escolha, mas neste
momento com base na Convenção de Roma a limitação quase que não
existe. Por exemplo, dois portugueses podem celebrar um contrato a ser
executado em Portugal, e determinar que o contrato seja regulado pelo
direito espanhol.

O art.º 41/2 do CC só intervém naquelas situações que não são reguladas


pela convenção de Roma. E são poucas. São só os contratos unilaterais, e
pouco mais do que isso.

No art.º 19 intervêm dois princípios: o princípio do Favore Negotii, para


afastar o reenvio, e o princípio da autonomia da vontade para afastar o
reenvio. Tenham atenção, e já agora aproveitamos para dar um toque sobre a
Convenção de Roma, que esta convenção também adopta o mesmo
procedimento. Também adopta a mesma solução, considerando que se as
partes escolheram a lei reguladora, até porque neste caso a convenção vai
um pouco mais além do que o próprio código civil. Enquanto que o código
civil diz que se as partes escolheram a lei, manifestaram a vontade no
sentido de regular o negócio por determinada lei, neste caso não há reenvio,
a convenção de Roma vai mais longe. Diz que “desde que a lei seja
determinada com base nesta convenção”. O que significa que, em matéria
obrigacional pode haver lei escolhida, e lei determinada segundo os critérios
38

de determinação na falta de escolha. Se as partes não escolhem uma lei há


critérios para determinar a lei com base em critérios da falta de escolha.

Enquanto que o código civil se contenta com esta situação, escolhendo


as partes uma lei não há reenvio, a convenção diz que não só quando as
partes escolhem uma lei, mas também quando nós recorremos à convenção
para determinar a lei reguladora do contrato, e neste caso também não há
reenvio.

A posição da convenção de Roma, é uma posição muito mais alargada


do que o código civil nesta matéria. Podemos aceitar que cessa o reenvio
nas situações obrigacionais. Quando há um contrato obrigacional não há
reenvio.

Ao passo que, no código civil cessa o reenvio quando as partes


escolhem. Há um critério que é o critério pessoal, ao contrário da Convenção
de Roma em que o critério é um critério legal. Portanto, sempre que se
aplica a convenção de Roma, não há reenvio.

Recapitulando:

 O primeiro princípio é o da Harmonia de Julgados. Art.º 17 e


art.º 18 do CC.
Registem desde já o que é o princípio de Harmonia de Julgados.
Se L1 remete para L2 e esta por sua vez remete para L3, L3
declara-se competente. Temos a seguinte situação:
L1 aplica L3
L2 aplica L3
E L3 aplica L3.
Neste caso há Harmonia de Julgados. Harmonia de Julgados
consiste na aplicação da mesma lei seja qual for a ordem
jurídica onde a situação é colocada, à mesma situação privada
internacional.
Vamos supor que nós queríamos determinar a capacidade para
casar do tal brasileiro, domiciliado no México, a Lei portuguesa
remetia para o Brasil, e a lei Brasileira remetia para o México e
este declarava-se competente. Então, Portugal aplicaria a lei
Mexicana, Brasil aplicaria a lei mexicana, e o México aplicaria
a Lei Mexicana. Isto é Harmonia de Julgados.
39

 Outro princípio que intervém no reenvio é o princípio da


maior proximidade. Está consubstanciado no n.º 3 do art.º 17
do CC. “Ficam, todavia, unicamente sujeitos à regra do N.º 1
os casos da tutela e curatela, relações patrimoniais entre os
cônjuges, poder paternal, relações entre adoptante e adoptado
e sucessão por morte, se a lei nacional indicada pela norma de
conflitos devolver para a lei da situação dos bens imóveis e esta
se considerar competente”. O princípio da maior proximidade,
ou, da melhor competência, responde à questão de saber qual é
a lei que está melhor posicionada para resolver a situação
privada internacional. O exemplo acabado é o do lugar da
situação dos bens. A lei do lugar da situação dos bens é a lei
que tem melhor competência para regular as situações privadas
internacionais. Ex: se um tribunal Espanhol manda entregar
uma casa a A, e o tribunal Português manda entregar a mesma
casa a B, mas a casa está situada em Portugal, qual é a lei que
tem melhor competência? Obviamente que é a lei portuguesa. O
direito Internacional Privado também joga com esta situação.
Atribui àquela das leis que tem melhor competência para
regular a situação internacional privada, não sempre em todos
os casos, mas no caso do reenvio nestas situações que estão
previstas no art.º 17/3 do CC, intervém o princípio da maior
proximidade para recuperar o reenvio. Tenham isto em
consideração, porque o n.º 1 permite o reenvio, quando estão
preenchidos todos os requisitos, e nós já sabemos que são dois,
o n.º 2 faz cessar o reenvio verificando os requisitos que estão
presentes no n.º 2, e o n.º 3 faz recuperar o reenvio que tinha
sido cessado no n.º 2. portanto, nunca apliquem o n.º 3 do art.º
17 do CC, nas situações em que se não verifica a situação
prevista no n.º 2 do art.º 17. para nós aplicarmos o art.º 17/3 têm
que estar preenchidos os requisitos do n.º 1, do n.º 2 e do n.º 3.
se não está previsto no n.º 2 não cessa o reenvio.
 Princípio do Favore Negotii, art.º 19/1;
 Princípio da autonomia da vontade, art.º 19/2.

O regime do reenvio tem subjacente o princípio da Harmonia de julgados, ou


seja, para haver reenvio tem de haver Harmonia de Julgados. Agora, muitas
vezes há situações em que há uma Harmonia possível. Há situações em que
não há harmonia de julgados. Também queria chamar a vossa atenção para
40

o facto de no art.º 17/1, a terceira lei, poder não ser sempre assim. L1 – L2 –
L3. poderá ser L4, l5 e etc. o que importa, é a decisão da L2.

L1 --------L2 ------------L3----------- L4---------------L5.........

L2 é que é lei mais importante neste circuito. Porque é que a L2 é que é a


lei mais importante? Porque foi a lei eleita pelo legislador. Quando o
legislador disse que mandava aplicar a lei de nacionalidade naquela situação,
foi a lei escolhida pelo legislador de conflitos. Se foi o legislador que
escolheu a lei, a decisão dessa lei é que é a decisão importante. Vamos supor
que L2 em vez de aplicar L3 aplica L4. isto não se passa assim naturalmente.
Significa que L2 por exemplo, remete para L3, como lei do domicílio, mas
L3 remete para L4 como lei do lugar da celebração por exemplo, e L4
declara-se competente. Tendo em conta o sistema de devolução de L2, pode
acontecer que ele aplique L4, (isto é matéria que não posso adiantar já,
porque faria muita confusão). Mas temos de ter em consideração o sistema
de devolução de L2 que pode aplicar L4 em vez de aplicar L3. por isso é que
eu vos dizia que o remeter no art.º 17 do CC significa aplicar. Porque L2
remete para L3 mas não aplica L3. aplica L4. então neste caso, segundo o
sistema de devolução de L2 nós vamos aplicar L4.

E estão preenchidos os requisitos do art.º 17 do CC. Porque:


 L1 aplica L4,
 L2 aplica L4,
 L3 aplica L4 – L3 aplica L2 (Harmonia Suficiente)
 E L4 aplica L4.

Agora o que ia – vos dizer é o seguinte: pode acontecer que L3, segundo o
seu sistema de devolução, não aplique L4, porque se L3 adoptar o mesmo
sistema de devolução de L2, pode acontecer que L3, em vez de aplicar L4
aplique L2. nesta situação não temos Harmonia Total. Mas para efeitos de
aplicação do art.º 17 do CC, temos Harmonia Suficiente.

ART.º 20 DO CC

Artigo 20º - “(Ordenamentos jurídicos plurilegislativos) “1 -


Quando, em razão da nacionalidade de certa pessoa, for
competente a lei de um Estado em que coexistam diferentes
sistemas legislativos locais, e o direito interno desse Estado que
41

fixa em cada caso o sistema aplicável. 2 - Na falta de normas


de direito interlocal, recorre-se ao direito internacional
privado do mesmo Estado; e, se este não bastar, considera-se
como lei pessoal do interessado a lei da sua residência
habitual. 3 - Se a legislação competente constituir uma ordem
jurídica territorialmente unitária, mas nela vigorarem diversos
sistemas de normas para diferentes categorias de pessoas,
observar-se-á sempre o estabelecido nessa legislação quanto ao
conflito de sistemas”.

Nós já sabemos o que são ordenamentos jurídicos plurilegislativos. Dentro


dos Direitos de Conflitos que nós estudámos, nós estudámos:
 O Direito de Conflitos internacional privado;
 O direito de conflitos inter – local;
 O direito de conflitos inter – pessoal;
 E o direito de conflitos inter – temporal.

O direito de conflitos inter – pessoal é aquele que se verifica quando são


aplicáveis a categorias de pessoas. Cada categoria de pessoas é regulada por
uma lei. Nós já vimos que em Portugal, na Idade Média, existia esta divisão
com base em critérios pessoais. Os judeus e os Mouros regiam-se por uma
lei, e os portugueses naturais do Reino como diziam as Ordenações, eram
regulados por outra lei.

Mesmo na questão das sucessões, houve muitas situações interessantes de


direito internacional privado, à volta da sucessão dos mouros, porque
antigamente o mouro herdava do Reino. A questão que se colocou em
Portugal era de saber se o mouro que estava em Portugal podia ser herdado
pelo reino. Esta questão foi muito debatida e está nas ordenações Afonsinas
uma explanação muito interessante. No fundo é uma questão de direito
internacional privado sobre este problema.

Havia diferença de regimes por exemplo no casamento. Se aplicava o regime


romano o regime era um regime dotal, mas se se aplicava o regime
costumeiro, era o regime de comunhão geral.

O problema que se põe relativamente aos ordenamentos jurídicos


plurilegislativos .

X
42

Kosovo Montenegro

D
RH

Bósnia – Herzgovina Sérvia

Vamos supor uma ordem jurídica X, que está subdividida entre 4 sub –
ordenamentos. No caso por exemplo, da Jugoslávia. É um caso interessante
para nós estudarmos em matéria de ordenamentos plurilegislativos, porque a
Jugoslávia deve ser dos poucos países do mundo que tem o direito
internacional privado, e tem também um direito inter – local.

O direito inter – local serve para resolver os conflitos no interior da


Jugoslávia, e o direito internacional privado serve para resolver os conflitos
entre a Jugoslávia e outros estados estrangeiros. A Jugoslávia tem um
direito internacional privado que nós chamamos direito internacional
privado unificado. Unificado no sentido de que é um único direito
internacional privado válido para todos os territórios que integram a
Jugoslávia.

Este país representa um interesse para nós precisamente porque tem um


direito inter – local e tem o direito internacional privado. Este último não
nos interessa de momento, o que nós precisamos agora aqui de saber, é o
seguinte.

Vamos supor que queremos determinar a capacidade de um Juguslavo


domiciliado na Sérvia. Temos estes vários territórios dentro da Jugoslávia.
Temos a seguinte situação. A lei portuguesa com base no art.º 25 do CC
conjugado com o art.º 31/1 do CC remete para a lei Juguslava. Nós em
direito internacional privado, a remissão que fazemos é em regra para o
Estado soberano. Não é para os Estados que integram o Estado Soberano.
Quando o direito internacional privado português remete para os Estados
Unidos, é Estados Unidos no seu todo, não é para o Estado do Arizona, ou
43

do Texas. No caso do nosso exemplo, também remete para o Estado


soberano da Jugoslávia.

Remetendo a lei portuguesa para a lei Juguslava coloca-se a questão de


saber, qual destas leis locais se vão aplicar. É claro que quando eu coloco na
hipótese a questão da residência habitual vocês já estão a dizer que vamos
aplicar a lei da Sérvia. Não podem fazer isso sem considerar que a
Jugoslávia é um ordenamento jurídico plurilegislativo, e sendo um
ordenamento plurilegislativo vamos ter de recorrer às normas que regulam a
problematica dos ordenamentos plurilegislativos.

A primeira regra que resulta do art.º 20 do CC, é: há – de ser o direito


interno da Jugoslávia, por hipótese, a resolver a questão. É ao Estado
plurilegislativo que compete resolver os conflitos de leis verificados no
interior desse mesmo Estado.

Quando Portugal tinha um sistema plurilegislativo, era ao Estado Português


que competia resolver esse problema. no caso, da Jugoslávia é também este
estado soberano que compete resolver o problema de remissão para o seu
país, e portanto, este conflito interno entre as leis do Kosovo, Montenegro,
Bósnia – Herzgovina e da Sérvia, é um conflito interno, e que é resolvido
pelo direito inter – local.

O que é isso de direito inter – local?

O direito inter – local é também um direito de conflitos. As normas que


integram o direito inter – local são normas que na sua configuração
morfológica apresentam a mesma configuração das regras de conflitos do
direito internacional privado.

Assim como se diz que no nosso caso a capacidade é regulada pela lei da
nacionalidade, isto é uma regra de conflitos, no interior da Jugoslávia
também o direito inter – local poderá dizer que a capacidade é regulada pela
lei da residência habitual. a norma de direito inter – local é também uma
norma de conflitos.

É também uma norma formal. Estamos a aproveitar para fazer a revisão das
características das normas de conflitos. É uma norma formal no sentido de
que ela se desinteressa do resultado material da lei chamada a regular. Em
44

princípio, nós já vamos ver que existem limitações ao carácter formal da lei
chamada pela regra de conflitos.

Em princípio quando a regra de conflitos, neste caso inter – local, manda


aplicar uma das leis internas não está preocupado em saber se a solução
material que estas leis dão é uma solução acertada ou não. Atribui a
competência e morreu a competência da lei atribuidora de competência.

O direito inter – local é também um direito da Jugoslávia no seu todo. Não é


um direito particular de cada um dos sub – ordenamentos que integram o
direito da Jugoslávia.

E também é uma norma de conexão. É uma norma de conflitos, é uma


norma formal, e também é uma norma de conexão. É uma norma de conexão
porque resolve as questões privadas internacionais elegendo um determinado
elemento de conexão com vista à determinação da lei reguladora da situação.

Uma norma de conflitos inter – local diria por exemplo, “a capacidade é


regulada pela lei do domicílio”. O que significa que se se trata de resolver
um conflito no interior da Jugoslávia, vamos determinar onde é que se
concretiza esta norma de direito inter – local. Concretiza-se por hipótese, na
Sérvia. Aplicamos portanto, a lei da Sérvia e fica o caso resolvido.

Em que é que se distingue a norma de conflitos inter – local da norma


de conflitos de direito internacional privado?

Distingue-se pelo seu objecto. Enquanto as normas de conflitos inter – locais


visam resolver os conflitos internos entre os Estados componentes do Estado
Soberano, já o direito internacional privado visa resolver conflitos entre
Estados, entre leis emanadas de um determinado Estado. Ou então, dizendo
de outra maneira, visa resolver as situações privadas transnacionais. No
direito de conflito inter – local visa resolver situações nacionais, mas que
coloca um conflito visto que o Estado está dividido em pequenos
ordenamentos jurídicos.

14/11/2002

Para nós aplicarmos o art.º 20c do CC, tomem nota do seguinte caso prático.
45

A António cidadão do Reino Unido nascido em Inglaterra, faleceu


com domicilio em Portugal. Pretende-se determinar a lei reguladora da
sucessão. A Inglaterra manda aplicar à sucessão a lei do domicílio.

Isto é um caso prático semelhante a muitos com que se vão confrontar


durante o ano. Eu gostaria de saber da vossa parte qual é o ponto de partida
para a solução deste caso.

O ponto de partida na solução de qualquer caso de direito privado


internacional, é nós sabermos que caso é que nós temos, ou seja, em que
conceito – quadro é que esse caso se vai enquadrar. Temos de ter sempre isto
presente. O primeiro ponto de partida é o conceito quadro. Nós não podemos
deixar nos levar pelos problemas que encontramos, porque já identificaram
que há aí um problema de remissão para um ordenamento plurilegislativo.
Não podem começar por aí. Porque muitas vezes lemos um caso prático,
encontramos determinados problemas e começamos logo a atacar esses
problemas para os resolver. Não! O ponto de partida é sempre identificar a
situação da vida privada que nós temos e que está sujeito a julgamento.

Essa identificação passa por enquadrar essa mesma situação num


determinado conceito – quadro. E neste caso o conceito – quadro é a
sucessão por morte. Quando nós dissemos que temos de determinar a lei
reguladora da sucessão, o conceito quadro é a sucessão por morte. É sempre
o nosso ponto de partida. É tanto mais importante, quanto é certo que a
própria regra de conflitos acaba por nos encaminhar.

Nós dissemos que é um caso de sucessão. Se é um caso de sucessão então


qual é a regra de conflitos? É o art.º 62 do CC. Reparem como a regra de
conflitos nos encaminha. Diz que é regulada pela lei pessoal. E nós já
sabemos qual é a lei pessoal. É a lei da nacionalidade. art.º 31/1 do CC. E
agora? Se é a lei da nacionalidade, agora o que é que nós temos de fazer?
Isto está em abstracto. Reparem que quando a regra de conflitos diz aplicar a
lei da nacionalidade, isto está em abstracto. Em concreto qual é a lei? é a lei
do Reino Unido. Não se esqueçam do que já dissemos, de que a remissão da
regra de conflitos é uma remissão para ordens jurídicas soberanas. Há uma
excepção, na situações em que as pessoas escolhem a lei. se duas pessoas
celebram um contrato de trabalho, e dizem que querem aplicar a esse
contrato de trabalho a lei inglesa, naturalmente que nós já não nos vamos
preocupar com a questão da remissão para o ordenamento jurídico
plurilegislativos. Significa que as próprias partes quiseram ultrapassar ou
46

ultrapassaram mesmo a questão da remissão para o ordenamento


plurilegislativo, e escolheram a lei inglesa para regular aquele contrato.

A própria Convenção de Roma diz que efectivamente quando as partes


escolhem uma lei para regular um contrato, entende-se que é essa lei sem
levarmos em consideração se se trata ou não de um ordenamento jurídico
plurilegislativo.

Portanto a concretização deste elemento de conexão dá-se no Reino Unido.


Se se dá no Reino Unido então nós temos um problema. temos uma segunda
classe de conflitos para resolver.

A–art.º 62 sucessão /lei pessoal 31/1 lei da nacionalidade – LRU Inglaterra


Escócia
Irlanda
País Gales

No fundo temos que suspender a solução que nós vínhamos desencadeando


até agora, para determinar, dentro do Reino Unido qual destes sub –
ordenamentos é que vamos aplicar. Ou seja, temos uma segunda ordem de
conflitos. Em vez de estarmos agora a tratar de um conflito de direito
internacional privado, estamos a tratar de um conflito inter – local. E é
precisamente sobre isso que se ocupa o art.º 20 do CC.

Art.º 20 do CC: 1 - Quando, em razão da nacionalidade de


certa pessoa, for competente a lei de um Estado em que
coexistam diferentes sistemas legislativos locais, e o direito
interno desse Estado que fixa em cada caso o sistema aplicável.
2 - Na falta de normas de direito interlocal, recorre-se ao
direito internacional privado do mesmo Estado; e, se este não
bastar, considera-se como lei pessoal do interessado a lei da
sua residência habitual. 3 - Se a legislação competente
constituir uma ordem jurídica territorialmente unitária, mas
nela vigorarem diversos sistemas de normas para diferentes
categorias de pessoas, observar-se-á sempre o estabelecido
nessa legislação quanto ao conflito de sistemas”.

Este artigo vem dizer que visto que este conflito é um conflito interno, no
interior do Estado plurilegislativo, há – de ser esse Estado a decidir como
47

resolver este conflito. É o direito interno desse Estado que se irá encarregar
do caso.

Esse direito interno nós já sabemos que é um direito de conflitos, já


sabemos que é um direito de conexão, e também que é um direito formal, e
que se destingue do direito internacional privado pelo seu objecto. Enquanto
o direito internacional privado visa resolver os conflitos entre ordens
jurídicas internacionais, aqui temos, portanto, um conflito entre ordens
jurídicas que estão no mesmo plano dentro de uma ordem jurídica mãe
chamemo-lhe assim.

A primeira regra para resolver este conflito é recorrer ao direito inter –


local. Já vimos o que é um direito inter – local. Já vimos que o Reino Unido
não tem direito inter – local.

Diz o art.º 20/2 que se recorre ao direito internacional privado do


mesmo Estado. Tenham também em atenção, que aqui por direito
internacional privado do mesmo Estado, é direito internacional privado do
Reino Unido, não é direito internacional privado nem inglês, nem escocês,
nem outro qualquer. É direito internacional privado do Estado
plurilegislativo.

Ora o Reino Unido não tem direito internacional privado. Quem tem direito
internacional privado, é a Inglaterra, a Escócia, a Irlanda, etc. portanto,
quando o art.º 20 manda recorrer ao direito internacional privado do mesmo
Estado, a resposta também é negativa. Não há um direito internacional
privado do Reino Unido.

Temos o Estado do Reino Unido que tem sub – ordenamentos jurídicos. O


que o art.º 20 diz é o seguinte: quando há remissão para este Estado
plurilegislativo, é o direito interno desse Estado que fixa em cada caso o
direito aplicável, por exemplo haver um direito local do Reino Unido que diz
que é aplicável à sucessão a lei por exemplo, do domicílio. Se a pessoa
estivesse domiciliada em Inglaterra, aplicava-se a lei inglesa. Se estivesse
domiciliado na Escócia aplicava-se a lei escocesa. E assim sucessivamente.
Esta é uma formulação do direito inter – local, o direito interno a que se
refere o art.º 20 do CC.

Portugal é um ordenamento jurídico plurilegislativo, e não tem um direito


inter – local. Quando nós vamos à procura do direito inter – local para
48

resolver os conflitos entre o continente e as regiões autónomas, nós não


temos normas para isso.

Portugal tem um direito internacional privado unificado. Uma vez que nós
não temos um direito inter – local para resolver estes problemas, vamos
recorrer ao direito internacional privado português para resolver esses
mesmos problemas, os eventuais conflitos de leis entre o continente e as
regiões autónomas, resolvem-se através do direito internacional privado que
é aplicado analogicamente.

A seguir o art.º 20 do CC diz que se este não bastar, aplicamos a lei da


residência habitual.

A questão que se coloca aqui é a seguinte. visto que o Reino Unido não tem
direito inter – local, não tem um direito internacional privado unificado,
então diz no art.º 20 que aplicamos a lei da residência habitual.

Eu vou rapidamente referir um problema teórico e com consequências


práticas sérias, à volta da questão da residência habitual.

O art.º 20/2 diz que em ultimo caso nós aplicamos a lei da residência
habitual. na doutrina surgiu a seguinte questão: por residência habitual
previsto no art.º 20/2 devemos entender residência dentro ou fora do Estado
plurilegislativo? Quando o art.º 20/2 fala em residência habitual, estamos a
pensar em residência habitual em Inglaterra, na Escócia, na Irlanda, etc., ou,
estamos a pensar em residência habitual em Portugal, Espanha, Itália, etc.,?

Prof. Ferrer Correia: diz que é dentro ou fora do Estado


plurilegislativo.
Prof.ª Magalhães Colaço e Prof. Lima Pinheiro: é dentro do Estado
plurilegislativo.

Porque é que a doutrina coloca esta questão? É que se por hipótese a


pessoa ter residência em Portugal, então em vez de nós aplicarmos à
sucessão a lei do Reino Unido, vamos aplicar à sucessão a lei portuguesa,
porque tem a residência em Portugal, ou em qualquer outro país. Mas isto
coloca-nos esta outra questão. A regra de conflitos art.º 61 do CC conjugada
com o art.º 31/1 do CC, mandou aplicar a lei da nacionalidade. como é que
nós vamos substituir quase um pouco arbitrariamente a lei da nacionalidade
pela lei da residência habitual? o prof. Ferrer Correia diz que essa lei da
49

residência habitual do art.º 20 é uma conexão subsidiária, porque, segundo


ele, a residência habitual e a nacionalidade são duas conexões que quase se
apresentam em alternativa para regular as matérias do estatuto pessoal.

Então ele diz: onde quer que se concretize a residência habitual, dentro ou
fora do Estado plurilegislativo, nós aplicamos essa lei. se a pessoa tiver
residência habitual em Itália, aplicamos a lei italiana, mas também se a
pessoa tiver residência habitual na Escócia, aplicamos a lei escocesa. Porque
diz o prof. Ferrer Correia. O problema devia ter sido resolvido pelo Estado
plurilegislativo. O Estado plurilegislativo não o resolveu. Também não tem
mecanismos para o resolver. Não tem direito inter – local, nem tem direito
internacional privado o Estado plurilegislativo não nos deu meios para
resolver. Portanto, se não nos deu meios para resolver, abandonamos o
critério da nacionalidade, e passamos para o critério da residência habitual,
que é o critério alternativo para regular as matérias do estatuto pessoal.

A tese tem consistência, tanto assim que já foi aplicada pelos tribunais. Mas,
os tribunais aplicam predominantemente a tese da Prof. ª Magalhães Colaço.
Eu penso que realmente é a tese mais correcta embora seja um pouco mais
complicada de demonstrar.

Como eu disse, a regra de conflitos para regular a situação escolheu a lei da


nacionalidade para resolver a questão. Nós identificamos correctamente qual
é a lei da nacionalidade. é a lei do Reino Unido. Só que dentro do Reino
Unido tivemos uma dúvida praticamente insanável, no sentido de determinar
qual destes sub - ordenamentos é aplicável à situação. Nós não conseguimos
resolver o problema nem com o direito inter – local, porque não há, nem
com o direito internacional privado unificado porque não há, então passamos
à residência habitual. se nós tomarmos em consideração por residência
habitual como dentro do Estado plurilegislativo, então o que há é uma
junção ou associação, a residência habitual aparece aí como elemento
adjuvante do critério da nacionalidade, para determinar qual destes sub –
ordenamentos é aplicável. É um elemento adjuvante do critério da
nacionalidade para determinar qual dos sub – ordenamentos é que vai ser
aplicável.

Mas depois vocês poderão dizer: e se não tiver residência habitual em


nenhum destes sub – ordenamentos? Se não tem residência habitual em
nenhum destes sub – ordenamentos então nós não nos podemos servir deste
elemento adjuvante. Neste caso a Prof.ª Magalhães Colaço diz que há uma
50

lacuna no art.º 20 do CC. O art.º 20 efectivamente previu a possibilidade de


aplicar o direito inter – local, previu a possibilidade de recorrer ao direito
internacional privado unificado, previu a possibilidade de se recorrer à
residência habitual dentro do Estado plurilegislativo, mas, esqueceu-se de
prever a situação em que a pessoa não tem residência habitual em nenhum
dos sub – ordenamentos que integram o Estado plurilegislativo. Há uma
lacuna.

Mas tenham em atenção que esta lacuna é revelada apenas pelo facto de nós
interpretarmos restritivamente o conceito de residência habitual. a
interpretação lata, envolveria dentro e fora do Estado legislativo, aliás como
defende o Prof. Ferrer Correia. O conceito lato de residência habitual é onde
quer que ele se concretize. Se nós tomarmos a residência habitual como
elemento do art.º 20 que nos vai ajudar em qual destes sub – ordenamentos é
aplicável, que é ponto de vista da Prof.ª Magalhães Colaço, então, esta
residência habitual não pode ser fora, tem de ser dentro do Estado
plurilegislativo.

Portanto, nesta situação há uma lacuna, que nós chamamos lacuna oculta, e
é uma lacuna oculta precisamente porque foi revelada apenas em virtude da
interpretação restritiva do conceito de residência habitual.

Se chegarmos à conclusão de que temos uma lacuna, como é que a


questão se resolve?

Resolve-se através da analogia. As lacunas também em direito internacional


privado se resolvem através da analogia. E a analogia que tem sido
encontrada é a do art.º 28 da lei da nacionalidade.

A questão de saber é que lei da nacionalidade nós aplicamos. A lei da


nacionalidade que aplicamos é a do Reino Unido, já está completamente
determinada. Agora, dentro do Reino Unido qual das leis?. É só isso que nos
falta determinar. Nós não conseguimos determinar qual das leis, então
vamos aplicar a lei Italiana, por exemplo, porque é que abandonamos tudo, e
vamos aplicar a lei Italiana? Ou vamos aplicar a lei portuguesa no caso do
nosso exemplo?

Parece que há qualquer coisa que falha aqui. O ponto de partida não é a
residência habitual, o ponto de partida é a nacionalidade. então não pode
abandonar a lei da nacionalidade porque realmente encontrou uma solução
51

insolúvel. O direito internacional privado não pode pactuar com situações


indissolúveis. Tem de encontrar situação.

Nós estamos circunscritos ao Estado plurilegislativos e não podemos sair


dele enquanto não tivermos uma solução. O critério é recorrer ao art.º 28 da
lei da nacionalidade que prevê o princípio da conexão mais estreita.
Portanto, vamos aplicar no interior do Estado plurilegislativo, o princípio da
conexão mais estreita e então vamos determinar com qual destes sub –
ordenamentos o indivíduo em questão tem uma conexão mais estreita.

No caso do nosso exemplo, é o nascimento. A mais estreita possível. No


fundo vamos acabar por aplicar a lei inglesa.

Eu do meu ponto de vista entendo que nós não precisamos de recorrer ao


art.º 28 da lei da nacionalidade para resolver a questão. Basta que nós
tenhamos em consideração que todo o sistema conflitual resolve os
problemas através do princípio da conexão mais estreita. Um dos princípios
da determinação da escolha das conexões, segundo o próprio prof. Lima
Pinheiro, é o princípio da conexão mais estreita. Portanto, nós podíamos
simplesmente dizer, chegado ao Reino Unido vamos aplicar o sub –
ordenamento que contém o princípio da conexão mais estreita.

Até é uma solução muito mais simples do que aquela do prof. Ferrer Correia.
Só que nós chegamos a isso por força de uma inabilidade chamemos – lhe
assim, do legislador. Porque o legislador podia perfeitamente ter enunciado
o princípio da conexão mais estreita. Como não o enunciou há – de ser a
doutrina a resolver este problema.

É uma doutrina muito interessante. Tão interessante que, a lei de direito


internacional privado Italiana acabou por aceitar esta posição. Esta solução
preconizada pela prof. Magalhães Colaço está hoje consagrada na lei italiana
de DIP.

O mais interessante é o seguinte: antes de existir o art.º 20 do Código Civil


Português, antes de 1966, houve uma decisão em 1953 aqui em Portugal,
que aplicou a mesma solução. Estranhamente esta decisão não é mencionada
pelos autores.
52

Passado por esta engenhoca toda, vamos chegar à conclusão de que a lei
aplicável é a lei inglesa. Se nós seguíssemos o ponto de vista do Prof. Ferrer
Correia, aplicaríamos directamente a lei portuguesa.

Chegados à conclusão de que a lei aplicável é a lei inglesa,

Tínhamos a seguinte situação:

L1 --- remete para ---- L2 (LR.U.) >> lei inglesa.

Agora Inglaterra manda aplicar a lei do domicílio, que é a lei portuguesa.


Portanto, devolve para Portugal.

Têm de ter isto sempre em consideração. Sempre que determinarem a lei


chamada pela regra de conflitos, têm que questionar essa lei, para saber se
ela aceita a competência que lhe foi atribuída. Pode não aceitar a
competência. Se não aceitou, e no caso não aceita a competência, devolve
para o direito português.

Esta situação deu este resultado porque há dados que ainda não vos forneci.
Nós temos de atender a duas coisas:
 O direito internacional privado da Inglaterra,
 E o sistema de devolução da Inglaterra.

Não podemos trabalhar ainda com os sistemas de devolução porque senão


íamos baralhar isto.

O que vos posso dizer agora neste momento, é que se nós introduzirmos aqui
o sistema de devolução inglês, então a lei aplicável não é a lei portuguesa, e
a lei inglesa.

LIÇÃO N.º 4/A – 15/11/2003

ART.º 21 DO CC

Artigo 21º - (Fraude à lei) ”Na aplicação das normas de conflitos são
irrelevantes as situações de facto ou de direito criadas com o intuito
fraudulento de evitar a aplicabilidade da lei que, noutras
circunstâncias, seria competente”.
53

Temos aqui uma situação de fraude à lei em direito internacional privado.


Nós andamos constantemente a defender a lei, mas nós não podemos
confundir fraude à lei com violação da lei.

Fraude à lei é quando nós manipulamos as circunstâncias para tornar


aplicável uma lei que não seria aplicável no caso concreto. E isto pode
acontecer também em Direito Internacional Privado.

Costumo dar um exemplo relacionado com o Direito do Trabalho. Por


exemplo, nós sabemos que no Direito do Trabalho há o princípio do período
experimental. Quando um trabalhador é recrutado, em princípio esse
trabalhador pode ser sujeito a um período experimental. Então, o que
acontece, e já aconteceu num caso real, foi o seguinte: um determinado
trabalhador, cujo patrão já não estava interessado no trabalho dele, esse
patrão combina com outro patrão para oferecer a esse trabalhador melhores
condições de trabalho e depois para o despedir antes de concluído o período
experimental.

Então o patrão A combinou com o patrão B para este oferecer ao trabalhador


C melhores condições de trabalho. O C despede-se do patrão A porque vai
celebrar um melhor contrato de trabalho. Mas como ele fica sujeito a um
período experimental, e, dentro deste, as partes podem livrar-se do contrato,
independentemente de qualquer justificação, então, antes de concluído o
período experimental, o patrão B diz a C que já não lhe interessam os
serviços dele. Resultado: C ficou sem o seu primeiro emprego e sem o
segundo.

No fundo o que é que houve aqui? Há várias coisas.

Primeiro: há uma simulação entre os dois patrões, mas por outro lado, o 2º
patrão defraudou a lei, agiu em fraude à lei, porque manipulou a norma que
visa regular ou disciplinar o período experimental. Quer dizer: utilizou-a
para um fim ilícito. Então neste caso aqui, entendo que há uma situação de
fraude à lei, isto sem prejuízo da simulação que exista entre os dois patrões.
Em suma: entre A e B há simulação, mas entre B e C há uma situação de
fraude à lei.

Isto também acontece em direito internacional privado.


54

Em DIP, uma pessoa pode manipular o elemento de conexão com vista a


obter um fim que não conseguiria obter se fosse aplicável a lei normalmente
competente.

Por exemplo, nós já sabemos que há determinadas ordens jurídicas que não
permitem às pessoas dispor de todos os seus bens por força de um
testamento. É o caso da Ordem Jurídica Portuguesa, por exemplo.

Vamos supor que um português quer dispor de todos os seus bens a favor de
um único filho, no fundo, prejudicando os outros todos. O que é que este
português faz? Muda de nacionalidade, por exemplo, para a nacionalidade
do Reino Unido, ou Grã – Bretanha, e nesta altura a lei que vai regular a sua
sucessão já mão será a lei portuguesa. Vai ser a lei da Grã – Bretanha. Então
nesta altura, já pode dispor de todos os seus bens a favor do filho, ou de
qualquer outra pessoa ou instituição que lhe interesse. Portanto, o português
mudou de nacionalidade com o único objectivo de prejudicar os outros
filhos. Mudou de nacionalidade com o fito de evitar a aplicabilidade à sua
sucessão da lei portuguesa que o impediria de deixar todos os seus bens a
um filho determinado. Neste caso, temos uma situação de fraude à lei. como
podemos concluir, a fraude pressupõe intenção.

Aliás, normalmente diz-se que a fraude pressupõe dois elementos


fundamentais, embora haja quem diga que são mais:
 Manipulação do elemento de conexão;
 Intenção de defraudar a regra de conflitos.

A ideia de fraude à lei surgiu em DIP, precisamente, a propósito de um caso


de divórcio. O caso da princesa Beauforman. É habitual dizer-se que foi este
caso de divórcio que deu lugar ao aparecimento da fraude à lei.

Mas eu estou convencido de que não foi. Porquê? Porque o problema da


fraude à lei surgiu um pouco antes, e quem o descobriu foram os doutores
da igreja. Porquê? Porque a partir do momento em que o Concílio de
Trento, institui o casamento como sacramento, então as pessoas começaram
a defraudar as normas da igreja, contraindo casamento à margem do
casamento – sacramento.

Então foram os padres da Igreja que efectivamente inventaram a Teoria da


Fraude à Lei. não foi a doutrina francesa como normalmente é ensinado em
direito internacional privado. Encontrei um livro de um autor de nome
55

Scalizzo, que data da idade média, no qual este autor falava desses
casamentos fraudulentos com uma data muito anterior à data da sentença no
caso da princesa. Daí que eu tenha concluído que não foram os franceses que
inventaram esta teoria. Eles ter-se-ão inspirado na doutrina da Igreja uma
vez que foram os doutores da Igreja que descobriram um conjunto muito
significativo de Institutos com que nós trabalhamos.

Por exemplo, o instituto do silêncio que encontramos no código civil, e


também agora ao nível da administração, em que se passou a atribuir ao
silêncio um conjunto de efeitos de direito, pois temos o silêncio positivo, o
silêncio negativo, etc., foi descoberto pelos doutores da Igreja. É claro que
Windschild deu uma grande projecção à problemática do silêncio, sendo ele
o autor nomeado como sendo praticamente o pai da doutrina civilista sobre
o silêncio. Mas não foi ele que a inventou. Nós devemos muito aos doutores
da Igreja porque eles têm tempo para pensar nestas questões e para
elaborarem doutrina.

Conclusão: a paternidade das ideias, muitas vezes, é mal atribuída. Por


exemplo, ao nível do DIP há muitas coisas que foram atribuídas a Savigny e
que nós sabemos que não é são dele. Por hipótese, a tal teoria da
comunidade de direito que todos atribuem a Savigny eu penso que ela
pertence sim a Lombardi, que é um autor do século XII muito anterior a
Savigny.

Como Savigny fez um estudo sobre o sistema de direito Romano actual,


naturalmente que ele se terá inspirado nos autores Romanos. As pessoas que
tomaram conhecimento dessa teoria através de Savigny atribuíram-lhe a
paternidade. Quase se pode dizer que Savigny se compara às pessoas que
hoje em dia aparecem nos média a defender uma ideia e logo são tomados
como seus autores. No entanto, isto não quer dizer que Savigny não foi um
grande autor. ele inspirou-se em várias fontes e autores anteriores a si.

A tal teoria da comunidade de direito que é uma lei geral para toda a gente, e
que todos os autores posteriores afirmaram ser uma inovação, uma
machadada em todo o DIP, não foi ele o seu autor. foi sim quem a deu a
conhecer ao mundo, mas não foi ele que construiu essa teoria.

Revisão da matéria
56

Como é que se aplica esta disposição? A questão é a seguinte: A quer


divorciar-se. vamos supor que se trata de uma situação privada internacional,
logo, vamos recorrer ao art.º 55 do CC que nos diz que ao divórcio é
aplicado o art.º 52 do CC, e portanto, é aplicável a sua lei pessoal que é a sua
lei nacional. Vamos supor que a sua lei nacional é a lei de Malta onde ainda
não é permitido o divórcio. Então onde é que se situa a fraude?

Divórcio de A art.º 55/52 CC lei pessoal lei nacionalidade


lei de Malta.

A fraude situa-se aqui.

A fraude situa-se na manipulação no momento da concretização do elemento


de conexão.

Enquanto que no art.º 55 do CC, ex – vi art.º 52 do CC mandam aplicar a lei


da nacionalidade, o que é que a pessoa em questão vai fazer? Vai alterar,
vai criar mecanismos para alterar a concretização desse elemento de
conexão.

O divórcio continua a ser regulado pela lei da nacionalidade, mas, em vez de


se concretizar em Malta, vai concretizar-se, por exemplo, em Portugal
porque vamos supor que a pessoa adquiriu a nacionalidade portuguesa
porque sabe que em Portugal já é permitido o divórcio.

Então no caso, por força do art.º 55, ex-vi art.º 52 do CC, nós não
aplicaríamos a lei de Malta, mas sim a lei portuguesa, a qual lhe permitiria o
divórcio.

Divórcio
DivórcioAA art.º55/art52CC
art.º55/art52CC Lpessoal
Lpessoal Lnacionalidade
Lnacionalidade Lei
Lei de
de Malta
Malta

Não Permite o divórcio

A altera a nacionalidade de Maltêz para português.


Divórcio A art.º 55/art.º52CC Lpessoal Lnacionalidade Lportuguesa
Divórcio A art.º 55/art.º52CC Lpessoal Lnacionalidade Lportuguesa
57

Permite o Divórcio

Portanto, a fraude à lei consiste precisamente, em manipular o elemento de


conexão, viabilizando a sua concretização numa Ordem Jurídica cujas leis,
por sua vez, permitem à pessoa obter o desiderato que não obteria pela lei
normalmente aplicável.

Num caso como o do exemplo, a pessoa em vez de o elemento da


nacionalidade se concretizar na lei maltesa, concretiza-se na lei portuguesa.
Concretizando-se na lei portuguesa, a pessoa em questão obtém o que
pretende.

Isto é uma situação de fraude à lei. e isto sucedeu também há alguns anos
atrás com jogadores de futebol. As pessoas não tinham a condição para jogar
futebol, ou seja não tinham a nacionalidade portuguesa, e para a obterem
contraíam casamento o que é uma situação clara de fraude à lei.

Contudo, convém ter em atenção o seguinte. há determinadas situações que


podem aparentar fraude à lei, e que não são fraude à lei. por exemplo, se um
português para deserdar os seus filhos vai a Inglaterra e faz um testamento,
quando nós sabemos que os ingleses podem testar sobre a totalidade dos
seus bens, e faz testamento sobre a totalidade dos bens a favor de alguém,
nós perguntamos: aqui há fraude à lei?

De facto há uma intenção malévola, digamos assim, da parte deste português


que, em vez de fazer o testamento em Portugal, porque o notário não lho
permitiria ofender a legítima, vai fazer o testamento em Inglaterra, onde o
notário inglês não está preocupado com a questão da ofensa da legítima.

O que acontece neste caso é que aqui não há fraude à lei. aqui não há fraude
à lei porquê? Porque o elemento de conexão que deveria ter sido alterado ou
que deveria ter sido manipulado não o foi.

Qual é a lei que regula a disposição de ultima vontade? É o art.º 63 do CC


conjugado com o art.º 31/1 do CC, o que dá a lei da nacionalidade. portanto,
ele tinha que mudar de nacionalidade para a nacionalidade inglesa para isto
ser válido.
58

Num caso como este, qual é o valor deste testamento? É um testamento que
pode ser reduzido por inoficiosidade, porque a lei inglesa é apenas a lei
reguladora da forma do testamento.

Ele pode fazer o testamento em Inglaterra. Agora, ele não pode é dispor da
totalidade dos seus bens. Porquê? Porque, por força do art.º 65 do CC o
testamento pode ser feito em Inglaterra, pois, não há qualquer inconveniente.
Agora, por força do art.º 63 do CC, a questão de saber se ele pode ou não,
dispor dos seus bens não é regulada pela lei inglesa, mas sim pela lei
portuguesa. Portanto, num caso como este não há fraude. Há sim um
testamento que ofende a legítima, embora a pessoa tenha tido a intenção de a
fazer.

Art.º 22 DO CC

Artigo 22º - (Ordem pública) ”1 - Não são aplicáveis os preceitos da


lei estrangeira indicados pela norma de conflitos, quando essa
aplicação envolva ofensa dos princípios fundamentais da ordem
pública internacional do Estado português. 2 - São aplicáveis, neste
caso, as normas mais apropriadas da legislação estrangeira
competente ou, subsidiariamente, as regras do direito interno
português”

Chamo a vossa atenção para o facto de nós estarmos aqui a falar em ordem
pública, e normalmente falamos em ordem pública internacional. Por isso,
convém ficar, desde já, de sobreaviso de que não há ordem pública
internacional. A Ordem Pública é sempre ordem pública interna.
 Agora, só que há uma determinada ordem pública que intervém em
todos os actos que nós praticamos a nível interno, e então, a isso nós
chamamos ordem pública interna, por um lado;
 Por outro lado, há determinados princípios de ordem pública, que
intervêm nos actos que praticamos a nível internacional, ou dito de
outra forma, os actos com elementos de estraneidade.

Mas trata-se sempre de ordem pública interna. O critério de distinção entre


Ordem Pública Interna e Ordem Pública Internacional é o critério do âmbito
de intervenção da Ordem Pública.
59

Portanto, a Ordem Pública Interna tem um âmbito de intervenção mais


alargado do que a Ordem Pública Internacional

Mas convém reparar que a Ordem Pública interna e a Ordem Pública


Internacional ambas estão contidas dentro da Ordem Pública

Ordem Pública

Ordem Pública Interna

Ordem Pública
Internacional

Regra geral dizemos que não se define a Ordem Pública. É de facto,


extremamente complicado definir o que seja Ordem Pública porque se trata
de um conceito indeterminado e que há-de ser concretizado em cada
momento. Sendo um conceito indeterminado, nós não podemos definir a
Ordem Pública, mas podemos dar algumas ideias do que seja.

A Ordem Pública Interna é integrada por todas as normas imperativas de


um determinado Estado. Por exemplo, quando o art.º 874 do CC diz que a
compra e venda tem de ser feita por escritura pública, isto é uma norma de
Ordem Pública. Quando diz que os pais têm que alimentar os filhos é
também uma norma de Ordem Pública. Quando diz que, para haver
casamento tem de haver um processo preliminar de publicações também é
uma norma de Ordem Pública. São normas que, no fundo, protegem a fé
pública.
60

Não se trata de todo o Direito Positivo, de um país porque o direito positivo


de uma país pode ser direito supletivo. Só o imperativo. O supletivo já não
faz parte da Ordem Pública de um Estado.

Agora, há determinados aspectos da Ordem Pública que nós não podemos


dispensar mesmo nas relações internacionais. Porquê? Porque como
podemos concluir cada país tem a sua Ordem Pública. Por exemplo, os
países Muçulmanos: para eles a sua Ordem Pública tem um conteúdo
diverso da nossa Ordem Pública. Os países Anglo – Saxónicos também têm
uma Ordem Pública diversa da nossa Ordem Pública. E mesmo nos próprios
países, a sua Ordem Pública varia no tempo. Por exemplo, antigamente em
Portugal não era permitido o divórcio. Significa que a proibição do divórcio
era um princípio da Ordem Pública. Mas depois passou a admitir-se e a
permitir-se o divórcio. Então: permitir-se o divórcio passou a ser um
princípio de Ordem Pública. Portanto, a Ordem Pública também varia no
tempo. O Prof. Lima Pinheiro fala no princípio da relatividade da Ordem
Pública tanto no tempo como no Espaço. Mas o que é certo é que se trata
sempre de Ordem Pública Interna. Trata-se sempre de princípios
fundamentais da Ordem Jurídica.

O que distingue a Ordem Pública Interna da Ordem Pública Internacional é


que há princípios relativamente aos quais a Ordem Jurídica não abdica
mesmo nas relações internacionais. Por exemplo, o princípio de que os pais
têm que alimentar os filhos. Vamos supor que se determinava que a lei que
estabelecia a obrigação de alimentos era, por hipótese, a lei do país X, e
chegávamos à conclusão de que, nos termos da lei desse país X os pais não
tinham a obrigação de alimentar os filhos. Então, a Ordem Jurídica
portuguesa dizia que isto não fazia sentido. Quer dizer: se os pais não
alimentam os filhos, então quem é que os há-de alimentar?

Então neste caso, temos que necessariamente recorrer à Ordem Pública para
afastar essa norma do direito estrangeiro, que diz que o pai não tem
obrigação de alimentar o filho, e neste caso, fazer intervir uma norma, em
última instância, do direito português, que obriga o pai a alimentar o filho.

Mas também temos um outro exemplo que é o exemplo do casamento


monogâmico. Nós, de acordo com o direito português, não podemos casar
com mais do que uma pessoa. Vamos supor que um português queria casar
num país muçulmano com mais do que uma pessoa. Esse casamento não
seria válido e não seria reconhecido em Portugal. Porque interviria a Ordem
61

Pública internacional portuguesa para impedir a constituição dessa situação.


Os princípios da ordem pública internacional vão afastar a norma estrangeira
concreta cujo conteúdo seja inadequado à ordem Pública portuguesa. Apenas
afastam a aplicabilidade da norma estrangeira em concreto e não o direito
estrangeiro na sua totalidade.

O art.º 22 do CC em um conceito, o conceito da Ordem Pública, que é um


conceito aberto, um conceito indeterminado. Isso significa que se não pode
definir o que seja a Ordem Pública. Portanto, estamos perante um conceito
indeterminado que há – de ser concretizado caso a caso, tal como é a
característica destes conceitos. A norma começa por enunciar a
consequência da intervenção da reserva de ordem pública. Diz “não são
aplicáveis os preceitos da lei estrangeira indicados pela norma de conflitos”

Este preceitos da lei estrangeira indicados pela norma de conflitos são


preceitos materiais ou formais? São preceitos materiais!

A situação seria, mais ou menos, a seguinte, para além da questão da


poligamia já atrás enunciado há muitas outras situações embora requeiram
conhecimentos sobre contratos.

Vamos supor que A e B celebram um contrato de trabalho e escolhem como


lei reguladora deste contrato as lei do Texas, nos EUA. Aqui já podemos ver
alguma coisa relacionada com a problemática da remissão para
ordenamentos jurídicos plurilegislativos. Quando as partes escolhem uma
determinada lei para regular a situação privada internacional e quando
intervém a vontade das partes esta problemática não se coloca.

Aliás se consultarmos o art.º 19 da convenção de Roma sobre a lei aplicável


às obrigações contratuais nos termos deste artigo, quando as partes escolhem
a lei do Texas, por exemplo, ou a lei inglesa, ou a lei escocesa, é aquela lei
aplicável sem tomar em consideração se se trata ou não de um ordenamento
jurídico plurilegislativo.

Portanto, para o caso que agora nos interessa, A e B celebram um contrato


de trabalho e escolhem a lei do Texas segundo a qual A o trabalhador pode
ser despedido a qualquer momento, ou seja, o patrão chateia-se com o
empregado, faz-lhe as contas e manda-o embora sem processo disciplinar
nem nada.
62

No nosso ordenamento jurídico isso não é possível, por via do princípio da


segurança no emprego e do princípio da proibição do despedimento sem
justa causa. Ora, aí está uma situação em que intervém a ordem pública.
Vamos suor que esta questão é colocada em Portugal. Como pode sê-lo? Por
força das regras de competência internacional dos tribunais portugueses.
Desde que esteja preenchido um dos requisitos de atribuição de competência
a um tribunal português, esta questão pode ser suscitada em Portugal.

Suscitada a questão em Portugal, o tribunal português não tem outra solução


senão aplicar a lei do Texas para regular a questão, e aplicar aquela norma
material do direito do Texas que diz que a pessoa pode ser despedida
independentemente de justa causa, i.e. basta a mera vontade do patrão.

Questão colocada: sendo um contrato obrigacional aplica-se ou não a


convenção de Roma?

Aplica-se a convenção de Roma, mas isso seria avançar na matéria. Isto


pode ser resolvido com base no art.º 41 do CC, e a questão fica ultrapassada.
Se este contrato foi celebrado depois da entrada em vigor da convenção de
Roma, naturalmente que é esta que se deve aplicar.

Assim com base no art.º 3 da convenção de Roma, as partes podem escolher


a lei do Texas para regular o contrato, e portanto, a norma material do Texas
que permite o despedimento independentemente da justa causa, é uma norma
válida aplicável a este contrato. Só que esta norma viola um princípio
segundo o qual os trabalhadores não podem ser despedidos sem justa causa
e, segundo o qual os trabalhadores têm de ter segurança no emprego. Aliás, é
esta a questão que está a ser discutida nesta alteração à lei laboral.

Há aqui uma situação em que intervém o princípio da Ordem Pública. Diz o


art.º 22 do CC que aquela norma material do Texas que permite o
despedimento independentemente de justa causa, não é aplicável. Porquê?
Porque este artigo diz “não são aplicáveis os preceitos da lei estrangeira
indicados na norma de conflitos”.

Por acaso este artigo tem uma formulação errada pois diz: os preceitos da lei
estrangeira indicados na norma de conflitos. Mas não será assim. Porquê? Se
nós dizemos que a norma de conflitos é uma norma formal, então tem de se
desinteressar do tal resultado material. A correcta formulação seria “não são
aplicáveis os preceitos da lei estrangeira, indicada...”, ou seja, os indicados é
63

com referência à lei estrangeira e não com referência às normas da lei


estrangeira.

Por exemplo, os indicados no art.º 22 do CC é com referência à lei


estrangeira, como a lei do Texas, e não aos preceitos materiais da lei
estrangeira. portanto, deveria ser “... lei estrangeira indicada...” porque a
norma de conflitos não indica normas materiais. A regra de conflitos indica a
lei estrangeira aplicável.

Quero chamar ainda a vossa atenção para o seguinte: normalmente nós


falamos aqui em ordem pública internacional, mas temos de ter em atenção
que não há uma ordem pública internacional. A ordem pública é a ordem
pública interna. Só que há determinados aspectos da ordem pública interna
que o Estado não dispensa mesmo nas relações internacionais.

Vamos ver se conseguimos fazer uma distinção entre Ordem Pública interna
e a Ordem Pública Internacional., sem prejuízo de já sabermos que a Ordem
Pública não se define.

Por exemplo, vamos supor que numa determinada ordem jurídica a adopção
pode ser feita por meio de documento particular.

Já sabemos que na ordem jurídica portuguesa a adopção é feita por escritura


pública, ou, então, permite intervir os próprios tribunais na constituição do
processo de adopção. No fundo, é um processo de jurisdição voluntária. Isto
significa, que o legislador na definição dos processos de adopção utilizou
uma fórmula bastante solene , porque se trata de uma situação importante
que é a constituição do Estado de filho/a ou de pai/mãe, i.e. do
estabelecimento da paternidade.
A questão que se põe é a de saber se a adopção pode ser feita por mero
documento particular, mas os procedimentos que levam a obter esse
documento são também um procedimento sério, não tão sério como o nosso,
mas também um processo sério, então, em princípio nós aceitamos aquela
adopção. Ou seja, em princípio, a ordem pública internacional não intervém.

Por exemplo, os casos dos testamentos. Nós normalmente exigimos uma


forma solene para os testamentos. Mesmo os testamentos celebrados por
portugueses no estrangeiro, a lei portuguesa exige uma forma solene.
Todavia, há ordens jurídicas que exigem uma forma muito mais simples para
a celebração do testamento. Nós não podemos dizer que pelo facto de a
64

forma portuguesa não ter sido observada, que há aí violação das regras
internacionais da Ordem Pública.

Mas, por exemplo, a hipótese do despedimento sem justa causa já é exemplo


dessa intervenção. Também ´+e exemplo o princípio da monogamia. Se uma
norma estrangeira viola o princípio da monogamia, então integra a ordem
pública. Se uma norma estrangeira viola a liberdade de casar, e até a
liberdade de se divorciar, então, é uma norma que afecta a ordem pública
internacional.

Podemos dizer em regra que quando determinadas normas violam aqueles


aspectos que se prendem com direitos de personalidade, por exemplo,
afectação do direito à vida, do direito à honra, do direito à integridade física,
violação do domicílio, etc., ou então, aqueles aspectos que, no fundo,
constituem, os esteios fundamentais da nossa vivência como entidade
específica...

Se realmente uma norma põe em causa determinados aspectos culturais de


Portugal, essa norma pode ser rejeitada pelo facto de ofender os princípios
fundamentais da ordem pública internacional do Estado Português.

Em rigor, nós só conseguimos fazer isto através de um outro exercício. Por


exemplo, o caso do art.º 874 do CC. Esta norma exige escritura pública para
a celebração de contratos de compra e venda de bens imóveis. Se numa
ordem jurídica a celebração de contratos de compra e venda de bens
imóveis possa ser feito por mero escrito particular, nós não podemos vir
dizer que há violação de um princípio de ordem pública. Portanto, vai
depender de uma certa sensibilidade para este tipo de questões.

Na doutrina, e na jurisprudência, há uma grande divergência sobre o alcance


da ordem pública. Tudo depende da sensibilidade de cada pessoa. Há quem
tenha uma noção muito ampla, e quem tenha uma noção muito restrita. A
Ordem Pública só intervém em casos muito especiais, e por isso chama-se-
lhe a excepção ou reserva de ordem pública. Por ordem pública
internacional deve entender-se um conjunto de determinados aspectos
políticos, culturais, sociais, económicos, que a comunidade portuguesa como
tal, não abdica mesmo nas relações internacionais.
65

No comercio internacional as relações são pautadas por uma espécie de ideia


de reciprocidade – cada um cede um pouco e na medida em que o outro
também cede. Mas chega um certo momento em que as partes já não estão
dispostas a ceder mais. fala-se, então, em matérias ou princípios de ordem
pública internacional de um Estado determinado.

Estes princípios da ordem pública internacional encontram-se dispersos por


várias fontes. Na nossa constituição da republica portuguesa, eles também
existem.

A intervenção da ordem pública internacional leva ao afastamento da lei


jurídica estrangeira em princípio aplicável. Se não se aplica a ordem jurídica
estrangeira há uma lacuna. A reserva de ordem pública intervém para
remover a norma material da ordem jurídica estrangeira que foi chamada
pela regra de conflitos, o que suscita uma lacuna. A integração dessa lacuna
tem de ser feita no quadro da própria ordem jurídica estrangeira, e em última
análise, subsidiariamente no quadro da ordem jurídica portuguesa.

No caso do despedimento, aplicar-se-ia qualquer outra norma que protegesse


o trabalhador, da ordem jurídica portuguesa, e a autonomia das partes
acabava por não ter valor se esse contrato de trabalho fosse para ser
executado em Portugal.

Na intervenção da reserva de ordem pública, tem também de se ter em conta


o grau de proximidade entre a situação a regular e a escolha da lei. a
convenção de Roma tem uma norma que manda aplicar a norma mais
protectora da parte mais fraca e não permite o recurso à ordem pública
internacional.

Como é que se integra a lacuna? Por recurso à ordem jurídica do Texas, ou


por recurso à ordem jurídica portuguesa em último caso?

A ordem pública internacional não é uma reserva em relação à totalidade da


lei estrangeira. é apenas uma reserva relativamente ao preceito em concreto
que viola os princípios fundamentais da lei portuguesa. É o preceito em
concreto que vai ser substituído.

O direito interlocal é um direito de conflitos. Tem um espaço territorial que


está dividido em partes, e cada parte tem autonomia, e tem idêntica
autonomia e são partes iguais. Pode suscitar-se o problema de saber qual
66

dessas partes é que exerce uma determinada competência. Por exemplo, para
julgar uma determinada causa, ou então para decidir materialmente
determinado problema, neste caso tem de ter normas para resolver o conflito.

O direito interlocal é integrado fundamentalmente por normas de conflitos.


Quando no art.º 20 do CC se refere o direito interno está a pensar num
direito de conflitos que visa resolver conflitos. Interlocal porquê? Porque
está a pensar no interior de um Estado unitário. Há um Estado soberano que
é Portugal, e vamos supor por exemplo, que no Minho aplicava-se um
direito, no Algarve se aplicava outro direito, nas regiões autónomas outro,
portanto nós tínhamos Portugal dividido em vários espaços físicos, e em
diversos direitos também, o problema que nós tínhamos era de saber resolver
este conflito. O direito interlocal é o direito que visa resolver um conflito no
interior de um determinado espaço territorial.

Agora pode ser territorial como pode ser pessoal. Como nós já dissemos
Portugal era dividido tanto os judeus como os mouros eram regulados por
uma lei diferente. Tudo isso gerava aplicação de corpos de leis particulares a
essas categorias de pessoas. Isso poderia gerar igualmente problemas. E
esses conflitos podiam ser resolvidos por um direito interlocal.

Eu digo podiam porquê? Portugal que eu saiba nunca teve um direito


interlocal. Neste momento também Portugal não um direito interlocal. Se
nós quisermos resolver um conflito de aplicação das leis que regem as
regiões autónomas e as leis que regem o continente, vamos ter que
necessariamente que recorrer ao direito internacional privado, aplicando
analogicamente o art.º 20/2 do CC.

Regra geral os ordenamentos não têm um direito interlocal. Em regra eles


servem-se do seu direito internacional privado para resolver os conflitos de
direito interlocal. Os conflitos que se verificam no interior do próprio
Estado, são resolvidos do mesmo modo com se resolvem os conflitos os
demais estados soberanos.

Nós temos três patamares. Vamos supor o Reino Unido. O Reino Unido
podia ter um direito interlocal, mas não tem, podia ter um direito
internacional privado, mas não tem, tem a Inglaterra que tem o seu DIP, tem
a Escócia que tem o seu DIP, e a Irlanda do Norte que tem o seu DIP.
Portanto, estes sister´s states, chamemo-lhe assim, resolvem os conflitos
entre eles, por exemplo, um problema que se coloque entre um cidadão
67

Inglês com um cidadão escocês, resolve-se na Inglaterra aplicando o DIP


inglês. Portanto este mesmo problema entre um inglês e um escocês resolve-
se na Escócia aplicando o DIP Escocês.

Este DIP inglês e DIP escocês, estão a fazer o papel de direito interlocal.
Estão a intervir para resolver o conflito como se fosse direito interlocal. Mas
este mesmo DIP inglês serve para resolver um conflito entre um inglês e um
português. E este mesmo DIP escocês, serve para resolver um conflito entre
um escocês e um português. Portanto serve também como Direito
Internacional Privado.

Quando nós falamos em direito internacional privado unificado temos de


perguntar se o Reino Unido, tem um direito internacional privado que serve
para resolver os conflitos entre todos os estados que integram o Reino Unido
e os demais Estados.

Art.º 23 do CC

Artigo 23º - (Interpretação e averiguação do direito estrangeiro)


”1 - A lei estrangeira é interpretada dentro do sistema a que pertence
e de acordo com as regras interpretativas nele fixadas. 2 - Na
impossibilidade de averiguar o conteúdo da lei estrangeira aplicável
recorrer-se-á à lei que for subsidiariamente competente, devendo
adoptar-se igual procedimento sempre que não for possível
determinar os elementos de facto ou de direito de que dependa a
designação da lei aplicável”.

Esta não é a única disposição que nós temos sobre interpretação e


averiguação do direito estrangeiro. Reparem também, que esta disposição
não deixa de ter um conteúdo formal. O conteúdo formal no sentido de que
as regras sobre interpretação e integração de cada ordem jurídica são as
regras dessa mesma e fixadas por essa mesma ordem jurídica.

Nós temos de ter em consideração no direito internacional privado, que cada


ordem jurídica é um ordem jurídica autónoma, é uma ordem jurídica
relativamente à qual o direito do foro não se apresenta com nenhuma
posição de supremacia. Isto é uma questão importante para nós entendermos
a solução dos casos de direito internacional privado, e das situações
transnacionais.
68

Quando aqui neste art.º 23 diz interpretação e averiguação do direito


estrangeiro, podia dar-nos a ideia de que está a fixar normas de como nós
devemos interpretar o direito estrangeiro. Na verdade fixa algumas, mas
essas normas só têm natureza formal. Limitam-se a remeter para o direito
estrangeiro a possibilidade de fixar quais são os critérios que presidem à
interpretação do direito estrangeiro. E a primeira regra é precisamente esta.
A lei estrangeira é interpretada dentro do sistema a que pertence, e de
acordo com as regras interpretativas neles fixadas. Não pode a lei do foro
fixar nenhuma regra nesta matéria.

Todo o sistema de fontes da lei estrangeira, todas as regras da interpretação e


integração, todos os princípios dessa mesma ordem jurídica, têm de ser
tomados em consideração no momento em que nós interpretamos a mesma
lei estrangeira.

Tudo se passa, segundo o Prof. Baptista Machado, como se nós nos


deslocássemos para cada ordem jurídica, e assumíssemos o papel do juiz
nessa mesma ordem jurídica. Por exemplo, quando estamos a aplicar o
direito espanhol, é como se nos transformássemos em juizes espanhóis. Isto
é um dado muito importante, principalmente quando nós estamos a fazer as
operações de reenvio. Aliás, isto acontece normalmente quando se aplicam
situações de reenvio.

O que eu queria dizer era o seguinte. esta é uma regra que tem de ser tomada
em consideração, seja no momento de aplicação de normas materiais, seja no
momento de aplicação de normas formais, dessa ordem jurídica. Já citámos
várias vezes a seguinte situação

L! Lei portuguesa remete para lei 2 lei italiana.

Temos três hipóteses. A primeira hipótese é a lei italiana se declarar


competente. A segunda hipótese é a lei italiana enviar para uma terceira lei e
a ultima hipótese é a lei italiana devolver para a lei portuguesa. Quando
estamos a trabalhar estas três hipóteses, estamos a trabalhar com normas
formais. Estamos a trabalhar com o direito internacional privado desta
ordem jurídica. Ora, a aplicação do direito internacional privado desta ordem
jurídica, assim como a aplicação do seu direito material se eu não tivesse
feito nenhum reenvio, para nenhuma ordem jurídica, tinha que ser feito de
acordo com as suas fontes, os seus princípios, as suas regras de
69

interpretação, e integração, tudo se passando como se nós fossemos


efectivamente juizes italianos, franceses, espanhóis, etc.

Dirão que naturalmente isso pressupõe um conhecimento que realmente


podemos não ter. mas em tese geral, o juiz português quando aplica o direito
internacional privado é pressuposto que conheça o direito estrangeiro. por
isso é que realmente o código de processo civil confere ao juiz o poder de
recorrer a assessores e neste caso com assessores estrangeiros teriam uma
grande importância, para suprir as lacunas com que se deparar na solução de
um dado caso prático.

Basicamente esta é a ideia que decorre do art.º 23 isto sem prejuízo de esta
questão poder vir a ser retomada posteriormente.

Vou suscitar ainda mais um pequeno problema. em torno desta questão há


uma querela doutrinária que é no sentido de saber se o direito estrangeiro
aplicado ou chamado pela regra de conflitos, é aplicado como verdadeiro
direito, ou se é aplicado como puro facto. Nós não vamos debater esta
questão, mas na verdade a questão existe. Se ele for aplicado como
verdadeiro direito então na verdade temos de tomar em consideração aquilo
que eu estive agora a referir. Mas se o direito estrangeiro é tomado por puro
facto, então dá-se uma espécie de nacionalização do direito estrangeiro, ele
passa a pertencer à ordem jurídica do foro, e o foro neste caso vai aplicar as
suas regras de interpretação e integração.

Por aquilo que eu disse anteriormente já viram que a posição da doutrina


portuguesa, é no sentido de considerar que o direito estrangeiro é um
verdadeiro e próprio direito e não um mero facto. Todavia, há ainda ordens
jurídicas que consideram o direito estrangeiro como um mero facto. Caso
dos direitos anglo – saxónicos, na sequência dos dois statemant que foram
adoptados nos Estados Unidos da América, a propósito dos conflitos de leis,
isto foi um pouco minimizado no segundo statemant de 1907, o que é certo é
que ainda nos direitos anglo – saxónicos permanece um pouco esta ideia que
o direito estrangeiro é um mero facto.

Na ordem jurídica portuguesa, o direito estrangeiro é tratado como um


verdadeiro direito e não como um mero facto.

Três argumentos básicos: o art.º 23 do CC, o art.º 348 do CC, art.º 721 do
CPC. Estes três argumentos conduzem fundamentalmente à ideia de que
70

todo o direito estrangeiro é tratado como um verdadeiro direito e não como


um mero facto.

Artigo 348º - (Direito consuetudinário, local ou estrangeiro) ”1 -


Aquele que invocar o direito consuetudinário, local, ou estrangeiro
compete fazer a prova da sua existência e conteúdo; mas o tribunal
deve procurar, oficiosamente, obter o respectivo conhecimento. 2 - O
conhecimento oficioso incumbe também ao tribunal, sempre que este
tenha que decidir com base no direito consuetudinário, local, ou
estrangeiro e nenhuma das partes o tenha invocado, ou a parte
contrária tenha reconhecido a sua existência e conteúdo ou não haja
deduzido oposição. 3 - Na impossibilidade de determinar o conteúdo
do direito aplicável, o tribunal recorrerá as regras do direito comum
português”.

Artigo 721º CPC - (Decisões que comportam revista) ”1. Cabe


recurso de revista do acórdão da Relação que decida do mérito da
causa. 2. O fundamento específico do recurso de revista é a violação
da lei substantiva, que pode consistir tanto no erro de interpretação
ou de aplicação, como no erro de determinação da norma aplicável;
acessoriamente, pode alegar-se, porém, alguma das nulidades
previstas nos artigos 668º e 716º. 3. Para os efeitos deste artigo,
consideram-se como lei substantiva as normas e os princípios de
direito internacional geral ou comum e as disposições genéricas, de
carácter substantivo, emanadas dos Órgãos de Soberania, nacionais
ou estrangeiros, ou constantes de convenções ou tratados
internacionais”

O n.º 2 do art.º 23 do CC vem levantar um segundo problema. este problema


diz respeito à questão de saber como nós devemos conhecer o direito
estrangeiro ou então, que meios é que pode o intérprete utilizar para
conhecer o direito estrangeiro.

Pode parecer um problema simples, hoje em dia com a internet as coisas


tornaram-se um pouco mais facilitadas, mas a regra é a de que compete às
partes, e aí remeteria para o art.º 348 do CC.
71

Artigo 348º - (Direito consuetudinário, local ou estrangeiro) ”1 -


Aquele que invocar o direito consuetudinário, local, ou estrangeiro
compete fazer a prova da sua existência e conteúdo; mas o tribunal
deve procurar, oficiosamente, obter o respectivo conhecimento. 2 - O
conhecimento oficioso incumbe também ao tribunal, sempre que este
tenha que decidir com base no direito consuetudinário, local, ou
estrangeiro e nenhuma das partes o tenha invocado, ou a parte
contrária tenha reconhecido a sua existência e conteúdo ou não haja
deduzido oposição. 3 - Na impossibilidade de determinar o conteúdo
do direito aplicável, o tribunal recorrerá as regras do direito comum
português”.

A regra é que as partes têm de fazer prova do direito invocado. Uma pessoa
que se vai divorciar, se é cabo-verdiana invoca portanto a lei do divórcio
baseados no direito cabo-verdiano, e portanto vai levar naturalmente ao juiz
prova de que aquele direito vigora. Neste caso há convenções internacionais,
que nós estudaremos mais à frente no nosso curso, que regulam esta
problemática.

Uma ideia que ressalta dessas convenções, é o recurso nomeadamente às


embaixadas e consulados, para que estas autentiquem a existência desse
direito estrangeiro.

Todavia, há aqui no art.º 348 uma competência concorrencial, entre as partes


e o juiz. Porque o próprio tribunal deve procurar oficiosamente obter o
respectivo conhecimento. Também queria chamar a vossa atenção por causa
deste artigo, para o facto de existirem aqui três direitos. Quando se fala aqui
em direito consuetudinário, local ou estrangeiro, são três direitos.

O n.º 2 do art.º 23 do CC, parece estar em oposição com o n.º 3 do art.º 348
do CC. Ao direito português só recorremos em ultimo caso. Se nós
quiséssemos fazer uma hierarquia o n.º 2 do art.º 23 é aplicável antes de
aplicarmos o n.º 3 do art.º 348 do CC.

Aqui quando se fala em direito que for subsidiariamente competente, é uma


questão um pouco complexa. A questão que aqui se coloca é a questão de
saber o que é que nós devemos entender por direito subsidiariamente
competente. Por exemplo, qual é o direito subsidiariamente competente do
direito português? Reparem a questão é um pouco complexa. Como é que
72

nós podemos dizer que um direito é subsidiariamente competente de um


direito cabo-verdiano?

Eu vou avançar uma pequena regra lançada pelo prof. Ferrer Correia.
Quando normalmente se entende que um direito foi influenciado por outro,
por exemplo o direito cabo-verdiano é manifestamente influenciado pelo
direito português. Então, se for impossível conhecer o direito Cabo
Verdeano, sabendo que este direito é influenciado pelo direito português,
recorríamos ao direito português.

De acordo com a regra de conflitos a lei portuguesa remetia para a lei 2 lei
Cabo Verdeana, a lei declarava-se competente, e a partir daí tínhamos o
problema de saber como aplicar esta lei. mas para aplicarmos esta lei
tínhamos de conhecer o seu conteúdo. Recorríamos a todos os processos de
averiguação da existência do direito estrangeiro, e não chegávamos a
nenhuma conclusão. Eu diria que de acordo com o n.º 2 do art.º 23 do CC
que recorreríamos ao direito subsidiariamente competente. O direito
subsidiariamente competente, aqui poderia ser, segundo aqueles princípios
de presunção aventados pelo prof. Ferrer Correia, podia ser o de que
aplicávamos aqui o direito português. É claro que aqui a situação estava
facilitada porque o direito português é o direito do foro e acabávamos por
resolver a questão. Mas vamos supor que era por hipótese, a lei de Macau, e
que estava influenciado pelo direito chinês. A ideia seria nós aplicarmos o
direito chinês, como direito subsidiário. Mas isto em tese muito geral.

Isto pode levar a imensas injustiças. Em Cabo Verde o cônjuge não integra a
primeira classe de sucessíveis. Porquê? Porque o regime de leis é em Cabo
Verde obrigatoriamente o de comunhão de adquiridos. Significa que o
cônjuge já está protegido por esse regime de bens. Portanto, os filhos é que
estão na primeira classe de sucessíveis, por força do regime obrigatório de
comunhão de adquiridos. Resultado. Se nós não podendo conhecer a lei
Cabo Verdeana viéssemos a aplicar subsidiariamente à questão sucessória o
direito português, estávamos a gerar uma enorme injustiça.

A internet vai obrigar a algumas reformulações em direito internacional


privado precisamente porque estes problemas que suscitaram o aparecimento
de normas como estas. O prof. Lima Pinheiro também não está muito de
acordo com disposições como esta nem com essas tais presunções aventadas
pelo prof. Ferrer Correria.
73

Art.º 20 do CC
Artigo 24º - (Actos realizados a bordo) ”1 - Os actos realizados a
bordo de navios ou aeronaves, fora dos portos ou aeródromos, é
aplicável à lei do lugar da respectiva matrícula, sempre que for
competente a lei territorial. 2 - Os navios e aeronaves militares
consideram-se como parte do território do Estado a que pertencem”

A aplicação desta disposição não é fácil. Por exemplo quando diz que um
testamento celebrado a bordo de uma aeronave portuguesa se aplica a lei
portuguesa, eu pergunto e se for um testamento feito por dois franceses?
Reparem que aqui é que está o problema. Se for um testamento de um
francês, já temos problemas de saber qual é a lei aplicável.

Um francês faz um testamento a bordo de uma aeronave portuguesa. Quid


juris?

A primeira regra quanto à solução dos casos da vida privada internacional é


saber se existe um elemento de estraneidade. Temos portanto aqui um
elemento de estraneidade que é um cidadão francês. A seguir, temos de
identificar a situação. Temos um problema de disposição por morte. E o que
é que diz a regra de conflitos sobre as disposições por morte? Manda aplicar
a lei pessoal. Art.º 63 do CC. E a lei pessoal neste caso qual é? Art.º 31/1 a
lei da nacionalidade. é a lei francesa. Afinal este testamento de um francês
feito a bordo de uma aeronave é regulado pela lei francesa. Mas não
acabámos.

O testamento tem questões de substância e os problemas também tem


problemas de forma. qual é a lei reguladora da forma do testamento? Art.º
65 do CC, é a lei do lugar onde o lugar foi celebrado. É claro que o art.º 65 é
uma disposição mais complexa do que isto, mas, para efeitos de aplicação do
art.º 24 do CC, vamos situar-nos n0 art.º 65 lei do lugar onde o acto foi
celebrado, e neste caso onde foi? Neste caso é Portugal. E como é que
fazemos introduzir aqui o art.º 24? O art.º 24 para ser aplicado tem de ser
necessariamente associado ao art.º 65. o art.º 65 manda aplicar a lei
portuguesa. Eles não estão em Portugal. É uma aeronave que está for do
porto ou aeródromo. E diz o art.º 24 que, é aplicável a lei do lugar da
respectiva matrícula, portanto, é aplicável a lei portuguesa, sempre que for
competente a lei territorial.
74

Portanto, neste caso a forma do acto, é regulada pela lei portuguesa, com
base no art.º 65 do CC. A lei territorial é a lei portuguesa. Têm que fazer esta
referência para efeitos de aplicação do art.º 24 do CC. Têm que demonstrar
que a lei portuguesa é a lei territorial. Então, confirmado que a lei
portuguesa é a lei territorial, então aqui vamos recorrer ao art.º 24 e aplicar a
lei portuguesa.

A aplicação do art.º 24 pressupõe que determinemos antes de mais nada qual


é a lei territorial. Para nós determinarmos a lei territorial, temos de recorrer a
uma regra de conflitos. Primeiro temos de identificar a situação, a situação a
situação opta-nos para uma regra de conflitos, a regra de conflitos vai
concretizar-se em determinada ordem jurídica, se ela se concretizar na
ordem jurídica portuguesa, é esta a lei territorial. Se ela se concretizar noutra
ordem jurídica, é essa a lei territorial. Reparem. No caso dos problemas
substanciais a lei francesa é que é a lei territorial. Para efeitos da lei
reguladora da substância da disposição testamentária, a lei territorial é a lei
francesa. Para efeitos de regulação da forma da disposição testamentária a
lei territorial é a portuguesa.

Portanto, no fundo a lei territorial é chamada pela regra de conflitos, para


regular aquela situação concreta.

Vamos supor que havia um problema de invalidade formal. Como sabe a


questão da forma os legisladores dão um conjunto de mecanismos de
conexões subsidiárias para validar formalmente um determinado negócio.
Até porque o negócio podia ser válido quanto à forma aplicada a lei
reguladora da substância. Vamos supor que era um testamento de mão
comum. E o direito francês aceitasse essa liberdade de testamento.

A primeira coisa é determinar a lei territorial. Vamos supor que A esfaqueia


B num navio do Panamá fora do porto. Qual é a lei que regula esta situação?
Vamos supor que A é Espanhol, B é francês, o navio Panamiano. O nosso
ponto de partida é o direito internacional privado português. Quando nós
estamos a colocar uma questão, o critério para nós sabermos se aplicamos ou
não o direito internacional privado português, é o critério de a questão nos
ser colocada.

Quando se coloca a questão em Portugal, o juiz português aplica o direito


internacional português. Quando se coloca a questão no Panamá
75

naturalmente, que o juiz do Panamá aplica o direito internacional privado


Panamiano.

A regra é se Portugal tem ou não competência internacional directa ou


indirecta, para regular esta questão. Quando colocamos a questão já estamos
a dar de barato que este problema da competência já foi ultrapassada.

Se o tribunal português é competente, vamos dar o passo seguinte. qual é a


situação privada internacional que temos? A situação é a de responsabilidade
extra – contratual. Recorremos à norma de conflitos que regula esta questão.
art.º 45 do CC. Manda aplicar a lei do Estado onde decorreu a principal
actividade causadora do prejuízo. Temos de determinar qual é a lei
territorial. O elemento de conexão do art.º 45 é o elemento de conexão. A
responsabilidade extra – contratual é o conceito – quadro, ou categoria de
conexão, ou previsão da regra de conflitos.

Temos aqui um problema de concretização do elemento de conexão previsto


no art.º 45, uma vez que ocorreu no mar alto. Quando vamos tentar
determinar onde é que esse elemento de conexão se concretiza, a ideia é que
se não concretiza em país nenhum, em Estado soberano nenhum porque
efectivamente estamos no alto mar. temos que recorrer à ultima parte do art.º
24 que diz é aplicada a lei do local da matrícula sempre que for competente a
lei territorial. Combinando a ultima parte do art.º 24/1 com o art.º 45 do CC,
e pressupondo que o barco está matriculado no Panamá, neste caso
consideramos que a lei territorial é a lei panamiana, e portanto, neste caso
aplicaríamos à responsabilidade extra – contratual a lei do Panamá.

AULA 6 20/11/2002

Vamos hoje falar sobre a importância do Direito Internacional Privado.

Convenção de Roma sobre a lei aplicável às Obrigações


Contratuais

Vamos hoje fazer uma breve referência à Convenção de Roma sobre a lei
aplicável às Obrigações Contratuais.

Os art.º 41 e seguintes do código civil foram substituídos pela convenção de


Roma sobre a lei aplicável às obrigações contratuais.
76

O que é a convenção de Roma? Portugal pertence à comunidade Europeia, e


estando na Comunidade Europeia, há todo um processo de uniformização da
legislação. Esse processo de uniformização da legislação passa pela
aplicação dos regulamentos comunitários, que são de aplicação directa, e
pela transposição de directivas comunitárias em que realmente há uma certa
liberdade da parte dos Estados, na transposição dessas directivas, pelo que
estas directivas não permitem suprimir os conflitos de leis, porque por
exemplo, uma directiva sobre o regime jurídico das coisas, transposta por
Portugal, teria necessariamente uma transposição eventualmente diversa
daquela que é levada nomeadamente por outro país da comunidade europeia.

As directivas não suprimem os conflitos de leis. Elas simplesmente


diminuem ou reduzem o leque possível de conflitos de leis. Quando nós
falámos dos processos e técnicas de regulação das situações privadas
internacionais, quando estudámos os processos de regulação por via
internacional, fizemos a distinção entre uniformização, harmonização e
unificação stricto senso.

É uma distinção do direito comparado, que alimenta o direito internacional


privado, nesta classificação.

Para conseguir distinguir estas três situações, temos de tomar em


consideração as situações puramente internas, e as situações transnacionais.

Na unificação, quer as situações puramente internas quer as situações


transnacionais, são regulados pelo mesmo e único corpo de normas.

Na uniformização, temos a situação em que a situação privada internacional


e a situação puramente interna, é regulado pelo mesmo corpo de normas. Por
exemplo um português passa um cheque em Português, é regulado pela lei
das letras, cheques e livranças, que é a tal convenção de 1930 que regula as
matérias das letras, livranças e cheques. Há uma uniformização da
regulamentação da disciplina legal dada a estas situações.

Agora a unificação stricto senso, já não abrange as situações puramente


internas. Há um corpo de normas legais, que visa regular apenas as situações
transnacionais. É o caso da compra e venda internacionais de mercadorias,
de que Portugal não é parte, mas que é um caso de uniformização em
matéria de direito aéreo, do direito marítimo, do direito de autor.
77

A harmonização é que está relacionado com a problemática das directivas.


Há uma norma emitida por uma Entidade supra – estadual, que corresponde
a indicações, ou a directivas indicações dadas aos Estados no sentido de
procederem à harmonização da sua legislação, em função dessas tais
directivas.

Os processos de unificação em sentido lato apresentam estas três


modalidades.

Isto veio a propósito da convenção de Roma sobre as leis reguladoras das


obrigações contratuais.

A comunidade europeia tem vindo a proceder à harmonização das


legislações em diversos domínios. Também o domínio do direito
internacional privado não escapou a este processo de uniformização.
Portanto, em matéria processual civil internacional, é considerada matéria de
direito internacional privado, desde 1968 foi assinada uma convenção que se
chama Convenção de Bruxelas, para o reconhecimento e execução de
sentenças estrangeiras. Essa convenção praticamente já não se encontra em
vigor, visto que foi substituída por um regulamento de 2001 que
estudaremos mais à frente no nosso curso, mas também no plano do direito
conflitual. No plano do direito de conflitos a união europeia também tem
vindo a adoptar normas com vista à uniformização ou harmonização se
quisermos desta matéria.

Em matéria de contratos, os Estados da União Europeia assinaram em 1980


a convenção de Roma sobre as leis aplicáveis às obrigações contratuais. O
que é que visa esta convenção? Visa harmonizar o direito de conflitos dos
diversos Estados no que respeita às obrigações contratuais.

Neste momento no quadro da União Europeia não existe divergência entre


os Estados no que diz respeito aos conflitos em matéria de obrigações.
Todos eles tinham certos princípios comuns. Por exemplo, todos eles
aceitavam o princípio da autonomia da vontade no que respeita às escolha da
lei aplicável às obrigações.

Um português adquire a um francês cadeiras, isto é um contrato


internacional, contrato obrigacional, a este contrato é aplicável uma lei. as
partes podem escolher essa lei. em qualquer das ordens jurídicas da União
78

Europeia, as partes podem escolher e lei reguladora deste contrato, com base
no princípio da autonomia da vontade. Os problemas punham-se nas
situações em que havia falta de escolha, portanto, quando as partes não
escolhiam, por exemplo, no nosso contrato entre o francês e o português
para fornecimento de cadeiras, tanto podiam escolher a lei francesa, para
regular o contrato, como podiam escolher a lei portuguesa, ou outra lei
qualquer.

Os problemas colocavam-se no momento em que as partes não tinham


escolhido a lei reguladora do contrato, em que Portugal mandava aplicar
uma lei, e se recorrermos ao art.º 42 veremos qual era a lei aplicável,

Artigo 42º - (Critério supletivo) ”1 - Na falta de determinação da lei


competente, atende-se, nos negócios jurídicos unilaterais a lei da
residência habitual do declarante e, nos contratos, a lei da residência
habitual comum das partes. 2 - Na falta de residência comum, é
aplicável, nos contratos gratuitos, a lei da residência habitual
daquele que atribui o benefício e, nos restantes contratos, a lei do
lugar da celebração”.

Portanto Portugal mandava aplicar subsidiariamente a lei da residência


habitual comum das partes. Se o francês está em França e o português em
Portugal, está – se a ver que não era possível. Portugal, como conexão
subsidiária da subsidiária, escolhia a lei do lugar da celebração.

Mas punha-se um problema mesmo relativamente ao lugar da celebração.


Por exemplo um contrato celebrado por telefone, onde é que é o lugar da
celebração? Para resolver este problema as ordens jurídicas davam soluções
diversas.

E mesmo em Portugal, a própria interpretação do que fosse o lugar de


celebração era divergente. O Prof. Ferrer Correia tinha uma opinião, a Prof.ª
Magalhães Colaço tinha outra opinião.

A partir daí as ordens jurídicas, nomeadamente a União Europeia, decidiu


uniformizar toda matéria de lei aplicável às obrigações contratuais, e tudo
isso está consubstanciado na Convenção de Roma. Essa convenção já está
em fase de revisão, foi elaborada por um grupo de juristas, peritos em direito
internacional privado.
79

O que é importante nesta convenção é que ela rompeu com estes aspectos. O
lugar da celebração é um aspecto que não interessa hoje no quadro da
convenção de Roma. Em lugar da residência habitual comum, a convenção
de Roma veio introduzir um novo conceito para determinação da lei
aplicável às obrigações, que é o conceito de prestação característica.

Em regra na falta de escolha da lei reguladora do contrato, é a lei do lugar da


residência habitual ou da sede do devedor da prestação característica que é
determinante para efeitos de regular o contrato.

É muito fácil determinar o que seja uma prestação característica. É a


prestação não monetária do contrato. Uma pessoa adquire um livro, quem
deve o livro deve a prestação característica do contrato. Quem deve cadeiras,
deve prestação característica do contrato. Quem deve o preço é o detentor da
prestação característica, porque na verdade, a prestação que desempenha o
fim económico social no contrato concreto é a prestação não monetária.

Este critério é criticado, porque, no fundo, privilegia quem detém as coisas.


Diz-se que há sempre um certo critério capitalista nessa escolha. A prestação
característica foi uma ideia inventada pelos Suíços, e de um modo geral,
praticamente toda a doutrina acabou por aceitar isso de bom grado, e neste
momento eu entendo que é um bom critério.

Há duas situações em que realmente se coloca o problema de saber qual é a


prestação característica de um contrato. Por exemplo, contratos de troca,
quando as pessoas trocam bens por outros bens, nós temos dúvidas sobre
qual será a prestação característica do contrato. Mas a convenção de Roma,
teve em consideração este aspecto, e considerou que, neste caso não é
possível determinar qual seja a prestação característica. Ambas as prestações
são características, e sendo ambas as prestações características, então, num
caso como este vamos ter é que determinar qual a ordem jurídica que aquele
contrato concreto apresenta conexão mais estreita, com qual das ordens
jurídicas da situação privada internacional aquele contrato concreto
apresenta uma conexão mais estreita.

Também há uma divergência doutrinária neste momento que é a de saber se


isto que acabei de enunciar é uma clausula de excepção ou se é a
reconfirmação do elemento de conexão. A convenção de Roma permite ao
juiz ter todo o género de critérios, de índices externos para determinar com
qual país o contrato em questão apresenta uma conexão mais estreita.
80

Reparem que havendo igualdade, mas havendo um índice ainda que muito
ténue, de qualquer modo faz prevalecer. É que senão acabamos por não ter
meios de solução.

Há sempre um elemento que serve não como elemento de conexão mas


como elemento adjuvante da concretização do elemento de conexão. Da
prestação característica. Neste caso ir-se-ia pelo art.º 4/5 da Convenção de
Roma.

A convenção de Roma basicamente contempla os seguintes princípios:


 Princípio da autonomia da vontade. Está amplamente recebido na
convenção de Roma. Este princípio tem um conjunto muito
significativo de consequências. Porquê? Porque as partes podem:
o escolher a lei aplicável à totalidade do contrato;
o escolher a lei aplicável a uma parte, e outra lei aplicável a outra
parte; por exemplo no contrato entre o português e o francês,
eles podem perfeitamente escolher aplicar a uma parte do
contrato a lei portuguesa, e a outra parte do contrato a lei
francesa.
o Podem ainda modificar a lei inicialmente escolhida. Podem
dizer que o direito português vigora até por exemplo seis meses
do contrato, e o direito francês vigora no resto do contrato.
o As partes podem inclusivamente escolher uma lei com conexão
com o negócio, como podem escolher uma lei sem conexão
com o negócio.

Portanto, a convenção de Roma, estabelece uma ampla autonomia das partes


na regulação da lei reguladora do contrato. Este é o princípio fundamental da
convenção de Roma e que é um princípio que já consta da generalidades das
regulações dos países que ratificaram esta convenção.

Como critério determinante na falta de escolha adoptou o critério da


prestação característica, e como já sabem a prestação característica não é
ela própria determinante, porque ela tem de estar associada a outros critérios,
nomeadamente o lugar da residência habitual, a sede da pessoa colectiva, o
lugar da situação da coisa.

Há uma presunção geral na convenção de Roma no sentido de que o contrato


apresenta conexão mais estreita com a lei do lugar de residência habitual do
81

devedor da prestação característica. Mas, se se tratar de um imóvel, já se


presume que tem uma conexão mais estreita com a lei do lugar da situação.

Se se tratar de venda de um imóvel, nós não estamos em sede do direito das


coisas. Não estamos em sede dos direitos reais. Estamos em sede das
obrigações. Num contrato de direito real, nós temos de distinguir o estatuto
obrigacional do estatuto real. O estatuto obrigacional vamos supor que as
partes escolheram a lei. podem não escolher a lei que regule o estatuto real.
Então, há uma divergência entre as duas leis.

Vamos supor que as partes escolheram como lei reguladora do estatuto


obrigacional a lei portuguesa. Se a coisa está situada em França, por força do
art.º 46 será regulado pelo direito francês. Há uma divergência entre a lei
reguladora do estatuto real e a lei reguladora do estatuto obrigacional.

A convenção de Roma nas situações em que as partes não fizeram uma


escolha da lei, regula esta questão considerando que a lei que regula as
obrigações contratuais tratando-se de um imóvel, é supletivamente regulada
pela mesma lei que regula o estatuto real, portanto, a lei do lugar da situação.

Procurando evitar esta confusão atrás referida, a convenção de Roma


uniformizou as duas soluções, no seu art.º 4/3.

Além disso a convenção de Roma vem estabelecer critérios particulares para


regular as situações de contratos celebrados com consumidores, e relativos a
contratos celebrados com trabalhadores. Em qualquer destas duas situações,
praticamente todas as ordens jurídicas, se guiam prelo princípio da protecção
da parte mais débil. Neste caso a convenção de Roma também adoptou
critérios de protecção da parte mais débil, neste caso no plano internacional.

Por exemplo, se uma pessoa adquire um bem qualquer por catálogo, e


aceitou determinadas clausulas pré – definidas pela contra – parte, e essas
clausulas o prejudicam, diz a convenção de Roma, que não deixa de ser
aplicável a lei do lugar da residência habitual, no fundo não deixa de ser
aplicável a lei que a pessoa conhece e que a pessoa sabe que melhor a
protege, com vista à sua protecção.

Nestes dois contratos, contratos celebrados com consumidores, e contratos


celebrados com trabalhadores, são contratos muito interessantes do ponto de
vista de determinação da lei aplicável, porque ainda que as partes tenham
82

escolhido a lei reguladora do contrato, e ainda que o critério de determinação


da lei aplicável na falta de escolha conduza à aplicação da lei de residência
habitual, quer do trabalhador quer do consumidor, então a convenção de
Roma permite que nestes casos estas leis sejam igualmente aplicáveis,
substituindo aquelas normas que não protegem o trabalhador ou não
protegem o consumidor.

Dirão que vamos então aplicar duas leis. Vamos aplicar duas leis ao contrato
de trabalho, vamos aplicar duas leis aos contratos celebrados com
consumidores. Vamos ter que proceder a uma escolha daquela norma, não da
lei na sua totalidade porque nós não podemos afastar a lei na sua totalidade,
mas vamos escolher aquela norma que em concreto melhor protege o
trabalhador, ou melhor protege o consumidor.

No caso do consumidor o critério é o da lei do lugar da residência habitual.


no caso do trabalhador, o critério é o da lei do lugar da execução do trabalho,
onde o trabalhador presta a sua actividade, é este o critério fundamental e
sem prejuízo das tais chamadas clausulas de excepção.

Depois disso a convenção de Roma tem normas, nomeadamente normas do


art.º 7 que é o problema da fixação das chamadas normas auto – limitadas.

No que diz respeito à convenção de Roma, o legislador português


estabeleceu uma reserva relativamente à aplicação desta disposição. O art.º 7
da convenção de Roma vem permitir a aplicação das normas auto –
limitadas do foro, portanto normas auto – limitadas portuguesas, e veio
permitir a aplicação de normas auto – limitadas estrangeiras. Portugal
estabeleceu uma reserva no que respeita à aplicação pelos tribunais
portugueses de normas auto – limitadas estrangeiras.

Mas aqui nós temos um conflito porque na convenção de Haia sobre a


representação Portugal aceitou a aplicação de normas auto – limitadas
estrangeiras, no que diz respeito à convenção de Roma afastou esta
possibilidade. Neste momento discute-se na doutrina portuguesa como é que
se há – de proceder. O Prof. Marques dos Santos diz que uma coisa anula a
outra. O Prof. Lima Pinheiro tem uma posição um pouco diferente. Eu pela
minha parte nós vamos aplicar os dois critérios, porque se realmente o
legislador português distingue claramente a representação da obrigação,
portanto se se tratar de um contrato obrigacional não aplicamos, mas se for
um contrato de representação aplicamos.
83

Vocês poderão dizer que é um contrato de representação para obrigar. Mas


por força do princípio do dépeçage podemos perfeitamente delimitar a parte
que corresponde à celebração do contrato de representação e à parte que
corresponde à possibilidade de obrigar.

Contrato A

Parte de representação parte obrigacional


Procuração celebração do contrato compra e venda

Ex: uma pessoa confere uma procuração a alguém para realizar um contrato
de compra e venda. Este processo de conceder a procuração a alguém está
abrangida pela convenção de Haia sobre representação. Neste caso podemos
aplicar as normas auto – limitadas. Mas já na fase em que o indivíduo vai
celebrar o contrato de compra e venda, aí já não podemos fazer valer as
normas auto – limitadas.

Pensar que uma convenção anula outra já me suscita algumas dificuldades,


pelo seguinte. as partes são diferentes nessas convenções. O objecto das
convenções também são diferentes. Logo o estar a pensar porque num caso
Portugal aceitou a aplicação de normas auto – limitadas e noutro não
aceitou, é difícil de aceitar. Além disso há também o princípio da paridade
de tratamento das ordens jurídicas que é considerado um princípio chave
do direito internacional privado.

Se as ordens jurídicas estão em paridade de tratamento, então entendo que o


princípio será de aceitar a aplicação de normas auto – limitadas. Agora, só
que a convenção de Roma vem por em causa este princípio, quando rejeita a
aplicação de normas auto – limitadas.

Há um sector onde as normas auto – limitadas estrangeiras têm uma


importância fulcral, e além disso eu entendo que o legislador português não
foi suficientemente cauteloso, que é a parte relativa às obras de arte. Há uma
obra de arte por exemplo, francesa que se encontra no museu do Louvre, e
que não pode ser vendida quanto mais transferida para outro país. Há um
conjunto de normas auto – limitadas que protegem aquela obra de arte como
obra de arte francesa. Será que nós não podemos aplicar em Portugal as
normas auto – limitadas francesas que visam proteger aquela obra? Com que
84

direito é que Portugal vai fazer valer as suas próprias normas auto –
limitadas que visam proteger as obras de arte portuguesas?

Eu tenho alguma dificuldade em aceitar esta solução proibitiva por parte de


Portugal do art.º 7 da convenção de Roma.

Em regra as normas auto – limitadas estão a proteger determinadas políticas,


sociais, económicas e culturais. Essas políticas podem extravasar, como por
exemplo o caso de alguém roubar uma obra de arte e vem vendê-la em
Portugal.

A convenção de Roma tem normas particulares sobre a questão de reserva


de ordem pública, a convenção é mais exigente no que diz respeito à
intervenção da reserva da ordem pública, incluindo o advérbio
manifestamente, ou seja a violação do princípio da ordem pública de um
determinado Estado, só se verifica quando ela é manifesta. Há um
acréscimo de dificuldade imposta ao juiz para fazer intervir a reserva de
ordem pública.

O objectivo é de viabilizar ou de facilitar cada vez mais os contratos


internacionais. Se o juiz pudesse fazer intervir a todo o momento a reserva
de ordem pública, havia menos contratos válidos.

Vamos supor que a parte sombreada seria a parte


CInt dos seria a parte dos contratos inválidos, ou
cnac
ineficazes por força da intervenção do instituto da
reserva. Mas se nós dissermos que, para que haja
intervenção da reserva é necessário que a violação
seja manifesta, então a intersecção reduz-se, e só na
parte riscada seria proibida. No amarela seria
normal.

Há uma menor exigência da parte do legislador comunitário no sentido da


intervenção da reserva de ordem pública. Esta reserva não é uma reserva
tomada como ponto de partida comunitário. É nacional! É a ordem pública
internacional do Estado português. E aí vai haver inevitavelmente algumas
divergências entre alguns Estados que poderão não considerar que
determinadas normas violam manifestamente a sua ordem jurídica, quando
outros Estados poderão considerar que essa mesma norma não viola. Aí não
85

teremos ainda uma uniformização total entre as ordens jurídicas,


nomeadamente no ponto de vista das soluções dadas nestas questões.

Outra diferença que a convenção de Roma vem trazer, diz respeito aos
ordenamentos jurídicos plurilegislativos. O art.º 19 da convenção de Roma
vem dizer que no que respeita aos ordenamentos jurídicos plurilegislativos,
cada parte do país é considerado como um país no seu todo.

Por exemplo, Inglaterra é considerada como um país. Escócia é considerada


como um país. Madeira é considerada como um País. São todos
considerados como países para efeitos de determinação da lei aplicável. É
diverso daquilo que nós estudámos a propósito do art.º 20 do CC. Enquanto
o art.º 20 do CC remete para o estado soberano, o art.º 19 da convenção de
Roma remete para a unidade territorial tomada como se fosse um país.

A situação prevista no n.º 2 do art.º 19 da convenção de Roma é a de que


cada país soberano não é obrigado a aplicar esta convenção nas relações
inter – locais, para resolver conflitos inter – locais. Num contrato celebrado
entre um inglês e um escocês se se colocar um problema de conflito de leis,
esse conflito pode não ser regulado pela convenção de Roma.

LIÇÃO N.º 7 21/11/2002

A convenção de Roma é uma fonte supra – estadual, que tem por objecto
todas as relações contratuais.

Qual é o conceito quadro do art.º 41 do CC? O que é um conceito –


quadro de uma norma de conflitos? O conceito quadro do art.º 41 são as
obrigações por via do negócio jurídico. Quando estamos a pensar num
conceito – quadro estamos a pensar num conceito técnico – jurídico, que
no fundo e um conceito que representa uma situação da vida. Pode ser um
acto, um facto ou um conjunto de factos, pode ser algo que representa
atitudes das pessoas, representa coisas, recorrendo a exemplos:

Por exemplo Estados dos indivíduos. O que é isso? São as circunstâncias


pessoais que circundam em torno do indivíduo:
 Capacidade das pessoas; capacidade de exercício, capacidade de
gozo, o poder jurídico que essa pessoa possa ter;
86

 As relações de família: paternidade, filiação, etc., são situações da


vida que estão representadas nos conceitos quadros.

Mas não apenas situações da vida de um pinto de vista estático, mas


também de um ponto de vista dinâmico. Por exemplo, um acto jurídico, um
testamento, um negócio jurídico, são todas situações da vida que estão
representadas nestes conceitos técnico – jurídicos. São conceitos
abrangentes, e que são capazes de integrar no seu âmbito uma
multiplicidade destas situações. Não só as situações criadas pela ordem
jurídica, no quadro da ordem jurídica portuguesa, mas situações criadas na
ordem jurídica estrangeira desde que susceptíveis de se subsumirem naquele
conceito – quadro.

Por exemplo vamos pegar no conceito de estado dos indivíduos. Este


conceito é um conceito – quadro previsto no art.º 25 do CC. Qual é o papel
deste conceito? Vai servir para nós irmos subsumir nele todas as situações
da vida que, pelas suas características correspondam a estados dos
indivíduos. Portanto:
 A filiação;
 O casamento;
 Solteiro;
 Casado;
 Viúvo;
 Divorciado;
 Desquitado;
 Unido de facto
 Etc...

Este conceito de estado dos indivíduos chama-se conceito – quadro


precisamente por causa da sua amplitude em abranger as diversas
situações que pelas suas características correspondam a estados dos
indivíduos.

Ao conceito de estado, está necessariamente ligado a ideia de permanência.


São situações jurídicas permanentes. O estado de filho é permanente. O
estado de casado é uma situação tendencialmente permanente, relações de
família também são relações tendencialmente permanentes.
87

É este o conceito – quadro. E toda a regra de conflitos tem um conceito –


quadro, este conceito abrangente onde vamos subsumir determinadas
situações da vida. No art.º 41 do CC o conceito – quadro é obrigações
provenientes de negócios jurídicos. Podia ser simplesmente negócios
jurídicos. Mas o legislador entendeu por bem especificar.

Quando eu estava a perguntar a diferença entre a convenção de Roma e o


código civil, relativamente ao conceito quadro, era precisamente para
chamar a atenção para o facto de o legislador do código civil ter optado por
obrigações provenientes do negócio jurídico, e o legislador da convenção ter
optado por outra coisa como conceito – quadro. Fala nas relações
contratuais, no fundo é o contrato que realmente corresponde ao conceito
quadro previsto pela convenção de Roma.

Sempre que nós temos uma situação privada internacional, é – nos


necessário recorrer a um conceito – quadro. Muitas vezes a dificuldade está
em nós sabermos que conceito – quadro subsumir aquela situação da vida. E
muitas vezes a dificuldade está em nós sabermos identificar a situação da
vida, de modo a subsumi-la a um determinado conceito – quadro.

Esta situação cria realmente algumas dificuldades, porque nem em todas as


ordens jurídicas o legislador optou pelos mesmos conceitos – quadro. Por
exemplo nós não temos um conceito – quadro casamento, mas temos um
conceito – quadro “capacidade para celebrar o casamento”.

O art.º 49 e seguintes do CC fala em lei reguladora das relações de família,


conceito – quadro amplo, onde o legislador inclui casamento, afinidade, a
adopção, a união de facto se nós considerarmos a união de facto uma relação
de família, e todas as outras relações da vida, ou situações da vida que
correspondam a relações de família.

Portanto, não são apenas aquelas relações identificadas pela ordem jurídica
portuguesa, que do ponto de vista do direito de conflitos, regulam as
relações da vida. Daí que a interpretação deste conceito seja uma
interpretação autónoma.

O que é que significa isto interpretação autónoma? A interpretação dos


conceito – quadro das regras de conflito, é feito não segundo o direito
material do foro, mas sim segundo o direito formal do foro. E é uma
interpretação autónoma. em direito português diz-se que as relações de
88

família são taxativas. Há quem diga que o elenco das relações de família
previstas no código de família, é um elenco taxativo. Portanto, abrange o
casamento, o parentesco, a afinidade e a adopção. Se nós fizéssemos uma
interpretação deste conceito à luz, tomando por base o direito material do
foro, uma interpretação não autónoma, então este conceito teria este
conteúdo e mais nada.

Mas se nós fizermos uma interpretação autónoma deste conceito, portanto


uma interpretação formal deste conceito, então já abrange além do
casamento, do parentesco, da afinidade e da adopção, abrangerá também a
união de facto, o desquite, o repúdio, e outras formas de estabelecimento de
relações familiares existentes no mundo inteiro. Neste caso estamos a fazer
uma interpretação autónoma. Autónoma porquê? Autónoma com relação
ao direito material do foro. Nós não precisamos de nos cingirmos ao
conteúdo que o direito material do foro empresta a este conceito, para o
interpretar. A interpretação que lhe vamos dar é uma interpretação que esteja
aberta para resolver as situações da vida privada internacional.

Mesmo no art.º 25 nos encontramos estado dos indivíduos, já demonstrei


que estado dos indivíduos pode não ser só o casamento, a filiação, o
divórcio, separação de facto, separação de pessoas e bens. Pode ser mais
coisas. As outras ordens jurídicas, assim como nós temos a nossa separação
de facto, ou separação de pessoas e bens, as outras ordens jurídicas são livres
de escolher outras modalidades de relações de família, como o repúdio. Em
direito internacional privado temos de dar causa jurídica a isso. Um exemplo
é o desquite. O desquite brasileiro, quando nós vamos percorrer as regras de
conflito nós não encontramos nenhuma que fale em desquite. O que nós
temos de saber é se o desquite na sua configuração jurídica é susceptível de
se encaixar nalgum preceituado da nossa regra de conflitos. As pessoas
entendem que cria relações familiares, e não só cria relação familiar como é
equivalente à nossa separação de pessoas e bens. Portanto, há uma
transposição dos requisitos do desquite para os requisitos da nossa
separações judicial de pessoas e bens.

O conceito quadro básico da convenção de Roma são as obrigações


contratuais, provenientes de contratos.

Vimos também que naquele quadro de processos de unificação


internacional, que a convenção de Roma se situava numa uniformização
89

stricto senso. Todos os Estados Europeus passam a ter um corpo de normas


de conflitos aplicáveis às obrigações contratuais.

Regra de conflitos

Podemos agora conversar um pouco sobre a problemática da regra de


conflitos.

O que e uma regra de conflitos? Qual é a sua estrutura? Qual é a sua função?
Quais são as suas características fundamentais?

É uma norma essencialmente formal, não nos apresenta a solução material


do caso, indica-nos o caminho de forma a que possamos resolver o
problema. no art.º 123 do CC qual seria a sua norma de conflitos
correspondente? Nós para aplicarmos uma norma material nós temos
primeiro que a qualificar. Salvo disposição em contrário os menores carecem
de representação para o exercício de direitos. Depois temos uma norma que
diz quem é menor. São menores quem tem menos de 18 anos. E se for um
francês? Aí temos de recorrer ao direito material francês para saber a quem é
que a lei francesa atribui capacidade ou não. Quando estamos a fazer isto
estamos a recorrer a uma regra de conflitos. Art.º 25 do CC conjugado com o
art.º 31/1 do CC.

Se quisesse fazer uma recondução do art.º 123 do CC a uma regra de


conflitos qual seria a regra de conflitos? O art.º 25 estabelece que o estado
das pessoas é regulado pela lei pessoal. O art.º 31/1 que nos indica qual é a
lei pessoal.

O art.º 29 do CC não é uma norma de conflitos porque ela regula a situação


e dá a solução. Não deixa de ser uma norma de direito internacional privado.
Que tipo de norma de direito internacional privado? Esta norma não tinha
utilidade no quadro do direito material interno. Dentro daqueles processos e
técnicas que nós estudámos nas aulas plenárias que tipo de norma é que é
este art.º 29 do CC? É uma norma material.

Que outros elementos estruturais tem a regra de conflitos? São em regra


normas bilaterais, tanto mandam aplicar a lei do foro, como mandam
aplicar a lei estrangeira, algumas são unilaterais, porque só mandam
aplicar a lei do foro. Em alguns casos criam mais problemas dos que os que
resolvem, até por acabam por criar problemas ao próprio aplicador da lei.
90

estou a pensar por exemplo no art.º 3.º do CC francês que diz o seguinte “a
capacidade dos franceses é regulada pela lei francesa, mesmo no
estrangeiro”, é uma norma de conflitos unilateral. A jurisprudência francesa
teve necessidade de bilateralizar a norma para resolver as diversas situações
da vida que se colocavam relativamente aos estrangeiros em território
francês.

Mas independentemente dessa característica da bilateralidade da norma de


conflitos, que outras características é que a regre de conflitos tem?

É um elemento de conexão. É um elemento estrutural da regra de conflitos.


E o que é o elemento de conexão? Podemos começar por citar alguns
exemplos de elementos de conexão., por exemplo, se desfilarem pelos art.º
25 e seguintes que elementos de conexão é que encontram aí?

Situação do lugar da coisa, domicílio, no CC art.º 32, e no art.º 25 onde é


que está o elemento de conexão? Terá vários. Em regra é o lugar da
nacionalidade. o elemento de conexão aponta sempre para um lugar. Local
da celebração, local da residência habitual, local do domicílio, local da
nacionalidade, local da sede da pessoa colectiva, local escolhido pelas
partes, local da situação da coisa, local onde ocorreu o delito, o elemento de
conexão é sempre a referência a um local no espaço.

No art.º 25 do CC podem ser vários os elementos de conexão.


Nacionalidade. se recorrermos aos vários elementos de conexão que
concorrem para regular as matérias de estatuto pessoal, vai encontrar
nacionalidade, residência habitual (art.º 31/2), domicílio (art.º 32) lugar da
situação da coisa (art.º 47) regula a capacidade, lugar da celebração (art.º 28)
também regula o estatuto pessoal, lugar da residência habitual comum dos
cônjuges, local da residência habitual dos nubentes, local da primeira
residência conjugal.
======================================================

LIÇÃO N.º 8 26/11/2002

Hipótese Prática

António nasceu na Suíça, filho de pais angolanos. Em 1993 data em que


completou 18 anos de idade, encontrando-se a residir na Suíça, escreveu a
Bento propondo-lhe a compra de um quadro. Em resposta à proposta de
91

António, Bento informou-o que lhe venderia o quadro pelo valor de 12 mil
contos. António respondeu concordando com o preço. Após receber o
quadro, António não cumpriu o contrato, que entende ser anulável à luz da
lei Suíça. Admitindo que, Angola adopta em matéria de nacionalidade o
critério do “jus sanguinis”, e e a Suíça o critério do “jus solis”, que a
maioridade em Angola se atinge aos 18 anos, e na Suíça aos 20. Bento reside
em Espanha. Segundo o direito internacional privado espanhol uma pessoa
incapaz, segundo a sua lei pessoal, não pode invocar a sua incapacidade para
anular o negócio celebrado em Espanha se a outra pessoa com quem
contratou, desconhecia de boa – fé a incapacidade. Em Angola vigoram as
mesmas regras de conflitos vigentes no direito português. Diga justificando
se a pretensão de António deve proceder.

Temos aqui um caso que suscita problemas de introdução do direito


internacional privado.

Além do juiz, que outras entidades aplicam o direito internacional privado?

 Os conservadores,
 Consulados,
 Embaixadas,
 Comandantes de navios e aeronaves,
 Entidades administrativas

Por exemplo o serviço de estrangeiros e fronteiras, aplica o direito


internacional privado. Trabalha principalmente com o direito internacional
privado. Aplica que tipo de normas? Normas de conflitos, ou normas
materiais, ou normas de conflitos, materiais e normas autolimitadas?

Começando por normas materiais. Aplica normas materiais, as normas que


regulam entrada, permanência, expulsão de estrangeiros são normas
materiais, que poderão ser normas autolimitadas, o prof. Ferrer Correia diz
que todas as normas que regulam a condição jurídica dos estrangeiros são
normas autolimitadas. O Dr. Lima Pinheiro não está de acordo com essa
solução. O prof. Marques dos Santos concorda. O prof. Lima pinheiro
entende que as normas que regulam a permanência, saída, expulsão de
estrangeiros, são normas de conexão especial, portanto, são normas que se
aplicam desde que a pessoa entre em contacto com o território português.
92

Eu não sei se isso é inteiramente assim, porque por exemplo, os consulados


também aplicam normas sobre situação jurídica dos estrangeiros. Por
exemplo, quando um consulado está a emitir um visto, é que poderão vir
aqui com aquela teoria da extensão do território, mas não basta isso. Por
exemplo, quando um consulado vai averiguar se uma pessoa preenche as
características de ser familiar de alguém, familiar de um estrangeiro, para
poder emitir um visto de entrada no território português, eu não sei se esta
norma é autolimitada.

Podemos pensar que sejam normas unilaterais simplesmente. Podemos


entender que sejam normas administrativas de regulação administrativa de
determinadas situações. Então, neste caso será que podemos considerar todas
as normas do ordenamento administrativo como sendo normas
autolimitadas? Teremos oportunidade de ter uma aula especificamente sobre
a problemática das normas autolimitadas.

Fiquem com a ideia de que realmente há uma larga divergência da doutrina


relativamente à natureza destas normas. O prof. Marques dos Santos parece
seguir o prof. Ferrer Correia, dizendo que elas seriam normas autolimitadas.
Eu penso que nem todas. Porque reparem, que então aquelas normas penais
seriam todas autolimitadas. E realmente a própria zona de fronteira das
coisas acabaria por ficar demasiado diluída, e todas as normas
administrativas seriam também autolimitadas. Mas também dizer que são
normas de conexão especial eu não creio que realmente resolva tudo, por
causa do exemplo que eu dei.

Por exemplo quando alguém, requer um visto de reagrupamento familiar, o


consulado tem de averiguar a condição de essa pessoa ser familiar de.
Desenvolvendo um pouco mais. A pessoa vai pedir um visto de
reagrupamento familiar. Reagrupamento familiar é um direito que assiste
aos estrangeiros que residem em Portugal de poderem reunir a família.
Chamam a esse direito o reagrupamento familiar.

É um direito que está consubstanciado em várias convenções internacionais,


nomeadamente na convenção 143 que é a convenção internacional do
trabalho, a própria convenção europeia dos direitos do homem reconhece
este direito, e em Portugal acerca de 3 anos acabou por estabelecer também
um visto de reagrupamento familiar.
93

Isto é matéria do direito internacional privado, e é matéria de introdução ao


direito internacional privado, porque contém elementos de estraneidade, e
coloca problemas de leis aplicáveis, e qual é o âmbito da nossa disciplina? O
que é que nós estudamos em direito internacional privado? Estudamos o
direito de conflitos, o reconhecimento de actos públicos estrangeiros,
direito dos estrangeiros, e direito da nacionalidade.

A propósito disso suscita-se o problema nomeadamente do visto do


reagrupamento familiar. Esta questão é uma questão muito complexa em
direito internacional privado, embora seja aparentemente simples, porque é a
situação em que um imigrante se dirige ao consulado a pedir um visto para a
mulher, esta questão aparentemente simples, tem por detrás de si problemas
muito complicados de direito internacional privado. Porquê? Porque
reparem. Temos o visto que é um acto administrativo, e é praticado no
consulado. Mas o cônsul, afirma que vai atribuir o visto à esposa de A
imigrante, e a primeira questão de DIP que o cônsul tem de colocar é a de
saber quem é a esposa? Mas ainda não acabou de resolver o problema, pois
tem de perguntar ainda por que direito internacional privado deve saber
quem é a esposa. Pelo DIP português, ou pelo DIP estrangeiro, portanto, o
DIP do país de que a esposa é originária. O que nós temos aqui é aquilo que
nós chamamos em direito internacional privado, Questão Prévia. É uma
questão complexa porque trata-se de saber por que direito internacional
privado é que nós vamos regular a questão prévia. Há-de ser pelo DIP
português, e então neste caso estamos a tratar a questão como uma questão
autónoma, ou seja, através de uma conexão autónoma, ou através do DIP
estrangeiro e neste caso estamos a tratar a questão como uma questão
subordinada.

Estas normas não são normas autolimitadas. Na primeira parte o cônsul


atribui um visto praticando um acto administrativo, mas o pressuposto de
facto de atribuição do visto há-de ser regulado por uma outra ordem jurídica.

Para o prof. Lima Pinheiro há-de ser o DIP português a resolver esta
questão, mas é uma doutrina minoritária.

Regressando à nossa hipótese.

Trata-se de um contrato na forma de compra – venda. Há aqui um problema


de aplicação no tempo do direito de conflitos. Vamos conversar um pouco
sobre a problemática da aplicação no tempo do direito de conflitos. Um
94

contrato celebrado antes da entrada em vigor da convenção de Roma é


regulado pelas disposições do código civil. O princípio de aplicação da regra
de conflitos, é a regra geral do código civil, no seu art.º 12.

Então temos de recorrer ao art.º 41 do CC, que nos diz

Artigo 41º - (Obrigações provenientes de negócios jurídicos) - “As


obrigações provenientes de negócio jurídico, assim como a própria
substância dele, são reguladas pela lei que os respectivos sujeitos
tiverem designado ou houverem tido em vista. 2 - A designação ou
referência das partes só pode, todavia, recair sobre lei cuja
aplicabilidade corresponda a um interesse sério dos declarantes ou
esteja em conexão com algum dos elementos do negócio jurídico
atendíveis no domínio do direito internacional privado” .

Em primeiro refere que os contratos serão regulados pela lei que as partes
tiverem escolhido, não sendo o caso da nossa hipótese. Se tivessem
designado que tipo de conexão tínahmos aqui presente? Vontade das
partes, que é também elemento de conexão.

Neste caso não utilizaram este elemento de conexão, e portanto temos que
recorrer a conexões supletivas. O critério supletivo é o art.º 42.

Artigo 42º - (Critério supletivo) ”1 - Na falta de determinação da lei


competente, atende-se, nos negócios jurídicos unilaterais a lei da
residência habitual do declarante e, nos contratos, a lei da residência
habitual comum das partes. 2 - Na falta de residência comum, é
aplicável, nos contratos gratuitos, a lei da residência habitual
daquele que atribui o benefício e, nos restantes contratos, a lei do
lugar da celebração”.

Diz-nos que neste caso supletivamente, os contratos são regulados pela lei
de residência habitual comum das partes. Não é também o caso da nossa
hipótese. Então recorrendo ao n.º 2 que estipula que na falta de residência
habitual comum das partes se recorre à lei do lugar da celebração.

Por quantos elementos de conexão já passámos?

 Vontade das partes


 Residência habitual comum das partes,
95

 Residência habitual daquele que atribui o benefício,


 E lugar da celebração.

No nosso caso o elemento de conexão importante é o lugar da celebração.


Temos um problema relativamente ao lugar da celebração.

Não podemos aplicar o critério da prestação característica pois esta só


aparece com a convenção de Roma. Se bem que, há quem entenda que
mesmo nas situações em que não é aplicável a convenção de Roma, a
doutrina da convenção acaba com Ratio Scripta. Há quem entenda que a
doutrina da convenção de Roma, pode ser aplicada mesmo nos contratos
anteriores à sua vigência, tomando em consideração a sua Ratio Scripto. Eu
entendo que sim. Eu entendo que esta solução é possível, e defendo-o no
manual que escrevi sobre a convenção de Roma, em que defendo esta
mesma ideia, porque estamos inseridos num ordenamento jurídico e todas as
normas se influenciam umas às outras.

O que eu pretendo com este caso é que tomemos conhecimento dos


problemas que suscitavam antes da vigência da convenção de Roma.

Vamos raciocinar agora em termos de direito material. S este contrato


tivesse sido celebrado em Portugal, entre portugueses, sem elementos de
estraneidade, quando é que o contrato estava completo? No momento em
que António recebia a carta de Bento com a sua aceitação. Art.º 224 do CC.
Chamada Teoria da Impressão do Destinatário.

Neste caso aqui o problema que nós temos é o de saber como interpretar este
conceito de lugar da celebração que está previsto no n.º 2 do art.º 42 do CC.
Nós vamos interpretá-lo lege Fori, tomando em consideração os critérios
adoptados pela ordem jurídica portuguesa, ou vamos interpretá-lo lege
causae tomando em consideração os critérios do que é tomado por lugar da
celebração para as ordens jurídicas envolventes?

Esta questão suscitou-se sempre enquanto esteve em vigor o código civil,


antes da entrada em vigência da convenção de Roma, que acabou com a
problemática do lugar da celebração. Não é que este critério seja
completamente desprezado pela convenção de Roma, o que é certo é que o
lugar da celebração serve apenas como aquilo que ajuda a concretizar a tal
chamada clausula de excepção com a qual o prof. Lima Pinheiro não está de
acordo, prevista no art.º 4 n.º 5 da convenção de Roma.
96

No que respeita a este caso o que a doutrina fazia na sequência da solução


preconizada pela Prof.ª Magalhães Colaço era precisamente aplicar
analogicamente o art.º 224 do CC, como norma material de direito
internacional privado.

Tomando em consideração a teoria da impressão do destinatário, o contrato


concluiu-se na Suíça. A conclusão a retirar daqui é que neste caso a lei Suíça
é a lei reguladora do contrato.

E qual é a lei que regula a forma do contrato? É a lei Suíça. É o art.º 36 do


CC

Artigo 36º - (Forma da declaração) ”1 - A forma da declaração


negocial é regulada pela lei aplicável à substância do negócio; é,
porém, suficiente a observância da lei em vigor no lugar em que é
feita a declaração, salvo se a lei reguladora da substância do negócio
exigir, sob a pena de nulidade ou ineficácia, a observância de
determinada forma, ainda que o negócio seja celebrado no
estrangeiro. 2 - A declaração negocial é ainda formalmente válida se,
em vez da forma prescrita na lei local, tiver sido observada a forma
prescrita pelo Estado para que remete a norma de conflitos daquela
lei, sem prejuízo do disposto na última parte do número anterior”.

Portanto, por este artigo se retira que a lei reguladora da forma do contrato é
a Lei Suíça, é a lei local prescrita no seu n.º 2, lei local é a lei do lugar da
celebração.

LIÇÃO N.º 9 27/12/2002

De acordo com a sistematização da matéria nós temos aqui um problema de


aplicação das regras de conflitos no tempo.

Nem toda a doutrina admite a aplicação do art.º 224 do CC nas situações em


que não é possível determinar o local da celebração. A que título é que a
doutrina aceita esta aplicação? Por analogia fazendo a aplicação da teoria da
impressão no destinatário, ou seja, o que está consubstanciado no art.º 224.
quanto à justificação teoria a nível do direito de conflitos, é a
transformação do art.º 224 numa norma material de direito
97

internacional privado. Portanto, será uma norma equivalente aquela que


está consubstanciada no art.º 53/3 do CC.

Art.º 53/3 do CC: “Se for estrangeira a lei aplicável e um dos


nubentes tiver a sua residência habitual em território português, pode ser
convencionado um dos regimes admitidos neste código”.

O art.º 53/3 do CC contém uma norma material de direito internacional


privado.

Eu penso que ao aplicarmos analogicamente o art.º 224 do CC no fundo


estamos a fazer uma transposição como lhe chama o prof. Lima Pinheiro. Eu
penso que o que nós estamos a fazer com a transposição é transformar este
art.º 224 do CC numa norma material de direito internacional privado.

Todavia, eu falei na possibilidade de a doutrina admitir a hipótese de a


própria convenção de Roma poder ser chamada a colação, não aplicada, mas
ser chamada à colação nesta questão. Eu próprio defendi esta posição
naquela monografia que eu escrevi sobre a convenção de Roma. Está que
mesmo nos contratos entre ausentes eu entendo que nós podemos neste
momento abandonar, tendo em conta a existência da convenção de Roma,
toda a teoria construída à volta da transposição do art.º 24, e aplicar o
princípio da conexão mais estreita, como Ratio Scripta. Ninguém contestou,
o trabalho está publicado. O prof. Lima Pinheiro o que defende é uma
revisão do art.º 42 do CC. No fundo ele é um pouco mais cauteloso do que
eu. Ele defende uma alteração da própria lei no sentido de acolher o
princípio da conexão mais estreita.

Eu julgo que não vale a pena, do meu ponto de vista, tendo em conta esta
coesão que existe, e o argumento que eu avanço é o seguinte. porque é que
havemos de recorrer ao direito material para encontrar um ponto de
analogia, podendo recorrer a essa analogia dentro do direito de conflitos. Se
nós podemos recorrer ao direito de conflitos, para encontrar um caso
análogo, para que é que nós vamos pegar no direito material? Do meu ponto
de vista eu entendo que de facto esta posição é aceitável se bem que vá
conduzir praticamente ao mesmo resultado, até porque eu penso que é mais
perigoso aplicar o art.º 224 do CC por analogia, pois pode levar a soluções
diversas daquelas que estão consubstanciadas na própria convenção de
Roma. E então nós temos uma situação em que num corpo de normas de
98

conflitos, portanto, num sistema de conflitos adoptarmos soluções diferentes


para casos que são idênticos.

O que a doutrina autorizada defende sobre este caso é a aplicação analógica


do art.º 224 do CC, a transposição do art.º 24 do CC.

No que respeita à aplicação da lei no tempo, nós temos aplicação no tempo


da regra de conflitos, mas também temos aplicação no tempo da lei
chamada pela regra de conflitos. Por outro lado, relacionado com a
aplicação no tempo da regra de conflitos temos a situação dos chamados
conflitos móveis.

Como é que essas situações se distinguem? Um exemplo de conflito móvel


basta pensar numa conexão móvel. Quando é que nós dizemos que temos
uma conexão móvel? Nacionalidade. é uma conexão móvel? A conexão é
por hipótese a nacionalidade. é uma conexão móvel, é móvel na sua
concretização. Quando nós estamos a falar na mobilidade da conexão
estamos a falar numa mobilidade no ponto de vista da concretização desse
factor de conexão. Hoje eu sou português, amanhã eu sou Cabo Verdeano.
Portanto, eu mudo de nacionalidade portuguesa, para a nacionalidade Cabo
Verdeana. O facto de conexão tem uma diversa concretização consoante o
momento concreto. Reparem. Isto é importante para efeitos da determinação
da lei aplicável. Eu caso como português. Mas faço um testamento como
Cabo Verdeano. Quando a lei reguladora do estatuto pessoal diz que é
aplicável a lei da nacionalidade, o factor de conexão mantém-se, mas a
concretização dá-se num momento da constituição da relação jurídica, ou da
situação privada internacional. A pessoa casou e pergunta-se naquele
momento concreto em que a pessoa casa, qual é a sua nacionalidade para
efeitos da determinação da lei aplicável. A pessoa fez um testamento,
pergunta-se no momento concreto do testamento qual é a lei reguladora do
seu estatuto pessoal. Há aqui uma mobilidade do elemento de conexão.

O mesmo se passa com todos os factores de conexão que sejam móveis.


Mais exemplos de factores de conexão móveis:
 Residência habitual;
 Sede;
 Domicílio;
 Domicílio legal;
 Lugar da situação da coisa;
99

Dá-se uma diversa concretização do elemento de conexão. O que eu estava a


perguntar era qual é a diferença entre esta situação, e a situação dos
conflitos de leis no espaço e no tempo?

Na aplicação de regras de conflito no tempo há uma modificação da própria


estrutura da regra de conflitos, e o factor de conexão altera-se. Antes dizia-se
que, como ultima solução aplicável ao casamento se aplicava a lei pessoal do
marido, em rigor era a lei do lugar da lei pessoal do marido, porque a
conexão aponta sempre para um lugar, altera-se isto para a lei do lugar com
o qual a vida familiar se acha mais estreitamente conexa. Antes aplicava-se a
lei pessoal do marido, agora aplica-se a lei do lugar com a qual a vida
familiar se acha mais estreitamente conexa. Há uma substituição do factor de
conexão, na aplicação no tempo.

Aqui nos conflitos móveis, mantém-se o mesmo factor de conexão, o que se


verifica é uma diversa concretização do mesmo factor de conexão.

E no que respeita à aplicação no tempo das leis chamadas pela regra de


conflitos?

Como saem a regra de conflitos leva à aplicação de uma determinada lei


material. Estabelece uma ponte entre a ordem jurídica do foro, e uma
determinada ordem jurídica que pode ser estrangeira como pode ser
nacional.

Quando a regra de conflitos manda aplicar ao estatuto pessoal de um


português a lei portuguesa, estabelece uma ponte com a lei portuguesa.
Portanto, nós não podemos dizer que é uma ponte entre a ordem jurídica do
foro e a lei estrangeira. Há uma situação diversa que é, se efectivamente no
que respeita a aplicação da regra de conflitos no tempo. Obedecemos em
regra aos mesmos princípios tal como consubstanciados no art.º 12.º do CC,
no que respeita à aplicação no tempo da regra de conflitos, da lei material
chamada pela regra de conflitos, quais são os princípios que orientam essa
mesma aplicação? São os mesmos. A resposta Está certa para o direito
português. Se a regra de conflitos R1 manda aplicar a L1 lei portuguesa,
naturalmente que vamos aplicar às normas de conflitos os mesmos
princípios de aplicação no tempo que aplicamos às normas materiais
chamadas pela regra de conflitos, mas se se tratar de uma lei estrangeira
chamada pela regra de conflitos já os nossos princípios sobre aplicação no
100

tempo e no espaço das regras de conflitos não vigoram? Porquê? Com base
em que norma legal? art.º 23 do CC.

Artigo 23º - (Interpretação e averiguação do direito estrangeiro)


”1 - A lei estrangeira é interpretada dentro do sistema a que pertence
e de acordo com as regras interpretativas nele fixadas. 2 - Na
impossibilidade de averiguar o conteúdo da lei estrangeira aplicável
recorrer-se-á à lei que for subsidiariamente competente, devendo
adoptar-se igual procedimento sempre que não for possível
determinar os elementos de facto ou de direito de que dependa a
designação da lei aplicável”

L1 remete para L2 e esta remete para Lei 3

Quando nós estamos a dizer que a lei 23 remete para a lei 3 o que nós
estamos a dizer em suma, é que recorremos ao direito internacional privado
da lei 2 e verificamos que a sua regra de conflitos manda aplicar a lei 3.
vamos supor que é uma questão de capacidade. Em L1 recorremos ao
critério da nacionalidade. art.º 25 conjugado com o art.º 31/1 do CC. Em L2
vamos consultar o equivalente a 25+31/1, e vamos supor que manda aplicar
a lei do domicílio. No fundo o que é que fizemos? Fomos recorrer a uma
norma de direito internacional privado de L2, para saber se remete para L3
ou para outra lei. estamos a aplicar normas do direito internacional privado.
Para efeitos de aplicação das lei no tempo, o que eu estava a dizer é que a
escolha desta norma tem de obedecer a regras de aplicação da lei no tempo
de lei 2. mas também se, vamos supor que L2 de acordo com as suas regras
de conflito se declarava competente, então nós tínhamos que aplicar as
regras de aplicação no tempo da lei 2 para efeitos de aplicação do seu direito
internacional privado, e tínhamos que recorrer às regras de aplicação no
tempo de L2 para aplicação do seu direito material. Essas regras de
aplicação no tempo, assim como para nós funcionam tanto como com o
direito de conflitos, como com o direito material, também para eles funciona
como para o direito de conflitos como para o direito material, se bem que,
em rigor, temos que obedecer às regras que essas normas jurídicas fixarem.
Se fixarem regras diversas teremos de as observar.

Dá-se um conflito móvel, sempre que se dá uma diferente concretização do


mesmo elemento de concretização. Uma pessoa tem a nacionalidade
portuguesa. Quer fazer um testamento, é aplicado a esse testamento a lei
portuguesa. Vamos supor que muda de nacionalidade. e a questão que se
101

coloca é a seguinte: para nós avaliarmos da validade do testamento que fez


enquanto era português, temos uma situação de conflito móvel. Porquê?
Porque se deu uma mobilidade da concretização do elemento de conexão.
Porque deixou de ser português, passou a ser espanhol. No momento em que
nós vamos avaliar da validade daquele testamento, qual é o momento que
nós vamos tomar em consideração para efeitos de determinação da
nacionalidade relevante? A regra de conflitos resolve isso. Manda aplicar a
lei do tempo da declaração. Lei da nacionalidade que tinha quando fez a
declaração.

Uma das regras que o legislador utiliza para resolver os conflitos móveis, é a
chamada petrificação da concretização do elemento de conexão, ou
congelamento. Portanto, manda aplicar a lei em vigor ao tempo da
celebração do casamento, a lei da primeira residência conjugal, a lei da
primeira residência habitual, lei ao tempo da declaração, tudo isso são
mecanismos que o legislador mandou utilizar para evitar situações de
conflito móvel. Porque podia dar-se o caso de a pessoa fazer uma declaração
neste momento e posteriormente mudar de nacionalidade, ou de residência
habitual, ou de domicílio, e por haver uma diferente concretização do
elemento de conexão, invalidar o acto em função da lei que vem a seguir.

Tendo esse aspecto em consideração o legislador cria mecanismos de


solução de conflitos móveis. Os problemas põem-se com alguma acuidade
no que respeita a determinados prazos. Por exemplo o prazo de prescrição.
Uma pessoa tem uma coisa móvel, e adquire essa coisa móvel com um prazo
de prescrição por exemplo de dez anos face a uma lei. Muda para outra lei
em que a prescrição por exemplo, é de doze anos. Nós perguntamos se a
pessoa adquire ou não adquire a propriedade sobre o móvel? e vamos supor
que passa para uma outra lei, em que o tempo é inferior, quando à luz da lei
anterior já decorreu mais tempo do que ia fixar na lei seguinte. temos
problemas complexos de solução conflitual.

Também neste caso aqui nós podemos recorrer a uma transposição de uma
norma material de direito internacional privado, art.º 279 do CC. Para
resolução desses casos de prazos.

Temos de retomar a questão da hipótese.

A aplicação do art.º 36 leva-nos a escolher alguma dessas leis que validam o


negócio do ponto de vista formal. Também no art.º 65 nós podemos escolher
102

se constatarmos por exemplo que uma lei invalida formalmente o negócio,


podemos passar para outra, ou seja aquela das leis que considera o negócio
válido nós vamos aplicar.

Como é que continuamos a resolver a hipótese?

Nós já passámos para outra situação privada internacional. Quando nós


falamos que temos que fazer o depeçage, temos forçosamente de fazer o
depeçage das situações. Começamos por tratar da lei aplicável ao contrato.
Chegámos à conclusão que seria a lei Suíça, a lei do lugar da celebração, e
aplicamos esta lei quanto à substância e quanto à forma. agora nós temos
outro problema. já não é o problema que compete à lei Suíça resolver.
Portanto, nós temos uma outra situação que é a capacidade. E agora vamos
ter novamente de recorrer a uma nova regra de conflitos. Qual é a regra de
conflitos? É o art.º 25 conjugado com o art.º 31/1 do CC que manda aplicar a
lei da nacionalidade.

Qual é a nacionalidade do António? Tem um problema para resolver. Tanto


a lei Suíça que adopta o critério do Jus Solis isto é, quem nasce na Suíça tem
a nacionalidade Suíça, quer a lei Angolana que adopta o critério do jus
Sanguinis isto é, quem é filho de angolanos tem a nacionalidade angolana, se
aplicam ao António. António é filho de pais angolanos. Conclusão? A
primeira coisa que se tem de determinar é se ele tem a nacionalidade
angolana. Para saber se ele tem a nacionalidade angolana temos de recorrer
aos critérios de atribuição da nacionalidade angolana. Tem aqui o critério do
jus Sanguinis. Angola adopta este critério. Significa que quem é filho de pais
angolanos, é Angolano. Significa que António é Angolano. Mas também é
Suíço face à lei Suíça. Portanto, temos uma situação de dupla nacionalidade.

E como é que nós resolvemos a questão da dupla nacionalidade? qual é o


factor de conexão relevante escolhido pelo legislador? Havendo duas
nacionalidades estrangeiras, recorremos ao art.º 28 da lei da nacionalidade, e
como António tem residência habitual na Suíça, é considerado cidadão
Suíço.

Nós temos aqui um conflito positivo de nacionalidades! Para nós


resolvermos estes conflitos positivos de nacionalidades, temos de recorrer às
regras portuguesas de solução de conflitos sobre conflitos positivos de
nacionalidades. E o art.º 28 da Lei da Nacionalidade, vem dizer que
103

prevalece a nacionalidade do país onde o cidadão em causa tem residência


habitual.

António tem residência habitual na Suíça. Para efeitos de aplicação do


direito de conflitos português, a nacionalidade relevante é a nacionalidade
Suíça.

Tendo em conta que a nacionalidade relevante é a nacionalidade Suíça,


consequências? Ele é menor no momento em que celebra o contrato. Temos
um negócio inválido, portanto a questão que se coloca é de saber se existem
mecanismos de salvar o negócio. Que mecanismo é que nós temos para
salvar o negócio?

Com o mecanismo do art.º 28 do CC.

Artigo 28º - (Desvios quanto às consequências da incapacidade) ”1


- O negócio jurídico celebrado em Portugal por pessoa que seja
incapaz segundo a lei pessoal competente não pode ser anulado com
fundamento na incapacidade no caso de a lei interna portuguesa, se
fosse aplicável, considerar essa pessoa como capaz. 2 - Esta excepção
cessa, quando a outra parte tenha conhecimento da incapacidade, ou
quando o negócio jurídico for unilateral, pertencer ao domínio do
direito da família ou das sucessões ou respeitar a disposição de
imóveis situados no estrangeiro. 3 - Se o negócio jurídico for
celebrado pelo incapaz em país estrangeiro, será observada a lei
desse país, que consagrar regras idênticas às fixadas nos números
anteriores”.

Nós dissemos que segundo o direito espanhol uma pessoa incapaz segundo a
sua lei pessoal não pode invocar a sua incapacidade.

No art.º 28/3 do CC o que é que nós fizemos? Que expediente é que nós
fizemos neste momento? O art.º 28 do CC que tipo de norma é que é? É uma
norma de remissão condicionada. A norma contida no art.º 28 é uma norma
de que tipo? Unilateral. Portanto, nós temos aqui uma bilateralização da
norma do art.º 28. temos uma bilateralização partindo da norma
condicionada do art.º 28/3 do CC.

Qual é a conclusão final? Temos uma norma de remissão condicionada


prevista no art.º 28/3 do CC. Condicionada porquê? Porque só será aplicada
104

se a outra lei aceitar. E neste caso nós temos uma norma que diz que a lei
espanhola aceita esta mesma solução. Portanto há remissão para o direito
espanhol e este aceita aplicar essa norma.

Seria o direito espanhol a regular esta matéria pelo que o negócio seria
valido.

LIÇÃO N.º 10 28/11/2002

O que se pretende aqui saber é se o egípcio pode adquirir a nacionalidade


portuguesa, ou se o português pode adquirir a nacionalidade egípcia.

Preliminarmente deve-se afirmar que ela se situa num quadro dos elementos
de conexão.

Resumindo o que sabemos sobre o elemento de conexão Nacionalidade:


 É um vínculo jurídico – político que liga uma pessoa a um
determinado Estado. Todavia nós podemos pensar em dois conceitos
de nacionalidade.
 Cada Estado é que tem a soberania para afirmar quem é seu nacional

É um vínculo jurídico – político que liga uma pessoa a um determinado


Estado. Todavia nós podemos pensar em dois conceitos de nacionalidade.
podemos pensar em nacionalidade no sentido jurídico – político, ou
podemos pensar na nacionalidade no sentido sociológico.

O que é que poderá ser o conceito de nacionalidade em sentido sociológico.


Parecendo que não este conceito tem importância para o direito internacional
privado.

Há um autor francês que é Hauriou que do ponto de vista sociológico utiliza


precisamente a expressão mentalidade para exprimir a nacionalidade em
sentido sociológico. Diz taxativamente que a nacionalidade em sentido
sociológico é uma mentalidade. Portanto, corresponde a maneiras de estar,
de sentir, de reagir, no fundo se nós quisermos reconduzir este conceito ao
conceito de nacionalidade portuguesa, veremos que a nacionalidade em
sentido sociológico no sentido da nacionalidade portuguesa, será pensar
como português, querer como português, reagir como português, sentir como
português, amar as terras portuguesas, no fundo sentir que de facto tudo o
que é português, nos é constitutivo para utilizar a expressão do Savigny. Nós
105

somos constituídos no sentido originário do termo, por essas coisas


portuguesas.

Isto é o valor sociológico do conceito de nacionalidade. Reparem que o


conceito sociológico tem a sua expressão em Direito, a partir do princípio da
efectividade. O conceito de nacionalidade efectiva, no fundo, corresponde à
recondução do conceito jurídico de nacionalidade ao conceito sociológico de
nacionalidade. quem tem a nacionalidade efectiva é quem realmente tem na
sua constituição como pessoa, esses valores que traduzem o conceito de
nacionalidade em sentido sociológico.

No conceito jurídico – político de nacionalidade o que conta é o vinculo


jurídico – político. O vínculo jurídico – político pode não corresponder a um
vínculo sociológico. Por exemplo, quando um Congolês vem para Portugal,
e o Estado português decide atribuir-lhe a nacionalidade portuguesa. No
fundo, ele passa a ser português no plano jurídico – político, ou seja, pode
exercer todos os direitos tanto civis como políticos enquanto cidadão
português. Mas nós podemos perguntar. Esse indivíduo a quem realmente
foi atribuída a nacionalidade portuguesa, terá uma ligação mental, espiritual
com Portugal? Não tem. Mas o vínculo jurídico – político tem outro aspecto
que é negativo. Vamos supor que A é filho de pais portugueses, mas nasceu
na Alemanha. Na Alemanha fez os seus estudos, cresceu, fez-se homem,
casou, só fala alemão, frequentou as escolas alemãs, e então nós temos a
seguinte situação. Temos um cidadão que é simultaneamente português e
alemão, e nos termos do art.º 27 da lei da nacionalidade, nós vamos dizer
que em Portugal, releva apenas o facto de esse cidadão ser alemão.

O que eu estou a tentar fazer, é demonstrar o outro lado negativo de nós


atribuímos a nacionalidade portuguesa a alguém que realmente, ou então
impormos, que é o que no fundo o art.º 27 da lei da nacionalidade faz, a
nacionalidade portuguesa a alguém, numa situação em que a pessoa tem
outra nacionalidade.

No caso o indivíduo nasce na Alemanha e o indivíduo tem dupla


nacionalidade por força das regras de atribuição da nacionalidade. Portugal
por força das suas próprias regras de atribuição da nacionalidade, atribui-lhe
a nacionalidade. mas em Portugal, nos termos do art.º 27 da lei da
nacionalidade, diz-se que releva apenas a nacionalidade Portuguesa. No
fundo este cidadão tem maior efectividade com a Alemanha do que com
Portugal. Todavia, o art.º 27 manda relevar a nacionalidade portuguesa. Este
106

é outro aspecto de atribuição da nacionalidade a um cidadão que não tem


uma ligação efectiva com a ordem jurídica portuguesa.

De qualquer modo, tenhamos presentes esses dois conceitos de


nacionalidade. eu penso que o que é mais importante é a nacionalidade
enquanto nacionalidade efectiva, aquela nacionalidade que corresponde a
uma relação espiritual com determinada comunidade, e não apenas um
vínculo jurídico – político, que pode ser um vínculo puramente formal.

Aqui nós aproveitamos a ocasião para fazermos referência a estas situações


que podem ocorrer:
 Um conflito positivo de nacionalidade,
 E conflito negativo de nacionalidade.

Quando é que nós temos conflitos positivos de nacionalidades?

Quando dois ou mais Estados atribuem a nacionalidade a determinado


indivíduo. Tenhamos presente a ideia de que compete a cada Estado dizer
quem são os seus nacionais. Mas há uma limitação que vem do direito
internacional público, desde o caso Nottebon, em que se considerou que o
conceito sociológico de nacionalidade, ou seja, nacionalidade efectiva
conduz a uma limitação ao princípio segundo o qual compete a cada Estado
dizer quem é que são os seus nacionais.

Se os Estados pudessem dizer que todos são seus nacionais, então


teoricamente, podíamos dizer que, os espanhóis eram nacionais portugueses.

Havendo um conflito positivo de nacionalidades quando dois ou mais


Estados declaram que alguém é seu nacional, nós temos duas normas do
Direito português. A do art.º 27 da lei da nacionalidade, que diz que se duas
pessoas têm duas nacionalidades sendo uma a portuguesa, prevalece a
nacionalidade portuguesa, e o art.º 28 da lei da nacionalidade que diz que se
uma pessoa tem duas nacionalidades sendo ambas estrangeiras, prevalece a
nacionalidade do país com o qual ele tem a residência habitual, e portanto, se
a pessoa tem residência habitual em mais do que um país, porque as leis
desses dois países declaram que aquela pessoa está lá a residir. Assim como
as leis declararam que aquela pessoa é sua nacional, também podem declarar
que é lá residente. Mas também pode acontecer a situação em que, nenhum
dos dois países consideram a pessoa lá residente. Nestas duas situações, nós
vamos recorrer a um conceito que é o conceito de conexão mais estreita.
107

É considerada como nacionalidade mais relevante aquela nacionalidade do


país com a qual a pessoa tem uma conexão mais estreita. E essa conexão
mais estreita, determina-se através daquilo que nós chamamos indícios
externos, é a tal ligação efectiva no fundo, reportando outra vez ao conceito
sociológico de nacionalidade, à ligação efectiva com uma das ordens
jurídicas.

Vocês dirão. Porque é que o legislador utiliza este critério aqui, e não quis
este mesmo critério no art.º 27 da lei da nacionalidade? ou seja, porque é que
o legislador tratando-se de duas nacionalidades estrangeiras, resolve o
conflito pela via da nacionalidade efectiva, e já tratando-se de uma
nacionalidade estrangeira e portuguesa não resolve o conflito pela via da
nacionalidade efectiva?

No fundo resolve o conflito a favor de Portugal, considerando que a pessoa


tem a nacionalidade portuguesa. O Prof. Marques dos Santos tem uma
posição crítica sobre esta questão, sobre esta matéria, e ele acaba por afastar
fazendo uma interpretação restritiva do art.º 27 da lei da nacionalidade. o
Prof. Lima Pinheiro não concorda entendendo que o legislador quis
efectivamente esta solução, tanto assim que, adoptou posição diversa no art.º
28. no fundo, foi uma posição dogmática do legislador português, aceitando
que, quando uma pessoa tem duas nacionalidades e uma delas é a portuguesa
só prevalece a portuguesa. Eu também concordo com a posição do Prof.
Lima Pinheiro. Acho que de facto o legislador quis fazer uma opção.

Eu penso que o legislador português podia adoptar a solução francesa no


sentido de permitir a opção, permitir que a pessoa pudesse optar por qual das
leis reguladoras do estatuto pessoal. Ou seja, em vez de nós fixarmos uma
conexão imperativa do estatuto pessoal, fixarmos uma conexão alternativa
em matéria de lei reguladora do estatuto pessoal, conferindo às pessoas
alguma autonomia.

LIÇÃO N.º 11 3/12/2002

Diferença entre Lege Causa e Lege Fori. O art.º 877 do CC é lege fori ou
lege causa?

Lege causa é a lei reguladora da situação privada internacional que foi posta
em equação. Reparem que em direito internacional privado, assim como nós
108

fazemos o seccionamento da situação privada internacional, também isso vai


levar-nos a várias lege causa. Não devemos confundir lege causa com lei
estrangeira. Lege causa e lei estrangeira não são a mesma coisa. Porquê?

 lex fori

A lex fori é sempre a lei portuguesa. Porquê? Porque é a lei que regula o
procedimento, o processo ou o procedimento. Quando o juiz realiza um
divórcio, aplica dois corpos de normas. Primeiro aplica o corpo de normas
que regula a sua actuação como juiz, regula a actuação da secretaria judicial,
regula a actuação das partes, o modo como é feito o depoimento, em que
momento deve ser feito o depoimento, que valor pode ter o depoimento,
quem pode testemunhar, etc., portanto esta é a lex fori, no fundo é a lei
processual. Mas também nós não podemos considerar que a lex fori é apenas
a lei processual aplicada junto dos tribunais. A lex fori é também a lei
processual aplicada junto dos notários, junto dos conservadores, junto do
serviço de estrangeiros e fronteiras, junto dos consulados, todos eles aplicam
a lege fori, e portanto é a lei que disciplina todo o procedimento com vista à
obtenção de um determinado resultado.

Por isso é que os antigos chamavam a esta lei ordinatoria litis. A ordinatoria
litis, significa ordenação da lide. É o estabelecimento da sequência de actos
processuais que devem conduzir à obtenção de um determinado resultado.
A lex fori é a lei que regula o processo, é a lei que regula a ordenação da
lide.

Em regra a lex fori é a lei processual, mas nós não podemos tomar em
consideração que dentro do código de processo civil só existem normas de
natureza processual. O código de processo civil está pejado de normas
substantivas. Nós não podemos seguir o ponto de vista sistemático para
definir isto. O ponto de vista há-de ser necessariamente o do art.º 15 do CC.

Artigo 15º - (Qualificações) ”A competência atribuída a uma lei


abrange somente as normas que, pelo seu conteúdo e pela função que
tem nessa lei, integram o regime do instituto visado na regra de
conflitos”.

Temos que analisar a norma no seu conteúdo e na sua função, para verificar
se ela tem natureza substantiva ou processual.
109

 lex causa

Eu costumo dizer que a lex causa é a lei de que depende o efeito jurídico. É
a lei da causa que se pretende obter. Nós não podemos reconduzi-la só e
unicamente à lei que regula a situação privada internacional. Porquê? Porque
na lei que regula a situação privada internacional vai-se encontrar várias lege
causa.
Ex: se uma situação privada internacional é um contrato de compra e
venda de um imóvel, nós temos como lege causa, lei reguladora da
capacidade das partes art.º 25 conjugado com o art.º 31/1 do CC, por
exemplo se uma das partes é alemã, a lege causa que regula esta
situação capacidade, é a alemã, se a outra parte por exemplo, é Belga a
lege causa que regularia a situação da capacidade de B é a lei Belga, e
assim sucessivamente, mas também, se nós queremos saber se há ou
não aquisição do direito de propriedade, vamos ao art.º 46 do CC, que
neste caso manda aplicar a Lex Rei Cite, a lege causa, a lei que regula
o efeito jurídico propriedade, é a lei do lugar da situação do imóvel.
Supondo que o imóvel se encontrava na Alemanha, há-de ser a lei
alemã.

Todavia não podemos confundir lege causa, com lei estrangeira. Porque a
coisa pode estar situada na Alemanha ou em Portugal. Se estiver situada na
Alemanha, a lei alemã é a lege causa, é a lei que vai regular este efeito, se a
coisa estiver situada em Cabo Verde, a lei Cabo Verdeana será a lege Causa,
se a coisa estiver situada em Portugal então será a lei portuguesa a lege
causa.

Há algumas situações em que a lei portuguesa é simultaneamente lege causa,


e lege fori. Sempre que o elemento de conexão da regra de conflitos se
concretize na ordem jurídica portuguesa.

O art.º 877 não é uma norma de natureza processual, pelo que não é lege
fori. É lege causa se realmente este artigo for chamado por uma regra de
conflitos.

 acórdão Micheletti

Dissemos já os elementos essenciais do elemento de Conexão


Nacionalidade. gostava de abordar aqui o acórdão Micheletti.
110

O acórdão Micheletti consistiu no seguinte. um cidadão simultaneamente


argentino e italiano pretendia estabelecer-se como dentista em Espanha no
quadro das normas comunitárias que regulam o direito de estabelecimento.
As autoridades espanholas rejeitaram esta pretensão, com o seguinte
fundamento: é que em Espanha existe a mesma norma como aquela que nós
temos no art.º 28 da lei da nacionalidade, que diz que se uma pessoa tem
duas nacionalidades estrangeiras diversas, releva a nacionalidade do estado
em que tem a sua residência habitual. Ele como estava a residir
habitualmente na Argentina, as autoridades espanholas entenderam que a lei
relevante para ele exercer o direito de estabelecimento era a Argentina, e na
sequência eles rejeitaram esse pedido. Na verdade a interpretação literal do
equivalente espanhol ao nosso art.º 28 da lei das nacionalidades resolvia a
questão a favor da lei argentina.

O Micheletti, não concordou com a decisão e levou o caso ao tribunal de


justiça das comunidades, e este veio dizer num acórdão que, quando se trata
de exercer o direito de estabelecimento, o que releva é a nacionalidade do
Estado membro da União Europeia. Portanto, quando se trate de fazer
exercer o direito de estabelecimento o que releva é a lei do estado membro
da União Europeia. E neste caso revogou a decisão das autoridades
espanholas, e o Micheletti pôde estabelecer-se como dentista em Espanha.

No fundo o que se fez foi quase uma adaptação do art.º 27 da lei da


nacionalidade. releva sempre a nacionalidade comunitária. Assim como em
Portugal se diz que releva sempre a nacionalidade portuguesa, do ponto de
vista da comunidade releva sempre a nacionalidade comunitária, embora na
União Europeia não seja nacionalidade seja cidadania, porque não há uma
nacionalidade propriamente dita comunitária.

Este acórdão interessa para nós com efeitos do direito de conflitos. É o


seguinte,

O prof. Marques dos Santos entendeu que nós não podemos tratar um
cidadão para uns casos como, tomando este caso em concreto, para uns
casos como argentino, para outras situações somo italiano, e então o prof.
Marques dos Santos vem admitir é que o art.º 28 da lei da nacionalidade está
prejudicado naquelas situações em que a pessoa tem duas nacionalidades
estrangeiras, sendo uma do estado membro da União Europeia. Quando uma
das nacionalidades é de um estado da União Europeia, o prof. Marques dos
111

Santos, vem admitir que de facto se deve afastar a aplicação do art.º 28 da lei
da nacionalidade, e aplicar a regra comunitária.

O Prof. Lima Pinheiro também concorda com esta solução. Portanto, ele
admite que aplicar a solução do acórdão Micheletti, em todas as situações
onde a pessoa tenha duas nacionalidades estrangeiras e uma seja de um
estado membro da União Europeia.

Eu pessoalmente confesso que tenho algumas dúvidas sobre a bondade desta


solução. Eu tenho dúvidas pelo seguinte. o que determina a escolha do
critério da residência habitual como critério adjuvante da concretização do
elemento de conexão Nacionalidade, para as situações de dupla
nacionalidade, são precisamente factores de ordem sociológica, psicológica,
cultural, que concentram o Estado de nacionalidade, aliás, o estado de
nacionalidade que é simultaneamente estado de residência habitual. neste
caso, eu penso que aplicar o acórdão Micheletti em todas as situações de
direito internacional privado, portanto, subvertendo a doutrina do art.º 28 da
lei da nacionalidade, eu penso que é um pouco forçado. Aliás, não sou só eu
que defendo esta posição, o Dr. Botelho de Silva também na sua tese de
mestrado defende esta mesma posição que eu estou aqui a defender.

A doutrina está a adquirir força pois o Prof. Lima Pinheiro que neste
momento é dos melhores investigadores de direito internacional privado,
veio aceitar a teoria. O que eu penso é que essa teoria é válida quando o
efeito jurídico, neste caso aqui vamos à lege causa, que a pessoa pretende
obter é o efeito regulado pelo direito comunitário, porque não me parece que
faça sentido nós fazermos prevalecer o direito comunitário sempre em todos
os casos pois no fundo estamos a por em causa o próprio critério da
nacionalidade, como critério regulador das matérias do estatuto pessoal, e
estamos a por em causa os critérios que orientaram o legislador na
determinação da nacionalidade relevante para efeitos de regulação das
matérias do estatuto pessoal.

Tenham em consideração que o art.º 28 da lei da nacionalidade regula as


situações de conflito positivo de nacionalidades estrangeiras, mas quando
uma das nacionalidades estrangeiras seja comunitária, a doutrina admite a
aplicação do acórdão Micheletti.

Indo agora para a resolução da hipótese proposta para hoje.


112

HIPÓTESE

António, casado, de nacionalidade egípcia, contraiu novo casamento com


Berta de nacionalidade portuguesa, em 1980, no Egipto onde se
encontravam domiciliados.

Pretende António adquirir nacionalidade portuguesa, pelo casamento, ao


abrigo da lei da nacionalidade.

Atendendo a que:
O casamento anterior não dissolvido não constitui impedimento impediente
para celebrar novo casamento.

O Egipto manda regular a capacidade para contrair casamento pela lei do


domicílio.

A lei Egípcia da nacionalidade reconhece ao estrangeiro o direito a


adquirir a nacionalidade egípcia pelo casamento.

Diga se os esposos podem adquirir a nacionalidade recíproca.

RESOLUÇÃO

A situação da vida que nós temos é o casamento. Quando nós vamos


percorrer as regras de conflitos nós não encontramos um conceito – quadro
que fale em casamento. Mas de qualquer modo nós encontramos um
conceito – quadro que é o de Relações de Família, ou então, capacidade para
contrair casamento.

Por conseguinte, o que nós temos de procurar é de saber qual é a lei que
regula a capacidade para contrair casamento.

Neste caso para nós sabermos se as partes tinham capacidade para contrair
casamento, é o art.º 49 do CC.

Artigo 49º - (Capacidade para contrair casamento ou celebrar


convenções antenupciais) ”A capacidade para contrair casamento
113

ou celebrar a convenção antenupcial é regulada, em relação a cada


nubente, pela respectiva lei pessoal, a qual compete ainda definir o
regime da falta e dos vícios da vontade dos contraentes”:

O art.º 49 manda aplicar a lei pessoal. Recorrendo ao art.º 31/1 este afirma
que a lei pessoal é regulada pela nacionalidade

Artigo 31º - (Determinação da lei pessoal) ”1 - A lei pessoal é a da


nacionalidade do indivíduo. 2 - São, porém, reconhecidos em
Portugal os negócios jurídicos celebrados no país da residência
habitual do declarante, em conformidade com a lei desse país, desde
que esta se considere competente”.

Portanto é a lei da nacionalidade de cada nubente.

A lei nacional para o António é a lei Egípcia, para a Berta é a lei portuguesa.
Então agora temos de perguntar o seguinte: o que é que compete à lei
egípcia regular, e o que é que compete à lei portuguesa regular?

À lei Egípcia compete regular todo o regime de impedimentos matrimoniais.


Portanto compete-lhe regular todos os aspectos de natureza substantiva que
se prendem, com a capacidade para casar. Então, um dos aspectos de
natureza substantiva que se prendem com a capacidade para casar, é aquilo
que se chama “ impedimentum ligaminis”, ou seja, casamento anterior não
dissolvido. Perguntamos à lei Egípcia. O casamento anterior não dissolvido
constitui impedimento matrimonial? A resposta é não! Não constitui
impedimento matrimonial. Portanto, se não constitui impedimento
matrimonial, do ponto de vista da lei de António, da lei egípcia, António e
Berta podem casar.

Nós neste caso, demos de barato que a lei egípcia aceitou a competência.
Mas isto é um erro que se não pode cometer. Temos que perguntar sempre se
a lei neste caso egípcia aceita ou não aceita a competência. Para nós
sabermos se a lei estrangeira neste caso lei egípcia aceita ou não aceita
competência temos de consultar a sua regra de conflitos. E a sua regra de
conflitos manda aplicar a lei de domicílio. Mas como o domicílio é lá,
significa que aceita a competência. Não aceita a competência enquanto lei da
nacionalidade, mas aceita a competência enquanto lei do domicílio.
114

Esta situação é perfeitamente aceitável. Nós não podemos tomar como


assente que para uma ordem uma ordem jurídica se declarar competente, tem
de adoptar o mesmo critério de conexão que a ordem jurídica portuguesa. Na
nossa hipótese a ordem jurídica portuguesa adoptou como critério de
conexão a lei da nacionalidade. a ordem jurídica egípcia adopta como
critério de conexão a lei do domicílio. Mas, desde que o domicílio se
concretize no Egipto o problema fica ultrapassado.

Podemos agora prosseguir, considerando que o casamento anterior não


dissolvido, não constitui impedimento no Egipto, significa que eles podem
casar. Isto do ponto de vista de António.

Estamos a fazer uma aplicação distributiva da lei reguladora do estatuto


pessoal de cada um dos nubentes. O art.º 49 do CC, e o art.º 31/1 do CC
mandam fazer uma aplicação distributiva da lei reguladora do estatuto
pessoal de ambos os nubentes.

Já sabemos que do ponto de vista do nubente A (António) pode casar. Do


ponto de vista do nubente B (Berta) podem casar? É evidente que não!
Porque a lei aplicável é a portuguesa, e a lei portuguesa tem uma norma que
é o art.º 1601 do CC que diz que o casamento anterior não dissolvido
constitui um impedimento dirimente absoluto. Em conclusão eles não
poderão casar.

Conclusão: temos um casamento coxo. Porquê? Porque do ponto de vista do


direito egípcio, como é que o direito egípcio avaliou a capacidade de B para
celebrar casamento? Considerou que face à sua regra de conflitos, regra de
conflitos egípcia, mandou aplicar a lei do domicílio. Como B está
domiciliada no Egipto, então, do ponto de vista do Egipto a lei que regula a
capacidade de B para casar, é a lei do Egipto. Então B pode casar. Face à lei
Egípcia. Não pode casar face à lei portuguesa.

Em algumas situações a lei portuguesa reconhece as situações jurídicas


constituídas no país de residência habitual. Veja-se o art.º 31/2 do CC. Este
n.º 2 visa precisamente regular matérias de estatuto pessoal.

Artigo 31º - (Determinação da lei pessoal) “2 - São, porém,


reconhecidos em Portugal os negócios jurídicos celebrados no país
da residência habitual do declarante, em conformidade com a lei
desse país, desde que esta se considere competente”.
115

Estas situações jurídicas abrangem nomeadamente o casamento.


Reconhecendo o casamento em Portugal, apesar disso deve fazer-se
funcionar a reserva de ordem pública? Deveremos fazer funcionar. Existe
proximidade entre esta situação e a ordem jurídica portuguesa, a tal ponto de
nós não a podermos tolerar na ordem jurídica portuguesa. Se fosse um
casamento entre dois estrangeiros, nós diríamos que essa situação tinha sido
constituída no país de residência habitual, portanto estaria afastada da ordem
jurídica portuguesa. Logo faríamos funcionar aqui a reserva de ordem
pública atenuada. Vamos iríamos atribuir efeitos de direito a essa relação.
Mas, tratando –se de uma situação em que esteja um português envolvido,
há uma proximidade fortíssima entre a relação e a ordem jurídica
portuguesa.

Nós neste caso invocaríamos o art.º 22 do CC da ordem pública


considerando que aquele casamento viola os princípios fundamentais de
direito internacional privado português, e consideraríamos portanto, que este
casamento é inválido.

Artigo 22º - (Ordem pública) ”1 - Não são aplicáveis os preceitos da


lei estrangeira indicados pela norma de conflitos, quando essa
aplicação envolva ofensa dos princípios fundamentais da ordem
pública internacional do Estado português. 2 - São aplicáveis, neste
caso, as normas mais apropriadas da legislação estrangeira
competente ou, subsidiariamente, as regras do direito interno
português”.

LIÇÃO N.º 12 4/12/2002

A partir do momento em que nós aplicamos uma norma de conflitos,


portanto, no nosso caso a lei egípcia, essa regra de conflitos leva à aplicação
de uma norma material, portanto lei do domicílio egípcia, neste caso lei da
residência habitual egípcia à luz do art.º 31/2 do CC.

Artigo 31º - (Determinação da lei pessoal) ”1 - A lei pessoal é a da


nacionalidade do indivíduo. 2 - São, porém, reconhecidos em Portugal
os negócios jurídicos celebrados no país da residência habitual do
116

declarante, em conformidade com a lei desse país, desde que esta se


considere competente”.

E nós avaliando a situação à luz da norma material egípcia consideramos


que ela é válida. É reconhecida nos termos do art.º 31/2 do CC. Mas o facto
de a reconhecermos nos termos do art.º 31/2 do CC, não significa que
deixemos de fazer intervir a reserva de ordem pública.

A reserva de ordem pública intervém precisamente nas situações válidas e


reconhecidas, porque se não forem válidas e reconhecidas o problema da
ordem pública nem se põe.

No caso da nossa hipótese o art.º 31/2 do CC permite reconhecer o negócio,


mas de qualquer modo dado a proximidade desse negócio com a ordem
jurídica portuguesa é de fazer intervir a reserva de ordem pública.

Esta questão que está retractada em que intervêm dois estrangeiros já foi
tratada em França. Em França o tribunal o tribunal ocupou-se da seguinte
questão. Um indivíduo que era casado, casou noutro país com outra pessoa,
portanto era casado com B e C. Este indivíduo morreu, e portanto, pela
morte dele apareceu B e C à sucessão. Os tribunais franceses ficaram
confrontados com a questão de saber qual destes cônjuges sobrevivos
deveria suceder. O tribunal não esteve com meias medidas. Pegou na
herança e dividiu a meias. Essa sentença é muito criticada em França, mas
eu pessoalmente estou de acordo com ela. por que critérios é que nós vamos
conseguir estabelecer a precedência de uma das esposas sobre a outra? Nós
não temos nenhum critério para estabelecer. Nós podíamos adoptar por
exemplo, o critério do momento da celebração do casamento. Pareceria o
critério mais lógico. É apenas um critério lógico ou cronológico. Ele até
podia gostar mais da segunda esposa. Até podia ter uma relação familiar
mais intensa com aquela segunda esposa.

Há situações que para nós são realmente intoleráveis. Por exemplo um


português estar casado com duas mulheres, ou uma portuguesa com dois
homens. Nós rejeitamos esta situação. Agora um estrangeiro casado com
duas esposas, nós censuramos, mas não rejeitamos.

O que nós estamos a tratar é uma situação que se chama em direito


internacional privado, questão prévia da nacionalidade. recordam-se de
117

nós estarmos a tratar deste caso a propósito do elemento de conexão


nacionalidade. e só a propósito do elemento de conexão nacionalidade.

Normalmente quando estudamos o elemento de conexão nacionalidade,


tratamos da questão prévia da nacionalidade. o que é isso da questão prévia
da nacionalidade?

Tendo em conta que compete a cada estado dizer quem são os seus
nacionais, o princípio da liberdade dos estados na fixação dos seus
nacionais, então, há – de competir ao direito internacional privado da lei do
estado cuja nacionalidade está em causa, dizer se determinada situação é ou
não óptima para obter um determinado efeito jurídico.

Visto que compete a cada estado dizer quem são os seus nacionais, o
princípio da liberdade dos estados na atribuição da nacionalidade, então, daí
decorre necessariamente que compete ao direito internacional privado da lei
de que depende o efeito jurídico, ou seja, da lex causae, dizer por que lei se
há – de regular a validade de determinada situação jurídica para obter o
efeito jurídico nacionalidade.

Por exemplo no nosso caso nós podíamos extrair a seguinte conclusão:


 António adquire a nacionalidade Portuguesa? A resposta é não.
António não adquire a nacionalidade portuguesa, porque à luz da lei
portuguesa o casamento é inválido. Foi o direito internacional privado
português, dito da lex causae, que determinou a lei reguladora do
casamento, casamento este que serviu de efeito para obtenção da
nacionalidade. então neste caso nós temos duas situações. Uma
situação principal, e uma situação secundária, ou prejudicial.

Portanto quando alguém reivindica a nacionalidade portuguesa por ser


casado com um português, nós temos duas questões. A questão principal que
é a nacionalidade. mas quer a nacionalidade porque é casado. Então vamos
ter duas situações a resolver. Para ver se ele pode obter a nacionalidade
temos de resolver a questão prejudicial para saber se a questão prejudicial é
válida na ordem jurídica portuguesa, para depois nós termos o efeito
principal que é a nacionalidade.

Conexão autónoma, que leva por exemplo à aplicação da lei egípcia, a


subordinada seria partindo da lei egípcia para determinar outra conexão. O
que a doutrina diz em regra é o seguinte. para nós sabermos por exemplo, se
118

o casamento é válido nós aplicamos uma conexão autónoma. a conexão


autónoma é o art.º 49. para nós sabermos se A é filho por exemplo, também
aplicamos a conexão autónoma, aplicamos o art.º 57 do CC. Isto são
conexões autónomas. Quando nós estamos a falar em conexão autónoma é a
conexão tirada da ordem jurídica do foro. A conexão subordinada é a
conexão tirada da lei chamada para resolver a questão principal.

No caso da nacionalidade considera-se portanto, que a conexão é uma


conexão subordinada. São excepções que a doutrina admite.

A questão prévia da nacionalidade coloca a seguinte questão.

A pretende a nacionalidade. questão principal. Mas pretende a nacionalidade


com base no casamento. Questão secundária, ou prejudicial.

O problema que se põe em direito internacional privado é, por que lei devo
regular a questão prejudicial para obter o efeito nacionalidade. por que lei
devo regular o casamento para saber se esse casamento é válido e válido
bastante para obter o efeito jurídico nacionalidade.

A regra do direito português é: é o tipo da lex causae que dever regular esta
questão. É o direito internacional privado da lex causae portanto, da lei de
que depende o efeito jurídico, da lei que vai atribuir o efeito jurídico, que
deve regular a questão prejudicial. É o direito internacional privado do foro.
Mas não podemos tomar isto em consideração definitiva. Quando se diz que
é o tipo da lex causae, não significa que seja o direito material da lex causae,
porque efectivamente no caso português o tipo da lex causae manda aplicar a
lei portuguesa. Mas o tipo da lex causae podem mandar aplicar uma outra
lei.

Porquê? Vamos supor que a ordem jurídica L1 remete para L2, e L2 declara-
se competente. E do que se trata é de saber se o casamento levava a atribuir a
nacionalidade de L1. num caso como este, o DIP de L1 não está a aplicar a
L1, que não é o caso da lei portuguesa que no art.º 49 manda aplicar a lei
portuguesa. Portanto é o DIP português a mandar aplicar o direito material
português. Mas o DIP da lex causae podem levar a aplicar uma outra lei
material. E essa lei material pode não ser da lex causae. Então, se o
casamento for válido à luz da lei mandada aplicar pelo DIP da lex causae,
então também isso leva necessariamente à atribuição da nacionalidade.
119

Aplicando esta teoria à nossa hipótese. Uma pessoa quer obter a


nacionalidade egípcia. Então a resposta é. Compete ao DIP egípcio decidir
que lei é aplicável ao casamento para saber se o casamento é válido e tão
válido que é bastante para obter o efeito jurídico nacionalidade. significa que
estamos a aplicar o direito egípcio. Pode levar a aplicar o direito egípcio
como foi o caso concreto. Mas pode não mandar aplicar a lei egípcia. Pode
mandar aplicar outra lei.

O que nós fizemos foi recorrer ao direito internacional privado egípcio para
verificar se o casamento é válido e chegámos à conclusão de que si,. Logo
Berta podia adquirir a nacionalidade egípcia.

Agora vamos à questão de saber se António pode adquirir a nacionalidade


portuguesa. Também vamos seguir o mesmo raciocínio. É ao direito
internacional privado português que compete dizer qual é a lei que é
aplicável ao casamento com vista a nós averiguarmos se o casamento é
válido e se for válido podermos obter o efeito jurídico de aquisição da
nacionalidade. então recorremos ao art.º 49 do CC que manda aplicar a lei
pessoal, e em virtude disso nós consideramos que é inválido. Depois
recorremos ao art.º 31/2 do CC que é a forma de reconhecimento dos actos
celebrados no estrangeiro, e acabamos por considerar que o casamento é
válido mas tendo em conta que o casamento foi celebrado com a presença de
um outro casamento, invalidámos o casamento invocando a ordem pública.
Conclusão: não pode obter a nacionalidade portuguesa. Temos um
casamento coxo, que é válido no Egipto, mas não é válido em Portugal.

Há uma situação que, podia ocorrer antes de 1982 quando o direito espanhol
não permitia o casamento de pessoas divorciadas.

Então vamos supor que A divorciado portuguesa, pretende casar com B


espanhol, solteiro. E A quer obter a nacionalidade espanhola, e B quer obter
a nacionalidade portuguesa com base no casamento. A situação é
exactamente que aquilo que nós suscitámos. Temos uma questão principal,
que é a nacionalidade, e temos uma questão prévia ou prejudicial, que é o
casamento.

Para obtermos a nacionalidade pelo casamento, o casamento tem de ser


válido. Então nós temos de perguntar, por que lei vamos averiguar se o
casamento é válido? Há – de ser o DIP da lex causae, portanto neste caso há
120

– de ser o DIP português, a dizer qual é a lei que declara se o casamento é


válido ou não. Então nós tínhamos o seguinte:

 O DIP português manda aplicar ao casamento de A com B a lei


pessoal, que é a lei da nacionalidade. o direito da nacionalidade é a lei
portuguesa no caso de A. Significa que do ponto de vista da lei
portuguesa A tem a capacidade para celebrar o casamento. Mas do
ponto de vista da lei espanhola, como acontecia antes de 1982, nós
iríamos aplicar a lei pessoal, que era a lei da nacionalidade. a lei da
nacionalidade era a lei espanhola, a lei espanhola dizia que sendo
divorciadas não podiam casar, como não podiam casar com pessoas
divorciadas. Tem um B que é solteiro mas que não pode casar com A
por este ser divorciado. Neste caso aqui a resposta é que B não tem
capacidade para celebrar o casamento.

É evidente, que num caso como este, nós podíamos adoptar uma de duas
soluções:
 Ou considerávamos que não se poderiam casar os dois, por este
impedimentum ligaminis ser um impedimento comunicável, este
impedimento na ordem jurídica espanhola se comunicar e portanto
este casamento não poderia ser celebrado. Esta seria uma solução
formal;
 Ou então nós fazíamos como fizeram os juizes alemães, considerar
que num caso como este nós poderíamos fazer intervir a reserva de
ordem pública, ou até então princípios constitucionais de celebração
do casamento e considerar portanto, que B pode casar com A. O que
os tribunais alemães fizeram foi fazer intervir neste caso as próprias
normas constitucionais alemãs directamente que estabelecem o
princípio da liberdade de casar, e não tomando em consideração a
norma espanhola que impedia o casamento de se realizar. E portanto
casaram A e B. Se adoptássemos esta solução, nós tínhamos o
seguinte. significa que da parte da ordem jurídica da ordem jurídica
portuguesa, o casamento é válido, e sendo válido, o espanhol que é B,
é que pode adquirir a nacionalidade portuguesa. Mas acontecia
exactamente o inverso, em Espanha o casamento não seria
considerado válido, e portanto, à luz da lei espanhola ele não adquiria
a nacionalidade espanhola.

Há-de ser sempre o DIP da lex causae o DIP da lei de que depende o efeito
jurídico que nós pretendemos, que é o efeito da nacionalidade, ou então o
121

efeito validade do casamento. Há-de ser o DIP de que depende o efeito


jurídico que se pretende alcançar que vai declarar qual é a lei que regula a
validade daquele casamento.

HIPÓTESE

Abdoiu é simultaneamente cidadão português e guineense, por força das


respectivas leis da nacionalidade. na sequência de um processo de demolição
de barracas clandestinas localizadas no concelho de Loures, A foi
desalojado, pelo que a Embaixada da Guiné – Bissau, em protecção do seu
nacional, apresentou uma nota de protesto junto do Ministério dos Negócios
Estrangeiros português, reclamando a aplicação do art.º 52º da Lei dos
Solos, aprovado pelo Decreto – Lei n.º 794/76 de 5 de Novembro nos termos
do qual “a administração não pode desalojar os moradores das casas de
habitação que tenham de ser demolidas ou desocupadas sem que o tenha
providenciado no realojamento dos mesmos.”.

Aprecie a pretensão da Embaixada

RESOLUÇÃO

A questão de DIP que aqui nos interessa é a de saber se a Embaixada da


Guiné – Bissau pode agir em defesa do seu cidadão.

Temos aqui um conflito positivo de nacionalidades. Uma dessas


nacionalidades é Portuguesa.

Esta questão é uma questão que já se suscitou aqui em Portugal. O Prof.


Jorge Miranda foi chamado a emitir um parecer sobre a questão. Foi uma
situação que ocorreu na Guiné – Bissau, com um indivíduo que era
simultaneamente português e Guineense. A questão era que ele estava a ser
perseguido pelo Estado da Guiné e o estado Português apareceu a defender
esse cidadão. Os guineenses reagiram rejeitando essa pretensão
argumentando que lá ele era guineense. O Prof. Jorge Miranda defendeu a
posição contrária, dizendo que o Estado português podia intervir naquele
caso considerando tratar-se de um cidadão português, não deixava de ser
português.

Mas reparem que o conflito não está solucionado, porque a posição da guiné
é a lei guineense e tratamos como guineense, e a posição de Portugal é a de
122

ser português e portanto o protegeria como português. Ficamos numa


situação de colisão. Mas esta situação de colisão tem de ser resolvida à luz
de alguns princípios que aqui já mencionámos.

Primeiro o princípio da liberdade dos Estados de atribuição da


nacionalidade, leva como consequência necessária, para que esse princípio
seja válido em todos os Estados, que um Estado não possa reivindicar a
nacionalidade perante o Estado de que o outro é nacional.

Se os estados são livres de dizer quem são os seus nacionais, então quando
mais do que um Estado já disse que aquele indivíduo é seu nacional,
havendo um conflito positivo de nacionalidades, então nenhum desses dois
Estados, pode perante o outro vir a invocar a sua nacionalidade, porque
senão estão a anular o princípio.

Essa questão também já foi tratada no Tribunal Internacional de Justiça. A


regra que saiu deste tribunal foi exactamente esta: um Estado não pode
proteger diplomaticamente um indivíduo que é simultaneamente
nacional do Estado de acolhimento, ou seja, um guineense não pode ser
protegido diplomaticamente em Portugal, quando esse guineense é também
português, porque senão iríamos anular o princípio.

No fundo a liberdade dos estados a fixarem a nacionalidade não pode ir a tal


ponto em que realmente as pessoas possam ser nacionais de mais do que um
Estado. Mas se nós interpretarmos o princípio latamente no sentido de que
mais do que um Estado pode dizer que um determinado indivíduo é seu
nacional, então daí tem de decorrer necessariamente, para que o princípio
possa ser válido, o princípio da igualdade dos Estados em matéria de fixação
da nacionalidade. esse princípio leva necessariamente a que as partes não
possam agir diplomaticamente.

LIÇÃO N.º 13 5/12/2002

O conflito de nacionalidades no nosso caso é um conflito que se resolve pela


negativa. Ninguém pode proteger o seu nacional perante o Estado de que ele
é seu nacional.

Já vimos tudo o que havia a dizer sobre a nacionalidade. já vimos que na


União Europeia o que existe não é uma nacionalidade mas sim uma
cidadania. O que existe é uma espécie de isopoliteya.
123

As fórmulas mais antigas que se conhecem de atribuição da dupla


nacionalidade são:
 A isopoliteya;
 E a simpoliteya.

São gregas. No Direito grego, apesar da Grécia estar dividida em cidades –


Estados, essas cidades entravam em relação entre si. Nessas cidades
adoptaram um conjunto de mecanismos, e foram esses mecanismos que
depois na sua progressão histórica viriam a dar lugar ao tal Estado Grego.

A simpoliteya é as situação em que dois estados acordam no sentido de que


os cidadãos de um Estado têm direitos no outro Estado iguais aos dos outros
cidadãos. Há um acordo recíproco no sentido de reconhecer direitos de um
Estado, no país do outro. Na simpoliteya dá-se a anulação das duas
soberanias, por isso é que ele é simpoliteya, e nasce uma entidade
completamente diversa. No fundo, simpoliteya seria um pouco aquilo que
existe na Grã – Bretanha. A Inglaterra, a Irlanda, a Escócia, o País de Gales
não têm soberania própria. A soberania é da Grã – Bretanha. São fórmulas
actuais de simpoliteya.

A Isopoliteya, a isso significa separação, sim dignifica mistura, portanto


isopoliteya significa que estão isolados. Significa que eles mantém a
respectiva autonomia e soberania política. E mantém as suas leis próprias. E
é interessante nós observarmos que na Grécia, quando essas duas cidades se
fundiam, criavam comissões de elaboração de novas leis aplicáveis aquela
nova entidade jurídico – política, ao passo que na Isopoliteya cada cidade
mantinha as suas leis próprias. Daí que Grécia é um país fértil em conflitos
de leis inter - locais. E por isso é que nós também vamos encontrar na
Grécia, as primeiras manifestações de solução dos conflitos de leis. Esses
tratados de Isopoliteya e simpoliteya resolviam as situações de conflitos de
leis.

Na Simpoliteya eles passam a ser gregos, e portanto os nacionais dessas duas


cidades, eram gregos, ao passo que na Isopoliteya eles são metecos. Os
metecos são uma categoria de estrangeiros semelhantes aqueles estrangeiros
que nós dizemos que hoje têm direito ao estabelecimento. No fundo os
nacionais da Comunidade Europeia, quando vêm exercer os direitos de
estabelecimento, de livre circulação, etc., no quadro do direito comunitário,
124

são o equivalente aos metecos do direito grego ressalvando as devidas


proporções.

Na Grécia distinguiam-se os metecos e os bárbaros. Estes últimos eram os


estrangeiros alheios à comunidade helénica. Os Metecos eras a única
categoria de estrangeiros que apresentava algum interesse porque todo o
meteco quando transitava de uma cidade para outra, era protegido por uma
figura que se chamada polamarca. Este era o indivíduo que actuava a favor
do meteco. Era ele que interpunha a acção, era ele que protegia os seus bens,
que lhe fazia os requerimentos, etc., era uma espécie do tutor dos
estrangeiros.

LEI REGULADORA DO ESTATUTO PESSOAL

HIPÓTESE
Em 1955 Abdiou e sua esposa Ruth cidadãos guineenses imigraram para
Portugal, onde apesar de todas as diligências efectuadas não conseguiram
obter uma autorização de residência, nem dispõem de qualquer documento
que lhes permita provar a residência em Portugal desde essa data.

Em 1984 após uma breve estadia em Espanha, nasceu numa maternidade de


Madrid, um filho do casal a quem foi dado o nome de Abdiou Júnior. Em
1984 o casal e o filho mudaram a sua residência para França onde
permaneceram até 1994 data em que Abdiou e Ruth mudaram a sua
residência para a Suíça em virtude de não terem conseguido obter
igualmente em França uma autorização de residência.

Condoídos com as situações do casal Giles petit de Lebeque, e


cidadãos franceses ofereceram-se para ficar com a guarda de Abdiou Júnior
que permaneceu em França para o que obtiveram autorização quer dos pais
quer do governo francês.

Atendendo que:
1.a Guiné – Bissau adopta em matéria de nacionalidade o critério do Jus
Solis, e não admite a situação de dupla nacionalidade
2. o direito espanhol adopta em matéria de nacionalidade o critério do Jus
Sanguinis;
125

3. o direito francês a maioridade se atinge aos 18 anos de idade e se


considera com domicílio legal do menor a residência habitual das pessoas a
cuja guarda ele estiver;
4. na Suíça a maioridade se atinge aos 20 anos de idade, e se considera como
domicilio legal a residência dos seus pais;
5. na França só é considerado residente a pessoa que tenha obtido do
governo francês uma autorização de residência;
6. na Suíça é considerado residente a simples permanência de facto no
território Suíço.

A: determine qual a lei pessoal de Abdiou Júnior;


B: se Abdiou Júnior tivesse nascido em território português ele adquiria a
nacionalidade portuguesa?

RESOLUÇÃO
Este também é ainda uma hipótese onde se toca ainda a questão da
nacionalidade. nos termos do art.º 25 do CC conjugado com o art.º 31/1 do
CC, sabemos que a lei pessoal é a lei da nacionalidade. para nós sabermos
qual é a lei pessoal do indivíduo temos de determinar a sua respectiva
nacionalidade.

Para identificarmos a situação privada internacional presente nesta hipótese,


iríamos pela constituição da nacionalidade. temos um problema de
nacionalidade, saber se o indivíduo em questão tem ou não determinada
nacionalidade.

Há um conflito de normas materiais. Porque quando nós dizemos que a


Guiné adopta o critério do Jus Solis, isto é uma norma material, não é uma
norma de conflitos.
Como a Guiné – Bissau adopta o critério do Jus Solis Abdiou não é
guineense. O Direito espanhol adopta o critério do Jus Sanguinis, pelo que
Abdiou também não é francês.

Equacionando:

Temos um problema de nacionalidade. para nós sabermos qual é a lei


pessoal do Abdiou, temos que recorrer à questão da nacionalidade. para nós
recorrermos à questão da nacionalidade, vamos por partes.
126

 Primeiro. Partindo do princípio segundo o qual cada Estado diz quem


são os seus nacionais, então o critério para fixação da nacionalidade, é
fixado lege causae. Compete a cada Estado dizer quem são os seus
nacionais. Compete a cada Estado definir quais são os critérios de
fixação da nacionalidade. portanto o critério fixado pela Guiné –
Bissau, é o Jus Solis. Ou seja, é cidadão guineense quem nasce na
Guiné. Visto que o Abdiou Júnior não nasceu na Guiné a
consequência é a de não ser guineense.
 Nós vamos agora perguntar se Abdiou Júnior é espanhol. Adoptando
o mesmo critério lege causae, a lei de que depende o efeito jurídico,
que nós pretendemos obter, que é a constituição da nacionalidade, e
neste caso vamos verificar se este critério de atribuição permite
atribuir a nacionalidade espanhola. Por este critério ele não e
espanhol.
 Será Abdiou Júnior português? Não! Porquê? Quais são os critérios de
atribuição de nacionalidade portuguesa na lei portuguesa?
o Filiação
o Aquisição por casamento
o Adopção
o Residir no território português há mais de 6 anos, ou há mais de
10 anos;
o Critério do Jus Solis, sendo português quem nasceu em
Portugal; aqui a lei estabelece fortes limitações. Se um
indivíduo é filho de nacionais de língua oficial portuguesa, e os
pais do indivíduo já estiverem domiciliados em território
português há mais de 6 anos, esse indivíduo adquire a
nacionalidade portuguesa de origem. Se for filho de um cidadão
estrangeiro e que não seja membro de um país membro do
CPLP, o seu filho só adquire a nacionalidade portuguesa desde
que os pais estejam a residir em Portugal há mais de dez anos.
O art.º 15 da CRP permite esta distinção entre estes dois tipos
de nacionalidades.
o Critério do Jus Sanguinis, sendo português quem for filho de
pais portugueses.

Regressando ao caso do Abdiou Júnior, nós já constatámos que ele não é


guineense, constatamos que ele não é espanhol, e estamos a tentar ver se ele
poderia ser português. A questão que se coloca aqui é a seguinte. segundo os
dados que nós temos em 1975 Abdiou pai e a esposa imigraram para
127

Portugal, onde usaram de todas as diligências não conseguindo obter uma


autorização de residência, nem dispõem de qualquer documento que lhes
permita provar a sua residência em Portugal desde essa data.

Em 1984 foram para Espanha, onde tiveram um filho e depois transferiram a


sua residência para França. A questão está em saber se tendo em conta os
dados que nós temos. Sabendo nós que ele esteve em Portugal d 1975 a 1984
a residir clandestinamente se o seu filho pode obter a nacionalidade
portuguesa.

Este dado é posto na hipótese de propósito, porque na verdade no que


respeita ao conceito de residência em Portugal, para efeitos de aquisição da
nacionalidade portuguesa, o direito português moveu-se no tempo através de
dois critérios.
 O critério da residência de Jure;
 E o critério da residência de facto.

Antes de 1984 uma pessoa podia adquirir a nacionalidade portuguesa através


da residência. Bastava que estivesse a residir de facto em território
português. Bastava que ele conseguisse provar a sua residência em território
português. Como é que eles conseguiam provar a residência. Através de
contratos de trabalho, através da inscrição na segurança social, através dos
descontos que faziam para a segurança social, ou seja, no fundo, as
autoridades acabaram por utilizar aqueles mesmos indícios externos de que
nós temos vindo a falar para provar a sua residência naquelas situações de
clandestinidade.

A lei de 1994 veio acabar com esta questão. Neste momento só é


considerado residente em Portugal a pessoa que tenha uma autorização de
residência. A própria lei dos estrangeiros que está a ser neste momento
revista vem clarificar ainda mais esta ideia, porque é um ponto de vista que
decorre de princípios decorrentes da comunidade europeia.

A carta dos direitos fundamentais da comunidade europeia estende os


direitos aos cidadãos estrangeiros mas desde que eles estejam a residir
legalmente num determinado território.

Neste momento para efeitos de aplicação do art.º 1 da lei da nacionalidade,


nós temos que atender à residência de jure.
128

No nosso caso não podemos aplicar a residência de jure porque temos um


problema de aplicação da lei no tempo e temos de salvaguardar os direitos
adquiridos. Art.º 12 do CC.

Coloca-se aqui um problema de aplicação da lei no tempo. A regra do meu


ponto de vista é o seguinte. se a pessoa já tiver completado 6 anos de
residência de facto em território português e o filho nasceu mesmo depois da
aprovação da nova lei, eu entendo que a pessoa adquire a nacionalidade
portuguesa. Resta saber se as autoridades aceitam este ponto de vista. Eles
em regra vão aplicar a lei que está em vigor no momento em que decidem.

Há pessoas que já tinham residência efectiva há cinco anos e entretanto a lei


foi alterada dizendo que as autorizações de residência passavam a ser de
dois. Então as pessoas que tinhas autorizações de 5 anos iam renovar
passavam-lhes para dois. Eu acho que não faz sentido. O tempo de
residência é um direito adquirido, as pessoas não podem andar para trás,
porque tendo 5 depois passam a ter 10. mas não. De cinco passam para dois.
Pediram por fim um parecer ao Jus Gentium Coninbrigae instituto da
universidade de Coimbra que se ocupa precisamente da problemática dos
estrangeiros em Portugal. Nesta matéria da aplicação da lei no tempo, deram
um parecer exactamente de acordo com a minha opinião.

No caso da nossa hipótese coloca-se precisamente um problema de aplicação


da lei no tempo. Eu entendo que desde que os pais consigam provar que já
estavam a residir de facto há seis anos no momento do nascimento do filho,
ainda que tenha sido depois da entrada em vigor da nova lei, eu acho
naturalmente que adquire a nacionalidade portuguesa.

Nós poderíamos colocar a questão de saber se ele poderia adquirir a


nacionalidade portuguesa. Mas mesmo assim não pode adquirir a
nacionalidade portuguesa. Porquê? Porque ele nasce em Espanha. Não nasce
em Portugal. Se ele tivesse nascido em Portugal poderia adquirir a
nacionalidade portuguesa, e aqui já estamos a responder à segunda pergunta.

Critério de facto: é residente em Portugal aquele eu está em Portugal


continental com a intenção de aqui permanecer. Envolve dois elementos:
 um elemento material: presença física em Portugal Continental;
 e um elemento intelectual: a intenção de permanecer em Portugal.
129

Residência habitual de jure: significa que a pessoa recebeu uma


autorização de residência atribuída pelas autoridades competentes.

Neste sector do direito português inverteu toda uma evolução que vinha
seguindo desde tempo das ordenações. Portugal tem uma tradição muito
antiga de um bom relacionamento com os estrangeiros. Os estrangeiros
tinham conservatórias, tinham os seus notários, etc., tendo havido situações
em que os naturais do reino ficavam revoltados com as prerrogativas que os
estrangeiros adquiriam em Portugal.

Até 1994 o conceito relevante de residência habitual para efeito de


atribuição de nacionalidade era a residência de facto. Só que em 1994
alteraram para o critério da residência de jure.

LIÇÃO N.º 14 - 11/12/02


O Dr.º GA retoma a resolução da hipótese sobre a lei reguladora do
estatuto pessoal de Abdiou Júnior.
Na última aula, chegámos à conclusão de que ele:
- não era Guiniense por causa dos critérios adoptados pela lei da
Guiné.
- também não era Espanhol em virtude dos critérios adoptados pela Ordem
Jurídica Espanhola.
- nem era Português, não obstante, ter eventualmente sido concebido em
Portugal.
A este propósito, hoje em dia, há quem defenda que a personalidade jurídica
se deve adquirir no momento da concepção. Em Portugal, o CDS/PP chegou
a apresentar, há alguns anos atrás, um projecto, no sentido de alterar o art.
66º CC, para a ideia de que a personalidade jurídica se adquiria no momento
da concepção. Na Ordem Jurídica Italiana já se aceitou a ideia de que a
personalidade jurídica se adquire no momento da concepção, o que cria
alguns problemas no âmbito do DIP.
Assim, se Portugal adoptasse um critério idêntico, e se o Abdiou Júnior
tivesse sido concebido em Portugal, nesse caso, ele teria, eventualmente,
adquirido a nacionalidade portuguesa. Eventualmente, a não ser que
interpretássemos a disposição da al. d) do n.º 1 do art. 1º da Lei da
Nacionalidade (Os indivíduos nascidos em território português , quando não
possuam outra nacionalidade), que pressupõe que ele esteja em Portugal no
momento do nascimento. Tendo em conta os dados da hipótese, nós não
podíamos dizer que ele adquiriu a nacionalidade portuguesa.
130

Conclusão: não tendo nem a nacionalidade Guiniense, nem a nacionalidade


Espanhola, nem a nacionalidade Portuguesa, então, Abdiou Júnior é um
apátrida.

Sendo um apátrida, qual é a lei reguladora do seu estatuto pessoal?


Sendo apátrida, a lei reguladora do seu estatuto pessoal está disciplinada no
art. 32º CC.

Art. 32º CC – Apátridas – n.º “1. A lei pessoal do apátrida é a do


lugar onde ele tiver a sua residência habitual ou, sendo menor ou interdito,
o seu domicílio legal.”

O art. 32º CC manda aplicar à lei pessoal do apátrida a lei da


residência habitual, ou se ele for menor ou interdito, a lei do domicílio legal.
Qual é a consequência que daí se retira para a resolução desta hipótese? Que
idade tem Abdiou Júnior? Ele tem 18 anos, porque nasceu em 1984, e
estamos em 2002. Então, qual é a 1ª questão que a aplicação do art. 32º CC á
nossa hipótese suscita?

A 1ª questão é esta: por que lei é que havemos de saber se ele é maior
ou menor? Quando se diz que há um conflito de leis, isso significa que já se
ultrapassou a questão de sabermos qual é a lei que diz se ele é maior ou
menor.
Visto que nós não temos nenhuma lei que possamos aplicar para
determinar se ele é maior ou menor:

A) um critério possível é seguirmos o critério previsto na lei


portuguesa. Nesta situação, temos um critério lege fori.
Neste caso, ele seria maior se tivesse 18 anos.

B) um outro critério possível é o da aplicação da lei com a qual ele


tivesse uma conexão mais estreita. Nesta 2ª situação, o critério de conexão
com a residência habitual ou com o domicílio é um critério lege causae.
Neste caso da hipótese, a conexão mais estreita poderia ser:
- tanto em França, porque ele vive em França, sendo que, de acordo
com a lei de residência habitual, ele é considerado maior.
- como na Suíça, e, neste caso, de acordo com a lei do domicílio legal,
ele seria menor.
131

C) De acordo com o Dr.º GA, neste caso, nós poderíamos ainda


adoptar um outro critério: o critério da norma aplicável, ou seja, toda e
qualquer norma, de todo e qualquer país, que queira ser aplicada. Este é o
critério lege causae.
Assim, nós questionamos esses países sobre se o consideram maior ou
menor para efeitos de aplicação da norma.

De um modo geral, a Doutrina segue o critério lege causae para


efeitos de determinação da lei aplicável. Como chama a nossa atenção o Dr.º
GA, este é o mesmo critério que nós utilizamos para efeitos de concretização
do elemento de conexão “nacionalidade”. Portanto, vamos adoptar também o
mesmo critério para efeitos de determinação do elemento de conexão
“domicílio” ou “residência habitual”.
Mas, daí podem advir situações de conflito. Daí que é neste momento
que se chega ao conflito atrás mencionado.

Quais são as situações de conflito possíveis no art. 32º CC, entre a


residência habitual e o domicílio legal do apátrida? Por exemplo:
*Se a lei da residência habitual (R/h) o considerar maior (>), significa
que se aplica a lei da residência habitual.
*Se a lei do domicílio legal (Dl) o considerar menor (<), significa que
se aplica a lei do domicílio legal.

Mas pode acontecer que:


* a lei da residência habitual (R/h) o considere menor (<) e a lei do
domicílio legal (Dl) o considere maior (>).
Então, temos um conflito negativo, porque nenhuma das leis se aplica.
Significa que nem a lei da residência habitual quer ser aplicada, porque o
considera menor; nem a lei do domicílio legal quer ser aplicada porque o
considera maior.
A lei da residência habitual considera, por exemplo, uma pessoa
menor quando, à luz do seu critério, a maioridade atinge-se aos 20 anos, e
ela tem apenas 18 anos.
A lei do domicílio legal considera-a maior porque, por exemplo, à luz
do seu critério, a maioridade atinge-se aos 18 anos, e, essa pessoa tem 18
anos.
132

*Todavia, a lei de residência habitual (R/h) pode considerá-lo menor


(<), e a lei do domicílio legal (Dl) considerá-lo menor (<). Neste caso de
ambas as leis o considerarem menor, significa que vamos aplicar a lei do
domicílio legal.

*A lei de residência habitual (R/h) pode também considerá-lo maior


(>) e a lei do domicílio legal (Dl) considerá-lo maior (>). Neste caso, de
ambas as leis o consideram maior, aplicamos a lei da residência habitual.

*A lei da residência habitual (R/h) o considerar maior (>) e a lei do


domicílio legal (Dl) o considerar menor (<). Neste caso, a lei da residência
habitual considera-o maior e quer ser aplicada. Mas, também a lei do
domicílio legal o considera menor e quer ser aplicada. Portanto, ambas
querem ser aplicadas. Temos aqui um conflito positivo de leis.

Esquematicamente, as diversas hipóteses que o art. 32º CC pode


suscitar são as seguintes:
1ª R/h > R/h > R/h
considera-o considera-o aplica-se a lei
2ª Dl < Dl < Dl
Situações de conflito:
Há um conflito negativo porque nenhuma
3ª R/h < Dl > das leis quer ser aplicada
4ª R/h < Dl < Dl
considera-o considera-o
5ª R/h > Dl > aplica-se a lei R/h
6ª R/h > Dl < R/h Dl (há um conflito
positivo)

Na nossa hipótese, a lei da residência habitual considera Abdiou


Júnior maior e a lei do domicílio legal considera-o menor. Trata-se
precisamente da situação em que ambas as leis querem ser aplicadas.

Utilizar o argumento da conexão mais estreita para resolver este


conflito é uma hipótese, mas nós não podemos tomar este critério como
“remédio para todos os males”. No caso da hipótese, o critério da conexão
mais estreita acabaria, eventualmente, por desembocar na lei da residência
habitual que o considera maior e queria ser aplicada.
Esta é a solução que o prof. Lima Pinheiro preconiza para este conflito
positivo entre a lei da residência habitual e a lei do domicílio legal do menor.
Diz ele que se a lei da residência habitual considerar o indivíduo maior, e a
lei do domicílio legal o considerar menor, parece não fazer muito sentido
tratar uma pessoa como menor quando a lei da sua residência habitual, que é
133

a 1ª conexão que está no art. 32º CC, o considera maior. Este argumento é
um argumento absolutamente plausível. O ponto de vista do prof. LP vai no
sentido de que, num caso como este, nós aplicamos a lei da residência
habitual.

Mas um contra-argumento pode ser o seguinte: vamos supor que se


trata de aplicar normas de protecção de menores vigentes na lei do domicílio
legal. Na opinião do Dr.º GA, e tendo em consideração o facto de haver uma
jurisprudência, e um conjunto de Convenções Internacionais, que conduzem
à aplicação da lei de protecção do menor, tratar o indivíduo em causa como
maior, é evitar aplicar as normas que o protegeriam sendo ele menor à luz da
lei do domicílio legal (e se assim o considerássemos).
O raciocínio quanto à supremacia da lei de residência habitual está
confirmado na mesma. Só que, pode acontecer que, na Ordem Jurídica da lei
do domicílio legal haja a necessidade ou a possibilidade de aplicar normas
de protecção do menor – por exemplo, quanto à sua entrada num
estabelecimento de ensino, ou então, relativas a um subsídio para efeitos de
continuação do ensino, etc., ou normas relativas ao tratamento de indigentes
… No entender do Dr.º GA, se nós o tratarmos sempre como maior,
podemos inviabilizar a aplicação dessas normas.
Na aplicação de uma dessas leis em conflito, temos que entrar em
linha de conta com considerações de ordem material, porque, no que respeita
aos menores, há toda uma jurisprudência internacional que aponta no sentido
da aplicação das normas que protegem o menor. Há mesmo um princípio de
protecção do interesse do menor. Tudo depende das normas que queiram ser
aplicadas. Se forem normas de protecção dos menores, então são de aplicar.
É um pouco o princípio do tratamento mais favorável. Se nós aplicamos
normas mais favoráveis aos trabalhadores, aos consumidores, e até às
mulheres, por que não podemos aplicar normas mais favoráveis ao menor?
Este é o ponto de vista pessoal do Dr.º GA. Portanto, neste caso, a aplicação
da lei do domicílio legal pode-se justificar.
Por exemplo, na Ordem Jurídica Italiana, no que respeita à solução
dos conflitos sobre a comoriência, eles apontam no sentido de uma solução
parecida com esta que o Dr.º GA está a defender, i.e., no sentido de se
aplicar aquela lei ou aquela norma que quer ser aplicada mesmo que ela seja
favorável.

Na hipótese, nós poderíamos concluir que a lei reguladora do


estatuto pessoal do Abdiou Júnior é a lei da residência habitual.
134

Como se pode verificar, nem sempre é fácil determinar a lei


reguladora do estatuto pessoal. Temos que passar por um conjunto de
mecanismos que podem ser mais ou menos complicados. No caso do
apátrida, então, pode ser mais complicado.

Um colega suscita a questão da possibilidade da aplicação analógica


da parte final do art. 28º da Lei da Nacionalidade para resolver o conflito
que esta hipótese suscitava.
É uma hipótese, de acordo com o nosso prof.: trata-se de recorrer a um
lugar paralelo e aplicar essa norma analogicamente, porque não se pode
aplicar essa norma directamente, uma vez que, aquilo que ela visa
efectivamente é resolver um conflito positivo de nacionalidades. Como
também é um conflito positivo que está em causa na nossa hipótese, seria
possível equipará-lo ao conflito positivo de nacionalidades e recorrer à ideia
da conexão mais estreita para o resolver. Não poderíamos recorrer à ideia da
residência habitual que surge em 1º lugar no art. 28º da Lei da Nacionalidade
porque é a própria residência habitual que está em conflito com outra
conexão. O que se poderia fazer era pegar no 2º termo do art. 28º da Lei da
Nacionalidade e resolver o conflito com base na conexão mais estreita.
Porque é que o art. 28º da Lei da Nacionalidade não pode ser aplicado
directamente, mas só analogicamente? Porque este artigo visa resolver
conflitos positivos de nacionalidade.
Art. 28º Lei da Nacionalidade (Lei n.º 37/81 de 3 de Outubro) –
conflitos de nacionalidades estrangeiras – “Nos conflitos positivos de duas
ou mais nacionalidades estrangeiras releva apenas a nacionalidade do
Estado em cujo território o plurinacional tenha a sua residência habitual
ou, na falta desta, a do Estado com o qual mantenha uma vinculação mais
estreita.”

Se uma pessoa tem duas nacionalidades, ou seja,


tem a nacionalidade de A e tem a nacionalidade de B,
*e se reside habitualmente em A prevalece a nacionalidade de A

*Se reside simultaneamente:


em A e em B,
então, vamos ter que recorrer a outro critério: o da conexão mais estreita.
*Até pode suceder que ele não resida habitualmente
nem em A e nem em B
pelo que vamos ter que recorrer, de novo, ao critério da conexão mais
estreita.
135

O raciocínio de aplicação analógica do art. 28º da Lei da


Nacionalidade baseia-se no seguinte: este artigo visa resolver conflitos
positivos de nacionalidades, sendo que nesta hipótese, também, temos um
conflito positivo, desta feita entre a residência habitual e o domicílio legal,
que é igualmente um conflito de territórios em tudo semelhante ao conflito
de nacionalidades previsto.
Com efeito, na hipótese, nós temos um conflito entre:
a lei da residência habitual e a lei do domicílio legal.
O critério da residência habitual aparece, em 1º lugar, no art. 28º da
Lei da Nacionalidade, para resolver os conflitos de nacionalidades, mas nós
não podemos aplicar este critério à solução da nossa hipótese porque o
conflito verifica-se precisamente entre a lei da residência habitual e a lei do
domicílio legal. Então, para resolver este conflito, vamos ter que recorrer ao
critério subsequente no art. 28º da Lei da Nacionalidade que é o critério da
conexão mais estreita. Portanto, num caso como o da hipótese, nós
podíamos perfeitamente ir à procura da conexão mais estreita com uma
dessas leis. E, sendo a residência habitual o centro de imputação dos
interesses do menor, podíamos aplicar a lei da residência habitual. Mas,
tratando-se de um menor, o Dr.º GA inclinar-se-ia para tomar em conta o
aspecto da natureza da norma que quer ser aplicada.

O critério que o Dr.º GA defende para a solução dos conflitos com que
nós trabalhamos em DIP é o de partir da situação em causa, ver qual é o
interesse superior em evidência, e resolver o conflito a favor dele.
Se nós estamos a tratar de pessoas, então, vamos à procura daquela
norma, ou daquele conjunto de normas, daquele sistema que melhor protege
a pessoa, porque o Direito não pode ser desgarrado da realidade.
Na nossa hipótese, nós estamos à procura de uma norma reguladora do
estatuto pessoal, portanto, onde gravitam todos os interesses daquela pessoa.
Por isso, nós não podemos deixar de tomar em consideração esses interesses.
Daí tomarmos em consideração esses critérios de ordem material na
definição da lei reguladora do estatuto pessoal, não ficando apenas pelos
aspectos de natureza estritamente formais.
Assim, atendendo a estas considerações materiais, se, se tratar de uma
norma mais favorável para o menor, pode defender-se a aplicação da lei
Suíça. E não se suscita qualquer problema se, se verificar uma dualidade de
critérios. Pode-se aplicar a lei do domicílio legal devido a uma norma de
protecção dos menores, hoje, e amanhã, a lei da residência habitual para
outro efeito, em detrimento da protecção do menor. Não há qualquer
problema numa solução como esta.
136

Por exemplo: neste momento, relativamente aos contratos com


consumidores e com trabalhadores, a Convenção de Roma manda aplicar
simultaneamente várias leis. Às vezes, até pode suceder que nós apliquemos
simultaneamente 4 leis diferentes. Assim, tratando-se, por hipótese, de um
contrato de trabalho:
- as partes podem escolher a lei aplicável – portanto, trata-se da lei da
autonomia.
- Mas, a lei do lugar de execução do contrato é sempre aplicável – a
lei onde o contrato está a ser executado e todas aquelas normas que
protegem o trabalhador no âmbito dessa mesma lei, hão-de ser aplicáveis.
Perguntar-se-á: mas se ela estiver em contradição com a lei da
autonomia? Se estiver em contradição com a lei da autonomia, vamos
aplicar aquela das normas que melhor protegem o trabalhador.
- Além da lei do lugar da execução, podemos entrar em linha de conta,
por exemplo, com a própria lei do foro por força do princípio da Ordem
Pública. Por exemplo, se, quer a lei da autonomia, quer a lei do lugar da
execução, tiverem normas que contendam com princípios fundamentais da
Ordem Pública do Estado do Foro, a lei do foro também intervém para
afastar alguma dessas normas.
- Mas além disso, nós temos as normas de aplicação imediata quer do
foro, quer estrangeiras. No que respeita às estrangeiras, há aquela dúvida
sobre se realmente nós devemos aplicá-las ou não. Mas, além das
estrangeiras, também temos normas de aplicação imediata da lex causae.
Portanto, podemos concluir que a quantidade de leis que podem
concorrer para regular uma única situação é grande:
- a lei da autonomia;
- a lei do lugar da execução;
- a lei do foro;
do foro;
- as normas de aplicação imediata estrangeiras;
da lex causae.

E, qualquer das três primeiras leis também pode suscitar a aplicação


das normas de aplicação imediata dessas mesmas leis. E quanto à lei do foro,
pode-se fazer intervir a cláusula de Ordem Pública.
Nós temos é que aprender a estabelecer a congruência entre estas
diversas leis que participam da regulação do tráfego privado internacional.
E, no caso, se nós fazemos isso relativamente a trabalhadores, por que não
havemos de fazer isso relativamente a menores. A Convenção de Roma é
taxativa neste aspecto. Permite perfeitamente esta solução.
137

Em DIP, nós temos que aprender a conviver com estes conflitos, pois,
muitas vezes, somos chamados a aplicar várias leis ao mesmo tempo. Do
que se trata é de nós sabermos contorná-los. A coordenação dessas leis
também passa pela eleição de qual o interesse superior que está em causa.
Por isso, é que os princípios de DIP permitem tomar em consideração esse
interesse em evidência, até porque, os próprios princípios de DIP entram,
eles próprios, em contradição entre si.
Quanto à última questão da hipótese: se Abdiou Júnior tivesse nascido
em território português, teria adquirido a nacionalidade portuguesa, qual é a
resposta? Sim, adquiriria. Esta pergunta é feita com base na ideia de
averiguar se os alunos estão de prevenção no que respeita a estas situações
de apatridia.
A lei portuguesa adoptou uma norma residual que é a da al. d) n.º1 do
art. 1º da Lei da Nacionalidade que visa precisamente evitar situações de
apatridia.
Portugal não faz parte da Convenção Internacional que visa regular
estas situações, mas, mesmo assim, o Prof. Moura Ramos que foi uma das
pessoas intervenientes na feitura da Lei da Nacionalidade em 1981, e que
conhece bem a Convenção de 1930 sobre as medidas que os Estados devem
adoptar para acabar com as situações de apatridia, adoptou esta norma na
Ordem Jurídica Portuguesa. Portanto, basta que uma pessoa nasça em
território português e, se a partir deste nascimento, chegarmos à conclusão
de que ele não adquire nenhuma outra nacionalidade (como na hipótese,
pois, ele não adquire nem a nacionalidade guiniense, nem a espanhola),
então, vamos recorrer à al. d) do n.º 1 do art. 1º da Lei da Nacionalidade para
atribuir nacionalidade portuguesa ao indivíduo.

Vejamos os outros dois elementos de conexão mais importantes (além


da nacionalidade): a residência habitual e o domicílio.

Como é que se interpretam estes elementos de conexão? A


interpretação destes elementos de conexão é feita como? Qual é o critério?
Como é que se interpretam os conceitos utilizados pelo Direito de Conflitos
Português? Trata-se de uma interpretação autónoma.
Por exemplo, se nós quisermos interpretar o conceito de domicílio,
nós temos, pelo menos, três vias:
138

1) Dizemos que é domicílio aquilo que o Direito Português entende


como tal – e neste caso estamos a fazer uma interpretação lege materialis
fori;
2) Ou entendemos como domicílio aquilo que a lex causae entende
como tal – neste caso, se a lex causae for o Direito Português, será de acordo
com o Direito Português; mas se a lex causae for o Direito Francês, será de
acordo com o Direito Francês e assim sucessivamente. Entendemos como
domicílio aquilo que a lei da qual depende o efeito jurídico diz que é
domicílio.
3) Ou então, adoptamos um critério autónomo de domicílio, de tal
modo que abrange não apenas o conceito de domicílio português, mas todos
os conceitos de domicílio previstos na generalidade das Ordens Jurídicas.
Esta à uma interpretação autónoma. Porquê? Porque durante muito tempo, o
Direito de Conflitos foi pensado em função do Direito Material do foro.
Por exemplo, o conceito de casamento, para efeitos de Direito de
Conflitos, era entendido como a união entre duas pessoas de sexo diferente
com o fim de constituir família. Este conceito de casamento é o conceito de
Direito Material Interno.
Se nós adoptarmos no Direito de Conflitos, este conceito de
casamento diríamos que casamento é o contrato celebrado entre duas
pessoas de sexo diferente com o fim de constituir família. E este conceito já
não seria um conceito que abrangeria outras situações culturais paralelas
que, por exemplo, são casamento para outras Ordens Jurídicas (ou para
outras culturas), mas que não são casamento para nós. Mas, como o DIP é
um Direito aberto para o Mundo, a interpretação dos conceitos é feita com
autonomia.
O prof. LP tem uma posição ambígua sobre esta questão. Ele diz que a
interpretação dos conceitos quadro das regras de conflito é feita de acordo
com a lei do foro mas com autonomia.
Na verdade, o nosso ponto de partida é, necessariamente, a lei do foro.
Mas, no entender do Dr.º GA, se nós tomarmos em consideração o princípio
da igualdade de tratamento ou da paridade das Ordens Jurídicas no plano do
DIP, nós não podemos dar uma supremacia à lei do foro nesta interpretação.
A ideia é a interpretação ser autónoma, de tal modo que, abrange no seu
conteúdo quer aquilo que, para a lei do foro, deve ser entendido como
domicílio, quer aquilo que as outras Ordens Jurídicas entendem como tal.
139

A concretização de cada elemento de conexão é um outro problema


que se distingue do problema da interpretação dos elementos de conexão.
Como é que nós concretizamos os elementos de conexão? A concretização
do elemento de conexão faz-se lege causae. O que é que significa isso?
Significa que é concretizado nos termos da lei da qual depende o efeito
jurídico pretendido.
Não se pode dizer que “depende da lei para a qual remete a norma de
conflitos”, nem da “lei “chamada” pela norma de conflitos” porque é
precisamente da concretização do elemento de conexão que ficamos a saber
se aquela lei pode ser aplicada ou não. É a lei onde se concretiza o elemento
de conexão que há-de ser a lei aplicável. A concretização do elemento de
conexão faz-se lege causae.

Concluindo:
- Se a interpretação é feita segundo a lei do foro e com autonomia, de
acordo com o entendimento do prof. LP, ou de acordo com a lege formalis
fori, no entender do prof. Ferrer Correia, - i.e., uma interpretação com
autonomia;
- Já a concretização do elemento de conexão é feita lege causae.
Portanto, há-de ser a Ordem Jurídica potencialmente chamada pela regra de
conflitos a confirmar se aquele elemento de conexão se concretiza naquela
mesma Ordem jurídica.
Por exemplo, para saber se uma pessoa tem domicílio em França, há-
de ser a lei francesa a fixar os critérios de concretização desse domicílio.
Para nós sabermos se uma pessoa tem nacionalidade espanhola, há-de ser a
Espanha a fixar os critérios de determinam a nacionalidade espanhola. Para
nós sabermos se uma pessoa tem residência na Holanda, há-de ser a Holanda
a fixar os critérios para saber se a pessoa tem lá residência. A concretização
do elemento de conexão é sempre feita lege causae.
LIÇÃO N.º 15 - 12/12/02

Na aula de hoje, nós vamos tratar a matéria dos princípios fundamentais do


DIP, começando por inventariá-los.

Quais são os princípios com que nós trabalhamos em DIP? Na opinião do


Dr. GA, conhecer muito bem os princípios é de grande utilidade. Aliás,
conhecer bem os princípios de qualquer ramo de direito é de grande
importância porque, no fundo, segundo a melhor doutrina, os princípios
extraem-se através das normas. Quer dizer: um princípio não é anunciado
previamente e depois, todas as normas são determinadas através do
140

princípio. Mas, na sua origem, o ramo do direito vai-se formando através da


postura de normas e, através dessa postura, vai-se descobrir no interstício
dessas normas, os princípios que orientam o mesmo ramos de direito. No
entender do nosso prof. foi através desta via metodológica que se
inventariaram os princípios de DIP.

Neste momento, vamos passar à inventariação dos princípios que foram já


descobertos e identificados em DIP, e depois, vamos verificar para que é que
eles servem, i.e., qual é a utilidade de cada princípio.

O Dr. GA defende que os princípios desempenham uma grande utilidade em


DIP, mesmo uma utilidade que não lhes tem sido reconhecida até agora.
Porquê? Porque se consultarmos o manual do prof. LP, chegaremos à
conclusão de que ele é um dos Autores que mais importância já deu aos
princípios de DIP. Mas, mesmo assim, do ponto de vista do Dr.º GA, na
doutrina portuguesa não se fez um estudo sério sobre essa mesma
importância.

Quais são os princípios de DIP que conhecemos?


1) o princípio da autonomia do DIP
2) o princípio da harmonia internacional;
3) o princípio da harmonia interna;
4) o princípio da efectividade;
5) o princípio do favor negotii;
6) o princípio da tutela da confiança;
7) o princípio da Ordem Pública (reserva jurídico-material);
8) o princípio da personalidade;
9) o princípio da conexão mais estreita;
10) o princípio da verdade;
11) o princípio da territorialidade (o Dr.º GA tem algumas dúvidas sobre se
este será ou não será um princípio de DIP)
12) o princípio da paridade de tratamento entre as Ordens Jurídicas;
13) o princípio da igualdade entre nacionais e estrangeiros
14) a boa administração de justiça (de acordo com o prof. Baptista Machado,
mas há dúvidas sobre se este princípio será um princípio de DIP, tal como
por da reserva material).

Estes são, basicamente, os princípios inventariados. Eles variam de Autor


para Autor. Alguns princípios como que se subsumem uns nos outros,
141

consoante a preferência dos Autores. Estes serão essencialmente os


principais.

Qual é a utilidade prática dos princípios de Direito Internacional Privado?

São importantes em termos de interpretação do DIP, por exemplo. (…)

Por exemplo, vamos supor que o legislador, neste momento, quisesse rever o
actual sistema de DIP. Os princípios teriam alguma importância neste
aspecto? (…) Do ponto de vista de política legislativa, em que medida é que
interferem os princípios do DIP? (…)

Do ponto de vista da dignidade da pessoa humana, estes são quase um limite


material de definição legislativa.

O Dr.º GA tem uma tese relativa à problemática da relação entre a pessoa e o


Estado que, provavelmente, não será perfilhada por toda a gente. Na ideia do
nosso prof., a pessoa é superior ao Estado. Por isso, ele vê com muita
dificuldade a ideia de que o Estado nos atribui direitos. Por exemplo, no caso
dos direitos de personalidade, i.e., no caso do direito a ser pessoa, e no de
todos os demais direitos que gravitam em torno da pessoa, na opinião do Dr.
GA não é o Estado que nos dá esses direitos. Quer dizer: nós não somos
pessoas porque o Estado quer que nós sejamos pessoas, mas porque esse
direito nos é inerente. Portanto, faz parte da nossa própria constituição – esse
é um direito que nos é constitutivo, como diria Savigny.

Portanto, do ponto de vista do Dr. GA, a pessoa é anterior ao Estado, é


anterior à família, é anterior à tribo, é anterior à gens, etc. Portanto, a pessoa
é anterior a todas essas sociedades organizadas. E, é a própria pessoa que
acaba por participar e constituir essas mesmas sociedades. Portanto, a pessoa
faz parte do substracto do Estado. Se o Estado é o povo, território, e o poder
político, portanto, o povo, no fundo, é o resultado do conjunto de pessoas
que, realmente, leva à constituição do Estado. Ora, isto significa que a
pessoa tem de ser anterior ao Estado, se nós quisermos defender este ponto
de vista. E, isto tem consequências, do ponto de vista do nosso prof.,
relativamente a um conjunto de direitos em que o estado não pode mexer.

Por exemplo, os direitos de personalidade, para o nosso prof., são direitos


que o Estado só tem que reconhecer a sua existência. Não pode atribuí-los
ou deixar de os atribuir.
142

O Dr.º GA compararia isto com a seguinte situação: todo o Estado quando


entra em relação com outros Estados, faz reservas. No fundo, neste caso,
seria uma espécie de Sociedade Internacional. O Dr. GA também entende
que uma pessoa quando entra para a sociedade Estado tem igualmente
direito às suas próprias reservas, como por exemplo, o direito à intimidade
da vida privada e familiar. Este é um direito que é próprio da pessoa e que,
realmente, a pessoa não negoceia com o Estado. O Estado apenas reconhece
a existência desses direitos.

Isto pode parecer filosófico, como reconhece o nosso prof., mas tem
consequências práticas importantes. Por exemplo, o direito ao trabalho. Nós,
normalmente dizemos: a pessoa tem um direito programático ao trabalho. O
direito ao trabalho é tido como um direito programático. O que o Dr. GA
pergunta é: como é que uma pessoa consegue sobreviver sem trabalho, se,
realmente, todo o seu modo de vida, o seu modo de obter meios de
subsistência tem de ser forçosamente através do trabalho? Portanto, o direito
ao trabalho faz parte da condição jurídica da pessoa. Esta é apenas uma
teoria sobre esta questão.
(…)

O Dr.º GA está, claro, a pensar numa sociedade em que ninguém nos dá


nada e nós temos que fazer o nosso próprio esforço para sobreviver, e esse
esforço é o esforço do trabalho. Portanto, para nós teorizarmos aquilo que
deveria ser perfeito, do ponto de vista do nosso prof., nós temos que,
realmente, eliminar estas circunstâncias que permitem dizer: “eu trabalho se
quiser” ou “eu até poderia dispensar o trabalho”. Mas, só diz isto quem tem
outros meios de subsistência.

A propósito desta teoria, um colega pergunta ao Dr.º GA, se ele reconhece


uma Ordem Jurídica Natural, ao que ele responde afirmativamente. Ele
entende que nós temos um Direito Natural.

Mas, mesmo havendo esse Direito Natural, pelo facto de nós vivermos em
Sociedade, não haverá, como contrapartida, a necessidade de nós
delegarmos certos poderes que são naturais para quem aceita essa Ordem, no
Estado como contribuição para o que o Estado depois nos dá?, pergunta o
mesmo colega. O Dr.º GA responde-lhe que concorda. Só que pensa que nós
não delegamos tudo. Nós não delegamos a nossa condição de pessoa. Quer
dizer: delegamos um leque significativo de direitos, mas há direitos que são
inalienáveis, mesmo relativamente ao Estado. Aliás, o mesmo Autor pensa
143

que as Ordens Jurídicas, quase de um modo geral, e nomeadamente as


Ocidentais, têm esta perspectiva de considerar que os direitos de
personalidade são direitos inalienáveis. Aliás, está escrito, taxativamente no
CC que o são. E, do ponto de vista do nosso prof., eles são inalienáveis
mesmo relativamente ao Estado.

E, em sua opinião, do ponto de vista filosófico e do ponto de vista do


contrato social, quando as pessoas entraram para o Estado já levaram
consigo essa reserva. Eu entro para o Estado mas reservo-me o direito de ser
pessoa.

O colega pergunta: são inalienáveis porque o Estado em si entende que o


são? ou são inalienáveis porque a própria Ordem Jurídica os positiva no CC,
por exemplo, e diz que o são?

O Dr.º GA responde-lhe que aí é que está o problema. Não pode ser de outra
maneira. Não é porque a Ordem Jurídica os positiva como inalienáveis, mas
sim porque a própria pessoa os reservou como inalienáveis. Não se pode
pensar nisto apenas na relação pontual de cada um de nós com o Estado.
Temos que ver isto na relação geral de todos nós, pessoas, com o Estado.

O Dr. GA entende também que pelo facto de não existir uma Constituição
escrita, não significa que nós não tenhamos Constituição.

Por outro lado, também admite, perfeitamente, a existência de normas


constitucionais inconstitucionais. Aliás, o nosso prof. já defendeu isto num
artigo que escreveu para uma revista sobre a existência de uma norma na
Constituição de Cabo Verde que entende que é uma norma inconstitucional.
E o prof. Jorge Miranda concordou com este ponto de vista numa
conferência que posteriormente deu em Cabo Verde.

Mas já os prof. Gomes Canotilho e o prof. Vital Moreira não aceitam,


principalmente o primeiro, de todo a possibilidade de haver de normas
constitucionais inconstitucionais.

O Dr.º GA tem um exemplo simples que nunca ninguém conseguiu refutar:


vamos supor, por exemplo, que há uma norma constitucional que dá ao
Governo o poder de julgar. Tendo em conta que a nós temos uma
Constituição em que há separação de poderes, e em que o poder de julgar
não é um poder do Executivo, mas sim um poder do poder judicial, o Dr.º
144

GA pergunta: se uma norma constitucional atribui ao Governo, o poder de


julgar, quid iuris? É uma norma constitucional. Será que vamos dizer: esta
norma é constitucional e por isso vamos ter que a observar? Ou não? Das
duas, uma: ou aceitamos a teoria da separação de poderes, ou então deitamos
tudo isso abaixo. Portanto, o Dr.º GA defende que há uma coesão interna da
Constituição que rejeita aquela norma porque acha que é uma norma
exporia. Por isso, ele aceita, perfeitamente a teoria das normas
constitucionais inconstitucionais.

Foi um autor alemão de nome, OTTO BACHOF, que, realmente, descobriu


ou teorizou, pela 1ª vez, sobre estas normas. A doutrina ainda está
completamente céptica em aceitar e reconhecer a existência dessas normas.
O Dr.º GA não tem, de todo, qualquer problema em aceitar esta teoria
porque não é de todo positivista. O nosso prof. defende que o Direito tem de
ser racional, mas para o ser, não pode ser positivista. Nós temos que dar às
pessoas a oportunidade de exprimir a sua personalidade, o seu modo de ser,
a cultura em que se inserem para realizarem as situações da vida e para dar
causa jurídica às situações da vida.

O Dr.º GA não admite que o juiz, ou qualquer outro aplicador da lei, possa
julgar cegamente e, portanto, guiado como se fosse um cego na realização
do Direito, porque o legislador não é o julgador. E também porque a lei não
é Direito.

O Direito é aquele que nós vemos resolvido ao nível dos tribunais.

Poderemos dizer: mas isso vai depender do juiz. O nosso prof. contra-
argumenta: convém notar que se o legislador tem o direito de desconfiar do
juiz e pretender guiá-lo como se fosse um cego na solução dos casos,
também o juiz, como poder horizontal, tem igualmente o direito de
desconfiar do legislador. O juiz também tem o direito de desconfiar do
legislador. Por que é que há-de ser o legislador a dizer não? É que quando
nós dizemos que somos positivistas, no fundo, o que nós gostaríamos é que
tudo estivesse na lei, devidamente “organizadinho” para o juiz, como se
tivesse de ir com uma bengala, resolver os casos. No fundo, é assim que o
Código de Processo Civil é orientado. Tem vindo a ser esvaziado dessas
normas que guiam o juiz, pelas diversas revisões do CPC. Mas, embora a
evolução seja nesse sentido, o que é certo é que ainda há muitas normas no
CPC que visam precisamente conduzir o juiz.
145

Há uma razão histórica para esse efeito: porque quando elaboraram o CPC
nós estávamos em pleno Estado Novo. Portanto, era necessário que,
realmente, determinados parâmetros de julgamento estivessem devidamente
estabelecidos.

O Dr.º GA, pessoalmente, é apologista da teoria americana chamada


“Realismo Jurídico” ou “Impressionismo jurídico”, que procura pôr nas
mãos do juiz o papel de dizer o direito. Aliás, os americanos dizem isso
mesmo: Lei não é Direito. O Direito é aquele que realmente nós
conseguimos obter ao nível dos Tribunais e através do juiz. Se o juiz for
mau, naturalmente, que nós temos um mau julgamento. Mas, se o juiz for
bom, também teremos um bom julgamento.

Há um autor francês que diz que um juiz bom pode fazer boas coisas com
más leis; mas também um juiz mau pode fazer más coisas com boas leis. No
fundo, o que é que ele está dizer? O ponto de referência para resolver as
situações da vida das pessoas é o próprio juiz. O que nós temos é que formar
pessoas.

Mas não se estará a por em causa a segurança do Direito?, pergunta um


colega, ao que o Dr.º GA responde: mas aí é que está o problema. Por que é
que a segurança do Direito depende só do legislador. Há sempre alguma
segurança num sistema como o Britânico, até porque eles têm a regra do
precedente. É certo que esta teoria, dificilmente, é aceitável ao nível dos
Direitos Ocidentais.

Nós temos alguma relutância em colocar nas mãos do juiz. E até os próprios
juizes não querem isso. Aliás, na nossa vida prática, quando formos juizes,
ou advogados ou procuradores, haveremos de verificar que os próprios
juizes não querem isso. Querem que a resposta à questão esteja na lei para
que eles possam citar: “nos termos do art. tal, a resposta é esta. É uma
questão estrutural e até cultural. São incapazes de extrapolar, de sair para
fora da lei e dar uma decisão e uma decisão que seja aceite como uma
decisão “cultural”, chamemos-lhe assim. Quer dizer: toda a comunidade em
que realmente se insere, se reconhece retratada naquela decisão firmada pelo
juiz. No entender do Dr.º GA, isto é que é realizar a Justiça e o Direito. É
este o ponto de vista do prof. sobre o Direito.
(…)
146

Quando nós saímos da Faculdade é que nós tomamos conhecimento do fosso


que existe entre aquilo que nós aprendemos aqui e aquilo que é feito lá fora.
Na opinião do nosso prof., os juizes deviam aproximar-se um pouco mais
das Universidades, e defende mesmo que a Universidade deveria ir ao
Centro de Estudos Judiciários e à Ordem dos Advogados para fazer
prelecções e haver uma interpenetração entre as duas coisas, pois, ambas têm
a ganhar. A Faculdade ganha com o aspecto prático, mas também eles
ganham com o aspecto teórico porque o aspecto teórico é fundamental, pois,
é ele que vai ponderar as situações e vai apontar para aquela solução que
realmente é mais equitativa, mais justa e mais aceite socialmente. No
entender do nosso prof., o investigador social ou o investigador do Direito
aponta um pouco nesse sentido.

Retomando os princípios do DIP.

Na opinião do Dr.º GA, o princípio da autonomia do DIP, embora seja um


dos princípios mais recentemente inventariado, é, na verdade, um dos
princípios mais importantes do DIP. Por essa razão, o prof. expõe algumas
ideias sobre o aparecimento desse princípio.

Este princípio surgiu dos estudos feitos por um autor alemão (como não
poderia deixar de ser, uma vez que os alemães são exímios juristas, e em
matéria de DIP, eles têm dado uma contribuição extremamente importante)
chamado ERNEST RABEL, que é considerado um dos primeiros autores a
colocar em linha de conta a problemática da autonomia do DIP. Este Autor
veio defender uma teoria

Como é que lhe surgiu esta teoria? Esta teoria surgiu-lhe a propósito das
qualificações em DIP. Quando nós analisarmos as qualificações, vamos
verificar que realmente há fundamentalmente três teses sobre a interpretação
dos conceitos quadro das regras de conflitos.
1) Há uma tese que nós chamamos “tese da qualificação ou
interpretação lege fori”.
2) Há uma tese da interpretação lege cause.
3) E há uma tese da interpretação autónoma. O Dr.º GA não pretendia
utilizar a expressão “autónoma” já neste momento, porque, como
explica: quando nós falamos na tese da interpretação autónoma
significa que já descobrimos a tese de RABEL e já lhe demos um
nome, chamando-lhe tese da autonomia.
147

O que é que RABEL entendeu?

Por exemplo, quando nós estamos a analisar o termo prescrição em DIP e


queremos saber qual é o conteúdo interpretativo deste termo, em regra,
recorremos ao Direito material interno. Em regra, é o Direito material
interno que define o que é a prescrição, a caducidade, a filiação , a adopção,
o casamento, e, portanto, nós transferimos todo esse conteúdo para o Direito
de Conflitos.

Então, RABEL veio dizer: mas isto não pode ser porque nós estamos a
emprestar ao Direito de Conflitos, que é o Direito que visa resolver situações
da vida privada internacional que estão em contacto com as mais diversas
Ordens Jurídicas representativas das mais diversas culturas, o nosso ponto de
vista relativamente a estas questões. Por isso RABEL veio dizer que
interpretação não deve ser feita nem segundo a lei do foro, nem segundo a
lex causae (muito menos), mas sim, tem de ser uma interpretação de acordo
com o Direito Comparado.

Portanto, ele defendeu uma interpretação de acordo com o Direito


Comparado. Usando o mesmo exemplo que ele utilizou, o nosso prof.
explica que quando nós queremos saber o que é que significa “tutela” para
efeitos de Direito de Conflitos, nós não devemos tomar em consideração o
que a Ordem Jurídica Alemã entende como tal, mas sim o que se entende
como tal no mundo civilizado. O nosso prof. refere que da expressão de
RABEL apenas retiraria a referência ao mundo civilizado. Mas, de resto, a
ideia é mais ou menos perfeita. Portanto, para RABEL, se nós quiséssemos
saber o que é que significava tutela para efeitos do Direito de Conflitos, nós
tínhamos que fazer uma comparação entre os diversos Direitos do mundo
para nós sabermos o que é que se deve entender por tutela.

Como faz notar o Dr.º GA, o ponto de vista de RABEL teve alguma
repercussão no Direito de Conflitos Português. Porquê? Porque nos termos
do art. 30º do Código Civil Português fala-se em “tutela e institutos
análogos”. Significa que o prof. Ferrer Correia quando redigiu este art. 30º
CC, tinha presente o problema colocado por RABEL de situações
verificadas noutras Ordens Jurídicas que, realmente, no seu conteúdo não
correspondiam ao conteúdo de “tutela” previsto na Ordem Jurídica Alemã.
Daí que a Ordem Jurídica Portuguesa, no art. 30º CC, venha dizer “tutela e
institutos análogos” precisamente para fazer face a estas situações.
148

É claro que o ponto de vista de RABEL é um ponto de vista que nos leva a
uma empresa difícil, como diz o prof. Ferrer Correia, que é o seguinte: cada
vez que nós queremos interpretar um conceito quadro da regra de conflitos,
vamos ter que proceder à comparação de direitos. E, é claro que já estamos a
ver um juiz a enveredar e a ter uma grande dificuldade em saber realmente, o
que é que, de facto, se deve entender por cada conceito quadro da regra de
conflitos e remeter-se à comparação de direitos para obter este resultado.

Mas, precisamente, a grande contribuição que RABEL veio trazer a


propósito desta ideia de reconduzir a interpretação dos conceitos quadro à
comparação de Direitos é precisamente a ideia da autonomia. Significa que
os conceitos quadro não devem ser interpretados segundo a lex fori, nem tão
pouco segundo a lex causae, mas sim segundo a lex formalis fori.

A interpretação segundo a lex formalis fori é uma interpretação autónoma,


mas formal. Formal porquê? Porque é uma interpretação que visa
unicamente resolver as situações da vida privada internacional.

Além de RABEL, tanto KEGEL, como o próprio prof. Ferrer Correia,


quando fizeram os seus estudos sobre a Jurisprudência dos Interesses em
DIP, todos eles foram apologistas e defensores dessa ideia da autonomia em
DIP.

O prof. Ferrer Correia tem um estudo que é precisamente sobre o princípio


da autonomia do DIP publicado em “Temas de Direito Comercial e de DIP”,
uma edição da Almedina. No último capítulo desta obra, ele ocupa-se do
princípio da autonomia do DIP.

Sem perdermos muito tempo no que respeita a esta questão, o Dr.º GA


pretende falar sobre os aspectos desta autonomia.

Que manifestações é que nós encontramos no DIP português da ideia de


autonomia do DIP?
(…)

O Dr.º GA refere que o princípio da autonomia do DIP nada tem que ver
com o princípio da autonomia das partes em DIP. O prof. passa a explicar
para que isto fique devidamente esclarecido.
149

Quando nós estamos a falar em autonomia do DIP, esta autonomia é uma


autonomia relativamente ao Direito Material. Portanto, tudo se passa como
se nós concebêssemos uma Ordem Jurídica com uma base material (normas
materiais) e uma base conflitual (normas de conflito ou DIP).

Ordem Jurídica Portuguesa

normas de conflito
ou DIP

Normas
materiais

Esta seria a Ordem Jurídica Portuguesa, dividida em DIP e Direito Material.


A ideia é considerar que o DIP é autónomo relativamente ao Direito
Material.

Qual é a consequência disso? Significa que quando nós queremos interpretar


um conceito de DIP, nós não precisamos de recorrer ao conteúdo ou à
interpretação que se dá a este conceito no Direito Material.

Esta autonomia exprime-se na existência de:


- conceitos próprios;
- métodos e técnicas de interpretação e integração próprios;
- princípios próprios;
- fins próprios.

Portanto, o nosso Direito de Conflitos é autónomo relativamente ao nosso


Direito Material, precisamente porque tem esta autonomia com esta
amplitude. Portanto, tem normas próprias, tem princípios próprios, tem
métodos e técnicas de interpretação e integração próprios e tem fins
próprios.

Portanto, o princípio da autonomia do DIP não se confunde com o princípio


da autonomia privada em DIP, embora os termos sejam muito semelhantes e
levam necessariamente à dúvida.
150

O princípio da autonomia das partes em DIP apenas significa que as partes


podem escolher a lei reguladora do contrato, ou a lei reguladora das
situações privadas internacionais, quando essa autonomia é reconhecida.
Portanto, nada tem que ver com o princípio da autonomia do DIP.

O Dr.º GA referia que o princípio da autonomia do DIP é importante para


nós resolvermos as situações da vida privada internacional porque os
professores ainda vêem, no final do curso, os alunos a fazerem uma
recondução ao Direito Material …o prof. verifica que ainda no fim do curso,
os alunos recorrem a normas do Direito Material interno para resolver
situações do Direito de Conflitos. E tomar em consideração o conteúdo
dessas normas como se realmente elas fossem úteis para resolver a
problemática do Direito de Conflitos. O Direito de Conflitos tem um campo
completamente separado do Direito Material Interno.

O Direito de Conflitos pode levar à aplicação do Direito Material Português,


e nesse caso, este último é aplicado como nós aplicaríamos um direito
estrangeiro. O Direito Material Português, como Direito do Foro, não tem
nenhum papel preponderante relativamente a outros ramos de direito. Por
isso é que nós falamos em princípio da paridade de tratamento entre as
Ordens Jurídicas, que é uma consequência como que necessária do princípio
da autonomia do DIP.

Em que medida é que este princípio tem manifestações no DIP português?

Se nós efectivamente considerarmos este princípio como princípio básico,


significa que todos os demais princípios que nós inventariamos como
princípios de DIP, vão acabar por se subsumir no princípio da autonomia do
DIP. Portanto, todos esses princípios conformam-se para atribuir ou
reconhecer ao DIP a sua autonomia.

Além destes princípios que nós já inventaríamos e que eles próprios


demonstram que o DIP tem autonomia relativamente ao Direito Material
Interno, que outras manifestações nós podemos encontrar no Direito
Português sobre esta questão?

Por exemplo, o Dr.º GA já nos falou várias vezes no art. 877º do CC.

Este é um daqueles artigos referidos pelo prof. Ferrer Correia para ilustrar a
problemática da autonomia do DIP. Nós só trabalharemos aprofundadamente
151

o art. 877º CC quando estudarmos a problemática das qualificações. No


entanto, o Dr.º GA confessa que tem alguma dificuldade em aceitar o
recurso a este artigo porque pensa que não é muito ilustrativo da ideia de
autonomia do DIP em sua opinião, não obstante o prof. Ferrer Correia a ele
recorrer.

O que se passa no que respeita ao art. 877º CC?

A ideia do prof. Ferrer Correia é a seguinte: se nós quiséssemos qualificar o


art. 877º CC, nós teríamos que recorrer à sistemática do CC. Ora, o art. 877º
CC é uma disposição que está inserida no livro das Obrigações. Então, se é
uma norma de natureza obrigacional, a sua qualificação apontaria para o art.
41º CC que regula, precisamente, as obrigações provenientes do negócio
jurídico.

Só que o prof. Ferrer Correia vem dizer o seguinte: nós o que temos que
fazer é interpretar esta norma no seu conteúdo e na sua função – nos termos
do art. 15º CC – e vamos chegar à conclusão de que ela, eventualmente,
será:
- ou uma norma sucessória, visto que pretenderia proteger os filhos em
sede de sucessão;
- ou uma norma familiar.

O art. 877º CC diz que os pais e avos não podem vender a filhos ou netos se
os outros filhos ou netos não consentirem na venda.

Neste caso, se nós tomarmos o elemento sistemático do art. 877º CC em


consideração, acabamos por o qualificar como uma norma de natureza
obrigacional.

Mas se nós tomarmos em consideração o elemento teleológico do art. 877º


CC, diríamos que, eventualmente, se trataria:
- de uma norma sucessória que visaria evitar que um filho ou um neto
no momento da sucessão fosse beneficiado relativamente a outro;
- ou de uma norma de natureza familiar, precisamente, porque visaria
evitar conflitos de natureza familiar.

O prof. Ferrer Correia discorrendo sobre esta questão refere que na verdade,
aquela disposição, embora seja uma disposição inserida no quadro do regime
jurídico das obrigações, é uma disposição que pela sua teleologia tem
152

natureza familiar. Visa regular as relações entre pais e filhos, e suscita,


naturalmente, ao nível do Direito de Conflitos um problema de aplicação
porque a sua aplicação pressupõe necessariamente a sua qualificação. Isto
serve para mostrar que realmente nós estamos a interpretar aquele preceito
autonomamente, relativamente à sua inserção sistemática.

E, por esta mesma razão é que o Dr.º GA tem alguma dificuldade e dúvida
em aceitar o exemplo do prof. Ferrer Correia.

Vamos imaginar, ao nível do Direito Interno, um contrato regulado pelo


Direito Material interno (não um contrato internacional, e sim um contrato
em que intervêm apenas pessoas de nacionalidade portuguesa e em que não
há elementos de estraneidade), realmente, para nós aplicarmos aquela norma
do art. 877º CC e tivéssemos necessidade de a qualificar nunca a
qualificaríamos como uma norma de natureza obrigacional. Seria uma
norma de natureza familiar, porque, em regra, toda a gente pode vender a
toda a gente. Só não pode vender se for pai, avo, filho ou neto. Por
conseguinte, o que caracteriza a norma na sua essência são relações
familiares. Por isso é que o Dr. GA tem dúvidas por que é que o prof. Ferrer
Correia foi buscar o art. 877º CC para ilustrar esta ideia do princípio da
autonomia do DIP.

Mas há outras situações mais claras do que esta que veremos nas próximas
aulas.

LIÇÃO N.º 16 16/12/2002

Que mecanismos é que existem no direito português utilizados pelo


legislador com vista à prevenção de conflitos?

Em algumas situações o legislador utiliza mecanismos para prevenir


conflitos de leis.
 Quando o legislador escolhe normas bilaterais, as normas de conflitos
portuguesas são fundamentalmente bilaterais. O carácter bilateral
dessas normas permite simultaneamente ou a aplicação da lei do foro,
ou de lei estrangeira. Isto é uma forma de prevenir conflitos de leis;
 A ideia de paridade de tratamento entre a ordem jurídica do foro e a
ordem jurídica estrangeira é também um critério para evitar conflitos
de leis, porque se a ordem jurídica do foro funcionar em termos de
153

que “a minha posição é que vale, as outras disposições não valem”


nós acabamos por criar mais conflitos de leis;
 Utiliza também o mecanismo de utilizar elementos de conexão
comuns. Quando o legislador quer regular as matérias do estatuto
pessoal, não vai inventar um elemento de conexão, vai escolher aquele
de entre os elementos de conexão que são comuns entre as ordens
jurídicas. No fundo, ele faz um pouco o papel de direito comparado.
Portanto, dentro das opções, ele faz naturalmente uma escolha entre
aqueles elementos de conexão que são mais comuns às diversas
ordens jurídicas. Por isso é que em matéria de Estatuto Pessoal, não
existem assim grandes divergências, porque a quase generalidade das
ordens jurídicas ou regula essa matéria através de mecanismos da
nacionalidade, ou regula através do mecanismo da residência habitual,
e do domicílio.
 Normas de remissão condicionada. O art.º 28/3 do Código Civil é
uma norma de remissão condicionada. O art.º 47 do CC é uma norma
de remissão condicionada. É uma norma que remete para a lei de um
outro país com a condição desse país se considerar competente. No
caso do art.º 28/3 há uma bilateralização da norma prevista no art.º
28/1 do CC, a estabelecê-la de forma condicionada. Desde que a lei
estrangeira admita a competência que lhe for atribuída pela lei
portuguesa. O que é que isto tem que ver com a problematica da
prevenção dos conflitos de leis? É que no fundo, estas normas de
remissão condicionada uma vez aceites pela outra ordem jurídica, no
fundo fazem a bilateralização da regra prevista no n.º 1 do art.º 28 do
CC. E a ideia das normas bilaterais nós já fizemos referência a ela.
 Há uma outra característica do direito português que está intimamente
relacionada com a problemática da prevenção dos conflitos de leis,
que é o tal princípio de harmonia de julgados. Reparem, que o
mecanismo do reenvio é um mecanismo utilizado pelo legislador com
vista a prevenção dos chamados conflitos de leis.

Como eu já vos disse eu entendo que uma boa compreensão do princípio de


autonomia do DIP, permite-nos ter uma visão um pouco diversa de direito
internacional privado.

Em que é que se exprime o princípio da autonomia do DIP?

Exprime-se na existência de princípios próprios, regras próprias, conceitos


próprios, conceitos com conteúdo diverso do direito material, e com âmbito
154

também diverso do direito material, e com fins próprios. Os objectivos do


direito internacional privado são diversos dos objectivos do direito material.

Eu penso que, quando nós tivermos uma compreensão correcta desta


questão, acabaremos por ter uma compreensão diversa de direito
internacional privado.

Existem vários exemplos relativamente a esta questão, mas eu vou citar-vos


alguns casos.

Por exemplo. A adopção feita por Portugueses no Brasil. No código civil de


1867 foi afastado o instituto da adopção. Nas ordenações do Reino, que
vigoraram até 1867, data em que entrou em vigor o código civil de 1867,
estava previsto o instituto da adopção. Todavia a discussão que se gerou ao
nível da comissão redactora do código civil, resolveu afastar o instituto da
adopção que esteve muito tempo sem estar regulada no direito português.

O que acontecia era que os portugueses iam ao Brasil, e adoptavam crianças


brasileiras. E o que acontece é que por morte, por hipótese, do português
podiam acontecer várias coisas. Essas crianças adoptadas podiam aparecer
em Portugal a pedir alimentos por exemplo, ou então essas crianças
adoptadas podiam aparecer em Portugal, a querer participar na sucessão do
seu pai adoptivo. E a questão que se colocou foi a de saber se a ordem
jurídica portuguesa não reconhecendo o instituto da adopção, podia atribuir
efeitos de direito a essas adopções feitas no Brasil.

Tendo em conta aquilo que nós temos vindo a referir, gostaria de levantar a
seguinte questão. Vamos supor que Portugal não reconhecia a adopção. Um
português foi ao Brasil e adoptou uma criança. Por morte desse português a
criança apareceu a querer suceder ao seu pai. Quid juris?

As ordenações do Reino (ordenações Filipinas) vigoraram no Brasil até 1822


data da independência do Brasil. Qual foi o código que permaneceu em
vigor no Brasil? Foram as ordenações Filipinas neste caso. E as ordenações
Filipinas reconheciam o instituto da adopção, que vigorou no Brasil até
quando? Até 1916 data em que entrou em vigor o código civil brasileiro.

A questão que se coloca é: perante este caso como é que se resolvia esta
questão?
155

Temos um problema de sucessão por morte, regulado pelo art.º 62 do CC,


que nos diz que a sucessão é regulada pela lei pessoal do autor da sucessão.
O art.º 31/1 do CC diz-nos que a lei pessoal é a da nacionalidade do
indivíduo, mandando aplicar a lei da nacionalidade. a lei nacional dele é a
portuguesa. Aqui vamos ver o que a lei portuguesa diz por sucessão por
morte. Ele tem dois filhos, além do adoptado. A lei portuguesa diz que
sucedem os filhos. Na primeira classe de sucessíveis estão os filhos e o
cônjuge. Vamos supor que no nosso caso só havia filhos, entre os quais um
filho adoptivo.

O que nós temos aqui é um outro problema. que é quem é que é filho? e
este problema apela a um segundo problema que é saber qual é o direito
internacional privado que diz qual é a lei que regula a condição do
filho?

Neste caso nós temos duas hipóteses:


 Ou recorremos ao DIP brasileiro, e o DIP brasileiro dirá a lei que
regula a situação do filho;
 Ou recorremos ao DIP português, que dirá qual é a lei que regula a
situação do filho.

A questão não é simples.

Nós podíamos pura e simplesmente dizer: é a ordem jurídica portuguesa que


diz quem é filho. e com base nos critérios definidos na ordem jurídica
portuguesa, são filhos os filhos biológicos. E neste caso, portanto, o filho
adoptivo não tem direito de sucessão. Porquê? O conteúdo do conceito de
filho foi fixado de acordo com a lei material portuguesa. Ou seja,
raciocinámos sem autonomia. O DIP funcionou sem tomar em consideração
a sua autonomia relativamente ao direito material interno.

No fundo o que nós fizemos quando dissemos que por filho devemos
entender apenas o filho biológico, afastando naturalmente o filho adoptivo
fizemos uma interpretação lex materialis fori agora, se pensarmos no
conceito de filho com autonomia já abrangeremos quer o filho biológico,
como o filho adoptivo, como qualquer outra forma de adopção que haja
noutro ordenamento jurídico. Podemos encontrar formas de filiação que
sejam completamente diversas do sistema de adopção.
156

Neste caso o que nos interessa é o seguinte. se nós interpretássemos o


conceito de filhos de um ponto de vista material, ou seja, tomando como
ponto de partida o direito material interno, o filho adoptivo não seria filho
para efeitos de direito de conflitos português, não poderia participar na
sucessão. Mas fazendo uma interpretação autónoma do conceito de filho,
afastado do direito material interno, então neste caso já poderemos
considerar, que realmente ele é filho.

A tese de Habel da comparação de direitos, não é uma tese absolutamente


assumida, na nossa doutrina portuguesa quem aceita esta tese é a Dr.ª Helena
Pinho. O que nós aproveitamos da tese de Habel é apenas a ideia da
autonomia, a ideia de que o direito de conflitos no fundo, tudo se passa
como se esta norma, este conceito fosse um conceito aberto. O conceito de
filho que engloba não só as nossas formas de filiação, mas também, as outras
formas de filiação vigentes em todas as outras ordens jurídicas. Interpretar
este conceito de filho com autonomia significa interpretá-lo com esta visão
aberta para resolver os casos de DIP. Isto implica fazer a comparação de
direitos.

Os tribunais portugueses deram as duas soluções. No acórdão do supremo


tribunal de justiça de 15 de maio de 1934 foi decidido que estes filhos
adoptivos eram considerados filhos em termos de sucessão, portanto, os
filhos de portugueses adoptados no Brasil, foram reconhecidos em Portugal
e puderam participar na sucessão. Todavia, em 1956 um acórdão da relação
de Lisboa, veio a adoptar um ponto de vista completamente diverso. O
acórdão da relação de Lisboa aplicou o critério da interpretação legi
materialis fori para resolver o problema, e portanto, o filho não pôde
participar na sucessão. Na doutrina internacional privatista a tese que é
seguida é a tese da interpretação autónoma.

É claro que o caso é um bocado mais complicado do que aquilo que eu estou
a dizer, pelo seguinte. Porque neste caso nós tínhamos de entrar em linha de
conta com esta questão que se chama a Questão Prévia.

Esta questão que se está a colocar de quem é filho e de qual é o direito


internacional privado que diz qual é a lei que diz quem é filho, é aquilo que
nós chamamos em direito internacional privado a questão prévia. A questão
prévia pode ser resolvida por uma de duas vias:
 Ou através de uma conexão autónoma;
 Ou através de uma conexão subordinada.
157

A tese do Sr. Prof. Lima Pinheiro nesta questão é a tese dominante no


sentido de aceitar a conexão autónoma com vista à questão de saber qual é a
lei que diz quem é filho.

Esta questão podia levar a uma solução diferente daquilo que nós estamos
aqui a resolver. Em vez de nós irmos interpretar directamente este conceito
de filho, se nós perguntássemos antes qual é o direito internacional privado
que diz quem é filho, então, se recorrêssemos a uma conexão autónoma
então íamos às normas que estabelecem a constituição da filiação. Qual é a
norma que estabelece a constituição da filiação?

Art.º 56 do código civil.

Artigo 56º - (Constituição da filiação) ”1 - A constituição da filiação


é aplicável a lei pessoal do progenitor à data do estabelecimento da
relação. 2 - Tratando-se de filho de mulher casada, a constituição da
filiação relativamente ao pai é regulada pela lei nacional comum da
mãe e do marido; na falta desta, é aplicável a lei da residência
habitual comum dos cônjuges e, se esta também faltar, a lei pessoal
do filho. 3 - Para os efeitos do número anterior, atender-se-á ao
momento do nascimento do filho ou ao momento da dissolução do
casamento, se for anterior ao nascimento”.

É aplicada a lei pessoal à data do estabelecimento da relação. Então temos


aqui um problema para resolver. A lei que o art.º 56 do Código Civil manda
aplicar a lei pessoal do progenitor à data do estabelecimento da relação. No
nosso caso é a lei nacional. E que lei nacional é esta? É a lei portuguesa.

Se perguntarmos à lei portuguesa se reconhece o instituto da adopção,


enquanto meio de estabelecer o mecanismo da filiação que resposta é que
temos. Temos uma resposta negativa. Com base no art.º 56 do CC não
conseguimos resolver o problema.

Temos de avançar para o critério da autonomia. Nós poderíamos quando


chegássemos ao art.º 56 pegávamos na expressão constituição da filiação e
interpretávamos este conceito de forma lata, não apenas abrangendo a
situação constituição da filiação pelas vias previstas na ordem jurídica
portuguesa, mas também pelas vias previstas na ordem jurídica estrangeira.
158

E então, aqui já obteríamos uma resposta positiva quanto à solução da


questão.

Tenham em consideração que em situações como sucessão essas situações


colocam quase sempre problemas de questão prévia. Quando nós dizemos
que sucede o cônjuge, isso significa que temos de perguntar quem é
cônjuge? E perguntando quem é cônjuge, nós estamos a colocar uma
questão pressuponente, uma questão prévia. Quando dizemos que sucede o
filho, temos de saber perguntar quem é filho. isto também coloca uma
questão prévia. A regra é: solucionar a questão prévia através de uma
conexão autónoma.

O que é que significa conexão autónoma e uma conexão independente?

 Uma conexão autónoma, é aquela retirada directamente do nosso


direito de conflitos. Independentemente de se saber qual é a lei
reguladora da questão principal. Dando um exemplo: por acaso no
nosso caso a sucessão é regulada pelo direito português, seguindo a
conexão autónoma, é também o direito internacional privado
português que diz quem é filho. mas também seguindo a conexão
subordinada é também o direito internacional privado português que
diz quem é filho. vamos supor que a sucessão é regulada pelo direito
brasileiro. Então seguindo a conexão autónoma, quem é filho é
regulado pelo direito internacional privado português, mas seguindo a
tese de conexão subordinada então já seria regulado pelo direito
internacional brasileiro. O subordinado é com referência à lei que
regula a questão principal. A lei que regula a questão principal é a lei
brasileira. Então, o DIP que vai dizer qual é a lei que regula a questão
prévia há – de ser o DIP brasileiro.

Nós estamos aqui a falar em autónoma em dois sentidos. Estamos a falar em


interpretação autónoma, e estamos a falar em conexão autónoma. são duas
situações diferentes. Quando nós interpretamos os conceitos autonomamente
significa que vamos atribuir um conteúdo diverso do direito material do
foro, Agora, quando falamos em tese da conexão autónoma, para efeitos da
regulação da questão prévia há – de ser também o direito internacional
privado português a definir qual é a lei que regula a questão subordinada. Se,
nós estivéssemos a falar na conexão subordinada então havia de ser o DIP da
lei que regula a questão principal.
159

Por acaso no nosso caso coincide quer seguindo a conexão autónoma, é o


DIP português quer seguindo a tese da conexão subordinada é também o
DIP português. Porque é Portugal a lei reguladora da sucessão. Mas vamos
supor que era o direito francês, ou brasileiro a lei reguladora da sucessão. Se
seguíssemos a lei reguladora da conexão subordinada, então neste caso seria
o direito internacional privado brasileiro a dizer qual é a lei que regulava a
questão subordinada.

São duas situações diferentes.

Podíamos também ultrapassar a questão através do art.º 31/2 do CC. “São,


porém, reconhecidos em Portugal os negócios jurídicos celebrados no país
da residência habitual do declarante, em conformidade com a lei desse país,
desde que esta se considere competente”. Reconhecendo a situação.
LIÇÃO N.º 17 17/12/2002

Na ultima aula gerou-se uma confusão a propósito da adopção feita no


Brasil. Essa confusão resultou do facto de nós não termos feito uma
distinção entre as situações jurídicas a construir, e as situações jurídicas a
reconhecer.

As situações jurídicas a constituir são aquelas que são constituídas no


Estado do Foro. Vamos supor que queremos saber se um português pode
adoptar uma criança, sendo certo que a lei portuguesa não aceita o instituto
da adopção. Nos termos do art.º 56 do Código Civil, “A constituição da
filiação é aplicável a lei pessoal do progenitor à data do estabelecimento da
relação”, vamos aplicar a lei pessoal, a lei pessoal é a lei da nacionalidade, é
portuguesa, quando perguntamos à lei portuguesa se admite o instituto da
adopção, a resposta é negativa. A pessoa não pode adoptar. Nas situações
jurídicas a constituir, é evidente que o português não pode adoptar.

Coisa diferente é nas situações jurídicas a reconhecer. São aquelas que se


constituem no estrangeiro e que devem ser reconhecidas ou atribuídas
efeitos de direito no Estado do Foro. Já no que respeita às situações jurídicas
a reconhecer, vamos supor que um português no Brasil adopta uma criança,
e a questão que se coloca é se essa criança pode ser considerada filha em
Portugal. É evidente que, quando estudarmos o direito do reconhecimento,
vamos constatar que também para efeitos do direito do reconhecimento
temos de fazer este percurso, e chegar a um resultado negativo, mas temos
160

uma norma de salvaguarda, que é o art.º 31/2 do Código Civil. Este artigo
vem dizer que...

“São, porém, reconhecidos em Portugal os negócios jurídicos


celebrados no país da residência habitual do declarante, em
conformidade com a lei desse país, desde que esta se considere
competente”.

Se um português está no Brasil, e esse português no Brasil, pode, de acordo


com a lei brasileira, constituir uma situação de adopção, esta situação de
adopção é reconhecida no art.º 31/2 do CC. Porque no Brasil como é que o
aplicador da lei brasileiro vai raciocinar? Nos termos da norma de
introdução ao código civil brasileiro manda aplicar a lei do domicílio, e o
português está domiciliado no Brasil. Portanto, o português para efeitos de
aplicação da regra de conflitos brasileira, está domiciliado no Brasil.
Portanto, o Brasil vai aplicar a sua própria lei, a lei brasileira, para averiguar
se o português domiciliado no Brasil, pode adoptar. E neste caso, na verdade
com base na lei pessoal nós não aceitamos a adopção, mas já com base na lei
do domicílio e tratando–se de uma situação jurídica a reconhecer já podemos
portanto, aceitar a situação do Brasileiro.

Estávamos a discutir a questão do alargamento do conceito de filho. o


conceito de filho para efeitos de direito material abrange a filiação natural,
mas não abrange a filiação adoptiva. E dissemos que para efeitos da
interpretação deste conceito de constituição da filiação, temos de interpretar
este conceito autonomamente, por forma a abranger o filiação adoptiva, e
isto é correcto. Esta formulação, quando no art.º 56 se diz “constituição da
filiação”, temos de interpretar este conceito no sentido de constituição da
filiação quer natural, quer adoptiva, quer legítima, quer ilegítima, etc., aliás a
questão da filiação legítima e ilegítima também se colocou aqui em Portugal
porque certas ordens jurídicas, aliás Portugal também não reconhecia a
filiação ilegítima até um certo limite, e havia a situação de filhos ilegítimos
que queriam participar na sucessão. Gerou-se, portanto, também conflitos
no que diz respeito a esta questão.

Quanto ao princípio da autonomia diz o Prof. Ferrer Correia “generalizando,


diremos que o princípio da autonomia nos leva directamente à seguinte
proposição: a categoria de conexão( conceito quadro da regra de conflitos)
de uma regra de conflitos n da lex fori, além das instituições civis
estrangeiras (ou nacionais)idênticas ou equivalentes àquelas que no sistema
161

de preceitos materiais da legislação a que pertencem são designadas pelo


conceito – quadro da regra n, abrange ainda todas as normas, instituições,
conteúdos jurídicos a que convenha, à luz da ratio legis, o tipo de conexão
eleito pela mesma regra de conflitos”. No fundo dito pelas palavras do Prof.
Ferrer Correia, abrange todas aquelas instituições que sejam iguais ou
equivalentes às nossas instituições, e às outras instituições estrangeiras. Ou
seja, a visão que nós temos de ter na interpretação do conceito – quadro é
uma visão universalista de forma a abrangermos o máximo possível de
situações da vida sem nos preocuparmos com o conteúdo que lhes é
emprestado pela lex fori.

PRINCÍPIO DA HARMONIA INTERNACIONAL


(Princípio de Harmonia de Julgados)

em que é que consiste este princípio? O princípio de harmonia internacional


enuncia-se de uma forma simples. É um princípio de carácter formal, o
princípio de harmonia de julgados preconiza a aplicação do mesmo
direito à mesma situação privada internacional onde quer que essa
situação seja suscitada.

A ideia é que temos uma situação da vida, vamos chamar a essa situação
casamento, por exemplo, este casamento ser regulado no Brasil pela lei
brasileira, em Portugal pela lei brasileira,, em França pela lei brasileira. É
nisto que se traduz a harmonia de julgados, é uma harmonia formal.
Naturalmente que vai conduzir à harmonia material, mas a sua enunciação
tem de ser uma enunciação formal.

O mecanismo que o legislador utiliza para obter a harmonia de julgados, são


mecanismos de política legislativa. Os mecanismos de política legislativa
utilizados pelo legislador para obter harmonia de julgados, são:
 Utilizar os mesmos elementos de conexão ou então os elementos de
conexão comuns às mais diversas ordens jurídicas:
 Tratar a lei estrangeira em condições de paridade de tratamento com a
ordem jurídica portuguesa;
 Utilizar normas de conflitos bilaterais, portanto naquelas mesmas
situações em que em que seria aplicável a lei portuguesa, ou a lei do
foro, é igualmente aplicável mutatis mutandis a lei estrangeira;
162

 Recorrer a regras sobre devolução e reenvio para alcançar harmonia


de julgados nas situações em que realmente essa harmonia não é
possível por recurso àqueles mecanismos atrás inventariados.

Vamos supor esta situação. Queremos determinar a lei reguladora da


capacidade de um brasileiro domiciliado no México.

O Brasil manda aplicar a lei do domicílio, o México manda aplicar também


a lei do domicílio. Portugal manda aplicar a lei da nacionalidade. como é que
o legislador português procede para alcançar harmonia de julgados neste
caso?

Com base no art.º 25 “O estado dos indivíduos, a capacidade das pessoas,


as relações de família e as sucessões por morte são regulados pela lei
pessoal dos respectivos sujeitos, salvas as restrições estabelecidas na
presente secção” , conjugado com o art.º 31/1 do CC, “A lei pessoal é a da
nacionalidade do indivíduo”, manda aplicar a lei da nacionalidade, a
nacionalidade é brasileira, logo remete para a lei brasileira, a lei brasileira
por sua vez não se declara competente e manda aplicar a lei mexicana.
Quando nós dizemos que a lei brasileira se não declara competente, temos
que saber porque é que não se declara competente. E não se declara
competente, porque manda aplicar a lei do domicílio. Para nós sabermos se
uma lei se declara competente consultamos o seu direito internacional
privado. A consulta do seu direito privado internacional leva à resposta de
que ele utiliza, ou não, o mesmo elemento de conexão. Mas também não
podemos dar como adquirido que basta o facto de aquela ordem jurídica
utilizar o mesmo elemento de conexão para ela se declarar competente. Em
regra assim é. Mas pode utilizar o mesmo elemento de conexão, mas os
critérios que utiliza para concretizar aquele mesmo elemento de conexão
serem diversos. Portanto a ordem jurídica em questão não se declara
competente, não obstante ter o mesmo critério de conexão.

Aqui o que importa é mostrar o que é a harmonia de julgados. Lei


portuguesa, manda para a lei brasileira, como lei da nacionalidade. lei
brasileira manda para lei mexicana como lei do domicílio. E o México se
declara competente porque também o México adopta o critério do domicílio.
Nos termos do art.º 17 do CC, “Se, porém, o direito internacional privado
da lei referida pela norma de conflitos portuguesa remeter para outra
legislação esta se considerar competente para regular o caso, e o direito
interno desta legislação que deve ser aplicado”. Se porém o direito
163

internacional privado brasileiro remeter para outra legislação neste caso a lei
mexicana, e esta lei mexicana se declarar competente, é este o direito
aplicável, o que significa que pelo art.º 17 do CC vamos aplicar a lei
mexicana, à capacidade do brasileiro domiciliado no México. O Brasil vai
aplicar a lei Mexicana à capacidade do brasileiro domiciliado no México. O
México vai aplicar a lei mexicana ao brasileiro domiciliado no México. Num
caso com este nós temos a harmonia de julgados.

Tenhamos em atenção que este princípio serve como princípio de política


legislativa. Por conseguinte quando o legislador adopta regras de conflito
tem presente este princípio e este princípio serve-lhe como preocupação na
adopção de soluções de direito internacional privado. O legislador não
escolhe qualquer elemento de conexão, escolhe o elemento de conexão que
viabilize o máximo possível a solução das situações da vida privada
internacional, e que serve também como critério interpretativo. No momento
em que nós aplicamos as normas do direito internacional privado, temos
naturalmente que ter estes princípios de direito internacional privado em
conta.

O princípio de harmonia de julgados tem algumas limitações. Há situações,


que veremos com mais detalhe quando estudarmos o reenvio, em que não é
possível a harmonia total. Por outro lado o princípio de harmonia de
julgados cede em alguns casos perante um outro princípio que é o princípio
do Favore Negotii.

Princípio de Harmonia Material

Mas diferente do princípio da harmonia de julgados, é o princípio da


harmonia material. Este princípio já é um pouco mais difícil de demonstrar.

Preconiza que no momento em que nós aplicamos as normas materiais das


diversas ordens jurídicas chamadas a regular uma situação privada
internacional, não devem existir antinomias ou incongruências entre essas
normas, e que portanto, o aplicador da lei é obrigado a viabilizar a
harmonização dessas normas que concorrem para regular a mesma situação
privada internacional.

Por isso é que nós chamamos a isto harmonia material. Porque é que é
material? Precisamente porque é um problema que se coloca a jusante. No
momento em que estamos a aplicar as normas materiais das diversas ordens
164

jurídicas verificamos que elas não se conjugam, portanto, não se


harmonizam. Há incongruência entre elas. Porquê? Porque há uma que diz
por exemplo, que estão casados, e há outra lei que diz que duas pessoas não
estão casadas. Há uma lei que diz que o cônjuge tem direito a um
determinado regime de bens, e há outra lei que diz que o cônjuge não tem
direito a nenhum regime de bens.

Como essas duas leis estão a ser aplicadas a uma situação da vida então
ficamos sem saber como haveremos de resolver o problema.

Qual é o mecanismo proposto pela doutrina para resolver esta situação? É a


harmonização material. Como é que se chama essa harmonização material?
Adaptação. É o mecanismo da adaptação que é uma matéria com alguma
complexidade e que estudaremos mais adiante no nosso curso.

Tentando demonstrar.

Vamos supor que A e B portugueses são casados em regime de separação de


bens. A muda de nacionalidade, e adquire a nacionalidade Cabo – Verdeana,
e morre como Cabo – Verdeano. Ficamos com o B que é o cônjuge
sobrevivo. Vamos supor que o cônjuge sobrevivo quer ou receber metade
dos bens, ou, participar na sucessão como herdeira. O que acontece é o
seguinte. quando nós vamos saber se B pode suceder, primeiro se B pode ter
direito a metade dos bens, a resposta é negativa. Porquê? Porque o regime de
bens nos termos do art.º 53 do CC, é regulado pela lei nacional comum, ao
tempo da celebração do casamento, que é a lei portuguesa, e portanto o
regime é de separação de bens. Logo, não tem direito aos bens que pretende.

Mas, também, se perguntarmos se B tem direito a suceder, aplicando a lei


Cabo – Verdeana, nesta lei os cônjuges não estão na primeira classe de
sucessíveis. Na lei Cabo Verdeana quem está na primeira classe de
sucessíveis são os filhos. E vamos supor que A e B tinham filhos. Então
neste caso aplicando a lei Cabo – Verdeana, nos termos do art.º 62 do CC,
lei pessoal, lei do de cujus, portanto que é a lei Cabo – Verdeana, e neste
caso a resposta é de que o cônjuge não é sucessível.

Mas o que é que acontece? Se nós aplicássemos só a lei Cabo – Verdeana,


o cônjuge não seria sucessível, mas teria obrigatoriamente direito ao regime
de comunhão de adquiridos, portanto, recebia pelo regime de bens. Se
aplicássemos só a lei portuguesa, o cônjuge não tinha direito ao regime de
165

bens, porque tinha escolhido o regime de separação, mas estaria na primeira


classe de sucessíveis.

Então o que é que acontece? Pelo direito Cabo – Verdeano o cônjuge é


protegido ao nível do regime de bens, pelo direito português o cônjuge é
protegido ao nível do regime sucessório. Por virtude da distribuição da
competência entre a ordem jurídica Cabo – Verdeana e a ordem jurídica
portuguesa, no interior da regra de conflitos, dá-se que o cônjuge não recebe
nem pelo regime de bens, nem recebe pelo regime sucessório. Mas qualquer
das duas ordens jurídicas, se fosse aplicada isoladamente, protegia o
cônjuge, ou pela via do regime de bens, ou pela via do regime sucessório.

O que nós dissemos aqui é que não há harmonia entre essas duas normas,
não há harmonia material. Porquê? Porque as duas ordens jurídicas querem
proteger o cônjuge sobrevivo. Só que a intervenção da regra de conflitos, e a
distribuição da competência entre as duas ordens jurídicas levou a que o
cônjuge sobrevivo ficasse sem protecção.

Então, num caso como este nós tínhamos de fazer a adaptação. Temos de
adaptar. Há dois mecanismos fundamentalmente de adaptação:
 Através do mecanismo da regra de conflitos;
 Ou através do mecanismo das normas materiais.

Quando estudarmos o mecanismo da adaptação veremos como é que


realmente isto se procede.

O Prof. Marques dos Santos tem um estudo sobre a adaptação, embora eu


não esteja totalmente de acordo com esse estudo, porque peca precisamente
pelo facto de o Prof. Marques dos Santos não ter querido introduzir os
princípios de Direito Internacional Privado na solução dos problemas de
adaptação. Eu acho que, realmente se o problema é um problema de DIP os
princípios do direito internacional privado têm de intervir necessariamente
para resolver os casos de adaptação. Por exemplo, eu não estou a ver a
solução de um problema de adaptação relativamente a uma questão
relacionada com um imóvel, em que realmente a lei do lugar da situação do
imóvel, por força do princípio da maior proximidade ou da maior
competência, não seja reclamada para a adaptação. Esta lei tem de ser
tomada em consideração sob pena de estarmos a dar uma solução que
realmente pode ser muito interessante tecnicamente, mas que no plano
material pode não funcionar.
166

Agora o que importa é apenas a enunciação do problema. já ficam a saber


em que situações é que nós fazemos intervenções de adaptação. A adaptação
decorre precisamente pelo facto do depeçage. Reparem. Quando nós
fazemos a depeçage estamos a repartir a competência legislativa para as
diversas fracções da situação privada internacional. No nosso exemplo,
numa mesma situação casamento, estamos a por a situação familiar a ser
regulada por uma lei, e a situação sucessão ser regulada por outra lei. visto
que estamos a aplicar leis diversas, estamos a criar incongruências. Então
essas incongruências têm que ser solucionadas.

Neste caso aqui a doutrina aponta para uma de duas soluções:


 Ou faz uma adaptação de uma norma material. Por exemplo, na lei
Cabo – Verdeana em vez de se considerar que pertencem à primeira
classe de sucessíveis, os filhos, considerar-se que pertencem à
primeira classe de sucessíveis os filhos e o cônjuge.
 Ou então fazer uma adaptação da norma de conflitos. Em vez de nós
aplicarmos à sucessão a lei nacional ao tempo da morte, aplicar as lei
nacional ao tempo da celebração do casamento.

Pode-se dizer que isto é arbitrário, que se está a modificar as normas


materiais, está-se a modificar as normas de conflitos, mas é necessário não
esquecer que isto é uma solução ad-hoc. É uma solução para valer naquele
caso concreto. Não me repugna aplicar esta solução porque eu admito que
em direito internacional privado o juiz tem necessariamente que ter um papel
a desemprenhar, nomeadamente nessas situações aparentemente insolúveis.

Princípio do Interesse

O Prof. Ferrer Correia fala em princípio do Interesse. O Prof. Lima Pinheiro


não dá importância ao princípio do Interesse. De qualquer modo fica-se a
saber que o Prof. Ferrer Correia fala neste tal princípio do interesse,
precisamente a propósito desse estudo que vos facultei, que Hagel escreve
sobre “a jurisprudência dos Interesses em Direito Internacional Privado”, o
Prof.. Ferrer Correia tem também um artigo sobre esta questão, e então ele
admite que realmente este princípio do interesse pode ser transposto para
direito internacional privado.

Mas não pensem que é interesse dos sujeitos de direito internacional


privado, ou então apenas dos sujeitos do direito internacional privado. Pode
167

ser interesse dos próprios Estados ou interesse das Ordens Jurídicas que
participam no direito privado internacional.

Segundo Hegel uma ordem jurídica tinha interesse em regular todas as


situações ligadas aos imóveis situados no seu território. Uma ordem jurídica
tinha interesse em regular todas as situações relacionadas com os seus
nacionais.

É por aí que se exprime a teoria do interesse ou o princípio do interesse. Eu


devo confessar que este princípio só nesses dois autores Hegel e no Prof.
Ferrer Correia, encontrei assim larga expressão. Nos demais autores não dão
grande importância a este princípio. O Prof. Lima Pinheiro nem sequer o
inventaria como princípio do direito internacional privado.

Princípio da Efectividade
(Princípio da Maior Proximidade)

Outro princípio é o princípio da efectividade. O princípio da efectividade


preconiza que devemos aplicar a lei que está em melhor posição para
tornar efectiva a sua posição sobre determinada situação privada
internacional. Também se fala em lei com melhor competência.

O princípio da efectividade está intimamente relacionado com a situação dos


imóveis, por isso é que se fala também em princípio da maior proximidade.
Uma expressão deste princípio da efectividade, estaria no sub – princípio da
maior proximidade.

Significa que há ordens jurídicas que estão melhor posicionadas para


tornarem efectivas decisões que tomam relativamente às situações da vida. O
exemplo que tenho dado, é o de um imóvel estar situado em Portugal, os
tribunais portugueses tomarem uma decisão relativamente a este imóvel, por
exemplo, atribuindo-o a A, vamos supor que um tribunal estrangeiro,
espanhol, decide atribuir esse mesmo imóvel a B. O que nós perguntamos é
o seguinte. qual é a decisão que está em posição de ser susceptível de ser
tornada efectiva, portanto, ser efectivada materialmente? Naturalmente que é
a posição da ordem jurídica portuguesa.

Manifestações deste princípio nós encontramos no art.º 46 do CC, e portanto


aplica-se a lei do Estado com melhor competência, e no art.º 47 do CC,
quando fala do princípio da maior proximidade.
168

Já vamos ver a diferença entre este princípio da efectividade do ponto de


vista do Estado com a melhor competência, e princípio da efectividade do
ponto de vista da maior proximidade.

Artigo 47º - (Capacidade para constituir direitos reais sobre coisas


imóveis ou dispor deles) ”É igualmente definida pela lei da situação
da coisa a capacidade para constituir direitos reais sobre coisas
imóveis ou para dispor deles, desde que essa lei assim o determine; de
contrário, é aplicável a lei pessoal”.

Vejam por exemplo, no caso do art.º 47 do CC, manda aplicar à capacidade


a lei do lugar da situação da coisa. Nós podíamos pensar que o princípio da
maior proximidade estaria só e unicamente relacionada com as coisas. Mas
não tem uma projecção só e unicamente nas coisas. Porquê? Porque nos
termos do art.º 47 a projecção do princípio da maior proximidade, faz-se
sobre o estatuto pessoal. Porquê? O que é que o art.º 47 do CC está a
regular? Está a regular a capacidade para constituir direitos reais sobre
imóveis.

Portanto, o princípio da proximidade que no fundo é o princípio da conexão


mais estreita, é necessário ter atenção a este aspecto porque gera confusão, o
princípio da maior proximidade no fundo é o mesmo que conexão mais
estreita, conduz ao seguinte. a capacidade é regulada pela lei da
nacionalidade. agora, o princípio da maior proximidade leva a que a
capacidade possa ser regulada na lei do lugar da situação da coisa. Nunca
estabelecer a relação entre o art.º 46 e o art.º 47 do CC do ponto de vista do
seu conteúdo. Porque o art.º 46 do CC visa regular matéria de direitos reais,
ao passo que o art.º 47 do CC visa regular matérias de direitos pessoais. Visa
regular o estatuto pessoal, desde que essa lei se considere competente.

Portanto, a relação que nós temos que estabelecer, porque o art.º 47 do CC é


uma norma excepcional. Qual é a norma geral? É o art.º 31 n.º 1 do CC. Não
é o art.º 46 do CC. Nem toda a gente concorda que o art.º 47 é uma norma
excepcional. Eu acho que é uma norma excepcional porque a regra geral no
direito português é a capacidade ser regulada pela lei da nacionalidade.
excepcionalmente, por força do princípio da maior proximidade, a
capacidade é regulada pela lei do lugar da situação da coisa. O Prof. Lima
169

Pinheiro não concorda com esta posição. Portanto, a relação que nós temos
que estabelecer do geral para o particular, é do art.º 31 n.º 1 para o art.º 47
do CC. Não do art.º 46 para o art.º 47 do CC. O que é certo é que está
intimamente relacionado com o princípio da efectividade, devido a essas
duas projecções:
 A lei com melhor competência, art.º 46 do CC, no exemplo que vos
dei do imóvel sito em Portugal;
 E a outra manifestação é a da maior proximidade, tendo em conta a
situação prevista no art.º 47 do CC.

Portanto quando falamos do princípio da maior proximidade, e quem fala


neste princípio é o Prof. Lagarre, um dos grandes professores do direito
internacional privado que ainda está vivo, no fundo é o princípio da conexão
mais estreita referido pelo Prof. Lima Pinheiro. Tem o mesmo sentido. O
princípio da maior proximidade e o princípio da conexão mais estreita têm o
mesmo sentido.

No fundo, quando nós falamos aqui em maior proximidade estamos a dizer


que há uma lei que tem melhor competência do que aquela que tem melhor
competência, ou então que é uma lei que está em melhor posição para tornar
mais efectiva do que a outra a situação de direito privado internacional.
Lição n.º 18 19/12/02

Nós temos estado a ver os princípios de DIP, pelo que o dr.º GA pretende
colocar-nos algumas questões sobre esta matéria como revisão.

Como é que se distingue o princípio da harmonia de julgados do princípio da


harmonia interna?
(…)

O critério de distinção é o critério do foro. Se o foro for em Portugal, a


questão será julgada por um determinado direito. O princípio da harmonia de
julgados preconiza que se o foro for noutro país – por exemplo, em frança,
Itália, ou noutro país – também se aplicará o mesmo direito. Portanto, o
critério é o critério do foro.

Quanto ao princípio da harmonia interna?


(…)
170

O prof. Lima Pinheiro e o prof. Ferrer Correia têm uma perspectiva um


pouco diferente do que seja o princípio da harmonia interna. Mas não é essa
a perspectiva do Dr.º GA.

Nós temos que ter em atenção que a harmonia interna também se chama
harmonia material. Material, porquê? Porque é, precisamente, no momento
em que nós estamos a aplicar as normas materiais – as diversas normas
materiais que concorrem para regular uma determinada situação privada
internacional – que se suscita o problema da sua harmonização, da sua
coerência interna.

Portanto, quando se fala em harmonia interna, nós podemos ver esta


harmonia de dois pontos de vista:
*Harmonia no interior da mesma relação privada internacional;
*Mas também, harmonia interna do ponto de vista da lei do foro, i.e., do
ponto de vista do aplicador do Direito, ou seja, o aplicador do direito não
consente antinomias, não consente incongruências entre as normas que ele
próprio vai aplicar.

Mas, acaba-se sempre por chegar ao mesmo resultado. Só a formulação é


que é um pouco diversa.

Como cada um de nós funciona de acordo com os seus próprios quadros


mentais, de acordo com o ponto de vista pessoal do Dr.º GA, o princípio da
harmonia interna sugere-lhe, precisamente, é a resolução da incongruência
entre as normas materiais que foram chamadas para regular uma
determinada situação. Por isso é que se chama harmonia material. Nesta
medida, o aplicador da lei tem que harmonizar essas normas. Não pode
aplicar normas desavindas. Realmente todas as situações em que de facto, o
aplicador da lei tem recorrido ao princípio da harmonia interna são situações
de desarmonia material, entre as normas materiais.

Não se trata de uma questão prévia.

O problema da harmonia interna coloca-se a jusante, ou seja, determinamos


toda a lei aplicável a todas as situações privadas que se suscitam no quadro
de uma determinada relação privada internacional, e essas leis têm que se
harmonizar. Há uma imagem que é apresentada por um Autor Alemão que
diz que tudo se passa como se nós construíssemos uma bicicleta com peças
vindas de vários países e depois, a bicicleta não funcionasse. O papel do
171

aplicador da lei é fazer funcionar a bicicleta. Portanto, tem que as


harmonizar, tem que lhes estabelecer uma coerência interna. Por isso é que
se chama harmonia interna.

Em que situações é que nós somos chamados a recorrer quer à harmonia de


julgados, quer à harmonia interna?

Onde é que está previsto o princípio da harmonia de julgados no Direito


Português? Que normas do Direito Português apontam para o princípio da
harmonia de julgados?

O art. 17º e o art. 18º CC são as duas normas que fundamentalmente


preconizam a harmonia de julgados.

Mas, nós podemos extrapolar um pouquinho mais e dizer que mesmo em


sede de política legislativa, o legislador toma algumas medidas com vista a
promover a harmonia de julgados. Que medidas são essas? Já na aula
passada fizemos referência a algumas dessas medidas que o legislador
adopta para evitar estes conflitos.

Ao escolher os elementos de conexão;

No estabelecimento de normas bilaterais, que sejam comuns e aceites por


todos.

Ter em conta o princípio da paridade de tratamento entre as Ordens Jurídicas


do foro e a Ordem Jurídica estrangeira. Se nós pensarmos que uma Ordem
Jurídica estrangeira está em paridade com a Ordem Jurídica do foro, no
fundo, já suprimimos um conflito. É claro que cada vez que nos colocamos
na posição de que somos nós que julgamos e decidimos e logo “puxamos a
brasa à nossa sardinha”, acabamos por gerar conflitos desnecessários.

O Dr.º GA tem uma tese, de acordo com a qual, o DIP surgiu da Ordem
Pública. Isto pode parecer um pouco estranho, mas o nosso prof. explica que
admite que, no fundo, é à medida que a Ordem Pública Internacional vai
reduzindo o seu espaço de intervenção, então, a partir daí começa a surgir o
DIP.

O que é que acontecia na Antiguidade Clássica? O que acontecia era que os


Estados estavam numa posição concretamente hostil uns relativamente aos
172

outros, e todos achavam que aquilo que lhes pertencia é que era o melhor.
Aliás, se consultarmos o Código de Amorabi, podemos ver que este dizia:
“Eu sou Rei e Senhor, Sou Dono do Universo e todos os homens estão
submetidos ao meu império”. Quando um Rei faz esta afirmação, ele já
acabou com o Direito de Conflitos porque não há possibilidade sequer de
haver um Direito de Conflitos. Os Romanos também com a ideia de que
eram os donos do Mundo, igualmente inviabilizaram os conflitos de leis.
Porquê? Porque do ponto de vista do nosso prof., eles estão a alargar a ideia
da Ordem Pública até ao limite máximo.

Mas, quando começam a sentir que têm de restringir o seu espaço de


intervenção, o seu espaço de Ordem Pública, então, a partir daí começa a
surgir o DIP. Esta é uma tese que somente o nosso prof. defende. Mas por
aquilo que ele tem estudado à volta dos direitos antigos, e pelo modo como
realmente vão nascendo normas pontuais de Direito Internacional Privado,
acaba por chegar à conclusão de que de facto a Ordem Pública está por
detrás do nascimento do DIP.

Esta é apenas uma ideia do nosso prof., que possivelmente dará uma tese a
defender. Para ele faz muito mais sentido que uma Ordem Jurídica que diz
“eu sou dono e Senhor, domino o universo e todas as pessoas me estão
submetidas”, está a querer dizer que a única lei que é válida é a sua.
Portanto, a partir daí inviabiliza completamente a possibilidade de haver um
conflito de leis.

Por isso, é que apenas na Idade Média é que nós temos verdadeiramente um
DIP. E não é por acaso também que é no quadro dos Direitos Interlocais que
começam a surgir regras de conflitos. Primeiro começam a surgir regras de
conflitos no Direito Grego. No Direito Romano, no quadro daquelas relações
na Bacia do Mediterrâneo, também surgem normas de Direito de Conflitos.
Mas é verdadeiramente na Idade Média, nos séculos XI e XII, que começa a
surgir o DIP. Daí que do ponto de vista do nosso prof., o DIP é um direito
fruto de relações amistosas entre os povos. À parte disto não é possível um
DIP.

Devemos ter em atenção que a necessidade de harmonia interna apela à


adaptação. A adaptação é precisamente a situação de incongruência material
entre as leis que concorrem para regular a mesma situação da vida, como
veremos em Março.
173

Nós não falamos do princípio do favor negotii nem das suas manifestações.
Mas já falamos dele quando falamos do reenvio na visita guiada. Aqui do
que se trata é de saber que manifestações é que o DIP português tem do
princípio do favor negotii. (…)

Em que situações é que nós encontramos manifestações deste princípio no


Direito português?

O art. 19º CC faz cessar o reenvio, caso o reenvio conduza à nulidade do


negócio. Por exemplo, um casamento celebrado entre duas pessoas num país
estrangeiro que à luz da lei do lugar da celebração é considerado válido, mas
à luz da lei da nacionalidade dos nubentes não é considerado válido. E a lei
da nacionalidade fazia reenvio para a lei do lugar da residência habitual
(porque se enviasse para a lei do lugar da celebração, aí seria considerado
válido). Este exemplo é um pouco complicado porque depois teria que
intervir o art. 17º n.º 2 CC, porque escolheu-se uma matéria do estatuto
pessoal.

Art. 28º CC ?

Há quem entenda que o art. 28º CC constitui uma manifestação do princípio


do favor negotii. O prof. LP tem um entendimento diferente. Ele entende que
é mais uma manifestação do princípio da tutela da confiança – quer dizer, as
pessoas confiarem na pessoa com quem contrataram – do que propriamente
uma ideia de favorecimento do negócio. De facto, a zona de fronteira entre
as duas coisas é um bocadinho complicada porque realmente, o art. 28º CC
acaba por favorecer a validade do negócio, ou seja, vai impedir a pessoa de
invocar a sua incapacidade, no fundo, viabilizando o negócio.

O Dr.º GA está mais inclinado a considerar que se trata de uma manifestação


do princípio da tutela da confiança do que propriamente do princípio do
favor negotii.

No que respeita ao n.º 2 do art. 31º CC, a doutrina dominante fala em


manifestação dos direitos adquiridos. Não seria também uma manifestação
do favor negotii. São zonas de fronteira muito ténues.

As disposições que são mencionadas a propósito do favor negotii são:


+ art. 19º n.º 1 CC;
+ art. 36º n.º 2 CC;
174

+ art. 65º n.º 1 CC;


+ art. 9º da Convenção de Roma.

Art. 36º n.º 2 CC – forma da declaração – “A declaração negocial é ainda


formalmente se, em vez da forma prescrita na lei local, tiver sido observada
a forma prescrita pelo Estado para que remete a norma de conflitos daquela
lei, sem prejuízo do disposto na última parte do número anterior”. Portanto,
na verdade, este n.º 2 utiliza uma conexão alternativa (do ponto de vista da
classificação das conexões).

As conexões alternativas, em regra, estão intimamente relacionadas com a


problemática do princípio do favor negotii.

Art. 65º n.º 1 CC – forma – “As disposições por morte, bem como a sua
revogação ou modificação, serão válidas, quanto à forma, se
corresponderem às prescrições da lei do lugar onde o acto for celebrado, ou
às da lei pessoal do autor da herança, quer no momento da declaração,
quer no momento da morte, ou ainda às prescrições da lei para que remeta
a norma de conflitos da lei local”.

Quantas alternativas existem nesta norma? O legislador reconhece aqui 4


alternativas para validar o negócio formalmente:
1) prescrições da lei do lugar onde o acto for celebrado (lugar da
celebração);
2) prescrições da lei pessoal do autor da herança no momento da declaração;
3) prescrições da lei pessoal do autor da herança no momento da morte;
4) prescrições da lei para que remete a norma de conflitos da lei local (esta é
a lei do lugar da celebração), i.e., a lei do lugar da celebração remete para
uma outra lei qualquer.

Mas, já que o legislador raciocinou desta maneira, estabelecendo estas 4


hipóteses, então, nós podemos alargar o seu ponto de vista, admitindo o
seguinte:
- se o legislador permite que a lei local, i.e., a lei do lugar da celebração,
possa remeter para uma lei N, e mesmo assim, esta situação é válida, então,
nós podemos alargar este ponto de vista dizendo que não é só esta situação
em que a lei local remete para uma lei N;
- mas também a situação em que a lei pessoal no momento da declaração
remete para uma lei N;
175

- e ainda a situação em que a lei pessoal no momento da morte remete


para uma lei N.
Portanto, neste caso, acabamos por ter 6 leis em alternativa para regular esta
situação. Esta hipótese é perfeitamente possível, e até existem leis, como a
da África do Sul que prevê expressamente esta situação.

Porquê? Porque nós temos que perguntar: se o legislador permite que a lei
local, que é uma mera lei do lugar da celebração, possa enviar para outra lei
e essa lei julgar válida a declaração quanto à forma (e nós admitimos isto),
então, por maioria de razão, temos que admitir também as outras duas
possibilidades, porque a lei pessoal no momento da declaração é superior à
lei local. A lei pessoal no momento da morte também é superior à lei local.
E, isto significa que nós podemos, realmente, ampliar o raciocínio do
legislador, alargando-o para outras situações.

O tipo de devolução que está previsto no art. 36º CC e no art. 65º CC é o da


devolução simples. Tudo se passa como se a lei portuguesa remetesse para
lei local e a lei local remetesse para lei N. Ou seja,
L1 remete L2 remete L3
lei portuguesa lei local lei N
lei do lugar da celebração
L1 DS= referência global L2 = referência material L3

Tudo se passa como se nós fizéssemos devolução simples: a referência da L1


a L2 é uma referência global e a referência de L2 a L3 é uma referência
material. E, isto significa que nós não aplicamos, nesta devolução, as regras
do art. 17º e art. 18º CC. O art. 17º e o art. 18º CC não são aplicáveis neste
caso.

De acordo com o Dr.º GA nós podemos fazer este raciocínio e ampliarmos o


ponto de vista do legislador.

Há um outro princípio que nós já referimos muito incidentalmente que é o


princípio da Ordem Pública ou princípio da Reserva Material. Quais são as
manifestações que nós temos deste princípio? No fundo, a Reserva de
Ordem Pública é uma espécie de resquício da Soberania dos Estados. Há
medida em que a Ordem Pública vai diminuindo o seu espaço de
intervenção, vai-se alargando o espaço de intervenção do DIP. Mas, o que é
176

certo é que os Estados nunca abandonaram determinadas reservas. É uma


parte de que o Estado não abdica mesmo nas relações privadas
internacionais. E a questão da Ordem Pública prende-se com questões
iminentemente culturais.

Quando o Estado entra numa relação com outros Estados, ele estabelece
reservas. Não é por acaso que, quando nós passamos pelas convenções
internacionais, encontramos, muitas vezes, referências a que Portugal
estabeleceu reservas quanto à norma tal, ou a que a norma tal foi denunciada
por determinado Estado, etc. … No fundo, se nós nos colocarmos no nosso
ponto de vista pessoal, quando nós entramos em relação com outras pessoas,
nós nunca nos entregamos totalmente, i.e., temos uma reserva que é mesmo
reconhecida por lei e que se denomina “reserva da vida privada e familiar”.
Segundo a melhor doutrina, esta reserva tem vários escalões, até chegar ao
foro íntimo que é aquele que qualquer pessoa não deixa ninguém atravessar.
Há aspectos que, por exemplo, nós transmitimos ao nosso cônjuge, ao nosso
namorado, etc., … Há aspectos que nós deixamos que sejam outras pessoas
da família mais próxima, por exemplo, a ter conhecimento, no nosso círculo.
Há outros que nós deixamos aos nossos amigos, e há outros em que nós não
deixamos ninguém. E, há outros aspectos que nós podemos permitir que
sejam tornados públicos, etc. …

Com os Estados acontece a mesma coisa. Assim como nós falamos em


personalidade jurídica, personalidade nossa, também relativamente aos
Estados, nós podemos falar em personalidade dos Estados. Esta expressão
não é do Dr.º GA, ela existe mesmo na doutrina.

A reserva da Ordem Pública visa precisamente salvaguardar a personalidade


de cada Estado. Portanto, há um certo leque de matérias dos quais o Estado –
ou melhor, a nação – não abdica nas relações privadas internacionais. Por
exemplo, Portugal nunca abdicaria ao seu direito ao Fado, i.e., à
manifestação de aspectos culturais portugueses, no fundo, à mentalidade
portuguesa, nas relações internacionais. Porquê? Porque quando essa
possibilidade acabar, nós deixamos de ter Portugal. No dia em que
realmente, nós conseguirmos abdicar de tudo o que nos pertence, deixamos
de ser nós mesmos, no fundo, despersonalizamo-nos. A reserva de Ordem
Pública está intimamente relacionada com este aspecto, i.e., com o ponto de
vista da personalidade do Estado.
177

Por isso, o Dr.º GA entende que, de facto, a reserva da Ordem Pública é um


princípio fundamental em DIP. Há alguns autores que dizem que não é
porque a reserva da Ordem Pública só intervém em casos extremos. É
verdade que a reserva da Ordem Pública só intervém em casos extremos, e
também é verdade que a reserva de Ordem Pública tem vindo a intervir cada
vez mais em casos extremos. Mas, mesmo assim, continua a ser um
princípio de DIP porque é um princípio de salvaguarda dos Estados e que o
Estado utiliza com alguma mobilidade, afastando ou restringindo consoante
os seus próprios interesses.

Em DIP, a reserva de Ordem Pública intervém segundo critérios próprios.


Não nos podemos esquecer que a reserva da Ordem Pública é uma reserva
aposta a uma norma concreta da lei chamada pela regra de conflitos. Nós
não apomos uma reserva a um Estado nem à lei de um Estado. Nós apomos
a reserva relativamente a uma norma concreta que naquele caso concreto é
chamada a regular uma determinada situação privada internacional, ou seja,
a Ordem Pública intervém em concreto. Para nós fazermos intervir a reserva
da Ordem Pública temos que demonstrar que a norma que vai ser aplicada
ofende princípios fundamentais do Estado Português, como por exemplo, a
norma que permite a discriminação entre filhos legítimos e ilegítimos; ou a
norma que permite o casamento poligâmico; ou a norma que impõe o poder
marital, por exemplo; ou uma norma que defende a supremacia de uma raça
sobre outra. Naturalmente que não é consentida a aplicação de normas como
estas na Ordem Jurídica do foro. Por isso são afastadas porque no fundo vêm
conspurcar o Ordenamento interno, e, portanto, têm de ser rechaçadas.

Poderá estar em causa o princípio da paridade das Ordens Jurídicas?

O Dr.º GA defende que, no fundo, trata-se de uma reafirmação deste


princípio. Porquê? Porque, assim como nós admitimos a possibilidade de
haver uma Ordem Pública Portuguesa, no fundo, estamos a reconhecer que
outras Ordens Jurídicas possam também ter uma Ordem Pública estrangeira.
Portanto, isto significa que estamos a reconhecer-lhes uma posição de
igualdade. No fundo, é uma manifestação da paridade de tratamento.

É certo que à partida poderia, de facto, levar à ideia contrária porque nós
poderíamos dizer que se realmente nós fazemos intervir a reserva de Ordem
Pública, isso significa que estamos a puxar a brasa à nossa sardinha e
estamos a evitar que outras Ordens Jurídicas concorram para regular a
situação privada internacional. Isto do ponto de vista da solução do caso
178

concreto é verdade. Mas, não podemos esquecer que a Ordem Pública é um


princípio de salvaguarda do Estado. O Estado, quando entra em relação com
outro Estado, está em paridade de tratamento, mas com a salvaguarda de que
não deixa que determinadas normas sejam aplicadas.

Concluindo: vimos mais ou menos amplamente o princípio da autonomia do


DIP, o princípio da harmonia material, etc. Quanto ao princípio do interesse,
nós não lhe damos grande importância porque, na verdade, o prof. LP
também não lhe dá.

Falamos também no princípio da efectividade e dissemos que o princípio da


efectividade tem duas manifestações. Quais são?

O art. 46º CC e o art. 47º CC.

O art. 46º CC é a manifestação do princípio da lei com a melhor


competência.

O art. 47º CC é a manifestação do princípio da maior proximidade.

O Dr.º GA chamou a nossa atenção para o facto de que o princípio da


maior proximidade não ter como referência geral o art. 46º CC. Porquê?
Pelo seguinte: quando nós falamos aqui em princípio da maior proximidade,
esta matéria actua nas situações do estatuto pessoal. Por conseguinte a
referência geral não é o art. 46º CC, apesar de poder levar a este
entendimento, mas sim o art. 25º + art. 31º n.º 1 CC. Portanto, o princípio
da maior proximidade é um desenvolvimento do princípio da
proximidade ou princípio da conexão mais estreita. Quem fala em
princípio da maior proximidade é o prof. LAGARDE.

Portanto, quando nós queremos determinar a lei reguladora do estatuto


pessoal, segundo os critérios adoptados pelo legislador português e de
acordo com o princípio da proximidade, essa lei reguladora é a lei pessoal. O
prof. LP chama ao princípio da proximidade o princípio da conexão mais
estreita.

Mas o princípio da maior proximidade leva a aplicar à matéria do


estatuto pessoal, neste caso, à capacidade, com base no art. 47º CC, a lei do
lugar da situação. Há uma espécie de atracção da competência da lei do
lugar da situação, não só para regular a matéria sobre as coisas, mas também
179

para regular a capacidade para constituir direitos reais sobre coisas. No


fundo, há uma extensão da competência dessa lei por força do princípio da
maior proximidade. Isso acontece porque esta lei está melhor posicionada
para fazer valer o seu ponto de vista. Por isso é que nós falamos em
efectividade.

Esta lei do lugar da situação tem que se declarar competente com base no
art. 47º CC. Se esta lei não se declarar competente, nesse caso, recorre-se à
regra geral, que é o art. 25º + art. 31º n.º 1 CC.

Também falamos no princípio da boa administração da Justiça, que é um


princípio não muito aceite na doutrina. Aliás, foi só o prof. Baptista
Machado que admitiu a possibilidade de existência deste princípio. Segundo
ele, o intérprete do foro está melhor posicionado para aplicar o seu direito do
que para aplicar o direito estrangeiro. Um outro autor que tem uma ideia
muito próxima desta do prof. Baptista Machado é o prof. Menezes Cordeiro
(cujo calcanhar de Aquiles é, precisamente, o DIP). Este autor tem uma ideia
muito peculiar acerca do DIP. Após analisar umas quantas sentenças
produzidas na Alemanha, relativamente à aplicação do Direito Português na
Alemanha, ele acabou por concluir que as ditas sentenças estavam todas
erradas. E por isso, concluiu que não valia a pena nós estarmos a perder
tempo a estudar DIP, e o melhor era aplicarmos a lei do foro, porque
realmente, ainda assim, as pessoas ficam melhor servidas aplicando a lei do
foro do que aplicando o DIP. (boa desculpa para quem o DIP é mesmo o
calcanhar de Aquiles).
LIÇÃO N.º 19 7/01/03

PROBLEMÁTICA DAS RELAÇÕES DO DIREITO INTERNACIONAL


PRIVADO E A CONSTITUIÇÃO

Um primeiro ponto da relação entre o direito internacional privado e a


constituição que se põe ao nível das fontes. A constituição coloca-se a um
nível hierárquico superior, o que significa que todas as convenções
internacionais quer as multilaterais quer as bilaterais, se situam num âmbito
inferior, e daí resulta necessariamente que essas convenções podem ser
sujeitas a um juízo de constitucionalidade. Nós não podemos ficar com a
ideia de que, pelo simples facto, por exemplo, de a Comunidade Europeia
“expedir” normas para Portugal observar, que essas normas tenham
forçosamente que ser observadas independentemente do seu conteúdo, o que
significa que, essas normas podem ser submetidas a um juízo de
180

constitucionalidade, e se se concluir que elas são inconstitucionais


naturalmente que não terão aplicação.

Mas não é apenas neste aspecto de posição hierárquica das convenções, das
fontes do direito internacional privado, que o problema das relações entre o
direito internacional privado e a constituição se colocam.

Colocam-se mais a um nível muito particular, muito específico do direito


internacional privado. Por exemplo o caso julgado em Portugal, aplicadas
normas estrangeiras, e essas normas estrangeiras poderem ser consideradas
inconstitucionais.

Na verdade este é que é o aspecto central das relações entre o direito


internacional privado e a constituição. Neste campo gostaria de sugerir um
estudo que é o estudo do Prof. Moura Ramos “direito internacional privado e
constituição”.

Quando nós colocamos este problema das relações entre o direito


internacional privado e a constituição, é um problema que se situa a dois
níveis:
Nós temos o direito internacional privado do foro
E temos o direito internacional privado da lex causae.

O foro tem a sua constituição, mas também a lex causae tem a sua
constituição. O primeiro problema que se coloca é o de saber em que
medida uma eventual alteração à constituição pode implicar alterações no
direito internacional privado do foro. Esta é a primeira questão que se
coloca.

Uma eventual alteração à constituição da republica que alterações é que


pode implicar no direito internacional privado do foro? Há uma ideia que
prevaleceu durante muito tempo, e que foi defendida, nomeadamente por
Hans Dulle, que defendia que o direito internacional privado é um espaço
livre de constitucionalidade. Por conseguinte seja qual for a alteração que
realmente se fizesse ao nível da constituição, nenhuma consequência teria no
direito internacional privado do foro.

Esta ideia foi combatida, nomeadamente pelo Prof. Moura Ramos, mas antes
do prof. Moura Ramos, outros autores, Beitzke, que veio defender que as
normas do direito internacional privado, não são normas neutras, são normas
181

que carregam consigo uma certa justiça, e como nós temos vindo
sistematicamente a referir, a própria escolha do elemento de conexão não é
algo de arbitrário. Tem por detrás de si elementos de ordem cultural, de
ordem social, que interferem na escolha do elemento de conexão. Isso
significa que as normas de direito internacional privado, não são na verdade,
como dia Hans Dulle, um espaço livre de constitucionalidade, mas na
verdade implica alterações no direito de conflitos quando se altera uma
determinada constituição.

Tendo em conta este panorama geral, que manifestações poder-se-ão


encontrar ao nível do direito português, esta ideia defendida por Beitzke, e
também defendida por Moura Ramos? Já toda a doutrina internacional
privatista portuguesa não aceita que o direito internacional privado seja um
espaço livre de constitucionalidade, é um direito com uma determinada
dimensão cultural, e a quem uma alteração da constituição necessariamente
se vai depois reflectir ao nível do direito internacional privado.

relações do direito internacional privado do foro e a constituição do foro

Têm a ideia de que a constituição da republica portuguesa de 1976


promoveu alterações no direito de conflitos? A aprovação da constituição da
republica de 1976 não introduziu nenhuma alteração no direito de conflitos
português?

Por exemplo ao nível da igualdade entre os sexos, isto teve consequências no


direito internacional privado. Basta pegarmos na colectânea de legislação,
para encontrarmos essa influência. O código civil português sofreu uma
alteração em 1977, a tal reforma de 77 na qual a prof. ª Magalhães Colaço
participou activamente. As normas de direito internacional privado foram
propostas por ela e posteriormente aceites pelo campo legislativo.

Eu fiz uma inventariação destas alterações.

Falou-se na liberdade dos sexos. Veja-se por exemplo, o art.º 52 do CC que


regula as relações entre os cônjuges. Diz assim no seu n.º 2 “Não tendo os
cônjuges a mesma nacionalidade, é aplicável a lei da sua residência habitual
comum e, na falta desta, a lei do país com a qual a vida familiar se ache mais
estreitamente conexa”. Esta ultima parte do art.º 52/2 do CC veio substituir
um outro n.º 2 que dizia “não tendo os cônjuges a mesma nacionalidade é
aplicável a lei da sua residência habitual e na falta desta a lei pessoal do
182

marido”. E várias outras disposições apontavam como elemento de conexão


subsidiário, a lei pessoal do marido. Por exemplo, o art.º 53 do CC, também
apontava como conexão subsidiária a lei pessoal do marido, o art.º 56
também lei pessoal do marido, o art.º 57 a lei pessoal do pai. o art.º 36 da
constituição da republica veio a introduzir o princípio da igualdade entre os
cônjuges, viabilizando, potenciando, alterações consequentes no direito
internacional privado. O que é que o legislador fez? Abandonou um
elemento de conexão que era discriminatório, adoptando um elemento de
conexão que viabiliza essa igualdade. Em vez do legislador ir à procura do
elemento de conexão não sobre os nubentes, foi à procura de um elemento
de conexão do ponto der vista mais objectivo, que é a lei do lugar com a qual
a vida familiar se mais estreitamente se conecta. É claro que esta fórmula é
uma fórmula que requer concretização, é uma clausula aberta, e a sua
concretização é colocada nas mãos do aplicador da lei, e há-de ser o
aplicador da lei que em cada caso concreto vai determinar qual é a lei do
lugar com a qual a familia se acha mais estreitamente conexa. Nós já
conhecemos como é que se concretizam os elementos de conexão desta
natureza. Concretizam-se através de indícios externos, há – de ver
pontualmente relativamente a cada casal concreto ou a cada família em
concreto, determinar qual o país essa família tem uma conexão mais estreita.

Por agora o que nos interessa saber é que estas alterações foram introduzidas
como consequência da alteração da Constituição da Republica.

A lei Italiana, o código civil italiano ainda adopta o princípio de que o


marido é que é o chefe da família. E estranhamente, esta questão foi
submetida ao juízo de constitucionalidade, e os italianos não abandonaram
esta ideia, porque disseram que é necessário encontrar um núcleo a partir do
qual se movimenta toda a vida familiar, e entenderam que esse grupo havia
de ser a lei pessoal do marido. Os italianos consideram portanto que não há
aqui um juízo de constitucionalidade.

Regressando as alterações introduzidas pelas alterações realizadas à


constituição, veja-se também o art.º 59 do CC e 60 do CC. Antes falava-se
em constituição da filiação ilegítima, e por conseguinte este art.º 59 foi pura
e simplesmente revogado, porque a actual constituição não permite, antes
proíbe as referências discriminatórias entre filhos nascidos dentro e fora do
casamento. Essa proibição discricional conduziu obrigatoriamente a uma
alteração da norma do código civil. No art.º 60 falava-se em lei pessoal do
183

marido, portanto passou a falar-se em direito com o qual a vida familiar se


ache mais conexa.

Nós não podemos pensar que é apenas nestes dois sectores, ao nível das
fontes, e ao nível do conteúdo das normas, da escolha dos elementos de
conexão, também a constituição intervém ao nível reflecte ao nível da
condição jurídica dos estrangeiros, e interfere também no direito do
reconhecimento. Praticamente todo o direito internacional privado sofre com
as alterações à constituição.

Isto no que diz respeito às relações do direito internacional privado do foro e


a constituição do foro.

relações entre o direito internacional privado da lex causae, e a


constituição da lex causae

Situação diversa é aquela que ocorre no que respeita às relações entre o


direito internacional privado da lex causae, e a constituição da lex causae.
Aqui este problema coloca-se a dois níveis:
 ao nível das relações entre direito internacional privado da lex causae
e a constituição da lex causae;
 e ao nível das relações entre o direito internacional privado da lex
causae, e a constituição do foro.

Ao nível das relações entre direito internacional privado da lex causae e


a constituição da lex causae verificam-se as mesmas questões que
analisámos nas relações entre o direito internacional privado do foro com a
constituição do foro. Ou seja, sempre que nós aplicamos o direito
internacional privado estrangeiro, somos levados a confrontar esse direito
internacional privado com a constituição porque pode haver situações de
inconstitucionalidade. Aliás, em Portugal o art.º 59 do CC foi declarado
inconstitucional. Antes de ter sido revogado em 1977, houve uma sentença
do supremo tribunal de justiça que veio declarar que esta norma do art.º 59
do CC era inconstitucional. Visto que, quando nós aplicamos uma
determinada ordem jurídica, estamos a aplicar a sua totalidade incluindo o
seu sistema de fontes, daí resulta obrigatoriamente que nós temos de
confrontar a norma que vamos aplicar com a respectiva constituição, e
podemos eventualmente concluir pela inconstitucionalidade da norma de
DIP que nós vamos aplicar, e se concluirmos pela sua inconstitucionalidade,
temos um problema de aplicação da lei no tempo. Aliás não só temos um
184

problema de aplicação da constituição no tempo, e portanto o problema do


juízo da constitucionalidade das normas de direito internacional privado.
Concluindo-se pela sua inconstitucionalidade nós aplicaremos a sanção que
a ordem jurídica prevê para as situações de inconstitucionalidade das suas
normas. Mas aqui temos de ter em consideração que, na verdade o
mecanismo é o mesmo, mecanismo de confronto entre o DIP da lex causae
e a constituição da lex causae, é o mesmo que o referente ao direito do foro,
mas nós não podemos sentirmo-nos viciados pela maneira como
raciocinamos ao nível do direito interno.

O que eu estou a querer dizer é que há-de ser no sistema próprio daquela
ordem jurídica, na ordem jurídica da lex causae, e adoptando as sanções
próprias dessa ordem jurídica que realmente nós avaliaremos o direito
internacional privado face à respectiva constituição. Nós não podemos é
emprestar àquela ordem jurídica o nosso método ou o nosso modo de
avaliação desse eventual juízo de constitucionalidade.

Outro problema que se coloca é de saber se nós podemos confrontar não


apenas o DIP da Lex Causae perante a constituição do foro, mas
também o direito material da Lex Causae com a constituição do foro.

Temos aqui vários problemas.

Primeiro. Somos chamados a aplicar, por exemplo, uma norma de conflitos


que diz que se aplica a lei pessoal do pai. pode colocar-se aqui problemas de
igualdade. Vamos supor que uma ordem jurídica X manda aplicar a lei
pessoal do pai, em termos que violariam o princípio da igualdade.

Aluno: podíamos invocar a ordem pública?

A ordem pública pode ser chamada a intervir neste caso, mas podemos tentar
resolver a questão antes de chamarmos a ordem pública. Porque reparem o
que se está aqui a equacionar. Estamos a chamar a ordem pública para
intervir, não do ponto de vista de um conteúdo material de uma norma
chamada a aplicar, mas sim do ponto de vista de um conteúdo formal de uma
norma aplicável. Nós dizemos que as normas de conflito são normas
formais. Se nós considerarmos portanto, que aquela norma de conflitos da
ordem jurídica estrangeira é uma norma formal, então nós perguntamos: com
que legitimidade fazemos intervir a reserva de ordem pública, sendo certo
que a reserva de ordem pública coloca um problema relativamente ao
185

conteúdo material da norma chamada a aplicar. Temos aqui um problema


que não está verdadeiramente equacionado. Mas este problema permite-nos
compreender o seguinte. permite-nos compreender que na verdade as
normas de conflito não são neutras, porque se suscitarmos neste caso,
relativamente a esta norma de conflitos que é de natureza puramente formal,
uma questão de intervenção da reserva da ordem pública, então é porque
estamos a admitir que subjacente a esta norma há considerações de ordem
material que realmente justifica o eventual juízo de inconstitucionalidade.

Eu pessoalmente ainda não vi esta questão tratada em nenhum caso. Trata-se


portanto, a propósito da hipótese que vamos resolver na próxima aula, mas
tendo em conta tudo aquilo que nós temos vindo a referir, no que respeita
aos aspectos de natureza material que estão subjacentes à norma de
conflitos, não teria dificuldades em aceitar o eventual juízo de
inconstitucionalidade relativamente à norma estrangeira. Resta saber é se
esse juízo de inconstitucionalidade é feito não apenas em relação à
constituição da lex causae, mas também relativamente à constituição da lex
fori.

Aluno. Só não sei qual a capacidade que a lex fori tem de declarar uma
norma de conflitos de outro estado inconstitucional, já que ela é
constitucional face ao ordenamento constitucional desse país.

Se não for. reparem que nós aqui temos várias situações. Temos a situação
em que a própria constituição da lex causae já a considerou inconstitucional.
Se a própria constituição da lex causae considerou a norma inconstitucional,
então neste caso nós temos a vida facilitada. Agora, se a constituição da lex
causae considera constitucional, porque, por exemplo, vamos supor que é
uma norma que prevê que o marido é o pai de família, e portanto é ele que
governa a casa. Essa norma face ao direito português, face à constituição
portuguesa, é uma norma claramente inconstitucional. E a questão que se
coloca é a de saber se nós podemos vir declarar essa norma italiana
inconstitucional face à nossa constituição? Eu pessoalmente tenho sérias
dúvidas quanto a este ponto. Porque eu penso que realmente é uma
intromissão demasiado vasta na “esfera privada” das ordens jurídicas e
acabaríamos por pôr em causa as próprias relações privadas internacionais se
efectivamente nós permitíssemos que a nossa constituição invadisse a esfera
das outras constituições.
186

Eu penso que assim como nós pretendemos o nosso espaço de liberdade para
exprimirmos do ponto de vista cultural a constituição que nós queremos,
então neste caso temos também de deixar que os outros Estados também
possam adoptar as suas próprias constituições. Aliás, o termo constituição,
se nós procurarmos a sua raiz etimológica, significa algo que nos é
constitutivo, daí o termo constituição. Significa que nós somos formados a
partir de. Por isso é que se diz que há uma constituição independentemente
de haver uma constituição formal. Existe a tal chamada constituição
material. O que significa que realmente são aspectos de natureza cultural, e
da nossa mentalidade, princípios que nos vêm governando ao longo da
história, e que realmente adoptamos como nossos, e até nos formaram, nos
constituíram. Daí o termo constituição.

Eu penso que se nós analisarmos o termo constituição deste ponto de vista


como aqueles aspectos que nos formam, que nos constituem, então
realmente deveremos ter algum cuidado em admitir a possibilidade de a
nossa constituição poder intervir para afastar outras constituições.

Isto sem prejuízo da problemática da reserva de ordem pública.

No que respeita à norma de conflitos de uma determinada ordem jurídica,


confesso que tenho algumas dúvidas de considerar que nós podemos aceitar
afastar essa norma. Sendo certo que a constituição desse país sanciona essa
norma. Eu preferiria adoptar a seguinte solução.

Vamos supor que uma norma da ordem jurídica X adopta um elemento de


conexão que para nós é discriminatório. Eu preferiria ir até à aplicação da lei
mandada aplicar pela norma de conflitos, por exemplo, vamos supor que era
a lei pessoal do marido, que mandava aplicar a lei do país X. O que nós
tínhamos de ver era, não se a lei pessoal do marido era discriminatória, mas
sim se as normas materiais daquele país X para regular aquele caso concreto
se elas efectivamente são ou não, poderão ou não violar a nossa constituição.
Não ver a questão de um ponto de vista intermédio, ao nível da regra de
conflitos, mas sim do ponto de vista a jusante, no momento do conteúdo
concreto da norma que vai regular aquela situação.

Eu apontaria mais para uma eventual intervenção da reserva da ordem


pública ou então até uma eventual juízo de inconstitucionalidade neste caso,
do que propriamente avaliar a constitucionalidade das próprias normas de
conflitos daquelas ordens jurídicas.
187

Por exemplo a questão do divórcio. Vejamos que, por exemplo, na Irlanda


fizeram vários referendos no que respeita à conservação ou não da proibição
do divórcio, e o sim ganhou várias vezes. Só posteriormente é que realmente
houve uma inversão, e a partir daí é que a Irlanda veio a fazer uma alteração
da constituição no sentido de permitir o divórcio. O que estou a querer dizer
é o seguinte. vamos supor que uma determinada ordem jurídica a maioria
das pessoas, se não a totalidade, admite que não deve haver o divórcio. Faz
parte das suas convicções culturais, religiosas, sociais, etc., no sentido de
que não deve haver divórcio. Eu pergunto. Deveremos ser nós a impor-lhes
essa ideia? Que valor é que isso tem? Vamos analisar sentenças que
realmente produzem efeitos nesta ordem jurídica, mas não produzem
realmente efeitos lá. Só quando existe uma proximidade entre a situação da
vida com a ordem jurídica portuguesa, e essa proximidade é capaz de bulir
com as nossas concepções fundamentais, então aí sim realmente intervimos
em matéria de ordem pública, ou em matéria de aplicação directa da nossa
constituição.

Eu neste ponto se não tenho dúvidas, tenho quase a certeza de que realmente
não se deveria intervir no sentido afastar a norma de conflitos estrangeira no
aspecto formal.

Já quando o direito material da lex causae seja susceptível de contender com


os princípios fundamentais da ordem jurídica do foro e da nossa
constituição, aí já penso que é possível fazermos intervir os nossos
princípios desde que haja a tal relação de proximidade.

Eu gostaria aqui de vos referir este caso, que é o caso Sanienfall. Foi tratado
pelo Bundesverfassungsgericht em 1971. eu faço uma adaptação deste caso
para a ordem jurídica portuguesa para vermos em que medida é possível
haver um juízo de constitucionalidade relativamente a este caso.

Algumas ideia muito breves das relações entre o DIP e a constituição em


termos da sua evolução histórica.

O prof. Moura Ramos situa a primeira manifestação das relações entre o DIP
e a constituição, num autor Joseph Jitta. Para ele, este autor é o percursor do
chamado impressionismo jurídico.
188

Ligado ao impressionismo jurídico está relacionado o realismo jurídico norte


– americano, ou escola realista americana, ou impressionismo jurídico, que é
uma corrente filosófica de base cultural, que preconiza a ideia de que a lei
não é direito. Direito é aquele que é feito pelo juiz. Por isso é que se fala em
impressionismo, na medida em que há uma ralação de proximidade muito
forte, entre a justiça que é dada no caso concreto, e o caso em si. Ou seja, é o
juiz que estando próximo do caso concreto, por isso se fala de
impressionismo, o caso está tão próximo do juiz que o impressiona, é ele que
efectivamente vai dar uma decisão mais conforme à justiça.

Vários autores estão por detrás desta ideia do impressionismo jurídico.


Pounds, Cavers, Le Flar, Von Mehen, são autores que estão por detrás de
toda a construção chamada realismo jurídico.

No que respeita ao direito de conflitos eles condenam a tal ideia cega de


determinação da lei aplicável em direito internacional privado. Diz Cavers,
que tudo se passa como se o juiz metesse uma moeda numa máquina e
obtivesse daí uma lei, e a partir daí o juiz aplica essa lei independentemente
de saber se essa lei era a lei melhor posicionada para resolver a questão.

De um modo geral todos eles apontam para a ideia de que deve ver-se qual o
resultado concreto que se vai obter por aplicação daquelas leis,
independentemente do tal aspecto formal.

O prof. Moura Ramos analisa aprofundadamente as ideias desses autores.


Chega à conclusão que, em 1971 o supremo tribunal de justiça alemão,
adoptou uma solução que estava próxima das teorias realistas norte –
americanas. Há um outro autor europeu que analisando as teorias realistas
americanas, chegou à conclusão de que os juristas europeus deviam evitar
enveredar por estas teorias. Ele diz taxativamente que só se devia aprender
com esses autores aquilo que se não devia fazer. De qualquer modo essas
teorias acabaram por ganhar influência, não só ao nível legislativo, por
exemplo, aquelas referências que vimos atrás, de aplicação da lei com a qual
a vida familiar se acha mais estreitamente conexa, no fundo é uma
manifestação do realismo jurídico norte – americano. A solução que está
prevista no art.º 45/3 do CC, no que respeita à lei aplicável ao delito, à
responsabilidade extra – contratual, também é uma manifestação da teoria
realista jurídica norte – americana.
LIÇÃO N.º 20 8/01/2003
189

Caso Spanienfall

Em face de uma situação de direito privado internacional qual é o ponto de


partida? A primeira questão é saber se há uma situação de direito privado
internacional. Em regra quando nós damos uma hipótese de DIP é porque há
aí uma situação de direito privado internacional. Depois qual é o passo
seguinte? saber qual é o problema que está em causa. Se é uma situação de
casamento, de adopção, de filiação, de família, de apátrida, extra –
contratual, direitos de personalidade, etc.. Portanto, para nós determinarmos
qual é a situação que está em causa temos de ter em consideração o conceito
– quadro. O conceito – quadro da regra de conflitos. A ideia é tentar
encontrar uma subsunção, uma possível subsunção entre essa situação e um
conceito – quadro da regra de conflitos.

Podemos então agora dar o pontapé de saída neste caso. Qual é a situação da
vida privada que nós temos aqui? É o casamento! É o casamento que a nossa
ordem jurídica cataloga como capacidade para contrair casamento. Art.º 49
do CC.

Artigo 49º - (Capacidade para contrair casamento ou celebrar


Convenções antenupciais) ”A capacidade para contrair casamento
ou celebrar a convenção antenupcial é regulada, em relação a cada
nubente, pela respectiva lei pessoal, a qual compete ainda definir o
regime da falta e dos vícios da vontade dos contraentes”.

O art.º 49 do CC diz que a capacidade para contrair casamento é regulada


pela lei pessoal.

Nota: Uma vez encontrada a regra de conflitos, não podem abandonar a


regra de conflitos enquanto não localizarem o direito material aplicável. A
norma de conflitos vai encaminhar até se encontrar a norma material
aplicável. Muitas vezes os alunos a meio caminho abandonam a análise da
aplicação da regra de conflitos. Isto é um erro que se não deve cometer. Há
algumas situações em que a aplicação da regra de conflitos obriga a uma
suspensão para nós verificarmos a aplicação de certos de pressupostos, e
depois regressamos à regra de conflitos. A regra básica, temos de pegar na
regra de conflitos e ir até ao fim, até encontrarmos o direito material
aplicável. Porque muitas vezes na própria hipótese nós somos muitas vezes
tentados a desviarmo-nos por causa de outras situações que vão aparecendo
190

no caminho. Também não se devem esquecer da Depeçage, que é uma regra


fundamental para resolução dos casos da vida.

Num caso como este no art.º 49 do CC diz que na capacidade para contrair
casamento aplica-se a lei pessoal de cada nubente. Neste caso não tem de se
recorrer ao art.º 25 do CC porque temos uma norma específica. O art.º 25 do
CC é uma norma geral. Só quando não temos uma norma específica é que
recorremos ao art.º 25. é uma referência desnecessária. Portanto conjuga-se
o art.º 49 do CC com o art.º 31/1 do CC.

Artigo 31º - (Determinação da lei pessoal) ”1 - A lei pessoal é a da


nacionalidade do indivíduo. 2 - São, porém, reconhecidos em
Portugal os negócios jurídicos celebrados no país da residência
habitual do declarante, em conformidade com a lei desse país, desde
que esta se considere competente”

A lei pessoal é a da nacionalidade do indivíduo. O elemento de conexão é a


nacionalidade. portanto aplica-se a lei espanhola para o José.

Aqui qual é a pergunta sacramental que temos de fazer? É se a lei


espanhola aceita ou não aceita a competência. A regra, por força do
princípio da igualdade das ordens jurídicas, por força do princípio da
paridade de tratamento das ordens jurídicas, é nunca aplicarmos uma lei que
não quer ser aplicada. Temos de perguntar à lei espanhola se ela aceita ou
não aceita a competência.

Como é que ficamos a saber isso? Consultamos o direito de conflitos


espanhol.

Vamos agora considerar que o direito de conflitos espanhol também manda


regular a capacidade para contrair casamento pela lei da nacionalidade.
significa que a lei espanhola se declarou competente. Seguimos este
procedimento até encontrar a lei material aplicável.

Determinámos a capacidade para contrair casamento do José. Agora vamos


determinar a capacidade para contrair casamento de Hilda.

Art.º 49 do CC manda aplicar a lei pessoal, art.º 31/1 manda aplicar a lei da
nacionalidade. Esta lei nacional é,
 A lei espanhola;
191

 E a lei portuguesa.

Temos agora um problema de dupla nacionalidade da Hilda. Temos de


recorrer ao art.º 27 da lei da nacionalidade para resolver este problema. neste
caso quando alguém tem duas nacionalidades, em que uma delas é
portuguesa, releva esta última. A lei aplicável é a lei portuguesa.

E agora consequências? A lei portuguesa regula a capacidade de Hilda


para contrair casamento, e a lei espanhola regula a capacidade de José para
contrair casamento.

O que temos de fazer num caso destes é perguntar: a lei espanhola reconhece
a José capacidade para contrair casamento? O que é que diz a norma
espanhola? “não pode contrair casamento quem esteja vinculado por
casamento anterior não dissolvido”. Há um impedimento ligaminis, e que a
lei espanhola interpreta no sentido de, ou estar casado com outra pessoa, no
nosso caso não está casado porque o José é solteiro, ou, casar com outra
pessoa casada. Mas para o direito espanhol, é tido como casado, não só
aquele que está efectivamente casado, mas também aquele que se divorciou
sendo certo que Espanha não reconhece o divórcio.

Isto aconteceu até 1982. esta hipótese é uma hipótese que hoje, já é
académica. Mas hoje não é académica tanto assim que se verificou na
Alemanha.

A situação do impedimento casamento por matrimónio anterior não


dissolvido, é um impedimento bilateral. Agora, cada ordem jurídica
interpreta este impedimento à sua maneira. Para a ordem jurídica
portuguesa, este impedimento na verdade impede a própria pessoa casada de
casar, mas impede uma pessoa solteira de casar com uma pessoa já casada.
Pela ordem jurídica portuguesa isto tem igualmente valor. Mas para ordens
jurídicas como a espanhola, até 1982, eram não só estas duas situações,
como também a situação da pessoa tendo estado casada, se divorciou, visto
que Espanha não reconhece o divórcio.

Por conseguinte, do ponto de vista da ordem jurídica espanhola, José não


tem capacidade para contrair casamento com Hilda. José solteiro, não tem
capacidade para contrair casamento com Hilda.
192

A resposta é: Negativa. Por isso é que eu disse que se não pode abandonar a
análise do caso, tem de se levar até ao fim. Neste caso o que é que nós
fizemos? Aplicamos a norma material espanhola, e chegámos a uma
conclusão negativa. O efeito preconizado pela ordem jurídica espanhola, é
um efeito negativo. portanto, a pessoa, José, não pode contrair casamento.

Depois nós vamos ver como é que isso pode ser resolvido pelo direito de
conflitos. Mas tem de se chegar a esta conclusão. Nós não podemos
pretender resolver o problema antes de o equacionar. Temos de aplicar a
norma material até ao fim, chegar à conclusão negativa preconizada pelo
direito espanhol, e então só depois disso nós podemos ver se realmente o
direito internacional privado, tem mecanismos para obviar a esta situação.

Para a Hilda nós procederíamos da mesma maneira. Art.º 49 do CC, manda


aplicar a lei pessoal, art.º 31/1 do CC dia que a lei pessoal é a lei da
nacionalidade. a lei da nacionalidade é a lei portuguesa. Ela tem duas
nacionalidades, uma espanhola, outra portuguesa. Releva em Portugal, a
nacionalidade portuguesa. Eu pus a nacionalidade espanhola aqui na Hilda
de propósito, porque podia suscitar algum conflito. Porque sendo Hilda
também espanhola, e pretendendo Hilda casar com um Espanhol, foi apenas
um acréscimo para colocar alguma dificuldade na hipótese. Mas não se
deixem impressionar com o facto de Hilda ser também espanhola. O que
importa é que aqui em Portugal o que releva é a nacionalidade portuguesa.

Há aquela teoria do Dr. Marques dos Santos, mas essa teoria não tem apoio
legal, e o Prof. Lima Pinheiro não aceita o ponto de vista do Prof. Marques
dos Santos.

Aplicando a lei portuguesa, que conclusão é que nós podemos retirar daí? A
Hilda tem capacidade para contrair casamento. Portanto, a resposta é
positiva. Porquê? Porque o facto de ela estar divorciada não significa que
isso constitua um impedimento ao casamento.

E agora? Como é que nós vamos resolver esta questão?

Aluna: a questão tem a ver com as relações da constituição e o direito


internacional privado. A nossa constituição admite o divórcio. E face à nossa
ordem jurídica não é concebível que não se admita o divórcio. E no fim
podemos concluir com a ordem pública nacional, não aceitamos que se não
admita o divórcio, e aplicamos a lei portuguesa.
193

Isto é uma hipótese. É uma solução. É uma solução possível neste caso. É
considerar que esta norma do direito espanhol que proíbe casar com uma
pessoa já divorciada, viola o princípio da liberdade de casar. O princípio da
liberdade de casar contém não só o princípio da liberdade de se divorciar,
mas também o princípio da liberdade de voltar a casar. Então, neste caso se
nós considerarmos que essa norma espanhola viola o princípio constitucional
da liberdade de contrair casamento, então ela ofende a ordem pública
internacional do Estado Português, se nós considerarmos que o princípio da
liberdade de casar como se parece dever considerar, é um princípio
fundamental da ordem jurídica portuguesa.

Esta é uma solução possível para este problema. esta faz sentido.

O Prof. Ferrer Correia é assim que ele resolveria a questão. Desenvolveria


toda esta processo até ao fim, até determinar ao direito material aplicável do
direito espanhol, e depois fazer intervir o princípio da liberdade de contrair
casamento com reserva de ordem pública, e neste caso, viabilizaria o
casamento entre José e Hilda.

Em relação à emissão do certificado de capacidade para efeitos de


casamentos, quem os emite são os consulados, agora se efectivamente neste
caso nós afastamos a norma espanhola, naturalmente que como
consequência fica afastada a possibilidade de ele ir obter este mesmo
certificado ao consulado espanhol. Significa que nós podemos aplicar a
norma portuguesa directamente que lhe reconhece liberdade de contrair
casamento. Foi esta aliás, a solução dada pelo tribunal alemão.

A outra solução preconizada pela doutrina, nomeadamente pelo Prof. Moura


Ramos, é a constituição constituir um limite autónomo à aplicação do direito
material estrangeiro. Neste caso o direito material estrangeiro ao violar o
princípio da liberdade de contrair casamento, esse direito seria afastado
directamente pela norma constitucional independentemente de nós
passarmos pela regra de conflitos.

Neste caso serviria como limite autónomo. No caso da primeira hipótese de


solução nós fizemos uma passagem pela regra de conflitos. A passagem pela
regra de conflitos levou a aplicar a norma material espanhola, e fizemos
intervir, como consequência, a reserva de ordem pública, afastando a norma
194

espanhola, e substituindo essa nora material espanhola por uma norma


material constitucional portuguesa que reconhece a liberdade de contrair
casamento. Mas o Prof. Moura Ramos diz que nós podemos encurtar este
caminho, visto que para nós o princípio da liberdade de contrair casamento é
fundamental para a ordem jurídica portuguesa, então nós podemos
considerar que todas aquelas normas estrangeiras que violam esse princípio
poderão ser limitadas autonomamente, e aliás é neste sentido que o Prof.
Lima Pinheiro vem tratar da constituição como limite à aplicação do direito
estrangeiro, vem limitar autonomamente a aplicação dessa norma.

É um mecanismo diferente do mecanismo de ordem pública. Enquanto que,


no mecanismo de ordem pública leva à aplicação da norma material, e
depois de determinada a norma material nós vamos ver se ela viola ou não
princípios fundamentais de ordem pública internacional do Estado
português, e então nesse caso substituímos por outras normas, dir-se-á que o
resultado prático acaba por ser o mesmo, mas não o resultado metodológico,
porque este resultado metodológico é a constituição ser aplicada
directamente. Nós podemos até prescindir da referência à norma material
estrangeira. Tudo se passa como aquilo que tenho referido várias vezes, na
questão do direito à vida.

Vamos supor que uma determinada ordem jurídica estrangeira não


reconhece o direito à vida. O mecanismo seria art.º 27 do CC, manda aplicar
a lei pessoal, conjugado com o art.º 21 que determina que a lei pessoal é a lei
da nacionalidade, a lei nacional não reconhece o direito à vida. Logo
fazemos intervir a reserva de ordem Pública porque para nós o direito à vida
é fundamental, e neste caso íamos aplicar uma norma que reconhecia o
direito à vida.

O Prof. Moura Ramos diz, e eu penso que com toda a razão, que podemos
fazer aqui uma economia de raciocínio. Há princípios fundamentais
constitucionais que são directamente aplicáveis às situações privadas
internacionais, independentemente da passagem por uma regra de conflitos.
E dentro desses princípios está a liberdade de contrair casamento.

O tribunal alemão resolveu o caso nesta base. Considerou que a norma


alemã que reconhece a liberdade de casar constituía um limite autónomo à
aplicação do direito de conflitos e à aplicação do direito material estrangeiro.
195

E neste caso eles reconheceram o divórcio e o José e a Hilda puderam


contrair casamento.

Como podem ver este caso está publicado na “Révue Critique de Droit
International Privé”, está amplamente comentado no livro do Prof. Moura
Ramos.

Alunos. E em efeitos práticos esse casamento em Espanha teve alguns


efeitos?

O problema que se põe é que em regra geral esses casamentos são


casamentos coxos. O casamento é válido na Alemanha, mas não é válido em
Espanha. Num caso como este nós temos que ter consideração que de duas
uma:
 Ou celebramos casamentos para eles serem válidos em Espanha, e
não serem válidos na nossa ordem jurídica;
 Ou então, fazemos o inverso.

Eu penso que o ponto de partida é a nossa própria ordem jurídica.

Esta sentença é muito criticada porque os doutrinadores dizem que os


espanhóis pensavam que podiam legislar para o mundo inteiro. Não é o José
que está sujeito ao impedimento. É a Hilda, que nem sequer é espanhola.
Aqui é espanhola porque eu alterei a hipótese. No caso concreto ela não é
espanhola. Ela é simplesmente alemã.

O que está no fundo por detrás dos divórcios é quase sempre o Concilio de
Trento. Instituiu o sacramento do casamento, acabou por perseguir não só os
casamentos, os chamados casamentos clandestinos, e em Portugal por
exemplo, na idade média vigoravam uma multiplicidade de casamentos,
havia os casamentos de juras, os chamados casamentos clandestinos, entre
outros. Essas situações eram válidas, e havia os concubinatos, portanto as
barracadinhas como chamava D. Dinis e eles produziam os efeitos próprios
do casamento. A superveniência do Concílio de Trento, levou não só à
perseguição das pessoas que celebravam esta modalidade de casamentos,
mas também, à proibição do divórcio. Sendo o casamento um sacramento,
não destrua o homem aquilo que Deus uniu. Foi essa regra enunciada por
São Paulo, que levou à proibição do divórcio.
196

Neste momento eu penso que as poucas ordens jurídicas que mantém a


proibição do divórcio, acho que é San Marino, e Malta. A Irlanda após uma
série de referendos, aboliu a proibição do divórcio.

Uma solução de direito internacional privado passa pelo reconhecimento da


posição jurídica de outras ordens jurídicas.

Vamos agora entrar nos casos práticos em torno dos ordenamentos jurídicos
plurilegislativos.

Artigo 20º - (Ordenamentos jurídicos plurilegislativos) ”1 -


Quando, em razão da nacionalidade de certa pessoa, for competente a
lei de um Estado em que coexistam diferentes sistemas legislativos
locais, e o direito interno desse Estado que fixa em cada caso o
sistema aplicável. 2 - Na falta de normas de direito interlocal,
recorre-se ao direito internacional privado do mesmo Estado; e, se
este não bastar, considera-se como lei pessoal do interessado a lei da
sua residência habitual. 3 - Se a legislação competente constituir uma
ordem jurídica territorialmente unitária, mas nela vigorarem diversos
sistemas de normas para diferentes categorias de pessoas, observar-
se-á sempre o estabelecido nessa legislação quanto ao conflito de
sistemas”.

Como é que nós identificamos que estamos em presença de um


ordenamentos jurídico plurilegislativo?

Qual é o critério metodológico para nós identificarmos que estamos em


presença de um ordenamento jurídico plurilegislativo?

Nós podíamos pegar pela letra do n.º 1 deste art.º 20 do CC e dizer que
estamos em face de um ordenamento jurídico plurilegislativo em todas as
situações onde coexistam diferentes sistemas legislativos locais. Esta era
uma resposta possível e válida à face do art.º 20 do CC.

Mas eu entendo que o art.º 20 do CC não responde completamente a esta


questão, porque se este artigo é válido para, por exemplo, o caso dos Estados
Unidos da América, é válido para o caso da Suíça, que é válido para o caso
da Juguslávia, já o art.º 20 suscita problemas no caso português. Como
sabem, em Portugal nós consideramos, embora o Prof. Marques dos Santos
197

entenda que não, mas o Prof. Lima Pinheiro entende que sim, e eu também,
que Portugal é um ordenamento jurídico plurilegislativo.

Nós podemos perguntar: Portugal tem um sistema legislativo Local? Não


tem. Tem leis locais. Mas não tem um sistema legislativo local. Nos Estados
Unidos da América nós temos de facto em cada Estado um sistema
legislativo local. No Reino Unido também acontece a mesma coisa. Mas no
caso Português eu tenho dúvidas que tenhamos um sistema legislativo local.
O que eu penso é que nós temos leis locais aplicáveis a uma determinada
localidade, neste caso Açores e Madeira.

O que eu estou a pretender é por em causa a ideia de sistema como elemento


determinante para nós identificarmos o ordenamento jurídico
plurilegislativo. Eu penso que a ideia de sistema não é, a não ser que o
legislador tenha utilizado aqui sistema em sentido impróprio,
suficientemente esclarecedora, não é um elemento que nos permita
identificar em cada caso se estamos em face de um ordenamento jurídico
plurilegislativo.

Eu entendo que o critério tem de ser outro. Eu apontaria para um critério


formal muito simples de enunciar. Estamos em face de um ordenamento
jurídico plurilegislativo sempre que no quadro de uma mesma ordem
jurídica, nos suscitam problemas de escolha de lei em razão das pessoas,
ou em razão do território. Sempre que se nos suscita um problema de
escolha de lei, no interior da mesma ordem jurídica, por exemplo, no interior
da ordem jurídica portuguesa, se no interior da ordem jurídica portuguesa se
nos suscita um problema de escolha de lei em razão do território, ou em
razão das pessoas, estamos em face de um ordenamento jurídico
plurilegislativo.

LIÇÃO N.º 21 9/01/2003

O critério legal para determinar se estamos perante um sistema jurídico


plurilegislativo é o de haver diversos sistemas legislativos locais. Quando
estamos face a uma ordem jurídica que contém dentro de si diferentes
sistemas legislativos locais, estamos, em princípio, em face de um
ordenamento jurídico plurilegislativo.

Todavia nós vimos que este critério pode não ser suficiente. O critério
sistemático pode ser insuficiente. E penso que visto que se trata de um
198

problema essencialmente conflitual, eu penso que o critério que nós


devemos utilizar é um critério formal. Entendo que estamos face a um
ordenamento jurídico plurilegislativo sempre que dentro de uma
determinada ordem jurídica se coloca um problema de escolha de lei em
atenção ao território ou em atenção às pessoas. Sempre que nós temos um
problema de escolha de lei dentro da mesma ordem jurídica estamos em face
de ordem jurídica plurilegislativa.

Vamos testar este critério. Vamos ver o caso português do antigamente em


que nós tínhamos judeus por um lado, mouros por outro, cristão por outro,
etc., e também tínhamos costumes, vários, antes das ordenações Portugal
Continental estava dividido em vários costumes, o costume de Lisboa, Vila
Franca de Xira, etc., posteriormente é que todos esses costumes foram
reunidos, foram sendo reunidos pelas sucessivas ordenações, até
encontrarmos um direito praticamente unitário. Em rigor, Portugal nunca
deixou de ser um ordenamento jurídico plurilegislativo. Sempre foi e nunca
deixou de o ser.

Era antes das ordenações, as ordenações procederam à unificação, mas


depois da unificação feita pelas ordenações ainda se mantiveram regimes
especiais aplicáveis aos judeus, aos mouros, e até aos ingleses, aos franceses,
etc. que se regiam em território português pelas suas próprias leis.

Se nós aplicarmos o critério por exemplo numa relação de um casamento


entre um mouro e um cristão, ou entre um judeu e um cristão, nós sabemos
que lei é que aplicável, portanto temos um problema de um conflito por
resolver. Eu penso que neste caso um critério formal é o critério válido para
nós determinarmos se estamos ou não em face de um ordenamento jurídico
plurilegislativo.

Este critério permite localizar qualquer norma particular que possa ser
escolhida através de um critério formal no quadro de uma ordem jurídica
unitária.

Esta é a primeira regra. A segunda questão que se coloca aqui no art.º 20 do


CC é qual é o princípio que nós devemos seguir para regular a remissão
para os ordenamentos jurídicos plurilegislativos.

Temos de fazer a referência que se coloca um problema de escolha da lei


aplicável dentro da mesma ordem jurídica, porque senão nós não estamos
199

em face de um ordenamento jurídico plurilegislativo. A escolha do direito


aplicável é um problema geral de direito internacional privado. Agora se,
quando estamos a resolver um caso de direito internacional privado, dentro
da mesma ordem jurídica temos um problema de escolha do direito
aplicável, então estamos em face de um ordenamento jurídico
plurilegislativo.

Mas este problema já estava ultrapassado. A questão agora está em saber


como é que nós resolvemos este problema. que critérios é que o art.º 20 do
CC nos dá para resolver este problema.

Artigo 20º - (Ordenamentos jurídicos plurilegislativos) ”1 -


Quando, em razão da nacionalidade de certa pessoa, for competente
a lei de um Estado em que coexistam diferentes sistemas legislativos
locais, e o direito interno desse Estado que fixa em cada caso o
sistema aplicável. 2 - Na falta de normas de direito interlocal,
recorre-se ao direito internacional privado do mesmo Estado; e, se
este não bastar, considera-se como lei pessoal do interessado a lei da
sua residência habitual. 3 - Se a legislação competente constituir uma
ordem jurídica territorialmente unitária, mas nela vigorarem diversos
sistemas de normas para diferentes categorias de pessoas, observar-
se-á sempre o estabelecido nessa legislação quanto ao conflito de
sistemas”

 1.º critério: Recurso ao direito interlocal

o primeiro critério adoptado pelo art.º 20 do CC para resolver o problema, é


o recurso ao direito inter – local. Nós temos uma remissão para um
ordenamento jurídico plurilegislativo. Po art.º 20 propõe vários critérios para
resolver este problema. o primeiro critério é recorrer ao direito inter – local.

O que é o direito interlocal? É o direito interno desses Estados que compõe


o estado plurilegislativo. É um direito formal. São as regras de conflitos inter
– locais. Qual é a configuração morfológica dessas normas? Qual é a
estrutura dessas normas? É uma estrutura semelhante às nossas normas de
conflitos. As normas de direito inter – local tem uma estrutura semelhante à
das normas de conflitos. Se quiséssemos enunciar uma dessas normas,
enunciaríamos por exemplo, poderia ser como a norma do art.º 46 do CC.
200

Portanto, neste caso diríamos que os direitos reais são reguladas pela lei do
lugar da situação das coisas.

Só que esta norma, vigora, e vamos supor um ordenamento jurídico


plurilegislativo que tem os sub – ordenamentos jurídicos A, B, C e D. A
norma de direito inter – local é uma norma que partindo do centro destes sub
– ordenamentos vai dizer, que os direitos reais são regulados pela lei do
lugar da situação da coisa. De tal modo, que se estiver situado no país A, no
sub – ordenamento A aplica-se o sub – ordenamento A. Se estiver situado no
sub – ordenamento B aplica-se o sub – ordenamento B.

A diferença entre esta norma e a norma do art.º 46 do CC, qual é?

Por um critério de remissão, o art.º 46 remete para um Estado soberano, e


esta norma de conflitos inter – local remete para sistemas locais.

Pelo critério do objecto, podíamos também resolver o problema em termos


do objecto. Enquanto que esta norma (art.º 46 do CC) visa resolver conflitos
internacionais, esta norma (X) visa resolver conflitos internos.

Há pormenores na questão dos ordenamentos jurídicos plurilegislativos que


nós temos de dominar.

Portanto, primeiro recorremos a um direito inter – local, que é um direito de


natureza formal, um direito de conexão, direito de remissão indirecta,
portanto tem as mesmas características morfológicas e estruturais que as
demais normas de conflitos. Elas distinguem-se das normas de conflitos pelo
seu objecto, porque enquanto umas visam resolver conflitos internacionais,
as outras visam resolver conflitos internos.

Recapitulando: vamos supor que queremos determinar reguladora da


sucessão de um cidadão do Reino Unido nascido em Inglaterra. Quid Iuris?

Primeiro temos de identificar qual é a situação que nós temos. É uma


situação de sucessão por morte. Depois temos de identificar a regra de
conflitos à qual esta situação se subsume, que é o art.º 62 do CC.

Recorremos ao art.º 62 do CC.


201

Artigo 62º - (Lei competente) ”1 - A sucessão por morte é regulada


pela lei pessoal do autor da sucessão ao tempo do falecimento deste,
competindo-lhe também definir os poderes do administrador da
herança e do executor testamentário”.

Estipula que a sucessão por morte é regulada pela lei pessoal do autor da
sucessão. Conjugado com o art.º 31/1 do CC.

Artigo 31º - (Determinação da lei pessoal) ”1 - A lei pessoal é a da


nacionalidade do indivíduo”.

A lei pessoal é a da nacionalidade do indivíduo. A lei da nacionalidade é a


do Reino Unido. Já sabemos que o DIP trabalha com Estados soberanos. E
agora ia - se procurar a norma de conflitos inter – local do Reino Unido para
saber como se resolvia o problema.

Portanto, o primeiro mecanismo indicado pelo legislador é resolver através


do direito inter – local. O direito inter – local é direito interno daquela
ordem jurídica chamada pela regra de conflitos, é um direito formal,
não é um direito material, é um direito conflitual, a suas normas têm a
mesma estrutura da regra de conflitos e distinguem-se das outras
normas do direito internacional privado pelo seu objecto, visto que elas
visam resolver um conflito interno, e não um conflito internacional.

 2.º critério: recurso ao Direito Internacional Privado do mesmo


Estado

Já por causa disso o legislador diz que na falta de direito inter – local, se
pode recorrer ao Direito Internacional Privado do mesmo Estado. Porque é
que será que o legislador opta por esta situação?

O legislador está a dizer que se o Estado em causa não tem direito inter –
local, mas se tiver direito internacional privado, esse direito internacional
privado pode ser aplicado nas situações internas para resolver os conflitos. É
evidente que pode não ser suficiente. Mas o que é certo é que uma das vias
que o legislador escolhe.

Conhecem algum caso em que isto seja possível? Conhece algum caso em
que é possível recorrer ao direito internacional privado para resolver
conflitos internos? Portugal. O caso português. Portugal tem um direito inter
202

– local? Não tem. Portugal teve algumas normas inter – pessoais. Naqueles
casos que já referi. Nas relações entre mouros e cristãos, entre os judeus e os
cristãos, eu citei um caso em que, por exemplo, se colocou a questão de
saber o seguinte: segundo o direito judeu os pais podiam deserdar o filho.
mas como sabem os filhos judeus, alguns deles tornaram-se cristãos novos.
Ficaram submetidos ao direito cristão, ao direito civil português. Então
segundo o direito cristão o pai não pode deserdar o filho. e a questão que se
colocava era a de saber se um pai judeu pode ou não deserdar um filho
cristão? Isto é um problema de conflito interno. Há uma norma que diz que
pode deserdar e há outra norma que diz que não pode deserdar. Temos um
conflito no interior do estado português que realmente requer o recurso a
uma norma de direito inter – local. As ordenações resolveram este problema
afirmando que não podia ser deserdado um filho cristão. Qual foi o critério
usado? Uma norma material ou uma norma formal? Neste caso recorreu a
uma norma material. Quando as ordenações dizem que ele não pode ser
deserdado, estão a criar uma norma material específica para resolver um
problema conflitual. Se remetesse para uma das leis existentes é que seria
formal.

Havia uma outra situação. Era precisamente a questão do pai poder suceder
ao filho. o filho morre cristão e a questão estava em saber se o pai judeu
pode suceder ao filho cristão, sendo certo que segundo o direito judeu os
pais sucediam aos filhos, mas segundo o direito cristão, os pais já não
podiam suceder aos filhos. E então colocava-se a questão de saber qual era a
solução. Esta questão também foi resolvida segundo a aplicação de um
direito material.

 3.º critério: recurso ao mecanismo da Residência Habitual

E na falta de direito internacional privado? Na falta de direito internacional


privado recorre-se ao mecanismo da Residência Habitual.

Para resolver os problemas de remissão para o direito inter – local, o


legislador utiliza um de três mecanismos:
 recurso ao direito inter – local, se houver;

 recurso ao direito internacional privado

 e recurso ao mecanismo da Residência Habitual

mas tenham em atenção que esse direito internacional privado, é um direito


internacional privado unificado. Exemplo de um país que tenha um direito
203

internacional privado: Jugoslávia. A Jugoslávia tem um direito internacional


privado unificado, mas também tem um direito inter – local. Não só tem um
conjunto de normas de conflitos que visam resolver o problema no interior
da Jugoslávia, mas também tem um direito internacional privado válido para
toda a Jugoslávia com o qual resolve os problemas. Há outros países. Por
exemplo, o caso português. Tem um direito internacional privado. Se nós
pensarmos que Portugal é um ordenamento jurídico plurilegislativo esse DIP
é válido para as relações entre Portugal e os demais países, sejam as relações
estabelecidas no continente, ou nas regiões autónomas.

O passo seguinte é a aplicação da lei da residência habitual. mas, nós


podíamos simplificar aqui o problema, para evitar terem presente a confusão
que existe na doutrina relativamente à interpretação desta disposição,
podíamos dizer que se recorria à conexão mais estreita. Podíamos considerar
que na falta de direito inter – local, na falta de direito internacional
privado unificado, se recorre à teoria da conexão mais estreita.
Podíamos pura e simplesmente resolver o problema assim.

Eu penso que esta referência permite ultrapassar muitos problemas, porque


nos evita entrar naquela confusão doutrinária que existe em torno da
interpretação do art.º 20/2 do CC. Mas temos que abordar esta divergência
doutrinária.

O problema de interpretação do art.º 20/2 do CC é um problema central dos


ordenamentos jurídicos plurilegislativos. É um problema que se tem
forçosamente que ter presente quer na solução dos casos práticos. Todo e
qualquer caso sobre ordenamentos jurídicos plurilegislativos vai
forçosamente parar ao art.º 20/2 do CC.

Basicamente é que há autores que aplicam a residência habitual a todas as


situações, enquanto há outros autores que consideram dever fazer-se uma
interpretação restritiva em que só se aplicará a residência habitual no caso
desta se encontrar dentro dos ordenamentos jurídicos plurilegislativos.

Há duas interpretações para o conceito de residência habitual. a


primeira é de que a residência habitual pode ser dentro ou fora do
ordenamento jurídico plurilegislativo. A segunda interpretação é que
por residência habitual nós devemos entender apenas a residência
dentro do ordenamento jurídico plurilegislativo. No fundo a residência
204

habitual seria um elemento de concretização da ideia de conexão mais


estreita.

A lacuna oculta coloca-se quando o indivíduo tem a residência habitual fora


do ordenamento jurídico plurilegislativo. Resolve-se pela aplicação do art.º
28 da lei da nacionalidade. o art.º 10.º tem de ser chamado necessariamente
à colação para integrar a lacuna. A Prof. Magalhães Colaço integra esta
lacuna com o recurso a um lugar paralelo. Que lugar paralelo é este? É o
art.º 28 da lei da nacionalidade.

Tenham presente o seguinte: segundo a posição do Prof. Lima Pinheiro, e


também a minha posição, é a de que a residência habitual tal como está
prevista e referenciada no art.º 20/2 do CC, não é um elemento de conexão.
Ela é um elemento de concretização, um elemento adjuvante de
concretização do elemento de conexão nacionalidade. nós já sabemos que a
pessoa é nacional do Reino Unido. Do que se trata é de saber qual das leis
dos sub – ordenamentos do estado da nacionalidade e a residência habitual é
um elemento adjuvante no sentido da determinação dessa lei.

No fundo, residência habitual é um elemento que serve para concretizar a


ideia de conexão mais estreita. Não é um elemento de conexão. É um
elemento que serve para concretizar a ideia de conexão mais estreita no
interior do estado plurilegislativo. Está á a posição que temos vindo a seguir.

Há uma outra posição do Prof. Ferrer Correia, que faz uma interpretação do
conceito de residência habitual mas essa posição não tem merecido o apoio
nem da doutrina, nem da jurisprudência, apesar do Prof. Ferrer Correia
continuar a defendê-la no seu manual revisto que recentemente saiu à
estampa.

defende este autor que não podendo concretizar a lei aplicável por força da
lei da nacionalidade, que se deve recorrer à residência habitual.

Neste caso a ideia de certeza e segurança fica posta em causa. Vamos supor
que Portugal era um ordenamento jurídico plurilegislativo em termos de
sistemas legislativos locais perfeitamente individualizados como por
exemplo é o caso dos Estados Unidos da América, ou como o Reino Unido.
Então queríamos saber qual é a lei aplicável ao português. Colocava-se a
dúvida de saber se se aplicava a lei de Portugal Continental, ou a lei dos
Açores ou a lei da Madeira. Então dizíamos, que como o indivíduo está
205

residente em Itália, iríamos aplicar a lei italiana. Isto choca-me


imediatamente. Choca a ideia de se estar a aplicar a lei italiana a um
indivíduo que nós sabemos que é português só porque nós não temos meios
metodológicos para determinar a lei aplicável? Vamos arranjar esses meios.

No fundo é este o raciocínio da Prof. Magalhães Colaço. Se já sabemos que


o indivíduo é nacional do Reino Unido, mas não sabemos que lei inter –
local lhe vamos aplicar, então diríamos, que visto nós não conseguirmos
resolver este problema, uma vez que ele reside em Portugal vamos aplicar a
lei portuguesa e o problema fica resolvido.

Dá ideia que o legislador ou o aplicador da lei se declara impotente para


resolver um problema, e resolve-o através de uma outra via como se aquele
problema fosse insolúvel. Não é insolúvel. Porque repare-se. mesmo no
quadro daquela ordem jurídica nós podíamos pensar que havia uma lacuna.
Como se sabe as lacunas em Direito preenchem-se. se nós temos uma
lacuna, não temos direito para aplicar, vamos determinar a lei que o
legislador quereria se estivesse a legislar dentro do espírito do sistema.

Em rigor essa questão dos ordenamentos jurídicos plurilegislativos colocam


da mesma maneira. Por isso confesso, não aceito de todo a posição do Prof.
Ferrer Correia, nunca aceitei. Esta ideia advém do facto de o ante – projecto
de 1961 ter previsto a ideia de conexão mais estreita, e ter sido rejeitada pela
comissão revisora do código Civil. Só que quem estava nessa comissão era o
Prof. Ferrer Correia, que no fundo acabou por fazer vingar o seu ponto de
vista, e a Prof. ª Magalhães Colaço acabou por também fazer vingar através
de uma interpretação que eu penso que é a interpretação mais correcta,
embora seja algo complicada tal qual está apresentada.

Mas se nós tivermos em consideração que a ideia da Prof. Magalhães Colaço


é, no fundo, ir à procura da conexão mais estreita no quadro do Estado
plurilegislativo essa interpretação fica completamente simplificada. A ideia é
ir à procura de qual a conexão mais estreita que o indivíduo com a situação
privada tem com um dos sub – ordenamentos do estado plurilegislativo. E o
problema fica simplificado. O resto são elementos adjuvantes dessa
concretização,
 residência habitual;
 e os tais chamados indícios externos que nós vimos.
206

Se não tem residência habitual em nenhum dos Estados aí é que se diz que
há uma lacuna no art.º 20 do CC, e então vamos integrar essa lacuna no
quadro do art.º 20 do CC. Podíamos até ir um bocado mais longe. Visto que
nós dizemos que o problema de remissão para o ordenamento jurídico
plurilegislativo, é um problema interno daquele estado, em vez de nós
integrarmos o art.º 20 do CC, porque é que nós não procuramos os
mecanismos de integração por parte daquela ordem jurídica? Eles
naturalmente terão forçosamente meios de resolver o problema.

Por exemplo, Portugal não tem neste momento um direito inter – local. Mas
se surgir um conflito de aplicação de normas entre aquelas que são
particulares dos Açores e da Madeira, com relação ao continente, nós temos
um conflito para resolver. Nós não temos direito inter – local. Mas
naturalmente aplicamos aqui o art.º 20 do CC que leva à aplicação do direito
internacional privado desse estado. Vamos supor que naquela ordem jurídica
havia uma solução semelhante. Eu penso que aí neste caso não se justificaria
nós fazermos uma integração da lacuna do art.º 20 do CC. Justificar-se-ia
primeiro nós integrarmos a lacuna no quadro daquele ordenamento jurídico
plurilegislativo antes de passarmos para o art.º 20 do CC, para podermos
respeitar a ideia de que compete a cada estado plurilegislativo resolver o seu
problema interno.

Podemos na verdade seguir o que a doutrina diz fazendo uma integração da


lacuna do art.º 20 do CC. Mas o que eu estou a pensar é que antes de nós
irmos ao art.º 20 do CC, poderíamos perfeitamente no quadro daquela ordem
jurídica considerar que há uma lacuna para resolver o problema, e que essa
lacuna tem de ser integrada segundo os critérios fixados por aquela ordem
jurídica.

Vai resolver todos os casos de remissão para aquela ordenamento quer sejam
feitas por Portugal, França, Itália, ou qualquer outro país. Assim evitaríamos
soluções diversas de ordem jurídica para ordem jurídica. Porque se nós
formos integrar no quadro do nosso ordenamento e se cada outro país fizer a
mesma coisa, podem não resolver a maneira da mesma maneira. Aliás, a
Itália não resolve o problema da mesma maneira. O equivalente ao art.º 20
do CC da lei Italiana é diferente do nosso.

Eu admitiria mais a solução de integrar a lacuna no quadro daquele


ordenamento. No fundo quando nós dizemos a um conflito interno entre
207

Açores, Madeira e o Continente, resolve-se por aplicação do direito


internacional privado no fundo estamos a integrar uma lacuna. Nós estamos
a dizer que não há direito inter – local, e vamos integrar esta lacuna pela
aplicação do direito internacional privado do mesmo estado, que e o
português.

Vamos integrar a lacuna por aplicação analógica do art.º 28 da lei da


nacionalidade. o art.º 28 da lei da nacionalidade é um lugar paralelo. É um
lugar paralelo porquê? O que é que o art.º 28 resolve? Resolve os conflitos
positivos de duas nacionalidades estrangeiras. Neste caso o que é que tem?
Tem um conflito positivo, ou negativo, entre várias ordens jurídicas que
concorrem para regular a mesma situação. E então o que vai fazer é pegar na
doutrina contida no art.º 28 e transpo-la para uma situação que é paralela. É
neste sentido.

Eu penso que nós podíamos até dispensar a referência expressa ao art.º 28 da


lei da nacionalidade. bastava nós dizermos que o princípio da conexão mais
estreita é o princípio fundamental da direito internacional privado. O Prof.
Lima Pinheiro enuncia-o como um princípio fundamental de direito
internacional privado.

O que nós podemos dizer é que esse princípio da conexão mais estreita
está presente em todas as normas de conflitos portuguesas, incluindo o
art.º 28 da lei da nacionalidade. só que o art.º 28 da lei da nacionalidade é
aquele que apresenta mais afinidade com esta situação. Porque o art.º 28 da
lei da nacionalidade também diz o seguinte: quando uma pessoa tem duas
nacionalidades, para resolver o conflito aplicamos a lei da nacionalidade
onde ele está a residir. Reparem: residência habitual. na falta, ou duplicação
de residências habituais, vamos aplicar a lei do lugar com a qual tenha
conexão mais estreita. No fundo é este princípio.

LIÇÃO N.º 22 14/01/2003

Fim da problematica dos ordenamentos plurilegislativos.

A divergência doutrinária sobre o conceito de residência habitual é o


conceito base nos ordenamentos jurídicos plurilegislativos. Todo e qualquer
caso que nos temos sobre direito internacional privado que envolva
ordenamentos jurídicos plurilegislativos, naturalmente tocará esta
divergência doutrinária.
208

No que diz respeito ao art.º 20/2 do Código Civil existe uma divergência
doutrinária. A questão está em saber como é que essa divergência é
resolvida.

Este artigo na falta de direito interlocal, e na falta de direito internacional


privado unificado, manda aplicar a lei da residência habitual. para Ferrer
Correia residência habitual é relevante quer seja dentro quer seja fora do
ordenamento jurídico plurilegislativo. Para Magalhães Colaço, só é relevante
se for dentro do ordenamento jurídico plurilegislativo. Senão só é relevante
dentro do ordenamento jurídico plurilegislativo há uma lacuna oculta. Para
este tese o que diz o n.º 2 do art.º 20 do Código Civil, quando fala em
residência habitual, isso quer significar que a residência habitual é dentro do
Estado plurilegislativo e só dentro do Estado plurilegislativo.

Quando a pessoa tem a residência habitual fora do Estado plurilegislativo,


isto significa que há uma situação não prevista no art.º 20 do CC. A lacuna
consiste precisamente em o art.º 20 não prever, segundo esta segunda tese, a
situação de a pessoa ter residência habitual fora do Estado plurilegislativo.

Se a pessoa tem residência habitual fora do Estado plurilegislativo há


uma lacuna no art.º 20. essa lacuna é integrada como?

Por recurso ao art.º 28 da lei da nacionalidade, nos termos do art.º 10 do


código civil. E o art.º 10 do CC manda integrar a lacuna por um lugar
paralelo, e neste caso a doutrina admite que possa ser integrado por um lugar
paralelo que é o previsto no art.º 28 da lei da nacionalidade.

Porque é que essa doutrina admite a possibilidade de fazer um recurso


ao art.º 28?

O art.º 28 para resolver os conflitos positivos de nacionalidade primeiro


recorre à residência habitual,

Ex: a pessoa tem duas nacionalidades.


- a nacionalidade do país A,
- e a nacionalidade do país B.
209

Nós não podemos dizer que a pessoa tem a nacionalidade do país A ou tem a
nacionalidade do país B. Temos de dizer que a pessoa tem duas
nacionalidades. É um plurinacional.

Qual é a nacionalidade relevante?

É onde a pessoa tiver a sua residência habitual. se tem residência habitual no


país A, a nacionalidade relevante é A. se tem residência habitual no país B, a
nacionalidade relevante é a do país B. Art.º 28 1ª parte.

Mas a pessoa pode não ter residência habitual em nenhum desses Estados.
Pode ter residência habitual fora destes Estados que compõem o
ordenamento jurídico plurilegislativo. Reparem a analogia que existe entre
esta situação e a situação do art.º 20/2 do CC.
- No art.º 20/2 nós temos uma pessoa que tem uma
nacionalidade e no país de nacionalidade existem sub –
ordenamentos A, B, C, e D, por exemplo, ou então para
simplificar ordenamentos A e B relativamente aos quais nós
não sabemos com o qual tem uma conexão mais estreita.
Então vamos dizer . se tem residência habitual no sub –
ordenamento A, repare-se na analogia da situação.
Nacionalidade A se tiver residência no país A, então releva a
nacionalidade do país A. Se tiver residência habitual num
lugar A releva o lugar A. Se tiver residência habitual no
lugar B releva o lugar B.
- Mas pode não ter nem em A nem em B. Por isso é que a
prof., ª Magalhães Colaço faz referência e estabelece esta
correlação entre o art.º 28 da lei da nacionalidade e o art.º
20/2 do CC. Então, se não tem residência habitual em
nenhum desses sub - ordenamentos, tem residência habitual
fora do país N que é um ordenamento plurilegislativo, e tem
residência habitual por exemplo em X, então neste caso há
aqui uma lacuna. Porquê? Porque o art.º 20/2 do CC, só
prevê as duas situações do parágrafo anterior. Não prevê a
situação agora narrada. O art.º 20 não prevê a situação de a
pessoa ter residência habitual fora do ordenamento
plurilegislativo. Ex: um português que tem residência
habitual em França. Se Portugal é um país plurilegislativo, o
português com residência habitual em França é uma situação
prevista no art.º 20/2 do CC. Naturalmente por analogia.
210

Porque o art.º 20/2 não é pensado para ser aplicado ao caso


do português.

Eu queria chamar a atenção para o facto de que a Prof. Magalhães Colaço


recorre a esta analogia porque na verdade elas quase que se sobrepõem.
Quase que se sobrepõem em termos de tratamento legislativo.

Neste caso como é que se resolve ao problema?

Recorrendo à conexão mais estreita. Então se temos uma lacuna como é que
vamos resolver o problema? recorrendo à conexão mais estreita.

O prof. Ferrer Correia diz o seguinte. Por residência habitual nós


entendemos dentro ou fora do ordenamento jurídico plurilegislativo. Para ele
não há lacuna. Portanto, se a pessoa reside em Inglaterra, aplica-se a lei
inglesa. Também se a pessoa reside em França, aplica-se a lei francesa.

Crítica: Já se determinou que a nacionalidade do indivíduo é a


nacionalidade do Reino Unido. Mas depois, porque não se consegue
concretizar a lei aplicável, abandona-se de toda e qualquer lei do Reino
Unido, e passa-se a aplicar a lei francesa. Chamamos o Reino Unido
enquanto lei da nacionalidade, mas, porque nós não desenvolvemos todos os
esforços necessários para concretizar a lei aplicável, abandonamos a lei da
nacionalidade e passamos a aplicar a lei da residência habitual.

Vamos supor que a residência habitual é num ordenamento jurídico


plurilegislativo. Como é que o Prof. Ferrer Correia resolve este problema?
pode acontecer. A lei de residência habitual aplicada no fundo
subsidiariamente, ela for igualmente um ordenamento jurídico
plurilegislativo. Em vez de uma pessoa residir no Reino Unido, reside nos
Estados Unidos da América.

Neste caso como é que se resolve o problema? não é a lei da nacionalidade


que é um ordenamento jurídico plurilegislativo, mas é a própria lei da
residência habitual que é um ordenamento jurídico plurilegislativo. Como é
que nós vamos resolver o problema? Entramos num ciclo vicioso.

Eu penso realmente que a posição do Prof. Ferrer Correia nesta matéria, tem
estado a insistir nesta ideia, penso que um pouco por casmurrice.
211

Resumindo as duas teorias novamente...

No que respeita ao art.º 20/2 nós temos duas teses:

 A tese de Ferrer Correia


 E tese de Magalhães Colaço.

A tese de Ferrer Correia explica-se com muita facilidade. Por residência


habitual, nos termos do art.º 20/2 do CC, entende-se, fazendo uma
interpretação declarativa lata de residência habitual, residência habitual
dentro ou fora do Estado plurilegislativo. Se uma pessoa tem residência
habitual, num caso de remissão para o Reino Unido, em Inglaterra, aplica-se
a lei inglesa, se tem residência habitual na Escócia, aplica-se a lei escocesa,
mas também se tem residência habitual em Itália, aplica-se a lei Italiana.

Quais são os argumentos do Prof. Ferrer Correia?

São os seguintes:
 Segundo ele na comissão revisora do código civil, na parte referente
ao direito de conflitos, havia uma proposta no sentido de se aceitar o
princípio da conexão mais estreita, mas esta proposta foi rejeitada. No
fundo, há um argumento ligado aos trabalhos preparatórios. Uma vez,
que a proposta foi rejeitada, foi rejeitada porquê? Porque entende ele
que a problemática da transmissão para o ordenamento jurídico
plurilegislativo é uma questão atinente ao próprio estado
plurilegislativo. Se, segundo ele, o estado plurilegislativo não resolve
o problema, então há – de a lei do foro a resolver o problema. se a lei
do foro não resolver o problema, como o ordenamento jurídico
plurilegislativo é chamado em razão da nacionalidade, se, a e lei da
nacionalidade não resolve o problema, então vamos aplicar uma
conexão subsidiária que é a da residência habitual. é esta basicamente
a tese do Prof. Ferrer Correia.

A Prof.ª Isabel Magalhães Colaço, diz o seguinte. Por residência habitual


nos termos do art.º 20/2 do CC, nós devemos entender apenas a residência
habitual dentro do Estado Plurilegislativo. A residência habitual fora do
Estado Plurilegislativo não está prevista no art.º 20/2.

Porquê? Qual é a argumentação da Prof.ª Magalhães Colaço?


212

É que na verdade a regra de conflitos tem como elemento de conexão a


nacionalidade. foi a nacionalidade que foi chamada. A regra de conflitos
chamou a lei da nacionalidade, não chamou a lei da residência habitual.
portanto, nós temos de fazer todo o esforço necessário para determinar
dentro do país da nacionalidade a lei aplicável.

Então, segundo ela, para nós determinarmos a lei aplicável dentro do país de
residência habitual,
 Primeiro vamos recorrer ao direito interlocal, tal como está previsto
no art.º 20/2 do CC;
 Se este faltar ao direito internacional privado;
 Se este não for suficiente, à residência habitual dentro do estado
plurilegislativo, ou seja dentro de um dos sub – ordenamentos,
 E então ficaria a faltar-nos a situação em que a residência habitual
fosse fora do Estado plurilegislativo. Estando fora de um dos sub –
ordenamentos existe uma lacuna. Porquê? Porque fizemos uma
interpretação restritiva do conceito de residência habitual, restritiva
porquê? Porque numa interpretação declarativa lata (a do Dr. Ferrer
Correia) é dentro e fora do ordenamento jurídico plurilegislativo. Mas
como restringimos, abolimos o fora, então ficou só a residência
habitual dentro do ordenamento jurídico plurilegislativo. Mas visto
que restringimos, mantendo só o dentro, então significa que as
situações em que a residência habitual são fora do ordenamento
jurídico plurilegislativo, é uma situação não prevista. É uma lacuna
oculta. É uma lacuna oculta que se revelou em virtude pela
interpretação por nós feita. Neste caso aqui, é que nós vamos recorrer
ao art.º 28 da lei da nacionalidade, que tem analogia, cuja doutrina
tem analogia com a prevista na situação do art.º 20/2 do CC.

Nós já sabemos que a tese do curso é a tese da Prof.ª Magalhães Colaço, não
só porque é professora da nossa faculdade, mas porque efectivamente
concordamos com ela, embora seja mais difícil explicar. Eu penso que cada
vez surgem mais argumentos. Um argumento de ordem prática. A
jurisprudência segue a tese da prof. ª Magalhães Colaço, embora a
jurisprudência não se atenha a estes aspectos de ordem doutrinária, mas na
solução, por exemplo, de um caso em que um nacional do Reino Unido
nascido em Inglaterra, morra com domicílio em Portugal, eles não aplicam a
lei portuguesa para regular a sucessão. Aplicam a lei inglesa para regular a
sucessão.
213

O segundo argumento da Prof.ª Magalhães Colaço é de que se nós


abandonarmos a lei da nacionalidade, vamos aplicar a lei de residência
habitual onde quer que essa lei se concretize, estamos a tratar o indivíduo
como apátrida tendo ele uma nacionalidade. o Prof. Ferrer Correia rejeita
este argumento, dizendo que não, porque nacionalidade e residência habitual
são conexões alternativas em matéria do estatuto pessoal. Se não se
concretizou numa, podemos passar para outra. Eu penso que este argumento
é um argumento perigoso, principalmente porque nós estamos a tratar de
matérias do estatuto pessoal. Além disso a relevância da residência habitual
em matéria do estatuto pessoal, é uma relevância que é inferior aquela que é
dada à nacionalidade. só se dá relevância à lei da residência habitual, para
reconhecer as situações constituídas à luz do quadro da residência habitual,
ou então, para as situações das pessoas que não têm uma nacionalidade.

Eu penso que nós podíamos adicionar ainda um outro argumento que foi o
que eu invoquei há pouco. Se a lei de residência habitual for também um
ordenamento jurídico plurilegislativo acabamos por entrar num círculo
vicioso de onde nunca mais vamos sair.

Eu penso que efectivamente temos de seguir a tese da Prof.ª Magalhães


Colaço, até porque é a tese que neste momento é dominante nas legislações
de direito internacional privado. Itália, na sua lei de direito internacional
privado adoptou esta regra, Suíça, adoptou, Alemanha também adoptou.
Penso que as legislações de um modo geral têm vindo a seguir este ponto de
vista.

Tenham em atenção que a remissão para o ordenamento jurídico


plurilegislativo não é apenas em razão do território, pode ser também em
razão das pessoas. quantas vezes se remete por exemplo, para a Índia,
quando a Índia tem leis aplicáveis a cada uma das castas. Naturalmente que
nós temos de ter em consideração este aspecto. Esta solução é aplicável
mutatis mutandis. Aqueles princípios que nós estivemos aqui a ver
relativamente à remissão para o ordenamento jurídico plurilegislativo em
razão do território aplicam-se mutatis mutandis também em razão das
pessoas.

REENVIO
214

A questão do reenvio é uma das questões fundamentais de direito


internacional privado. O problema do reenvio surgiu no século XIX. Foi o
célebre caso Forgo que deu lugar ao aparecimento da teoria sobre o reenvio.
O que é certo é que os próprios franceses que reclamam a paternidade da
teoria do reenvio, acabaram por reconhecer que os alemães já tinham
adoptado soluções em que adoptavam o reenvio.

Algumas indicações práticas para a resolução de casos que se prendam com


o reenvio.

Quando é que há reenvio?

 Há reenvio sempre que a ordem jurídica chamada pela regra de


conflitos não aceita a competência.

Sempre que uma ordem jurídica chamada pela regra de conflitos não se
declara competente, temos uma situação de reenvio ou devolução. São duas
denominações para a mesma realidade.

Como é que nós ficamos a saber que uma ordem jurídica aceita a
competência que lhe é atribuída pela regra de conflitos?

 Consultando a sua própria regra de conflitos.

A ordem jurídica A através da sua regra de conflitos art.º 25 conjugado com


o art.º 31/1 do CC, remete para a ordem jurídica B e esta ordem jurídica
pode adoptar uma de três posições:
 Declarar-se competente;
 Declarar competente a ordem jurídica A;
 Ou declarar competente uma terceira ordem jurídica.

A B C

Se se declara competente, significa que não há reenvio. Se declara


competente a ordem jurídica A, que lhe atribuiu a competência, há reenvio,
se declara competente a ordem jurídica C, que é uma terceira legislação,
também há reenvio.
215

Como é que ficamos a saber se se declarar competente ou não se declara


competente?

Consultando a sua regra de conflitos.

A regra de conflitos de A remeteu para B. Vamos consultar a regra de


conflitos de B para saber se B se declara competente, e para saber para onde
é que B remete. Para saber se B atribui competência a A, ou se B atribui
competência a C.

Também já sabemos da visita guiada, que quando B não se declara


competente, consultando a sua regra de conflitos, e ela remeter através da
sua regra de conflitos para a ordem jurídica A, temos uma situação que se
chama Retorno de Competências. Devolução ou Reenvio na modalidade de
retorno de competência. Quando B não se declara competente, através da sua
regra de conflitos e manda para C, temos uma situação de Transmissão de
Competências.

Tenhamos ainda em consideração que o retorno de competências, e a


transmissão de competências, podem ser directos ou indirectos.

A ordem jurídica A manda para a ordem jurídica B e esta remete para a


ordem jurídica C. Mas a ordem jurídica C devolve para A. Temos retorno
indirecto.

A B B
Retorno Indirecto

Se a ordem jurídica A remete para B, e B manda para C, e C remete para D,


E D por sua vez remete para C, temos transmissão de competência indirecta.

A B C D
Transmissão de Competência indirecta

Se a ordem jurídica A remete para a ordem jurídica B e esta remete para a


ordem jurídica C e C devolve a B, pode ser ou transmissão de competências,
216

ou então simplesmente referência à ordem jurídica B. Porquê? Porque se A


remete para B e B remete para C, mas C devolve para B, de duas uma:
 Ou B aplica B e nesse caso não há retorno
 Mas se C aplica C pode haver transmissão de competências. Só há
transmissão de competências se C aplica C e se B aplicar C.

A B C

Isto posto assim esquematicamente é muito simples, agora temos de ver no


caso concreto como é que as coisas se verificam.

Para reconhecer estes casos temos de conhecer bem três teorias


fundamentais:
 a teoria da referência material; (RM)
 a teoria da devolução simples; (DS)
 e a teoria da dupla devolução. (DD)

 referência material

no caso da referência material eu penso que é simples. Nós já tínhamos feito


uma representação gráfica de uma ordem jurídica. Em cada ordem jurídica
nós podemos separar dois corpos de normas fundamentais:
 as normas materiais;
 e as normas de conflitos.

Quando uma ordem jurídica A remete para a ordem jurídica C directamente


para as suas normas materiais nós dizemos que ela faz referência material à
ordem jurídica B.

O que é que significa isto?

Significa que não aceita o reenvio.

NC

B
A NM
217

Quando uma ordem jurídica remete para outra ordem jurídica fazendo
referência material, significa que não aceita o reenvio. A referência material
tem como resultado que a primeira ordem jurídica aplica as normas materiais
da lei chamada pela regra de conflitos.

Isso não quer significar o seguinte: que a ordem jurídica para onde a ordem
jurídica A fez referência material, tenha a mesma posição. Esta ordem
jurídica B para onde a ordem jurídica remeteu fazendo referência material,
pode inclusive não aceitar a competência, que lhe é atribuída pela ordem
jurídica A. Isto é que complica o reenvio.

O que complica o reenvio é que uma ordem jurídica A pode remeter para
uma ordem jurídica B com referência material, porque o ponto de vista é
dessa ordem jurídica, mas a ordem jurídica B não aceita a referência que lhe
é feita como referência material. Ela própria tem a sua própria referência às
outras ordens jurídicas. Inclusivamente a ordem jurídica B pode também
remeter para a ordem jurídica A com referência material. Então nós
tínhamos uma situação de mútua exclusão. As duas ordens jurídicas não se
declaram competentes, e as duas ordens jurídicas atribuem reciprocamente a
competência.

 Devolução Simples

Quando uma ordem jurídica pratica devolução simples, porque é que é


devolução e porque é que é simples?

Vamos ter uma ordem jurídica A que remete para a ordem jurídica B

NC
A B
N,M
SD
218

Se a ordem jurídica A remete para o direito de conflitos da ordem jurídica B,


nós dizemos que ela faz devolução. Quando uma ordem jurídica remete para
o direito de conflitos de uma outra ordem jurídica, ela faz devolução.
Significa que vai admitir a eventual devolução que esta ordem jurídica B faz.
Já temos o primeiro termo resolvido.

Porque é que a devolução é simples? Porque a ordem jurídica B além das


suas normas de conflitos, tem o seu sistema de devolução (SD). Ou seja.
Pode praticar referência material, dupla devolução e devolução simples.

Em vez de nós dois itens para funcionar: norma de conflitos, e normas


materiais, então passamos a ter três:
 Normas materiais:
 Normas de conflitos;
 E sistemas de devolução

Quando remete para a ordem de conflitos faz devolução. Se remete para a


norma de conflitos tomando em consideração o seu sistema de devolução,
então a devolução é completa. É total. Então dizemos que é a dupla
devolução. Dupla porquê? Porque remete para a ordem de conflitos e tem
em atenção o seu sistema de devolução.

Ou seja, na dupla devolução atende-se à regra de conflitos e atende-se ao


sistema de devolução. Na devolução simples, atende-se apensas às normas
de conflitos e não se atende ao sistema de devolução. Por isso é que a
devolução é simples.

LIÇÃO N.º 23 15/01/2003

O sistema de dupla devolução é o sistema mais simples de entender. É um


sistema oposto ao sistema de referência material. Enquanto no sistema de
referência material cada ordem jurídica aplica a lei chamada pela sua regra
de conflitos, no sistema de dupla devolução todas as ordens jurídicas
aplicam a mesma lei.

Na dupla devolução cada lei vai remeter para outra mas vai questionar qual é
o seu DIP e qual é o seu sistema de devolução. A resposta è por exemplo, o
219

lugar de celebração (l3) qual é o sistema de devolução? Dupla devolução.


Então diz que nesse caso vai mandar aplicar a lei que for mandada aplicar
por L3. e assim sucessivamente até alcançar um resultado.

O que eu pretendo é fazer compreender a aplicação de cada um desses


conceitos de per si.

Recapitulando...

No sistema de referência material, a lei que pratica esse sistema aplica as


normas materiais da lei chamada pela sua regra de conflitos. Vamos supor
que Portugal pratica, como diz o prof. Lima Pinheiro, a referência material.
E por exemplo, queremos determinar a sucessão de um francês, e a norma de
conflitos o art.º 62 do CC, remete para a lei francesa. Se Portugal praticar
referência material, vai aplicar a lei francesa independentemente de qual seja
o comportamento da lei francesa. Independentemente de a lei francesa se
declarar ou não competente e independentemente de saber qual é o seu DIP.
Independentemente de saber qual é o direito internacional privado da lei
chamada pela regra de conflitos. É este o sistema de referência material.

É um sistema praticado no Brasil, na África do Sul, que eu saiba neste


momento são estes dois países. É um sistema pouco comum. É um sistema
pouco comum precisamente porque não permite alcançar a harmonia
internacional de julgados. É um sistema que não está preocupado em saber
qual é o direito internacional privado das outras ordens jurídicas.

O sistema que vem a seguir é o da devolução simples. No sistema de


devolução simples, a lei que pratica esse sistema faz uma referência global
à ordem jurídica para que remete, e entende que a referência que aquela
ordem jurídica faz a outra ordem jurídica, é uma referência material.
Portanto a devolução é simples, porque só vai atender às normas de conflitos
daquela lei. não atende ao sistema de devolução daquela lei. é por isso que
nós dizemos que é simples, ao passo que a outra a dupla devolução já atende
não só às normas de conflitos.

Reparem na diferença entre a devolução simples e a referência material.


Enquanto que na referência material (A) a referência é feita para o núcleo do
sistema para as normas materiais,

SD
220

NC
RM B
A NM

Na devolução simples (B) é feita para a parte lateral do sistema, ou a parte


circundante do sistema que é o seu direito internacional privado.

Pode acontecer que este direito internacional privado faça isto : mande
aplicar as normas materiais dessa mesma lei. mas o que é certo é que a
referência é feita ao direito internacional privado dessa lei. e isto é que
permite distinguir a referência material da devolução simples. A devolução
simples vai sempre questionar o DIP da outra lei para saber qual é o seu
comportamento. Não referência material não questiona DIP nenhum.

Na referência material não se atende ao direito internacional privado. É


referência às normas materiais. Na devolução simples atende-se ao direito
internacional privado, mas não se atende ao sistema de devolução. Na
dupla devolução atende-se ao DIP e atende-se ao sistema de devolução.

E o que é o sistema de devolução? São normas jurídicas equivalentes aos


art.º 16, 17 e 18 de uma determinada ordem jurídica. O Prof. Lima Pinheiro
chama devolução integral à dupla devolução.

Vamos agora tentar fazer uma mistura dos três sistemas. Vamos começar por
dois, e depois passamos para os três.

Por exemplo. L1 faz devolução simples, L2 faz dupla devolução, L3 faz


devolução simples e remete para L4. L4 faz referência material. L5 faz dupla
221

devolução. Eu pergunto qual é a lei aplicável em cada uma daquelas ordens


jurídicas.

L1 L2 L3 L4 L5
DS DD DS RM DD

L1 L3

L2 vai aplicar a lei mandada aplicar por L3. L3 aplica L5. porquê? Porque
faz referência global a L4 e entende que a referencia que L4 faz a L5 é uma
referência material. Tem de se chegar às normas materiais. Enquanto lá não
se chegar não sabemos qual é a lei aplicável. Seja qual for o sistema que
utilizem têm sempre de chegar às normas materiais. Não podem ficar no
DIP.

Se l2 vai aplicar a lei mandada aplicar por L3 a L2 fica suspensa até


sabermos qual é a lei mandada aplicar por L3. qual é a lei aplicável por L3.
faz referência global a L4 e entende que a referência que L4 faz a L5 é
global. Aplica portanto. L5.

L3 L5

L2 L5

E L4 que lei é que aplica? Aplica L5 porque faz referência material a L5.

L4 L5

Vamos então modificar

L1 pratica Dupla Devolução, L2 pratica também dupla devolução, L3 pratica


devolução simples, L4 referência material, e L5 dupla devolução.

L1 L2 L3 L4 L5
DD DD DS RM DD
222

A teoria da dupla devolução chama-se a teoria do tribunal estrangeiro,


porque esta á espera de saber o que é que o tribunal estrangeiro faz para
saber o que é que ele vai fazer.

Se L1 pratica a dupla devolução vai perguntar a L2 que lei é que aplica. L2


porque pratica também a dupla devolução vai perguntar a L3 qual é a lei que
aplica. L3 como pratica devolução simples, faz uma referência global a L4 e
entende que a referência que L4 faz a L5 é uma referência material. Portanto
L3 aplica L5

L3 L5
L4 L5
L1 L5
L2 L5
L5 L5

Estamos perante uma situação de harmonia total.

No caso de L1 remeter para L2 e praticar dupla devolução e L2 devolver


para L1 e também praticar dupla devolução temos aqui uma situação de
completa confusão. Eu concretamente tenho uma solução para este caso que
é entrarmos aqui com considerações de ordem material, nomeadamente
entrarmos em consideração com os princípios de direito internacional
privado.

L1 L2
DD DD
LLCEL LNAC

Por exemplo vamos supor que queremos regular aqui matéria do estatuto
pessoal. esta lei 2 é a lei da nacionalidade e a Lei 1 é a lei do lugar da
celebração. Eu pergunto. Independentemente de qual o sistema,
independentemente de qual a solução formal que for dada a este caso, qual é
a lei que está melhor posicionada para resolver o caso? É a lei da
nacionalidade. vamos supor por exemplo que se trata de determinar a lei
reguladora da propriedade sobre o imóvel. A Lei 1 é a lei da celebração e a
lei 2 é a rex lex citae. Lei do lugar da situação. O requisito da proximidade
indica necessariamente a aplicação da lei 2 e não da lei 1 independentemente
de qual seja o sistema formal.
223

Portanto, na verdade temos estes círculos inextricáveis, mas do meu ponto


de vista não são tão inextricáveis como isso.

Isto é inadmissível do ponto de vista do direito português. o juiz não pode


abster-se de julgar invocando falta de lei. tem de dar solução ao caso. E se
tem de dar solução ao caso, tem de inventar a maneira de superar estes
círculos inextricáveis. Eu penso que entrando em consideração com os
princípios de direito internacional privado conseguimos superá-los.

LIÇÃO N.º 24 16/01/2003

Artigo 17º - (Reenvio para a lei de um terceiro Estado) ”1 - Se,


porém, o direito internacional privado da lei referida pela norma de
conflitos portuguesa remeter para outra legislação esta se considerar
competente para regular o caso, e o direito interno desta legislação
que deve ser aplicado. 2 - Cessa o disposto no número anterior, se a
lei referida pela norma de conflitos portuguesa for a lei pessoal e o
interessado residir habitualmente em território português ou em país
cujas normas de conflitos considerem competente o direito interno do
Estado da sua nacionalidade. 3 - Ficam, todavia, unicamente sujeitos
à regra do N.º 1 os casos da tutela e curatela, relações patrimoniais
entre os cônjuges, poder paternal, relações entre adoptante e
adoptado e sucessão por morte, se a lei nacional indicada pela norma
de conflitos devolver para a lei da situação dos bens imóveis e esta se
considerar competente”.

Porque é que o legislador entendeu por bem adoptar esta adversativa? Como
excepção ao art.º 16 do CC. A regra geral é prevista no art.º 16, que é a
referência material, mas o legislador entendeu por bem dar atenção ao que
diz o direito internacional privado da lei referenciada pela regra de conflitos,
com vista à presunção do princípio de harmonia de julgados.

Qual é o princípio que está subjacente a este artigo? O princípio de


harmonia internacional de julgados.

Portanto, o “se porém” significa realmente pretende atribuir carácter de


excepção. Aliás este é um dos argumentos em que se apoia o prof. Lima
Pinheiro para entender que a regra geral do direito português é uma
referência material. Porque, na verdade, quando não estão preenchidos os
224

requisitos dos art.º 17 e 18 do CC, naturalmente temos de aplicar


forçosamente o art.º 16 do CC.

Portanto esta regra é para fixar desde já: primeiro tentam aplicar o art.º 17
ou o art.º 18 do CC. Se não conseguirem aplicar um destes dois artigos,
porque não estão preenchidos os requisitos, obrigatoriamente aplicarão o
art.º 16 do CC, independentemente de essa ordem jurídica chamada pela
regra de conflitos, se declarar ou não competente. Por isso, é que alguns
autores dizem que o art.º 16 do CC contém uma norma residual.
Precisamente porque só aplicamos o art.º 16 se não estão previstas no art.º
17 e 18 do CC. Dá até a ideia de que o art.º 16 é que é a excepção às regras
previstas nos art.º 17 e 18 do CC.

Tentando trabalhar um pouco esta questão, eu penso que se um dos


princípios do direito internacional privado português é o princípio da
harmonia de julgados, então dificilmente nós podemos considerar que, a tese
geral do direito português é de referência material, porque a tese da
referência material não permite a harmonia de julgados. Se nós
perguntarmos o que é que o legislador quis de facto com o sistema de
devolução, podemos dizer: será referência material? Não! Eu penso que não
terá querido a referência material, porque na verdade o que quis foi a
harmonia de julgados. Só quando não consegue alcançar a harmonia de
julgados, e eu penso que isto é um argumento contra a posição do Prof. Lima
Pinheiro, é que efectivamente recorre à aplicação do art.º 16 do CC.

Se nós reconduzirmos a tese de devolução portanto ao princípio que está


subjacente às regras sobre devolução, que é o da harmonia de julgados, eu
penso que dificilmente podemos considerar que a referência das regras de
conflitos é uma referência material. Porque senão, nós teríamos de
considerar que a harmonia de julgados, que todos os autores reconhecem que
é um princípio geral de direito internacional privado, era um princípio
excepcional, quando não é.

 requisitos de aplicação do art.º 17 do CC.

Vamos fazer referência aos requisitos necessários para aplicarmos o art.º 17


do CC.
225

O que acontece é o seguinte: temos a tendência para começar a aplicar o art.º


17 do CC, desde a lei 1. mas não. O art.º 17 do CC começa a ser aplicado a
partir da lei 2, porque lei 1 é o art.º 16.

A B C

Temos, lei portuguesa que remete para a lei 2. e o que é que diz o art.º 17
do CC? O art.º 17 começa a ser aplicado a partir da lei 2. porque diz, “Se,
porém, o direito internacional privado da lei referida pela norma de
conflitos portuguesa remeter para outra legislação esta se considerar
competente para regular o caso, e o direito interno desta legislação que
deve ser aplicado”, se porém lei 2 remeter para outra legislação (lei 3), e
esta se considerar competente, é este o direito aplicável. Tenham em
consideração que quando nós estamos a analisar os requisitos do art.º 17 do
CC, não estamos a partir da lei 1, porque a lei 1 de 1 para 2, já está
referenciada no art.º 17. é uma referência da lei portuguesa, para o direito de
uma determinada ordem jurídica. Mas diz o art.º 17 do CC que está
intimamente relacionada, aliás os dois artigos poderiam perfeitamente estar
juntos, até porque os especialistas em português, entenderiam que aquela
norma é uma norma errada. Os especialistas em Português dizem que não
podemos separar a adversativa da frase que constitui uma excepção.

O art.º 17 começa a ser aplicado a partir da lei 2. Se, porém, o direito


internacional privado da lei referida pela norma de conflitos portuguesa lei
2 remeter para outra legislação lei 3 e esta se considerar competente para
regular o caso, e o direito interno desta legislação que deve ser aplicado.

Portanto basicamente temos três requisitos:


 l2 não se declara competente e remete para outra legislação (dois
requisitos juntos);
 e esta legislação se considera competente.

No art.º 17 temos forçosamente que atender a estes dois requisitos.

Todavia, lembram-se de eu ter dito desde o início do curso, que o remeter


previsto no art.º 17/1 do CC significa aplicar, e já vamos ver porquê. Agora
já estamos em condições de poder demonstrar porquê o remeter significa
aplicar.
226

Eu gostaria de chamar a vossa atenção para a proximidade que existe entre


esta situação, e a teoria da dupla devolução. Reparem. Se L1 praticasse
dupla devolução qual seria a lei aplicada neste caso? Iria aplicar a lei que
fosse mandada aplicar por L2 e seria L3

A B C
L1 L2 L3
DD

L1 L3

Então, se o remeter segundo a doutrina generalizada, significa aplicar, então


há uma forte proximidade entre o nosso sistema e o sistema de dupla
devolução.

Na dúvida, façam funcionar os, art.º 17 e 18 do CC como se estivessem a


fazer funcionar o sistema da dupla devolução, como se Portugal praticasse o
sistema da dupla devolução. Às vezes falha. Porquê? Porque o nosso sistema
está assente na perspectiva de L2. A ordem jurídica de L2 é a ordem jurídica
fundamental para nós equacionarmos todo o nosso sistema de reenvio.

Se a ordem jurídica portuguesa aplicasse a dupla devolução iria aplicar a lei


que fosse mandada aplicar por L2. então, podia acontecer: se L2 que
suponhamos pratica devolução simples, e L3 pratica referência material e
remete para L4.

A B C D
L1 L2 L3 L4
DS RM
(lei instrumental)

Se L2 praticar devolução simples, e L3 referência material, qual é a lei


aplicável? Será L4. porquê? Porque a referência a C é global, e a D é
material. Portanto, L2 aplica L4. vejam que é exactamente a mesma coisa
que acontece no que respeita ao art.º 17 do CC. Se, porém, o direito
internacional privado da lei referida pela norma de conflitos portuguesa
remeter para outra legislação esta se considerar competente para regular o
caso, e o direito interno desta legislação que deve ser aplicado. Então nos
termos do art.º 17/1 do CC também nós aplicamos a lei 4. Tudo se passa
227

como se Portugal fizesse dupla devolução. Ou seja, vai aplicar a lei que for
mandada aplicar por L2. a Lei 3 funciona aqui como lei instrumental.

Tenham atenção casos destes em que nos aparecem mais do que três leis no
circuito, no nosso exemplo, temos 4 leis no circuito, mas uma das leis, não
está a fazer lá nada, a não ser servir de instrumento a L2, como vista à
determinação da lei reguladora da situação.

Num caso como este em vez de nós dizermos que L1 pratica dupla
devolução dizemos que L1 é a lei portuguesa, como efectivamente é. Então,
como é que nós fazemos a aplicação do art.º 17 do CC? Num caso como
este remete para lei 3, está portanto, provado, que o remeter no art.º 17/1
significa aplicar. Porquê? L2 remete para L3. mas não aplica L3. remete para
L3 mas aplica L4. Por isso é que o remeter significa aplicar. E isso só nos
faz aproximar do sistema de dupla devolução.

Agora vamos pensar no seguinte: L1 que é a lei Portuguesa, remete para L2,
L2 remete para L3, e tanto L2 como L3 praticam devolução simples.

L1 L2 L3
DS DS

Não se baralhem. Visto que, L1 tem um sistema que é próximo de dupla


devolução, então vai ficar à espera de saber o que é que L2 e L3 fazem.
Tenham presente esta ideia fundamental para resolvermos os casos com o
direito português. No direito português nós nunca sabemos à partida o
direito aplicável. Para nós sabermos qual é a lei aplicável, temos que
conhecer o comportamento das demais leis que estão inseridas no circuito.

A primeira regra é nós perguntarmos, qual é a lei que L2 vai aplicar. L2


aplica L2 porque faz uma referência global a L3 e entende que a lei 3 faz a
Lei 2 é uma referência material.

L2 aplica portanto l2
L3 aplica L3

Porque é que L3 aplica L3? Porque L3 pratica um sistema de devolução


simples. O que é que significa esse sistema? Significa que quando a sua
regra de conflitos remete para uma determinada lei, a sua lei de conflitos
228

remete para L2, esta lei, a L3 vai atender ao DIP da lei para a qual a sua
regra de conflitos remete. Portanto vai atender ao DIP de L2. mas não atende
ao seu sistema de devolução. Significa que vai entender a referência a L2
como uma referência global e vai entender a referência de L2 para L3 como
uma referência material. Portanto, se entende a referência para L3 como uma
referência material, significa que, L3 se declara a si própria competente.

E a lei 1? É a lei 2. é um sistema próximo de dupla devolução. Então vai


aplicar a lei que for mandada aplicar por L2. é a L2.

Esta é apenas uma situação prática para tirar dúvidas num caso em que as
tenham. Porque num caso concreto não estão preenchidos os requisitos do
art.º 17 do CC. L3 aceita a competência mas falta o aplicar. Falta preencher
o requisito aplicar. L2 remete para L3 mas não aplica L3, porque L2 remete
para L3 mas aplica L2. não está preenchido o primeiro requisito do art.º 17
do CC. Não estando preenchido este requisito não se aplica o art.º 17 mas
sim o art.º 16 do CC.

Quando não estão preenchidos os requisitos dos art.º 17 e 18 do CC


aplicamos sempre o art.º 16.

Num caso como este aplicamos o art.º 16, que acaba por dar o mesmo
resultado que se nós tivéssemos aplicado o sistema de dupla devolução.

É necessário ter em consideração para resolver este caso a ideia de


perspectiva. Por exemplo, se nos colocarmos como juizes de L2 temos uma
referência global e uma referência material, portanto L2 aplica L2. na
perspectiva de L3, referência Global e referência material, é precisamente o
inverso. Então significa que L3 vai aplicar L3, e L2 vai aplicar L2. se L3 vai
aplicar L3, está preenchido o 2.º requisito do art.º 17/1, mas se L2 aplica L2,
então não está preenchido o primeiro requisito do art.º 17/1 que é L2 aplicar
L3.

O sistema de dupla devolução é um sistema importante para nós


conhecermos o nosso sistema. Primeiro porque toma como referência
fundamental L2. quase que diríamos que aplica a lei que for mandada aplicar
por L2. mas nem sempre funciona por causa de outros aspectos que
229

referiremos a seguir. O que é certo é que em tese final quase que funciona
assim.

O que têm de reter é que na falta dos requisitos quer do art.º 17 quer do art.º
18 nós teremos sempre necessariamente que aplicar o art.º 16 do CC.

Outra hipótese

L1 remete para L2, L2 remete para L3 e L3 remete para L4. L2 pratica dupla
devolução, L3 pratica devolução simples, e L4 pratica devolução simples

L1 L2 L3 L4
DD DS DS

L3 aplica L3

Porque é que começou por L3? Para saber qual é a lei que o L2 aplica.
Porque é que começámos por L3? Porque, como L2 pratica dupla
devolução então não sabemos à partida qual é a lei que ela aplica, porque vai
aplicar a lei que for mandada aplicar por L3.

L4 aplica L4
L2 aplica L3
L1 aplica L3

Se L1 aplicasse o sistema de dupla devolução se L2 aplica L3 então L2


aplica L3 e se L2 aplica L3 e L1 também pratica o sistema de dupla
devolução então L1 vai aplicar L3.

A lei 4 será aqui uma lei meramente instrumental.

Isso estará de acordo com o art.º 17? Está! No sistema de dupla devolução
tudo se passa com se a Lei 1 aplicasse a dupla devolução. Agora vamos ver
se estão preenchidos os requisitos. Se porém a lei 2 remeter para outra
legislação, L3, e esta se declarar competente é a lei aplicável. Portanto, neste
caso L2 remete para L3, que se considera competente. E portanto L2 aplica
L3. portanto estão preenchidos todos os requisitos do art.º 17 do CC.
230

Vamos continuar a alterar a hipótese. Quando dizemos L1 é sempre a lei


portuguesa. Remete para L2 que faz dupla devolução, que remete para L3
que faz referência material, que remete por sua vez para L4 que faz
devolução simples

L1 L2 L3 L4
DD RM DS

L3 manda aplicar L4

Porque é que começámos por L3? Porque, como L2 pratica dupla


devolução então não sabemos à partida qual é a lei que ela aplica, porque vai
aplicar a lei que for mandada aplicar por L3.

E aplica L4? Aplica L4.

do ponto de vista de L4 qual é o sistema que pratica? Devolução simples. A


sua regra de conflitos remete para L2. vamos supor que L2 mandava aplicar
a lei da nacionalidade e que L4 também mandava aplicar a lei da
nacionalidade. Portanto se faz devolução simples esta referencia a L2 é uma
referência global, o que quer dizer que vai atender às regras de conflitos de
L2 e entende que a referencia que L2 faz a L3 é uma referencia material.
Então neste caso L4 vai aplicar L3.

L4 aplica L3

Se L4 aplica L3, L2 que lei é que aplica? Visto que pratica dupla devolução
vai aplicar a lei que for mandada aplicar por L3. visto que L3 aplica L4,
então L2 aplica L4.

L2 aplica L4

E L1 que lei é que aplica? Quando chegamos à fase da lei portuguesa temos
de ir à lei. vamos ver se os requisitos do art.º 17 estão preenchidos. L2
remete para outra legislação, e essa legislação é a L4. o primeiro requisito
está preenchido. E L4 declara-se competente? Não se declara competente.
Não está preenchido o segundo requisito. Consequência? Não estão
preenchidos neste caso os requisitos do art.º 17 do CC logo aplicar-se-á
231

forçosamente o art.º 16 do CC. Significa isto, que nós vamos aplicar a L2,
porque é uma referência material.

Conclusão: L1 vai aplicar L2

Neste caso aqui temos uma situação em que o sistema de dupla devolução
não funcionou. Porque se nós disséssemos que L1 vai mandar aplicar L2
então neste caso L1 aplicaria L4. mas não! O nosso sistema neste caso, a
ideia de sistema de dupla devolução, neste caso aqui fracassou. Fracassou
porque não estão preenchidos os requisitos do art.º 17 do CC.

LIÇÃO N.º 25 21/01/2003

CASO VI DOS CASOS PRÁTICOS

“por morte de X cidadão Belga falecido em San Petesburgo deixara bens


imóveis na Rússia discutiu-se em tribunais alemães o destino desses bens. A
norma de conflitos alemã submete a sucessão à ultima lei nacional do autor
da herança. tanto o direito de conflitos Belga como o direito de conflitos
russo, sujeita a sucessão imobiliária à lex sitae. O tribunal alemão praticando
devolução simples aceitou a remissão operada pela lei Belga para a lei russa,
submetendo assim a questão à lei russa. Pratica a lei do lugar da situação dos
imóveis, solução idêntica à dos tribunais alemãs seria seguida quer em
tribunais russos quer em tribunais belgas. Com efeito a lei belga manda
aplicar a lei russa, e esta por sua vez considera-se competente. A devolução
simples praticada pelos tribunais alemães conduziu pois neste caso à
harmonia de julgados.”.

o que nós temos feito nestes casos, é primeiro procurar descobrir quais são
os fundamentos que estão subjacentes à resolução deste caso, e depois nós
transferimos isso para o nosso caso concreto. Portanto, em vez de o caso ser
regulado pelos tribunais alemães, o caso será agora regulado perante os
tribunais portugueses.

Portanto é o Sr. X que é belga, faleceu na Rússia, e deixou bens imóveis na


Rússia.

O primeiro ponto é qualificar a situação. Saber qual é a situação privada


internacional que está aqui em causa. Que situação da vida é que nós
temos aqui? A situação de sucessão por morte.
232

Se temos uma situação de sucessão por morte, estando nós a tratar do caso
como se fossemos juizes alemães, teríamos de consultar a regra de conflitos
alemã, que submete à lei nacional do autor da herança, que é a lei Belga.

Há uma regra da prática que eu costumo dar que é: sempre que nós
chegamos a uma lei estrangeira, sempre que passamos de uma lei para outra,
no caso estamos a passar da lei alemã para a lei belga, temos de perguntar
fundamentalmente duas questões:
Qual é o seu DIP
E qual é o seu sistema de devolução.

É uma regra prática que dá resultado inevitavelmente.

Perguntamos ao direito Belga: qual é o direito internacional privado Belga?


Primeiro ponto. Segundo ponto, qual é o sistema de devolução Belga. Qual é
o DIP Belga? Tanto o direito belga como o direito russo sujeitam a sucessão
imobiliária à lex Sites que é russa. Qual é o sistema de devolução Belga? No
nosso caso não diz, presumimos neste caso que é a referência habitual.
(habitualmente diz-se qual é o sistema de devolução. Aqui por comodidade e
para conseguirmos resolver a questão, uma vez que não é dito, presumimos
que é a referência material).

O DIP Belga remete para a Rússia, e o DIP russo aceita a competência. Aqui
também nós podíamos perguntar qual é o DIP Russo. Que é o mesmo a lex
sites.

Então neste caso o que é que nós temos? A lei Alemã plica a lei Belga. A
Lei Belga aplica a Lei Russa.

L1 l2 l3
LA LB LR

Isto é um caso de transmissão de competências. É lei Belga não se julgar


competente, julgar competente uma outra lei, e esta outra lei declarar-se ela
própria competente.

Este caso foi inventado por um autor francês, precisamente para contestar os
detractores do reenvio. Uma das pessoas que mais combateu o reenvio em
Portugal foi Adelino Gonçalves que tem uma quantidade de artigos escritos
233

em várias revistas portuguesas, a manifestar-se claramente contra o reenvio.


E se verificarem a jurisprudência do início do século XX, há de facto uma
grande luta no sentido de instalação do reenvio. Houve jurisprudência que
aceitou o reenvio mas noutra jurisprudência subsequente rejeitaram o
reenvio.

Esta caso foi inventado por um autor francês que o baptizou como “Rochedo
de Bronze”. Diz ele que inseriu uma espécie de rochedo de bronze contra o
qual todos os detractores do reenvio iam se bater porque num caso como este
nós temos a força da lex sites, temos a lei nacional a declarar a lex sites
competente, temos a lex sites a declarar-se a ela própria competente, então
perguntava este autor, como é que mesmo assim num caso como este por
força deste princípio ainda se rejeita a teoria do reenvio.

Dito isto vamos supor que a lei 1 é a lei portuguesa. Tendo em conta o
direito de conflitos português porque é que diz que este faz referência
global? Estariam preenchidos os requisitos do art.º 17, porque a lei
portuguesa remete para uma segunda lei e esta segunda lei considera
competente outra ordem jurídica e essa ordem jurídica considera-se
competente a si própria. Não se esqueçam nunca que esta ordem jurídica L2
tem de aplicar esta segunda (L3). Como já expliquei a L2 pode remeter para
L3 e não aplicar. Tem mesmo que aplicar! Se não aplica, não estão
preenchidos os requisitos do art.º 17/1 do código civil.

Vamos fazer algumas alterações em termos de sistema de devolução para


consolidar esta matéria.

Nós presumimos que a lei Belga praticava referência material. E se a lei


Belga praticasse devolução simples?

L1 L2 L3
LP LB LR
DS

Se lei belga praticasse devolução simples, não podemos esquecer que a


referência é uma referência global. É uma referência às normas de conflitos,
e às normas materiais. Esta referência à lei Russa é uma referência ao DIP
russo. Então questionado o DIP Russo, qual é a lei que manda aplicar?
Manda-se aplicar a si própria. Portanto, significa que a lei Belga vai aplicar
o direito russo também. Num caso como este os dois momentos do sistema
234

de devolução simples concentram-se todos na ordem jurídica russa. Pelo


facto de termos um sistema de devolução simples, não significa que tenha
que haver uma remissão para outra ordem jurídica. A ordem jurídica (L3)
pode absorver todos os elementos do sistema de devolução simples.

E se a lei belga praticasse dupla devolução? Era completamente


indiferente. Aplicava neste caso também a lei russa. Mandava aplicar a lei
que L3 aplicasse, portanto visto que a L3 se declara competente, não haveria
qualquer problema.

Podemos ainda alterar. Vamos supor que a lei russa em vez de se declarar
competente, mandava atribuir competência à lei da nacionalidade.

L1 L2 L3
LP LB LR
RM DS

e tendo em conta que a lei Belga praticava referência material, e a lei


russa por hipótese pratica devolução simples, quis juris?

Aplica-se a lei russa. A Lei Belga aplica a lei Russa porque faz referência
material, e a lei russa faz referência global à lei Belga e entende que a
referência que a lei Belga faz à lei russa é uma referência material.

L1 L2 L3
LP LB LR
DD DS

Vamos supor que em vez disso praticava dupla devolução. Aplica-se L3 a lei
russa. Porque L3 faz referência global a L2 e entende que a referência que
L2 faz a L3 é uma referência material, e L2 aplica a lei que L3 manda
aplicar que neste caso è a própria Lei russa.

E se a Rússia praticasse dupla devolução?


235

L1 L2 L3
LP LB LR
DD DD

L1 aplicaria L2 que é a lei para a qual remete. Temos de conviver com esta
ordem de problemas. Se a lei belga manda aplicar a lei russa e a lei russa
manda aplicar a lei belga, e ambas praticam o mesmo sistema de devolução
temos uma situação de circulo vicioso. Do ponto de vista do direito
português, nós podemos arrumar o caso aplicando L2.

Se vocês fossem juizes na Rússia que lei é que aplicavam? A lei Russa. E se
fossem juizes na Bélgica? Depende. Neste caso nós não podemos afirmar
isso tão taxativamente. Depende da perspectiva do próprio juiz. Se eu
estivesse na posição do juiz Belga eu teria consideração pela força do
princípio da maior proximidade ou da melhor competência. Eu teria em
conta que a lei russa está em melhor posição de tornar viável a resolução do
caso que a lei Belga. Se eu seguisse este ponto de vista também já poderia
seguir o ponto de vista de considerar que neste caso havia transmissão de
competência do ponto de vista português. se eu aceitasse que tudo se
reduziria à aplicação da lei russa, porque é a lei do lugar onde a coisa está
situada, e que este circulo vicioso se resolve a favor da lei do lugar da
situação, isto não está na doutrina e a própria lei não permite isto, o código
civil não está orientado para esta perspectiva. Quando o código civil foi feito
as doutrinas praticadas sobre o impressionismo jurídico não estavam ainda
organizadas. Eu penso que tomando estes aspectos em consideração, nós
acabamos por aplicar a lei russa. E sendo assim, é perfeitamente admissível,
considerar que num caso como este há transmissão de competências e
portanto L1 aplicaria também a lei russa.

Pode-se defender este ponto de vista ou não, ou seguir a aplicação do art.º 16


pura e simplesmente.

Agora vamos supor que o interessado, neste caso o indivíduo que faleceu
na Rússia, que residia em Itália, e a Itália mandava aplicar a lei nacional
e Itália pratica referência material. Quid juris?

L1 L2 L3
236

LP LB LR

L Itália

L1 vai aplicar a L2, tendo em atenção ao n.º 2 do art.º 17 que diz “Cessa o
disposto no número anterior, se a lei referida pela norma de conflitos
portuguesa for a lei pessoal e o interessado residir habitualmente em
território português ou em país cujas normas de conflitos considerem
competente o direito interno do Estado da sua nacionalidade”. e portanto,
regressamos à regra geral que é o art.º 16 do CC.

O art.º 17/2 do CC aplica-se em duas situações fundamentais:

 Aplica-se nas situações do Estatuto pessoal, quando o interessado


reside em território português. se o interessado reside em território
português, o legislador entende que a lei de residência associada à lei
da nacionalidade, não faz sentido aplicar uma terceira lei que não é
nem a da nacionalidade, nem a da residência. O legislador entendeu
que em matéria do Estatuto Pessoal, estas duas leis nacionalidade e
residência habitual são as duas leis vocacionadas para resolver o caso.
A lei referida pela norma de conflitos portuguesa é a lei pessoal, e o
interessado tem de residir habitualmente em território português.
 Segundo, o interessado residir num país cujas normas de conflitos
considerem competente o Estado da Nacionalidade. portanto é o caso
da nossa hipótese, de um indivíduo residir fora do circuito normal,
residindo num país que não é nem L1, nem L2, nem L3, e essa lei fora
do circuito aplicar a segunda lei, a do Estado da nacionalidade,
fazendo-lhe referência material.

Temos várias situações em que se aplica a lei pessoal. Em princípio é a lei


da nacionalidade, mas também pode ser a lei do domicílio legal, pode ser a
própria lei de residência habitual, pode ser a própria lei do lugar da situação
da coisa, no art.º 47 do CC que é uma situação excepcional, e lei do lugar da
celebração art.º 28 também numa situação excepcional. Mas de qualquer
modo tem de ser uma lei pessoal. Não tem forçosamente que ser a lei da
nacionalidade. o que é certo é que este n.º 2 do art.º 17 do CC está concebido
para tomar em consideração esses dois critérios fundamentais do estatuto
pessoal.
237

Quando o art.º 17/2 do CC está a falar de lei pessoal, está a pensar só na lei
da nacionalidade, ou se está a pensar nas outras situações do estatuto
pessoal? Eu penso que não faz sentido discriminar. Vamos supor que
realmente a lei neste caso era a lei de um refugiado político por exemplo,
que nós sabemos que é a lei da sua residência habitual. tínhamos
naturalmente que fazer uma aplicação mutatis mutandis do art.º para
conjugar. O artigo não está pensado para este caso, mas tínhamos
naturalmente que o adaptar para resolver este caso. Vamos supor que era por
exemplo, a lei do domicílio legal, que também é lei reguladora do estatuto
pessoal. É lei pessoal. Eu penso que à partida não podemos excluir essas
duas situações. A justificação que a doutrina dá para esta solução, ou seja de
fazer cessar o reenvio em matéria de estatuto pessoal, e o facto de tomarem
em consideração a nacionalidade e a residência habitual como as duas leis
fundamentais para regular a matéria do estatuto pessoal. O legislador estava
a pensar nessas duas leis como as únicas principais reguladoras do estatuto
pessoal.

No caso da nossa hipótese cessa o reenvio. Cessa a transmissão de


competência.

Tenham em consideração estes dois momentos. O indivíduo residir em


Portugal, ou residir num terceiro país que mande aplicar a lei nacional. Se
este terceiro país mandar aplicar a lei nacional então cessa o reenvio.

E na nossa hipótese aplicávamos o art.º 17/3 do CC ou não?


Aplicávamos. O n.º 3 do art.º 17 do CC diz que “Ficam, todavia, unicamente
sujeitos à regra do N.º 1 os casos da tutela e curatela, relações patrimoniais
entre os cônjuges, poder paternal, relações entre adoptante e adoptado e
sucessão por morte, se a lei nacional indicada pela norma de conflitos
devolver para a lei da situação dos bens imóveis e esta se considerar
competente”.

No caso da nossa hipótese trata-se de sucessão por morte, e a lei nacional


indicada de conflitos que é a lei Belga devolve para a lei de situação dos
bens imóveis que é a lei da Rússia e esta se considera-se competente. Estão
pois preenchidos os requisitos do art.º 17/3 do CC.

Requisitos para aplicação do art.º 17/3 do CC:


 Que estejam preenchidas uma das situações previstas no artigo: da
tutela e curatela, relações patrimoniais entre os cônjuges, poder
238

paternal, relações entre adoptante e adoptado e sucessão por morte.


Todas matérias do Estatuto Pessoal.
 se a lei nacional indicada pela norma de conflitos devolver para a lei
da situação dos bens imóveis. Nós já sabemos que é a Lei N, não
tendo de ser cronologicamente 1,2,3. pode a lei 1 remeter para lei 2,
lei dois remeter para lei 3, e lei 3 para a lei 4. Vamos supor que lei 2
pratica devolução simples, a referência de L2 para lei 3 é global, e a
de L3 a L4 é material. L2 aplica portanto L4

LLS
L1 L2 L3 L4
DS
E vamos supor que a Lei 4 se declarara competente. Portanto, Lei 4
aplica Lei 4. portanto, cronologicamente esta Lei 3 é lei N. E vamos
supor que Lei $ é a lei do lugar da situação.

 esta se considerar competente. O legislador podia perfeitamente


dispensar esta última parte, porque para se verificarem os
pressupostos do n.º 1 do art.º 17 é necessário que a Lei 3 se declare
competente. Mas reafirmou a ideia de que esta lei N tem de se
declarar competente.

O que se passa no art.º 17 do CC é que preenchido o n.º 1 vamos verificar se


estão preenchidos os requisitos do n.º 2. verificado que não estão
preenchidos os requisitos do n.º 2, não podemos ir sequer para o n.º 3. se
estiverem preenchidos os requisitos do n.º 2 somos forçados a passar para o
n.º 3. o n.º 1 permite o reenvio, o n.º 2 cessa o reenvio o n.º 3 recupera o
reenvio ou represtina o reenvio.

Artigo 18º - (Reenvio para a lei portuguesa) ”1 - Se o direito


internacional privado da lei designada pela norma de conflitos
devolver para o direito interno português, é este o direito aplicável. 2
- Quando, porém, se trata de matéria compreendida no estatuto
pessoal, a lei portuguesa só é aplicável se um interessado tiver em
território português a sua residência habitual ou se a lei do país desta
residência considerar igualmente competente o direito interno
português”.

O art.º 18 do CC é um caso de retorno de competência. Portugal tem de se


declarar competente, tratando-se de matéria do Estatuto Pessoal, temos
239

forçosamente que verificar se está preenchido o n.º 2 do art.º 18. Assim


como no art.º 17 do CC nós procuramos saber em matéria do estatuto
pessoal se estão preenchidos os requisitos do art.º 17/2 e do 17/3, no caso do
art.º 18 nós não aplicamos o art.º 18 sem estar preenchido o n.º 2 do art.º 18
em matéria do estatuto pessoal. São cumulativos.

LIÇÃO N.º 26 22/01/2003

Vamos supor que Lei 1 remete para Lei 2 com base no critério da
nacionalidade e que L2 remete para L3 com base no critério da Residência
habitual.

RH
L1 L2 L3
DD DS

LX

Para efeitos de aplicação do art.º 17/2 do CC, quando nós estamos a referir
o art.º 17 a residência habitual a que se refere o art.º 17 nunca pode ser a lei
3. O art.º 17/2 do CC diz que “Cessa o disposto no número anterior, se a lei
referida pela norma de conflitos portuguesa for a lei pessoal e o interessado
residir habitualmente em território português ou em país cujas normas de
conflitos considerem competente o direito interno do Estado da sua
nacionalidade”.

L2 na nossa hipótese fica à espera de saber o que é que a lei 3 faz. Não há
que enganar neste caso. Então vamos ver o que é que a outra faz. A L3
remete para a Lei 2 (inglesa) fazendo referência global, e entende que a
referência que L2 faz a L3 (alemã) é uma referência material, portanto
aplica-se a si própria.

L3 L3

Então se L3 aplica L3, então L2 aplica L3 também.

L2 L3
240

O Reino Unido tem vários conceitos de domicílio. O Domicile of origin, o


domicile of choice, e o matrimonial domicile. O domicílio de origem é
aquele que a pessoa adquire com o nascimento, é o domicílio do pai no
momento do nascimento, e até à idade dos 16 anos a pessoa mantém esse
domicílio. A partir da idade dos 16 anos pode modificar o seu domicílio,
pode escolher um domicílio e esse domicílio pode ser modificado, mas
também se a pessoa perder o domicílio escolhido pode recuperar o domicílio
de origem. A pessoa tem sempre um certo domicílio em qualquer momento.

O que nos interessa em termos de aplicação da regra de conflitos, é que


cada ordem jurídica fixa o conteúdo dos conceitos que utiliza. Em Portugal
para sabermos se uma pessoa é nacional português, é a lei portuguesa que
fixa o seu conteúdo. É uma concretização lege causae.

Pode acontecer que uma pessoa seja considerada domiciliada em mais do


que um país. Como é que isso se resolve? O que se diz é que aplicamos por
analogia o art.º 28 da lei da nacionalidade. Vai acabar por reconduzir à
conexão mais estreita. Mas se uma pessoa tem mais do que um domicílio e
nós queremos solucionar o conflito de domicílios aplicamos o art.º 28 da lei
da nacionalidade analogicamente. Agora, se aplicamos o art.º 28 temos de
aplicar o art.º 27 também por analogia. E neste caso se a pessoa tem dois
d*omicílios, sendo um domicílio em Portugal, naturalmente vamos
considerar que ele está domiciliado em Portugal, por aplicação analógica do
art.º 27 da lei da nacionalidade.

L1 L2 L3
LI LA
Ldom
DD DS

L3 faz referência global à lei inglesa, e entende que a referência que a lei
inglesa lhe faz é material. Portanto, L3 vai aplicar L3. Logo a lei Inglesa
aplica também a lei alemã. Logo Portugal aplica a lei alemã com base no
art.º 17/1 do CC.

O que é que nós tínhamos de fazer para efeitos de aplicação do art.º 17/2 do
CC? Para efeitos de aplicação do art.º 17/2 do CC nós tínhamos de perguntar
o interessado reside em Portugal? A resposta é não! Não reside em Portugal.
241

A primeira parte do n.º 2 do art.º 17 do CC não está preenchida. O


Interessado reside num país cujas normas de conflito declarem competente o
estado da nacionalidade? se nós entendermos domicílio na Alemanha como
residência habitual na Alemanha então temos um Estado de residência
habitual que declara competente o estado da nacionalidade. é um erro!
Porquê? Se a lei # é a lei da residência habitual então ela não pode servir
para viabilizar o reenvio, e para o inviabilizar. Estaríamos a entrar em
contradição. Mas por outro lado, a Alemanha não declara competente o
Estado da nacionalidade, declara-se a si própria competente. Porquê? Porque
faz uma referência global a Lei Inglesa e entende a referência que ela lhe faz
como uma referência material, portanto declara-se competente.

Para efeitos de prática se, se tratasse de bens imóveis, vamos supor que
havia imóveis em Portugal, na Alemanha e na Inglaterra. Vamos supor que
havia bens imóveis em Portugal. Qual era o procedimento?

L1 L2 L3
LP LI LA
LSI DD

Aqui há um retorno de competências. Há duas opiniões na doutrina


portuguesa em função deste caso.
 Há a opinião do Prof. Baptista Machado, que entende que visto que a
lei inglesa ao aplicar o sistema de dupla devolução vai resolver o caso
como resolveria a lei portuguesa, então se a lei portuguesa, tomar em
consideração não apenas as suas normas de conflitos. por exemplo, o
art.º 53, mas também o seu sistema de devolução, o art.º 18 do CC,
então neste caso Portugal vai aplicar a lei portuguesa. Neste caso
haveria reenvio. Tem ainda um outro argumento. Segundo ele esta
possibilidade facilita a boa administração da justiça. porquê? porque o
juiz português, vai regular o caso segundo as suas próprias normas, e
o juiz está melhor habilitado para aplicar a lei portuguesa.
 O Prof. Lima Pinheiro e a generalidade da doutrina tem opinião
diversa. A doutrina entende que num caso como este não estão
preenchidos os requisitos do art.º 18. porquê? Porque o art.º 18 do CC
manda devolver para o direito interno português. e a Inglaterra não faz
uma devolução para o direito material interno português. a Inglaterra
faz uma devolução para todo o direito português, e o que o art.º 18 do
CC requer “Se o direito internacional privado da lei designada pela
242

norma de conflitos devolver para o direito interno português, é este o


direito aplicável”, é uma remissão material. A referência para efeitos
do reenvio do art.º 18 tem de ser uma referência material e não uma
referência conflitual. E neste caso a Inglaterra não faz uma referência
material, porque o sistema de dupla devolução não é um sistema de
referência material.

A ordem jurídica que remete para Portugal tem que praticar uma referência
material, directa ou indirecta.

Por exemplo se Lei 1 remete para lei 2 e Lei 2 para Lei 3, e Lei 3 remete
para Portugal,

L1 L2 L3
DS

Se a lei 2 praticar devolução simples, a referência de L3 a L1 é global e a


referência de L1 a L2 é uma referência material. Portanto L2 aplica L1. neste
caso Lei 1 aplica também Lei 1. portanto há reenvio num caso como este. Se
a lei 3 praticasse devolução simples, não aplicaria l1i 1, mas sim a lei 2. não
haveria harmonia de julgados. Mas o que é importante é que haja harmonia
entre as duas leis L1, L2. Aqui aplica-se o art.º 18 do CC.

L1 remete para Lei 2 com devolução simples.

L1 L2
DS

L2 declara-se competente. Se L1 remete para L2 com devolução simples,


consultando as regras de conflitos de Lei 2, ela declara-se a si própria
competente. Portanto não há uma referência material para nenhuma outra lei.
é uma referência global.

Agora, queria chamar a vossa atenção para o n.º 2 do art.º 18 do CC.


“Quando, porém, se trata de matéria compreendida no estatuto pessoal, a
lei portuguesa só é aplicável se um interessado tiver em território português
243

a sua residência habitual ou se a lei do país desta residência considerar


igualmente competente o direito interno português”.

Reparem a semelhança que existe entre este n.º 2 do art.º 18 do CC e o n.º 2


do art.º 17 do CC. Em ambos os casos se procura o concurso da lei de
residência habitual. no art.º 17/2 do CC a lei de residência habitual tem que
concorrer para que haja reenvio. No art.º 18 também tem que concorrer para
que haja reenvio. Só que há uma pequena diferença entre os dois preceitos.

 Enquanto que no art.º 17/2 do CC basta que a lei de residência


habitual não se oponha, no art.º 18/2 do CC é necessário que a
residência habitual concorde igualmente com o reenvio. Se o
interessado tiver em território português a sua residência habitual, ou
se o país de residência habitual considerar igualmente competente a
lei portuguesa. Neste caso, é igualmente necessário, e tudo se passa
desta maneira.

Vamos supor que a pessoa reside em Itália, temos outra vez uma lei fora do
circuito, e esta lei manda aplicar a lei portuguesa.

L1 L2 L3
LP

LI

Se a pessoa tem residência habitual em Portugal, há reenvio nos termos do


art.º 18/2 1ª parte. Nas situações do Estatuto pessoal, temos de tomar em
consideração em termos de retorno de competências, estes dois aspectos. A
pessoa tem de ter residência habitual em Portugal, ou a pessoa tem que
residir em determinado país, que considere competente o direito interno
português.
Lição n.º 27

Correcção do teste

LIÇÃO N.º 28 29/02/2003


244

Vamos hoje entrar no tema central de direito internacional privado que são
as Qualificações.

Este tema é um pressuposto de solução para qualquer problema de direito


internacional privado. Mesmo quando nós estamos a aplicar normas de
direito material do foro, fazemos qualificações. Mesmo quando estamos a
aplicar normas de aplicação imediata ou necessária para resolver um caso de
DIP estamos a fazer qualificações.

A qualificação pode ser feita quase que de forma autónoma, ou automática,


mas outras vezes a problemática da qualificação nos suscita relevantes
problemas, e serão esses problemas que nós iremos tratar daqui em diante.

Há uma teoria das qualificações e há uma prática das qualificações. Isso não
significa realmente que tudo aquilo que nós vamos rever relativamente à
teoria das qualificações, não seja importante, mas o que é certo é que na
prática grande parte dessas teorias têm um papel em certa medida
subalterno.

Vamos fazer uma revisão teórica das qualificações e depois passaremos à


prática das qualificações retomando os casos práticos, pelo menos aquele
caso prático que foi fornecido,

São as qualificações um instituto específico do direito internacional


privado, ou tratar-se-á de um instituto da teoria geral do direito? É um
instituto da teoria geral do direito. Quando por exemplo em direito das
obrigações nos deparamos com um contrato, temos de qualificar para
sabermos em que instituto o vamos encaixar e qual o regime jurídico que se
vai aplicar.

Estamos a falar de categoria geral de interpretação das normas jurídicas,


porque é precisamente nesta área que a problemática da qualificação se
sente. Nós fazemos qualificações em qualquer ramo do Direito, no direito
fiscal, no direito da família, no direito comercial, etc., andamos
permanentemente a fazer qualificações.

Sabido que as qualificações são tema de introdução ao estudo do direito,


teremos agora de saber quem faz qualificações? Em princípio os
aplicadores do direito. O legislador pode fazer qualificações? Por exemplo,
245

quando o legislador diz que o prazo de prescrição ordinária é de 20 anos, ele


fez ou não fez uma qualificação?

Porque é que ele fez uma qualificação? O que é que ele qualificou?
Qualificou um certo percurso de tempo. A situação de facto, a situação da
vida que nós temos é um decurso do tempo, que ora o legislador qualifica
como prescrição, ora o legislador qualifica como caducidade, ora o
legislador qualifica como não uso, e existem até outras qualificações dadas
em outras ordens jurídicas que podem ser relevantes para o direito
internacional privado. Mas o que importa compreendermos.

X Y
 prescrição
 caducidade
 não uso
 vinerkund

Nós temos aqui um determinado decurso do tempo que, consoante os efeitos


jurídicos que nós emprestamos a esse decurso do tempo, podemos chamá-lo
de prescrição, se nós lhes atribuirmos outros efeitos jurídicos chamaremos
de caducidade, se nós lhe atribuirmos ainda outros efeitos jurídicos chamar-
lhe-emos não uso, e assim sucessivamente. Eu fiz também esta referência a
Vinerkund que não é prescrição, nem caducidade, nem não uso, mas é uma
via de obtenção de efeitos jurídicos em virtude do decurso do tempo,
associada à ideia de boa – fé. É uma figura que não existe no direito
português, mas que os tribunais portugueses já aplicaram. Consiste no
seguinte: uma determinada pessoa tinha um poder jurídico de exercer o
direito dentro de um determinado tempo, tempo esse que podia ser inferior
ou superior à prescrição, mas se a pessoa teve comportamentos contrários à
boa – fé, esses comportamentos associados à ideia do decurso do tempo,
levam portanto, à qualificação do Vinerkund como lhe chamam os alemães.

Esta figura não existe no direito português, mas já foi aplicada no direito
português. por exemplo, há um senhorio que aluga uma casa, e ao lado da
casa há um terreno. É um caso que foi tratado pela relação do Porto. Essa
casa estava a ser utilizada como oficina, o arrendatário passou a utilizar o
terreno como depósito de sucata. Isso durou durante dez anos sem que o
senhorio deduzisse oposição. O tribunal veio dizer que dez anos depois
naturalmente que não caduca nem prescreve o seu direito, mas a ideia de boa
– fé associada ao facto de ter aceitado pacificamente a situação durante 10
246

anos sem que realmente tenha deduzido nenhuma oposição, isso significa
que de facto já não pode exercer o direito.

Isto não interessa muito para a problemática das qualificações, estando eu


apenas a tentar demonstrar que um determinada situação da vida, com as
mesmas características, que neste caso é o decurso do tempo, pode
apresentar diversas qualificações consoante os efeitos jurídicos que forem
associados àquela mesma situação da vida. Essas diferentes qualificações
tanto podem ser ao nível interno, como ao nível internacional.

Nós caracterizamos como prescrição, aquele decurso do tempo que


apresenta certas características. A prescrição permite a interrupção e
suspensão, não é de conhecimento oficioso, repare-se que temos de ir
verificar pontualmente relativamente àquele prazo concreto se se verificam
as notas típicas que correspondem a categoria para nós podermos
eventualmente atribuirmo-lhes um determinado efeito jurídico.

Neste caso podemos avançar já alguma ideia sobre a problemática das


qualificações. Nós levantámos esta hipótese a propósito da possibilidade que
o legislador tem de ele próprio fazer qualificações. Umas vezes ele qualifica
de prescrição, outras vezes eles qualifica de caducidade. Mas muitas vezes o
próprio legislador se engana, por conseguinte, nós temos de estar de
sobreaviso relativamente às qualificações feitas pelo legislador. Em
princípio o legislador não pode fazer qualificações. O papel de fazer
qualificação é um papel que compete ao intérprete. Aliás, toda a doutrina é
uníssona em dizer isso. Todo são unânimes em afirmar que em regra o
legislador não deve fazer qualificações. Muitas vezes o legislador actua de
forma abusiva para fazer qualificações com vista a impor um certo ponto de
vista na matéria. Mas, mesmo assim, mesmo quando o legislador toma esta
posição, o intérprete deve rejeitar a qualificação feita pelo legislador, e
verificar se naquela situação concreta existem ou se verificam aquelas notas
típicas que permitem concluir por uma determinada qualificação.

No código civil português temos o art.º 299 que reconhece ao legislador o


papel de poder qualificar, fazer ele próprio qualificações.

Artigo 299º - (Alteração de qualificação) ”1 - Se a lei considerar de


caducidade um prazo que a lei anterior tratava como prescricional,
ou se, ao contrário, considerar como prazo de prescrição o que a lei
antiga tratava como caso de caducidade, a nova qualificação é
247

também aplicável aos prazos em curso. 2 - No primeiro caso, porém,


se a prescrição estiver suspensa ou tiver sido interrompida no
domínio da lei antiga, nem a suspensão nem a interrupção serão
atingidas pela aplicação da nova lei; no segundo, o prazo passa a ser
susceptível de suspensão e interrupção nos termos gerais da
prescrição”.

Admite que certos prazos, que eram chamados de caducidade, e passaram a


ser chamados de prescrição, e outros prazos que eram chamados de
prescrição, eram chamados de caducidade. Então o legislador estabelece
uma norma, que no fundo é uma norma transitória, com vista a problemática
dos prazos que levam a alteração de qualificação.

Então agora sim podemos perguntar em que é que consiste qualificar?


Será a subsunção de uma situação jurídica a uma norma jurídica. Agora em
Direito Internacional Privado que nomes são esses que nós atribuímos? Nós
temos duas questões a colocar aqui:
 que nomes é que nós atribuímos?
 E ao que é que nós atribuímos nomes?

O que é que nós qualificamos? Qualificamos situações da vida privada


transnacional. Em rigor se o objecto do direito internacional privado são
situações privadas transnacionais então também nós qualificamos
situações privadas transnacionais. Mas, não podemos contentarmo-nos
com esta resposta. Não podemos porquê? Porque há outras opiniões, e essas
opiniões fundam-se em razões práticas muito concretas.

Uma vez que nós vamos fazer qualificações, temos de qualificar alguma
coisa. Então se vamos qualificar alguma coisa, temos de saber o que é essa
coisa, e portanto, que características é que essa coisa pode ter para nós
podermos atribuir-lhe uma qualificação.

Há quem diga que são situações da vida. Por exemplo,


 Casar é uma situação da vida;
 Divorciar é uma situação da vida;
 Morrer é uma situação da vida.
São todas situações da vida. Não há dúvida. Mas reparem numa coisa.
Quando nós falamos em casar, já não temos aqui uma qualificação? Já está
qualificado! E o divórcio também. Só o morrer é que talvez não. É que vai
levantar problemas de sucessão por morte, mas o mesmo morrer pode ser um
248

conceito jurídico. Nós podemos perguntar se morreu ou não. Como sabem


há o problema da questão da morte, havendo uma divergência quase
insanável entre os autores para se saber quando é que uma pessoa morre.

Isso também interessa ao direito internacional privado. Morrer e nascer,


interessa ao direito internacional privado, porque nós podemos perguntar
quando é que a pessoa nasceu. Ou então, quando é que o nascimento
confere personalidade jurídica. Todos esses aspectos também se nos
colocam.

O grande problema das qualificações jurídicas é que as qualificações


jurídicas entraram na gíria quotidiana, ou seja nos nossos negócios do dia a
dia nós utilizamos conceitos de facto mas também utilizamos conceitos de
direito.

Quando nós estamos a qualificar estamos perante uma situação que já está
qualificada, por exemplo dizemos que A e B contraíram casamento, segundo
o direito muçulmano X, portanto, já está aqui uma qualificação feita. Num
caso como este nós não temos de nos preocuparmos em fazer uma segunda
qualificação. A e B querem-se divorciar, também já temos qualificação. Nós
não precisamos de nos preocupar em fazer mais uma vez a qualificação.

Agora, se A e B querem se divorciar, e são Senegaleses por exemplo, então


nós temos uma segunda qualificação para fazer. O divórcio é um conceito
jurídico. E é uma qualificação jurídica. É a qualificação jurídica daquele
conjunto de actos que levam à separação de duas pessoas que estão unidas
pelo matrimónio, ou seja conjunto de factos que nós temos são:

A + B estão unidos em comunhão de cama, mesa e habitação,


segundo um processo formal, que lhes atribuiu a qualificação de
cônjuges.

Então o que nós vamos fazer é o processo contrário. Este conjunto de factos
vai ser portanto, invertido no sentido de obter um outro efeito jurídico que é
o divórcio.

Portanto, já sabemos que eles se querem divorciar. Mas se são Senegaleses


isto vai-nos obrigar a uma segunda qualificação. Porquê? Se são Senegaleses
logo há uma situação privada transnacional, logo temos que ir à procura da
249

regra de conflitos que nos vai dizer qual é a norma adequada para regular a
situação. Será o art.º 55 mais o art.º 52 que apontará eventualmente para a lei
nacional.

Por isso há quem diga que, quando nós qualificamos, nós não
qualificamos situações da vida, mas sim, qualificamos normas materiais.
Este é o pensamento do Prof. Ferrer Correia. O Prof. Lima Pinheiro, julgo
que não faz referência no seu manual. Segundo ele, esta ideia tem eco no
art.º 15 do código civil.

Já a Prof.ª Magalhães Colaço, tem uma ideia um pouco diferente. Ela


entende que o objecto das qualificações são as situações da vida
conformadas por normas materiais.

Eu entendo que qualquer destes pontos de vista está correcto, sendo


acompanhado por um autor francês que também defende que em
determinadas situações nós podemos qualificar situações da vida, noutras
situações nós qualificamos normas que disciplinam as situações da vida, mas
também nós podemos qualificar situações da vida conformadas por normas
materiais.

Mas francamente se eu tivesse de fazer uma opção, optava pela terceira


defendida pela Prof.ª Magalhães Colaço. Situações da vida conformadas por
determinadas normas materiais.

O direito internacional privado raciocina da seguinte forma:

A e B juntam-se em comunhão de cama, mesa e habitação. Temos


aqui uma situação da vida. Vamos supor que A é Português e B é
Francês. É uma situação da vida com estas características, é uma
situação privada internacional. Como é que nós qualificamos esta
situação privada internacional? Determinando qual é o grupo de
normas materiais que emprestam efeito jurídico a esta situação. Ou
seja, há uma apreciação de facto que nós temos de fazer previamente à
atribuição de efeitos jurídicos a esta situação.

Temos várias possibilidades. A Português e B Francês, portanto,


temos que há a possibilidade de nós aplicarmos o direito francês, há a
possibilidade de nós aplicarmos o direito português, e se eles
residirem por exemplo, num determinado país, há a possibilidade de
250

nós aplicarmos a lei da residência habitual, e há ainda a possibilidade


de nós aplicarmos a lei do país com o qual esta situação apresenta
maior conexão.

Num caso como este nós forçosamente temos que raciocinar segundo
o método de tentativas. Se A e B português e Francês, estão juntos em
comunhão de bens, mesa e habitação, temos uma situação da vida. Se
nós dissermos que vamos só qualificar a situação da vida, ficamos na
dúvida sobre a verdadeira qualificação. Por isso é que eu disse que eu
não aceitava isoladamente a opinião do Prof. Ferrer Correia. Porque
sem nós sabermos qual é o efeito jurídico que uma destas ordens
jurídicas atribui a esta situação, não podemos saber qual é a
qualificação.

Vejam o paralelismo que eu fiz com prescrição, caducidade e não uso.


Ou seja, ao conjunto de normas jurídicas que atribuem efeitos
jurídicos a determinado prazo, chamamos prescrição, ao conjunto de
normas jurídicas que atribuem feitos jurídicos a um determinado prazo
chamamos caducidade, e assim sucessivamente. Aqui também a
mesma coisa. É ao conjunto de normas jurídicas que atribuem efeitos
jurídicos a esta situação da vida, que nós podemos chamar casamento,
união de facto, relação de família, etc.

Aqui na prescrição a situação da vida era decurso, e ao decurso de tempo o


legislador atribui efeitos jurídicos através de normas jurídicas. Essas normas
jurídicas no seu conjunto nós dizemos que correspondem à prescrição. Mas
porque é que nós atribuímos este nome e não outro? Estamos em Portugal,
vamos ver quais são as normas portuguesas que atribuem efeitos jurídicos
àquele decurso de tempo, e chegamos à conclusão de que corresponde à
prescrição. Aqui, o que nós temos é uma situação da vida, e até agora nós só
sabemos que é uma situação da vida, não sabemos ainda que qualificação
atribuir a essa situação da vida. Porquê? Para nós sabermos que qualificação
atribuir a esta situação da vida, temos forçosamente que ir à procura do
conjunto de normas materiais que regulam aquela situação da vida, porque
sem essas normas não temos hipótese de lhe atribuir um nome jurídico.

Se nós perguntarmos o que é um casamento, nós não podermos


contentarmo-nos com aquela definição que dá o art.º 1577 do código civil.
251

Artigo 1577º (Noção de casamento) ”Casamento é o contrato


celebrado entre duas pessoas de sexo diferente que pretendem
constituir família mediante uma plena comunhão de vida, nos termos
das disposições deste Código”.

Nós não podemos contentarmo-nos com este conceito de casamento. Na


verdade é um conceito mais ou menos abrangente, mas o verdadeiro
conceito de casamento do direito português, inclui toda a lista dos
impedimentos matrimoniais, os impedimentos impedientes, e derimentes,
inclui um determinado procedimento que tem de ser forçosamente
observado, inclui os efeitos do casamento, inclui os deveres dos cônjuges,
etc..

Se nós pegássemos em todo o regime jurídico do casamento e fossemos


retirar daí um conceito de casamento chegaríamos à conclusão de que o
conceito do art.º 1577 é insuficiente. O que dá uma nota qualificativa a uma
determinada situação da vida é o seu regime jurídico, e é este regime
jurídico que enforma as situações da vida, e é isso que nos permite dizer que
a cada regime jurídico corresponde uma determinada qualificação.

Num primeiro momento antes de nós fazermos qualificação ainda nós não
sabemos qual é a ordem jurídica aplicável. Os autores referem que
funcionamos segundo o método das tentativas porque na verdade atribuímos
um nome jurídico e depois vamos verificar se o nome jurídico realmente
corresponde à regra de conflitos. Eu pessoalmente, no que respeita ás
qualificações raciocino um pouco de maneira diferente. Eu entendo que, por
exemplo vamos supor esta união de facto, A português e B franceses,
podemos perguntar se será aplicável o direito português? eventualmente.
Será aplicável o direito francês? Ou o da residência habitual? como é que
nós determinamos concretamente qual destas três ordens jurídicas é passível
de ser aplicada? Através da conexão eleita pela regra de conflitos.

Se for uma união de facto entre dois portugueses, e se essa união de facto
contiver notas típicas tais que nos permite considerar que ela é uma relação
de família, por isso é que eu disse que o regime jurídico é importante, vamos
supor que o direito português configurava a união de facto como uma
relação familiar. Neste momento há autores que defendem esta solução. Se
eu considero que o direito português atribui à união de facto efeitos tais que
me permite considerá-la como uma relação de família, então, que conexões é
que o direito de conflitos português elege para resolver esta questão? A
252

conexão nacionalidade, a conexão residência habitual, a conexão lugar onde


a vida familiar se ache mais estreitamente conexa. Se considerarmos que é
uma relação de família, as possibilidades de nós determinarmos a lei
aplicável será:
 Se eles tiverem a mesma nacionalidade a lei da nacionalidade;
 Se não tiverem a mesma nacionalidade, a lei da residência habitual, e
neste caso vamos ter de determinar a concretização;
 E assim sucessivamente.

Temos vários procedimentos a fazer.


 1º - identificar a situação da vida
 2º determinar qual é o grupo de normas materiais que disciplinam
aquela situação da vida;
 34º verificar se aquele conjunto de normas materiais aponta ou não
para uma determinada categoria de conexão, ou seja, para um
determinado conceito – quadro.

Reparem que podia apontar para o conceito – quadro de relação de família,


como podia apontar para outro conceito – quadro. É evidente que isso nos
leva a problemas de conflitos de qualificações. Nada nos impede de abordar
este procedimento.

LIÇÃO N.º 29 06/03/2003

Retomamos hoje a matéria das qualificações em Direito Internacional


Privado, começando por fazer uma revisão dos aspectos teóricos desta
matéria, passando depois à resolução de casos práticos.

O que é qualificar? Que diferenças é que tem a qualificação em direito


internacional privado e em direito interno? Quais são os procedimentos
adoptados para qualificar? Que indicações é que o direito português tem
quanto à problemática da qualificação?

Qualificar é atribuir um nome jurídico. Nós estamos permanentemente a


fazer qualificações. A ideia de qualificação é uma ideia antiga. Por exemplo
desde o tempo dos Romanos procurava já saber qual era a acção que é
remetido. Quando nós andamos à procura de que tipo de acção é que é
necessário para realizar uma determinada pretensão, nós estamos a qualificar
factos jurídicos, e a dizer que esses factos jurídicos se enquadram numa
determinada acção.
253

Por conseguinte, na verdade, em direito internacional privado o tema da


qualificação surgiu numa época muito tardia. Quem descobriu a teoria da
qualificação em direito internacional privado?

Eu entendo que nós podemos falar em qualificação em direito internacional


privado, mesmo na época dos estatutários. Por exemplo, quando os
estatutários faziam aquela separação em:
 Estatutos reais;
 Estatutos pessoais
 E estatutos mistos,
No fundo, o estatuto é uma norma, é um costume. Então, quando se coloca a
questão de saber se esta norma tem a natureza real, ou pessoal, ou mista, no
fundo nós estamos à procura de fazer uma qualificação. Por conseguinte, nós
não podemos ficar com aquela ideia, que muitas vezes transparece dos
manuais, de que o problema da qualificação só surge com Kahn e Bartin.

Passo a referir rapidamente como é que esta ideia surgiu. A ideia partiu de
dois autores. Um Francês que é o Bartin, outro Alemão que é o Kahn. Eles
fizeram a descoberta da problemática da qualificação, no mesmo momento,
investigando em territórios diferentes, praticamente no mesmo momento.
Nós hoje poderíamos dizer que um deles teria plagiado o outro. Mas na
altura confirmou-se que nenhum deles poderia ter plagiado o outro.

Como eu já tenho dito, nós devemos muito aos franceses e eles contribuíram
com muita coisa, nomeadamente em qualificação.

Portanto, a questão da qualificação resulta precisamente do facto de nós,


trabalharmos com conceitos jurídicos, com conceitos que enquadram
situações jurídicas, e portanto, a qualificação, pelo menos em direito interno,
resulta de nós pegarmos num conjunto de factos, que hoje chamaríamos de
factis espécies, e encaixarmos numa determinada norma jurídica. Portanto,
verificar se aquele conjunto de factos apresenta as características que são
próprias de uma determinada norma jurídica. Por exemplo, quando nós
dizemos que o casamento é o relação estabelecida entre um homem e uma
mulher com o fim de constituir família, nós vamos ver se há um homem, se
Há Uma mulher, terceiro se estabeleceram uma relação e se o fim dessa
relação é constituir família. Por conseguinte, se um homem e uma mulher se
juntam, estabelecem uma relação com o fim de constituir família nós
dizemos que isto é casamento. Porquê? Porque nós temos uma norma que
254

define casamento nestes termos. Por conseguinte estamos a qualificar aquela


ralação jurídica, mas se efectivamente um homem e uma mulher se juntam
em comunhão de mesa, leito e habitação, estabelecem uma relação mas não
estabelecem uma relação formal, estabelecem uma relação puramente
factual, nós dizemos que isto é uma união de facto. Portanto, no fundo,
também estamos a fazer uma qualificação jurídica. Estamos a atribuir um
nome jurídico àquela relação.

Qualificar é uma actividade jurídica, é uma actividade que nós realizamos


todos os dias e realizamos permanentemente, e realizamos tantas
qualificações quantas as necessárias para resolver qualquer situação da vida.
Por conseguinte, qualificação não é um problema específico de direito
internacional privado.

O que é que a qualificação tem então de específico em direito


internacional privado?

Eu vou retomar o exemplo do Bartin.

 Na Argélia faleceu um senhor, e deixou uma viúva. A viúva veio


reclamar por morte do seu marido uma parte dos bens que se chamava
“a quarta do cônjuge pobre”. Esta corresponde a uma quarta parte dos
bens deixados pelo falecido.

Então o que é que aconteceu? Quando a viúva veio exigir a “quarta do


cônjuge pobre” colocou-se a seguinte questão: o indivíduo tinha falecido na
Argélia, logo a sucessão era regulada pela lei do domicílio, segundo o direito
francês, e a lei do domicílio era a lei Argelina, que no caso era a lei francesa.
Na altura a Argélia era uma colónia francesa. Então, a solução que daí
resultava era a seguinte:
 A quarta do cônjuge pobre não é um instituto vigente no direito
francês, por conseguinte o direito francês não reconhecia à senhora a
“quarta do cônjuge pobre”.

Mas o regime de bens entre o casal no decurso do casamento agora extinto


pela morte, o regime de bens era regulado pelo direito anglo – maltês, que
por sua vez, na verdade reconhecia a “quarta do cônjuge pobre”. Então a
questão que se suscitou a Bartin, foi a seguinte. se a “quarta do cônjuge
pobre” é um instituto do direito sucessório, então a viúva não tem direito à
protecção. Porquê? Porque a França não reconhece esse instituto. A França
255

que é o direito regulador da sucessão não reconhece esse instituto. Mas se a


“quarta do cônjuge pobre” é um instituto do regime de bens, lá está a dúvida
sobre a qualificação, ou seja se é um instituto de natureza sucessório, a viúva
não tem o direito que reclama, mas se é um instituto atinente ao regime de
bens, então a viúva tem o direito que reclama. Então a partir daqui Bartin
chegou à conclusão que não era suficiente nós procedermos a uma repartição
geográfica das diversas situações da vida, não era suficiente nós irmos à
procura da sede de cada relação jurídica para regularmos uma determinada
situação da vida, para nós obtermos uma solução satisfatória. Tínhamos
ainda um problema um pouco mais complicado e que era precisamente a
questão da qualificação.

Neste caso a solução que foi encontrada foi no sentido de que a “a quarta do
cônjuge pobre” devia ser interpretada como um instituto atinente ao regime
de bens, e portanto reconheceu-se à viúva o direito à “quarta do cônjuge
pobre”.

Hoje eu penso que essa solução foi encontrada um pouco para proteger a
viúva. Não se quis deixar a viúva sem protecção. Mas nós não podemos
deixar de reconhecer que a “quarta do cônjuge pobre” só surge como
consequência da morte. Portanto, se é um direito que surge como
consequência da morte então não pode ser um instituto atinente ao regime de
bens. O que é certo é que esta sentença ficou célebre, tendo sido um caso
real, como sendo uma grande descoberta das ciência do direito internacional
privado. E Kahn também na mesma altura analisando casos semelhantes,
também acabou por chegar à mesma conclusão.

E qual foi a conclusão a que eles chegaram?

Foi a conclusão de que a qualificação, ou seja, a opção quanto a saber se ao


instituto “quarta do cônjuge pobre” podemos considerar de natureza
sucessória, ou atinente ao regime de bens, que era uma solução que tinha de
ser dada na lei do foro. A lex fori. E daí ficou assente a teoria da
qualificação “lege fori” que ainda hoje é dominante na doutrina francesa.

Na verdade no que diz respeito à qualificação, mesmo em direito interno


também se suscitam problemas destes de qualificação. Muitas vezes nós não
sabemos muito bem que nome jurídico é que nós havemos de dar a
determinado instituto, ou então, dizendo melhor, que qualificação jurídica é
que nós devemos dar a determinado instituto, para efeitos de determinar o
256

seu regime jurídico. Porquê? Porque nós não qualificamos por acaso.
Qualificamos porque à qualificação que nós fizemos há-de corresponder um
regime jurídico que será completamente diverso se a qualificação tivesse
sido outra. Tome-se como ponto assente que o nosso ponto de partida, o
nosso objectivo no sentido de fazer qualificação, é o objectivo que visa
alcançar um determinado regime jurídico.

Por exemplo no caso do ónus da prova. Vamos supor que um juiz, e estando
nós a pensar apenas em termos de direito interno, viola as regras sobre a
repartição da prova. Eu pergunto: pode ou não haver recurso de revista por
causa da violação dessas regras? Tem havido dúvidas na doutrina sobre esta
questão. Reparem se nós considerarmos que o ónus da prova, tem natureza
substantiva, então, visto que pode haver recurso de revista por violação de
lei substantiva, (art.º 721 do CPC) então na verdade pode na verdade haver
recurso de revista. Mas, se nós entendermos que essa violação por parte do
juiz das regras da repartição da prova sejam de natureza processual, então
não cai na alçada do art.º 721 do CPC, donde não pode haver recurso de
revista por violação das regras da repartição da prova. Lá está um problema
de qualificação em direito interno, que realmente envolve um regime
jurídico completamente diverso consoante nós façamos uma ou outra
qualificação.

Relativamente ao ónus da prova o problema coloca-se não só em direito


interno como em direito internacional. Mas em direito internacional privado
o problema torna-se um bocado complicado. Porquê? Porque se é certo que
em direito interno há na verdade neste momento uma solução quase pacífica
no sentido de que a violação das regras sobre a repartição da prova tem
natureza substantiva, logo pode haver recurso de revista por violação das
regras de repartição da prova, já no que respeita ao direito internacional
privado o problema não se coloca da mesma maneira. Porquê? Porque nós
vamos, por exemplo, encontrar o direito português que trata o ónus da prova
como natureza substantiva, mas vamos encontrar autores italianos, por
exemplo, estou a pensar no Micahelletti, que tem uma tese de doutoramento
só sobre esta questão, e que é um livro com mais de 500 páginas, só sobre a
questão de saber se o ónus da prova tem natureza substantiva ou processual.
E o Michelletti sustenta que tem natureza processual. E muitos autores
italianos vão atrás da tese deste autor. supondo que a Itália defenda a tese
processual no que respeita à repartição das regras sobre a prova, então nós
temos um problema acrescido. Não só temos o problema de saber se o ónus
da prova tem a natureza substantiva ou processual, como temos também
257

ainda o problema acrescido no sentido de como compatibilizar as diversas


ordens jurídicas que relativamente ao mesmo assunto têm posições diversas
de qualificação.

Temos aqui o grande problema da qualificação em direito internacional


privado que é uma ordem jurídica qualificar um determinado assunto de uma
maneira, e outra ordem jurídica qualificar o mesmo assunto de maneira
completamente diversa.

Aqui as lições do prof. Lima Pinheiro são claras no sentido de que o direito
do foro pré – ordena todo o processo das qualificações. Ou seja, nós temos
que ter em consideração que quando estamos a qualificar, estamos a resolver
um problema do foro . nós não temos que tomar em consideração, salvo
algumas circunstâncias que já iremos analisar, o modo como as outras
ordens jurídicas qualificam. Quem vai dar solução somos nós. Por
conseguinte quem tem que qualificar somos nós.

E daí surge um problema que eu penso que é puramente de ordem linguística


que é o seguinte. nós falámos em qualificação lege fori, e falámos em
qualificação lege causae.

Como é que distinguiriam a qualificação lege fori da qualificação lege


causae?

Aluno: a lege fori é a lei do foro, a lege causae é a lei da origem da situação
da vida, ou do “negócio”. Se a situação da vida é o casamento entre um
italiano e um francês, e se chegar à conclusão de que a legislação para a qual
se remete e que aceita é a italiana, portanto a lege causae será a lei italiana.
Será a lei que deu origem à situação da vida. Portanto, adaptando isso às
qualificações, teríamos que a qualificação lege fori seria a qualificação de
acordo com a lei do foro, neste caso do país que iria resolver digamos assim,
esse conflito de legislações, e a qualificação lege causae ter-se-ia de levar
em conta a qualificação que a legislação que dá origem à situação da vida
atribui a essa mesma situação jurídica.

É basicamente isso que disse. Em toda a situação da vida, de regulação de


qualquer situação da vida, nós temos na verdade que meditar entre duas leis.
Portanto, temos uma situação da vida, e para a resolver temos de aplicar
fundamentalmente duas leis.
 A lei do foro, que é a lei do tribunal;
258

 E a lei da causa, que é a lei chamada pela regra de conflitos do


tribunal.

Portanto, nós não podemos é fazer a confusão no sentido de que a lei da


causa, a lege causae, é sempre uma lei estrangeira. normalmente temos esta
tendência. Esta tendência tem de ser evitada. A lei da causa não é uma lei
estrangeira. a lei portuguesa pode ser a lei da causa, se por acaso uma regra
de conflitos a mandar aplicar. A lege causa tanto pode ser a lei material do
foro, como a lei material estrangeira. a lei do foro, a lex fori, é a lei
processual do foro, é a lei que pré – ordena a aplicação de outras leis que
tanto pode ser a do foro, como a estrangeira.

Então quando nós falamos em qualificação lege fori, estamos a pensar na


qualificação que é dada àquele instituto concreto pela própria lei do tribunal.
Se o tribunal é um tribunal português, será o tribunal português a dar-lhe a
sua qualificação. Quando nós estamos a falar em qualificação lege causae
então estamos a pensar na lei que seria potencialmente aplicável e íamos
atender à qualificação que essa lei potencialmente aplicável nós
atenderíamos.

Há uma divergência doutrinária no sentido de saber se a qualificação deve


ser feita segundo a lei do foro ou segundo a lei da causa, lex causae. No
direito português, essa querela tem sido resolvida no sentido de a
qualificação que nós fazemos ser uma qualificação lege causae.

Vocês dirão que isto vai um pouco contra tudo aquilo que tem sido dito aqui.

Realmente eu tenho dito que nós qualificamos com vista a aplicar o direito
internacional privado do foro, nós portanto resolvemos o problema de
acordo com toda a pré – ordenação feita pelo direito internacional privado
do foro, então porque é que a qualificação é feita lege causae?

Eu pessoalmente na minha tese de mestrado, eu defendi que a qualificação


não é lege causae, que a qualificação é lege fori. A Prof.ª Magalhães Colaço
defende a qualificação lege causae. Mas o prof. Lima Pinheiro vem agora no
seu manual defender exactamente a mesma tese que eu defendi quando
defendi a minha tese de mestrado.

O que se passa é o seguinte:


259

C. Quadro Lei Francesa XXXXXXXXXXXXX


X
Lei do foro lei Inglesa XXXXXXXXXXXXX
(lei portuguesa) C. Quadro
Lei Alemã XXXXXXXXXXXXX
C. Quadro

Nós temos a lei do foro, mas depois nós temos várias leis que são
potencialmente aplicáveis, que são as leis que estão em contacto com a
situação da vida. Então a lei do foro é a Portuguesa, por exemplo, a lex
causae é potencialmente qualquer uma das três leis acima referidas. A lei
Francesa tem um conjunto de normas que regula aquela situação. A Lei
Inglesa tem um conjunto de normas que regula aquela situação, e também a
lei alemã. O que é que nós qualificamos efectivamente?

Qualificamos o conjunto de normas que compões cada lei estrangeira. ou


seja, vamos avaliar essas normas no seu conteúdo e na sua função, como diz
o art.º 15 do código civil, e chegamos à conclusão de que a elas
correspondem um determinado conceito quadro da regra de conflitos. Então,
apenas para nos situarmos no que respeita a esta querela, se é uma
qualificação lege fori, se é uma qualificação lege causae.

Eu entendo que nós utilizamos a lex causae como objecto a qualificar, mas o
nome jurídico que nós damos é o da lex causae. Este procedimento não é
desconhecido da Prof.ª Magalhães Colaço. Ela concorda com este
procedimento. Só que ela chama tudo isso de qualificação lege causae. Eu
digo que isto não é uma qualificação lege causae. Porque reparem. Se
qualificar é dar um nome, o nome que nós estamos a dar, não é nome
atribuído pela lei estrangeira. mas é o nome dado pela lei do foro.

Por exemplo, vamos supor por hipótese a lei inglesa. Vamos supor que
aquele conjunto de normas que se encontram no rectângulo eram normas
sobre prescrição. Se nós perguntássemos à lei inglesa se essas normas
tinham natureza substantiva ou natureza processual, a resposta seria que
tinham natureza processual. Logo a qualificação lege causae é uma
qualificação processual. Mas se nós pegarmos neste conjunto de normas
inglesas e nós lhe quisermos dar o nome jurídico português, portanto, da lei
260

o foro, nós diremos que tem natureza substantiva. Não importa a


qualificação que é dada pela lei inglesa. O que importa é a qualificação que é
dada pelo direito português, pelo direito do foro. Por isso é que eu entendo
que na realidade nós utilizamos como ingredientes para qualificar a lei
estrangeira, mas o nome jurídico que nós damos para efeitos de pré –
ordenarmos toda a solução da situação da vida, é o nome jurídico português,
não pode ser de outra maneira. Porque, senão baralhamos completamente
toda a situação.

Por isso é que eu entendo que nós não podemos chamar a esta qualificação,
qualificação lege causae. No fundo ambas as leis estão a participar no
processo de qualificação. Por isso é que eu digo que é um problema
puramente linguístico. Não é um problema técnico no verdadeiro sentido da
palavra. O prof. Lima Pinheiro e o prof. Moura Vicente defendem esta
mesma ideia.

Esta solução está inteiramente de acordo com o art.º 15 do código civil, ao


contrário do que afirma a Prof.ª Magalhães Colaço. Porquê? Analisamos
estas normas no seu conteúdo e na sua função, e atribuímos um nome
jurídico correspondente ao instituto visado na regra de conflito da lei do
foro. Por conseguinte, eu julgo que este procedimento de qualificar é
exactamente o que está consubstanciado no art.º 15 do código civil.

LIÇÃO N.º 30 10/03/2003

Qual é o papel da lex fori e da lex causae no processo das qualificações?

Para compreendermos o processo das qualificações temos que tomar a ideia


de que a lex causae corresponde à lei estrangeira. Não é. Mas por hipótese
vamos supor que a lex causae corresponderia à lei estrangeira, e a lex fori à
lei portuguesa.

O que é que fornece a lex fori? A lex fori fornece o conceito – quadro.
Fornece o conceito – quadro no qual se vão enformar as normas da lex
causae sujeitas à qualificação. Por conseguinte vamos supor que temos aqui
uma norma. Por exemplo “a maioridade atinge-se aos 18 anos”. Isto é uma
norma. A regra é: nenhuma norma pode ser aplicada sem ser qualificada.
A regra em Direito Internacional Privado é que nós não aplicamos nenhuma
norma de direito material, nenhuma norma substantiva sem primeiro a
qualificar.
261

Portanto, temos aqui esta norma que diz que a maioridade se atinge aos 18
anos, vamos supor que ela é uma norma Cabo Verdeana, e temos uma outra
norma que diz que “ a maioridade se atinge aos 21 anos”, que é uma norma
Sul – Africana por exemplo. Qualquer uma destas duas normas para ser
aplicada tem que ser subsumida no conceito – quadro.

Esta norma para nós a qualificarmos temos de recorrer ao art.º 15 do CC. O


art.º 15 do CC diz analisamos a norma no seu conteúdo e na sua função, e
saberemos que qualificação é que lhe corresponde. Então perguntamos a que
é que esta norma corresponde? É uma norma atinente à capacidade.
Portanto, quando dia que a maioridade se atinge aos 18 anos, temos uma
norma que diz que todas as pessoas, a partir do momento em que atingem
uma determinada idade adquirem a capacidade para reger a sua pessoa e os
seus bens. Por conseguinte é uma norma que no seu conteúdo e função, é
uma norma atinente à capacidade.

Lex causae lex fori


“a maioridade atinge-se
aos 18 anos” (15) capacidade art.º 25+31/1 –LP-LN-
LCV

“ a maioridade se atinge
aos 21 anos” capacidade art.º 25+31/1 –LP-LN- LSA

conclusão: se é uma norma atinente à capacidade ela subsume-se no art.º 25


conjugado com o art.º 31/1 do CC. O art.º 25 conjugado com o art.º 31/1 do
CC manda aplicar a lei pessoal, que é a lei da nacionalidade. Neste caso
portanto, a lei é Cabo – Verdeana, ou seja esta norma que diz que a
maioridade se atinge aos 18 anos é uma norma Cabo – Verdeana. Aplica-se
aos Cabo – Verdianos.

A lege causae fornece o objecto a qualificar. Portanto o objecto da


qualificação é retirada da lex causae. O conceito – quadro onde nós vamos
subsumir esse objecto é fornecido pela lex fori. Portanto qualquer uma
destas normas analisadas no seu conteúdo e na sua função são normas que
correspondem à categoria de conexão capacidade, logo subsumem-se nos
art. 25 conjugado com o art.º 31/1 do CC, que manda aplicar a lei pessoal, a
262

lei pessoal é a lei da nacionalidade, portanto, neste caso aplica-se esta norma
aos Cabo – verdianos e a segunda aos sul – africanos.

Eu entendo que a forma mais fácil do ponto de vista prático para fazermos
qualificação é termos objecto. Ninguém qualifica coisa nenhuma. Temos de
qualificar alguma coisa. Portanto, se temos de qualificar alguma coisa, então
comecemos por determinar o objecto a qualificar. Na verdade, quando se
ensina a qualificação, não se começa por determinar o objecto a qualificar.
Isto portanto, quanto aos aspectos de natureza teórica, que poderemos ver de
seguida. Mas o que é certo é que no plano estritamente prático, quando
estão a resolver um caso prático, a primeira coisa é saber: temos uma
norma que quer ser aplicada? Então temos uma qualificação a fazer!

Portanto, temos aqui esta norma, 18 anos é uma norma de direito cabo
verdiano, podemos nem sequer invocar a origem desta norma. Temos uma
norma que diz que a maioridade se atinge aos 18 anos, analisamos a norma
no seu conteúdo e na sua função, art.º 15 do CC, chegamos à conclusão de
que se trata de uma norma que diz respeito à capacidade das pessoas para
reger as suas pessoas e os seus bens, então a conclusão é que é uma norma
que se subsume no art.º 25 conjugado com o art.º 31/1 do CC. E quem diz
isso, diz qualquer outra norma. Nós pegamos em qualquer norma, de
qualquer direito, seja que direito for, e o procedimento é sempre este.

Por exemplo. Vamos pegar na norma do art.º 1382 do código civil francês
que dia que aquele que cometer um delito é obrigado a indemnizar. Reparem
que esta norma é equivalente ao art.º 483 do CC. Por conseguinte, se esta
norma é equivalente ao art.º 483 do CC, de acordo com o procedimento
sugerido, como é que nós qualificaríamos esta norma? Responsabilidade
extracontratual.

O primeiro procedimento é analisar a norma no seu conteúdo e na sua


função, e dizer que é uma norma que visa responsabilizar as pessoas que
praticam actos ilícitos. Por conseguinte se é uma norma que visa
responsabilizar pessoas por actos ilícitos, o conceito – quadro onde ela se vai
subsumir, é no Art.º 45 do CC que regula a responsabilidade extra –
contratual. Porque é que nós fazemos essa subsunção? Precisamente para
determinar a lei aplicável. Porque podemos chegar à conclusão, vamos supor
por exemplo, que relativamente a um acidente ocorrido na Alemanha,
alguém invoca a aplicação do art.º 1382 do código civil francês. E já vamos
263

ver que há hipóteses práticas em que isso ocorre. Quem diz um acidente diz
um facto ilícito praticado noutro país.

O art.º 45 do CC manda aplicar a lei do lugar do delito, e a lei do lugar do


delito é por hipótese o território francês. Que conclusão é que temos que
tirar? Que a norma é aplicável! Mas se a lei do lugar do delito por exemplo
for na Alemanha, a norma não é aplicável.

Em regra o objectivo da qualificação consiste no teste de aplicabilidade de


uma determinada norma e é partindo desse teste de aplicabilidade que
chegamos à conclusão que a norma é ou não aplicável a uma determinada
situação privada internacional. Portanto, a qualificação visa testar se
determinada norma é ou não aplicável a uma determinada situação da vida.

Para chegarmos a essa conclusão temos de fazer este percurso. Analisar a


norma no seu conteúdo e na sua função, subsumi-la a um determinado
conceito – quadro, verificar qual é a lei que o conceito quadro manda
aplicar, fazer a concretização dessa mesma lei, por exemplo, se for a lei
pessoal aplicar a lei da nacionalidade, se for a lei da nacionalidade verificar
qual é a nacionalidade em causa, e depois determinar o conteúdo da norma
aplicável. Se realmente chegarmos à conclusão que de facto os pressupostos
de concretização se verificam naquele país, então na verdade consideramos
que a norma recebeu título de aplicação.

Um acidente ocorre em França, alguém vem invocar o art.º 483 do CC, para
regular aquela situação. Em princípio não pode ser. Naturalmente que se
forem dois portugueses podem ocorrer situações com base no n.º 3 do art.º
45 do CC, que podem permitir a aplicabilidade do art.º 483 do CC mesmo
em situações ocorridas no estrangeiro, mas em regra não é. Em regra é a lei
do lugar do delito.

Recapitulando: o percurso é: ter um objecto, ter o que nós vamos


qualificar, ter uma norma legal, porque o objecto de qualificação,
embora haja divergências doutrinárias sobre esta questão, mas nós
podemos tomar como assente a posição do Prof. Ferrer Correia, o
objecto da qualificação são normas legais,, uma norma ou normas
legais. Portanto, termos uma norma. Eu parto daqui precisamente
porque eu entendo que para nós qualificarmos temos de ter alguma
coisa para qualificar. Há pessoas que partem da interpretação do
264

conceito – quadro. A interpretação do conceito – quadro do ponto de


vista teórico é interessante para efeitos de qualificação. Agora do ponto
de vista prático, eu penso que realmente a regra é começarmos por
determinar o objecto a qualificar. Sabendo qual é esse objecto, analisá-
lo no seu conteúdo e na sua função. Uma vez analisado esse objecto no
seu conteúdo e na sua função, ficamos a saber qual é o conceito –
quadro em que ele se subsume. Se é relação de família, se é sucessão por
morte, se é a responsabilidade extra – contratual, etc.. por conseguinte
sabido qual é o conceito – quadro, esse conceito – quadro aponta-nos
para uma norma de conflitos. Essa norma de conflitos aponta-nos para
uma determinada lei, e essa lei por sua vez concretiza-se num
determinado país. Portanto, é a lei desse país que, em princípio, é
aplicável. A lei desse país é aplicável se se concretizar naquele país o
elemento de conexão. Se não se concretizar naquele país o elemento de
conexão, chegamos à conclusão de eu a lei não é aplicável. Este é o
procedimento prático para resolver os casos de qualificação.

HIPÓTESE

Dois ingleses, pai e filho, celebram um contrato de compra e venda de um


imóvel situado no Algarve. Escolhem como lei reguladora do contrato a lei
portuguesa. Um outro filho do inglês que não foi tido nem achado na venda,
pretende anulá-la com base no art.º 877 do CC. Quid juris?

O art.º 877 é uma boa disposição para demonstrar a problemática das


qualificações em direito internacional privado.

Aluno: teríamos de analisar este negócio à luz do art.º 15 do CC, ver a sua
função e conteúdo, chegaríamos à conclusão de que se trataria de relações
entre pais e filhos, art.º 57 do CC, ir-se-ia ver que o art.º 57 do CC manda
aplicar a lei nacional comum dos pais.

Antes de avançar, porque repare que este ponto aqui é o ponto central da
problemática da qualificação. Na verdade, saltando por cima de pormenores,
a solução que está a fazer é correcta. Então mas continue, que já falarei
sobre este artigo concreto.

Aluno: portanto o art.º 57 do CC manda aplicar a lei nacional comum dos


pais, que vamos supor que é a lei inglesa.
265

Repare-se que estamos a ultrapassar toda a problemática do reenvio, toda a


problemática dos ordenamentos jurídicos plurilegislativos, toda a questão de
saber se eles aceitam a competência ou não, vamos admitir que é a lei
inglesa.

Aluno: não se aplicava o art.º 877 do CC

Conclusão: não se aplica o art.º 877 do CC. Porquê? Porque é um artigo da


legislação portuguesa. É uma norma da lei portuguesa. Por conseguinte, esta
tal avaliação levou a rejeitar título de aplicabilidade ao art.º 877 do CC. Esta
qualificação que acabou de fazer vamos ver que tem pormenores que
precisam de ser trabalhados. Esta qualificação que fizemos levou a rejeitar a
aplicação do art.º 877 do CC.

Mas eu digo o seguinte. todavia as partes escolheram a lei portuguesa. Para


regular o contrato. Não se esqueçam de que as partes escolheram a lei
portuguesa para regular o contrato. Quid juris?

A/B celebram um contrato de compra e venda e dizem que a lei


reguladora deste contrato é a lei portuguesa. O art.º 877 do CC está
incluído ou não?

A regra não se aplica. Porquê? Precisamente por causa da função da norma.


Reparem quando diz que A e B celebram um contrato de compra e venda e
escolhem a lei portuguesa para regular esse contrato, não nos podemos
esquecer que com base no art.º 15 do CC só as normas pelo seu conteúdo e
função têm natureza obrigacional é que são aplicáveis.

Esta situação é a situação da nossa hipótese invertida. Só as normas que têm


natureza obrigacional, porque o contrato de compra e venda é um contrato
obrigacional, só as normas que têm natureza obrigacional é que são
aplicáveis. o que nós temos que fazer aqui na delimitação desse leque de
normas, é perguntar, se o art.º 877 do CC tem natureza obrigacional. A
resposta que o art.º 877 regula obrigações familiares. Também no quando
obrigacional nas relações de família há normas obrigacionais. Não tenhamos
dúvidas. O marido tem obrigações para com a mulher, e vice versa. Tem
obrigações para com os filhos. Também essas normas são de natureza
obrigacional. São normas de natureza obrigacional especial, que visam
266

regular determinadas obrigações especiais, que são obrigações de


paternidade ou de filiação. São relações familiares.

Esta norma do art.º 877 do CC como é que ela se qualifica? É na verdade


uma norma obrigacional, mas é uma norma que tem essa função familiar.
Por conseguinte esta especialidade dada à norma, retira-lhe essa natureza
obrigacional, ou puramente obrigacional. Ela não é puramente obrigacional.
Tem uma predominância de ingredientes familiares por isso é que ela é uma
norma especial. Ela não é uma norma geral. Porque em regra todos podem
vender a todos. Só que os pais e avós é que não podem vender a filhos ou
netos. Então quando nós vamos à procura de saber qual é a natureza dessa
norma, essa natureza tem que ser buscada atendendo ao aspectos que
conferem a especialidade à norma.

Portanto, os aspectos que conferem especialidade a essa norma são


precisamente relações de família.

Reparem o que está aqui em causa. A e B celebram um contrato de compra e


venda e dizem que este contrato de compra e venda é regulado pelo direito
português.
 Primeira questão: eles podiam escolher o direito português para
regular o contrato de compra e venda? Podiam. Como é um contrato
obrigacional, com base no art.º 3 da convenção de Roma, eles podiam
escolher o direito português para regular esse contrato. Até aqui
estamos todos de acordo.
 Não se esqueçam daquilo que nós andamos a dizer desde o início do
curso. A regra de conflitos quando manda aplicar uma determinada
lei, não significa que mande aplicar a totalidade dessa ordem jurídica.
Opera um recorte, faz portanto uma selecção dentro daquela ordem
jurídica com vista à determinação de quais as normas aplicáveis.

Neste caso aqui por força do art.º 15 do código civil, esta norma do art.º 3 da
convenção de Roma, vai operar um recorte no quadro da ordem jurídica
portuguesa, no sentido de que só aquelas normas cujo conteúdo e função
tenham natureza obrigacional, só aquelas normas no direito português que
pelo seu conteúdo e função tem natureza obrigacional, é que são aplicáveis.
todas as outras normas do direito português que não tenham natureza
obrigacional, não são aplicáveis. Serão aplicáveis se receberem título de
aplicação por outra via. Mas título de aplicação por esta via, por via do art.º
3 da convenção de Roma, não têm.
267

A questão será a seguinte. para nós aplicarmos qualquer norma do direito


português, com base na ideia de que se trata de uma norma obrigacional,
temos de analisar. Temos de averiguar se ela é ou não aplicável. Vamos
supor que, com base nesta situação, as partes queriam aplicar por exemplo, o
art.º 879 do CC por exemplo, queriam aplicar o art.º 877 do CC, etc.

A questão é a seguinte: estas normas no seu conteúdo e função são de


natureza obrigacional? Esta é que é a pergunta. Então para nós aplicarmos
cada uma dessas normas vamos analisá-las no seu conteúdo e na sua função.
Art.º 15 do CC mais uma vez. Reparem o papel do art.º 15. primeiro delimita
a competência legislativa da lei portuguesa. Diz a competência da lei
portuguesa só tem natureza obrigacional. Mas depois o art.º 15 vai servir
para aferir a natureza de cada uma daquelas normas que querem ser
aplicadas. Portanto, o art.º 15 desempenha uma dupla função.
 Desempenha a função de delimitar a competência legislativa da lei
chamada a regular a situação, por força da regra de conflitos, neste
caso a regra de conflitos é o art.º 3 da convenção de Roma que dá
autonomia às partes para escolher a lei reguladora da situação,
 e a seguir o art.º 15 vai servir de elemento aferidor da natureza
jurídica de cada norma partindo do seu conteúdo e função elas
recebem ou não título de aplicação.

Num caso como o da nossa hipótese quer aplicar o art.º 879 do CC e


reparem que esta averiguação é uma averiguação que tem de ser feita alínea
por alínea, norma a norma. E dentro de cada norma número a número. Nós
não podemos por exemplo, pegar no art.º 879 do CC e dizer que ele tem
natureza obrigacional.

Dentro do art.º 879 poderemos encontrar normas de natureza obrigacional


mas também normas de natureza real. Como sabem a alínea A do art.º 879
do CC diz a compra e venda tem como efeito essencial a transmissão da
coisa. Esse efeito da transmissão da propriedade é um efeito real. Portanto
esta alínea A não recebe título de aplicação. Se tem natureza real, o artigo
foi chamado pela natureza obrigacional, logo essa alínea A não é aplicável.

Primeiro o art.º 15 vai servir para delimitar a competência legislativa da


lei portuguesa, e a competência legislativa da lei portuguesa é uma
competência obrigacional, e o passo seguinte vai ser avaliar cada norma
268

alínea por alínea, número por número, e verificar se tem natureza


obrigacional. Se chegarmos à conclusão de que não tem natureza
obrigacional, mas tem natureza real, por exemplo, ou tem natureza
familiar, ou tem outra natureza qualquer, então neste caso a norma não é
aplicável, porque não recebeu o tal título de aplicação por força da regra
de conflitos.

Aluno: se nós invertêssemos a questão. Por exemplo, como em Inglaterra


não há constrangimentos a compra e venda entre pais e filhos, se
admitíssemos que pai e filho iam a Inglaterra celebrar este negócio
estipulando que a lei reguladora é a Inglesa, estamos perante uma situação
de fraude à lei? eles não vão lá precisamente para fugir a esta questão?

Não! Por isso é que eu insisto que o art.º 877 do CC é um bom artigo para
demonstrar esta temática da qualificação. Repare este caso aqui não é
aplicável. Reparem.

Vamos supor que A e B neste caso em vez de ingleses eram portugueses,


vão a Inglaterra, celebram um negócio, e escolhem a lei inglesa para regular
o contrato. A lei inglesa por força do art.º 15 do CC, só regula os aspectos
obrigacionais. Mantém-se na mesma a aplicabilidade do art.º 877 do CC. Por
conseguinte a venda neste caso não seria válida, mas não porque a lei
portuguesa não tem uma norma semelhante ao art.º 877 do CC, mas porque
o art.º 877 do CC é aplicável, já recebe título de aplicação. Por força de outra
norma de conflitos. Não pela norma do art.º 3 da convenção de Roma.

LIÇÃO N.º 31 12/03/2003

Continuando com as qualificações....

Tínhamos na ultima aula colocado a questão se na nossa hipótese C poderia


impugnar aquela venda com base no art.º 877 do CC. Como vos disse nós
podemos resolver este caso por várias vias. Um caminho que eu tinha
sugerido era partirmos da problemática da qualificação.

O art.º 877 é uma disposição que não é só uma disposição de natureza


obrigacional, mas só que essa disposição apesar de ser uma disposição de
natureza obrigacional porque entre pais e filhos, avós e netos se criam de
facto obrigações, mas o que é certo é que há uma componente de
excepcionalidade na norma que é determinante na sua qualificação, que é
269

precisamente a componente familiar, porque em regra, todos podem vender


a todos. O art.º 405 do CC estabelece isso. Todos podem celebrar os
contratos que aprouverem, podem juntar elementos de um ou mais contratos,
sem qualquer impedimento.

Temos que perguntar porque é que no que diz respeito a pais e filhos, e avós
e netos, há limitações. Se há limitações, então isso significa que é em razão
dessa especialidade que nós vamos ter que fazer a qualificação. O elemento
determinante da qualificação, não é o aspecto obrigacional, na verdade há
aqui uma norma de natureza obrigacional, mas é o aspecto familiar ou
sucessório que efectivamente importa no sentido da qualificação. É mais ou
menos neste ponto que nós tínhamos ficado.

Primeiro vou dizer o que é que não pode ser.

 Quando nós dizemos que o contrato de compra e venda de imóvel é


regulado pelo direito português, isto não significa que o direito
português regule todas as situações jurídicas em torno daquele
contrato. Isso não significa que o direito português seja competente
para disciplinar a totalidade da relação jurídica. O direito português só
é competente para regular um aspecto da relação jurídica que é o
aspecto obrigacional. Nós já conhecemos esta delimitação da
competência legislativa do Estado que no fundo, é dada pelo art.º 15
do código civil. Já dissemos que sempre que uma regra de conflitos,
neste caso é o art.º 3.º da Convenção de Roma, atribui competência a
uma determinada ordem jurídica, neste caso a lei portuguesa, o passo
seguinte é chamar o art.º 15 do CC, para delimitar a competência
legislativa da ordem jurídica chamada pela regra de conflitos. Porquê?
Porque o art.º 15 do CC diz que a competência atribuída a uma lei, lei
portuguesa, abrange apenas as normas que pelo seu conteúdo e
função, corresponde ao regime do instituto visado pela regra de
conflitos. Se o regime visado na regra de conflitos é de obrigações,
então naturalmente o direito português não pode ser competente mais
do que nas matérias atinentes às obrigações. Eu penso que sobre este
ponto estamos todos de acordo. No caso do art.º 879 do CC as alíneas
B e C recebem título de aplicação por força do art.º 3 da convenção de
Roma, mas a alínea A, recebe título de aplicação por força do art.º 46
do CC. É a regra de conflitos que diz se a norma é competente.
270

Nós não podemos dizer que pelo facto de se ter escolhido a lei portuguesa,
que a lei portuguesa é totalmente competente. Isso só significa que a lei
portuguesa é competente para regular um determinado âmbito de matéria.
Por conseguinte para nós sabermos se o art.º 877 do CC é ou não aplicável,
nós temos que analisar esta disposição para sabermos se ela está dentro deste
âmbito de competência devidamente delimitado. Só as disposições estejam
dentro deste âmbito de matéria, devidamente delimitado, é que realmente
são competentes ou podem ser aplicadas.

Norma A

Norma B

Norma C

Por conseguinte vejam que o art.º 15 está a desempenhar uma dupla função.
O art.º 15 do CC está a desempenhar a função de delimitar a competência
legislativa da ordem jurídica chamada para regular a situação privada
internacional, mas também está a desempenhar o papel de nos dar o método
através do qual vamos averiguar se cada disposição concreta está ou não
inserida dentro do âmbito de competência atribuída a cada ordem jurídica.

O art.º serve para delimitar a competência legislativa da ordem jurídica


chamada para regular uma dada matéria, mas também serve como critério
metodológico para nós averiguarmos relativamente a cada disposição
concreta se ela tem a natureza adequada, está dentro ou não, do âmbito de
competência atribuído a cada Estado. O art.º 15 do CC desempenha
efectivamente estas duas funções. Portanto cada uma das disposições tem de
ser avaliada à luz do art.º 15 do CC.

Uma vez que temos esta situação, qual é o nosso passo seguinte? é irmos
averiguar à luz do art.º 15 do CC, qual é o conteúdo e a função do art.º 877
do CC. Reparem que nós temos três hipóteses:
 Temos uma hipótese que nós chamaríamos sistemática. A hipótese
sistemática diz que visto que o art.º 877 do CC, está contido no livro
II das Obrigações, então ela é uma norma de natureza obrigacional.
Todavia, nós já sabemos, por força da experiência, que o legislador
nem sempre se serve de um critério científico na repartição das
271

normas jurídicas. E além disso, o facto de nós termos um capítulo que


em princípio ordena todas as normas relativas às obrigações, não
significa que, dentro desse capítulo não existam também normas que
constituam excepções às normas que obedeceram àquele mesmo
critério. Temos o art.º 405 do CC que diz que todos podem vender a
todos, mas dentro do livro sobre as obrigações temos também o art.º
877 do CC pelo qual os avós e pais não podem vender a netos e filhos.
A mesma norma que diz que pode vender, e a norma que diz que não
pode vender, então ambas contidas dentro do mesmo livro. O que nós
temos que averiguar é quais foram as razões especiais que ditaram a
existência da norma do art.º 877 do CC. Por conseguinte
o elemento sistemático não serve, porque na verdade nós podíamos
perfeitamente pegar nesta norma e perguntar se ela diz respeito às
obrigações. E chegamos à conclusão que sim, porque fala de compra
e venda. Na verdade fala em obrigações. Mas só que diz que não pode
vender. Temos é que saber porque é que não pode vender.
 Se nós chegarmos à conclusão de que pais e avós não podem vender
para que um filho não seja beneficiado a favor do outro, então nós
diríamos que se trata de uma disposição de natureza familiar. Ou
seja, a tónica dominante da disposição do art.º 877 do CC, é
precisamente aquela tónica que lhe confere a excepcionalidade, é
precisamente uma tónica familiar. É efectivamente essa tónica
familiar que nos aponta para uma determinada qualificação.
 Mas também podíamos pensar que se trataria de uma norma de
natureza sucessória. O legislador teria em vista evitar que no
momento da sucessão, um filho ficasse mais beneficiado do que o
outro, com doações cobertas de compra e venda. Podíamos pensar que
o que o legislador quis foi na verdade proteger os outros filhos no
momento da sucessão. Como nós sabemos as doações estão sujeitas à
colação, portanto, são chamadas à herança para que se possa igualar a
partilha. ora as vendas não são. Porque é que as vendas não são?
Venda significa dar e receber. Tem uma prestação e uma contra .-
prestação. Portanto, se o pai recebeu a contra – prestação então os
outros filhos ficaram numa posição de igualdade. Tendo isto em
consideração então nós podíamos pensar que o que o legislador quis
foi evitar que através de vendas simuladas, o pai estivesse a doar aos
filhos, portanto desigualando a partilha no momento da sucessão.
Então diríamos que a norma tem natureza sucessória.
272

Reparem que não é indiferente essas duas ultimas qualificações. Já sabemos


porquê. Porque se nós considerarmos que tem natureza sucessória vai para o
art.º 62 e seguintes do código civil. Mas se considerarmos que tem natureza
familiar vai para os artigos 56, 57 e seguintes do código civil.

Se nós observarmos bem o art.º 877 do CC, ele tem lá uma disposição que
nos aponta no sentido de que ela não é uma norma de carácter sucessório. E
qual é essa disposição? Este procedimento que estamos aqui a fazer é aquilo
que nós chamamos delimitação do objecto da subsunção. No fundo o que eu
estou a fazer é caracterizar o art.º 877 do CC, que é o elemento fundamental
de todo o processo de qualificação. Estou a colocar as diversas hipóteses de
qualificação dessa disposição.

Não é uma disposição de carácter sucessório porquê? Reparem que o n.º 2


do art.º 877 do CC diz que a venda tem de ser impugnada no prazo de um
ano após o conhecimento. Ora, se fosse uma disposição de carácter
sucessório não diria no prazo de um ano, diria até à morte do de cujus, ou
então um ano a partir da morte do de cujus. Mas não. Se realmente a pessoa
só tem um ano, então em princípio o pai não vai morrer em menos de um
ano. Por conseguinte não pode se uma disposição de carácter sucessório,
porque a sucessão abre-se com a morte de alguém.

Os elementos do art.º 877 do CC permitem concluir que não se trata de uma


disposição de natureza sucessória. Trata-se de uma disposição de natureza
familiar. E na verdade, uma disposição mais especificamente atinente às
relações entre pai e filho. por conseguinte é uma disposição que se subsume
no art.º 57 do CC. É uma norma, dito de outra maneira, que recebe título de
aplicação por força do art.º 57 do CC.

Visto que assim é, reparem que quando nós fazemos uma qualificação
estamos a apontar para uma determinada solução. Se dizemos que o art.º 877
do CC, é uma disposição de natureza familiar, subsume-se portanto no art.º
57 do CC, quais são as consequências? Manda aplicar a lei nacional comum
dos pais, que vamos supor que é a inglesa. Podíamos simplesmente dizer o
seguinte: esta disposição não é uma disposição do direito Inglês, portanto
não é aplicável. O que nós poderíamos era questionar se o direito inglês tem
uma disposição semelhante ao art.º 877 do CC. A resposta seria negativa.
Não há uma disposição semelhante ao art.º 877 do CC no direito inglês. Não
é aplicável, logo a venda não pode ser anulada.
273

aspectos teóricos da problemática da qualificação

Podemos agora passar para os aspectos teóricos da problemática da


qualificação. Este é o procedimento prático para resolver um caso prático.
Não deixa de ser com base em conhecimento teóricos. Mas nós sabemos no
que respeita à qualificação existem essencialmente três momentos
fundamentais.

Quais são esses três momentos fundamentais e em que é que eles


consistem?

Primeiro momento é a interpretação do conceito – quadro. O que é que isto


significa? Muitas vezes ouvimos falar em interpretação do conceito –
quadro. Etimologicamente o que é que esta frase significa? A interpretação
do conceito – quadro é a previsão da regra de conflitos. Por conseguinte,
estamos só a pensar na previsão da norma. Quando nós estamos a falar de
que a qualificação tem como primeiro momento a interpretação do conceito
– quadro, só estamos a pensar na previsão da norma de conflitos. E então o
que é que significa interpretar o conceito – quadro? No fundo é determinar o
leque de matérias a que o conceito – quadro concorre. Quando nós falamos
em interpretação do conceito – quadro estamos a pensar em qual o leque de
matérias que um determinado conceito – quadro pode comportar.

Existem algumas teorias sobre esta interpretação. Qualquer conceito


jurídico, por exemplo o conceito de maioridade, é um conceito jurídico. Se
maioridade é um conceito jurídico, o que é um conceito jurídico? Estou a
pensar naquela distinção complexa entre questões de facto e questões de
direito. Quando nós dizemos que maioridade é um conceito jurídico é uma
questão de direito. Porque é que a maioridade é uma questão de direito?

Aluno: é uma questão abstracta, que é definida pelo direito, não é palpável
como a situação de facto, que possa ser palpável factualmente, mas que só é
determinada a partir do momento em que o ordenamento jurídico intervém.

Essa norma jurídica que atribui efeito que nós chamamos maioridade, varia
de país para país, e mesmo no mesmo país varia no tempo. Em Portugal
antigamente a maioridade atingia-se aos 25 Anos no tempo das ordenações
Afonsinas, depois foi baixando até 21 anos, e hoje está nos 18 anos. por
conseguinte, no fundo é um efeito jurídico decorrente do tempo. É o efeito
do decurso do tempo nas relações.
274

Eu fiz a pergunta para que pudéssemos compreender o que é isso de


interpretar um determinado conceito. Quando nós dizemos que a maioridade
se atinge aos 18 anos em Portugal, a interpretação desse conceito há-de ser
feita a que luz? À luz da lex fori.

As várias teorias sobre a interpretação são as seguintes:


A interpretação do conceito – quadro pode ser feita:
 Segundo a lei do foro;
 Segundo a lex causae;
 Segundo o direito comparado;
 E segundo o direito formal do foro.

São as 4 teorias possíveis de interpretação do conceito – quadro.

 A Teoria de interpretação segundo a lei material do foro

A Teoria de interpretação segundo a lei material do foro, ou seja, vamos


supor que o direito de conflitos utiliza o conceito casamento. Então para nós
sabermos o que é casamento, para efeitos do direito de conflitos, vamos ao
art.º 1577 do CC e vemos que por casamento entende-se uma união entre
homem e mulher com o fim de constituir família. Então neste caso, para o
direito de conflitos, segundo esta interpretação de acordo com a lei do foro,
casamento seria também a mesma coisa.

Está bem de ver que é uma teoria que não pode ser aceite na sua totalidade,
porquê? Porque o direito de conflitos é um direito aberto ao mundo. Se
realmente nós vamos interpretar os conceitos só e unicamente com a norma
material do foro, de acordo com os conceitos materiais da ordem jurídica do
foro, então estamos a perigar a própria intencionalidade do direito de
conflitos. Estamos a pôr em causa os seus objectivos.

Esta é uma teoria que pode ser aceite mas com algumas limitações que
iremos ver

 A teoria da interpretação segundo a lex causae

A teoria da interpretação segundo a lex causae, como diz o Prof. Ferrer


Correia, não conhece ninguém que tenha defendido essa teoria com
seriedade. Porque parece que não faz sentido nós interpretarmos o conceito
275

do foro com os critérios da lex causae. Seria o mesmo que dizer que o
conceito de casamento em direito português, é interpretado segundo o
conceito de casamento do direito francês, se ele for aplicável. Mas depois
geraria uma enorme confusão se realmente cada vez que se aplicasse uma
ordem jurídica nós teríamos de mudar o conteúdo do conceito. A
interpretação lege causae é um critério que devemos rejeitar.

 a interpretação segundo o direito comparado

Já a interpretação segundo o direito comparado, tem algum ponto por


onde se pegar.

Como sabem essa teoria foi criada por Habel, foi muito criticada quando este
autor inventou a teoria da comparação de direitos, mas o que é certo é que
veio trazer uma contribuição importante, que é encarar o direito
internacional privado com autonomia relativamente ao direito material do
foro.

Nós vimos este ponto quando estudamos o princípio de autonomia do DIP.


Por conseguinte na verdade nós não recorremos ao direito comparado para
fazer interpretação do conceito – quadro, mas tomamos em consideração o
direito comparado nessa interpretação. Há um contributo do direito
comparado, nesta interpretação. E é isso que vem dar ao aparecimento de a
teoria da interpretação segundo a lei formal do foro.

 a teoria da interpretação segundo a lei formal do foro

O que é que significa? Significa que por exemplo, o conceito de casamento


para efeitos do direito de conflitos não seria o mesmo que o conceito de
casamento para direito internacional privado. Portanto, vejam por exemplo o
conceito de estado.

Solteiro
casado
viúvo
Estado divorciado
União de Facto
desquitado
repudiado
Nacional
276

No conceito de Estado temos o Estado de solteiro, estado de casado, estado


de viúvo, estado de divorciado, mas se nós quisermos alargar este conceito
de modo a abranger as situações da vida privada internacional, temos de
incluir aqui a União de Facto, estado de desquitado, estado de repudiado,
etc. portanto outras situações jurídicas pessoais que sejam permanentes e que
realmente correspondam à situação de Estado.

Fala-se também mesmo em estado de nacional. Por exemplo a lei italiana,


tem uma norma que diz é a lei de um determinado país que diz quem é seu
nacional. No fundo está a receber no direito de conflitos italiano aquele
princípio que nós dizemos que é do direito internacional público segundo o
qual cada Estado diz quem é seu nacional. Então nós tínhamos a seguinte
situação: o estado de nacional, é regulado pela lei da nacionalidade.

Aluno: no fundo é como se nós fossemos a todos os ordenamentos jurídicos


para um determinado conceito buscar o que cada um deles tem de novo a
acrescentar

Exactamente. Buscar o que cada ordenamento jurídico tem de novo, mas que
corresponda ao conceito. Reparem que aqui estamos a falar de conceito de
estado, e temos de ter em consideração que é uma situação de natureza
pessoal,. Permanente ou tendencialmente permanente.

Por conseguinte a interpretação do conceito – quadro é feita segundo o


direito formal do foro.

O Prof. Lima Pinheiro tem uma formulação um pouco diversa daquilo que
eu estou aqui a transmitir, mas que não vai longe disto. Ele diz que nós
tomamos como ponto de partida o direito material do foro, e depois nós
alargamos para as outras situações jurídicas. No fundo é aquilo que eu fiz
aqui. Pegamos daquilo que corresponde ao conceito de estado para efeitos
do direito material do foro, portanto, solteiro casado viúvo e divorciado,
depois alargámos para outras situações idênticas. É apenas um problema de
formulação.

Do meu ponto de vista nós podemos entender que os conceitos de direito


internacional privado, são conceitos abertos, porque vamos supor uma
277

ordem jurídica qualquer, que cria uma situação de estatuto pessoal,


completamente diversa daquilo que nós conhecemos, esta situação também
vai entrar dentro desse conceito. Por conseguinte, em princípio nesse ponto
de vista o conceito é aberto a qualquer situação que sejam adequadas a
subsumir ao conceito.

Estamos portanto no primeiro momento do processo das qualificações. A


interpretação do conceito quadro. E a delimitação do objecto da
qualificação? É o segundo momento do processo das qualificações.

Qual é o seu sentido? Estamos neste momento a tratar daquilo que vamos
qualificar. Ainda nós não sabemos qual é a norma que vai ser aplicada e se
vai ser aplicada ou não.

Quando nós falamos em delimitar o objecto de qualificação, nós podemos


questionar duas coisas:
 o que é o objecto da qualificação? Falou-se em normas materiais.
Portanto está a admitir-se que a qualificação são normas materiais.
Quando nós falamos em interpretação do conceito – quadro nós
estamos a pensar em abstracto em que situações jurídicas é que são
susceptíveis de subsumir naquele conceito – quadro. Agora quando
nós falamos em delimitar o objecto de qualificação isto responde à
questão de saber o que é o objecto da qualificação e como é que ele se
delimita.

O objecto da qualificação são normas materiais. Na verdade existe uma


divergência quanto à questão de saber qual é o objecto da qualificação.

 Existe uma teoria que diz que o objecto da qualificação são as normas
materiais, que é a teoria defendida pelo Prof. Ferrer Correia;
 Existe uma teoria que diz que o objecto de qualificação são situações
da vida conformadas por normas materiais, defendida por Prof. ª
Isabel Magalhães Colaço;
 Existe uma outra teoria que diz que o objecto da qualificação são as
pretensões jurídicas, no fundo a pretensão de acordo com a forma
como ela foi apresentada pelo autor, junto do tribunal;
 Existem também opiniões no sentido de que são os factos jurídicos o
objecto da qualificação.
278

Ou seja, há opiniões para todos os gostos, no que respeita à questão do


objecto da qualificação. Eu penso que nós podemos aqui seguir, visto que o
Prof. Lima Pinheiro não se ocupa desta questão, dando ideia que ao falar em
situações transnacionais, está a pensar que as situações transnacionais são o
objecto da qualificação, mas como estas situações são situações jurídicas,
têm de ser conformadas por normas jurídicas.

No fundo corresponde à aplicação da teoria defendida pela Prof. ª Isabel


Magalhães Colaço.

Em termos práticos isso não nos leva a nenhum resultado diferente. Dizer
que o objecto de qualificação são normas materiais, ou que são situações
jurídicas conformadas por normas materiais, acaba por levar sempre ao
mesmo resultado. Eu penso que a opinião da Prof.ª Magalhães Colaço é uma
opinião mais social.

LIÇÃO N.º 32 19/03/2003

No que respeita à delimitação do objecto de qualificação existem várias


teorias sobre o que é o objecto da qualificação:
 Há a teoria segundo a qual qualificam-se facto;
 Há a teoria segundo a qual se qualificam pretensões jurídicas;
 Outros falam em situações da vida;
 Outros falam em situações da vida conformadas por normas jurídicas.
 E outros falam ainda só em normas jurídicas.

Por conseguinte existe um conjunto muito significativo de teorias à volta do


que seja o objecto da qualificação, mas penso que podemos reter aqui a ideia
de que o objecto de qualificação, são as situações da vida conformados por
normas jurídicas, ou então, normas jurídicas pura e simplesmente como diz o
Prof. Ferrer Correia. O Prof. Ferrer Correia defende que o objecto da
qualificação, são as normas jurídicas. A Prof.ª Magalhães Colaço entende, e
o Prof. Lima Pinheiro segue o mesmo ponto de vista, entende que são as
situações da vida conformadas por normas jurídicas que constituem o
objecto da qualificação.

De tal maneira por exemplo, nós temos uma situação de adopção. Queremos
saber qual é a qualificação jurídica deste instituto para efeitos de solução de
problemas de conflito de leis. O nosso papel há-de ser verificar
relativamente a esta adopção, quais são as normas jurídicas que conformam
279

esta mesma situação da vida. E, então, a partir daí chegaremos à conclusão


se ela deve corresponder por exemplo, a uma relação de família, ou não.
Como nós sabemos toda a qualificação visa necessariamente a busca do
conceito – quadro onde vamos subsumir essa situação da vida.

Por conseguinte, quando nós falamos em delimitação do objecto da


qualificação, tem de ter em consideração o outro lado do problema. O outro
lado do problema é: a lex fori e a lex causae. Lex fori e lex causae muitas
vezes se juntam mas vamos admitir que são situações diversas. Temos por
um lado esta situação da vida conformada por normas. Vamos verificar se
esta situação da vida no quadro da lex fori a que é que corresponde.

Portanto, A adopta B. Se A adopta B. Esta situação da vida é regulada por


normas jurídicas. Está conformada por um grupo de normas jurídicas.

LEX FORI LEXCAUSAE


LEX CAUSAE

NNNNNN

É a situação X que nós vamos perguntar, relativamente à qual vamos


perguntar, qual é a categoria de conexão a que corresponde.

A partir da minha tese sobre a União de Facto a Prof.ª Magalhães Colaço


disse-me que passou a utilizar a União de Facto para ilustrar estas situações
que realmente constituem um bom exemplo. E a questão é a seguinte.

Vamos supor uma União de Facto entre A e B, por exemplo Bolivianos. Esta
situação da vida está regulada por um conjunto de normas, que por exemplo,
estão vinculados aos deveres de respeito, coabitação, têm o direito a
alimentos, estão sujeitos a um regime de bens de comunhão de adquiridos, e
têm direitos de sucessão mortis causa.

União de Facto A/B

LEX FORI LEX CAUSAE


N N N N N

DR C DA R.B. SUC
280

a que categoria de conexão no


conceito – quadro corresponde Objecto da Qualificação
na Lex Fori?

Temos esta União de facto que está submetida a este conjunto de normas, e
estas normas fixam os seguintes direitos: deveres de respeito, coabitação,
têm o direito a alimentos, estão sujeitos a um regime de bens de comunhão
de adquiridos, e têm direitos de sucessão mortis causa. Este é o objecto da
qualificação. O rectângulo é a delimitação do objecto da qualificação. É a
situação da vida uma relação entre A e B comunhão de cama mesa e
habitação, dois Bolivianos que está disciplinada no conjunto de normas
jurídicas. O conjunto de normas jurídicas atribui-lhe determinados efeitos
jurídicos. O nosso papel é perguntar: esta situação da vida, conformada por
normas jurídicas corresponde a que categoria de conexão no conceito –
quadro da lex fori. Analisadas essas normas no seu conteúdo e na sua
função, à luz do art.º 15, chegámos à conclusão de que se trata de uma
relação familiar. Por conseguinte, temos que ter presente que o art.º 15
desempenha a tal dupla função:
 A primeira função será delimitar a competência legislativa da ordem
jurídica chamada pela regra de conflitos;
 A segunda função será emprestar ao intérprete um método a partir do
qual delimita quais as normas que correspondem à tal categoria de
conexão.

Neste caso é isso que nós estamos aqui a fazer. Estamos a utilizar o método
proposto pelo art.º 15 com vista a saber a que categoria de conexão esta
situação da vida vai subsumir.

Reparem que se nós considerarmos que se trata de uma situação


correspondente às relações familiares, naturalmente que serão os artigos 25,
que intervém, e 49 e seguintes são as disposições para regular aquela mesma
relação familiar. Nós não vamos analisar aprofundadamente o problema da
União de Facto. Se a qualificação da União de Facto é relativamente fácil, é
um bocado mais complicado a determinação de quais as normas particulares
vão disciplinar cada instituto da União de Facto.

Todavia, vejam como o objecto da qualificação determina a diferente


qualificação. Vamos pensar na mesma numa União de Facto, desta feita não
281

entre A e B Bolivianos, mas entre A e B franceses. Esta situação da vida, é


também disciplinada por um conjunto de normas, normas essas que pelo seu
conteúdo e pela sua função não correspondem ao mesmo regime jurídico
previsto no direito boliviano. Em França têm direito a alimentos, têm direito
de sucessão do arrendamento, têm direito a subsídio por morte, e têm direito
a uma indemnização em caso de rotura.
União de Facto A/B

LEX FORI LEX CAUSAE


N N N N

DA DSA S.M. I.R.

a que categoria de conexão no


conceito – quadro corresponde Objecto da Qualificação
na Lex Fori?

Reparem o conjunto de normas que disciplina esta situação da vida, nós


perguntamos: ela será uma relação familiar? Dá essa situação da vida a
tónica de uma relação familiar? Penso que dificilmente nós chegaremos a
esta conclusão. Naturalmente que o legislador está a extrair consequências
de natureza pessoal entre essas duas pessoas, mas também nós temos de ter
em consideração que o legislador extrai também consequências de natureza
pessoal, entre as pessoas que vivem numa determinada sociedade. Portanto,
pelo facto de o legislador extrair consequências de natureza pessoal, nós não
podemos daí tirar a conclusão de que se trata de uma relação familiar.

Aliás, os franceses tendo em conta este aspecto, consideram que a União de


Facto, não corresponde a uma relação familiar, porque ao conjunto de
normas que disciplinam a União de Facto entre dois franceses não permite
concluir que se trata de uma relação familiar. Então o que é que os franceses
fazem? Individualizam ponto por ponto, norma por norma, os efeitos da
união de facto. Então, por exemplo, em caso de rotura, eles subsumem esta
norma, ou seja, vão subsumindo esta norma a cada categoria de conexão.
Visto que ela não tem potencialidade para constituir uma relação de família,
eles vão subsumir cada norma, cada efeito concreto atribuído pela norma à
união de facto a uma determinada norma de conflitos.

E neste caso por exemplo, a indemnização por ruptura da União de Facto,


eles subsumem por exemplo na norma sobre responsabilidade extra –
282

contratual, porque neste caso não seriam os art.º 25 mas seria o art.º 45, que
regula a responsabilidade extra – contratual e assim sucessivamente.

União de Facto A/B 2 Suecos


homossexuais
LEX FORI LEX CAUSAE
N N N N N

DR C DA R.B. SUC
a que categoria de conexão no
conceito – quadro corresponde Objecto da Qualificação
na Lex Fori?

Vamos supor que esta relação em vez de ser entre dois bolivianos, era entre
dois suecos. Na Suécia e na Dinamarca o legislador utilizou um mecanismo
verdadeiramente subtil para regular as relações homossexuais. Primeiro
adoptou um conjunto de normas para regular as relações heterossexuais,
deixou o clima serenar, e depois através de uma norma que ninguém quase
deu por ela, em que dizia “são tornados extensíveis às relações
homossexuais o previsto na lei tal...que regula as relações heterossexuais”. A
coisa passou de uma forma completamente subtil. Foi uma coisa que o
legislador português acabou por não fazer e deu toda aquela celeuma por
causa da regulação da União de Facto homossexual.

O que passou a significar que todas as normas jurídicas que neste momento
disciplinam a União de facto entre dois sexos, união de facto heterossexual,
é igualmente aplicável à união de facto homossexual. De tal maneira que
num caso como este nós perguntamos se é uma relação familiar? Não há
dúvida de que é! Quando nós estamos a fazer a qualificação, nós não
podemos exercer juízos de valor sobre essas normas. Temos que analisá-las
no seu conteúdo e na sua função de uma forma absolutamente objectiva.

Neste momento é um momento em que nós estamos a exercer um juízo


meramente técnico sobre este grupo de normas. Nós não estamos a
estabelecer nenhum juízo valorativo sobre elas. Essas normas analisadas no
seu conteúdo e na sua função são uma relação familiar. Agora resta saber se
efectivamente a nossa ordem jurídica consente que essa relação familiar
produza efeitos na ordem jurídica portuguesa. Por exemplo se se tratar de
uma relação entre dois suecos na Suécia, é um assunto que não nos diz
respeito. Por conseguinte a relação permanece familiar enquanto tal.
283

Todavia, se houver uma proximidade dessa relação com a ordem jurídica


portuguesa a ponto de vir bulir com princípios fundamentais da nossa ordem
jurídica, por exemplo se em vez de dois suecos, é uma relação entre um
sueco e um português, aí já nos diz respeito. Então neste caso, nós
eventualmente faríamos intervir a reserva de ordem pública para afastar a
aplicabilidade dessas normas, relativas à união homossexual.

Se bem que temos de ter em consideração que a intervenção da reserva de


ordem pública, neste caso é uma faca de dois gumes. Porque reparem uma
coisa. Estas normas protegem os suecos que vivem em união de facto, então
se for um português, ao fazermos intervir a reserva de ordem pública
estamos a retirar-lhe a protecção. Este conjunto de normas suecas têm por
exemplo, a seguinte regra: se dois suecos vivem em união de facto, um deles
é dono de uma casa, se o outro for abandonado,

A proprietário de uma casa, abandonou B, e B está numa situação de


debilidade, então a lei sueca, vem dizer que B pode conservar a casa
compulsivamente se necessário for, se efectivamente provar que está na
situação de debilidade. Ou seja, a lei extrai consequências de natureza
pessoal nas relações entre A e B, considerando que A tem por exemplo a
supremacia psicológica sobre B e tem supremacia económica sobre B, e B
está numa situação de debilidade, há o princípio da protecção da parte mais
fraca. E se B for um português? esta é que é a minha questão. Nós fazendo
intervir a reserva de ordem pública, no fundo estamos a impedir o português
de beneficiar da protecção que vai beneficiar a pessoa que está em situação
de debilidade. De facto fazer intervir aí a reserva de ordem pública. Em
termos estritamente técnicos, não podemos deixar de fazer intervir a reserva
de ordem pública num caso como este. Não podemos também deixar de
reconhecer que a intervenção da reserva de ordem pública vai prejudicar o
português, porque havia uma norma que o beneficiava.

Este é o objecto da qualificação e este é portanto, o conceito – quadro e a


análise do objecto de qualificação no seu conteúdo e na sua função visa a
busca de qual o conceito – quadro mais adequado onde esse mesmo objecto
se vai subsumir.

Tenham em consideração que o objecto da qualificação tanto pode ser uma


única norma, como pode ser de um conjunto de normas. Por exemplo, a
questão de sabermos no art.º 877 do CC qual é a qualificação que
284

corresponde a este artigo, por conseguinte o objecto de qualificação é esta


norma, o art.º 877 e vamos verificar se é uma questão obrigacional, familiar,
sucessória, etc., e como nós já vimos e já chegámos à conclusão de que será
uma relação de natureza familiar.

Mas, além, da qualificação de normas isoladas, temos qualificações de


conjuntos de normas. Por exemplo, falemos novamente nas adopções feitas
por portugueses no Brasil. Tudo está em saber se esse conjunto de normas
que disciplina a adopção feita no Brasil pode ser tida como constitutiva de
uma relação familiar para efeitos de subsunção a um determinado conceito –
quadro. Aliás, ma altura em que se discutiu as sucessões no Brasil, não havia
um conceito – quadro de relações da família, o que havia era um conceito –
quadro Estado e capacidade das pessoas.

Houve sentenças no sentido de considerar que as adopções feitas no Brasil,


podiam constituir uma relação familiar, e portanto, sair daí a constituição de
Estado de filho e por conseguinte, poder herdar, como houve sentenças que
posteriormente vieram decretar que não podia não constituir uma relação
familiar. Havia interesses económicos no meio de famílias que queriam
evitar que determinadas pessoas, fora da relação familiar pudessem via a
apropriar-se dos bens deixados pelo falecido.

Aliás o direito internacional privado padece muito desse quadro de


problemas. A situação do reenvio, o reenvio adoptado em França, que é o
esquema da devolução simples, no fundo, acabou por visar por um lado,
facilitar a aplicação da lei francesa, aliás a devolução simples o Prof.
Marques dos Santos demonstrou isso na sua tese de doutoramento, a técnica
da devolução simples é uma forma de favorecimento de aplicação de lei do
foro, chamado lex forismo. Mas não é apenas uma forma de favorecimento
de aplicação da lei do foro, mas foi no fundo uma forma de fazer que a
administration des dommaines françaises, ficasse com os bens deixados pelo
seu foro. Houve, além de interesses de ordem técnica, houve também
interesses económicos.

Como é que os tribunais procederam? Por um lado o tribunal que decidiu de


forma negativa, raciocinou segundo uma qualificação lege fori, dizendo que
nós não temos adopção, portanto a adopção para nós é um instituto
desconhecido. Tratando-se de um instituto desconhecido, da ordem jurídica
portuguesa, nós pura e simplesmente não tomamos conhecimento de que
285

essa pessoa foi adoptada. Foi esta a solução que aliás é muito criticada pela
doutrina.

A outra posição vai no sentido de se posicionar na ordem jurídica brasileira,


e analisar aquelas normas segundo a sua função. No fundo é o esquema do
art.º 15 do CC que por acaso naquela altura não existia. A técnica do art.º 15
é uma técnica construída pela doutrina internacional privatista que depois
veio a ficar consubstanciada no art.º 15 do CC. Que é a de perguntar se essas
normas visam criar uma relação familiar. As normas brasileiras visam criar
uma relação familiar? E alguns tribunais responderam afirmativamente. E a
doutrina está inteiramente de acordo que essas normas criavam uma relação
familiar.

A questão da relação dessa adopção e o direito de conflitos do foro, visou


fundamentalmente demonstrar a ideia da autonomia do direito internacional
privado face ao direito material do foro. Ou seja, pelo facto de o direito
material do foro não disciplinar a adopção, não significa que nós não a
devamos atribuir ou não possamos atribuir efeitos de direito a uma relação
que é constituída no estrangeiro.

Na verdade quando nós dizemos que estabelecem deveres de respeito, de


prestação de alimentos, regime de bens, direitos sucessórios, como sabem a
relação sucessória familiar são situações inextricáveis. Porquê? Porque gera
consequências sucessórias e familiares. É o pai que herda do filho, é o filho
que herda do pai, é a esposa que herda do marido, e assim sucessivamente.
Por conseguinte, naturalmente que a sucessão ela própria já é uma situação
da vida perfeitamente delimitada. Por isso é que nós falamos em questão
principal e questão prévia.

Por exemplo, alguém quer suceder a outra pessoa, e quer suceder com base
numa união de facto. A vive em união de facto com B, e A morre. B quer
suceder a A. Portanto temos aqui duas situações da vida. Temos uma
situação da vida morte de alguém, portanto com os efeitos naturais da
sucessão, e temos uma outra situação da vida, que depende da outra, que é
pressuposta da outra, que é essa relação união de facto. Quem diz união de
facto, diz filho, diz filiação, diz casamento, diz parentesco, etc., portanto, são
todas situações subordinadas, ou prévias, são questões prévias ou
pressupostas ou pressuponentes, que realmente têm de ser res9olvidas antes
de nós extrairmos os efeitos decorrentes dessa relação. Mas na verdade são
também situações da vida.
286

Nós dizemos. Sucede o cônjuge. Sucede o filho. então nós temos de


perguntar quem é cônjuge, e esta é uma questão prévia. Quem é filho? é uma
questão prévia. Prévia à questão de saber quem é que sucede. E como nós já
sabemos existem algumas teorias sobre esta questão.

Delimitado o objecto da qualificação, e sabendo que o objecto da


qualificação podem ser situações da vida conformadas por normas jurídicas,
ou por um conjunto de normas jurídicas. Temos de ter isto em consideração.
Muitas vezes somos levados a qualificar um conjunto de normas jurídicas,
pegá-las no seu todo, e analisá-las.

Por exemplo no caso de União de facto entre dois suecos. A hipótese vai
dizer que eles vivem juntos, estão vinculados ao deveres de respeito, de
coabitação, de alimentos, têm um regime de bens, e têm direitos sucessórios
mortis causa. Salvo erro podem até adoptar.

Nós perguntamos o que é isto? Isto é uma relação familiar para todos os
efeitos. É uma relação de família. E essa relação de família nós vamos
subsumir no correspondente conceito – quadro. Como eu disse a subsunção
ou a delimitação do objecto é feita de uma forma absolutamente objectiva.
Nós não temos que exercer juízos, aliás o nosso juízo há-de ser apensas no
sentido de saber tecnicamente o que é que essas normas representam, para
depois nós avançarmos para a subsunção.

Chegados à conclusão de que a norma no seu conteúdo e função corresponde


a um determinado conceito – quadro, por exemplo relação de família, art.º
25 do CC, a qualificação está completa.

Primeiro nós fomos analisar este conceito de relação de família no quadro da


lex fori, e chegamos à conclusão de que ela se entenderia de uma forma
autónoma. ou pelo menos relativamente autónoma. tomando em
consideração o conteúdo que lhe é emprestado pelo direito do foro e depois
abrindo-a a todos os outros institutos similares vigentes nas ordens jurídicas
estrangeiras.

União de Facto A/B

LEX FORI LEX CAUSAE


N N N N N

DR C DA R.B. SUC
287

Art.º 25 CC

a que categoria de conexão no


conceito – quadro corresponde Objecto da Qualificação
na Lex Fori?

A partir daí nós pegamos naquela situação da vida, e fomos verificar se


preenchia as notas típicas desta situação, e chegámos à situação de que esta
situação se subsumiria por hipótese, no art.º 25. qual é a consequência disto?
Vamos aplicar a esta relação a lei pessoal, art.º 31/1 do CC, que é a lei da
nacionalidade, em princípio, (como nós já sabemos a lei pessoal não é
sempre a lei da nacionalidade), temos que ir para a concretização dessa lei, a
concretização dessa lei é feita, lege causae, temos de ter também esse
aspecto em consideração, portanto a lei da nacionalidade é concretizada lege
causae, no sentido de que compete a cada ordem jurídica dizer quem é o seu
nacional. Vamos supor que eram os tais bolivianos. Qual é a consequência
desta situação? Significa que estas normas bolivianas pelo seu conteúdo e
sua função são aplicáveis àquela situação.

Vocês dirão que dá ideia que andam num círculo. Partiu de um ponto, e vai
acabar por chegar ao mesmo ponto. Na verdade, parece ser assim. Porque o
exemplo que nós demos, para efeitos pedagógicos, é este. Mas vamos supor
que era uma situação entre dois suecos na Bolívia. Já tínhamos portanto,
dificuldade em resolver esta questão. Porque nós tínhamos dois grupos de
normas que queriam ser aplicadas: o grupo de normas correspondente à
residência habitual, e o grupo de normas correspondente à nacionalidade.

LIÇÃO N.º 33 19/03/2003


(Aula dada em conjunto com o Dr. Botelho de Sousa)

Dr. Botelho de Sousa

Continuamos com a matéria das qualificações: Vamos falar hoje sobre


conflitos de qualificações.

Os conflitos de qualificações resultam de o facto de a qualificação das


normas de direito material ser feita lege causae, ou melhor, de acordo com o
ordenamento jurídico em que se inserem. O que é que isto significa?
Significa pode acontecer que um determinado problema jurídico seja
288

resolvido por uma norma que é qualificável como norma de


responsabilidade civil, e como tal aplica-se se esse direito for competente de
acordo com o art.º 45 do CC, e ser regulado esse direito por uma norma de
direito da família e aplicar-se se esse direito for competente, de acordo com
o art.º 52 ou o art.º 53 do CC.

Pode acontecer por esta via um cúmulo de normas jurídicas materiais,


incompatíveis aplicável ao mesmo tempo. Já sabem que a uma determinada
situação jurídica podem aplicar-se n direitos. No contrato de compra e venda
pode ser aplicável um direito à capacidade ao comprador outro diferente à
capacidade do vendedor, outro direito aos efeitos reais, outro direito às
obrigações contratuais, um outro direito aos limites familiares à capacidade
de disposição, e pode acontecer, que pelo facto de a qualificação ser feita
deste modo, podem ser chamadas por normas de conflitos diferentes, normas
de direito material, incompatíveis. Incompatíveis logicamente, o tal “não
pode ser”, ou valorativamente, o tal “não deve ser”.

O caso que eu dei há pouco que é o caso do contrato do caso prático que eu
ditei para os meus alunos na ultima aula, ruptura do noivado. O direito que
podemos por entre portugueses que se conhecem em França, se apaixonam
em França e tudo aconteceu em França. O direito português, confere
preenchidos certos pressupostos, direitos indemnizatórios a um dos noivos,
ao noivo prejudicado pela ruptura do noivado, ou dos esponsais utilizando a
terminologia do código civil.

E são normas direito da família. São normas qualificáveis como jurídico


familiar, para – familiares em articulação com o artigo 15. o que é que isto
significa? Significa que neste caso se aplicarão a esta situação o art.º 25
conjugado com o art.º 31/1 do CC, ou por via do art.º 52. no entanto, o
direito francês, também atribui direito de indemnização ao noivo
prejudicado, foram feitas despesas na preparação do casamento, etc., a título
de responsabilidade civil.

Ora da perspectiva do direito português, aplica-se à responsabilidade civil o


direito do lugar de decurso da principal actividade. Significa que se
aplicarão também as normas francesas.

Nesta matéria temos pois duas normas incompatíveis. Quid iuris? Porquê?
Porque o nosso direito internacional privado, assenta nesta técnica de
fragmentação, onde várias normas de conflitos, para determinar o direito
289

aplicável a várias matérias jurídicas, e a qualificação é feita deste modo. A


qualificação em sentido estrito, isto é achar a função que a norma
desemprenha, utilizando a linguagem do art.º 15 do CC, outra coisa
reconduzir a um conceito – quadro da norma de conflitos, é feita lege
causae, ou melhor para ser mais rigoroso, de acordo com o ordenamento
jurídico onde se insere. Pode não ser o direito aplicado ao fundo de qualquer
aspecto carente de regulação jurídica. É por isso que pode acontecer devido
a qualificação ser feita deste modo, pode acontecer que normas de conflitos
diferentes desencadeiem aplicação de normas de direito material
incompatíveis entre si. Isto é excepcional. São situações excepcionais.
Normalmente isto não acontece.

E pode acontecer também o contrário, que é em vez do conflito positivo de


qualificações que é aquele que acabámos de expor, que também é designado
por cúmulo de normas de direito material aplicável,

Dr. Geraldo de Almeida


Eu queria só para consolidar esta ideia fazer a sua demonstração gráfica. De
facto eu julgo que a disposição que o Dr. Botelho está a fazer referência é o
art.º 1382 do CC Francês. Quando uma pessoa rompe uma promessa de
casamento em França, a norma que é chamada a regular a promessa, não é
uma disposição semelhante àquela que nós temos no código civil português,
que regula o rompimento da promessa de casamento. A norma do código
civil português é o art.º 1594.

Esta disposição 1382 é a disposição do código civil francês, e o art.º 1594 é


a disposição do código civil português.

Como nós já sabemos para qualificarmos estas normas, temos de recorrer


necessariamente ao art.º 15 do CC, que manda qualificá-las de acordo com o
seu conteúdo e função que têm na respectiva ordem jurídica por isso é que o
Dr. Botelho dizia que se trata de uma qualificação lege causae. Por
conseguinte à luz do direito francês, esta disposição é uma disposição
relativa à responsabilidade extra – contratual. Sendo relativa às
responsabilidade extra – contratual, é uma disposição que se subsume no
art.º 45 do CC português, e este artigo por sua vez manda aplicar a lei do
lugar do delito, ou seja, a lei francesa. Por conseguinte, se o rompimento ou
seja, o delito, o rompimento da promessa ocorreu em França, significa que a
290

lei francesa é aplicável e significa que a pessoa vai obter indemnização à luz
do direito francês.

Portanto temos esta disposição que quer ser aplicada. Agora em relação à
disposição do art.º 1594 do CC português também vamos proceder do
mesmo modo. Art.º 15 do CC, que por sua vez leva à sua qualificação como
matéria relativa a relações de família. Sendo matéria atinente a relações de
família, aqui aplicaríamos o art.º 25 conjugado com o art.º 31/1 do CC
português, que manda aplicar a lei pessoal. A lei pessoal é a lei da
nacionalidade. a lei da nacionalidade é a lei portuguesa. A lei portuguesa
com base no art.º 1594 do CC manda atribuir uma indemnização verificados
os pressupostos.

Portanto, significa que a pessoa que sofreu o rompimento de uma promessa


de casamento, vai ser indemnizada duas vezes. Vai ser indemnizada por
força do art.º 1382 do CC francês, porque o rompimento da promessa
ocorreu em França, e vai ser indemnizada por força do art.º 1594 do CC
português, porque são portugueses.

A questão quem se coloca, do ponto de vista dos conflitos de qualificação, é


se será esta a solução a dar.

O Dr. Botelho tentava introduzir o outro aspecto do problema, que será a


situação inversa, serão situações em que realmente dá lugar a vácuo de
normas jurídicas.

Dr. Botelho de Sousa

O facto de a qualificação em sentido estrito ser feita deste modo, pode dar
origem ao fenómeno inverso. Pode não haver normas aplicáveis. e é fácil de
imaginar. Basta pegar na nossa hipótese e trocar-lhe os dados. Vamos propor
dois franceses noivos que vivem em Portugal conheceram-se em Portugal,
rompem o noivado em Portugal. Coloca-se o problema na perspectiva do
foro português, numa acção colocada num tribunal português pedida pelo
noivo enganado.

O que é que vai acontecer? Acontece o contrário. Isto é, a norma de direito


material francês que concede direito de indemnização, é qualificável como
norma de responsabilidade civil extra – contratual, subsume-se ao conceito –
291

quadro do art.º 45 do CC, o art.º 45 designa a aplicação do direito português.


logo não se aplica.

A norma portuguesa art.º 1594 do CC qualifica-se como norma de relação de


família, subsume-se ao art.º 25 conjugado com o art.º 31/1 do CC, ou com
algum esforço ao art.º 52 ou 53, talvez ao art.º 25 que fala de relações de
família, enquanto que o art.º 52 fala de relações conjugais, manda aplicar o
direito francês. Mas que direito francês? Não é todo o direito francês. Uma
norma de conflitos quando desencadeia quando estatui a aplicação do direito
não estatui a aplicação de todos as normas desse direito. E temos normas do
direito francês qualificáveis como jurídico familiares. Vejam a norma de
conflitos que é um foco que ilumina não todo o ordenamento jurídico mas
apenas uma parte do ordenamento jurídico designado competente.

Ora as normas de direito de família francês que vão ser chamadas não
contém uma norma que atribua direitos de indemnização em caso de ruptura
de noivado. Porque o direito francês trata o problema como um mero
problema de responsabilidade civil.

Aparentemente uma aplicação literal origina que não há direito de


indemnização. Agora isto não pode ser. Porque é que não pode ser? O vácuo
de normas de direito aplicável.

Vocês podem dizer que então a solução é não haver direito à indemnização.
Acham que isto faz sentido?

Dr. Geraldo de Almeida

Quando o Dr. Botelho pergunta se faz sentido, está a perguntar será que no
primeiro caso a pessoa vai receber duas indemnizações, e será que no
segundo caso não vai receber nenhuma indemnização?

A questão que se passa é o seguinte. dois franceses prometem entre si


casamento, rompem a promessa em Portugal, o que acontece é o seguinte.

Quando questionamos se o art.º 1594 do CC português é aplicável, a


resposta é a seguinte. vamos desenvolver todo o percurso acima exposto,
art.º 15 do CC, relações de família, art.º 25+ art.º 31/1 do CC, lei da
nacionalidade, mas em vez de ser lei da nacionalidade portuguesa, é a lei da
292

nacionalidade francesa, e a questão que se coloca é a de saber se o direito


francês tem uma disposição como o art.º 1594 do CC português que manda
atribuir uma indemnização às pessoas que rompem a promessa de
casamento. E a resposta é negativa! O direito francês não configura essa
situação como uma situação das relações de família. Por conseguinte, visto
que o direito francês é que é o direito chamado à questão, é o direito que
decorre desta qualificação, de qualificação desta norma, então neste caso não
é aplicável.

Mas do mesmo modo não é igualmente aplicável o art.º 1392 do CC francês.


Porquê? Porque se seguirmos o mesmo percurso, neste caso lei
responsabilidade contratual, etc., lei do lugar do delito, o lugar do delito não
é em França. O lugar do delito é em Portugal. Por conseguinte a questão
está em saber se realmente Portugal caracteriza a indemnização por efeito de
rompimento de promessa de casamento, como uma relação extra –
contratual. Já vimos que não. Em Portugal as relações de promessas de
casamento são consideradas como relações familiares, ou para – familiares.
A doutrina é perfeitamente unânime sobre este ponto.

Por conseguinte também este art.º 1382 do CC francês também não será
aplicável. Logo, temos uma situação de vácuo de normas jurídicas.

Dr. Botelho de Sousa.

Agora os juristas existem para resolver estes problemas. Muitas vezes o


leigo julga que o jurista é aquele que pega numa lei, em contacto com a
realidade, aplicam. O juristas existem fundamentalmente existem para
resolver os problemas deste género. Fundamentalmente.

Então como é que se resolveria isto? Não basta a inserção formal da norma.
O art.º 877 como já vimos formalmente está no livro das obrigações. No
entanto, não deve ser qualificado como uma norma de direito das
obrigações. É uma norma de direito da família, ou relações pais – filhos, ou
direito sucessório, é discutível, não é, é seguramente uma norma de direito
das obrigações.

A solução é a adaptação. A adaptação é um instituto que nos permite


resolver este tipo de distorções. Assenta então em considerações de justiça.
A aplicação literal do DIP a este caso, resultaria em soluções que um jurista
bem formado, chega à conclusão de que isto não é uma solução, nos dois
293

casos, mas no segundo caso ainda é mais gritante, porque propõem soluções
formalmente injustas. Formal e materialmente, mas formalmente. Porquê?
Nós temos uma situação em que de facto há dois direitos, o francês e o
português. portanto as partes supostamente ter-se-iam orientado. Quer um
quer outro direito atribuem direitos de indemnização em caso de ruptura da
promessa de casamento. Não faz qualquer sentido por via da justiça formal
haver uma solução final de zero de indemnização. Isso vai contra as soluções
de qualquer dos outros ordenamentos. Uma solução que surpreenderá
qualquer das partes, e isso não pode ser. Já foram aventadas o critério da
adaptação que mais não é do que alterar por este tipo de considerações a
solução final de um problema não fazendo uma aplicação literal das normas
de conflitos, escurecendo as normas de conflitos.

Já foram aventadas várias teorias de solução para este problema. podem ler o
prof. Ferrer Correia quanto às soluções formais, que diz que prevalece
sempre a substância sobre a forma, a qualificação especial sobre a geral.
Leiam os sumários do Prof. Marques dos Santos em que ele lista as soluções
todas. A mim parece-me, salvo o devido respeito, que são soluções
demasiado formais.

Parece-me, e por isso é que o prof. Dário Moura Vicente defende que se
deve aplicar a solução de direito mais estreitamente conexa com a situação.
Formou-se um juízo de conexão mais estreita e aplica-se a solução do direito
mais próximo. Neste caso parece-me que o direito mais próximo é, não a
nacionalidade, mas o espaço em que o delito aconteceu, onde se
conheceram, viveram, e se prometeram mutuamente, e por onde
supostamente se orientaram quando decidiram casar-se.

Dr. Geraldo de Almeida


Estes problemas da qualificação vão fazer apelo ao problema da adaptação. a
adaptação surge a partir da existência de colisões normativas que podem ser
lógicas ou teleológicas. São precisamente essas tais colisões lógicas ou
teleológicas, que vão dar lugar ao aparecimento daqueles dois mecanismos,
dos tais “assim não pode ser” e “assim não deve ser”.

Eu entendo que a adaptação é fundamentalmente uma operação realizada


pelo intérprete ou aplicador da lei. é uma operação realizada, a final, ou seja
no momento em que nós vamos aplicar a norma material, acabamos por
chegar a uma de duas conclusões:
294

 À primeira situação em que temos duas normas que querem se


aplicar;
 Na segunda situação em que nós não temos nenhuma norma material
que se queira aplicar,

e já sabemos que são situações de “assim não pode ser” e “assim não deve
ser”.

Portanto, o intérprete tem de actuar. Eu penso que a adaptação é um aspecto


fundamental para nós sermos avaliados como juristas. Eu acho que a
adaptação é um instituto que põe à prova quem é verdadeiramente jurista.
Porque um jurista perante uma situação que devia adaptar e não adapta,
limita-se por exemplo, como já aconteceu no célebre caso das letras, caso
que foi julgado nos tribunais alemães, em que realmente os tribunais
alemães deram uma solução de non liquet no sentido de que não tinham
norma para resolver o caso portanto, consideraram que o dever não estava
prescrito.

Adaptação é uma operação realizada pelo intérprete e aplicador da lei. na


solução de adaptação, o aplicador da lei tem de ter em consideração as
normas ou grupo de normas que querem ser aplicadas ou que não querem ser
aplicadas. Tem de ter em consideração a Ordem Jurídica em que elas se
inserem, tem de ter em consideração os princípios que enformam essas
mesmas ordens jurídicas e a partir daí tomar uma decisão. Ele tem de tomar
uma decisão porque no fundo não pode aplicar as duas normas, se bem que
há uma tese do Wolff no sentido de que nesta primeira solução poderiam ser
acumuladas as duas normas.

Vamos tomar do princípio de que não pode aplicar as duas normas, nem
deixar de aplicar nenhuma, e portanto ele tem de tomar uma decisão. E essa
decisão terá de ser de acordo com os princípios que enformam os direitos em
presença.

Na primeira situação, o Dr. Botelho diz que lhe parece que a situação que
está mais próxima, se nós seguirmos o ponto de vista do Prof. Moura
Vicente, parecer-lhe-ia que a situação que está mais próxima do facto seria a
lei do lugar do delito. Aplicava-se a lei francesa ou aplicava-se a lei
portuguesa. Eu confesso que tenho dúvidas sobre esta questão. Porquê?
Porque eu penso, por exemplo, no caso dos dois portugueses, eles
celebraram um contrato de promessa de casamento, com a expectativa de
295

que realmente em caso de violação seria aplicável a lei portuguesa. Por


conseguinte quando nós estamos a falar em proximidade eu penso que nós
poderíamos pensar em proximidade cultural, não portanto, em proximidade
geográfica.

Parecer-me-ia que seria mais um elemento de proximidade cultural, do que


propriamente geográfico. Então neste caso, pareceria, que realmente no que
respeita ao rompimento da promessa, de dois franceses em Portugal, a lei
que estaria mais próxima seria a francesa. Até porque, o juízo de valor feito
pela ordem jurídica, mesmo pela própria ordem jurídica portuguesa, nestas
duas situações, aponta para a aplicação da lei da nacionalidade. mesmo no
caso de configuração como responsabilidade extra – contratual. Vejam por
exemplo, o n.º 3 do art.º 45 do Código Civil.

“Se, porém, o agente e o lesado tiverem a mesma nacionalidade ou,


na falta dela, a mesma residência habitual, e se encontrarem
ocasionalmente em país estrangeiro, a lei aplicável será a da
nacionalidade ou a da residência comum, sem prejuízo das
disposições do Estado local que devam ser aplicadas indistintamente
a todas as pessoas”.

é claro que aí haveria o problema de saber se eles estariam em Portugal


ocasionalmente. Ou não. O que é certo é que o art.º 45/3 do CC, aponta para
essa ideia de proximidade com a ordem jurídica francesa, não obstante a
ordem jurídica francesa caracterizar a situação como responsabilidade extra
– contratual.

Em resumo, eu nestes dois casos apontaria a seguinte solução:


 Aplicar-se-ia aos dois portugueses a lei portuguesa, o rompimento da
promessa de casamento em França, e aplicar-se-ia aos dois franceses a
lei francesa ainda que o rompimento ocorresse em Portugal.

Porque eu penso que dentro do modo como as duas ordens jurídicas estão
pré – ordenadas leva à aplicação destas duas soluções.

Dr. Botelho de Sousa

Não fiquem com a ideia de que o instituto da adaptação ocorre apenas para
resolver problemas de conflitos de qualificações. Intervém em muitos outros
momentos e em outras situações.
296

Dr. Geraldo de Almeida

Com respeito a estes dois casos eu ia fazer referência à posição do Wolff,


sobre este ponto. Este autor admite a possibilidade de fazer acumulação das
duas indemnizações. Ele chega a esta conclusão tomando em consideração
que, nomeadamente, por exemplo em ordens jurídicas como a alemã,
permitem cumular a indemnização contratual, com a indemnização extra –
contratual, ou seja, se relativamente à mesma situação der lugar a
responsabilidade contratual e extra – contratual, então ele admite que a
ordem jurídica em questão, permite aplicar as duas indemnizações se
realmente aquela ordem jurídica permite essa acumulação.

No caso português, a posição da Prof.ª Magalhães Colaço é no sentido de


que não permite.

Mas também queria chamar a vossa atenção para o facto de que esta situação
de non liquet, já foi uma decisão tomada por um tribunal alemão, e ocorreu
no seguinte caso:

Tratava-se de uma letra, que tinha sido assinada e regida pela lei do
Tenessee, e segundo a lei deste Estado Norte Americano, a letra devia
prescrever ao cabo de seis anos, e segundo a lei do Tenessee a prescrição
era considerada um instituto de natureza processual. O responsável pelo
pagamento da letra não cumpriu, e foi accionado na Alemanha. E colocou-
se o problema de saber se estava prescrita. Na Alemanha o prazo de
prescrição para situações daquelas era de três anos. Já tinham decorrido
sete anos. como é que o tribunal alemão raciocinou? O prazo de prescrição,
segundo o direito alemão tem natureza substantiva. Se tem natureza
substantiva nós vamos aplicar a lex causae. A lex causae neste caso é a lei
do Tenessee. Mas, quando questionamos a lei do Tenessee como é que
qualifica os prazos de prescrição, diz que os qualifica como processual.
Qual foi a conclusão retirada pelo direito alemão? Foi no sentido de que
não podia aplicar o prazo de prescrição do Estado de Tenessee. Mas depois
continuou a raciocinar da seguinte maneira. Visto que a Alemanha
qualificava como substantivo, então, isto apontaria para a lex causae, e
sendo certo que a Alemanha era onde decorria o processo, era a lei do
tribunal, lex fori, então também chegou à conclusão de que não podia
aplicar o prazo de prescrição alemão. E a solução que o tribunal deu, é uma
297

solução muito criticada, foi no sentido de que a dívida não estava prescrita.
Ou seja, o tribunal deu uma solução de non liquet nesta situação.

Dr. Botelho de Sousa

Deu uma solução injusta porque era formalmente diferente de qualquer um


dos ordenamentos jurídicos. A lógica subjacente é a mesma.
LIÇÃO N.º 34 20/03/2003

HIPÓTESE
Antoine e Brigitte, ambos de nacionalidade suíça,
residentes habitualmente em Portugal. venderam a Carlos, filho
do casal, com nacionalidade brasileira e residente habitualmente
no Brasil, um prédio situado neste pais.
As partes não designaram o Direito aplicável ao contrato,
Dário, também filho do casal, com nacionalidade
portuguesa e residente habitualmente em Portugal, que não deu
o seu consentimento a essa venda, pretende obter a anulação do
negócio com fundamento no art.º 1132 do Código Civil
brasileiro em vigor que estabelece que os ascendentes não
podem vender aos descendentes sem que os outros
descendentes expressamente consintam.
Admitindo que:
1.º - o art.º 1132 do Código Civil brasileiro está inserido no
capítulo dedicado à compra e venda e tem subjacente certos
valores que concernem á instituição familiar. designadamente a
harmonia familiar e a igualdade entre os filhos.
2.º — o Direito suíço não contém qualquer disposição
semelhante ao art.º 1132 do Código Civil Brasileiro,

Responda as seguintes questões:


A) Qual a lei reguladora do contrato de venda?
B) O contrato é anulável com fundamento no art.º 1132 do
Código Civil brasileiro?

Resolução
298

Que questão privada é que nós temos aqui? Temos aqui um contrato de
compra e venda. Se é um contrato de compra e venda, qual é o passo
seguinte? isto é uma situação transnacional ou não? É uma situação
transnacional porque está em contacto com mais do que uma ordem jurídica.

Quando temos um contrato de compra e venda transnacional o que é


isso suscita no plano do direito internacional privado? Que problemas é
que coloca? Temos no fundo, de saber qual é a lei aplicável. Mas não é só
entre estas duas ordens jurídicas. O problema que temos aqui é o de saber
qual é a lei aplicável. Pode ser uma das leis das duas ordens jurídicas em
confronto, ou pode ser até uma outra lei. pode até ser uma lei de um terceiro
Estado. O problema que temos aqui é um problema de escolha de lei para
regular aquele contrato de compra e venda.

E a seguir? Tendo já um problema que é a escolha de lei, como é que


vamos resolver o problema? qual é a técnica que o direito português
utiliza para resolver esse problema de escolha de lei? Se as partes não
escolheram a lei para regular o contrato qual é a solução da lei? pelo art.º 3
da convenção de Roma seria pelo critério da conexão mais estreita, neste
caso o lugar da situação do imóvel.

Neste caso temos um contrato de compra e venda entre A e B, eu queria


chamara atenção para um pormenor deste contrato. Não se deixem atropelar
na solução do caso, com base nesta ideia: tem um contrato de compra e
venda, isto é um contrato de compra e venda normal. Não se devem deixar
influenciar pelo facto de ser pai e filho, e serem imediatamente chamados a
aplicar alguma norma que regule essa relação.

Por conseguinte no momento em que começam a regular a situação trata-se


portanto, de uma situação absolutamente normal, relativamente à qual se
vem a determinar a lei reguladora. De duas, uma:
 Ou recorremos ao art.º 3 da convenção de Roma, que
regula a possibilidade de escolha de lei, autonomia da
vontade;
 Ou então recorremos ao art.º 4 da convenção de Roma,
quando as partes não tenham escolhido a lei reguladora do
contrato.

Neste caso as partes não escolheram a lei reguladora do contrato, logo vai-se
aplicar a lei do lugar com o qual o contrato tem uma conexão mais estreita.
299

A convenção de Roma, prevê neste caso que o contrato tem a conexão mais
estreita com o lugar da situação da coisa. Então qual é a lei aplicável? É a lei
do lugar da situação da coisa. Onde é que está situada a coisa? No Brasil..
portanto, é aplicável a lei brasileira. Com base no art.º 4 da convenção de
Roma, vai-se aplicar a lei do lugar da situação da coisa. E a lei do lugar da
situação da coisa é a lei brasileira.

Qual é o passo seguinte? uma vez determinada a lei reguladora do


contrato, qual é o passo seguinte?

Temos de perguntar a essa lei se ela aceita a competência ou não. Por acaso
é um dado que a própria hipótese não resolveu. Com base no art.º 3 da
convenção de Roma, autonomia da vontade não se aplicam as regras do
reenvio, mas na falta de autonomia da vontade temos de perguntar.

Vamos portanto, partir do princípio que a lei brasileira aceita a competência.


Se a lei brasileira aceita a competência, declara-se a si mesma competente,
qual é o passo seguinte?

Temos de fazer intervir o art.º 15 do CC. Sempre que declaramos uma lei
competente, prevendo todos aqueles mecanismos de reenvio, etc., quando
for necessário fazer intervir o reenvio, temos obrigatoriamente que chamar à
colação o art.º 15 do CC.

Artigo 15º - (Qualificações) ”A competência atribuída a uma


lei abrange somente as normas que, pelo seu conteúdo e pela
função que tem nessa lei, integram o regime do instituto visado
na regra de conflitos”

Para quê? Para que é que serve o art.º 15 do CC neste caso? Para determinar
o âmbito de competência legislativa da ordem jurídica chamada pela ordem
de conflitos.

Quando chegarmos a esta fase, atribuirmos a competência à lei brasileira, o


art.º 15 do CC serve para delimitar o âmbito da competência da ordem
jurídica brasileira. Temos dito desde o início que as ordens jurídicas
chamadas pela regra de conflitos não são competentes para regular todos os
aspectos da situação privada internacional. Só são competentes para regular
os aspectos da situação privada internacional pelo qual foram chamados de
acordo com a categoria de conexão prevista na regra de conflitos.
300

Aqui a categoria de conexão é contrato, portanto direito das obrigações, e foi


com base nisso que se chamou a lei brasileira, logo o Brasil, só é competente
para regular os aspectos obrigacionais. Porque se nós não fizermos este
esquema desta maneira, ignorando os aspectos ligados às relações de
família, como já vamos ver, acabamos por não resolver a hipótese
conscientemente.

Portanto, a resposta quanto à primeira pergunta da nossa hipótese, é a de que


a lei reguladora do contrato é a lei brasileira, mas para respondermos à
segunda pergunta temos de continuar a desenvolver o caso e perguntar o
que é que compete à lei brasileira regular.

Compete à lei brasileira regular apenas os aspectos de natureza obrigacional,


por força do art.º 15 do CC.

Aluno: Iríamos agora verificar se o art.º 1132 do CC brasileiro pelo seu


conteúdo e função se enquadrava dentro das normas obrigacionais, apesar de
estar inserido no capítulo que diz respeito à compra e venda, isto é, se em
virtude do seu conteúdo e função teria um carácter obrigacional. E parece-
nos que aqui nesta situação também não terá. Tem a ver com matéria
familiar já que procura promover a harmonia familiar entre os filhos, e
proteger os seus direitos.

Delimitada a competência legislativa da ordem jurídica brasileira, temos de


perguntar:
 O art.º 1132 do código civil brasileiro será uma disposição de natureza
obrigacional?

Podíamos simplesmente começar por esta pergunta. Esta disposição tem


natureza obrigacional? Quando fazemos esta pergunta temos outra vez que
fazer intervir o art.º 15 do CC. Desta feita para quê? Para determinar o
conteúdo e a função desta norma. Como eu disse o art.º 15 do CC intervém
sempre duas vezes. Intervém uma primeira vez para delimitar a competência
legislativa da ordem jurídica chamada pela regra de conflitos, e uma segunda
vez para averiguar qual é o conteúdo e função de determinadas normas que
queiram ser aplicadas, ou determinadas normas que tenham sido chamadas a
aplicar ou pelas partes, ou pelo tribunal. Há – de ser com base numa
pretensão que nós identificaremos portanto, quais as normas que
relativamente às quais nós vamos verificar qual é a sua melhor qualificação.
301

Aqui em rigor nós íamos proceder do mesmo modo como procedemos com
o art.º 877 do CC. Aliás, o art.º 1132 do Código Civil Brasileiro, foi mantida
enquanto disposição no novo código civil brasileiro que entrou em vigor no
passado dia 1 de Janeiro de 2003. nos trabalhos preparatórios e eles dizem
taxativamente que esta norma foi inspirada no art.º 877 do código civil
português. por conseguinte, temos um elementos dos trabalhos preparatórios,
que leva necessariamente a nós chamarmos à colação toda a doutrina
desenvolvida em torno do art.º 877. já sabemos que não podemos fazer isso
sempre em todos os casos, porque determinadas normas que são trazidas por
determinada ordem jurídica, por força da unidade sistemática daquela
mesma ordem jurídica leva a interpretações completamente díspares tendo
em conta o mesmo conteúdo. Por exemplo, neste momento está a acontecer
relativamente a Cabo Verde. Determinadas normas que foram recebidas
desde o tempo colonial, na ordem jurídica Cabo Verdeana, têm uma
interpretação completamente diversa daquela que lhe é dada na ordem
jurídica portuguesa, não obstante terem o mesmo conteúdo literal. Porquê?
Porque a unidade sistemática das ordens jurídicas, obriga a emprestar
significações completamente diversas, consoante a ordem jurídica.

Eu penso que isto nos leva a retirar algumas conclusões, nomeadamente a


ideia de plenitude do sistema jurídico. E portanto a ideia de coesão que deve
existir entre as normas. Eu pessoalmente, entendo que a própria ordem
jurídica brota normas. Quer dizer, há determinadas normas que o legislador
não pode ser arbitrário na sua identificação. Não pode ser arbitrário na sua
definição, sob pena de estar a tirar normas que são refractárias ao sistema.
Julgo que a ideia do sistema jurídico é uma ideia de facto, que nós devemos
alimentar.

O que eu estava a dizer é que o art.º 877 do CC na verdade é importante para


nós o conhecermos para efeitos de interpretação do conteúdo e função do
art.º 1132 do CC Brasileiro, mas que nós não podemos aplicar sempre esta
regra em todos os casos.

Já sabemos que o art.º 877 do CC é uma norma de natureza familiar, já


conhecemos toda a argumentação à volta disso. Logo podemos qualificar
essa disposição como uma disposição atinente às relações familiares, mais
especificamente às relações entre pais e filhos. Se na nossa hipótese isso for
uma matéria atinente às relações entre pais e filhos, subsume-se em que
matéria?
302

Reparem que podíamo-nos contentar com isto, e dizer que se isto é uma
questão atinente às relações entre pais e filhos, e o direito brasileiro foi
chamado a título do direito das obrigações, então o problema morreu aqui.
Podíamos perfeitamente considerar que o caso morreu neste ponto.

Mas, uma vez que estamos aqui para aprender, vamos continuar a análise do
caso e verificar até que ponto essa disposição poderia ser aplicável.

Se for um problema de relações familiares qual é a regra de conflitos que se


aplica? É o art.º 57 do CC. Subsume-se no art.º 57 do CC.

Artigo 57º - (Relações entre pais e filhos) ”1 - As relações entre pais


e filhos são reguladas pela lei nacional comum dos pais e, na falta
desta, pela lei da sua residência habitual comum; se os pais residirem
habitualmente em estados diferentes, é aplicável a lei pessoal do filho.
2 - Se a filiação apenas se achar estabelecida relativamente a um dos
progenitores, aplica-se a lei pessoal deste; se um dos progenitores
tiver falecido, é competente a lei pessoal do sobrevivo”.

Para que o art.º 1132 do CC Brasileiro pudesse ser aplicado o que é que
tinha que acontecer?

Essa norma do art.º 57 aponta para a lei nacional comum dos pais, ou na
falta desta pela lei da residência habitual comum, e na falta desta se os pais
residirem habitualmente em Estados diferentes, a lei pessoal do filho.
portanto, para esta norma (art.º 1132 do CC Brasileiro) ser aplicada, sendo
ela uma norma do direito brasileiro, então para ela ser aplicada tinha que ser
uma situação em que pai e mãe eram brasileiros, ou então pai e mãe viviam
habitualmente no Brasil, ou então, o filho ser brasileiro.

Portanto, para esta disposição do art.º 1132 do CC Brasileiro ser aplicada


nós tínhamos de verificar estas condições. Pai e Mãe serem Brasileiros, pai e
mãe residirem habitualmente no Brasil, ou então, o filho ser brasileiro. Nesta
ultima situação o pai e a mãe têm de ser de nacionalidade diferente e
residirem em Estados diferentes.

No fundo seria necessário que a lei brasileira fosse chamada a regular a


relação familiar. Mas a lei brasileira é chamada a regular a situação
obrigacional, logo não é aplicável.
303

Porque é que na hipótese se fez essa referência no sentido de a Lei Suíça


não ter nenhuma norma semelhante ao art.º 1132 do CC Brasileiro?
Qual foi a razão de ser dessa referência?

No caso da nossa hipótese podia dizer-se simplesmente que esta norma é


uma norma atinente às relações familiares, portanto, as relações familiares
são reguladas pela lei Suíça, e a lei Suíça não tem uma disposição
semelhante a esta logo não se aplica, logo o contrato é válido. Podíamos de
facto seguir este raciocínio.

Por isso é que o Prof. Lima Pinheiro fez questão de referir nesta hipótese que
a lei Suíça não tinha uma disposição semelhante. Porque se tivesse uma
disposição semelhante, como é que ela interviria?

Sendo a lei Suíça a chamada a regular, a lei competente para regular as


relações familiares, seria o artigo correspondente Suíço, ou com base nesse
artigo que o tribunal anularia neste caso a venda do pai aos filhos.

Se a lei Suíça tivesse uma norma semelhante ao art.º 1132 do CC Brasileiro,


neste caso o contrato seria anulado, porque essa norma já recebia título de
aplicação por força do art.º 57 do CC português, logo essa norma participava
também na conformação do contrato.

Representando isto graficamente. Vamos supor que neste caso era o direito
brasileiro que não tinha esta disposição e por conseguinte o direito brasileiro
seria chamado a regular todos os aspectos obrigacionais do contrato. E agora
vamos supor que a lei Suíça tinha uma disposição semelhante ao art.º 1132
do CC brasileiro.

Procederíamos à qualificação desta norma pelo seu conteúdo e função (art.º


15 do CC), chegávamos à conclusão que era uma norma atinente às relações
familiares, subsumível no at.º 57 d CC, portanto aplicava-se a lei nacional
comum dos pais, que neste caso era a lei Suíça, e então, o que nós íamos
retirar era a consequência jurídica extraída pela lei Suíça do facto da
inobservância desta norma. Vamos supor que era a anulabilidade do
contrato. Então esta disposição Suíça, o art.º 1132, (correspondente), ia
intervir na conformação jurídica deste contrato, porque é uma norma de
nível superior.
304

Num contrato nós temos dois ou mais corpos de normas. Temos os


obrigacionais, neste caso temos os familiares, temos os reais, etc., estas
normas (familiares) são mais fortes, têm mais peso do que as obrigacionais,
ou as reais. A norma Suíça atinente às relações familiares vai intervir aqui
no fundo limitando a liberdade de contratação. Por isso é que eu disse que é
uma norma mais forte. Nós dizemos que é uma norma excepcional. As
normas excepcionais aplicam-se em primeiro lugar. No fundo é uma
disposição, que vai limitar a liberdade de contratação. A liberdade de
celebrar contratos obrigacionais.

Logo o contrato seria anulado se a Suíça tivesse uma norma semelhante ao


art.º 1132 do CC Brasileiro.

O fundamental na técnica da qualificação é fazermos intervir oportunamente


o art.º 15 do CC, e termos em presença a ideia do fraccionamento, a ideia de
que cada ordem jurídica é chamada a regular um aspecto da relação. Quando
nós dizemos que o direito internacional privado fracciona as situações da
vida para as regular, o instituto que dá a tónica fundamental deste
fraccionamento é o instituto da qualificação.

Sobre a alínea 1 do art.º 879 há fundamentalmente duas posições na


doutrina. O Prof. Lima Pinheiro por exemplo, admite neste caso a
transposição, por exemplo naquele caso da compra do imóvel em que o
estatuto contratual é regulado pela lei portuguesa, e o estatuto real é regulado
pela lei alemã, mas na Alemanha só há transferência da propriedade com a
tradição da coisa, em Portugal não é necessária a tradição da coisa, para
haver transferência da propriedade, diz-se que neste caso faz-se uma
transposição da nora alemã com vista a obter o efeito obrigacional.

A Prof. Magalhães Colaço, entende que se deve fazer uma adaptação, e o


prof. Marques dos Santos também seguia o mesmo ponto de vista. Fazia
uma adaptação da alínea A do art.º 879 do CC, retirando dela uma obrigação
de transferência da propriedade.

LIÇÃO N.º 35 25/03/2003


305

CASO PRÁTICO DE QUALIFICAÇÃO


CASO I

Na vigência do código civil de 1867, A, alemão, demanda junto de


tribunais portugueses B, seu pai adoptivo, também alemão, pedindo a
condenação deste a prestar-lhe os alimentos que naquela qualidade lhe
deve, fundando-se para tanto nas disposições da lei alemã sobre as
relações entre pais e filhos adoptivos.
O direito material português então vigente não conhecia o instituto da
adopção.
Entendia, no entanto, a doutrina dominante que as normas
estrangeiras sobre adopção podiam reconduzir-se ao conceito “estado
e capacidade” das normas de conflitos portuguesas, que submetiam
esta matéria à lei da nacionalidade dos interessados (art.º 25 e 27 do
código civil de Seabra)
Logo, A poderia invocar as referidas disposições da lei alemã como
fundamento das pretensões que formulava contra o seu pai adoptivo.

Porque é que este caso é um caso que levanta um problema de


qualificação?

Dentro daqueles diversos momentos do processo de qualificação que nós


enunciámos, onde é que o problema da qualificação se coloca tomando em
consideração este caso? Quais são os momentos do processo de qualificação
que nós enunciámos? Quando estamos a falar das qualificações nós
inventariámos três momentos:
 Interpretação do conceito quadro;
 Delimitação do objecto;
 Subsunção.

Esta subsunção corresponde ao quê? A subsunção corresponde a ver se a


fase dois se enquadra na fase um. Isto corresponde à subsunção. Ou seja, a
subsunção corresponde à verificação sobre se o objecto se enquadra numa
determinada previsão da regra de conflitos.
306

Nesta situação qual é o objecto? No fundo é aquele conjunto de normas


que regula a prestação de alimentos ao filho. Mas, se o pai tem obrigação de
prestar alimentos ao filho, então nós temos uma questão prévia e temos uma
questão principal. Qual é que é a questão prévia e qual é a questão principal?
 A questão principal é a obrigação de alimentos.
 A questão prévia é saber se existe uma relação de filiação.

A pede alimentos na qualidade de filho, portanto a questão prévia é saber se


A é filho. A pede alimentos a B, na qualidade de filho, e esta é a questão
principal, e a questão prévia é A é filho? porquê? Porque nós sabemos que
na filiação nós temos:
 Filiação natural;
 E filiação adoptiva.

Há ordens jurídicas que só reconhecem a filiação natural, que era o caso da


ordem jurídica portuguesa, em que perante essa ordem jurídica portuguesa
da altura o filo adoptivo não é filho. portanto a questão que se coloca é a de
saber como é que nós vamos determinar quem é filho? A que mecanismos
metodológicos é que vamos ter que recorrer, para determinar quem é filho?

Portanto, nós temos um conceito quadro da regra de conflitos. Qual é o


conceito quadro do código civil de 1867? Estado e capacidade. Vamos ficar
só pelo estado.

Se nós interpretássemos este conceito à luz do direito material do foro, o


que é que nós diríamos que era Estado?

São só aquelas situações a que a ordem jurídica portuguesa reconhecia a


qualidade de Estado. Portanto seria:
 Estado de filho natural;
 Estado de Solteiro;
 Estado de Casado;
 Estado de viúvo;
 Estado de divorciado.

Agora se nós interpretássemos este conceito à luz do direito formal do foro,


por filho entendíamos:
 Não apenas o filho natural;
 Mas também o filho adoptivo
307

Tendo em conta a abertura do ordenamento jurídico para outras ordens


jurídicas, ou seja, a tal interpretação autónoma deste conceito de Estado. Se
interpretarmos este conceito de Estado de forma autónoma de forma a
abranger não apenas aquelas situações que na ordem jurídica portuguesa são
consideradas como Estado, mas também aquelas situações que noutras
ordens jurídicas são também legitimamente consideradas como Estado e
possam ser reconhecidas pela nossa ordem jurídica.
E neste caso o estado de filho adoptivo está também representado no
conceito de Estado. Era fundamentalmente um problema de interpretação do
conceito quadro. Ou seja, este caso coloca fundamentalmente um problema
de interpretação do conceito quadro. É o problema de nós sabermos se
devemos interpretar o conceito quadro à luz do direito material do foro, e
neste caso o Estado de filho adoptivo não é reconhecido na ordem jurídica
portuguesa, ou então à luz do direito formal do foro, ou seja interpretarmos o
conceito com autonomia por forma a poder dar causa jurídica a todas as
situações que ocorrem no mundo, e neste caso o filho adoptivo também
podia ser considerado filho.

Não sei se estão recordados quando nós estudámos os princípios do direito


internacional privado, falamos neste caso. O que é que dissemos a
propósito? Neste caso concretamente das adopções o que é que nós
dissemos? Qual foi a posição da jurisprudência sobre este caso?

Houve duas posições na jurisprudência sobre esta matéria à luz do código


civil de 1867;
 Uma primeira posição tomada em 1934 uma posição favorável ao
reconhecimento das adopções feitas no estrangeiro,
 E em 1953 houve uma posição diferente no sentido do não
reconhecimento das adopções feitas no Estrangeiro.

O Prof. Ferrer Correia criticou abundantemente esta última posição


considerando-a um retrocesso. Eu penso que a jurisprudência portuguesa
sofreu na verdade um retrocesso no que respeita ao tratamento de situações
de vida privada internacional. Quando nós pegamos na jurisprudência do
início do século verificamos que ela sofre uma evolução boa até pelo menos
os anos 40, mas depois a partir dos anos 40 foi havendo um decréscimo e
neste momento estamos a iniciar uma retoma. Eu acho que neste momento já
a jurisprudência começa a tratar os casos de direito internacional privado de
uma forma diferente.
308

Fundamentalmente, este caso colocava um problema de interpretação do


conceito – quadro, ou seja, como é que nós vamos interpretar o conceito de
Estado e capacidade das pessoas. devemos interpretá-lo à luz do direito
material do foro, e nesse caso só seria estado de filho o filho natural, ou se
realmente devíamos interpretar de uma forma autónoma, abrangendo
também situações do filho adoptivo.

Neste caso a doutrina tem uma posição praticamente uniforme. Eu não vi


ninguém na doutrina que defendesse posição diversa daquela que está aqui
neste caso.

Aluno: neste caso poder-se-ia aplicar o método do prof. Lima Pinheiro em


que se deveria ir às ordens jurídicas potencialmente aplicáveis, fazendo uma
interpretação objectiva desse instituto e analisando o seu conteúdo e função?

Conduziria à mesma solução. Podia perfeitamente pegar neste caso, ir à


ordem jurídica alemã, averiguar aquelas normas pelo sue conteúdo e pela
sua função, se realmente havia uma intenção subjacente a elas, uma ratio
subjacente a elas, no sentido de reconhecer uma situação de filiação.

O art.º 15 na altura não existia na altura. Este artigo no fundo o


consubstanciar de uma doutrina que já tinha sido defendida antes de existir o
art.º 15. eu até penso que o art.º 15 não devia existir. O prof. Ferrer Correia é
que fez muita insistência no sentido de introduzir este artigo, e até era muito
mais amplo do que aquilo que está lá.

Na comissão revisora quiseram suprimir o art.º 15 por desnecessário, porque


no fundo o que este artigo vem dizer é que a interpretação do conceito
quadro deve ser feita de uma forma teleológica, e os membros da comissão
revisora diziam que a interpretação teleológica é do domínio geral do direito.

O prof. Ferrer Correia veio dizer-lhe que eles não se deveriam esquecer de
que a interpretação teleológica das regras de direito internacional privado,
não se firmam sem luta. Foi mesmo a expressão dele. Esta visão teleológica
não se firma sem luta. Há uma intenção pedagógica em incluir o art.º 15 no
código civil. Foi aí que o artigo passou a constar do código civil, mas passou
amputado de alguma das suas partes, que foi precisamente uma parte que
esclarecia de uma forma muito mais clara.
309

Caso Prático de Qualificações


Caso II

No domínio da lei russa de 1926 sobre o direito da família, o


casamento podia consistir num mero registo ou resultar de um simples
estado de facto – a coabitação.
Poderiam uma mulher e um homem, cidadãos russos, que fizeram vida
em comum nas condições previstas pelo código russo da família,
invocar a sua qualidade de casados, com fundamentos nessas
disposições da lei russa, à face das normas de conflitos portuguesas
então vigentes que mandavam regular o estado e a capacidade das
pessoas e o casamento pela lei da nacionalidade dos cônjuges?
Parece de aceitar que essas normas soviéticas fossem consideradas
como respeitando ao “estado das pessoas” ou ao “casamento” para
efeitos de aplicação das referidas normas de conflitos.
Mas isso supõe que aos conceitos usados por tais normas de conflitos
se dê um conteúdo mais largo que o que resulta para a noção de
casamento do direito material português.

Aqui temos dois momentos do processo de qualificação que não estão cá.
Dois momentos de do processo de qualificação que são:
 Interpretação do conceito – quadro, neste caso de estado e capacidade
das pessoas;
 E temos um problema de delimitação do objecto. Este é um problema
um pouco mais complexo.

No que respeita à interpretação do conceito – quadro, nós temos o conceito


de Estado e capacidade. Alias, a própria hipótese já diz que nós podemos
alargar o conceito no fundo, há uma teoria a que se chama mesmo “teoria de
alargamento” e este caso prático no fundo tem subjacente essa teoria. Eu
pessoalmente, sou um pouco avesso a esta teoria do alargamento, porque eu
penso que para nós alargarmos, temos que partir de alguma coisa, ou seja,
para nós fazermos um alargamento temos de ter alguma coisa já delimitada.

Por exemplo nós temos um livro, para nós alargarmos esse livro temos de
dizer que o limite do livro é um determinado limite, e só depois o vamos
alargar.
310

A
O conceito – quadro é o rectângulo, tem o conteúdo A, e vamos então fazer
o seu alargamento. Só que este conteúdo, entende-se que é fixado pelo
direito material do foro. Ora, isto é que não está bem do meu ponto de vista.

Eu não defendo a teoria do alargamento que é uma teoria muito comum na


doutrina. Eu entendo, que devo ir mais pela teoria da autonomia que é
preconizada pelo prof. Ferrer Correia, teoria da autonomia da interpretação
dos conceitos quadros. Considerar que cada conceito – quadro já tem em si
mesmo potencialidades para abranger situações que não aquelas previstas na
lei material do foro.

Eu não adoptaria a ideia do alargamento, mas o que é certo é que há uma boa
doutrina que se refere a este mecanismo de alargamento.

No que respeita à interpretação do conceito – quadro a solução dada ao caso


parte da teoria do alargamento. Eu preferiria ir pela teoria de interpretação
autónoma do conceito – quadro de forma a abranger situações que
teleologicamente sejam susceptíveis de caber nesse mesmo conceito –
quadro.

O prof. Ferrer Correia tem uma formulação mais clara que o prof. Lima
Pinheiro. O prof. Lima Pinheiro diz na sequência do que diz a Prof.ª
Magalhães Colaço, que primeiro temos o direito material do foro, o ponto de
partida é o direito material do foro, e depois vamos alargar para outras
situações. O Prof. Ferrer Correia tem uma ideia um pouco diversa. Diz que
este conceito – quadro é um conceito de tal modo abrangente que abrange
tudo o que o direito material do foro prevê, mas também em igualdade de
circunstâncias. Reparem, que não pode, do meu ponto de vista tomar como
ponto de partida o direito material do foro, porque senão está a colocar a
ordem jurídica portuguesa em posição de supremacia em relação às ordens
jurídicas estrangeiras. É dizer que as situações jurídicas que integram aquele
conceito – quadro e que provêm da ordem jurídica material do foro, são mais
importantes que as situações jurídicas que vêm de fora. Então temos de
alargar. Todos os caminhos vão dar a Roma. Acabam por dar sempre o
mesmo resultado. Agora, as perspectivas do ponto de vista da igualdade
311

entre as ordens jurídicas, ou de paridade de tratamento das ordens jurídicas é


diferente. É apenas um problema de formulação. Realmente por de trás da
formulação está alguma intenção.

Aluno. Do que percebi nós pegávamos no conceito de casamento do direito


russo e juntávamo-lo ao nosso. Isso é que é interpretação autónoma?

Naturalmente que sim. A interpretação autónoma no fundo quase que deixa


o conceito aberto. Quando nós falamos em casamento em princípio nós não
sabemos o que é isso. Portanto abrange o casamento português, o casamento
soviético, o casamento tailandês, o casamento americano, etc., mais os
casamentos informais. Portanto, quando estamos a utilizar este casamento
como conceito – quadro, para resolver todas as situações vigentes no mundo
que podem corresponder a casamento, então neste caso à partida nós não
podemos saber qual o conteúdo exacto deste conceito. O que nós sabemos é
que o legislador entendeu que fosse uma situação familiar, estável, com o
fim de constituir família, e isto são ideias que estão subjacentes a este
conceito de casamento.

Eu aqui sigo uma formulação mais subtil que é a formulação do prof. Ferrer
Correia. É apenas uma questão de formulação. É claro que partirmos do
direito material do foro nos dá maior segurança. Mas eu pergunto. E nas
questões em que o direito material do foro não diz nada. Como é que nós
vamos resolver o problema. era o caso da adopção. Vamos supor o caso da
adopção em que o direito material do foro não tinha nenhuma norma. Por
consequência isso só nos diz que realmente aquela formulação da tese de
normas de conflitos abertas é capaz de ser mais segura. Tenham no entanto,
presente a posição do curso.

Há aqui, avançando na resolução da nossa hipótese, um problema de


interpretação do conceito – quadro, o conceito de Estado, e a questão que se
colocava era sempre de saber se por Estado nós devemos entender apenas o
estado de solteiro casado, viuvo ou divorciado, e por casado apenas o
casamento formal previsto na ordem jurídica portuguesa. Portanto, esta
situação do casamento são chamados casamentos informais, portanto, não
seguem aquele procedimento que nós conhecemos, do processo preliminar
de publicações, dos banhos, do convite para as pessoas virem declarar se
conhecem algum impedimento, ou então que se calem para sempre, etc., no
312

fundo, é um casamento sem estas preocupações. Por conseguinte é um


casamento informal.

Vamos situarmo-nos por aqui no que diz respeito à interpretação do conceito


– quadro. Quer pegando no conceito material de casamento da ordem
jurídica portuguesa, e alargar este conceito por forma a abranger as situações
dos casamentos informais, quer pegando na ideia de interpretação deste
conceito com autonomia de forma a abranger todas as situações do mundo,
pelos quais se constitua uma relação familiar, em qualquer destes dois casos
este casamento da nossa hipótese está lá previsto.

Agora como eu dizia a hipótese coloca-nos também um problema de


delimitação do objecto. Porque é que coloca um problema de delimitação
do objecto? Porque, para nós dizermos que aquela situação é casamento, nós
temos de conhecer o seu conteúdo. Ou seja, temos de analisar todas as
normas que atribuem efeitos de direito aquela situação da vida para verificar
se aquelas normas podem, no seu conteúdo e função, corresponder ao
conceito de casamento. Portanto, há também um problema de delimitação do
objecto. O caso torna-se interessante porque neste caso nós não temos
apenas uma norma qua vamos qualificar como por exemplo a norma do art.º
877 do CC, mas sim um conjunto de normas às quais nós vamos retirar qual
é o seu sentido útil, qual é a sua finalidade, qual é o objectivo do legislador
russo entendeu com aquele conjunto de normas, e parece haver a ideia de
que o legislador russo pretendeu com aquele conjunto de normas, e como
nós sabemos temos de fazer essa interpretação lege causae, esta delimitação
lege causae, portanto a determinação do objecto da qualificação é feita lege
causae, por conseguinte temos de perguntar à luz da ordem jurídica russa, o
que é que esse conjunto de normas pretende significar e a conclusão que nós
retiraríamos era de que à luz da ordem jurídica russa, esse conjunto de
normas pretende significar casamento, porque pretende regular o casamento.
Neste caso subsume-se ao conceito de Estado e Capacidade.

Para terminar queria dar-vos algumas ideias sobre este caso. Este caso é um
caso conhecido, chamado caso machinson versus Machinson. Foi um caso
julgado nos tribunais ingleses. Penso que o nome deve ser um nome russo
modificado. O que é certo é que o nome do caso é o acima referido, foi
julgado por um tribunal inglês, e consistiu no seguinte. a Sr.ª Machinson,
tinha contraído casamento informal com o Sr. Machinson, e em Inglaterra o
Sr Machinson começou a falhar à prestação de alimentos, e ela apresentou-
se junto do tribunal a pedir alimentos, fundando-se no casamento. O juiz da
313

primeira instância quando foi averiguar se realmente eles eram


verdadeiramente casados, verificou que o casamento tinha sido um
casamento informal. Ou seja, juntaram-se, e foram ao registo civil dizendo
que queriam registar a sua união. O divórcio era a mesma coisa. Quando as
pessoas se queriam divorciar afirmavam a sua vontade de se divorciarem, e
iam ao registo registar o seu divórcio. O juiz da primeira instância afirmou
que para os Ingleses aquilo não era considerado casamento. Para os Ingleses
o casamento tinha de ser o Christian marriage. Foi esta a expressão que o
juiz utilizou, o casamento tinha de ser um casamento para a vida, e portanto,
um casamento que se pode efectuar com todas estas informalidades e que
também se pode romper com todas estas informalidades, para os ingleses
não podia ser casamento. É claro que a Sr.ª Machinson interpôs recurso, e, o
tribunal em segunda instância analisou o caso nos termos em que nós
estamos a analisar, considerando que na verdade o casamento tinha uma
forma mais ligeira do que o casamento inglês, mas o que é certo é que para a
ordem jurídica russa, isso é que era o mais importante, para o legislador
russo aquilo deveria ser considerado como casamento. Neste caso, foi
considerado casamento.

Na verdade há uma grande proximidade entre esta situação e as Uniões de


Facto, porque, e aproveitamos para entrar em algumas partes da parte
especial do direito internacional privado, coloca-se um problema de
qualificação da União de Facto. Na ordem jurídica portuguesa como sabem a
doutrina de um modo geral considera que a União de Facto não é uma
relação familiar, embora neste momento penso que essa doutrina já está a
ficar um pouco esbatida, e não considerando que a união de facto é uma
relação familiar, então neste caso coloca-se precisamente o mesmo problema
que se colocou à luz dos casamentos informais. Só que a União de facto em
ordens jurídicas como a Guatemalteca, a Hondurenha, a Cabo Verdeana, a
Cubana, a Angolana, a Moçambicana, etc., ou seja, há hoje em dia uma
multiplicidade de ordens jurídicas que atribuem à união de facto plenos
efeitos de direito e que reconhecem na união de facto efeitos próprios do
casamento.

Quando tal aconteça, ou seja, quando na ordem jurídica à luz da qual foi
constituída a união de facto, lhe reconhecer plenos efeitos de direito como se
fosse casamento, nós devemos considerar como uma relação familiar. É a
posição defendida no curso, o Prof. Lima Pinheiro segue este ponto de vista,
é também a posição da Prof.ª Magalhães Colaço, o Prof. Moura Ramos
também penso que tem essa mesma opinião, o Prof. Marques dos Santos
314

também já a defendia há muito tempo. Penso que nós podemos considerar


que a tese dominante é no sentido de reconhecer às uniões de facto, quando
produz os mesmos efeitos. Ou seja, temos sempre que analisar aquele
conjunto de normas que disciplinam aquela relação jurídica. Se no seu
conteúdo e função chegarmos à conclusão de que aquele conjunto de normas
pretende criar uma relação familiar, interpretadas à luz da própria ordem
jurídica, à luz da lex causae, então neste caso vamos atribuir-lhe os mesmos
efeitos que o casamento. Só que vamos ter de analisar um caso específico da
União de Facto porque ela suscita muitos problemas de pormenor.

Aqui aplicamos o princípio da relatividade do processo de qualificação.


Qualificamos em função da natureza das normas jurídicas que disciplinam
aquela situação da vida.

LIÇÃO N.º 36 31/03/2003

Ainda a propósito ainda do caso n.º 2 , temos de ter apenas em consideração


que a qualificação da união de Facto depende dos efeitos jurídicos que ela
produz. Nós temos que ter presente que a qualificação é feita de um modo
relativo. Uma união de facto entre dois franceses não produz os mesmos
efeitos do ponto de vista do direito de conflitos, que uma união de facto
entre dois angolanos, por exemplo, ou entre dois bolivianos. Dependendo
dos efeitos que a ordem jurídica em questão àquela união de facto, assim nós
a qualificamos ou não como uma relação familiar

No que respeita ao direito português, o Prof. Lima Pinheiro, a prof.


Magalhães Colaço e o prof. Ferrer Correia, todos eles consideram que a
União de facto é uma relação familiar para efeitos do direito de conflitos.
Quando nós estamos a falar de uma união de facto como está disciplinado no
direito português. como sabem existem divergências doutrinárias no que diz
respeito a esta classificação, os Prof. Pereira Coelho, e Antunes Varela, não
consideram que a União de facto seja uma relação familiar, aliás o Prof.
Antunes Varela tem mesmo uma posição de total antipatia relativamente à
União de facto. Eu penso que é uma antipatia, do meu ponto de vista
injustificável. Eduardo dos Santos também tem uma posição completamente
negativista relativamente à União de Facto.

Eu pessoalmente não tenho essa posição, não pelo facto de ter escrito uma
tese sobre a União de Facto, mas precisamente pelo facto de eu entender
que, o casamento é uma forma de regulamentação de uma relação, e quando
315

estamos a regulamentar uma relação estamos a fazer intervir aí o Estado. A


União de Facto é uma forma expontânea de criar relações e essa forma
expontânea de criar relações, do meu ponto de vista acaba por ser muitas
vezes a mais importante forma de criar relações. Por isso é que se distingue
casamento e matrimónio. O matrimónio visa precisamente esta ideia de
união entre duas pessoas independentemente dessa união estar ou não
sancionada por um conjunto de normas, normas religiosas ou normas civis,
ao passo que um casamento é essa relação criada num quadro desse conjunto
de normas.

Eu penso que aquela figura que se aproxima mais do matrimónio é a União


de Facto. Eu não sou apologista da União de facto, porque vivemos em
sociedades organizadas, e como vivemos em sociedades organizadas temos
que entrar dentro dos cânones de organização que estiverem livremente
estabelecidos. Só que eu entendo que esses cânones de organização não
podem ser esqueletos de força em que o cidadão tem de entrar
obrigatoriamente. Daí que não sou contra a união de facto, mas não entendo
que o legislador deva estimular a celebração de uniões de facto. Basta pensar
que, por exemplo, quando duas pessoas se juntam, é preciso saber quais são
os efeitos jurídicos em termos de bens, de filhos, em termos das relações
dessas pessoas com outras pessoas que entram em relação com elas.

Eu sou portanto um defensor do casamento mas sou também um defensor da


liberdade individual. O que compete à lei é extrair dessas situações da vida
as consequências jurídicas. Eu entendo que é um plano das relações do foro
de cada um, em que o legislador não deve intervir a não ser para extrair daí
determinadas consequências.

Caso 3

“Segundo o Direito islâmico, são tidos como legítimos os filhos


nascidos de uma mulher viúva dentro de quatro anos após a
dissolução do casamento.
Pergunta-se se os filhos da mulher viúva nacional de um estado
em que vigoram essas disposições, poderão acaso invocá-las
como respeitando à filiação legítima.
À face do art.º 56 do código civil de 1966 na sua antiga redacção,
a legitimidade da filiação determinava-se pela lei nacional
316

comum da mãe e do marido desta ou, na sua falta, pela lei


pessoal do marido, ao tempo da dissolução.
As normas em causa do direito islâmico são caracterizadas na
ordem jurídica a que pertencem como respeitando à filiação
legítima.
É, fora de dúvida que este conceito de legitimidade diverge em
muito daquele que domina nas ordens jurídicas europeias, e que
assenta na ideia de que o filho de mulher casada é presumido
filho natural do marido desta.
Parece assim que aquelas disposições não podiam ser aplicadas
a título da lei reguladora da filiação legítima (o que não significa
que não pudessem relevar a outro título – filiação ilegítima,
obrigações de fonte legal – relativamente à mãe)”

Este caso é um caso curioso porque a situação é a seguinte: vamos supor que
A e B são casados, A morre e quatro anos depois B tem um filho, vamos
chamar-lhe C. Segundo esta norma Islâmica, C é filho de A. É evidente que,
quando esta norma surgiu não havia clonagem, nem inseminação artificial
nem os bancos de esperma, nem a inseminação post mortem.

Isso coloca-nos um problema no direito de conflitos, porque se


efectivamente C vier invocar a sua qualidade de filho de A, nós podemos
perguntar se efectivamente vamos poder reconhecer-lhe esse efeito de
direito. É claro que a hipótese já prevê a resolução. Mas eu penso que não é
a única solução que nós podemos retirar daí.

Ou seja, C pode invocar que ele é filho legítimo de A e B?

Dentro daqueles procedimentos que nós tínhamos estado ver de como


qualificar, qual é o objecto da qualificação?

Aluno: é uma situação da vida conformada por normas jurídicas.

E qual é ela?

Aluno: filiação

Exactamente.
317

Nós temos um conjunto de normas do direito islâmico que dizem o seguinte:


quem nasceu de alguém que tenha sido casada com outra pessoa há mais de
4 anos, ainda essa pessoa que nasceu pode ser considerada filha legítima.
Reparem. O que é que nós temos aqui? Temos uma situação da vida,
nascimento, e temos um grupo de normas que diz: esta situação da vida,
nascimento, ocorrido nestas circunstâncias constitui uma filiação legítima.
Reparem. O objecto da qualificação é exactamente isto. Ou seja, o objecto é:
o facto nascimento mais as normas que disciplinam o mesmo facto.

Tudo o que nós temos que fazer é: perguntar, de acordo com o art.º 15 do
CC, se estas normas que disciplinam este facto pelo seu conteúdo e função,
são normas relativas à filiação legítima?

Objecto caracterização Lege Causae

Normas filho legítimo art.º 15 CC Filiação Legítima

Nascimento
Filiação Legítima

Portanto temos aqui o objecto, e agora estamos às voltas com a


caracterização desse objecto. Nós já sabemos que essa caracterização é feita
lege causae. O objecto é situação da vida, conformada por um grupo de
normas. Este é o objecto da qualificação. Agora vamos recorrer à norma que
nos dá o método para nós caracterizarmos essas situação da vida. É o art.º 15
do CC. E perguntamos se ela constitui filiação legítima para efeitos do art.º
56 do CC.

Qual seria a vossa resposta independentemente da resposta que está dada no


caso.

Aluno: lege causae seria filiação legítima.

Naturalmente. Portanto, se o método que o art.º 15 do CC impõe é o método


de qualificação lege causae, então temos que perguntar é como é que aquelas
normas são encaradas no quadro da ordem jurídica que lhe pertence. E
parece que no quadro da ordem jurídica a que pertence pelos próprios dados
da hipótese, é uma situação que corresponde à filiação legítima.
318

Mas parece que não foi esta a solução preconizada pela Prof.ª Magalhães
Colaço. O que é que ela queria quando afastou esta possibilidade? Ela disse
Parece assim que aquelas disposições não podiam ser aplicadas a título da
lei reguladora da filiação legítima (o que não significa que não pudessem
relevar a outro título – filiação ilegítima, obrigações de fonte legal –
relativamente à mãe)”.

Aluno: eu só estou a ver aqui uma hipótese, que é a hipótese de se invocar a


ordem pública internacional.

Não está a ver mal, não. Não está.

Aluno: face aos valores da ordem jurídica portuguesa, atentavam, nesta


altura, aos princípios enformantes da ordem jurídica portuguesa e da lei da
família.

Exactamente, e que princípio é este?

Aluno: tem a ver com o art.º 1826 com a presunção de paternidade. Só é


reconhecido como filho nos 300 dias após a cessação da coabitação.

Não pode fazer essa recondução à ordem jurídica nacional, a ponto de


ignorarmos aquilo que diz a ordem jurídica estrangeira sobre esta matéria.
Não se pode fazer essa recondução ponto por ponto.

A questão está na certeza biológica, é o princípio da verdade biológica que


está aqui em causa. Nós podemos considerar que na ordem jurídica
portuguesa, o princípio da verdade biológica eventualmente apontaria no
sentido de se afastar esta norma. Mas, eu penso que nós não podemos ir por
aí. Porque podemos ser considerados mais papistas que o papa. Vamos supor
que, A e B argelinos, C também é argelino, e trata-se por exemplo vir fazer
valer o seu direito a um bem deixado por A em Portugal.

Neste caso aqui o que é que nós pretendemos? Pretendemos é saber: C é


filho de A ou não? Reparem. Se nós analisarmos esta norma no quadro da
ordem jurídica da lex causae C é filho de A. Não há dúvidas. Resta saber se
nós no quadro da nossa ordem jurídica aceitamos isso ou não.

Reparem uma coisa. Parta nós entendermos esta normas nós temos de sair do
nosso âmbito cultural. A grande dificuldade que temos em perceber uma
319

norma destas, é precisamente pelo facto de nós avaliarmos tendo em conta


os nossos quadros mentais e culturais. Vejam o seguinte. por exemplo, a
adopção. O que é? No fundo é uma forma de constituição de filiação fora do
princípio da verdade biológica. Por exemplo, a adopção plena leva a cortar
definitivamente as relações com os pais biológicos, mas é um artifício
jurídico como forma de protecção. Eu pergunto: esta norma do direito
islâmico não terá em vista uma eventual protecção? Não se esqueçam de que
numa sociedade como esta (a islâmica) quem tem bens é este senhor (A). É
ele que na verdade, vai deixar bens para a esposa, para os filhos, etc., e eu
entendo que eventualmente esta norma poderá estar relacionada com uma
ideia de protecção. Confesso que é uma mera suposição, não domino o
direito islâmico, mas estou a tentar perceber a norma afastando-me do meu
quadro cultural, mas há mais uma ideia que eu queria avançar.

Já ouviram falar no levirato? O levirato é uma norma do direito islâmico,


não só do direito islâmico, mas também vem do próprio direito mosaico que
consiste no seguinte. Quando uma pessoa morre, A morre e é casado com B,
D, que é irmão de A é obrigado a casar com B, ou seja o levirato consiste na
obrigação que a lei impõe ao irmão do defunto de casar com a esposa viúva.
Porque é que a lei obriga a isso? Protecção dos menores. Protecção dos
filhos deixados pelo defunto, protecção da viúva, no fundo são mecanismos
que essas ordens jurídicas criaram com vista a criar situações de protecção.

Reparem. Eu julgo que há algum paralelismo entre esta norma que


estabelece o levirato e a norma que estabelece que quatro anos da morte do
defunto o filho nascido da esposa é considerado filho legitimo. Se nós
encararmos não na nossa perspectiva de ir à procura da ideia da verdade
biológica, que é completamente impossível, biológica nós já sabemos que é
impossível, portanto é escusado nós irmos à procura de respostas dentro
desse quadro, temos de nos afastar daí e ir à procura de outras vias de
entendimento. Eu entendo que o melhor entendimento é encarar essa norma
no quadro das normas relativas à protecção de incapazes, ou então a
protecção da família. Eu penso que tomado assim em consideração já
poderemos portanto, apontar para uma outra via de solução.

De qualquer modo, a via da ordem pública não é uma via errada. Eu penso
que na verdade quando nós perguntamos visto da nossa perspectiva, se um
filho de uma pessoa que nasce 4 anos depois da morte de outra pessoa, é
filho desta última, nós dizemos que isto viola claramente o princípio da
verdade biológica, e vamos portanto afastar essa norma.
320

Na hipótese que eu coloquei havia uma ligação, não é uma ligação pessoal, é
uma ligação real, o que neste aspecto para efeitos de intervenção da reserva
de ordem pública temos de ter isso também em consideração. Por exemplo,
se vou fazer intervir a reserva de ordem pública para afastar uma norma que
confere um direito de natureza pessoal, uma norma de natureza real, que é
uma conexão real, quase que não tem utilidade para este caso.

De qualquer modo nós podemos sempre seguir o ponto de vista da Prof.ª


Magalhães Colaço, com o qual salvo o devido respeito, não estou muito de
acordo. Porque ela diz que neste caso nós vamos retirar a ideia de que há
uma filiação ilegítima relativamente à mãe. Reparem que, por exemplo, se se
tratar de uma situação de levirato, e esta norma pode ocorrer numa situação
de levirato, em que D foi obrigado a casar com B e gerou C com D, mas de
qualquer modo considerado as normas jurídicas daquela ordem jurídica é
considerado filho de A. Neste caso aqui não sei realmente se é uma filiação
ilegítima. Pelo menos relativamente a D e B não é uma filiação ilegítima
porque estão casados para todos os efeitos.

O modo como o caso foi resolvido suscita-me algumas dúvidas.

Portanto seguindo a linha de pensamento atrás explanada podíamos chegar à


conclusão de que C poderia invocar a sua condição de filho. eu pessoalmente
tinha muita dificuldade em afastar a sua condição de filho, tendo em conta
que se nós realmente tomássemos em consideração a ideia de que podia estar
por detrás disto regras de protecção. Não me digam que essas ordens
jurídicas não sabem que 4 anos depois de morrer ninguém gera um filho.
sabem disto. Se realmente adoptam uma norma deste teor, então, na verdade,
não se trata de tentar reconhecer uma filiação biológica, mas sim de
reconhecer uma coisa semelhante a um instituto de protecção.

Hoje em dia há um caso que em Portugal foi utilizado para os mesmos


problemas deste caso aqui levantado, que é precisamente a inseminação post
mortem, uma pessoa falece, deixa esperma num banco de esperma, e 10 anos
depois a esposa decide engravidar. E reparem, que temos um filho que
biologicamente essa criança é filho da outra pessoa. Agora, temos uma
situação em que já cessou a personalidade. A pessoa já não está em
condições de ir ao registo civil, e dizer que quer registar a criança que acaba
de nascer. A realidade é muito mais fértil do que aquilo do que a gente
321

pensa. O direito tem de arranjar uma solução e eu penso que essa solução é o
direito reconhecer que aquela criança é filha porque na realidade é.

Caso 4
Junto de um tribunal alemão, A pede a condenação de B com
base numa letra. A obrigação cambiária foi subscrita e devia ser
cumprida no estado norte – americano do Tenessee.
A norma de conflitos alemã sujeita as obrigações à lei do lugar do
cumprimento legal do cumprimento: logo, aquela obrigação
cambiária entendia-se submetida ao direito de Tenessee.
Segundo o direito do Estado do Tenessee, a obrigação cambiária
prescreve no prazo de seis anos.
De acordo com a lei interna alemã. A obrigação cambiária
prescreve no prazo de três anos.
Tinham decorrido mais de seis anos sobre a data de vencimento
da letra subscrita por B.
O demandado invoca junto do tribunal alemão a prescrição da
dívida.
O Reichsgericht em 1882 julgou que não podia aplicar ao caso as
disposições do direito norte – americano porque à face da ordem
jurídica norte – americana, as regras sobre prescrição são
concebidas como matéria de direito processual, e não de direito
substantivo. As normas sobre a limitatiom of action não
respeitam a rights mas a remmedies. A sua aplicação impõe-se ao
tribunal norte – americano, qualquer que seja a lei reguladora da
substância da obrigação em causa.
O Reichsgericht ponderou ainda que as regras do direito alemão
sobre prescrição são de natureza substantiva e não processual.
Daqui que só devessem serem aplicadas quando o direito alemão
é a lei reguladora da obrigação. No caso sujeito a juízo, não era
isto que se verificava. A prescrição da lei cambiária alemã não
podia portanto ser invocada pelo demandado.
O reichsgericht considerou assim que a obrigação não estava
prescrita e condenou o réu.
A decisão do tribunal alemão não se afigura correcta.
Não bastaria, para no caso afastar a aplicação da lei americana
sobre o prazo da prescrição, averiguar que na ordem jurídica em
322

que ela se inscreve lhe pertence a qualificação de direito


processual. Haveria ainda que confrontar o conteúdo do conceito
“direito processual” próprio dos direitos anglo – saxónicos, com
o conceito homólogo de direitos continentais europeus.
Desse confronto resulta que muitos institutos com finalidades e
alcance prático semelhantes, são classificados nos sistemas
romano – germânicos como institutos de direito material, e nos
países da common law como institutos de direito processual.
O conceito usado pela norma de conflitos alemã – obrigações –
não pode ser esvaziado do seu conteúdo: é à face do sentido
atribuído a esse conceito que há – de em ultima análise decidir-se
se a caracterização recebida pelas disposições materiais em causa,
perante a ordem estrangeira em que elas se inscrevem, se ajusta
ou não, ao conceito que exprime a previsão da norma de
conflitos.
Assim, deve entender-se que as disposições referidas do direito
norte – americano sobre prescrição devem ser tidas, não obstante
a qualificação divergente que recebem nessa mesma ordem
jurídica, como sendo de natureza substantiva, para efeitos de se
considerarem, abrangidas no conceito de obrigações utilizado
pela norma de conflitos alemã.
O mesmo valeria se o problema fosse suscitado perante a ordem
jurídica portuguesa, face ao art.º 40 do código civil.

à doutrina critica muito esta solução encontrada pelo reichsgericht e na


verdade praticamente todos os autores o criticam tendo em conta o carácter
muito formal da solução.
=====================================================
LIÇÃO N.º 37 2/04/2003

Vamos dar seguimento ao caso 4. a propósito deste caso vamos aproveitar


para fazer da primeira parte da parte especial. Fizemos uma panorâmica
geral no que respeita ao âmbito da parte especial, mas também estudamos
uma matéria respeitante à separação entre forma e substância.

O Prof. Lima Pinheiro teve dúvidas sobre o enquadramento sistemático desta


parte da matéria. Eu penso que o problema não está mal de todo enquadrado
sistematicamente, embora pudesse também ser tratado na problemática das
323

qualificações. É onde os problemas de forma e substância, ou seja a lex fori


como lei processual é também um problema de qualificação.

Uma vez que este caso suscita este problema, a lex fori como lei do
processo, o que é que ocorre referir sobre este ponto? Quais são os
principais problemas que se colocam em torno da questão lex fori como lei
do processo? Porque é que nós dizemos que a lei do foro é a lei do processo?
Quais são as razões, nós podemos até falar em razões históricas?

De onde vem esta regra? De onde vem a regra segundo a qual a lei do foro é
a lei do processo? Foi Baldo de Ubaldis que descobriu esta regra. Nós
podemos considerar que é uma regra consuetudinaria em direito
internacional privado. Quando nós perguntamos de onde vem esta regra,
podemos perfeitamente dizer que é uma regra consuetudinário, vem desde
longa data. O certo é que algumas ordens jurídicas como a alemã e a italiana,
a Suíça também, estabelecem claramente no seu direito internacional
privado que a lei do foro é a lei do processo de modo a não deixar qualquer
espécie de dúvidas. Todavia, eu tenho uma nota que retirei do Prof. Anselmo
de Castro. Segundo ele, esta regra está consubstanciada no código de
processo civil português. nos art.º 49, 65, 1094, 1096. Além do código de
processo civil, nós podemos perfeitamente dizer que algumas convenções
internacionais, nomeadamente a convenção de 1905 sobre o processo civil,
contém esta regra, de que a lei do foro é a lei do processo. (normalmente faz-
se muitas vezes esta pergunta nas orais). O fundamento pode ser dado como
histórico ou então retirado do direito positivo vigente.

Qual é o âmbito de problemas que a lei do foro como lei do processo coloca.
Já foi enunciada a questão geral desta problemática que é a de saber
determinadas matérias que a ordem jurídica do foro considera como sendo
processuais, a ordem jurídica estrangeira pode entender como sendo
substantiva.

Nós na altura quando demos esta aula fizemos um elenco de situações em


que a questão poderá ser suscitada. Em que situações se coloca a situação de
saber o que é processo e o que é substância?

 o direito de acção

Por exemplo o direito de acção. É um deles. O que é que nós dissemos a


propósito do direito de acção? Por exemplo, sabem que determinadas ordens
324

jurídicas proíbem a mulher de intentar acções contra o marido. Durante a


vigência do casamento as mulheres estão proibidas de intentar acções contra
o marido. Então nós temos a seguinte norma: “as mulheres não podem
intentar acções contra o marido”. Temos aqui uma norma. Vamos supor que
esta era uma norma do direito alemão. E o direito alemão era o direito
regulador das relações entre os cônjuges. Todavia em Portugal todas as
mulheres podem intentar acções contra os maridos. Ou seja, no quadro da lei
do foro todas as mulheres podem intentar acções contra os maridos. Mas no
quadro da lex causae as mulheres não podem intentar acções contra os
maridos. Quid juris?

Aluno: se se considerar uma norma processual a mulher pode interpor a


acção contra o marido, se se considerar como uma norma substantiva já não
pode porque aí remete para a ordem jurídica lex causae e nesse caso então o
que se aplica é a lei alemã.

Exactamente. Quando nós dizemos que a lei do foro é a lei do processo,


significa que, a todas as situações de natureza processual é aplicada a lei
do tribunal. Portanto, se entendermos que o direito de acção como uma
matéria de natureza processual, então neste caso é regulado pela lei do
foro, e a resposta vai no sentido de que qualquer pessoa em Portugal pode
intentar acções contra o marido, independentemente daquilo que venha a
dizer a lex causae. Todavia, se nós entendermos que esta norma é uma
norma de natureza substantiva, então neste caso, regular-se-á a acção pela
lex causae, e então a mulher não pode intentar acções contra o marido.

Que solução é que propunha para um caso como este?

Aluna: tem de se proceder à qualificação para se saber segundo o conteúdo e


função
Por exemplo, esta norma do direito alemão, que diz que a mulher não pode
intentar acções contra o marido, como é que qualificaria esta norma?

Aluna: penso que era uma norma substantiva

Entende que seria uma questão atinente à substância, mas não basta isto.
Tem que fundamentar.

Aluno: visa promover a harmonia familiar e portanto seria direito


substantivo
325

Exacto. No fundo o que se pretende com esta norma é garantir a harmonia


familiar, e se pretende garantir a harmonia familiar, esta norma vai interferir
com as próprias relações entre os cônjuges, e portanto vai bulir com a
própria capacidade para intentar acções, e sendo assim, tratar-se-á de uma
norma de natureza substantiva.

E a norma portuguesa que diz que as mulheres podem intentar acções contra
os maridos não é de natureza substantiva? Começa por ser um princípio
constitucional. Também é de natureza substantiva. E então neste caso temos
um conflito. Temos uma norma que diz que pode e outra que diz que não
pode. e ambas querem-se aplicar. É uma situação de cúmulo jurídico. Há
dois ordenamentos jurídicos que se querem aplicar.

Poder-se-ia ir pela via da reserva de ordem pública. Se realmente nós


considerássemos que esta norma aqui, violava de modo flagrante o direito de
acesso aos tribunais, então, na verdade haveria um princípio que iria intervir
para afastar, para romper esta norma e viabilizar a realização da norma que
permite à mulher intentar acções contra o marido.

Agora, sendo esta norma de natureza substantiva, a norma do ordenamento


jurídico português, acham que ela é aplicável?

Aluno: acho que não. Por as questões substantivas são reguladas pela lex
causae.

Exactamente. As questões relacionadas com a substância são reguladas


pela lex causae. Sendo esta norma uma norma de natureza substantiva,
então, ela não pode ser aplicada, não recebe título de aplicação. Será
assim?

A situação é um bocado complicada pelo seguinte. situações como o direito


de acção, no fundo colocam o seguinte problema:
 Quando falamos em acção estamos a falar em acção em dois sentidos:
1. no sentido de direito subjectivo à acção
2. e no sentido de prática do primeiro acto processual.
Portanto, o direito a praticar o primeiro acto processual, é um aspecto
relacionado com a forma. já o direito subjectivo à acção, é um aspecto
relacionado com a substância. Então, o poder jurídico de praticar o
primeiro acto processual, é regulado pela lex fori, mas, a questão de saber
326

se a pessoa tem ou não um direito subjectivo à acção, neste caso contra o


marido, já é um problema relacionado com a lex causae.

Aluno: então eles anulam-se um ao outro.

Exactamente. Acabam por se anular um ao outro. Mas, a questão não acaba


aqui ainda. A questão pode ser um bocado mais complexa. A questão do
direito à acção, de intentar as acções judiciais para fazer valer os seus
interesses, acaba por ser um direito fundamental, e sendo um direito
fundamental ele é reconhecido quer aos estrangeiros, quer aos nacionais em
igualdade de circunstâncias. Então coloca-se aqui um problema de aplicação
directa de uma norma constitucional quer aos estrangeiros, quer aos
nacionais.

Essa questão já foi suscitada ao nível dos tribunais. Do meu ponto vista foi
resolvido correctamente. Colocou-se a questão de saber se um estrangeiro
que pede asilo se tem direito a assistência judiciária. Havia quem defendesse
nomeadamente alguns procuradores da Republica que emitiram pareceres
neste processo, defendiam que o indivíduo estrangeiro não podia ter
assistência judiciária. Mas a questão subiu ao Supremo Tribunal de Justiça, e
este veio dizer que não, que se efectivamente nós lhe reconhecemos um
direito à acção, e isto independentemente de ser português, ou de ser
estrangeiro, o direito de acesso aos tribunais, então nós não podemos cercear
o direito de assistência judiciária, porque de outro modo estaremos a retirar
por outra via o seu direito à acção. Esta é uma questão que já foi resolvida ao
nível dos tribunais.

Mas o direito à acção é extremamente complexo de resolver em direito


internacional privado. Se notarem os autores de um modo geral não tocam
este ponto. Passam por cima disto e não trabalham esta questão.

A tese mais importante, não sobre este problema de direito internacional


privado, mas sobre o problema de direito de acção foi a tese do Prof. Castro
Mendes, que é precisamente “O direito à acção”. É uma tese que está
publicada na revista da faculdade de direito de Lisboa, e está também
publicada em separata. Esta problemática da natureza à acção, está aí
devidamente trabalhada.

Em direito internacional privado, são estes os problemas que se nos colocam


que é o de saber se podemos considerar o direito à acção como direito
327

atinente à substância, ou como direito atinente à forma, ou então se devemos


extrapolar e passar por cima disto tudo, e considerar o direito à acção como
um direito fundamental. Eu penso, que, como já vos disse, há uma sentença
mesmo do supremo tribunal no sentido de considerar que se trata de um
direito fundamental, e que realmente os estrangeiros nomeadamente têm
direito a assistência judiciária para poderem ter do mesmo modo o seu
direito à acção.

 presunções

Mas não é apenas o direito à acção, também colocámos questões atinentes ao


ónus da prova, às presunções. Dentro das presunções, temos as presunções
legais e naturais. E dentro das legais, vimos as juris et de jure, e a juris
tantum.

JURIS ET DE JURE (Natureza Substantiva)


LEGAIS
JURIS TANTUN (Natureza Substantiva)
PRESUNÇÕES
NATURAIS

Quanto às presunções inelidíveis são situações de substância. Uma vez que


não aceita prova em contrário presume desde logo um direito. É no fundo, a
presunção da existência de um direito. Por conseguinte, se se trata da
presunção da existência de um direito, não admite prova em contrário, então
naturalmente significa que tem o mesmo conteúdo que o próprio direito. Por
conseguinte nós presumimos a existência de um direito subjectivo,
naturalmente que essa presunção tem de ter natureza substantiva.

A doutrina de um modo geral também segue o mesmo ponto de vista no que


respeita às presunções juris tantum. Naturalmente que elas admitem prova
em contrário, mas uma vez verificada a presunção, do mesmo modo
portanto, deve-se considerar que ela adquire a mesma natureza que o direito
a que respeita.

As dúvidas colocam-se no que respeita às presunções naturais. Essas, como


sabem são presunções extraídas pelo julgador.
328

 Tendo em conta este aspecto, há quem diga que essas presunções são
reguladas pela lex fori, portanto têm natureza processual, e são
reguladas pela lex fori.
 Há uma opinião diferente que é apresentada pelo Prof. Machado
Vilela. Este autor diz que mesmo estas presunções, têm natureza
substantiva. O que se passa é que nós devemos separar o acto de
realizar a presunção, e então esta faculdade de realizar a presunção
que está posta nas mãos do julgador, isto sim é regulado pela lei do
foro, mas, a partir do momento em que o julgador extrai a conclusão,
conclui pela existência do direito, então neste caso é natural que ele
tenha a natureza substantiva.
 Eu penso que ele tem razão. Naquele trabalho que vos referi, eu segui
alguns autores estrangeiros que seguem o ponto de vista de que as
presunções naturais têm natureza processual. Mas eu penso que o
Prof. Machado Vilela é capaz de ter razão no que respeita a este
aspecto, porque de facto a actividade do juiz é disciplinada pela lei do
foro. Mas a presunção em si, a ilação que o juiz vai retirar, de factos
conhecidos para firmar o facto desconhecido, isso naturalmente acaba
de ter em si mesmo natureza substantiva.

Problemas põem-se também no que respeita ao ónus da prova. Já agora


aproveitamos para ver um caso em que aplicamos as presunções. Vamos
supor que A e B sendo que A é português, e B é inglês, morrem num
acidente de viação. E morrem os dois ao mesmo tempo.

Segundo a ordem jurídica portuguesa, há uma presunção de que A e B


falecem ao mesmo tempo, presunção de comoriência. Ninguém sucede a
ninguém. Mas, o mesmo não se passa na Inglaterra. Em Inglaterra diz-se que
o mais novo falece em ultimo lugar. Ou seja, admite-se que o mais novo tem
mais força, (naturalmente que isto em termos de política legislativa, é de
facto um bocado complicado, é supor e admitir que uma criança de 2 anos
falece depois de um rapaz de 19 que está na pujança da vida, mas o que é
certo é que essas coisas das presunções envolvem estas soluções um bocado
complicadas).

Coloca-se a questão de saber, como resolver o problema da sucessão destas


pessoas, porque nós temos duas presunções irreconciliáveis. Temos uma que
diz que B por exemplo faleceu em ultimo lugar e temos outra que diz que A
e B faleceram ao mesmo tempo. Ora, se A e B são pai e filho se B faleceu
em, ultimo lugar significa que B sucedeu a A.. então depois vai-se
329

determinar quem são os sucessíveis de B. Mas se A e B faleceram ao mesmo


tempo, então ninguém sucede a ninguém, vai-se determinar relativamente a
cada uma dessas pessoas quais são os seus sucessíveis em concreto.

Como é que resolvem esta questão?

Aluno: se essa presunção tem carácter substantivo é a lex causae, logo é a lei
inglesa a regular a questão, logo é o mais novo que sucede ao mais velho.

Exactamente. Mas e depois? Se aplicar o mesmo raciocínio relativamente a


A, vai chegar à mesma conclusão. Não é verdade? Repare.

Se a presunção tem natureza substantiva, e então se de acordo com a lei


portuguesa, se presume que faleceram ao mesmo tempo, então daí resulta
que para a lei portuguesa faleceram ao mesmo tempo, mas para a lei inglesa
o mais novo faleceu em ultimo lugar. Ou seja temos uma solução de
presunções inconciliáveis. É mesmo uma situação de presunções
inconciliáveis.

Quando há presunções inconciliáveis nós temos de fazer adaptação. Temos


de recorrer ao instituto da adaptação. Vejam o art.º 26 n.º 2 do CC.

Artigo 26º - (Início e termo da personalidade jurídica) ”1 - O início


e termo da personalidade jurídica são fixados igualmente pela lei
pessoal de cada indivíduo. 2 - Quando certo efeito jurídico depender
da sobrevivência de uma a outra pessoa e esta tiver leis pessoais
diferentes, se as presunções de sobrevivência dessas leis forem
inconciliáveis, é aplicável o disposto no N.º 2 do artigo 68º”.

Artigo 68º - (Termo de personalidade) ”1 - A personalidade cessa


com a morte. 2 - Quando certo efeito jurídico depender da
sobrevivência de uma a outra pessoa, presume-se, em caso de dúvida,
que uma e outra faleceram ao mesmo tempo. 3 - Tem-se por falecida a
pessoa cujo cadáver não foi encontrado ou reconhecido, quando o
desaparecimento se tiver dado em circunstâncias que não permitam
duvidar da morte dela”

Num caso como este, o legislador bem ou mal decidiu fazer adaptação,
portanto, nós temos aqui uma situação de adaptação feita por via legal.
Presume-se que ambos faleceram ao mesmo tempo. Ou seja, o legislador
330

português aplica a solução do direito material português, (isto é uma norma


material) transforma a norma do art.º 68/2 numa norma de direito
internacional privado. No fundo, esta norma é uma solução ad hoc para as
eventuais situações de comoriência.

 ónus da prova

Os meios de prova são os fixados pela lei do foro, mas a prova em si essa já
será substantiva.

Têm presente aquela distinção entre formalidades à substância e formalidade


à probationem? Isto é uma matéria que tem interesse para este caso. Nós
ouvimos falar no direito probatório material, e no direito probatório formal.
A lei probatória formal no fundo é aquela que regula toda a actividade, todo
o iter processual com vista à obtenção da prova. Por exemplo, quando se diz
que o contrato de compra e venda é feita por escritura pública, isto é uma
formalidade à substância. Não há dúvidas quanto a este aspecto. Agora, no
que respeita às tais formalidades a Probationem eu estou a pensar na
disciplina processual, na regulação da actividade do juiz, com vista à
obtenção de um determinado resultado probatório. Então neste caso, eu
penso que já é regulado pela lei do foro.

Se permitem vou ler-vos o que eu escrevi neste livro “O ónus da prova em


Direito Internacional Privado” publicado na revista da Ordem dos
Advogados, ano 53 de Abril/Junho de 1993. Há opiniões no sentido da tese
processual naturalmente, que é uma tese defendida por Michel autor francês
que escreceu uma tese de doutoramento especificamente sobre a temática da
tese processual do ónus da prova. Os argumentos de Michel são de tal
ordem, que ele vai contestar os argumentos de Showeber e Carnelutti, que
são também autores que defendem a natureza processual do ónus da prova,
mas porque outros autores que defendem a tese contrária podiam pegar
nesses argumentos, ele vem contestá-los no fundo para demonstrar que
realmente tem natureza processual de que ele é um defensor acérrimo.

Quais são os argumentos de Michel?


 Diz ele que o ónus da prova tem natureza processual porque as regras
sobre a prova estão intimamente ligadas ao processo na medida em
que é no âmbito e na competência do processo que as partes produzem
as suas provas. A necessidade de prova põe-se em face de existência
de contestação o que envolve necessariamente a intervenção de uma
331

instância judicial. E neste caso as provas surgem como incidentes do


processo.
 Outro argumento, é o de que o processo, as leis processuais,
desenvolvem-se no quadro do princípio da livre apreciação e que este
princípio é um princípio de natureza iminentemente processual.
 E diz assim o Michel. “se alei afirma que a escritura publica faz prova
bastante, o princípio da livre apreciação ou não prevalece quanto a
este meio de prova, ou apenas autoriza o juiz a verificar a existência
da escritura publica e aplicar a estatuição legal segundo o qual faz
prova bastante” no fundo é a tal separação entre a prova como
substância com o processo. No fundo considera ele que se realmente
se nós pegarmos na escritura pública, mesmo esta escritura publica só
faz prova se efectivamente o juiz chegar à conclusão de que ela faz
prova, e isso só se faz com base no processo e com base no princípio
da livre apreciação de prova. Este seria outro argumento que apontaria
para a natureza processual do ónus da prova.

Levantou-se aqui a questão do ónus da prova estar disciplinada quer no


código civil, quer no código de processo civil. isto correspondeu na verdade,
a uma questiúncula que se colocou no momento em que se estava a elaborar
o código civil. colocou-se nomeadamente, entre o Prof. Vaz Serra e os Prof.
Castro Mendes, e o Prof. Manuel de Andrade e prof. Anselmo de Castro,
quanto à questão de saber onde regular a problemática do ónus da prova.

Essa problemática levou naturalmente a esta cisão. Levou no fundo, a


encontrar uma solução mais ou menos consensual no sentido de que todo o
inter processual com vista à produção da prova isto seria regulado no código
de processo civil, mas que o ónus da prova em si mesmo, devia ser regulado
no código civil porque tem natureza substantiva.

No fundo o legislador fez uma opção pela natureza substantiva do ónus da


prova, até porque o acórdão do supremo tribunal de justiça de 24 de Março
de 1950, esta questão foi discutida, e chegou-se à conclusão da natureza
substantiva do ónus da prova.

O argumento fundamental no sentido de que o ónus da prova tem natureza


substantiva é de que a falta de prova evita a supressão do direito que se
pretende. Ora o acto que leva à supressão do direito por falta de prova tem o
mesmo valor que o acto que leva à afirmação do direito. O acto que leva à
afirmação do direito a prova, tem o mesmo valor que leva à supressão do
332

direito. Por exemplo, se a prova do direito se faz através desse instituto a que
nós chamamos ónus da prova, então o instituto tem de ter natureza
substantiva.

E além disso se nós aplicarmos aqui a regra do Prof. Ferrer Correia no


sentido de que a substância prevalece sobre a forma, então, se considerarmos
que o instituto contém uma natureza híbrida, ou seja parte processual e parte
substantiva, eu penso que na verdade ele tem esta natureza híbrida, e a
própria prescrição também tem natureza híbrida, porque nós falamos do
instituto da prescrição que tem natureza substantiva, e o legislador português
acabou por fazer uma opção clara no sentido de considerar a prescrição
como sendo um instituto de natureza substantiva. O art.º 40 do CC é isto que
diz.
Artigo 40º - (Prescrição e caducidade) ”A prescrição e a caducidade
são reguladas pela lei aplicável ao direito a que uma ou outra se
refere”.

LIÇÃO N.º 38 03/04/2003

Ainda a propósito do caso prático n.º4...

É um caso de lex fori como lei reguladora do processo.

A subscreveu uma letra e essa letra estava sujeita à lei do Estado do


Tenessee e segundo a lei do Estado do Tenessee a obrigação decorrente da
letra prescrevia ao cabo de 6 anos. B credor da mesma letra intenta uma
acção na Alemanha como vista a receber aquilo a que achava ter direito, e na
Alemanha o crédito decorrente da mesma letra prescrevia ao cabo de 3 anos.
já tinham decorrido mais de 6 anos. e a questão que se colocava era saber se
B tinha ou não direito ao crédito. Basicamente são estes os termos da
hipótese.

Como eu já vos tinha dito isto é uma caso real, isto é um caso que foi
julgado no Reichsgerticht Alemão, em 1882,e é um caso muito discutido. Se
se verificar quase todos os manuais de direito internacional privado fazem
referência a este caso de prescrição. Esta caso de prescrição levou a que
muitas ordens jurídicas nomeadamente a Portuguesa, tomassem posição
legislativa sobre a qualificação da prescrição.
333

É o que faz o art.º 40 do código civil português.

Artigo 40º - (Prescrição e caducidade) ”A prescrição e a caducidade


são reguladas pela lei aplicável ao direito a que uma ou outra se
refere”

O que é que o legislador português fez? O legislador adoptou para a


prescrição o mecanismo da conexão subordinada. O mecanismo da
conexão subordinada pretende significar o seguinte:
 À prescrição e à caducidade é aplicável a lei que regula o direito a
que a prescrição ou caducidade se reportam.

No fundo, o legislador resolveu o problema da qualificação da prescrição e


da caducidade como sendo um instituto de natureza substantiva e não um
instituto de natureza processual, afastando a qualificação como sendo de
natureza processual.

Daí resulta que nós não podemos saber à partida qual é a lei que regula a
prescrição. Com base no art.º 40 do CC, nós não conseguimos saber
imediatamente qual é a lei que regula a prescrição. Só ficamos a saber qual é
a lei que regula a prescrição a partir do momento em que soubermos qual é o
direito a que a prescrição se reporta.

Por exemplo um crédito decorrente do contrato de trabalho, como nós


sabemos, em Portugal o crédito decorrente do contrato de trabalho
prescreve ao cabo de um ano a contar do fim da cessação do contrato.
Mas por exemplo, há outras ordens jurídicas onde prescreve ao cabo
de 5 anos, e há outras ordens jurídicas ainda onde prescreve ao cabo
de 15 anos. Estou a pensar por exemplo, em Itália, onde a prescrição
dos créditos do contrato de trabalho prescreve ao cabo de 15 anos. em
França prescreve ao cabo de 5 anos. Países como Cabo Verde, Brasil,
prescrevem ao cabo de 5 anos. Portugal tem este prazo relativamente
curto. Portugal tem este prazo para a prescrição dos créditos
provenientes do contrato de trabalho relativamente curtos, o que eu
penso que é de certa forma criticável, porque se está a tratar o crédito
proveniente do contrato de trabalho, com mais inimizade do que o
crédito decorrente do bem que é produzido pelo trabalho. Uma pessoa
faz um esforço para produzir, por exemplo, um livro, o seu crédito
decorrente do seu trabalho produtivo que ele adiciona à produção do
334

livro prescreve ao fim de um ano, mas se a Almedina me vendesse


este mesmo livro, durante um prazo pelo menos de três anos poderá
cobrar o crédito decorrente do bem que me vendeu. Pessoalmente eu
aqui aplicaria aos créditos provenientes de contrato de trabalho o
prazo geral de prescrição de 20 anos. se nós formos até às ultimas
consequências este tipo de créditos nunca deveria prescrever.

Como é que surgiu este prazo de prescrição dos créditos provenientes de


contratos de trabalho?

Este prazo vem desde o temo das Ordenações Afonsinas. O criado ou o


lacaio prestava um certo trabalho ao amo ou senhor, e, passado vários anos
vinha junto do amo ou senhor exigir o pagamento dos seus créditos. Então as
Ordenações Afonsinas, vieram estabelecer que havia uma certa fraude da
parte do criado ou lacaio, e a solução que preconizaram foi que ao cabo de 3
anos o criado já não podia exigir os seus créditos, ou seja, é a primeira
norma que vem estabelecer o regime da prescrição decorrente do contrato de
trabalho. Mas já nas Ordenações Manuelinas entendeu-se que mesmo assim
aquele prazo de 3 anos era um prazo relativamente longo, e que ainda assim
os lacaios continuavam a exigir o pagamento de créditos que já tinham
cobrado, mas como se lhes não exigia quitação acabavam por vir exigir mais
uma vez.

Daí reduziram para um mês, 30 dias e até nalguns casos para 10 dias. Dentro
desses 10 dias quem não exigisse o seu crédito ficava sem direito a ele. No
regime do código civil de 1867 receberam esta regulamentação e
estabeleceram um prazo de um ano, que é precisamente o prazo de um ano
que ainda temos. Nós não podemos dizer que a prescrição é estabelecida a
favor do trabalhador. Nunca foi. Este prazo foi estabelecido para proteger o
empregador, para proteger o amo e senhor e este regime nunca foi alterado.
O interessante é que o actual projecto de código de trabalho, não alterou isto.

Já houve dois pedidos de declaração de inconstitucionalidade do art.º 38 da


LCT e o interessante é que em ambos os casos o Tribunal Constitucional
considerou não haver qualquer inconstitucionalidade. Os sindicatos vieram
suscitar a inconstitucionalidade da norma considerando que ela viola o
direito ao trabalho e naturalmente o direito à remuneração do trabalho.

Regressando à questão da prescrição, o que acontece é o seguinte: visto que


a prescrição está subordinada ao direito a que a prescrição se refere, então se
335

o direito é regulado pelo direito italiano, então, a prescrição também será


regulada pelo direito italiano. Na hipótese que eu referi de contrato de
trabalho. A celebração de um contrato de trabalho sujeito ao direito
português, está sujeito a um prazo de prescrição de um ano decorrente do
estatuído pelo direito português. um contrato de trabalho sujeito ao direito
italiano, está sujeito a um prazo de prescrição de 1 anos, e assim
sucessivamente. Há esta ideia da conexão subordinada da prescrição
relativamente ao direito a que a mesma se refere.

Daí resulta que há-de ser a própria lei que disciplina o direito que dirá se
aquele crédito em questão é ou não prescritível.
 Por exemplo, vamos supor os aspectos relacionados com direito de
autor. como sabemos, os aspectos não patrimoniais, os direitos não
patrimoniais do autor, são imprescritíveis. Ora quando se coloca a
questão de saber se são imprescritíveis ou não, temos que primeiro
reportar-nos ao direito que regula direito de autor, para saber se esse
direito considera prescritível ou não. Porque o regime jurídico do
direito de autor, varia também de ordem jurídica para ordem jurídica.
No caso português é imprescritível. Mas noutras ordens jurídicas se o
direito de autor for tratado como propriedade literária ou artística já
será prescritível, como aconteceu no regime português que vigorou
antes de 1959, ano em que entrou em vigor a lei do direito de autor
antes do actual código do direito do autor.

Neste caso da nossa hipótese, como é que o tribunal alemão raciocinou?


O tribunal alemão é a lei do foro, e, colocou a si mesmo a questão de saber
se o crédito está prescrito ou não. E disse que para saber se o crédito está
prescrito, iria ter que recorrer a uma lei. neste caso iria recorrer à lei que
regula a obrigação, e a lei que regula a obrigação, nos termos da lei alemã, é
a lei do lugar do cumprimento. A lei do lugar do cumprimento é a lei do
Tenessee, portanto EUA.

Segundo a lei do Estado do Tenessee, aquele crédito prescrevia ao cabo de


seis anos. Mas, segundo a qualificação feita pela ordem jurídica do Estado
do Tenessee, esse prazo de prescrição tem natureza processual. E o tribunal
alemão, então raciocinou da seguinte maneira:

 Não! Se tem natureza processual, visto que o processo é regulado pela
lei do foro, isto é o processo é regulado pelo direito alemão, então não
é aplicável. Tem portanto uma resposta negativa.
336

Depois o próprio tribunal perguntou se podia aplicar o prazo de prescrição


alemão. E disse:
 O processo é regulado pela lei do foro, pela lex fori. A lex fori é a lei
alemã. A lei alemã tem um prazo de prescrição de três anos. Todavia,
este prazo alemão é substantivo. Logo não pode ser aplicado.

Resultado: o tribunal concluiu que não tinha uma norma para aplicar. Nem
podia aplicar a norma do Estado do Tenessee, nem podia aplicar a norma
alemã, e portanto, ordenou que o crédito decorrente da lei não estava
prescrito.

É evidente que qualquer um de nós, com os conhecimentos que nós já temos


de direitos internacional privado, chegamos à conclusão de que esta situação
não pode ser. É uma solução que nos fere. Mesmo nos termos da justiça, se
já tinham passado mais de seis anos, e as duas ordens jurídicas estavam de
acordo em que o prazo já estava prescrito. Podíamos começar por aí.
Dizendo que, visto que quer na Alemanha o prazo já estava ultrapassado,
quer no Estado do Tenessee também já estava ultrapassado, então,
naturalmente vamos considerar que este crédito já está prescrito.

Esta solução não é uma solução boa. E porquê? Porque podiam estar
decorridos apenas 5 anos. e se estivessem decorridos apenas 5 anos,
colocava-se a questão de saber se estava prescrito ou não, consoante
devêssemos aplicar a lei alemã ou a lei do Estado do Tenessee. Por isso é
que aquela situação de nós tomarmos como ponto de partida a solução das
duas leis não é uma solução correcta, não é uma solução boa.

Em termos científicos nós não podemos dar uma solução que é válida numa
situação mas que depois não é válida noutra. Temos de dar uma solução que
seja adequada para as duas situações.

Qual é a solução que é adequada para qualquer situação?

É nós reportarmo-nos aos fundamentos de política legislativa que subjazem


à determinação dos prazos de qualificação. Ou seja, recorrendo à teleologia
das duas normas. É recorrermos à ratio legis destas duas disposições. Por
isso é que o art.º 15 do CC, é um artigo utilíssimo. Porque num caso como
este não importa saber se o Estado do Tenessee considera este prazo como
sendo processual. E também não importa saber se o Estado alemão considera
337

este prazo como substantivo. O que importa saber fundamentalmente é que


quer na ordem jurídica do Estado do Tenessee quer na ordem jurídica alemã,
os prazos da prescrição ocupam a mesma função social. E a função social
destes prazos, chamemo-lhes substantivos, ou chamemo-lhes processuais, é
a de evitar que as pessoas fiquem eternamente vinculadas às obrigações.

Então, num caso como este a norma alemã não é aplicável, porque nós temos
o nosso direito internacional privado e é esse DIP que pré – ordena todo o
processo de qualificação. Aliás, o prof. Lima Pinheiro neste aspecto é
absolutamente claro. Ou seja, quando nós qualificamos, estamos a levar para
a solução do caso, e estamos a resolver o caso de acordo com o direito
internacional privado português. portanto, é de acordo com o direito
internacional privado português que nós temos de resolver a problemática da
qualificação.
É ele que nos conduz aos meios técnicos de solução. Portanto, isto é uma via
puramente técnica de resolver o caso. E a via técnica que nós temos, é a de
questionar qual é a teleologia que está por detrás dessas normas.

Portanto, em rigor de acordo com os meios técnicos de que dispomos na


ordem jurídica portuguesa este prazo de 6 anos é o prazo a que
efectivamente nós vamos recorrer. Porquê? Porque o instituto da prescrição,
quando o crédito está prescrito, faz extinguir um direito. Mas se não está
prescrito, o direito sobrevive. Logo a prescrição é um instituto que vai actuar
sobre os direitos subjectivos, permitindo a sua sobrevivência, ou a sua
extinção. Logo, tem natureza substantiva. Portanto, tendo em conta essa
natureza substantiva nós necessariamente vamos ter que aplicar no caso a
regra do Estado do Tenessee e não a regra alemã.

Em bom rigor o crédito não estava prescrito. Esta é a solução dada pela
generalidade dos autores. Todos os autores, neste caso que é um caso de
escola, todos advogam esta solução no sentido de que o tribunal devia ter
aplicado o prazo de 6 anos do Estado de Tenessee independentemente da sua
qualificação jurídica. Aliás, estas questões das qualificações jurídicas é uma
questão que tem pertinência mesmo ao nível do direito interno, como vimos
na ultima aula a propósito do ónus da prova.

Como sabem a regra na doutrina é de que nem sequer o próprio legislador


pode fazer qualificações jurídicas. Quantas vezes o legislador, procurando
puxar a brasa à sua sardinha, enfim, a favor de determinado grupo
económico, procura apontar no sentido de determinada qualificação jurídica,
338

o exemplo, seria o caso do arrendamento em que se coloca a questão de


saber se é um direito real ou um direito obrigacional, e conforme seja um
direito real ou obrigacional, assim nós apontamos num sentido ou noutro. O
caso por exemplo, dos contratos celebrados com médicos, professores, com
advogados, com docentes, havendo várias sentenças que existem a propósito
dos docentes universitários.

O empregador no exemplo das cooperativas de ensino, tem o ponto de vista


de que são contratos de prestação de serviço, e até fazem os professores
assinar um documento em que afirmam querer assinar um contrato de
prestação de serviços. O que os tribunais têm dito é que eles podem chama
aos contratos o que entenderem, mas é o tribunal que vai ver se é um
contrato de trabalho ou um contrato de prestação de serviços.
Nem o legislador, nem as partes podem fazer qualificações jurídicas. E o
mesmo se passa em direito internacional privado. Portanto, aquela
qualificação processual feita a lei do Estado do Tenessee não nos vincula.
Dizer que determinado instituto tem natureza substantiva ou processual ou
outra qualquer, não vincula o aplicador a lei em Portugal.

Nós aqui temos de fazer a nossa própria qualificação, para podermos entrar
dentro dos cânones pré – estabelecidos na ordem jurídica portuguesa, para
podermos encontrar a solução que realmente esteja de acordo com o direito
português. se não acabamos por estar a trabalhar com critérios que se
chocam entre si, e acabamos por não encontrar soluções.

A solução deste caso era de nós considerarmos que este prazo da prescrição
para nós tem natureza substantiva.

LIÇÃO N.º 39 08/03/2003

Vamos fazer uma pequena revisão daquilo que tem sido dado nas aulas
teóricas pelo Prof. Lima Pinheiro.

Estatuto Pessoal

Hoje começamos pela matéria do Estatuto Pessoal. Como nós já sabemos o


direito de conflitos está dividido em duas partes, parte geral e parte especial.
No que respeita à parte especial ocupa-se fundamentalmente daquelas
normas que se aplicam de forma particular a determinadas relações jurídicas,
o que significa que quando nós estamos a resolver uma situação privada
339

internacional, vamos naturalmente recorrer a toda aquela bagagem teórica


que já aprendemos até agora, portanto a questão das fontes, a questão das
normas, as conexões, os problemas de qualificação, de forma a lei, de ordem
pública, etc., portanto, tudo isso vai ser tomado em consideração quando
resolvermos um caso de direito privado internacional.

Mas o que é certo é que aqui nós temos normas particulares, e essas normas
particulares é que são no fundo objecto da nossa base. Mas não se trata de
virmos dar uma aula teórica.

O que é que ocorre referir sobre a parte especial do direito


internacional privado?

Já vimos a lex fori como lei do processo, onde avançamos mais do que está
no livro, nomeadamente nas presunções em que o manual não fala em nada.
Falámos da prescrição, da prova, basicamente estas matérias estão referidas.

Vamos hoje entrar na problemática da lei reguladora do estatuto pessoal das


pessoas singulares. Já sabemos que fundamentalmente a lei pessoal das
pessoas singulares é a lei da nacionalidade, todavia, nós já sabemos também
que não é só a lei da nacionalidade a lei reguladora do estatuto pessoal.

Que outras leis podem ser chamadas pela regra de conflitos para
regular a matéria do estatuto pessoal?

Além da lei da nacionalidade, nós temos:


- a lei da residência habitual;
- a lei do domicílio,
- a lei do lugar da situação da coisa. Pode ser chamada a regular
alguma matéria do estatuto de pessoal? O art.º 47 do CC.

Artigo 47º - (Capacidade para constituir direitos reais sobre coisas


imóveis ou dispor deles) ”É igualmente definida pela lei da situação da
coisa a capacidade para constituir direitos reais sobre coisas imóveis ou
para dispor deles, desde que essa lei assim o determine; de contrário, é
aplicável a lei pessoal”.

No art.º 47 do CC, temos uma situação em que a lei do lugar da situação


da coisa é chamada a regular uma matéria do estatuto pessoal.
340

Aproveitamos para referir uma questão relativamente ao art.º 47 do CC. Diz-


se que o art.º 47 só se aplica aos imóveis situados no estrangeiro. Toda a
doutrina está de acordo com este ponto. Sabem porquê? Porque
relativamente aos imóveis sitos em Portugal aplica-se a lei da nacionalidade.
Não ocorre nenhuma dúvida relativamente a esta questão? Reparem que
neste caso nós temos a seguinte situação: qual é o princípio que está
subjacente a esta situação prevista no art.º 47? É o princípio da maior
proximidade.

Já agora qual é a diferença entre o princípio da proximidade e o


princípio da maior proximidade?

Quando toda a doutrina diz que só se aplica relativamente aos imóveis


situados no estrangeiro, é porque em relação aos imóveis situados em
Portugal aplica-se a lei da nacionalidade. se realmente é o princípio da maior
proximidade que determina uma norma como a do art.º 47 do CC. O
princípio da proximidade é igual ao princípio da conexão mais estreita. A
expressão princípio da proximidade é utilizada pelos franceses. O Prof.
Lagarde é que utiliza esta expressão. É usada também na doutrina
portuguesa. Qual é a consequência decorrente do princípio da conexão mais
estreita no que respeita à regulação das matérias do estatuto pessoal? É a
definição de que a lei da nacionalidade é a lei que está mais estreitamente
ligada ao estatuto pessoal. A nacionalidade é a lei que está mais
estreitamente ligada ao estatuto pessoal.

Pelo princípio da proximidade a lei que está mais próxima do estatuto


pessoal, é a lei da nacionalidade, ou então pelo principio da conexão mais
estreita a lei que está mais próxima do estatuto pessoal é a lei da
nacionalidade. portanto, nós podíamos perfeitamente dizer que:

estatuto pessoal – conexão mais estreita = nacionalidade

ou então,

estatuto pessoal – proximidade nacionalidade (art.º 31 CC)

agora, o que nós temos no art.º 47 do CC é,

estatuto pessoal – maior proximidade = lei do lugar da Situação


da coisa (art.º 47 do CC)
341

portanto, esta norma do art.º 47 é uma norma excepcional relativamente a


que norma? É excepcional relativamente ao art.º 31 do CC. Por conseguinte
quando nós dizemos que o art.º 47 do CC contém a expressão do princípio
da maior proximidade, é maior proximidade relativamente às matérias do
estatuto pessoal, porque nós podíamos pensar que a ligação que deveríamos
estabelecer do art.º 47 com outra norma, seria uma relação entre o art.º 46 e
o art.º 47 do CC. Temos de evitar cometer este erro. A relação que existe é
entre o art.º 31 do CC que exprime o princípio da proximidade, ou o
princípio da conexão mais estreita. E o art.º 47 do CC que contém uma
expressão do princípio da maior proximidade. Porquê? Porque falam todos
em imóveis, todos portanto em lex rei citae mas não podemos esquecer que a
matéria central que está regulada no art.º 47 do CC é a capacidade. É uma
matéria do estatuto pessoal. Por conseguinte, não podemos esquecer que a
relação que temos que estabelecer é entre o art.º 31 do CC e o art.º 47 do
CC.

Não acham que o legislador adoptou uma posição que até o prejudica? Se o
imóvel está situado em Portugal já não se avalia a capacidade dos
contraentes em relação à lei Portuguesa, mas se o imóvel está situado no
estrangeiro, já se avalia essa capacidade em relação à lei portuguesa.

É por uma razão prática e por uma razão histórica. Antigamente, o princípio
do territorialismo levava a que a lei do lugar da situação da coisa tivesse
uma forte expressão na avaliação das matérias do estatuto pessoal. E há até
ainda algumas ordens jurídicas em que isto permanece. Por exemplo, no que
respeita à sucessão, ainda há ordens jurídicas que dizem que a capacidade do
testador é avaliada não em função da lei da nacionalidade, mas da lei do
lugar da situação. Toda a sucessão, por exemplo, isto passa-se em Inglaterra,
toda a sucessão em matéria de imóveis é regulada pela lei do lugar da
situação. Em matéria de móveis é que é regulada pela lei do domicílio, por
força daquele princípio segundo o qual as coisas acompanham a pessoa.
Mas no que respeita aos imóveis, continua a aplicar-se a lei do lugar da
situação da coisa, para as matérias do estatuto pessoal, nomeadamente
sucessão.

Há uma razão histórica que levou a aceitar esta solução prevista no art.º 47
do CC. Na verdade aparentemente há uma duplicidade de soluções, porque
diríamos até que o legislador não é coerente, porque se realmente o imóvel
está situado no estrangeiro aplica-se a lei estrangeira para regular a
342

capacidade, mas se o imóvel está situado em Portugal, não se aplica a lei


portuguesa, aplica-se a lei da nacionalidade. Mas é porque o legislador na
verdade, foi coerente com a ideia de que nacionalidade é que é a lei
reguladora do estatuto pessoal por isso é que o art.º 47 só se aplica aos
imóveis situados no estrangeiro.

O que temos que reter em relação ao art.º 47 do CC é:


 só se aplica aos imóveis situados no estrangeiro;
 configura uma expressão do princípio da maior proximidade;
 é uma norma excepcional relativamente ao art.º 31 do CC;
 não é uma norma que constitua uma excepção relativamente ao art.º
47 do CC. Podíamos ser levados a pensar que seria uma norma que
teria relação com o art.º 46 do CC. Não. É que na verdade esta norma,
em termos da sua colocação sistemática, podia ser colocada
perfeitamente a seguir ao art.º 31 do CC por exemplo, ou então a
seguir ao art.º 32 do CC. Porque na verdade é uma norma reguladora
do estatuto pessoal.

Mas além do art.º 47 do CC temos uma outra disposição que regula matéria
do estatuto pessoal. Qual é?

- O art.º 52 – lei do lugar com a qual a vida familiar se ache mais


estreitamente conexa.
- E também não se esqueçam do art.º 28 CC, esta norma contém uma
regulação de matéria do estatuto pessoal.

Já agora vamos falar um pouco sobre o art.º 28 do CC e outras disposições


próximas.

Artigo 28º - (Desvios quanto às consequências da incapacidade) ”1


- O negócio jurídico celebrado em Portugal por pessoa que seja
incapaz segundo a lei pessoal competente não pode ser anulado com
fundamento na incapacidade no caso de a lei interna portuguesa, se
fosse aplicável, considerar essa pessoa como capaz. 2 - Esta excepção
cessa, quando a outra parte tenha conhecimento da incapacidade, ou
quando o negócio jurídico for unilateral, pertencer ao domínio do
direito da família ou das sucessões ou respeitar a disposição de
imóveis situados no estrangeiro. 3 - Se o negócio jurídico for
celebrado pelo incapaz em país estrangeiro, será observada a lei
343

desse país, que consagrar regras idênticas às fixadas nos números


anteriores”.

Têm presente onde é que surgiu esta norma do art.º 28 do CC? Qual é o
fundamento histórico que levou ao aparecimento desta norma. É o caso
Lizzardi. O caso Lizzardi aconteceu em 18.. , é um caso de escola, e
aconteceu o seguinte.
“um senhor chamado Lizzardi cidadão Mexicano, apresentou-se numa
ourivesaria francesa, e pediu um conjunto de jóias e terá assinado uma
letra. Ficou a dever as Jóias. Quando foi chamado para cumprir o
contrato, ele invocou sua incapacidade com base na lei pessoal.
Porquê? Porque no México a maioridade se atingia aos 25 anos. (essa
maioridade existiu também em Portugal) e em França a maioridade
atingia-se aos 21 anos. por conseguinte o Sr Lizzardi entendia que ele
era menor face à sua lei pessoal. Por essa razão afirmava, não lhe
podia ser exigido o cumprimento do contrato”

o caso foi discutido, e os tribunais vieram estabelecer aquilo que eles


chamam o princípio do interesse do comércio jurídico local. E o tribunal
considerou que, as pessoas que num contrato tendo à sua frente uma pessoa
que criam nelas a convicção que essa pessoa é maior, e que a outra pessoa
também os induziu a adquirir essa convicção, então neste caso quem
contrata com essa pessoa, não pode ser penalizado por não saber que essa
pessoa era menor.

Então, consideraram que e no fundo é uma espécie de teoria da aparência,


que está aqui aplicada. Aplicando essa teoria da aparência acabaram por
reconhecer que na verdade o contrato celebrado pelo Sr., Lizzardi e essa
ourivesaria francesa era um contrato válido. No fundo é o caso Lizzardi que
está aqui retratado no art.º 28. diz que “negócio jurídico celebrado em
Portugal, por pessoa que seja incapaz segundo a lei pessoal competente não
pode ser anulado com fundamento na incapacidade no caso de a lei interna
portuguesa, se fosse aplicável, considerar essa pessoa como capaz”,

Mas naturalmente, a aplicação desta disposição não pode ser feita desta
forma completamente formal. Na verdade, temos que avaliar se essa pessoa
se fosse aplicar a lei portuguesa seria capaz, mas há um conjunto de
circunstâncias que devem ser tomadas em consideração.
344

E vem o n.º 2. “Esta excepção cessa, quando a outra parte tenha


conhecimento da incapacidade, ou quando o negócio jurídico for unilateral,
pertencer ao domínio do direito da família ou das sucessões ou respeitar a
disposição de imóveis situados no estrangeiro”.

É na verdade o caso Lizzardi que está subjacente nesta disposição. Já agora


vou chamar-vos a atenção para o art.º 11 da convenção de Roma sobre a lei
aplicável às obrigações contratuais. No fundo contém a mesma filosofia.

O tribunal afastou as suas próprias normas no que respeita à matéria


reguladora do estatuto pessoal, porque em França existem poucas normas de
direito internacional privado. As suas normas são fundamentalmente criadas
por via jurisprudencial. Por exemplo, em matéria do Estatuto pessoal quase
que se tem apenas o art.º 3 do Código Civil francês que diz que “a
capacidade do franceses é regulada pela lei francesa onde quer que os
franceses se encontrem”. Tem sido a jurisprudência a bilateralizar essa
norma criando outras normas à volta dela. No fundo foi assim que os
franceses criaram a regra do nacionalidade como norma de estatuto pessoal.
Eles raciocinaram o seguinte: se aos franceses é aplicada a lei francesa, aos
estrangeiros também é aplicável a lei estrangeira.

A norma do art.º 3 do código civil francês diz “a capacidade do franceses é


regulada pela lei francesa onde quer que os franceses se encontrem”, a
capacidade dos franceses é regulada pela lei da nacionalidade. portanto, a
bilateralização dessa norma, ou seja, se aos franceses é aplicada a lei da
nacionalidade, aos estrangeiros é também aplicável a sua lei da
nacionalidade. também dá lugar à aplicação da lei francesa. Neste caso eles
afastam a aplicação da lei estrangeira que seria a norma competente, para
aplicar a lei francesa que é a lei do lugar onde o contrato foi celebrado.

De qualquer modo, além dessas leis referidas, há ainda mais uma outra em
matéria do estatuto pessoal. Eu chamei-vos atenção para o art.º 52 do CC.

Artigo 52º - (Relações entre os cônjuges) ”1 - Salvo o disposto no


artigo seguinte, as relações entre os cônjuges são reguladas pela lei
nacional comum. 2 - Não tendo os cônjuges a mesma nacionalidade, é
aplicável a lei da sua residência habitual comum e, na falta desta, a
lei do país com a qual a vida familiar se ache mais estreitamente
conexa”.
345

- Lei do local com o qual a vida familiar se ache mais estreitamente


conexa.

Temos aqui um pequeno problema. que norma de conflitos é esta? Esta


norma é de imediata concretização? Estou a referir-me à natureza desta Lei
do local com o qual a vida familiar se ache mais estreitamente conexa. O que
é que isso apela? Que conceito é este? Que fórmula é esta?

Enquanto que quando nós dizemos que a uma determinada pessoa lhe é
aplicável a lei da nacionalidade, vai-se imediatamente ver qual é a lei que
reconhece a nacionalidade àquela pessoa e portanto, o problema da
concretização da regra de conflitos fica imediatamente resolvido.

A questão é esta: no que diz respeito à nacionalidade e ao domicílio também,


basta nós questionarmos qual é o modo de concretização destes conceitos?
Esses conceitos concretizam-se lege causae. Nacionalidade, domicílio,
residência habitual, que é que significa isto?

O que nós estamos a pretender agora é saber como se concretiza cada


conceito, porque aqui nós temos fórmulas abstractas, nós dizemos que
aplicamos a lei da nacionalidade, mas não sabemos se é a nacionalidade
Cabo Verdeana, Guineense, se é a Moçambicana, nós não sabemos.
Portanto, para nós sabermos isto temos de concretizar esses conceitos. É da
concretização que nós ficamos a saber que determinada é considerada
competente. Nós dizemos que a concretização se faz lege causae, porque é
através da avaliação, partindo das normas de uma determinada lei, que nós
vamos ficar a saber se ela atribui ou não a nacionalidade, se ela considera ou
não aquela pessoa lá residente, ou então domiciliada. Portanto, a
concretização faz-se lege causae porque o efeito jurídico que nós
pretendemos obter, saber se a pessoa é nacional, saber se a pessoa está
residente, saber se a pessoa está domiciliada, é dado pela própria lei
relativamente à qual nós queremos saber se a pessoa é sua nacional, está lá
domiciliada, ou se têm lá residência.

Nós só consideramos que já houve uma remissão quando houve


concretização. Portanto, vamos supor, queremos saber qual é a lei aplicável
a uma matéria do estatuto pessoal. E dizemos que é a lei da nacionalidade.
até agora é tudo quanto sabemos. Queremos agora saber onde se concretiza.
Vamos perguntar às leis potencialmente aplicáveis por exemplo, Portugal,
Itália, França, se consideram a pessoa sua nacional. França diz que não.
346

Itália diz que não. Portugal diz que sim. Portanto, concretizou-se em
Portugal. E a partir daí é que nós consideramos que a lei portuguesa é
competente.

A doutrina diz que é a lei de que depende o efeito jurídico que se pretende
obter. Lege causae é a lei de que depende o efeito jurídico que se pretende
obter. Isto é, se o efeito jurídico é o efeito nacionalidade, é este efeito que se
pretende obter, saber se uma pessoa é nacional então a lei de que depende
esse efeito jurídico é que diz quais são os critérios que a pessoa tem que
preencher, os requisitos que a pessoa tem que preencher para se fazer
considerar seu nacional.

No fundo esta fórmula acabada. Queremos saber se uma pessoa está


residente em Portugal, vamos questionar à lei portuguesa quais são os
requisitos que a lei portuguesa fixa para considerar a pessoa lá residente. Se
se verificarem esses requisitos então na verdade o indivíduo está residente
em Portugal. Mas podem faltar. A partir daí é que nós atribuímos
competência à lei portuguesa.

Nós não podemos dizer que lege causae é lei competente. Acaba por em
ultima instância na verdade ser lei competente, então, que a concretização
lege causae é feita por avaliação da lei competente. É da lei potencialmente
competente.

A partir do momento em que nós considerarmos que está concretizado na


ordem jurídica um certo efeito jurídico então a partir daí é que nós
consideramos que a ordem jurídica é competente.

Regressando à nossa Lei do local com o qual a vida familiar se ache mais
estreitamente conexa, esses conceitos concretizam-se lege causae. Portanto,
questionamos a ordem jurídica relativamente à qual queremos saber se a
pessoa é lá domiciliada, ou residente, ou nacional, e se estiverem naquele
caso concreto preenchidos todos os requisitos, naturalmente consideramos
que a pessoa é nacional, é residente, é domiciliada, etc.

Já no que respeita à Lei do local com o qual a vida familiar se ache mais
estreitamente conexa, aqui já temos uma dificuldade, que é uma participação
mais activa do aplicador da lei. isto acaba por ser um conceito
indeterminado, ou então uma clausula aberta, ou como nós dizemos em
direito internacional privado, uma clausula de excepção..
347

Há quem não entenda assim. Todavia, o Dr. Sandim admitiu que com base
no art.º 52 do código civil, tendo em conta esta fórmula Lei do local com o
qual a vida familiar se ache mais estreitamente conexa,, nós podíamos
admitir que existia aqui uma clausula de excepção na determinação da lei
aplicável às situações privadas internacionais.

O Prof. Lima Pinheiro não defende esta ideia. Defende de jure condendo.
Ele admite que falta uma norma que reconheça a existência de uma clausula
de excepção no direito português. já o Prof. Marques dos Santos admitia esta
ideia, o prof. Moura ramos também admite esta ideia, eu próprio num estudo
que publiquei sobre a convenção de Roma, eu admito que de facto que existe
uma clausula de excepção no direito português, e eu até admito que todo o
sistema jurídico português aponta para esta ideia da clausula de excepção.

Nas normas deste tipo o aplicador da lei tem um papel diferente a


desempenhar. Um papel muito mais activo na concretização deste elemento
de conexão. No fundo, é a conexão mais estreita aqui plasmada. Agora a
concretização da conexão mais estreita envolve muito mais o aplicador da lei
do que as outras formas.

 norma de excepção

No que respeita à questão de sabermos se temos aqui uma clausula de


excepção, o que é que ocorre dizer?

Antes de mais nada o que é uma clausula de excepção? O direito suíço


tem o art.º 15 que é uma disposição que autoriza o juiz em circunstâncias
especiais a aplicar a lei que não seria a lei normalmente competente.

Antes de mais nada temos de ter em consideração que uma norma de


excepção está ligada ao princípio da proximidade. Portanto, nós podíamos
pensar, que a clausula de excepção já que é excepção está ligada a normas
excepcionais. Não tem nada a ver com normas excepcionais.

Aquela regra que referimos há bocado sobre com o princípio de maior


proximidade não tem nada que ver com a clausula de excepção. Clausula de
excepção é uma expressão do princípio da proximidade, mas é uma
expressão actual, o que é que eu pretendo dizer com isto?
348

Reparem. Podemos pensar numa expressão remota do princípio da


proximidade, e numa expressão actual. Quando o legislador diz a lei
reguladora do estatuto pessoal é a lei da nacionalidade, e vamos supor que
no caso concreto a lei da nacionalidade é a lei espanhola, no momento
actual, ou seja no momento em que a pessoa decide, no momento em que o
julgador toma uma decisão, pode chegar à conclusão de que aquela lei que
resultaria da concretização abstracta da norma, não é na verdade a lei que
está mais próxima daquela situação.

Daí uma clausula de excepção. Uma clausula de excepção é uma espécie de


autorização que decorre da lei, de todo o sistema de conflitos, que reconhece
ao aplicador da lei o poder de afastar a aplicabilidade da norma que seria
abstractamente competente tendo em conta a verificação de certas
circunstâncias particulares no caso concreto que ele tem pendente de
decisão.

Eu vou citar-vos rapidamente um caso que aconteceu em Portugal no qual


não se recorreu à clausula de excepção, mas a doutrina admitiu que nesse
caso poderia ter havido recurso à clausula de excepção.

 Era a situação de um Espanhol que era casado, e arranjou uma


amante em Portugal, com a qual teve filhos ilegítimos. Faleceu
em Portugal deixando bens em Portugal. Quando morreu
colocou a questão de saber se efectivamente os filhos ilegítimos
podiam suceder ao senhor. Naquele caso concreto aplicava-se a
lei espanhola, porque o indivíduo era nacional espanhol, a
concretização dava-se na lei espanhola. Só que a lei espanhola
não reconhecia os filhos ilegítimos. Por conseguinte aqueles
dois filhos não podiam suceder ao pai.
 Como é que o tribunal resolveu o caso? Neste caso invocando o
princípio da ordem publica internacional do Estado Português,
afirmando que não estava correcta esta situação porque na
verdade, porque no momento em que decidiam a ordem jurídica
portuguesa reconhecia o direito à sucessão dos filhos
ilegítimos, e o tribunal considerou que não reconhecer aos
filhos ilegítimos o direito de participar na sucessão, violava a
ordem pública internacional do Estado Português, e acabou por
reconhecer o direito desses filhos ilegítimos de herdar de seu
pai.
349

 Mas o prof. Baptista Machado veio defender num comentário


que publicou sobre este caso, que numa situação destas o juiz
bem podia ter feito recurso à clausula de excepção. Porquê?,
porque o indivíduo já estava a residir em Portugal há uma série
de anos, os filhos eram portugueses, o indivíduo morreu em
Portugal, a amante era portuguesa, os bens estavam em
Portugal, ou seja, nós temos aqui um conjunto de
circunstâncias, que levavam a considerar que naquele caso
concreto a situação privada internacional era mais próxima do
direito português, do que efectivamente do direito espanhol. Ou
seja, a situação pessoal daquele indivíduo, estava mais próxima
da ordem jurídica portuguesa. Portanto, num caso como este o
aplicador da lei podia perfeitamente fazer recurso à clausula de
excepção, aplicando a lei portuguesa.

Por conseguinte a clausula de excepção pressupõe na verdade essas duas


situações. Como nós sabemos portanto, para definição de um critério de
conexão nós temos que partir de determinados pressupostos de facto, de
ordem sociológica, filosófica, culturais, que estão por detrás desta opção.

O que se verifica é que naquele caso concreto estas condicionantes históricas


não se verificam. Daí a excepcionalidade. Excepcionalmente naquele caso
concreto não se verificam os pressupostos históricos que levam à escolha
deste elemento de conexão. E depois excepcionalmente autoriza-se o juiz
naquele caso concreto a afastar a lei normalmente escolhida pelo legislador.

A ideia de clausula de excepção tem na verdade esses dois elementos. Só


que nem toda a doutrina, autoriza que se diga que a ordem jurídica
portuguesa autoriza a clausula de excepção.
LIÇÃO N.º 40 09/03/2003

DIREITO DOS ESTRANGEIROS

Não se dá a devida atenção à problemática dos estrangeiros em Portugal. Se


nós pesquisarmos a jurisprudência portuguesa, verificamos que há muita
jurisprudência sobre a condição jurídica dos estrangeiros.

Na pesquisa sobre a condição jurídica dos estrangeiros, acabei por chegar às


leis Mosaicas, que é a Bíblia. Não se trata de vir fazer referência a todo o
caminho desde então. vamos somente abordar os pontos essenciais.
350

As evolução histórica da condição jurídica dos estrangeiros, nós temos que


pegar nas leis mosaicas. As leis Mosaicas são do século 18 AC. Chamam-se
leis mosaicas às leis produzidas no tempo de Moisés. Estão
consubstanciadas nos 5 primeiros livros da Bíblia:
 Génese;
 Êxodo;
 Levictus
 Números;
 Deuteronómio.

Depois, além das leis Mosaicas, nós temos o código de Hamurabi, que é
também uma das leis mais antigas e é mais ou menos contemporânea das
Leis Mosaicas, depois nós temos o direito Grego, o Direito Romano, toda a
Idade Média, e a Idade Moderna.

Referindo as linhas essenciais de cada um destes momentos históricos da


condição jurídica dos estrangeiros.

A palavra “Hostil” vem de estrangeiro. A palavra já diz tudo relativamente a


quem é estrangeiro. Hostes ou hostil, hostis são estrangeiros. Estrangeiro é o
inimigo. É aquele que se aproxima da cidade, que quer roubar as nossas
mulheres, roubar os nossos bens, e portanto há que ter uma posição de clara
defesa relativamente a esses hostis.

Na história da antiguidade os povos são todos sequiosos das suas terras, dos
seus bens, das suas esposas, etc., e havia aquele sistema de roubar mulheres,
como por exemplo a história das “Sabinas”, em que o rapto das Sabinas
ficou célebre na história. Então, o estrangeiro que se aproxima da cidade tem
de ser repelido ou então tratado como escravo.

Nas leis Mosaicas, porque é que as leis mosaicas aparecem como um


momento importante da história da condição jurídica dos Estrangeiros?
porque Moisés e os Hebreus tinham estado em cativeiro no Egipto, tendo ao
fim de muitos anos de cativeiro libertado-se dos Egípcios, mas a partir daí
pelo facto de eles terem passado pela provação eles adquiriram uma ideia
extremamente benéfica no que respeita ao tratamento da condição jurídica
dos Estrangeiros. Foram eles que descobriram ou que inventaram a
hospitalidade.
351

A teoria da hospitalidade no fundo, é a reminiscência mais antiga do asilo,


que é uma forma de protecção da condição jurídica dos estrangeiro. Quem
dava hospitalidade no tempo de Moisés era a família. Família, tribo tinham
grande projecção social, e então a família é que oferecia hospitalidade ao
estrangeiro.

Então, quando o estrangeiro, que eles chamavam residente forasteiro, era


recebido no seio da família, tudo se passava como se ele fosse um membro
da família, e então atacar o estrangeiro seria como atacar a família. Surgiu
então a teoria da hospitalidade, que os Gregos recuperaram através do
Polamarca, os Romanos recuperaram através do hospitium. Que no fundo é a
mesma coisa que hospitalidade, e que nós hoje temos como o asilado ou
refugiado.

Na Grécia quando se fala do Polamarca, este é a figura que eles criaram para
proteger o estrangeiro. Mas na Grécia nós vamos encontrar três categorias de
estrangeiro:
 Temos o estrangeiro que está sujeito a um estatuto de quase –
igualdade, que é o estatuto de simpoliteya;
 Há um que está sujeito a um estatuto próximo do estatuto da
igualdade, que é o da Isopoliteya;
 E há o bárbaro.

Simpoliteya é a forma mais antiga de dupla cidadania. Como sabem as


cidades gregas estavam divididas em cidades – Estado, cada cidade tinha a
sua jurisdição e a sua administração, mas estas cidades juntavam-se através
de um tratado semelhante a um tratado de União, e esses tratos chamavam-se
simpoliteya. Simpoliteya no sentido de que desapareciam as duas entidades
jurídico – políticas, e aparecia uma só.

Já na Isopoliteya era uma espécie de Comunidade Europeia. Os Estados


juntavam-se mas, continuavam cada um com a sua soberania e portanto na
Grécia também aparecia a Isopoliteya, como forma de união de Estados.

Na Simpoliteya deixamos de ter estrangeiros, porque no fundo as duas


cidadanias se fundem e se transformam numa só. Na Isopoliteya
continuamos a ter estrangeiros mas esses estrangeiros gozam de um estatuto
especial, chamam-se Metecos. No fundo, o Meteco era uma espécie de
estrangeiro com um estatuto especial de residência. Digamos que, hoje os
Metecos seriam todas as pessoas que têm o estatuto de residência legal em
352

Portugal, seja ele da comunidade europeia seja ele de fora da comunidade


europeia.

E tínhamos os bárbaros. Eram os estrangeiros alheios à comunidade


helénica, e que, efectivamente não gozavam de nenhuns direitos, e eram
tratados com desprezo relativamente aos originais da comunidade. Não
podiam celebrar negócios, não podiam casar com Gregas, não tinham
direitos civis nenhuns.

Em Roma, recupera-se a teoria da hospitalidade que no fundo vem das leis


Mosaicas, mas, também em Roma podemos considerar que haviam duas
categorias de estrangeiros. Os que estavam sujeitos a um pacto de
hospitalidade, e os outros que também se chamavam bárbaros e que não
estavam sujeitos a esse pacto de hospitalidade.

Temos algumas manifestações desta situação. Por exemplo, quando nós


falamos do Jus Gentium, no fundo, quando se está a pensar na atribuição de
determinados direitos aos estrangeiros, através do jus Gentium, no fundo,
está-se próximo da ideia dos pactos de hospitalidade, porque no que respeita
aos bárbaros, em Roma, eles não podiam gozar de nenhuns direitos.

Rapidamente, em Portugal na Idade Média qual é a situação? Em Portugal,


não há prova de que os Estrangeiros em Portugal tenham sido tratados com
uma posição de muita discriminação. O Prof. Ferrer Correia refere este
aspecto, a única situação em que isto acontece é o Instituto de Albinagem. O
Instituto da Albinagem é a situação em que o rei sucede ao estrangeiro. Foi
um Instituto muito praticado na Idade Média, aliás, há até ainda
reminiscências desse estatuto na Inglaterra e em França. Quando a
Administration des dommaines Françaises, ou então a coroa Inglesa
recupera os bens deixados pelos estrangeiros que à luz da lei inglesa não têm
sucessíveis, no fundo isto é uma reminiscência da antiga albinagem.

A única manifestação de albinagem que encontrei em Portugal foi no que


respeita aos Mouros. Mas isso porquê? Porque o Rei Português fez uma
bilateralização da norma moura, que permitia ao Rei mouro suceder nos
bens dos Mouros, e portanto, o rei português acabou também por suceder
nos bens dos mouros. Os letrados mouros manifestaram-se a favor da ideia
do Rei Português poder suceder nos bens dos Mouros.
353

O estrangeiro em Portugal sempre gozou de um estatuto privilegiado de


igualdade. Porquê? Porque os estrangeiros tiveram um papel extremamente
importante na consolidação da independência portuguesa, e mesmo na
própria consolidação da sua soberania.

Há na verdade um estatuto privilegiado que vem desde as ordenações


Afonsinas. Nós percorremos todas as ordenações Afonsinas até à
constituição de 1822 e vamos sempre encontrar uma ideia básica de
tratamento dos estrangeiros com base na ideia de igualdade.

No que respeita aos Ingleses, Genoveses e Franceses, o estatuto era de tal


ordem que os próprios portugueses se manifestavam, chegando a fazer
abaixo – assinados dirigidos ao Rei a reclamar pelo grau de privilégios que
esses povos tinham em Portugal.

Podemos agora entrar nos princípios fundamentais da condição jurídica do


estrangeiro. Como sabem, no que respeita à condição jurídica do estrangeiro,
podemos enumerar todas as fontes que habitualmente enumeramos no que
respeita ao direito internacional privado.

As fontes são internas e internacionais. Normalmente esquece-se que a


condição jurídica do estrangeiro está regulada por convenções
internacionais. O que acontece é que muitas vezes pegam na lei dos
estrangeiros e esquecem tudo o resto. A hierarquia das fontes é fundamental
para nós compreendermos a condição jurídica dos estrangeiros.

A disposição fundamental é o art.º 15 da constituição da Republica.

Artigo 15º Estrangeiros, apátridas, cidadãos europeus ”1 - Os


estrangeiros e os apátridas que se encontrem ou residam em Portugal
gozam dos direitos e estão sujei-tos aos deveres do cidadão
português. 2 - Exceptuam-se do disposto no número anterior os
direitos políticos, o exercício das funções públicas que não tenham
carácter predominantemente técnico e os direitos e deveres
reservados pela Constituição e pela lei exclusivamente aos cidadãos
portugueses. 3 - Aos cidadãos dos países de língua portuguesa podem
ser atribuídos, mediante convenção internacional e em condições de
reciprocidade, direitos não conferidos a estrangeiros, salvo o acesso
à titularidade dos órgãos de soberania e dos órgãos de governo
próprio das regiões autónomas, o serviço nas forças armadas e a
354

carreira diplomática. 4 - A lei pode atribuir a estrangeiros residentes


no território nacional, em condições de reciprocidade, capacidade
eleitoral activa e passiva para a eleição dos titulares de órgãos de
autarquias locais. 5 - A lei pode ainda atribuir, em condições de
reciprocidade, aos cidadãos dos Estados membros da União Europeia
residentes em Portugal o direito de elegerem e serem eleitos
Deputados ao Parlamento Europeu”

Estabelece em primeiro lugar aquilo que os constitucionalistas chamam


princípio do tratamento nacional.

O princípio do tratamento nacional não diz que os estrangeiros devem ser


tratados como os portugueses. Temos de ter isto em consideração. Não
significa que os estrangeiros em Portugal tenham os mesmos direitos.
Significa que, dentro do quadro das leis aplicáveis quer aos estrangeiros,
quer aos portugueses, eles estão em igualdade de circunstâncias.

Muitas vezes pode acontecer que, a condição jurídica dos estrangeiros pode
ser regulada pelo direito português, mas também pode ser regulada pelo
próprio direito nacional, ou lei de que ele é nacional estrangeiro, ou então
pela lei da residência habitual se efectivamente, de domicílio, etc., consoante
a lei reguladora do seu estatuto pessoal. Daí pode decorrer que ao
estrangeiro sejam reconhecidos em Portugal certos direitos que não são
reconhecidos aos portugueses, o que não significa que não estejam em
igualdade de circunstâncias.
Nós não podemos interpretar esta disposição, este princípio do tratamento
nacional, como um princípio segundo o qual ao estrangeiro são aplicadas as
mesmas normas materiais dos portugueses. Há determinadas normas que
são, na verdade, aplicáveis aos portugueses e aos estrangeiros
indistintamente. Por exemplo, eu já tenho feito referência por exemplo, às
normas de aplicação necessária. As normas constitucionais de aplicação
directa. A norma que reconhece o direito à vida, o direito à honra, a
inviolabilidade do domicílio, o direito ao trabalho, o direito à saúde, etc.,
essas normas aplicam-se directamente aos estrangeiros independentemente
da passagem por uma regra de conflitos.

Mas também temos de ter em consideração e procurar evitar uma coisa que
os serviços de estrangeiros e fronteiras, têm tentado fazer convencer aos
juristas, mas que não é aceitável porque a própria constituição não o permite.
“Os estrangeiros e os apátridas que se encontrem ou residam em Portugal”.
355

O legislador teve o cuidado de dizer que se encontrem o que significa que


ele pode encontrar-se aqui e não estar a residir, e os que residam, residam de
acordo com as regras mas o que é certo é que o serviço de estrangeiros e
fronteiras, tem tentado fazer valer a ideia de que só têm direitos em Portugal,
os estrangeiros que tenham título de residência. Nós não podemos permitir
este ponto de vista porque a Constituição não o permite.

Basta o seguinte exemplo: um estrangeiro chega a Portugal, e pede uma


autorização de residência. Não lhe é concedida a autorização de residência e
ele quer intentar uma acção judicial para fazer valer o seu direito à
autorização de residência. O direito à acção, mas vamos supor que ele não
tem direito para intentar essa acção. Necessita de assistência judiciária.
Como é que tem direito à assistência judiciária se ele não for residente?
Aliás, é interessante notar que, foi uma sentença que disse que ele não tem
direito à assistência judiciária se não estiver a residir em Portugal. Isto subiu
até ao Tribunal Constitucional, e este tribunal vem negar a decisão dos
tribunais comuns, mandando ver a redacção do art.º 15 da CRP. “desde que
se encontrem ou residam”. Portanto, significa que há determinados direitos
que não estão dependentes da residência. Já dei dois exemplos: o direito à
acção, o direito a assistência judiciária, são direitos que nós poderíamos
multiplicar. O direito à saúde por exemplo. Vamos supor que um estrangeiro
tem um acidente antes de ter a autorização de residência. Tem direito à
saúde. Não o vamos deixar morrer porque ele não tem um título de
residência.
É uma interpretação absolutamente falsa. E na verdade, eu noto que mesmo
por lado da União Europeia tem-se vindo a fazer valer esta ideia de que só
quem tem residência é que tem direitos. Esta é uma ideia, que do meu ponto
de vista tem de ser combatida. E como disse há uma decisão do tribunal
constitucional a negar esta ideia.

Outro aspecto que resulta do art.º 15 da CRP, diz respeito ao exercício de


direitos políticos e funções públicas que não tenham carácter
predominantemente técnico. O que suscita dificuldades de interpretação o
que seja isto de não ter carácter predominantemente técnico.

Como é que vamos interpretar essa disposição? No sentido de que no que


respeita às funções públicas de carácter técnico, os estrangeiros podem
exercer essas funções. No que diz respeito às funções públicas de carácter
não técnico estas funções estão reservadas para os portugueses. Como é que
surgiu esta norma. Surgiu num momento em que Portugal necessitava de
356

quadros técnicos. E então abriu as regras para receber quadros técnicos. Só


que esta norma foi passando de constituição em constituição, e até este
momento permanece em vigor. O que no fundo Portugal não quer é que as
funções não técnicas sejam ocupadas por estrangeiros, porque o maior
número de trabalhadores que Portugal tem são trabalhadores indiferenciados.
No fundo, isto é uma norma de protecção do emprego nacional.

Há uma dúvida da doutrina sobre como interpretar esta disposição. O Prof.


Marcelo Caetano debruçou-se sobre esta disposição, os Prof. Gomes
Canotilho e Vital Moreira numa anotação que fizeram ao art.º 15 também se
pronunciaram, a própria Procuradoria Geral da republica, já foi mais do que
uma vez chamada a dizer o que é que entende por funções técnicas, ou seja,
aquelas funções que o estrangeiro pode exercer.

A minha interpretação é a seguinte. eu entendo que a função é técnica


quando requeira uma formação específica. Por exemplo, jurista. Há um
concurso para o recrutamento de um jurista na Câmara de Loures, e eu posso
concorrer. Posso concorrer no quadro desta disposição, independentemente
ou não de eu estar ligado ao País. Diz-se no art.º que os que se encontrem
ou residam mas de facto a constituição depois não separa quais são os
direitos que estão dependentes de residência e quais os que não estão.

Muitas vezes a partir do trabalho chega-se à residência. A interpretação do


serviço de estrangeiros e fronteiras é a de que só trabalha quem tem
residência.

Criaram também uma figura que eles chamam de “ autorização de


permanência” que é diferente de residência. Esta lei acaba com a
permanência. Foi uma lei transitória no tempo do governo socialista, no
sentido de que a pessoa é recrutada só para executar um trabalho, e só está
em Portugal enquanto estiver a executar aquele trabalho. Findo aquele
trabalho tem de abandonar o território português, a não ser que o trabalho
seja renovado. Essa permanência podia ir até 5 anos.

Esta lei veio fazer uma coisa em certa medida positiva, que foi a de permitir
às pessoas que têm essa autorização de permanência, cá permanecer, porque
no fundo essa autorização de permanência não lhes dá residência. Foi no
fundo, um subterfúgio para ter aqui mão de obra estrangeira até cinco anos,
sem os considerar residentes, portanto não lhes reconhecendo os direitos
reconhecidos aos residentes.
357

As funções públicas que não têm carácter predominantemente técnico do


meu ponto de vista são aquelas funções que requerem uma formação
específica. Por exemplo, para eu ser psicólogo tenho de ter uma licenciatura
em psicologia, para eu ser sociólogo, médico, jurista, etc. eu entendo que
isto mostra o que é uma função declarada predominantemente técnica.

Esta separação entre função técnica e não técnica, leva-nos a ter que ter em
consideração que o legislador fala em predominantemente, o que significa
que muitas vezes quem desempenha uma função técnica, pode também
desempenhar funções nomeadamente funções de autoridade, funções
políticas. Por exemplo eu aqui na faculdade, eu sou estrangeiro, eu entendo
que estou a desempenhar uma função técnica. Mas também não há dúvida
que eu estou a desempenhar uma função chamemo-lhe administrativa,
porque por exemplo, quando eu atribuo a nota ao aluno, quando eu chumbo
um aluno eu estou a praticar actos de autoridade. Até porque por exemplo,
no caso dos professores é precisamente este ponto que Marcelo caetano
suscitava dificuldades, e também Gomes Canotilho e Vital Moreira, é
precisamente no caso dos professores que eles suscitam dificuldades.

Quando o professor está a atribuir uma nota, está a praticar actos de


autoridade, e isso não está previsto na constituição. Mas a, Procuradoria
Geral da Republica, acabou por aceitar a ideia de que os professores estão
previstos na constituição, nesta parte nas funções públicas com carácter
predominantemente técnico, porque na verdade a componente técnica é
superior à componente de autoridade.

Eu também penso que sim. No fundo passo o ano todo convosco, e o único
momento em que eu exerço alguma autoridade, é no fim do ano vou avaliar
e verificar se de facto o que aprenderam está ou não de acordo com o
programa pré – estabelecido.

Tenham em consideração este n.º 2 do art.º 15 da CRP,

“2 - Exceptuam-se do disposto no número anterior os direitos


políticos, o exercício das funções públicas que não tenham carácter
predominantemente técnico e os direitos e deveres reservados pela
Constituição e pela lei exclusivamente aos cidadãos portugueses.” ,
358

está na negativa. Significa que os direitos políticos estão fora do princípio da


igualdade. Mas também diz que se exceptuam do número anterior as funções
públicas que não tenham carácter predominantemente técnico. Aqui nós
temos uma formulação negativa contida numa formulação negativa. No
fundo acaba por dar uma informação positiva.

Se estão excepcionadas as funções públicas que não tenham carácter


predominantemente técnicas então significa que as funções públicas que têm
carácter predominantemente técnico essas podem ser exercidas. Essas estão
contidas dentro do princípio da igualdade.

Tenham em atenção essas diversas excepções a favor dos diversos Estados


de Língua Portuguesa, com residência permanente em Portugal, em que se
estabelece o princípio da reciprocidade. Como sabem nós não podemos
deixar de correlacionar o art.º 15 da CRP com o art.º 14 do CC.

No que respeita ao art.º 14/2 do CC, o Prof. Lima Pinheiro, entre vários
autores, tem a opinião de que essa disposição é inconstitucional. A Prof.ª
Magalhães Colaço ter-me-á dito em tempos que esta disposição terá sido
declarada inconstitucional, mas eu não encontrei essa norma, e penso que o
Prof. Lima Pinheiro também não encontrou porque não está citada no
manual. Mas de qualquer modo ele admite que a condição prevista no n.º 2
do art.º 14 do CC, conduz à ideia de que essa disposição seria
inconstitucional.

Há opiniões em sentido contrário. Quem levantou o problema da


inconstitucionalidade foi o Prof. Castro Mendes. Depois foi retomado pela
Prof. Magalhães Colaço. O Prof. Jorge Miranda defende que a norma é
perfeitamente constitucional, mas a ideia dos Internacional Privatistas é a
seguinte:
 O art.º 14/2 vem dizer que não dever reconhecidos aos estrangeiros os
direitos que os respectivos Estados não reconhecem aos Portugueses
no seu território. Daí resultaria que se a Guiné não reconhecesse a um
Português determinados direitos na Guiné, então Portugal não
reconheceria os mesmos direitos aos Guineenses. Esta disposição
coloca vários problemas.
 A primeira questão é a seguinte. porque é que o Guineense tem de
responder pelo que a Guiné faz? Pode até nem estar de acordo com o
que a Guiné faz. Além disso esta solução vai ofender o princípio de
que o indivíduo é sujeito de direito internacional, o que significa que
359

quando eu me relaciono com o estado Português estou a relacionar-me


como Geral do de Almeida e não como cidadão Cabo Verdeano.
Então, daí resulta que se nós estabelecêssemos este princípio de
retaliação acabamos por pôr de lado a ideia de que o indivíduo é
sujeito de direito internacional. E acabamos por fazer este indivíduo
responder por aquilo que o seu Estado faz, ele que até pode não se ver
representado nas autoridades daquele estado.
 Mas há ainda um outro problema, como é que se há – de avaliar se
efectivamente a Guiné está a discriminar o português: é em concreto,
ou em abstracto? Ou seja é no momento em que o português vai a uma
repartição da Guiné pretendendo praticar um determinado acto
jurídico, e essa pretensão é - lhe negada, e então nesse caso cai na
alçado do art.º 14/2 do CC, ou então temos que ir ver as leis da Guiné,
para ver se elas realmente são discriminatórias em relação aos
portugueses. Mas se forem discriminatórias relativamente à totalidade
dos estrangeiros ainda assim nós temos discriminação para efeitos da
aplicação do n.º 2 do art.º 14 do CC?
 Dificuldades da aplicação desta disposição na prática levam a
considerar que ela seria inconstitucional. Mas há ainda um outro
argumento que os autores utilizam. Vamos supor que a Guiné não
reconhece a um português um determinado direito. Então Portugal não
reconhece também ao Guineenses esse mesmo direito. O que é que
aconteceria? O Guineense que foi discriminado, fica em desigualdade
de circunstâncias com o Cabo Verdeano, ou seja, a constituição não
permite esta discriminação entre estrangeiros. Portanto, o Guineense e
o Cabo Verdeano não podem ser discriminados face à ordem jurídica
portuguesa. Este é o argumento que eu considero ser o argumento de
peso. A ordem jurídica não só trata os estrangeiros e os portugueses
em igualdade de circunstâncias, mas também trata os estrangeiros
provenientes dos demais territórios entre si em igualdade de
circunstâncias, e o princípio da retaliação vai prejudicar esta ideia.

Eu estaria por isso mesmo inclinado a considerar que este n.º 2 do art.º 14 é
uma norma inconstitucional. Sei que o Prof. Dário Moura Vicente também
afirma que ela não é inconstitucional.

O Prof. Jorge Miranda no fundo faz a ponte entre a Constituição e a norma


do art.º 14 do CC. Ele diz que se efectivamente a constituição permite
excepcionar determinados direitos pelos portugueses, então no fundo o art.º
14 do CC seria uma espécie de excepção que está coberta por esta norma
360

constitucional. Só que aí surge um problema. nós podemos avaliar a


constitucionalidade da norma do art.º 14/2 não apenas à luz do art.º 5/2 onde
está esta norma, com a qual se estabelece a correlação, mas à luz do art.º 13
da CRP princípio da igualdade.

Eu penso que este argumento de que em Portugal os estrangeiros são


tratados em igualdade venham de onde eles vierem, julgo que é o argumento
que é quase irrefutável. Penso que o Guineense e o Cabo Verdeano têm de
ser tratados em relação de igualdade. Acho na verdade que o direito
internacional de hoje não permite essa discriminação. Além disso aquela
ideia de que o indivíduo é sujeito de direito internacional leva-o a não ser
penalizado pelos factos praticados pelo seu Estado.

Eu compreendo que esta norma tem sido aplicada com vista à protecção de
nacionais portugueses no estrangeiro. Eu acho que o objectivo da norma é
um objectivo salutar e justo. Portugal estava num momento em que
realmente exportava para o estrangeiro muita mão de obra, e naquele
momento em concreto tinha todo o interesse em estabelecer regras que
protegessem os seus nacionais no estrangeiro. Do meu ponto de vista a
constituição acabou por dar a volta ao problema. Eu entendo que essas
coisas podem ser revistas noutro quadro, nomeadamente no quadro
di0plomático. No quadro político – diplomático eu entendo que se justifica
plenamente aplicar-se plenamente a regra da retaliação.

A regra da retaliação já foi aplicada algumas vezes aqui em Portugal. No


caso com os Guineenses. Na altura Portugal tinha os barcos a pescar na
Guiné, e acontece que o barco estava a pescar sem autorização. Os
guineenses apreenderam o barco. O barco esteve preso durante muito tempo
nas águas da Guiné. O Governo português, na altura liderado pelo Primeiro
Ministro Cavaco Silva, não esteve com meias medidas, cortou a bolsa a
todos os estudantes guineenses.
LIÇÃO N.º 41 10/03/2003

O direito português trata o estrangeiro de um modo geral segundo princípio


da igualdade. Naturalmente que esse princípio da igualdade tem excepções.
A principal excepção é o exercício de funções públicas. No que respeita às
funções técnicas o estrangeiro pode exercer essas funções. Vimos que
existem divergências doutrinárias no que respeita à questão de saber o que
deve ser entendido por funções técnicas. Mas também temos de ter em
361

consideração o tratamento privilegiado que a constituição dá a duas


categorias de estrangeiros:
 Os estrangeiros de língua oficial portuguesa;
 E os estrangeiros nacionais dos Estados da Comunidade
Europeia.

Em virtude disso a ordem jurídica portuguesa tem duas leis sobre entrada
permanência, saída e expulsão de estrangeiros. Tem uma lei sobre os
estrangeiros em geral, que neste momento está consubstanciada nesta lei que
vos forneci, decreto – lei 34/2003, mas para os estrangeiros nacionais de
Estados membros da Comunidade Europeia, existe uma outra lei, que é o
decreto – lei 60/93 de 3 de Março que estabelece o regime jurídico da
entrada, permanência, saída e expulsão dos nacionais de Estados membros
da Comunidade Europeia.

Como sabem nós temos um conceito de cidadania comunitária, mas este


conceito de cidadania comunitária tem uma repercussão limitada e essa
repercussão não a esses estrangeiros a categoria de nacionais dos Estados
membros da Comunidade Europeia. Continuam a ser tratados como
estrangeiros, e só têm um estatuto privilegiado relativamente aos outros
estrangeiros.

A constituição prevê um regime de excepção, para os nacionais dos países


de língua oficial portuguesa, mas no que respeita ao regime de entrada,
permanência, saída e expulsão desses estrangeiros eles estão sujeitos ao
mesmo regime. Se nós pensarmos nos estrangeiros em geral, na verdade eles
têm um estatuto privilegiado. Por exemplo, podem ser votar nas eleições
autárquicas, podem ser ministros, podem ser secretários de estado por
maioria de razão, podem ser juizes, o que não podem ser é presidente dos
tribunais supremos, mas podem chegar a juiz conselheiro. Não podem ser
membros das forças armadas e não podem ser membros da carreira
diplomática. Mas na verdade isso dá – lhes um estatuto privilegiado. Só que
esse estatuto privilegiado está dependente de condições de reciprocidade, e
enquanto esses estados não criarem essas condições de reciprocidade,
naturalmente esses direitos não são exercidos.

Agora, na verdade os nacionais dos países de língua oficial portuguesa, estão


abrangidos pela lei geral da entrada, permanência, saída e expulsão de
estrangeiros.
362

Gostaria sobre este aspecto para chamar a vossa atenção para o seguinte.
existem na verdade alguns acordos internacionais. Por exemplo, Portugal e
Cabo Verde e Portugal e Guiné – Bissau, têm um acordo regulador do
estatuto de pessoas e do regime de bens. Este acordo visa estabelecer um
estatuto de igualdade nomeadamente no acesso a determinadas profissões,
no que respeita por exemplo a aquisição de bens, à constituição de
estabelecimentos comerciais, industriais, etc.

Quer o estatuto regulador de pessoas e bens entre Portugal e Guiné, quer


entre Portugal e Cabo Verde estabelece este regime de igualdade. Tenham
em atenção que este estatuto não é aplicável aos demais estados de língua
oficial portuguesa, porque Portugal já não celebrou esse acordo nem com
São Tomé, nem com Angola, nem com Moçambique.

Neste momento o que nós temos é o acordo de Brasília que foi substituída
pela convenção de cooperação e amizade entre Portugal e Brasil de 2001,
que estabelecia um regime especial para os brasileiros, e depois tínhamos
este acordo que estabelecia também um regime especial para Cabo
Verdeanos e Guineenses. Neste momento temos na verdade esses regimes
especiais, mas quanto à entrada, permanência, saída e expulsão continua a
vigorar a lei geral.

Quem tem lei especial quanto à entrada, permanência, saída e expulsão são
os estrangeiros oriundos da Comunidade Europeia.

Os problemas colocam-se do ponto de vista do tratamento constitucional. A


seguinte questão coloca-se ao nível da constitucionalidade de uma norma
que está contida no acordo regulador de pessoas e bens entre Cabo Verde e
Portugal. A norma diz o seguinte. se uma das partes atribuir benefício à
outra o princípio da Nação mais favorecida não se aplica a um Estado de
Língua portuguesa. Como sabem ao nível do direito internacional público, o
princípio da nação mais favorecida, que afirma que se um Estado estrangeiro
atribuir por exemplo, aos portugueses um tratamento melhor do que aos
Cabo Verdeanos, os cabo Verdeanos poderão exigir a aplicação desse
mesmo tratamento visto que eles beneficiam desta ideia de nação mais
favorecida. O que aconteceu é que Portugal quando fez esses acordos, com
Cabo verde e com a Guiné – Bissau, afastou a aplicação desse princípio no
que diz respeito aos Estados de Língua Portuguesa.
363

Porque é que fez isso? Para evitar que os Cabo Verdeanos e outros nacionais
viessem exigir a aplicação dos benefícios decorrentes nomeadamente da
convenção de Brasília de 1978. o que nós podemos perguntar é se esta
norma será constitucional. E se será constitucional nomeadamente face a
esse estatuto privilegiado que a lei prevê no que diz respeito aos nacionais de
língua oficial portuguesa.

Decreto Lei 34/2003

No que respeita a esta lei ela tem 13 capítulos.


 Disposições Gerais;
 Entrada e saída de estrangeiros; (art.º 9 e ss)
 Vistos (art.º 27 e ss)
 Permanência (art.º 52 e ss)
 Reagrupamento familiar (art.º 56e ss)
 Documentos de viagem (art.º 59 e ss)
 Autorização de Residência (art.º 80 e ss)
 Boletim de Alojamento (art.º 97 e ss)
 Afastamento do território nacional (art.º 99 e ss)
 Disposições penais (art.º 134 e ss)
 Taxas (art.º 138 e ss)
 Contra – ordenações (art.º 140 e ss)
 Disposições finais (art.º 155 e ss)

Eu costumo dizer que a lei dos estrangeiros e as leis fiscais são as leis que
mais mudam. Sempre que muda o governo, e às vezes dentro do mesmo
governo, mudam várias vezes a lei sobre os estrangeiros.

Aqui apresentaria a crítica apresentada pelo antigo bastonário da ordem dos


advogados quanto às leis fiscais. Não há segurança jurídica. As pessoas não
sabem com o que podem contar. De repente estou aqui, estou sujeito a uma
determinada lei, e como sabem estas leis são normas de aplicação imediata,
portanto um sujeito fica imediatamente sujeito às alterações que forem
feitas, isso sem prejuízo da protecção de certos direitos adquiridos.

Por exemplo, a antiga lei de 1998, previa que o cartão de residência que
antes tinha o prazo de cinco anos, passasse a ter dez anos, mas a lei actual
passou de dez anos a permanente. Pelo que a pessoa já não necessita, neste
caso até é um benefício para o estrangeiro, a pessoa a partir do momento
que tem a posição de uma cartão de residência permanente, não necessita de
364

todos os anos ou de 5 em 5 anos ir ao serviço de estrangeiros e fronteiras,


fazer a renovação do seu papel de residência. Mas a questão que se colocou
em termos de aplicação de lei no tempo, era a de saber se aquelas pessoas
que tinham um cartão de residência de cinco anos, deviam continuar a
renovar no prazo de cinco anos, ou então se adquiriam o cartão de residência
permanente. Qual foi a interpretação do serviço de estrangeiros e fronteiras?
Foi uma interpretação extremamente restritiva. Considerou que as pessoas
que tinham um cartão de residência de 5 anos, passavam a ter um cartão de
residência de dois anos. a nova lei previa cartões de residência de dois anos.

Eu fui uma das pessoas que se insurgiu contra esta solução. Estranhei até o
facto do comissário para as minorias étnicas da altura, se apresentar a
defender a posição do serviço de estrangeiros e fronteiras. Eu expliquei-lhe
que como aplicação da lei no tempo não faz sentido porque trata-se de um
direito adquirido, por isso é que os 5 anos só se adquirem com o tempo. Ele
acabou por se convencer dos meus argumentos, colocou o problema ao
Prof. Gomes Canotilho, e o Prof. Gomes Canotilho deu um parecer de
acordo com o meu ponto de vista, o qual ele mandou depois para o serviço
de estrangeiros e fronteiras, e eles lá acabaram por modificar a sua
interpretação. Mas entretanto, todos aqueles que tinham cartão de residência
de 5 anos passaram a ter o de dois.

No que diz respeito a esta lei as ideias gerais que eu gostaria de vos dar são
as seguintes.

 Para entrar e sair do território nacional é preciso um documento de


viagem. Esses documentos de viagem podem ser vários. Passaporte,
mas pode ser bilhete de identidade, temos um conjunto muito
significativo de países que entram em Portugal só com bilhete de
identidade. Por exemplo, quase todos os países do Conselho de
Europa, entram em Portugal só com o bilhete de identidade. Podem
entrar, apesar e em regra trazerem o passaporte. Todas as pessoas que
pertencem a países subscritoras do tratado Atlântico norte (OTAN),
podem também entrar em Portugal apenas com o Bilhete de
Identidade. Também podem entrar sem ter passaporte os assistentes
aviadores, etc. operadores de voo em geral. E os marítimos. Há até
situações em que as pessoas podem entrar com o passaporte caducado,
e até há situações em que se pode entrar com o passaporte caducado
independentemente do tempo. Há países em que os nacionais podem
entrar em Portugal com o passaporte caducado até há dois anos, mas
365

há outros que podem entrar em Portugal com o passaporte caducado


até cinco anos. tudo depende dos acordos celebrados entre Portugal e
esses países.

Queria chamar a vossa atenção no que respeita ao reagrupamento familiar,


que vem regulado nos art.º 56 e seguintes. O reagrupamento familiar é um
direito que a lei reconhece aos estrangeiros, facultando-lhes a possibilidade
de mandar vir membros da sua família. Isto até há algum tempo atrás, era
um direito que não era reconhecido, embora esse direito estivesse
consubstanciado em algumas convenções internacionais de que Portugal é
parte, desde 1998 já se encontra disciplinado na lei, basicamente os
pressupostos desse direito são:
 Ter uma situação estabilizada, regulada no país;
 Ter meios económicos; fundamentalmente ter trabalho;
 E ter casa.

Portanto, a pessoa tem de fazer a demonstração que tem condições para


reunir a família para não se dar o caso de trazer a família e não ter condições
para a manter.

Referindo agora a problemática do afastamento do território nacional, a lei


fala em afastamento mas no fundo é expulsão do território nacional. Antes
falava-se em expulsão do território nacional.

Há duas modalidades fundamentais. No que respeita às pessoas que estão


irregulares no país esse afastamento pode ser feito por via administrativa, ou
seja, o serviço de estrangeiros e fronteiras tem a legitimidade para expulsar
do território nacional as pessoas que estiverem em situação ilegal, mas se a
pessoa estiver legal, se se colocar numa situação de ilegalidade, já o serviço
de estrangeiros e fronteiras não tem esta legitimidade, portanto, quem tem a
legitimidade para fazer determinar expulsão será o tribunal. No fundo, nós
temos dois modos de expulsar estrangeiros do território nacional,
 uma pela via administrativa, como por exemplo uma pessoa que está
clandestina em Portugal, obteve um visto e este caducou, e portanto
colocou-se numa situação de clandestinidade. Nunca teve por
exemplo um visto de residência.
 Mas se há uma pessoa que tem um visto de residência e esse visto
caducar, ou então mesmo não tendo caducado, a pessoa tiver praticado
um acto que determina a sua expulsão do território português, essa
expulsão só pode ser feita por via judicial,
366

Tenham em consideração que em regra os despachos dados pelo serviço de


estrangeiros e fronteiras são recorríveis mas têm todos efeitos meramente
devolutivos, o que significa que a pessoa relativamente à qual foi emitido o
despacho de expulsão vai ter mesmo que cumprir essa expulsão.

LIÇÃO N.º 42 15/03/2003

Convenção de Roma

Hoje vamos conversar um pouco sobre a Convenção de Roma. Como é que


surgiu a Convenção de Roma? Entrou em vigor em 1 de Setembro de
1994. resultou de convenção assinada pelos países da União Europeia.

Vamos passar em revista as principais diferenças entre a Convenção de


Roma e o código civil. eu chamo a atenção para essas diferenças. Sempre
que nós temos em causa um direito de natureza obrigacional, nós não
aplicamos o código civil, mas aplicamos a convenção de Roma.

No que respeita ao âmbito de competência e ao âmbito de eficácia do


código civil, como é que se faz a repartição do ponto de vista temporal
por exemplo? Todos os actos jurídicos que poderiam ser regulados pelo
código civil desde que sejam praticados a partir de 1 de Setembro de 1994,
aplica-se a convenção de Roma e não o código civil.

E do ponto de vista material? Temos de ver quais são as matérias que são
reguladas pela Convenção de Roma e quais é que são excluídas. Estas
ultimas continuam a ser reguladas pelo código civil, ou outra legislação
aplicável.

Diz-se que a Convenção tem carácter universal. O que é que isso


significa?
“a lei designada nos termos da presente convenção”, no fundo é por força
da convenção que nós podemos aplicar quer a lei do Estado membro da
União Europeia, como a lei de qualquer outro Estado, ou seja, por força da
convenção de Roma, nós podemos por exemplo aplicar a lei Cabo Verdeana,
a uma situação privada internacional, podemos aplicar a lei chinesa,
podemos aplicar a lei angolana, que são todos países que não pertencem à
Comunidade Europeia, desde que por força das regras de determinação da
367

lei reguladora da situação essas leis forem escolhidas para regular a situação.
É nisto que consiste o carácter universal da convenção de Roma.

Um juiz estrangeiro pode aplicara convenção de Roma?


Por exemplo, um juiz angolano pode aplicara convenção de Roma?
Se a norma de conflitos angolana remeter para a ordem jurídica de um país
signatário da Convenção de Roma, e este aceitar a competência, uma vez
que esse país é um membro da Comunidade Europeia, poder-se-á aplicar a
convenção de Roma.

Um juiz estrangeiro pode ser chamado a aplicar a convenção de Roma.

Aluno: as partes não podem designar a convenção de Roma como lei


aplicável?

Há um problema que se coloca quanto à questão de saber qual é a lei que


confere às partes autonomia para escolher a lei reguladora de determinada
situação. A lei que confere às partes autonomia é a lei do foro. Portanto é a
ordem jurídica do foro. Neste caso não será portanto a ordem jurídica
portuguesa. Há – de ser a ordem jurídica angolana, dois angolanos ou até
dois portugueses residentes em Angola, o poder de escolher a lei reguladora
da situação. Nós não vamos perder tempo com esta questão porque é muito
complicada. O prof. Lima Pinheiro não está inteiramente de acordo quanto
ao ponto de vista que eu defendo nesse livro sobre a Convenção de Roma,
porque o meu ponto de vista afasta daquilo que a doutrina de um modo geral
defende sobre esta questão.

É escusado nós perdermos tempo sobre isso. O que se defende regra geral, é
de que é a lei do foro que confere às partes o poder de escolher a lei
reguladora da situação privada internacional. É a posição do Prof. Lima
Pinheiro e é a posição que vamos seguir aqui no curso. Neste caso essa lei
seria a lei angolana, não seria a convenção de Roma. O que pode acontecer,
é na verdade o juiz angolano ser chamado a aplicar a convenção de Roma,
nomeadamente para saber se de facto há ou não aceitação de competência
por força da ordem jurídica chamada. Desde que a lei chamada a regular a
situação seja a lei de um dos Estados membros da comunidade Europeia, aí
sim, o âmbito de competência é apenas o da comunidade europeia, o juiz
angolano é chamado a aplicar a convenção de Roma.
368

Principais contributos trazidos pela convenção de Roma relativamente


ao código civil?

Por exemplo, no que diz respeito ao âmbito de aplicação da lei reguladora da


situação privada internacional?

Aluno: Um conceito novo: o da prestação característica da obrigação.

Na verdade, o que a convenção de Roma veio fazer é tomar este conceito de


conexão mais estreita como conceito determinante para a escolha de
qualquer lei reguladora da situação privada internacional. Ou seja, na ordem
jurídica portuguesa, nós temos a seguinte situação:
 A conexão mais estreita já está pré – determinada pelo legislador.
Quando o legislador diz que é a lei da nacionalidade, quer dizer que a
lei da nacionalidade é a lei da conexão mais estreita. Quando diz que é
a lei de residência habitual, é esta a lei da conexão mais estreita e
assim sucessivamente.
 Mas a convenção de Roma veio dizer que é a conexão mais estreita,
mas depois para efeitos de determinação da conexão mais estreita, é
que vem introduzir um critério novo que realmente era um critério
desconhecido na ordem jurídica portuguesa.

Quem é que introduziu o critério da prestação característica como


critério determinante da lei reguladora de direito privado
internacional?

Foi o direito Suíço. Foram os Suíços que introduziram este critério e os


legisladores comunitários acabaram por aproveitar esta solução.

Principais diferenças entre o princípio da autonomia da vontade no


âmbito da Convenção de Roma, e no código civil de 1966?

O âmbito do princípio da autonomia da vontade na convenção de Roma é


mais ampla. Em que é que esta maior amplitude se exprime? Por exemplo
um português celebra com um português um contrato de compra e venda de
um imóvel situado em Portugal. Podem escolher a lei francesa para regular
este contrato? Temos uma relação puramente do âmbito interno.
369

Aluno: eles podem escolher a lei quanto às questões obrigacionais, já que a


convenção de Roma regula exclusivamente relações obrigacionais, quanto
aos efeitos reais, não podem escolher uma vez que a convenção não os
regula. Por outro lado, quando escolhem a lei que querem que regule o seu
negócio, de acordo com o n.º 3 do art.º 3 da convenção de Roma, não podem
por de lado as disposições chamadas inderrogáveis, as que são imperativas
no ordenamento para o qual eles escolhem. Há essa limitação em termos de
escolha.

Na verdade se um português celebra com outro português um contrato de


compra e venda de um imóvel sito em Portugal, eles podem escolher a lei
francesa para regular o contrato, desde que essa escolha não prejudique as
disposições imperativas do Estado Português. por exemplo, se realmente
Portugal impõe uma determinada forma no que respeita aos imóveis situados
no seu território, essa forma tem de ser necessariamente observada, e todas
as disposições de natureza imperativa.

Tenham em consideração que essas disposições de natureza imperativa da


convenção de Roma utiliza o termos disposições imperativas com dois
sentidos. Essas disposições de natureza imperativa são disposições de direito
interno. Não são normas de aplicação necessária. Podem ser. Mas também
podem não ser. São disposições imperativas no sentido geral do termo.
Portanto, são todas aquelas disposições inderrogáveis por vontade das partes.

Liberdade de escolha
Agora vamos supor que as partes celebram um contrato de compra e venda
de um imóvel, e tinham escolhido como lei reguladora desse mesmo
contrato, a lei francesa. A partir de um determinado momento decidiram que
a lei francesa não era a lei adequada, para regular esse mesmo contrato, e
fizeram um novo acordo quanto à lei aplicável, que nós chamamos “pactum
de lege utenda” também chamada “lex juris” ou “professio juris” no sentido
a lei reguladora daquele contrato já não poderia ser a lei francesa, mas
passaria a ser a lei espanhola. Podem fazer isso ou não e quais são as
limitações?

O n.º 2 do art.º 3 da convenção de Roma dá-nos a resposta a esta pergunta. É


possível fazer modificações da lei originariamente escolhida e com essa
modificação da lei originariamente escolhida, desde que não sejam
370

afectados direitos de terceiros, e desde que se respeite a validade formal do


negócio.

Se uma pessoa puder celebrar um negócio e esse negócio fosse inválido


quanto à forma, a consequência seria que todo o negócio que
originariamente tinha sido celebrado acabaria por desaparecer.

Podemos celebrar um contrato em que as obrigações de uma das partes


são reguladas pelo direito por exemplo, holandês, e as obrigações da
parte B são reguladas pelo direito alemão . será isto possível? Ou então
podemos por outra hipótese. Celebra-se um contrato e esse contrato está por
exemplo, garantido por uma fiança. A questão que se coloca é a de saber se
eles podem escolher que o contrato seja regulado pelo direito português, e
depois a fiança pelo direito francês, ou outro qualquer?

É possível com base no art.º 3, n.º 1 parte final. “as partes podem designar a
lei aplicável à totalidade, ou apenas a uma parte do contrato”. Não há
portanto, inconveniente quanto a este aspecto.

Tendo em conta estes aspectos, eu gostaria de perguntar. E isso é muito


diferente daquilo que se passa no código civil?

Se nós fizéssemos uma boa interpretação dessa disposição (art.º 41 e 42 do


CC) se realmente quem permite o mais permite o menos, ele permite
escolher a lei, permite modificar a lei, permite escolher a lei aplicável a uma
parte, permite escolher a lei aplicável à totalidade, o que tem acontecido é
que na verdade o código civil não era interpretado desta maneira.

A convenção de Roma, veio acabar por ajudar um pouco a interpretação que


se vinha dando aos art.º 41 e 42 do código civil.

Então principal e eventualmente única diferença das duas disposições no que


diz respeito à determinação da lei, é o caso de se poder escolher uma lei que
não tenha nenhuma ligação com os elementos do negócio jurídico
atendíveis.

Reparem que o código civil, esta é que é a principal diferença entre o código
civil e a convenção de Roma. Porque, nos termos do art.º 41 do CC
371

“A designação ou referência das partes só pode, todavia, recair sobre


lei cuja aplicabilidade corresponda a um interesse sério dos
declarantes ou esteja em conexão com algum dos elementos do
negócio jurídico atendíveis no domínio do direito internacional
privado”

por conseguinte é a ideia de interesse sério que monta a principal diferença


entre a Convenção de Roma e o código civil português. o código civil
português continua a exigir o interesse sério, e a convenção de Roma, não
exige a prova desse mesmo interesse.

A convenção de Roma apresenta diferenças relevantes e que nós temos de


tomar em consideração, em matéria de:
 Remissão para ordenamentos jurídicos plurilegislativos;
 Ordem pública;
 Reenvio;
 Favor negotii

Tendo em conta este aspecto quais são as principais diferenças?

 Ordem Pública

No que diz respeito à Ordem Pública, nós temos de tomar em consideração


que fazemos intervir a convenção de Roma para afastar uma norma de
ordem pública, desde que esta norma discipline matéria de natureza
obrigacional. Por conseguinte para nós determinarmos a repartição de
competências entre o art.º 22 do CC e o art.º 16 da convenção de Roma
vamos ter que determinar se a norma em questão regula matéria de natureza
obrigacional. Se regula uma matéria de natureza obrigacional, e cai dentro
do âmbito temporal da convenção, então na verdade é o art.º 16 da
convenção de Roma que se aplica.

Este é o primeiro aspecto. Outro aspecto é o de que a convenção de Roma


exige o “manifestamente” ou seja, a convenção de Roma é mais exigente do
que o código civil no que respeita à intervenção da Reserva de Ordem
Pública. E essa maior exigência, corresponde a um maior fluxo das relações
privadas internacionais. Quer dizer, quanto mais nós avançarmos com a
ordem Pública, menos fluidas se tornas as relações privadas internacionais.
mas quando nós fazemos recuar a nossa ordem pública, estamos a aumentar
o tráfico privado internacional. A convenção de Roma inscreve-se nessa
372

ideia. A ideia de ordem publica que já vinha dos alemães, e que foi seguida
pela convenção de Roma.

 ordenamentos jurídicos plurilegislativos

Quanto à remissão para os ordenamentos jurídicos plurilegislativos, há


também uma diferença significativa quanto ao código civil no seu art.º 20, e
ao art.º 19 da convenção de Roma.

A diferença está no sentido de que para a convenção de Roma, cada unidade


territorial, é tratado como um Estado. A Inglaterra, a Escócia, etc., são todos
tratados como Estados para efeitos da convenção de Roma.

 “favor Negotii”

No que respeita ao “favor Negotii” há uma diferença significativa entre o


art.º 11 da convenção de Roma, e o art.º 28 do CC. O art.º 11 da convenção
de Roma fala de

“Num contrato celebrado entre pessoas que se encontram no mesmo


país, uma pessoa considerada capaz segundo a lei desse país, só pode
invocar a sua incapacidade que resulte de uma outra lei se, no
momento da celebração do contrato, o outro contraente tinha
conhecimento dessa incapacidade ou a desconhecia por imprudência
da sua parte”

no fundo é praticamente a mesma solução que está prevista no art.º 28 do


CC, só que não é uma norma unilateral. É uma norma bilateral. No fundo
aquela bilateralização que nós somos obrigados a fazer por força do art.º
28/1 mais art.º 28/3 do CC, já está salvaguardada no art.º 11 da convenção
de Roma.

contratos de consumidores e contratos de trabalho

Vamos rapidamente passar para contratos de consumidores e de trabalho.

Como nós sabemos o critério fundamental introduzido pela convenção de


Roma foi o da prestação característica, para efeitos de determinação da lei
reguladora do contrato.
373

Prestação característica nós já sabemos qual é. Num contrato de venda de


uma casa qual é a prestação característica? É a entrega da casa. E se for por
exemplo, um banco a celebrar um contrato de mútuo?

Aluno: é o empréstimo do dinheiro. É a prestação do banco.

Porquê? O outro também vai pagar em dinheiro.

Aluno: o dinheiro, o juro que o indivíduo que pediu o empréstimo vai pagar
ao banco é a contrapartida. É o pagamento do serviço que o banco presta.

Nós podemos dizer que a prestação característica é, em regra, a prestação


não monetária do contrato, mas, no caso do contrato de mútuo por exemplo,
a prestação é monetária. Nós temos de evitar esta formulação. Portanto, há
quem diga a prestação característica é aquela prestação que tem uma
função económica e social.

Não diz muita coisa mas o que é certo é que nós podemos pensar no contrato
em que por exemplo alguém produz um livro, a prestação que vai
desempenhar uma função económica ou social, é o livro, não é a entrega do
dinheiro. A entrega das cadeiras, da casa, etc.

E pode haver dúvidas sobre onde está a prestação característica socorremo-


nos ao art.º 4 n.º 5 do CC. Por exemplo, se uma pessoa troca bois por vacas,
nós podemos dizer ambas as prestações são características, ou então,
nenhuma prestação é característica. No contrato de troca, normalmente não
há uma prestação característica, principalmente quando as duas prestações
desempenham ambas funções económicas e sociais. A entrega dos bois
desempenham a mesma função económica ou social que as vacas. Neste
caso não há uma prestação característica. Temos é que recorrer ao art.º 4 n.º
5 para ver com que ordem jurídica existe uma conexão mais estreita.

No que respeita aos contratos celebrados com consumidores e com


trabalhadores, temos que ter em consideração que são contratos celebrados
com partes débeis. Normalmente nós dizemos partes débeis. Eu
pessoalmente tenho alguma dificuldade em aceitar esta formulação sem a
questionar, porque no que respeita aos consumidores é verdade que eles
estão numa posição de debilidade, já no que respeita aos trabalhadores
colocam-se algumas dúvidas.
374

Se nós tomarmos em consideração que, a principal prestação do trabalhador,


é a colocação da sua pessoa à disposição do empregador, no fundo
permitindo ao empregador conformar a sua prestação, no fundo há uma
limitação voluntária do direito de personalidade. Ora, não há direito mais
importante na ordem jurídica que o direito de personalidade. Os direitos de
personalidade estão no núcleo central, no fundo são os direitos mais fortes,
precisamente por isso a lei diz que são irrenunciáveis, imprescritíveis e
inalienáveis. Precisamente porque são direitos muito fortes.

Agora o que acontece. Porque são direitos fortes o legislador precisa de os


proteger. A vigilância que o legislador tem sobre esses direitos é superior
relativamente a outros direitos. Por isso é que a ideia de que o trabalhador
está numa posição de debilidade pode ser requacionada de uma forma um
pouco diferente.

Tendo isto em consideração temos que ter presente que no contrato


individual de trabalho sem prejuízo no disposto no art.º 3 da convenção ou
seja, sem prejuízo da possibilidade que as partes têm de escolher a lei
reguladora do contrato, havendo liberdade de escolha da lei reguladora do
contrato, “

Art.º 6.º contrato individual de trabalho “a escolha pelas partes da


lei reguladora do contrato não pode ter como consequência privar o
trabalhador da protecção que lhe garantem as disposições
imperativas da lei que seria aplicável na falta de escolha por força do
n.º 2 deste artigo”

ou seja, na verdade no que diz respeito ao contrato de trabalho as partes


podem escolher a lei reguladora do contrato, mas essa escolha não pode
comprometer a aplicação de leis imperativas.

A conclusão que nós temos de retirar daqui é a seguinte. no contrato de


trabalho são sempre aplicáveis duas leis. Isto é que é um aspecto que nós
temos de ter sempre em consideração, porque estamos habituados a regular
as situações da vida, por uma única lei, ou seja, escolhemos a lei portuguesa,
aplicamos a lei portuguesa, escolhemos a lei francesa, aplicamos a lei
francesa, e assim sucessivamente. Neste caso as partes podem escolher a lei
portuguesa para regular o contrato de trabalho, mas se por força do n.º 2,
375

como já vamos ver, for aplicável a lei francesa, essa lei francesa também vai
participar na regulação do contrato de trabalho.

No contrato de trabalho nós podemos vir a ser chamados a aplicar várias leis
ao mesmo tempo e às mesmas situações da vida.

O n.º 2 do art.º 6 da Convenção diz,

“Não obstante o disposto no art.º 4, e na falta de escolha feita nos


termos do art.º 3, o contrato de trabalho é regulado:
a) pela lei do país em que o trabalhador, no cumprimento do
contrato, presta habitualmente o seu trabalho, mesmo que tenha
sido destacado temporariamente para outro país; ou
b) se o trabalhador não prestar habitualmente o seu trabalho no
mesmo país, pela lei do país em que esteja situado o
estabelecimento que contratou o trabalhador”,

no caso da alínea a o legislador considera que a lei reguladora do contrato de


trabalho é a lei do lugar da execução. Portanto, há uma diferença
relativamente à aplicação da prestação característica com base no art.º 4 da
Convenção de Roma.

Enquanto que o art.º 4 da Convenção de Roma prefere como prestação


característica a lei do lugar da residência habitual da sede, etc., da pessoa
que deve a prestação característica, no contrato de trabalho a prestação
característica é a actividade do trabalhador. Neste caso o legislador
convencional entende que a lei reguladora da prestação característica é em
regra a lei do lugar onde o trabalhador presta a sua actividade.

No caso da alínea B se o trabalhador foi contratado em França, mas ele


presta habitualmente o seu trabalho em vários países, neste caso é a lei do
estabelecimento que contratou o trabalhador que serve para determinar a lei
reguladora do contrato de trabalho na falta de escolha.

Esta lei vem aplicar-se em conjunto com a lei escolhida pelas partes,
havendo escolha. Tenham em consideração a ultima parte do art.º 6 da
Convenção de Roma.
376

“a não ser que resulte do conjunto das circunstâncias que o contrato


de trabalho apresenta uma conexão mais estreita com outro país,
sendo em tal caso aplicável a lei desse outro país”.

Como é que isso funciona? Aplicamos:


 a lei do lugar da situação (n.º 2 1ª parte),
 a lei do estabelecimento (n.º 2 2ª parte),
 a lei da conexão mais estreita. Aqui temos uma clausula de excepção.
A sua concretização depende de indícios externos. São os indícios que
nos vão permitir determinar se existe ou não uma clausula de
excepção.

Agora o que eu queria chamar a atenção era para o facto de que uma destas
leis vais sempre juntar-se à lei escolhida. E como é que nós determinamos o
âmbito de competência das duas leis? Determinamos o âmbito de
competência das duas leis, e lei escolhida e a lei determinada na falta de
escolha, que pode ser a lei que resulta da 1ª parte do n.º 2 do art.º 6, da 2ª
parte do n.º 2 ou da clausula de excepção, vão-se juntar à lei de escolha.
Vamos ter de saber como determinar o âmbito de competência.
 Todas as leis imperativas desta lei não escolhida, vão afastar as leis
ainda que imperativas, da lei escolhida, desde que ela confira uma
melhor protecção ao trabalhador;

Em ultima instância para nós determinarmos o âmbito de competência


dessas duas leis, podemos até ser chamados a perguntar ao trabalhador, qual
destas duas leis porque muitas vezes nós não sabemos qual é a lei que
melhor protege o trabalhador. Em ultima instância é o próprio interessado a
dizer qual é a lei que ele escolhe.

Neste contrato de trabalho nós estamos a aplicar a lei escolhida, a lei


determinada na falta de escolha, no que respeita às situações imperativas e
na parte em que protege o trabalhador, e vamos aplicar ainda, e não podemos
esquecer as normas de aplicação imediata ou necessária. Nos contratos de
trabalho essas normas intervêm necessariamente. Como sabem todas as
normas relativas a higiene, segurança, até normas relativas ao despedimento,
há quem diga que o art.º 53 da CRP, há até jurisprudência sobre isso, o Prof.
Moura Ramos também defende esse ponto de vista, no sentido de que o art.º
53 da CRP contempla normas necessárias. Por exemplo, se as partes
escolheram uma lei que permite o despedimento, independentemente de um
377

processo, o art.º 53 da CRP vem afastar a aplicação dessa norma. Portanto já


vamos em três leis.

 Lei escolhida;
 Lei determinada na falta de escolha;
 Normas de aplicação imediata ou necessária.

Mas pode acontecer mais. normas de ordem pública. As normas da ordem


pública, podem ser chamadas a regular as relações laborais. Por conseguinte
na aplicação deste art.º 6 vamos ter que ter em atenção estas 4 leis. Quando
há escolha de lei aplica-se a lei escolhida, mas esta lei escolhida não pode
prejudicar a aplicação das leis que forem aplicáveis por força do n.º 2 do
art.º 7 da convenção. Mas também não podem prejudicar a aplicação das
normas de aplicação necessária. E dentro das normas de aplicação necessária
nós temos que ter em consideração as normas de aplicação necessária do
foro, e as normas de aplicação necessária estrangeiras, e em ultima instância
pode intervir a ordem pública, para afastar umas e outras desde que sejam
contrárias aos princípios fundamentais do Estado Português.

Também os princípios constitucionais que sirvam de base à ordem pública,


mas há outro problema, que é a questão de aplicabilidade directa da
Constituição. Toda aquela problemática que nós vimos sobre a constituição
servir como limite autónomo à aplicação do direito estrangeiro. Isto tudo
pode ser chamado à colação.

LIÇÃO N.º 43 29/04/2003

Duvidas sobre a Convenção de Roma

Aluno: em relação ao art.º 11 da Convenção de Roma, o art.º 28 do código


civil fica afastado?

Exactamente. Agora nós não podemos é considerar que o art.º 11 revoga o


art.º 28 do CC. As normas da convenção de Roma não revogam o código
civil. o que existe é uma determinação do âmbito de competência diversa
dessas normas.

Quando é que nós fazemos intervir o art.º 11 da Convenção de Roma, e


quando é que fazemos intervir o art.º 28 do CC?
378

Fazemos intervir o art.º 11 da convenção de Roma em todas aquelas


situações que se trata de capacidade para constituir uma obrigação, e uma
obrigação regulada por uma lei determinada à luz da convenção de Roma.
Portanto, se se trata de constituir uma obrigação que está excluída, por
exemplo, nos termos do art.º 1 da Convenção, já neste caso aplicamos o art.º
28 do CC, ou seja, a determinação do âmbito de competência do art.º 11 faz-
se como se determina em geral o âmbito de competência da convenção de
Roma no código civil. eu prefiro falar do âmbito de competência tendo em
conta a forma adoptada pelo Prof. Baptista Machado.

Como sabem a tese dele de Direito Internacional Privado, sobre “âmbito de


eficácia e competência das leis”, é uma fórmula que tem vindo a ganhar
adeptos.

Na convenção de Roma temos de determinar o seu âmbito de competência


material e temporal. No que respeita ao âmbito de competência material a
convenção de Roma só se aplica às obrigações provenientes de contratos, de
um negócio jurídico. Todas as matérias excluídas pelo art.º 1 n.º 2 da
convenção de Roma caiem no âmbito de competência do código civil. Do
ponto de vista temporal nós já sabemos que a convenção de Roma entra em
vigor a 1 de Setembro de 1994, pelo que todas as matérias anteriores a esta
data caem no âmbito do código civil.

Mas isto não é a única consequência desta distribuição de matérias. Tem


consequências por exemplo, ao nível da intervenção da reserva de Ordem
Pública, e tem consequências ao nível das regras sobre ordenamentos
jurídicos plurilegislativos.

A intervenção da Reserva de Ordem Pública nos termos do art.º 16 da


Convenção de Roma, há-de intervir para remover uma disposição de
natureza obrigacional, chamada por uma norma de conflitos da convenção
de Roma. Aquela ideia da distribuição em razão da competência, há – de ser
tomada em consideração tendo em conta cada uma das normas da convenção
de Roma. Vamos supor que uma determinada disposição obrigacional,
chamada pela convenção de Roma, quer em virtude da lei determinada nos
termos do art.º 3, quer em virtude da lei determinada nos termos do art.º 4º,
viola a ordem pública internacional do Estado Português. Esta avaliação
sobre se viola ou não a ordem pública internacional do Estado Português, há
– de se fazer à luz dos critérios estabelecidos no art.º 16 da convenção de
Roma, e não à luz dos critérios estabelecidos no código civil.
379

Como sabem, o art.º 16 da convenção de Roma, e o art.º 22 do código civil,


têm formulações diversas. Ao passo que na convenção de Roma há uma
concepção restritiva da reserva de ordem pública, no art.º 22 do código civil
há uma concepção ampla da intervenção da reserva de ordem pública. Esta
diferença existe em virtude da utilização do termo “manifestamente”, ou
seja, o legislador convencional foi mais exigente no que respeita à
intervenção da reserva de ordem pública do que o legislador do código civil.
Foi mais exigente porquê? Porque se para fazer intervir a reserva de ordem
publica a violação há – de ser manifesta, então, no fundo há um alargamento
do espaço de manobra das relações privadas internacionais. A ideia no fundo
é salvar o máximo possível de relações privadas internacionais e evitar que
através da intervenção da reserva de ordem pública se ponham em causa
situações privadas internacionais. Por isso é que o legislador utiliza a
fórmula “manifestamente”.

Quando nós fazemos intervir a reserva de ordem pública vamos remover


uma disposição pontual que pelo seu conteúdo viola princípios fundamentais
da ordem jurídica do estado Português. Neste caso, esta disposição pontual,
há – de ser chamada, há – de receber título de aplicação por força dos art.º 3
e 4 da convenção de Roma. Ou qualquer outro da convenção de Roma.

Vamos supor que a norma relativamente à qual se coloca um problema de


reserva da ordem pública internacional, é chamada pelo art.º 25 conjugado
com o art.º 31 do código civil, e não pela convenção de Roma. Neste caso,
esta norma para nós avaliarmos a sua conformidade com a ordem publica
internacional do Estado Português, temos de fazer intervir é o art.º 22 do
código civil, para afastar a norma. Agora, se a norma foi chamada ou pelo
art.º 3, da convenção de Roma, ou 4º até ao 6º, neste caso é o art.º 16 da
convenção de Roma. Portanto, trata-se apenas de separar as águas, de
verificar qual é o âmbito de competência de cada uma das disposições.

Aluno. Tenho uma duvida em relação ao art.º 11 da convenção de Roma. É


que este artigo só se aplica a pessoas singulares. Um negócio entre uma
pessoa colectiva e um particular, se essa pessoa colectiva invocar a
incapacidade este artigo não se aplica.

A doutrina tem colocado esta questão. Aliás, a doutrina colocou essa questão
também no que respeita ao art.º 28, se é possível nós invocarmos o art.º 28
do código civil relativamente aos negócios que não estão dentro do âmbito
380

de competência, aquilo a que chamam o negócio “ultra vires” dentro do


âmbito de competência da pessoa colectiva.

Pelo menos no que respeita ao art.º 11 da convenção de Roma a posição da


doutrina é que se não aplica.

Aluno: e já agora não poderíamos aplicar o art.º 28?

No que respeita às pessoas colectivas? Vamos aplicá-lo se se admitir que o


art.º 28 do CC é aplicável às pessoas colectivas. Nem toda a gente admite
esta possibilidade.

O negócio pode ser celebrado entre uma pessoa singular e uma pessoa
colectiva, mas só a pessoa singular pode invocar a incapacidade.

Agora neste caso eu penso que há algumas dificuldades de aplicar o art.º 28


do CC para as pessoas colectivas tendo em conta a sua origem histórica. A
origem histórica daquele preceito está no tal chamado caso Lizzardi. É uma
disposição pensada tendo em conta as pessoas singulares. Se nós admitirmos
que estamos perante uma disposição excepcional, que a regra é a do art.º 25
conjugado com o art.º 31/1 do CC, que manda aplicar à capacidade a lei da
nacionalidade, o art.º 28 ao aplicar a lei do lugar da celebração seria uma
excepção relativamente àquela regra, e então neste caso já temos alguma
dificuldade em aplicar esta disposição às pessoas colectivas. Eu tenho
dificuldades em fazer este alargamento. Apontaria mais no sentido com base
na lei reguladora do estatuto pessoal da pessoa colectiva, verificar quais é
que são as consequências resultantes do facto de a pessoa colectiva praticar
actos ultra vires. Apontaria mais nessa direcção. Eu apontaria mais na
procura de consequências à luz da lei reguladora do estatuto pessoal da
pessoa colectiva.

Confesso que não percebo realmente porque é que se restringe esta solução.
Se no fundo a ideia é proteger o comércio, considerando-se que esta norma é
uma norma que visa proteger o comércio local, quer o art.º 28 do CC quer o
art.º 11 da convenção de Roma. Não percebo muito bem porque é que se não
faz um alargamento dessa disposição aos actos praticados pelas próprias
pessoas colectivas. Mas a letra da lei nós não podemos deixar de considerar
que parece restringir às pessoas singulares.
381

Aluno eventualmente, porque as pessoas colectivas têm mais formas de


serem fiscalizadas, e acompanhadas...

Eventualmente, sim. A pessoa quando celebra um negócio com uma pessoa


colectiva em princípio têm sistemas de publicidade e de controlo de actos
diferentes de uma pessoa singular. Eventualmente poderá ser por causa
disto.

O Prof. Marques dos Santos defendia a aplicação analógica do art.º 28 do


CC, às pessoas colectivas, julgo que seguindo a doutrina do Prof. Baptista
Machado. Mas a Prof.ª Magalhães Colaço não admitia esta possibilidade, e o
Prof. Lima Pinheiro tem uma doutrina muito próxima da Prof.ª Magalhães
Colaço.

Aluno: de qualquer maneiro julgo que seria mais fácil pela letra da letra
aplicar analogicamente às pessoas colectivas o art.º 28 do CC do que o art.º
11 da convenção de Roma. Logo pela abstenção de incluir a palavra
singular.

Sem dúvida. Reparem que esta matéria é já de tal modo batalhada, porque
quando o legislador falou em pessoa singular, sabia perfeitamente o
problema que se punha, e quer restringir às pessoas singulares.

Aluno: a convenção de Roma pode ser afastada pela vontade das partes ou
não, ou seja, havendo duas partes, ambas abrangidas pela convenção de
Roma, celebram uma relação obrigacional que é abrangida pela convenção
de Roma, mas estabelecem que não querem que seja a convenção de Roma a
regular o negócio, querem que seja, nomeadamente por exemplo, o código
civil. podem?

Não podem. Esta pergunta é pertinente porque nos ajuda a compreender a


problemática da aplicação da convenção de Roma.

O que é a convenção de Roma? É lei. é a lei que tem que ser observada pelas
partes, no momento em que querem celebrar o contrato. É a lei que vai
determinar a lei reguladora das situações obrigacionais criadas entre as
partes num negócio internacional.
382

Coloca-se o problema de saber se pode ser um negócio internacional ou não,


mas, repare, dentro da convenção de Roma existem actualmente 15 Estados,
dentro de um ano, 25 Estados com o alargamento da União Europeia. A
convenção que vigora entre estes estados, é lei em vigor. As partes não
podem deixar de observar.

As partes não podem afastar a convenção de Roma. Só a poderiam afastar se


efectivamente dissessem que iriam regular a questão por força arbitragem
internacional, então aí sim, estão a afastar a convenção de Roma. É aqui que
surge o problema da Lex Mercatori. Mas, celebrando um contrato, a partir
do momento em que o celebram, estão forçosamente sob o âmbito da
convenção de Roma, quer podendo recorrer às suas normas que lhe facultam
de escolher a lei reguladora, quer sofrendo as consequências da lei aplicada
determinada na falta de escolha. Porque no fundo, a lei que vem determinar
a proposta da convenção de Roma, nos termos do art.º 4, é uma lei supletiva,
supre a vontade das partes, mas não podem deixar de aplicar e observar a
convenção de Roma.

A única possibilidade dessa situação acontecer, é a de as partes se colocarem


à margem de uma determinada ordem jurídica, submetendo-se à arbitragem
internacional.

Aluna: e se a lei escolhida pelas partes for uma lei inválida, é aplicável a lei
que seria aplicável se as partes não tivessem escolhido?

Não há lei inválida. O que há é uma escolha inválida. Eu entendo que a


escolha inválida equivale a falta de escolha. E se as partes fizeram uma
escolha inválida, então neste caso vamos recorrer ao art.º 4 da convenção de
Roma.

Vamos supor que as partes escolheram como lei reguladora do contrato a lei
alemã. Esta escolha era uma escolha inválida por uma razão qualquer, e essa
escolha foi feita com base no art.º 3 da convenção de Roma. Neste caso,
tudo se passa como se não se tivessem socorrido do art.º 3, e fizessem
funcionar o art.º 4.

Há um entendimento diferente nesta questão. O Prof. Moura Vicente, tem


um entendimento um pouco diverso desta questão, em que ele faz uma
construção um pouco complicada do meu ponto de vista. Confrontar a
questão da Professio juris, com a lei escolhida. A professio juris portanto, é
383

o contrato de escolha de lei. Então, o Prof. Moura Vicente admite a


possibilidade de a professio juris poder ser inválida, e ainda assim valer a lei
escolhida.

A minha formulação é a de que uma lei mal escolhida, equivale a falta de


escolha, e neste caso, havendo falta de escolha aplica-se o art.º 4 da
convenção de Roma.

Aluno: no art.º 7 quando se fala das disposições imperativas, são aquelas


normas de aplicação necessária? É a essas que se refere em concreto?

Exactamente. Porque a convenção de Roma fala em disposições imperativas


em dois sentidos.
 Fala em disposições imperativas no sentido de normas de aplicação
necessária;
 Mas também fala em disposições imperativas no sentido material do
termo, reportando-se a uma determinada ordem jurídica. Por exemplo.
Quando diz que se o contrato tiver ligação apenas com um único
Estado, o caso de um Português que celebra um contrato relativo a um
imóvel X situado em Portugal, com outro Português.

Imovel X
P P
Situado em Portugal
Portanto o contrato é celebrado em Portugal mas escolhem como lei
reguladora do contrato a lei francesa. Isto é possível, aplicando o art.º
3 da convenção de Roma, mas esta escolha da lei francesa não pode
prejudicar as disposições imperativas da ordem jurídica portuguesa.
Estas disposições imperativas são, não apenas as normas de aplicação
necessária, mas também todas as outras disposições imperativas que
formam a ordem publica interna em cada Estado.

Hoje em dia já não é possível o contrato de compra e venda de


imóveis por escrito particular, mas vamos supor que ainda existia
aquela norma do art.º 875 que obrigava à celebração por escritura
pública. Isto é uma disposição imperativa. Se realmente eles fizessem
este contrato no caso do direito francês, por escrito particular, não
podia ser. Mas se aquela escolha fosse feita noutras circunstâncias, em
que realmente houvesse uma ligação da ordem jurídica portuguesa,
francesa, no contrato, portanto, todos os elementos do contrato não
384

estivessem situados dentro da ordem jurídica portuguesa, neste caso o


contrato poderia efectivamente ser feito com base num escrito
particular.

Neste caso de normas imperativas por força do art.º 3 da convenção de


Roma, há uma internacionalização voluntária das partes. Não há nenhum
elemento externo nesta relação. O único elemento externo é a vontade das
partes.

O art.º 7 da convenção de Roma diz respeito às normas de aplicação


necessária. Mas já o art.º 3 da mesma convenção é disposições não
derrogáveis, que seria por exemplo, o caso da escritura pública se os
contratos ainda fossem obrigatoriamente celebrados por escritura publica.

Agora no que diz respeito ao art.º 7/1 da convenção de Roma, Portugal


estabeleceu uma reserva em relação a este número. Esta disposição em
princípio não é aplicável em território português. portanto, o legislador
português rejeitou a aplicação.

Como é que o art.º 7 funcionaria? Vamos supor um contrato relacionado


com a venda de obras de arte. As partes escolheram a lei alemã como lei
reguladora do contrato. O contrato será para ser executado em Espanha.
Estou a tentar inventar um exemplo em que a lei do terceiro Estado pode ter
interesse em aplicar as suas normas a este contrato. Mas esquematicamente é
assim que acontece. Há um contrato, que é regulado por uma determinada
lei, por hipótese a lei alemã, mas, há normas de um terceiro estado que são
normas de aplicação necessária, por exemplo, um contrato relacionado com
a venda de obras de arte. As partes escolheram como lei reguladora a lei
alemã. E a obra de arte é francesa. E essa obra de arte relativamente a ela
existem normas imperativas, que proíbem a venda. Estas normas são normas
de aplicação necessária porque visam proteger bens culturais.

Então estas normas francesas querem ser aplicadas a este contrato


inviabilizando-o. E aqui funciona o art.º 7 da convenção de Roma. Aqui é
que intervém o art.º 7/1 da convenção de Roma, viabilizando as normas
francesas de aplicação necessária a este contrato.

Vamos supor que o estado francês vem dizer que aquele contrato, não
obstante ser regulado pela lei alemã, e pelo direito alemão ser tido como um
contrato válido, mas visto ter por objecto uma obra de arte francesa então
385

vamos fazer intervir as normas imperativas francesas com vista a proteger


interesses culturais do estado Francês. Neste caso o art.º 7.º da convenção de
Roma, viabilizaria esta possibilidade.

O estado português apresentou uma reserva relativamente a esta disposição.


Logo ela não se aplica. Mas já no que respeita aos contratos de
representação, a convenção de Haia sobre os direitos de representação, já o
legislador português aceitou a aplicação de normas de um terceiro Estado.
Então nós temos uma situação de colisão. O Prof. Marques dos Santos dizia
que essas duas normas colidindo abriam uma lacuna. As tais chamadas
lacunas de colisão. Neste caso o legislador teria que vir preencher esta
lacuna.

A minha ideia é a de que se nós considerarmos que há aqui uma lacuna de


colisão, a lacuna tem de ser preenchida em termos dos princípios gerais do
direito internacional privado. Se, nós “exigimos” que as nossas normas de
aplicação imediata sejam aplicáveis num determinado estado, então do
mesmo modo temos que permitir que as normas de aplicação imediata
estrangeiras sejam também aplicadas no Estado Português. eu acho que o
princípio da paridade dos Estados perante o direito internacional privado tem
de levar necessariamente a esta aceitação. Vejo com grande dificuldade nós
não aplicarmos a norma francesa, a um caso como este, realmente obsta à
venda de um bem cultural.

Alguém rouba uma obra de arte no Museu do Louvre em Paris e depois vem
vender em Portugal. O contrato é perfeitamente válido de acordo com a lei
escolhida pelas partes, será que não repugna à nossa consciência não fazer
intervir neste caso a norma francesa que inviabiliza aquele contrato que é
contrário à ordem pública internacional francesa?

Num caso como este eu não teria dificuldade em aceitar a aplicação da


norma de aplicação necessária francesa.

Por exemplo, a própria lei do património cultural permite fazer intervir


normas de aplicação imediatas. O seu art.º 13 permite aplicar normas de
aplicação imediata estrangeira no que respeita à venda de bens culturais.

LIÇÃO N.º 44 30/04/2003


386

Prescrição

O problema que se coloca em relação à prescrição é que ela não tem uma
conexão autónoma, tem uma conexão subordinada ou dependente. Nós não
encontramos imediatamente uma conexão para a prescrição. Quando nós
recorremos ao art.º 40 do CC, ele não diz que à prescrição é aplicável por
exemplo a lei da autonomia, nem diz que à prescrição é aplicável a lei do
lugar da celebração ou lei do lugar da situação da coisa. Diz à prescrição é
aplicável a lei a que a prescrição diz respeito, o que significa que
efectivamente a prescrição tem uma conexão dependente. Consoante o
direito a que a prescrição respeite, assim nós vamos determinar qual é o
direito regulador da prescrição.

Artº 31 n.º 2 do CC.

No que respeita ao âmbito de determinação da lei reguladora das pessoas


singulares também tem sido o que nós temos vindo a batalhar desde o início
do curso. Há alguns aspectos que eu julgo que justificaria que nós
tomássemos em consideração. Por exemplo no que respeita ao art.º 31 n.º 2
do CC.

Eu julgo que deviam olhar para esta disposição com algum cuidado. O art.º
31/2 é um artigo que suscita problemas de interpretação. Já há muita matéria
escrita à volta deste tema.

Artigo 31º - (Determinação da lei pessoal) ”1 - A lei pessoal é a da


nacionalidade do indivíduo. 2 - São, porém, reconhecidos em
Portugal os negócios jurídicos celebrados no país da residência
habitual do declarante, em conformidade com a lei desse país, desde
que esta se considere competente”.

Eu vou mais ou menos fazer um apanhado. Literalmente o art.º 31/2 não


suscita problema nenhum. Manda atribuir relevância na ordem jurídica
portuguesa às situações jurídicas celebradas na lei de residência habitual.
tenhamos em consideração que são situações do estatuto pessoal. É o
casamento, é a convenção ante – nupcial, são os testamentos, nomeadamente
por exemplo, o testamento de mão comum, são situações do estatuto pessoal
criadas no quadro de lei de residência habitual.
387

O que é que se passa com o art.º 31/1 do CC? Neste caso a situação seria a
seguinte. uma pessoa, ou duas pessoas residentes num determinado país
criam uma situação à luz da lei da residência habitual, à luz da lei material
desse país. Podem acontecer duas situações. Ou a lei desse país se considerar
competente e aplicar-se a ela própria, ou essa lei a lei da residência habitual,
mandar aplicar uma terceira lei a lei N e essa lei se considerar competente.

P H

P H N

Esta segunda situação já não está prevista no art.º 31/1 do CC. A primeira
está.

Requisitos de aplicação art.º 31/2 do CC

Antes de avançarmos vamos ver quais são os requisitos de aplicação do art.º


31/2 do CC.

 tem de tratar de matéria do estatuto pessoal


 esta matéria do estatuto pessoal tem de ser nulo ou anulável à luz da
lei da nacionalidade, a lei prevista no n.º 1:
 que a lei de residência habitual se considere competente para regular o
negócio;
 e que o negócio seja válido à luz da lei de residência habitual.

portanto para aplicar o art.º 31/2 temos necessariamente de tomar em


consideração estes 4 requisitos. O problema que se põe relativamente ao art.º
31/2 do CC, parte desta situação.

P H N

Ou seja, pode acontecer que a lei de residência habitual ou seja, o direito


internacional privado da lei de residência habitual não declara a lei de
residência habitual competente, mas declare competente uma terceira lei. se
esta terceira lei se considerar competente, e validar o negócio, dizem os Prof.
388

Baptista Machado e Ferrer Correia, que esta situação de extensão analógica


é perfeitamente consentida pelo art.º 31/2 do CC.

O que está previsto no art.º 31/2 do CC é esta situação:

P H
L.R.H
A situação n.º 2 é que a lei da residência habitual não se declara competente,
mas declara competente uma terceira lei.

P H N
L.R.H Lei N

E desde que esta se considere competente estendiam-se os efeitos previstos


no art.º 31/2 do CC. No fundo, estamos a fazer uma analogia de situações.
Mas a situação não para por aqui. Porquê? Porque além desta situação da lei
da residência habitual remeter para a lei N e esta se declarar competente,
pode acontecer que a situação seja criada originariamente à luz da lei N e
seja reconhecida à luz da lei da residência habitual. portanto, os prof. Ferrer
Correia e Baptista Machado, admitem que esta terceira situação de a lei N se
declarar competente e a lei de residência habitual reconhecer a situação
criada à luz N então também nós fazendo ainda uma extensão muito mais
alargada do art.º 31/2 do CC, podemos também reconhecer esta segunda
situação. No fundo tudo se passaria como se fosse um reconhecimento de
reconhecimento.

Tb reconhece(31/2) Reconhece sit. Criada por N


P H N
LeiP LRH Lei N

A situação é criada à luz da lei N. Depois coloca-se o problema do seu


reconhecimento à luz da lei da residência habitual. se a lei de residência
habitual reconhecer a situação criada à luz da lei N, então neste caso também
nós reconhecemos esta situação à luz do art.º 31/2 do CC.

Vamos depois de ter que confrontar estas situações todas com o art.º 17 do
CC. Também vai criar problemas de compatibilização, etc.
389

Eu gostaria de tentar explicar quais são as diversas perspectivas de extensões


analógicas ou ampliações teleológicas desta exposição.

Além desta situação os Prof. Ferrer Correia e Baptista Machado, ainda


admitem que, já que nós atribuímos relevância à situação jurídica criada à
luz da lei de residência habitual, ou então à luz de uma lei para que remete a
lei de residência habitual, então, neste caso por exemplo uma situação
jurídica criada à luz da lei do lugar da situação da coisa, por exemplo, então
neste caso também nós podíamos ainda ampliar esta mesma situação.

Daí resulta o seguinte. se substituíssemos aqui em vez de lei da residência


habitual e puséssemos lei do lugar da situação da coisa, então tínhamos de
admitir ainda mais um alargamento da lei do lugar da situação da coisa, e
mais um problema de reconhecimento da lei do lugar da situação da coisa.

Tudo se passaria como se criássemos uma nova norma para efeitos de


reconhecimento de direitos adquiridos no estrangeiro, onde aqui não estaria
a lei de residência habitual, mas sim a lei do lugar da situação da coisa.

P H
L.L.S.C (em vez de lei da Residência habitual)

Portanto, se nós pegamos tínhamos aqui a lei da residência habitual, no


fundo uma aplicação analógica, em vez de termos lei da residência habitual
temos lei do lugar da situação da coisa, raciocinam os Prof. Ferrer Correia e
Baptista Machado da seguinte maneira: se nós estamos a atribuir relevância
a uma situação criada à luz da lei de residência habitual por identidade,
senão por maioria de razão, devemos atribuir relevância a uma situação
criada à luz da lei do lugar da situação da coisa, lex rei sitae.

O Prof. Lima Pinheiro não está de acordo, com estas extensões analógicas e
teleológicas. Ele admite que de facto há uma certa abusar da situação. Eu
confesso que e antes de dar a minha opinião sobre este assunto, eu não sei
realmente. Tudo depende da maneira como nós encararmos o art.º 31/2 do
CC. Se nós encararmos o art.º 31/2 do CC, como uma disposição que visa
reconhecer direitos adquiridos no estrangeiro, então na verdade essas
possibilidades de extensão analógica estão perfeitamente justificadas. Por
isso é que os Prof. Ferrer Correia e Baptista Machado defendem tudo isto.
Porquê? Porque eles entendem que o art.º 31/2 é uma disposição que tem
390

por detrás de si a ideia do reconhecimento de direitos adquiridos no


estrangeiro, que é uma ideia que Lima Pinheiro rejeita. Ele admite que não.
Que o que o legislador entendeu foi apenas atribuir relevância às situações
jurídicas criadas à luz da lei da residência habitual.

Temos de saber a posição do professor da cadeira e a cada momento fazer


uma opção. Eu só quero chamar a vossa atenção para essas duas posições.
Uma posição que é extrema, que no fundo acaba por alargar situações
diversas, acaba até por fazer uma interpretação teleológica, e até fazer uma
extensão analógica dentro da interpretação analógica. O Prof. Lima Pinheiro
rejeita estas posições, que não podemos aqui fazer uma interpretação
extensiva.

Não sei se têm presente a distinção entre a interpretação extensiva e uma


extensão analógica? A interpretação extensiva é quando a lei comporta a
extensão. Agora, a extensão analógica é quando nós tomamos em conta o
espírito da norma e alargamos esse espírito. São situações muito próximas,
mas que têm um âmbito diferente. A extensiva parte da letra, estendemos a
letra da lei para abranger situações não previstas. Na extensão analógica nós
estendemos o espírito da lei para abranger situações não previstas. Também
chamam extensão teleológica. Esta expressão é mais clara. Ou seja, o
sentido, a ratio legis da norma é alargada para outras situações paralelas, ao
passo que na interpretação extensiva, o que nós fazemos é alargar a letra da
norma para abranger outras situações nela não abrangidas.

Eu tenho sérias dúvidas sobre esta matéria. Durante muito tempo segui a
posição da doutrina que era dominante, que realmente toma como base a
ideia de direitos adquiridos. Eu em termos do ponto de vista de relações
privadas internacionais eu tenho uma perspectiva muito aberta. Então, o meu
ponto de vista é o de que nós não devemos criar no quadro da ordem jurídica
do foro, constrangimentos que impeçam as outras ordens jurídicas de
respirarem dentro desse mesmo quadro.

Portanto, a minha ideia é a de que, vamos por exemplo, supor que é um


casamento criado à luz da lei de residência habitual. As pessoas estão a
residir habitualmente num determinado país, ou então criada à luz de uma lei
que remetia a lei da residência habitual, e depois de repente as pessoas
chegam a Portugal e nós dizemos que isso não cai no art.º 31/2 do CC,
então nesse caso nós não reconhecemos esse casamento. Visto nesta
perspectiva de salvar situações jurídicas constituídas no estrangeiro, tenho
391

alguma dificuldade em não aceitar esses alargamentos. Principalmente o


segundo

P H N

Que por acaso até o Prof. Lima Pinheiro aceita. Eu sempre perspectivei o
art.º 31/2 à luz da protecção dos direitos adquiridos no estrangeiro, e se
realmente é assim vejo com alguma dificuldade que não se possa fazer esses
alargamentos.

Há um estudo de um autor muito profundo, tendo sido ele que começou com
esses alargamentos do art.º 31/2 do CC, e depois foi retomado pelo Prof.
Baptista Machado e Prof. Ferrer Correia, a doutrina passou a ser chamada a
doutrina deles, por serem autores mais consagrados.

O prof. Lima Pinheiro vem dizer que a ordem jurídica só quis atribuir
relevância às situações criadas à luz da lei da residência habitual, e que não
quis mais do que isso. Concluindo a posição do Prof. Lima Pinheiro. Ele
admite esta segunda situação, mas admite ainda uma terceira situação, que é
a de a situação ser constituída à luz da lei do lugar da celebração, e esta lei
se julgar competente, e se fosse aplicada a lei da residência habitual o
negócio fosse válido em ambas as ordens jurídicas.

LP LRH L.L.L.C.

Negócio válido Negócio válido

Ou seja, não é necessário que haja uma aplicação da mesma lei, pela lei da
residência habitual ou pela terceira lei, o que importa é o resultado. Desde
que a lei do lugar da celebração considere o negócio válido, e a lei da
residência habitual considerasse também o negócio válido, então nesta
situação devíamos aplicar o art.º 31/2 do CC. Em nenhuma outra situação ele
admite esta possibilidade.

Podem registar que no fundo a posição do Prof. Lima Pinheiro é de


admitir somente estas três situações. A 1ª, a 2ª e esta ultima. Aplicação
literal do art.º 31/2 do CC, uma extensão à luz do direito internacional
privado da residência habitual que manda aplicar uma terceira lei, e uma
392

outra situação em que no fundo já cairia um pouco fora da letra do art.º


31/2 do CC, que seria a situação do negócio ser criado à luz do lugar da
celebração, mas haver uma coincidência de soluções dada quer pela lei da
residência habitual, quer pela lei do lugar da celebração. Nestas três
situações o Prof. Lima Pinheiro admite que de facto estão previstas dentro
do art.º 31/2 do CC.

E neste caso ele já não admite nem as tais reduções teleológicas, porque
como nós vamos ver o alargamento do art.º 31/2 do CC vai obrigar a
reduções ou a interpretações restritivas no art.º 17/1 e 2 do CC.

Vejam o seguinte, lei Portuguesa(L1) remete para a lei de residência


habitual (L2), e esta por sua vez remete para uma terceira lei (L3). Seria
mais ou menos a situação de lei 3 se declarar competente.

L1 L2 L3

Neste caso nós tínhamos preenchida a situação prevista no art.º 17/1 do CC.

“Se, porém, o direito internacional privado da lei referida pela norma


de conflitos portuguesa remeter para outra legislação esta se
considerar competente para regular o caso, e o direito interno desta
legislação que deve ser aplicado”.

Mas os Prof. Ferrer Correia e Baptista Machado, esta seria uma outra
situação admitem que basta que a lei de residência habitual aplique a lei 3 e
o negócio seja válido

L1 L2 L3

Negócio válido

Ou seja, não é necessário que a lei 3 se declare competente. E então tendo


em conta esta possibilidade, então eles admitem que o art.º 17/1 do CC nas
situações a reconhecer, têm que sofrer uma interpretação restritiva. A
restrição consistiria em não exigir a aceitação da competência por essa
terceira lei.
393

O Prof. Lima Pinheiro diz que isto vai distorcer todo o mecanismo do
reenvio. Só que, eu do meu ponto de vista entendo que esta solução tem uma
falha. E a falha consiste precisamente no seguinte:
 se nós tomamos como ponto de partida que o que interessa é fazer o
reconhecimento de situações jurídicas constituídas no estrangeiro,
então não funciona neste caso as regras do art.º 17 e 18. vejam por
exemplo a situação do art.º 36 e do art.º 65 do CC. Qualquer dessas
duas disposições permitem o reenvio. Temos aí situações de reenvio
ad hoc com vista ao favorecimento de negócios. Favore Negotii. Mas
toda a doutrina está de acordo em dizer que neste caso não se aplicam
os art.º 17 nem 18 do CC, neste caso seria o art.º 17, porque o que
importa é favorecer o negócio. Ora, se o que está por detrás desta
ideia de alargamento é precisamente a ideia do favorecimento do
negócio, no fundo está em sintonia com a tal ideia de direitos
adquiridos, então neste caso não precisaríamos de aplicar aqui o art.º
17/1 do CC. A analogia desta situação com a situação prevista no art.º
36 e do art.º 65 levaria a não aplicar o art.º 17/1 do CC.

Eu aqui concordo com o Dr. Lima Pinheiro. Ele rejeita esta possibilidade.
Ele diz que neste caso aqui estamos a subverter as regras. Das duas uma:
 ou aplicamos as regras do reenvio integralmente;
 ou então não aplicamos pura e simplesmente as regras do reenvio
considerando que basta que a lei de residência habitual aplicando
qualquer lei considere o negócio válido.

Também no art.º 65 nós temos um leque de 4 leis,

Artigo 65º - (Forma) ”1 - As disposições por morte, bem como a sua


revogação ou modificação, serão válidas, quanto à forma, se
corresponderem às prescrições da lei do lugar onde o acto for
celebrado, ou as da lei pessoal do autor da herança, quer no momento
da declaração, quer no momento da morte, ou ainda as prescrições
da lei para que remeta a norma de conflitos da lei local. 2 - Se,
porém, a lei pessoal do autor da herança no momento da declaração
exigir, sob pena de nulidade ou ineficácia, a observância de
determinada forma, ainda que o acto seja praticado no estrangeiro,
será a exigência respeitada”

É possível alargar a interpretação do art.º 65 para outras situações, mas o que


importa é que realmente o negócio seja válido formalmente numa lei
394

qualquer aplicada em alternativa. Então, neste caso aqui se o pressuposto


que está por detrás desta interpretação são os direitos adquiridos, então neste
caso eu penso que bastaria que a lei fosse considerada válida à luz da lei da
residência habitual, aplicando qualquer lei, independentemente dela se
declarar competente ou não.

Nota: este art.º 31/2 do CC poderá ser um tema que lhes possa ser dado para
desenvolver.

Além destas situações os Prof. Baptista Machado e Ferrer Correia ainda


admitem uma outra situação que não foi aqui elencada, que é precisamente
esta aqui, de a lei de residência Habitual aplicar a lei 3 independentemente
de lei 3 se declarar competente, e ser considerado o negócio válido à luz da
lei 3.

L1 L2 L3

Negócio válido

Neste caso aqui eles têm de fazer uma interpretação restritiva do art.º 17/1
do CC, porque o art.º 17/1 exige a concordância desta lei 3 para aplicar. O
Prof. Lima Pinheiro não está de acordo com esta situação porque subverte as
regras do art.º 17 do código civil, e portanto, ele se contentaria com aquelas
três soluções acima referidas.

Inicio da personalidade

Quanto ao início da personalidade também já falámos. Já demos uma


situação de comoriência.

Vamos supor que A português, e B cidadão Sul Africano, pai e filho,


falecem no mesmo acidente de viação. Vamos supor que C, filho de B,
pretende receber os bens que do seu ponto de vista se transferiram de A para
B e que passarão de B para C. E pretende-se determinar quem faleceu em
primeiro lugar.

A B (Lei Sul Africana)


Lei Port.
395

Podiam fazer como os nossos juizes muitas vezes fazem, tendo falecido os
dois no mesmo acidente de viação e ninguém sabe quem faleceu em
primeiro lugar.

Aluno: também há o critério do mais velho...

Vamos supor que na África do Sul se aplica esse critério do mais velho. O
mais velho faleceu em primeiro lugar. Numa situação destas nós temos leis
pessoais diferentes, neste caso a lei pessoal de A é a lei portuguesa, a lei
pessoal de B é a lei Sul – Africana, e essas leis pessoais estabelecem
critérios diferentes de comoriência. No caso português aplicando o art.º 68
do CC, presume-se que faleceram ao mesmo tempo,

“Quando certo efeito jurídico depender da sobrevivência de uma a


outra pessoa, presume-se, em caso de dúvida, que uma e outra
faleceram ao mesmo tempo”.

No caso sul – africano aplicando-se a norma sul – africana, presume-se que


o mais velho faleceu em primeiro lugar. Donde, segundo o critério da África
do Sul B sobreviveu a A. Ao passo, que segundo o critério da lei portuguesa,
A e B não se sobreviveram reciprocamente. Temos situações de presunções
de sobrevivência irreconciliáveis.

Temos de resolver o problema. neste caso a situação não pode ser resolvida
só desta maneira. Primeiro temos de recorrer ao art.º 62 do CC, para regular
a sucessão.

“Artigo 62º - (Lei competente) “1 - A sucessão por morte é regulada


pela lei pessoal do autor da sucessão ao tempo do falecimento deste,
competindo-lhe também definir os poderes do administrador da
herança e do executor testamentário”.

Neste caso o art.º 62 do CC manda aplicar a lei nacional, a lei nacional no


que respeita a A é a lei portuguesa. Neste momento temos um problema que
é uma questão prévia, que é o termo da personalidade. Porquê? Porque para
nós considerarmos que se abre a sucessão de alguém é necessário portanto
que cesse a personalidade dessa pessoa. O problema do termo da
396

personalidade é regulado por outra regra de conflitos, que neste caso é o art.º
26 do CC.

Artigo 26º - (Início e termo da personalidade jurídica) ”1 - O início


e termo da personalidade jurídica são fixados igualmente pela lei
pessoal de cada indivíduo. 2 - Quando certo efeito jurídico depender
da sobrevivência de uma a outra pessoa e esta tiver leis pessoais
diferentes, se as presunções de sobrevivência dessas leis forem
inconciliáveis, é aplicável o disposto no N.º 2 do artigo 68º”.

Este manda aplicar a lei nacional, a lei pessoal é a lei portuguesa, e portanto
para nós sabermos se a pessoa morreu, quais são os critérios para averiguar
que aquela pessoa já está morta, definitivamente morta, temos de invocar os
critérios fixados pela lei portuguesa. Mas até nisto as ordens jurídicas às
vezes, não se conjugam. Por exemplo a morte cerebral pode ser considerada
por umas ordens jurídicas como morte para os efeitos de término de direitos
de personalidade, quando outras ordens jurídicas podem considerar que a
pessoa não está morta, que a pessoa ainda está viva. Alias, o problema
também se coloca no que respeita ao início da personalidade. Enquanto que
a ordem jurídica portuguesa considera que a pessoa adquiriu a personalidade
jurídica com o nascimento completo e com vida, ordens jurídicas como a
italiana neste momento já alteraram a sua legislação dizendo que a pessoa
adquire a personalidade jurídica desde a concepção. Neste momento temos
pelo menos três situações:
 ordens jurídicas como a portuguesa, em que o início da personalidade
jurídica se dá com o nascimento completo e com vida;
 ordens jurídicas como a espanhola, que exige o nascimento completo
e com vida e que o ser tenha figura humana;
 ordens jurídicas como a italiana em que a personalidade jurídica se
adquire com a concepção.

Tudo isso cria situações de conflito com que nós temos de conviver.
Normalmente estas situações colocam-se ao nível de uma questão prévia.
Como neste caso aqui em que temos um problema de sucessão, e depois
coloca-se a questão prévia de saber do termo da personalidade que é
resolvida propósito do art.º 26 do CC.

Neste caso desenvolveríamos esta solução quer quanto ao A, quer quanto ao


B, que neste caso seria sul – africana, e no final iríamos encontrar
presunções de sobrevivência inconciliáveis. A final íamos encontrar que
397

segundo a lei sul – africana, B sobreviveu a A, e íamos encontrar que


segundo a lei portuguesa A e B faleceram ao mesmo tempo, nenhum
sobreviveu ao outro.

Por conseguinte, não podemos esquecer que nestes casos a solução que nós
temos que dar é uma solução doméstica, uma solução nossa.

Vocês já estão a pensar que aplicamos o art.º 68, concluiríamos que eles
faleceram ao mesmo tempo, e por conseguinte ninguém sucede a ninguém. E
podem dizer que não, que segundo o critério da África do Sul, se a questão
fosse julgada na África do Sul, teria uma solução completamente diversa.
Isto é verdade. Agora, não podemos esquecer que a solução que nós temos
que dar é a solução de DIP português, correcta ou incorrecta, choque ou não
com a solução da outra ordem jurídica, é essa que nós temos que dar.

O art.º 68 que é uma norma material, o Prof. Lima Pinheiro diz que não é
uma norma de direito material do direito internacional privado, diz que é
uma remissão para o direito material, o que é diferente. Então, nestes casos a
solução que nós temos que dar é aquela que decorre do art.º 68 do CC.

Aluno: não se poderá ir buscar a finalidade da norma? Por exemplo, se nós


entendermos que a norma sul – africana pretende a defesa da transmissão
dos bens e a protecção dos filhos, não podemos com esse argumento aplicar
esse princípio?

De jure condendo sim. Do ponto de vista do direito vigente não. Esta


solução da lei portuguesa tem sido muito criticada. Tanto assim que ela não
é aceite noutras ordens jurídicas. A lei italiana que está nesta colectânea, tem
uma solução completamente diversa. Neste caso diz a lei italiana, que para
suceder B como B é sul – africano, há- de ser a lei sul – africana a resolver o
problema da comoriência. Para suceder a A há – de ser a lei portuguesa a
resolver o problema da comoriência. E portanto fixamos por aqui.

Aluno: neste caso ficávamos também com o mesmo problema. a lei sul –
africana ia resolver o problema da comoriência em relação a B e dizia que B
sobrevivia a A, Portugal ia resolver o problema da comoriência em relação a
A e dizia que nenhum sobrevivia ao outro

O problema que se põe é o seguinte. neste caso a lei portuguesa tem essa
competência, no fundo está a resolver o problema da incongruência entre
398

pessoas com leis pessoais diferentes, mas será que devia ter esta
competência? Esta é que é a crítica que está subjacente ao art.º 26 n.º 2 do
CC. Ela tem competência para dizer que A e B portugueses faleceram ao
mesmo tempo. Mas já não tem competência para dizer que A português
sobreviveu a B francês. Porquê? Porque está a retirar o efeito pessoal que
esta ordem jurídica francesa é igualmente competente para retirar. Por
conseguinte numa situação como esta acho que não cria conflitos.

Do ponto de vista da lei portuguesa, B no sobreviveu a A. Que resultado é


que dá fazendo aplicar a norma italiana? Do ponto de vista da lei portuguesa
nenhum sucede a ninguém. Neste caso B não sucede a A. Mas do ponto de
vista da lei sul africana já B sucede a ª então se realmente se à sucessão de B
nós aplicarmos a lei sul africana os bens de A que estivessem na África do
Sul já poderiam ser transferidos para C. Ou seja cada ordem jurídica tinha o
seu âmbito de competência para regular a situação.

Esta norma italiana vem na compilação de legislação.

“quando temos que determinar a sobrevivência de uma pessoa


relativamente à outra, e não se sabe qual das duas faleceu em
primeiro lugar, o momento da morte deve ser acertado com base na
lei reguladora da relação a respeito da qual a questão se coloca”

ou seja, a lei italiana estabelece uma conexão dependente. Neste caso se a


questão se coloca na África do Sul, aplicar-se-ia a lei sul – africana para
determinar a comoriência. É uma conexão completamente dependente no
que respeita à presunção de comoriência.

LIÇÃO N.º 45 08/05/2003

Hipótese

François e Benilde, ambos de nacionalidade suíça, e residentes


habitualmente em Friburgo, casaram em 1989 nesta cidade segundo o
regime de separação de bens do direito suíço (art.º 241 e seguintes do
código civil suíço). A seguir ao casamento, passam a residir
habitualmente em Coimbra, onde François adquiriu uma moradia para
a residência da família, e onde vêm a nascer dois filhos Gilles e
Hugette em 1990 e 1991.
399

Em 1992, por razões profissionais, François passa a residir


habitualmente em genebra, continuando Benilde a residir com os
filhos na moradia de Coimbra, que é um bem próprio de François.
Em outubro de 1993 François movido por dificuldades financeiras,
vende a Bartin francês, em Genebra a moradia de Coimbra, sem
autorização de Benilde. François e Bartin designaram a lei francesa
como lei reguladora do contrato de compra e venda.
Benilde vem, perante tribunais portugueses pedir a anulação da venda
da moradia, com base nos art.º 1682-A e 1687/1 do CC, que considera
aplicáveis ainda que a lei competente seja uma lei estrangeira, dado
que a casa de morada de família está situada em Portugal. Se, assim
não se atender, Benilde reclama a aplicação do art.º 215/3 do CC
francês que contém um regime idêntico ao das disposições
portuguesas invocadas.
François entende que a questão deve ser regulada pelo direito suíço,
que não tem qualquer norma equivalente às normas portuguesas
referidas por Benilde.
Bartin considera que a lei francesa não é aplicável ao caso e, que,
ainda que o fosse, o art.º 215/1 do CC francês nunca poderia ser
aplicado pois é uma norma auto – limitada que pressupõe que a casa
de morada de família esteja situada em França.
Admitindo que,
1) o DIP suíço (art.º 48 da lei dobre o DIP, LDIP de 18.12.87) regula
os efeitos do casamento pelo direito do Estado no qual os esposos
estão domiciliados e, quando os esposos não estiverem
domiciliados no mesmo Estado, pelo direito do Estado do
domicílio com o qual a causa apresenta a conexão mais estreita;
2) o DIP suíço (art.º52 do LDIP) regula o regime matrimonial pelo
direito escolhido pelos esposos;
3) O DIP suíço (art.º 14/2 do LDIP) aceita o reenvio da lei
estrangeira ao direito suíço, em matéria de estatuto pessoal;
4) Todas as ordens jurídicas interessadas consideram François
domiciliado na Suíça, e Benilde domiciliada em Portugal;
5) O direito material suíço não contém regras idênticas às dos
artigos 1682-A e 1687/1 do CC português;
6) O art.º 215/3 do CC francês determina que os esposos não podem
um sem o outro dispor dos direitos pelos quais é assegurada a
morada de família, podendo o cônjuge que não deu o seu
consentimento ao acto de disposição pedir a respectiva anulação
400

Analise as pretensões dos interessados e indique como deve o juiz


português decidir a causa.

Esta hipótese levanta problemas do Estatuto Pessoal, mais


especificamente do Estatuto matrimonial, em mais especificamente ainda do
regime de bens, coloca o problema das normas auto – limitadas, coloca
questões de reenvio, e coloca também questões de qualificação. Por
conseguinte temos aqui um tipo de hipóteses que realmente conjuga
elementos dessas quatro ordens de matéria, além de tratar de matéria que diz
respeito às obrigações.

Aluno. Temos aqui uma questão transnacional porque estão em presença


várias ordens jurídicas que poderão ser aplicadas. Temos de começar a
analisar contrato de compra e venda, e ver se este contrato realmente se
pode realizar, se realmente o François pode vender a casa morada de família.

A solução deste caso tem de passar pelo mesmo esquema da hipótese


resolvida aulas atrás sobre o problema do art.º 877 do código civil. a ideia
que nós transmitimos na altura, foi a de que temos de escolher a questão,
temos de a resolver até ao fim, independentemente de nos deixarmos
perturbar por outras situações paralelas que se coloquem em torno daquela
questão.

Temos aqui várias questões e uma vez que pegou na questão do


contrato de compra e venda, e penso que bem, vamos resolver o problema do
contrato de compra e venda. Saber qual é a lei reguladora do contrato, qual é
a regra de conflitos que dá guarida a essa lei, e aplicá-la.

Neste caso temos um contrato celebrado em 1993 e em que as partes


escolheram como lei reguladora do contrato a lei francesa. É aplicável a
convenção de Roma ou não? Não é aplicável porque a convenção de
Roma só entra em vigor em Setembro de 1994.

Pode acontecer que, uma vez que se admite que aos preliminares do
contrato se aplique a lei reguladora do contrato, vamos supor que os
preliminares de um contrato, ocorrerem antes da entrada em vigor da
convenção, e então, enquanto estão a decorrer os preliminares do contrato
401

entra em vigor a convenção de Roma, então nesta situação seremos forçados


a aplicar dois corpos de normas. O código civil e a convenção de Roma.

As partes não escolhem a convenção de Roma. As partes também não


afastam a convenção de Roma. Pelo art.º 3.º da convenção de Roma é
permitido às partes escolherem a lei aplicável ao contrato, mas que lei? a lei
material. A convenção é uma lei de conflitos.

Quando as partes dizem “nós escolhemos a lei francesa para regular


o contrato”, as partes estão a actuar a coberto da convenção de Roma, mas
também quando as partes dizem “nós em vez de escolhermos a lei francesa,
escolhemos lei espanhola ou então, uma lei que não tem nenhuma conexão
com o negócio” não estão a afastar também a convenção de Roma. Estão a
dizer, que no quadro das prerrogativas concedidas pela convenção de Roma,
escolhem aquela lei. e também, mesmo na situação em que todos os
elementos do negócio tem ligação com a ordem jurídica, neste caso podem
igualmente escolher uma lei estrangeira, porque a convenção de Roma lhes
dá essa possibilidade.

Quando falam em escolher a convenção de Roma, ou não escolher a


convenção de Roma, isso é uma incorrecção de linguagem.

Aproveitamos para recordar alguns aspectos da convenção de Roma,


que é outra possibilidade que vocês têm de hipótese prática.

Se por acaso as partes tivessem celebrado o contrato, após o ano de


1994, e não tivessem escolhido a lei reguladora do contrato, qual seria a lei
aplicável? A lei portuguesa segundo o art.º 4 da convenção de Roma n.1 e 3.
o art.º 4 da convenção de Roma, contém uma presunção geral, e algumas
presunções particulares. A presunção geral é a de que o contrato
apresenta conexão mais estreita com o país no qual reside o devedor da
prestação característica. O local da residência do devedor da prestação
característica é que determina a conexão mais estreita do contrato, mas, a
convenção tem algumas presunções particulares. Diz no n.º 3 que “quando o
contrato tiver por objecto um direito real sobre um bem imóvel ou um
direito de uso de um bem imóvel”, está a pensar em quê? Usufruto,
arrendamento, direito real de habitação periódica, etc. tudo isso está previsto
no n.º 3 do art.º 4, em derrogação do n.º 2.
402

Esta solução, aliás, vem resolver um problema que resultava do


conflito dos estatutos. Regra geral, quando as partes escolhiam uma lei
diferente da, da ordem jurídica onde estava situado o bem, acontecia aquele
problema do conflito de estatutos que nós já referimos em aulas anteriores.

Quando o art.3 da convenção de Roma fala em respeitar as


disposições imperativas tem que ter em consideração, que está a tomar em
linha de conta a situação em que todos os elementos de um determinado
contrato, de um determinado negócio está em contacto com uma única
ordem jurídica. Neste caso da nossa hipótese não esta em contacto com
apenas uma ordem jurídica. Não há uma obrigação de o contrato – promessa
respeitar normas imperativas portuguesas. Só porque o imóvel está em
Portugal? Não é verdade. Se forem normas auto – limitadas isso está bem.
Normas auto – limitadas sempre se aplicam. Normas imperativas no sentido
do art.º 3 não. As pessoas não necessitam de celebrar as escrituras
relativamente a imóveis situados em Portugal perante as autoridades
portuguesas. Podem celebrar perante qualquer outra autoridade. E depois é
reconhecido de acordo com as regras do reconhecimento.

Podem não se suscitar duvidas quanto à autenticidade do documento.


Regra geral o que eles fazem é apor um carimbo de autenticação. Na prática
o que acontece é levar aquele documento ao Ministério dos Negócios
Estrangeiros. Vamos supor que a pessoa elabora um contrato de compra e
venda em Cabo Verde para vir produzir efeitos em Portugal. A assinatura do
notário Cabo Verdeano tem de ser reconhecida com a assinatura do cônsul
português. E a partir daí produz efeitos no quadro da acordo judiciário
celebrado entre Cabo Verde e Portugal. Por acaso esse acordo judiciário tem
potencialidades que nunca foram aplicadas e exploradas. Por exemplo,
permite que as partes possam, por exemplo uma pessoa que tenha um bilhete
de identidade Cabo Verdeana ou português, possa apresentar o seu B.I. junto
das autoridades e realizar o contrato aqui ou em Cabo Verde indistintamente.
Mas regra geral há uma grande resistência em aceitar, por exemplo,
passaportes aceitam, mas bilhetes de identidade regra geral não aceitam.

Neste caso aqui elaborando um documento no exterior, as autoridades


portuguesas vão reconhecer a assinatura da entidade que apôs a sua
assinatura. Neste momento eu produzo um documento aqui em Portugal para
produzir efeitos em Cabo Verde, eu entendo que esse documento não
precisava dessa actuação de reconhecimento, mas o que é certo é que têm
estado a exigir e em regra geral o que acontece é que se leva ao Ministério
403

dos Negócios Estrangeiros, e este autentica que aquele notário que elaborou
o documento é uma entidade com poderes bastantes para o fazer.

Aluno. Vamos supor que para se realizar a transmissão em França não


era necessária escritura pública,

Qual é a lei que regula a forma? É a do lugar da celebração. Nos


termos do direito de conflitos português se a forma do negócio for menos
formal, for menos solene do que aquela que é exigida pela lei portuguesa,
isso não retira validade.

Neste caso da nossa hipótese o contrato é regulado pela lei francesa,


por escolha das partes. O problema fica já ultrapassado. Qual é o passo
seguinte? o passo seguinte é nós perguntarmos o que é que compete à lei
francesa regular. Compete à lei francesa regular os efeitos obrigacionais.
Com base no art.º 41 do CC, as partes escolheram a lei francesa para regular
o contrato. Aqui nós temos sempre que colocar a questão da aplicabilidade
do art.º 15 do CC, no que respeita à delimitação da competência legislativa
da ordem jurídica francesa. Portanto, temos de perguntar o que é que
compete à lei francesa regular e a resposta é que só regula a matéria com
carácter obrigacional.

Agora resta saber o que é que é matéria de carácter obrigacional e o


que é que não é! Saber se há ou não transferência de propriedade, se há ou
não usufruto, etc., os aspectos de natureza real. Já agora queria chamar a
atenção de que a União Europeia tem vindo a apontar para aquela ideia de
interpretação autónoma no direito de conflitos.

A interpretação dominante é a interpretação partindo do direito real, e


depois fazendo alargamentos, que o Prof. Lima Pinheiro defende na
sequência da doutrina da Prof.ª Magalhães Colaço. O direito comunitário
está a mudar essa ideia da interpretação lege fori, para passar para uma ideia
de interpretação autónoma tal com já vinha sendo concebida por Habel.

Quem avançou pela primeira vez com a ideia de interpretação


autónoma, foi Ernest Habel, um jurista alemão que defendia a interpretação
autónoma, no fundo o que é matéria obrigacional há – de fazer-se no quadro
desta ideia da interpretação autónoma. e agora? Consequências?
404

Vamos ver se há normas francesas que se aplicam. Uma vez que este
art.º 41 do CC atribuiu competência à lei francesa, vamos verificar se
existem normas francesas de natureza obrigacional que querem ser
aplicadas. E então?

Temos de partir para a qualificação do art.º 215 do código civil


francês. Este artigo que norma é que é? É uma norma sobre relações
familiares. Porquê?

Aluno. É familiar porque apesar de se referir à compra e venda de um


imóvel, esse imóvel tem a característica específica de ser a casa de morada
de família, e portanto é uma norma excepcional dentro do regime
obrigacional, em que há a protecção da família, e sendo assim...

Veja o que diz o art.º 215 do código civil francês. Está no ponto 6 da nossa
hipótese.
“os esposos não podem um sem o outro dispor de direitos pelos quais
é assegurada a morada de família, podendo o cônjuge que não deu o
seu consentimento ao acto de disposição pedir a respectiva
anulação”,
é uma norma de natureza familiar. Não há dúvidas. Será uma norma auto –
limitada?

Há uma divergência em Portugal sobre esta questão. O Prof. Lima Pinheiro


não concorda que normas desta natureza sejam auto – limitadas. O prof.
Marques dos Santos defendia que sim. Mas em França, a interpretação do
art.º 215 do CC francês, tem sido feita no sentido de que ela é auto –
limitada, ou seja, no sentido de que se não aplica a todas as casas de morada
de família onde quer que elas se encontrem, desde que os cônjuges sejam
franceses, mas só se apliquem às casas de morada de família que se
localizem em território francês. Os tribunais franceses têm uma
jurisprudência definitiva, assente, no sentido de que o art.º 215 do CC
francês é uma norma auto – limitada.

O critério da interpretação autónoma pressupõe tomar em


consideração a interpretação das ordens jurídicas que envolvem a situação, e
neste caso a lei francesa também está a envolver a situação. Não sei se a
interpretação autónoma ajudaria a resolver esta questão. E não se esqueçam
que estão a aplicar uma norma francesa. Não estão a aplicar uma norma
portuguesa. E a regra de que decorre o art.º 23 do código civil é de que a
405

interpretação desta norma é feita à luz do direito francês, e não à luz do


direito português, ou autónoma. é que não podemos de deixar de tomar estes
pormenores em consideração.

Em regra, é o próprio art.º 23 do CC, que nos vem dizer que temos de
respeitar a interpretação dada pelo tribunais franceses nesta matéria. Se o
tribunal francês interpreta o art.º 215 do CC francês, no sentido de que ela é
uma norma auto – limitada, ainda que isso nos pareça incorrecto, não
podemos esquecer que estamos a produzir uma sentença que pode vir a ser
sujeita a reconhecimento face ao direito francês. E neste caso o tribunal
francês pode perfeitamente dizer que esta interpretação dada pelo tribunal
português não é correcta e que por isso vão fazer a interpretação dessa
norma.

Para nós sabermos se o art.º 215 se aplica, vamos supor que esta
norma não é auto – limitada, e que se aplicava fosse qual fosse o lugar onde
a casa de morada de família estivesse situada. Num caso como este, nós
temos que perguntar. Se ela for uma norma auto – limitada, então é uma
norma auto – limitada de que natureza? Vamos supor que é uma norma auto
– limitada. Se ela for uma norma auto – limitada, e se a interpretarmos no
sentido de que ela se aplica onde quer que o imóvel se encontre, a sua
natureza em atenção ao bem jurídico que pretende proteger, é uma norma
nacional ou estrangeira? reparem que quando temos de aplicar as normas
auto – limitadas temos de tomar em consideração
 as normas auto – limitadas estrangeiras,
 e as normas auto – limitadas nacionais.

Têm um regime diferente. Qual é a diferença, por exemplo, na


convenção de Roma, entre as normas auto – limitadas nacionais, e as normas
auto – limitadas estrangeiras? Qual é a disposição que regula as normas auto
– limitadas na convenção de Roma? É o art.º 7 da convenção de Roma.

Nós já sabemos a divergência que existe relativamente à validade


desta norma. Se nós admitirmos que há aqui uma lacuna de colisão.

O que é uma lacuna de colisão? Quando existem duas normas que


dispõem de forma a anularem-se reciprocamente. E neste caso das normas
auto – limitadas estrangeiras temos duas normas que se anulam
reciprocamente. Temos o art.º 16 da convenção sobre Representação, e
temos o art.º 7 da convenção de Roma, em que uma diz uma coisa, e outras,
406

diz outra coisa. Mas, por outro lado, temos várias normas de direito material
interno português, que reconhecem validade às normas auto - limitadas
estrangeiras. A lei do património cultural, por exemplo, reconhece aplicação
no território português, de normas auto – limitadas estrangeiras. Uma pessoa
rouba um quadro em França, e vem vendê-lo em Portugal, se o direito
francês invalidar a venda, essa norma francesa é aplicável
independentemente de o direito francês ser ou não a lei reguladora da
situação.

Se esta norma do art.º 215 do código civil francês for uma norma auto
– limitada, este problema coloca-se e por conseguinte temos de resolver
previamente esta questão. Eu pessoalmente entendo que de facto temos uma
situação de colisão no quadro do direito das obrigações, mas noutros
quadros legais não está afastada a aplicação de normas auto – limitadas e eu
entendo que pelo princípio da paridade de tratamento das ordens jurídicas,
tem de levar necessariamente a que aceitemos a aplicação no foro de normas
auto – limitadas estrangeiras. E mais. se nós aceitarmos isso, em termos de
protecção do património cultural, por maioria de razão devemos aceitar a
aplicação de normas auto – limitadas estrangeiras, tendo em conta quando
se trate de situações que protejam interesses pessoais e familiares. Se
realmente temos uma família francesa, existe uma norma francesa auto –
limitada que se quer aplicar, eu não vejo razão para nós afastarmos essa
norma. Por conseguinte neste caso, isso sem prejuízo de haver também
normas auto – limitadas portuguesas sobre aquela mesma questão, e até
haver situações de normas auto – limitadas estrangeiras poder ser contrária à
ordem publica internacional do Estado Português. não está em questão.

Nós podemos ter uma colisão de zonas de sobreposição entre duas


normas auto – limitadas, como podemos ter uma situação em que uma
norma auto – limitada estrangeira invade princípio fundamentais da ordem
publica internacional do Estado Português. num caso como este, nós temos
de avaliar a validade da norma.

O art.º 7 n.º 1 da convenção de Roma confere título de aplicação a que


tipo de normas? Às normas auto – limitadas de natureza obrigacional. Nós
colocámos a questão do art.º 7 da convenção de Roma, porque o seu
confronto com o art.º 16 da convenção sobre representação, apenas para
discutir a questão de validade no foro das normas auto – limitadas
estrangeiras. Eu pessoalmente entendo que o DIP português, no seu todo
reconhece validade de aplicação às normas auto – limitadas estrangeiras. E
407

se nós entendermos que era aplicável onde quer que a casa de família se
situe, então o art.º 215 do código civil francês será aplicável , mas se nós
definirmos auto – limitação no sentido que lhe é dado pela ordem jurídica
francesa como é efectivamente, de só se aplicar às casas de morada de
família situadas em França, então neste caso não é aplicável.

Em ultima instância, a solução é: esta norma é auto – limitada. O que


é que significa auto – limitada? Significa que ela restringe ou delimita o
âmbito de aplicação. E portanto, só se aplica em França. Ou só se aplica a
nacionais franceses. Só se aplica às situações que têm residência habitual em
França. Esta conexão explícita ou implícita, local – França, Residência
habitual – França, sociedade – francesa. Restringe o âmbito de aplicação da
norma, e é por isso que nós dizemos que ela é auto – limitada. Limita-se a si
própria. Limita o seu próprio âmbito de aplicação.

Neste caso aqui, esta norma tem sido interpretada no sentido de que
ela limita o seu âmbito de aplicação em atenção ao elemento de conexão,
neste caso implícito, que é a localização do bem em França. Se o bem está
situado em França, então ele se aplica, por isso é que é uma regra auto –
limitada.

Noutra situação, se a norma não é auto – limitada então se as relações


entre os cônjuges é regulada por hipótese pela lei francesa, e isso só no final
de resolvermos a hipótese é que se sabe qual é a lei reguladora, então neste
caso esta norma vai ser aplicada, não como norma auto – limitada, mas
como norma reguladora das relações familiares.

Regressando à nossa hipótese, nós estamos na situação em que já


decidimos que o art.º 215 é uma norma auto – limitada, portanto que é uma
norma que só se aplica às situações de casa de morada de família. Se por
hipótese, virmos que ela não é auto – limitada então põe-se o problema de
saber se ela é ou não é uma norma reguladora das relações entre os cônjuges.
LIÇÃO N.º 46 14/05/2003

Nós já sabemos que o direito internacional privado funciona segundo


a técnica da Depeçage por conseguinte a resolução de um caso concreto
deve funcionar segundo a mesma técnica, ou seja temos de individualizar as
situações da vida privada internacional, resolver cada situação
individualizada, de per si, depois retomar a final toda a relação privada
internacional como um todo.
408

No fundo nós vamos fazer uma operação de análise para depois


procedermos a uma síntese.

Nós não podemos pegar na totalidade da relação, nós não podemos


pegar na totalidade da situação privada internacional. Algumas vezes a
hipótese prática já traz individualizada quais são as situações que quer ver
resolvidas. Nalguns casos o caso prático já diz, qual é a lei aplicável à
capacidade? E nesse caso nós pegamos mesmo nesse problema, quando
questiona qual é a lei aplicável à capacidade, então pegamos no problema da
capacidade, e vamos com base nos dados fornecidos na hipótese, apurar a
resolução do problema. mas outras vezes a hipótese não diz qual é a situação
privada que quer ver resolvida. E então o que é que acontece? Neste caso é
o próprio aluno que tem que determinar quais são as questões privadas a
resolver. Este caso da nossa hipótese em apreço, não tinha. Dizia só para
analisar as pretensões dos interessados e indicar como deve o juiz português
decidir.

Basicamente o que temos neste caso é o seguinte. A e B são Suíços. A


vende a F por hipótese sem o consentimento de B, uma casa situada em
Portugal. São casados. Quando me perguntam que passos e que devemos
dar, reparem. Vamos ver primeiro as pretensões das partes. Há uma parte
que quer anular o negócio. Se uma parte quer anular o negócio, então nós
temos um problema em torno do negócio. Se temos um problema em torno
do negócio e o negócio é um contrato de compra e venda, então já temos
uma questão privada internacional para resolver, que é precisamente a
compra e venda internacional.

Neste caso vimos que não se aplicava a convenção de Roma, porque a


compra e venda tinha sido celebrada antes da entrada em vigor da
Convenção de Roma, é um dado que se tem de ter em consideração, no que
diz respeita à convenção de Roma, mas também no que respeita ao
regulamento comunitário, ao regulamento sobre o regime matrimonial, etc.,
mas não para esta fase porque nesta fase não se vai colocar nenhum
problema relacionado com competência internacional ou revisão de
sentenças estrangeiras.

Vamos portanto, recorrer ao art.º 41 do CC, que manda aplicar a lei da


autonomia, portanto a lei escolhida pelas partes, que neste caso é a lei
francesa, e a lei francesa é competente com base no art.º 15 do CC, para
409

regular as obrigações. Por conseguinte todas as normas que têm natureza


obrigacional, são aplicáveis, todas as normas francesas com natureza
obrigacional são aplicáveis.

Depois nós suscitaríamos outra questão. Porque é que B quer invocar


a nulidade da venda? Porque é casado com A. Está a apoiar-se numa relação
entre cônjuges. Por conseguinte vamos determinar a lei reguladora das
relações entre cônjuges. A lei reguladora das relações entre cônjuges,
recorrendo ao DIP português, convocamos o art.º 52 do CC que manda
aplicar a lei nacional comum, que neste caso é a lei Suíça, e a lei Suíça,
agora aqui é que introduzíamos o problema do reenvio.

Portanto, lei Suíça que por sua vez não se declara competente. Já
sabemos que aqui temos que perguntar qual é o DIP Suíço, para saber se ele
aceita a competência e aqui também naturalmente, normalmente quando há
autonomia da vontade não se colocam questões de reenvio, mas isto não
invalida que tenhamos que perguntar se o DIP Francês aceita a competência.
E o DIP Francês também aceita a competência porque em França está em
vigor a convenção de Roma. O problema fica imediatamente ultrapassado.
Por conseguinte perguntamos qual é o DIP Suíço, e o DIP Suíço manda
aplicar uma de duas leis:
 A lei do domicílio comum; (que não há)
 Ou então a lei da conexão mais estreita.

Já vimos que a conexão mais estreita era em Portugal. Isto significa


que o DIP Suíço manda aplicar o direito português. isto significa que a Suíça
faz devolução. Sempre que uma ordem jurídica não se declara competente,
significa que faz devolução. Se faz devolução vamos ter que recorrer ao
sistema de devolução. O seu sistema de devolução é o de devolução simples
em matéria de estatuto pessoal, e desde que a ordem jurídica chamada pela
regra de conflitos Suíça devolva para o direito Suíço.

Aqui há uma dúvida que pode ser colocada. É como é que nós
sabemos que o sistema de devolução Suíço é o de devolução simples. Porque
na devolução simples há uma remissão para o direito de conflitos e
excluindo o sistema de devolução. Por isso é que a devolução é simples. Na
dupla devolução ou devolução integral, há uma remissão para o DIP e para o
sistema de devolução. Na devolução simples fica suprimido o sistema de
devolução. Não há que enganar,
410

No DIP Suíço nós não temos esta indicação, não temos a indicação no
sentido de que faz devolução simples. A indicação que nós temos é a de que
ao remeter para uma ordem jurídica aceita o reenvio para a lei Suíça, em
matéria de estatuto pessoal. Portanto, tudo se passa como se em matéria do
estatuto pessoal, a Suíça aceitasse o sistema de devolução simples. Tudo se
passa como se a lei Suíça fizesse referência global à lei portuguesa, e
entendesse que a referência da lei portuguesa para a lei suíça como uma
referência material.

RG
LP LS
RM

Portanto em termos esquemáticos devolução simples é isto. Uma


referência global para a lei referenciada pela regra de conflitos, e entender
esta referência como referência material. A devolução simples, é uma forma
de facilitar a aplicação da lei do foro.

Portanto, neste caso significa que a Suíça se declara competente.


Portanto, se a lei suíça se declara competente, então não temos que aplicar o
art.º 18 do CC. O art.º 18 do CC não é aplicável a este caso. Porquê? Porque
não estão preenchidos os requisitos do art.º 18 do CC. Porque é que não
estão preenchidos os requisitos do art.º 18 do CC? Porque a ordem jurídica
suíça não remete para o direito material interno português. só quando remete
para o direito material interno português, porque faz uma referência global, é
que nós temos uma situação de retorno. Neste caso não há retorno. Há uma
referência com base no art.º 16 do CC. Significa que a lei suíça se declara
competente para regular as situações do estatuto pessoal.

Agora se a Suíça regula as situações do Estatuto Pessoal, qual é o


passo seguinte? o passo seguinte é perguntar se o direito material suíço
contém alguma norma à semelhança do código civil português, à semelhança
do código civil francês, que inviabilize a venda sem o consentimento de
ambos os cônjuges em determinadas situações. Não tem! Portanto, se não
tem isto significa que o direito suíço não coloca qualquer obstáculo à venda.

Tomando em consideração o regime obrigacional, não há uma norma


que inviabiliza a venda. Tomando em consideração o regime das relações
entre os cônjuges, também não há nenhuma norma que inviabiliza a venda.
411

Portanto, estamos a partir de fontes sucessivas para ver se realmente


viabilizamos ou não viabilizamos a venda.

Já vimos este regime conflitual, agora vamos ver o regime das normas
auto – limitadas, que não deixa de ser um regime conflitual porque como já
vimos para as normas auto – limitadas funcionarem requerem e têm
implícita também uma conexão. Essa conexão poderá ser a nacionalidade, a
residência habitual, o lugar da situação da coisa, têm sempre um elemento de
conexão implícito, ou explícito.

No nosso caso prático temos uma hipótese possível, que é o art.º 215
do código civil francês. Este artigo é considerado como uma norma auto –
limitada, mas a sua auto – limitação está dependente da conexão lex rei citae
ou seja, o que viabiliza a viabilidade desta norma do art.º 215 do CC francês,
é precisamente o lugar da situação da coisa. Por conseguinte, se a coisa não
está situada em França, logo, esta norma não tem aplicação. Portanto
também já inviabilizámos a aplicabilidade do art.º 215 do CC francês, como
norma auto – limitada. Aqui colocar-se-ia outro problema que é o problema
de normas auto – limitadas estrangeiras, e então entraríamos naquela querela
doutrinária no sentido de saber se as normas auto – limitadas estrangeiras
poderão ter ou não aplicação na ordem jurídica do foro, mas o problema nem
se punha porque esta norma auto – limitada estrangeira a sua auto –
limitação diz respeito aos imóveis situados em território francês. Por
conseguinte é um problema que também não se põe.

Agora, vamos ver se o art.º 1682 – A/2 do CC português, será ou não


aplicável. Aí já o problema se coloca da seguinte maneira: se nós
considerarmos este artigo como uma norma auto – limitada, no sentido de
que ela visa impedir a venda de casa de morada de família
independentemente da lei reguladora das relações entre os cônjuges, desde
que a casa de morada de família esteja situada em Portugal, então neste caso
visto que a casa de morada de família de A e B, está situada em Portugal,
então neste caso se considerarmos esta norma como uma norma auto –
limitada, significa que esta norma vai intervir nas relações entre os cônjuges
para obrigar A e B a estarem de acordo quanto à venda da casa de morada de
família. E não estando de acordo, haveria a anulação da venda.

Outra posição seria não considerarmos o art.º 1682-A como uma


norma auto – limitada. Se não é uma norma auto – limitada então temos que
a qualificar para saber qual é a regra de conflitos que lhe confere título de
412

aplicação, e a regra de conflitos que lhe confere título de aplicação há – de


ser o art.º 52 do CC, que regula as relações entre os cônjuges
independentemente do regime de bens. Neste caso o art.º 52 do CC manda
aplicar a lei nacional comum, a lei nacional comum é a lei suíça, e a resposta
é que sendo o art.º 1682 – A uma norma do direito português, e não uma
norma do direito suíço, então não é aplicável.

LP art.º 52CC LNC LS Venda válida

Por conseguinte, em tese final, a lei do negócio não inviabiliza a


venda, porque não tem nenhuma norma que considere a venda anulável. A
lei da relações entre os cônjuges, a lei do negócio jurídico a lei reguladora do
contrato de compra e venda que é a lei francesa, não inviabiliza o negócio, a
lei das relações entre os cônjuges não inviabiliza o negócio porque não tem
nenhuma norma. O art.º 215 do CC francês não é aplicável porque como
uma norma auto – limitada só se aplica às casas de família situadas em
França. O art.º 1682 – A do CC português, se nós o considerarmos como
uma norma auto – limitada, já será aplicável porque a casa de morada de
família está situada em Portugal, e nesse caso o negócio será anulável. Mas,
se nós entendermos que o art.º 1682 – A do CC não é uma norma auto –
limitada a sua fonte de aplicação que é o art.º 52 do CC, logo aplica-se a lei
nacional comum, que é a lei suíça, portanto sendo o art.º 1682 – A uma
norma portuguesa não é aplicável ao caso.

Nós podíamos dizer. Neste caso temos de tomar uma posição. A


posição está aqui. Ou dizemos seguindo as pegadas de prof. Marques dos
Santos, dizendo que se trata de uma norma auto – limitada. Eu defendi
sempre esta ideia defendida pelo prof. Marques dos Santos, no sentido de
que se trata de uma norma auto – limitada. Porque não parecia fazer sentido
tratar diferentemente uma família pelo simples facto de ela ter sido
constituída à luz de leis diferentes, ou seja, eu penso que a constituição
portuguesa preconiza uma igualdade das famílias, portanto há um direito à
família e há o direito à igualdade das famílias. E neste sentido sempre
entendi que esta norma seria auto – limitada ou seja, todas as casas de
morada de família situadas em território português seriam protegidas pelo
art.º 1682 - A. Todavia, há um argumento que eu penso que não é de
desconsiderar. Tendo em conta o paralelismo entre as ordens jurídicas, o
equilíbrio que deve existir entre as ordens jurídicas, então parece que temos
que ver se aquela ordem jurídica aplicável ao caso não poderá ter os seus
próprios mecanismos de protecção.
413

Reparem que isto é um mecanismo de protecção da casa de morada de


família. Não há dúvidas. Agora, será que as outras ordens jurídicas não
poderão também ter os seus próprios mecanismos de protecção. À partida
nós podemos não saber. E então poderá ser exagerado atribuirmos carácter
auto – limitado ao art.º 1682 – A do CC português, numa situação em que
realmente a própria ordem jurídica já protege a casa de morada de família,
ou já protege a família pelos seus próprios meios. Penso que temos
argumentos de peso a favor e contra as duas teorias.

Se nós seguíssemos aqui o ponto de vista do Prof. Lima Pinheiro o


cônjuge poderia vender o imóvel independentemente do consentimento do
outro cônjuge, porque o art.º 1682 – A do CC não é aplicável.

Neste caso qualquer um de nós ao resolver o caso tem de se colocar na


situação do juiz e questionar se fosse juiz como é que decidiria. Eu digo com
toda a honestidade. Se eu fosse juiz eu observaria as duas ordens jurídica,
portanto, neste caso a Suíça e a portuguesa, e veria se a lei suíça conferia
protecção à casa de morada de família, e se efectivamente não conferisse
protecção à casa de morada de família, eu aplicaria o art.º 1682 – A do CC.
Mas as pessoas vão dizer que estava a fazer batota, porque realmente não e
esta solução que devia dar. Reparem o que é que acontece. De duas uma. Em
termos científicos nós não podemos dizer que o art.º 1682 – A é uma norma
auto – limitada e não é ao mesmo tempo. E num caso concreto nós não
podemos pegar nela como sendo uma norma auto – limitada, ou pegar nela
como não sendo uma norma auto – limitada. Isto de facto é batota. Em
termos científicos. Agora, em termos de dar solução concreta ao caso, em
termos de ir à procura da norma que protege a família, eu não teria nenhuma
dúvida em viabilizar esta via. Mas há ainda uma outra via, que é a de
respeitar o aspecto científico da questão, considerar nomeadamente, e vamos
supor que seguíamos o ponto de vista do Prof. Lima Pinheiro, o art.º 1682 –
A não é aplicável porque não se trata de uma norma auto – limitada, então o
que é que nos vai surgir? Vai-nos surgir uma situação em que a família fica
eventualmente sem protecção. Uma família sem protecção é uma condição
de ordem pública, é uma razão de ordem pública que nos suscita. Viola o
princípio de igualdade de tratamento das famílias, e viola também o próprio
princípio da protecção da família, que está consubstanciado na constituição.

E isso nos levaria neste nem sequer é afastar a norma suíça, nos
levaria a criar uma norma que integrasse a próprio ordem jurídica suíça, até
414

porque isto agora acaba por se tornar num caso interessante, porque nós
poderíamos fazer essa integração no quadro da própria lei suíça criando uma
norma no quadro da própria lei suíça, para resolver a situação de falta de
protecção, porque se nós não temos normas que protejam então temos uma
lacuna.

Na situação em que nós considerarmos que o art.º 1682 – A do CC


não é uma norma auto – limitada e que portanto, não é aplicável ao caso, se
não é aplicável ao caso, nós temos uma situação em que A pode vender a
casa de morada de família independentemente do consentimento de B. O que
nós podemos perguntar é se isto poderá ser consentido pela ordem jurídica
portuguesa? Se realmente isto afrontar de modo flagrante o nosso princípio
de protecção de família não será que num caso como este não podemos
recorrer à ordem pública internacional?

Não nos podemos esquecer que a intervenção da reserva da ordem


pública internacional tem um conjunto de pressupostos que não podemos
deixar de ter em consideração. Só actua no caso concreto. Naturalmente nós
falamos em normas de ordem pública, e em princípios de ordem pública,
mas muitas vezes em face de um determinado caso concreto a ordem pública
funciona, e face a outros casos aparentemente iguais pode não funcionar.
Tudo depende das características que rodeiam o próprio caso.
A harmonia de julgados é um princípio formal. O princípio de
harmonia de julgados não pressupõe o resultado material. Pressupõe a
aplicação a uma mesma situação transnacional da mesma ordem jurídica
onde quer que o caso seja trabalhado.

O princípio de harmonia de julgados diz que uma situação em


contacto com Portugal, com a Alemanha e com a França, deve ser resolvida
pela lei francesa quer seja julgada em Portugal, na Alemanha ou em França.
Então o que é que acontece? Se for julgado em Portugal, e aplicando a lei
francesa nós podemos ser levados a fazer intervir a nossa reserva de ordem
pública internacional. O que acontece é que em vez desta situação, se ela
fosse julgada em França, a França não podia fazer intervir a sua reserva de
ordem pública, porque a lei francesa não faz intervir a reserva de ordem
pública relativamente à sua própria lei. mas também haveria uma outra
diferença que é a de que a Alemanha tem um conceito de ordem pública
muito mais restritivo que o conceito de ordem pública do Estado Português.
e então as soluções materiais dadas aquele caso concreto poderiam ser
diversas não obstante haver harmonia de julgados.
415

A reserva de ordem pública intervém normalmente para afastar uma


norma. Uma norma cujo conteúdo seja contrário aos princípios fundamentais
da ordem jurídica do Estado português. eu pergunto se temos aqui uma
norma? Nós não temos norma nenhuma. O que nós temos é uma omissão.
Agora vamos supor que a ordem jurídica suíça tivesse uma norma que
permitisse a venda dos imóveis independentemente do consentimento dos
cônjuges. Aqui tínhamos um caso interessante em que tínhamos que extrair
eventualmente uma norma implícita do direito suíço que autorizava a venda
da casa de morada de família independentemente do consentimento do
cônjuge, para podermos ter uma norma relativamente à qual pudéssemos
fazer funcionar a reserva de ordem pública.

HIPÓTESE

Ho Chi e Xu Van Tan cidadãos tailandeses, contraíram matrimónio


na Tailândia segundo um costume local que consistia na reunião de 8
testemunhas, além dos pais e familiares, e a declaração dos nubentes
de que se aceitam reciprocamente como marido e mulher.

O casal mudou a sua residência para Portugal, onde Xu Van Tan se


enamorou de Figo e, por acordo com Ho Chi, foram registar o seu
divórcio na embaixada da Tailândia.

Pretende agora Xu contrair casamento com Figo.

Para o efeito, dirigiu-se à embaixada Tailandesa onde obteve o


certificado de capacidade matrimonial, mas o conservador do registo
civil recusou-se a atribuir efeitos de direito ao divórcio entre Ho Chi e
Xu Van Tan, considerando-o nulo por violação das normas
portuguesas aplicáveis à forma e à substância do divórcio.

Como aprecia a decisão do conservador?

Neste caso também nós não temos a individualização das questões a


resolver. Então que questões transnacionais é que nós temos aqui. Temos
uma situação de casamento, e temos uma questão de divórcio, e também de
capacidade para contrair o casamento.
416

No fundo temos divórcio e casamento. Já individualizámos as


questões a resolver, vamos pegar em cada uma delas com os dados que
temos. Para alguém se divorciar é necessário que esteja casado. Por
conseguinte é necessário que esteja validamente casado. Por conseguinte
vamos apreciar a validade deste casamento.

Quando nós temos situações como contratos, o casamento é um


contrato, temos sempre que colocar problemas de forma e problemas de
substância.

Qual é a norma que regula a forma do casamento? É o art.º 50 do CC


que manda aplicar a lei do lugar da celebração. É a lei Tailandesa. Se é a lei
Tailandesa, eu pergunto foi observada alguma forma? Foi observada uma
forma porque forma inclui também formalidades. Todo o processo
preliminar de publicações, é forma do casamento. Os banhos, etc., tudo isso
é forma do casamento. A exigência do certificado de capacidade
matrimonial é forma do casamento. É claro que nestas coisas há sempre
forma e substância um pouco diluídas, porque por exemplo o certificado de
capacidade matrimonial, faz parte do iter processual com vista à celebração
do casamento. Todavia, para se emitir o certificado de capacidade
matrimonial, vai ter que se ir à procura dos aspectos substanciais atinentes à
pessoa que solicita o certificado de capacidade matrimonial. Portanto, se
alguém pedir um certificado de capacidade matrimonial, vai-se verificar se
se reúnem naquela pessoa os elementos que lhe permitem celebrar
casamento. Se é casado por exemplo, ou então se for divorciado e se aquela
lei não permite celebrar casamento, portanto há aspectos substanciais que
intervêm na realização de determinadas formalidades, que são as tais
formalidades chamada à Substância.

Por conseguinte neste caso foi observada uma forma, que é a forma do
casamento adoptado pela lei tailandesa, que é reunião dos pais, dos amigos,
etc., e a declaração solene de que realmente aquelas pessoas se aceitam
reciprocamente como marido e mulher. Por conseguinte, há uma forma
observada.

E no que diz respeito à substância? É a lei pessoal, lei nacional


comum, também a lei tailandesa. Eu pergunto se terão sido observados os
aspectos relacionados com a substância do casamento? Em princípio terão
417

sido. Não há nenhuma razão para admitir que não terão sido. A hipótese não
se refere a isso, vamos admitir que sim que foram observados.

O que se passa nesse tipo de casamentos aos quais nós chamamos


casamentos informais. O próprio nome de informal é muito utilizado em
direito internacional privado dizer que se tem um casamento informal, mas
reparem que como aparece tomando como relação as nossas próprias
modalidades, porque para eles não é um casamento informal, é um
casamento formal. Quando nós estamos a dizer que estamos face a um
casamento informal eu digo que não sei se é bem assim, porque
efectivamente eles observaram a forma prescrita na lei local. Não é uma
forma tão solene como a nossa, em que realmente há os tais banhos, os
processos preliminares, etc., mas o que é certo é que eles observaram uma
determinada forma.

Há a questão do registo. Na união soviética onde existia, existindo


ainda na actua Rússia, estes casamentos informais, eles estão sujeitos a
registo. Portanto, as pessoas casam-se segundo esta informalidade e depois
vão registar o casamento.

Por conseguinte nós podemos admitir que o casamento é válido para


todos os efeitos legais.

Agora vamos ao divórcio. No que respeita ao divórcio nós podíamos


também colocar problemas de forma, e problemas de substância. Qual é a lei
que regula a forma do divórcio? Não está previsto na lei. decorre de onde? O
art.º 50 regula a forma do casamento, não a do divórcio. Quando é assim
recorram à vossa experiência prática. Quando uma pessoa se quer divorciar
o que é que faz? Qual é a lei que regula a forma? vamos supor que dois
nubentes se querem divorciar. É a lei do foro. Quanto ao art.º 50 ele prevê a
lei para a forma do casamento e não sei se a letra da lei permite fazer a
passagem do casamento para o divórcio, segundo porque há uma espécie de
tradição histórica no sentido de que as pessoas podem casar-se perante o
notário, já divorciar-se só o podem fazer perante os tribunais.

Então, neste caso na verdade acaba por ir resultar sempre na lei do


lugar da celebração, lei do lugar onde o acto é praticado, mas reparem que
este artigo, o art.º 50 do CC, é aplicável à lei do lugar da celebração, onde
quer que se dê essa celebração. Nós neste caso temos é de fixar a
competência do tribunal português para realizar o divórcio.
418

Para resolver isto têm que recorrer àquele princípio da lex fori como
lei do processo. Quando nós começámos a parte especial do DIP, fixámos o
princípio de que a lex fori é a lei do processo. Por conseguinte neste caso
aplicamos esta regra que está consubstanciada em várias soluções, e que nós
podemos dizer que esta norma do art.º 50, do art.º 36 do art.º 65 todas as
normas que postulam a lei do lugar do acto a praticar no fundo
correspondem à ideia da lex fori.

Mas temos este princípio fundamental que é já um princípio


costumeiro e que postula que a lex fori é a lei do processo, por conseguinte
se forma e processo são uma e a mesma coisa então neste caso podemos
considerar que a lei do processo é a lex fori.

No caso da nossa hipótese é a lei portuguesa. Mas ainda não acabam


aqui os problemas. Portanto se é a lei portuguesa, eles foram fazer o seu
divórcio no consulado da Tailândia. Eu pergunto. O direito português
consentirá nesta solução? É que daí é que começam a surgir os problemas
desta hipótese. O direito português consentirá nesta solução?
A questão que se nos coloca é saber se nós podemos reconhecer a
competência do consulado Tailandês para viabilizar o divórcio. Estas são
matérias em que tradicionalmente os Estados têm competência exclusiva.
Não sei se repararam mas no código civil encontram uma norma que permite
que os consulados possam celebrar casamentos, que é o art.º 51 do CC,
desvios em matéria de casamento.

Artigo 51º - (Desvios) ”1 - O casamento de dois estrangeiros em


Portugal pode ser celebrado segundo a forma prescrita na lei
nacional de qualquer dos contraentes, perante os respectivos agentes
diplomáticos ou consulares, desde que igual competência seja
reconhecida por essa lei aos agentes diplomáticos e consulares
portugueses. 2 - O casamento no estrangeiro de dois portugueses ou
de português e estrangeiro pode ser celebrado perante agente
diplomático ou consular do Estado português ou perante os ministros
do culto católico; em qualquer caso, o casamento deve ser precedido
do processo de publicações, organizado pela entidade competente, a
menos que ele seja dispensado nos termos do artigo 1599º. 3 - O
casamento no estrangeiro de dois portugueses ou de português e
estrangeiro, em harmonia com as leis canónicas, é havido como
casamento católico, seja qual for a forma legal da celebração do acto
419

segundo a lei local, e à sua transcrição servirá de base o assento do


registo paroquial”,

O divórcio é daqueles actos em que tradicionalmente ficaram adstritos


ao tribunal. O que eu pretendo com esta hipótese, é demonstrar que o direito
de conflitos português já está em desintonia com a situação actual do próprio
direito português. o que é que eu pretendo dizer com isso? Quando o direito
português vem permitir que as conservatórias possam realizar o divórcio por
mútuo consentimento, então, estão esta norma que também permitia que os
consulados estrangeiros que quando no seu papel de conservador, realizar
casamentos, reparem que a aplicação desta norma tem de se ter em
correlação com aquela ideia.
LIÇÃO N.º 47 20/05/2003

Tínhamos ficado na ultima aula a ver o caso relacionado com o


divórcio. Neste caso nós temos um casamento a que chamamos casamento
informal. Em direito internacional privado têm que estar de sobreaviso
relativamente aos chamados casamentos informais porque são casamentos
que não estão sujeitos àqueles procedimentos a que nós estamos habituados,
e neste caso eles colocam quase sempre um problema de qualificação.

Os problemas de qualificação desse tipo de casamentos prendem-se


fundamentalmente com a questão de saber em que conceito – quadro é que
nós vamos encaixar esse casamento. Reparem que o art.º 49 do CC diz,

Artigo 49º - (Capacidade para contrair casamento ou celebrar


convenções antenupciais) ”A capacidade para contrair casamento
ou celebrar a convenção antenupcial é regulada, em relação a cada
nubente, pela respectiva lei pessoal, a qual compete ainda definir o
regime da falta e dos vícios da vontade dos contraentes” ,

Reparem que, o legislador está a pensar na sua própria ordem jurídica.


Está a pensar em questões de capacidade, celebração de convenções
antenupciais, regime de bens, está a pensar como uma pessoa que está dentro
da ordem jurídica portuguesa. Não está a pensar naquelas ordens jurídicas
em que realmente os problemas de capacidade não se colocam. Quer dizer,
quando duas pessoas decidem fazer um casamento informal não se lhes
coloca um problema de capacidade. Só se for à posteriori. Até um demente
pode celebrar esse tipo de casamento. Até uma pessoa que já esteja
anteriormente casada pode celebrar esse tipo de casamento. É evidente que,
420

tudo se passa, para nós avaliarmos esse tipo de casamentos, realmente em


alguns casos podemos ser chamados a fazer intervir a reserva de ordem
pública. Por exemplo, se de facto chegarmos à conclusão que um casamento
informal validamente celebrado numa determinada ordem jurídica é um
casamento poligâmico pode justificar fazer intervir a reserva de ordem
pública.

Se por acaso for um casamento que partiu de um conjugicídio, que é o


homicídio do outro cônjuge, para poder celebrar casamento com um terceiro
cônjuge, que não é permitido na ordem jurídica portuguesa, e eu não sei se
realmente o conjugícidio não será um factor de ordem pública, portanto
justificará a intervenção da reserva de ordem pública internacional do Estado
Português. São esses os problemas que os casamentos informais colocam,
para dizer o seguinte. A ordem jurídica portuguesa, o nosso direito de
conflitos não foi pensado para esses casamentos, e isso obriga-nos a todo o
tempo a ajustamentos na aplicação da regra de conflitos. Ajustamentos que,
passam por exemplo não averiguar a aplicabilidade ao caso da capacidade,
não averiguar da aplicabilidade de uma determinada norma, ou então, fazer
adaptações na sua aplicação.

Aluno: não entrará aqui aquela ideia de que o Estado português


poderia eventualmente reconhecer, nomeadamente por exemplo nesta
situação, um casamento informal onde não aparecesse integrado nele
nenhuma parte que fosse portuguesa, porque é uma questão longe da nossa
ordem jurídica, mas se um dos cônjuges fosse português provavelmente aí já
interviria para fazer intervir a reserva de ordem pública. Portanto, aqui nós
poderíamos eventualmente admitir que o casamento destes dois estrangeiros
em Portugal mas sendo ambos estrangeiros casados com as formalidades das
suas ordens jurídicas, não faziam mossa na nossa ordem jurídica e portanto
poderíamos eventualmente admitir esse casamento.

Não está errado esse pensamento até porque nós temos um casos
desses. O caso da apresentadora da SIC Bárbara Guimarães com o ex –
ministro da cultura Manuel Maria Carrilho. A Bárbara Guimarães celebrou
um casamento informal. Foi na Republica Dominicana, e não sei até que
ponto esses casamentos produzem efeitos naquela ordem jurídica, mas num
caso como este eu acho que realmente há alguma dificuldade em aceitar esse
casamento. Já agora nós podemos conversar um pouco sobre este casamento
da Bárbara e ver em que medida é que ele deveria produzir efeitos de direito
na ordem jurídica portuguesa. Na altura alguém apareceu na televisão a dizer
421

eu o casamento não tinha valor na ordem jurídica portuguesa, mas o que é


certo é que ela não pôde celebrar casamento.

Já agora com os conhecimentos que vocês têm de direito internacional


privado, como é que apreciariam o caso da Bárbara? Vamos supor que dois
portugueses vão à Republica Dominicana e decidem celebrar lá um
casamento informal e vamos supor que na Republica Dominicana esse
casamento é válido e produz todos os efeitos de direito. Eu pergunto: qual é
o valor desse casamento na ordem jurídica portuguesa?

Aluno: temos que ver a questão da capacidade para contrair o


casamento e depois a questão da forma. A capacidade é regulada pela Lei
Pessoal. Art.º 49 do CC. Logo a lei pessoal é a lei portuguesa a regular a
questão da capacidade para contrair casamento. Se eles não tivessem
casamentos anteriores não dissolvidos, ou não tivessem outros
impedimentos, em termos de capacidade poderiam casar. Mas depois o art.º
50 quanto à forma diz que a forma do casamento é regulada pela lei do
Estado em que o acto é celebrado, portanto, se o acto é celebrado na
Republica Dominicana a forma desse casamento será regulada pela forma
que a lei da Republica Dominicana determinar.

Vamos admitir que a Republica Dominicana se declara competente e


se considera competente para regular a forma do casamento.

Neste casso vamos contentarmo-nos com o art.º 50 do CC,

Artigo 50º - (Forma do casamento) ”A forma do casamento é


regulada pela lei do Estado em que o acto é celebrado, salvo o
disposto no artigo seguinte”,

O art.º 51 do CC será aplicável? O art.º 50 prevê apenas três


situações:
 Casamentos de dois estrangeiros em Portugal celebrado perante
agentes diplomáticos e consulares;
 Casamentos de dois estrangeiros ou de dois portugueses perante
embaixada ou consulado do Estado Português no estrangeiro;
 Casamento de portugueses ou estrangeiros em harmonia com as leis
canónicas.
422

A nosso hipótese não se integra em nenhum desses três pontos. O prof.


Marques dos Santos admite que esta disposição do art.º 51 do CC porque ela
ofende o princípio da liberdade religiosa.

No que respeita aos casos dos casamentos informais os problemas de


formalidades são resolvidos pela lei local. É a lei do lugar da celebração que
determina qual é a forma que deve ser observada para nós podermos
considerar que aquele casamento é válido.

Aluno: eu acho que temos é de depois conjugar isso com o art.º 1651
do CC que determina que os casamentos estão sujeitos a registo. Aquele
casamento é válido mas para surtir efeitos na ordem jurídica portuguesa o
estado português obriga a que esse casamento seja registado.

Sem dúvida. É isso mesmo. Portanto num caso como este, eu não sei
se o casamento da Bárbara terá sido registado ou não, mas o casamento
anterior não dissolvido constitui impedimento para contrair novo casamento.
Há por aí alguma jurisprudência que andou a ser seguida durante muito
tempo, em que se dizia que a transcrição era condição de eficácia do
casamento em Portugal. Não é obrigatório. Por exemplo o casamento de dois
estrangeiros não era obrigatório proceder-se à sua transcrição. Mas pode
transcrever-se. no que respeita a portugueses há essa obrigatoriedade de
transcrição, mas não havendo transcrição ainda assim constitui um
impedimento.

Aluno: provavelmente foi por isso que a Bárbara Guimarães não se


pôde casar.

Provavelmente foi por isso.

Aluno: não se pode ver aqui uma fraude a lei? assim dois portugueses
que em Portugal não se podiam casar, iam à Republica Dominicana e já
podiam casar.

Aluno. Não há fraude à lei, porque em matéria de capacidade para


contrair casamento a lei que regula é a lei pessoal, e portanto seria sempre a
lei portuguesa a determinar a capacidades desses nubentes.

Não se esqueçam de que o facto de o casamento ser informal, a


formalidade ou a informalidade daquela ordem jurídica, não vale para
423

substituir as exigências substantivas feitas pela ordem jurídica portuguesa,


ou seja, aquele casamento só é válido se realmente corresponder às
exigências feitas pela lei material portuguesa. Por conseguinte no caso do
casamento da Bárbara, ainda que a ordem jurídica da Republica Dominicana
considerasse que pelo simples facto de terem celebrado aquele casamento,
eles eram considerados validamente casados, e a esse casamento aplicar-se
mesmo do ponto de vista da sua substância a lei da Republica Dominicana,
isto não tinha valor para nós, porque de acordo com a nossa regra de
conflitos tínhamos de fazer a separação do que é forma do que é substância.
Então dentro daquele casamento nós teríamos de fazer uma espécie de
depuração. Íamos ver o que é forma e quanto a isso reconheceríamos
competência à ordem jurídica da Republica Dominicana. Mas em tudo
quanto seja substância houve uma intromissão digamos abusiva dessa ordem
jurídica na ordem jurídica portuguesa, e nesse caso vamos afastar ou ignorar
pura e simplesmente, e aplicar o direito português.

Neste caso o casamento da Bárbara é todo ele regulado do ponto de


vista da capacidade, regime de bens, convenções ante – nupciais, das
relações pessoais e patrimoniais entre os cônjuges, tudo pela lei portuguesa.

Regressando à nossa hipótese inicial, a questão essencial desta


hipótese é em primeiro lugar a questão do casamento informal que nós já
vimos, e em segundo a questão do divórcio informal. No fundo são duas
questões. A questão de saber se os consulados podem divorciar, e reparem
que nós temos uma norma que permite que os consulados possam celebrar
casamentos, mas nós não temos uma norma que permita que os consulados
possam divorciar.

“O casamento de dois estrangeiros em Portugal pode ser celebrado


segundo a forma prescrita na lei nacional de qualquer dos contraentes,
perante os respectivos agentes diplomáticos ou consulares, desde que igual
competência seja reconhecida por essa lei aos agentes diplomáticos e
consulares portugueses”

O problema que se coloca é de saber se nós podemos fazer uma


aplicação analógica desta disposição do art.º 51/1 do CC? Ou seja o divórcio
de dois estrangeiros em Portugal pode ser celebrado segundo a forma
prescrita na lei nacional de qualquer dos contraentes perante agentes
diplomáticos e consulares. Concordam com esta solução?
424

O nosso direito de conflitos não foi pensado para estes divórcios


informais. Para dois Tailandeses que estejam em Portugal, quem tem
competência para aplicar os efeitos do divórcio não é o consulado da
Tailândia, de acordo com a lei vigente, é o tribunal português. se bem que
neste momento já exista o divórcio na conservatória por mútuo acordo.

Se nós considerarmos o art.º 51 do CC como ele é um desvio em


matéria de forma, se nós o considerarmos uma norma excepcional, temos aí
um outro problema a resolver, que é o de considerando-a como uma norma
excepcional ela não admitir aplicação analógica.

Qual é a lei competente para regular a forma do divórcio em regra? A


lex fori, a lei do processo. Eu de jure condendo não tenho nenhuma dúvida
em aceitar esse divórcio realizado no consulado porque é a questão do
casamento celebrado em consulado Cabo Verdeano aqui em Portugal por
exemplo, podem divorciar-se na Tailândia, e esse divórcio na Tailândia
produz efeitos na ordem jurídica portuguesa, porque é que o feito no
consulado há – de ser diferente? E até se aplicássemos a teoria da extensão
territorial era um problema que ficaria imediatamente ultrapassado.

LIÇÃO N.º 48 21/05/2003

(correcção do teste)

Eu gostaria de fazer menção a algumas falhas que foram cometidas.

A primeira grande falha foi a questão de se saber como delimitar a


competência das ordens jurídicas em razão do contrato, em razão da
substância, em razão da forma e em razão dos direitos reais.

Outra falha que muita gente cometeu foi aplicar o art.º 41 e 42 do CC,
associada à convenção de Roma. Nós já sabemos que isto não pode ser. E já
foi dito variadíssimas vezes. Outras pessoas até cometeram o erro de aplicar
o art.º 41 e 42 por força da convenção de Roma. Isto é um erro mais grave
ainda. Porque a convenção de Roma, viabiliza a aplicação de normas
materiais, não viabiliza, jamais, a aplicação de direito de conflitos. Por
conseguinte o que fizeram foi um direito de conflitos viabilizarem a
aplicação de outro direito de conflitos. Não faz sentido. Não faz sentido uma
pessoa aplicar as regras do código civil por força das regras da convenção de
Roma.
425

Nós funcionamos com a convenção de Roma como se fosse lei em


vigor em Portugal e a delimitação da competência da convenção de Roma e
o código civil faz-se nos mesmos termos em que nós andamos a estudar a
divisão de competência dos regulamentos com o código de processo civil, ou
com o código de processo de trabalho, portanto com o regime processual
interno.

Quando é que nós aplicamos a convenção de Roma? Aplicamos a


convenção de Roma sempre que se trata de uma matéria disciplinada pela
convenção de Roma. E a matéria disciplinada pela Convenção de Roma, são
fundamentalmente as obrigações contratuais. Existem matérias acessórias,
como o ónus da prova, a prescrição, as presunções, etc., mas estas matérias
digamos que são acessórias. E vamos ver quais são as normas da convenção
que viabilizam a aplicação dessas matérias.

Mas em regra, se nós temos um problema de natureza obrigacional,


aplicamos a Convenção de Roma para determinar a lei material aplicável,
não serve nunca para determinar outro direito de conflitos aplicável, porque
a convenção de Roma já é direito de conflitos.

Outro erro que os alunos cometeram foi terem começado a ler o art.º 4
da convenção de Roma, e não chegarem ao fim. Por exemplo aplicaram a lei
do lugar da residência habitual do devedor da prestação característica
quando naquele caso concreto havia uma norma específica para regular a
questão. Se A vende a B um imóvel, na verdade a prestação característica é a
entrega do imóvel. Não há dúvida quanto a isso. Mas nós só recorremos à
prestação característica quando não existe uma presunção específica. A
presunção geral contida no n.º 1 do art.º 4 só se aplica se não houver
presunções particulares previstas nos demais números do art.º 4 da
Convenção de Roma.

O que aconteceu foi os alunos terem lido o n.º 1 do art.º 4 e dois e


depois deram o caso como encerrado e não chegaram ao n.º 3 do art.º 4 da
Convenção de Roma. Era aí que estava a resposta. No caso da nossa hipótese
a resolução final coincidia quer se aplicasse o n.º 1 ou o n.º 3 porque o
Bernardo tinha residência habitual em Portugal, ele era o devedor da
prestação característica, a lei portuguesa, e o imóvel estava também situado
em Portugal. Mas reparem que podia não ser assim. Porque o elemento
426

residência habitual é um elemento de conexão móvel. A disposição aplicável


na nossa hipótese era o art.º 4 n.º 3.

Outra falha cometida. No que respeita à pergunta do primeiro grupo


alínea A, comente a seguinte afirmação “a constituição constitui sempre um
limite autónomo à aplicação do direito estrangeiro”. Quando nós
estudámos o art.º 14 do CC, chamei a atenção para que não fizessem
confusão entre direito estrangeiro, e direito dos estrangeiros. São duas
situações diferentes. Quanto ao estatuto do estrangeiro nós já sabemos que é
um estatuto de igualdade, que está previsto no art.º15 do CC. No art. 14 do
CC o estatuto é reafirmado, coloca-se um problema de inconstitucionalidade
no que diz respeito ao art.º 14 n.º 2 do CC. O Prof. Lima Pinheiro é das
pessoas que entende está ferido de inconstitucionalidade, porque viola o
princípio da igualdade perante a lei, e depois temos por aí um conjunto de
limites sobre o estatuto do estrangeiro, temos um conjunto de princípios
internacionais que estão consubstanciados na declaração universal dos
direitos do homem, etc., há também um estatuto muito significativo da
condição jurídica do estrangeiro que está nas convenções da Organização
Internacional do Trabalho, portanto, e mais esse estatuto também está
consubstanciado nas convenções bilaterais assinadas entre Portugal, e países
estrangeiros, de onde resulta que o estatuto do estrangeiro está
consubstanciado num conjunto de normas jurídico – materiais de fonte
interna ou de fonte internacional, que definem os direitos, ónus, obrigações
jurídicas aplicáveis aos estrangeiros.

Não tem rigorosamente nada que ver com o estatuto do direito


estrangeiro. Quando nós estamos a falar do estatuto do direito estrangeiro, o
que nós estamos a perguntar é quando a regra de conflitos mandar aplicar
uma lei estrangeira, e como nós sabemos as regras de conflitos por força da
sua bilateralidade aplicam tanto a lei portuguesa, como a ei estrangeira,
portanto quando manda aplicar a lei estrangeira, a questão que se coloca é
qual é o estatuto desta lei.

O estatuto desta lei é basicamente o seguinte. nós consideramos o


direito estrangeiro como verdadeiro direito. Naturalmente que vocês dirão
que esta resposta não tem muito significado, porque se é direito estrangeiro
ele é também direito. Não é assim. Há ordens jurídicas que consideram o
direito estrangeiro como mero facto. Se é um mero facto o seu estatuto é
completamente diferente do que sendo direito. É que sendo direito ele é
aplicado no quadro do sistema em que se insere. Ele é interpretado e
427

integrado no quadro do sistema em que se insere, ao passo que sendo mero


facto ele é interpretado como qualquer outro facto no quadro da ordem
jurídica do foro.

Isso está basicamente previsto nos art.º 23, nos art.º 348 do CC, e no
art.º 731 do CPC entre outras disposições que definem o estatuto jurídico do
direito estrangeiro.

Agora, a questão que se colocava no que respeita ao limite autónomo


de aplicação do direito estrangeiro, foi uma questão levantada pelo prof.
Moura Ramos, que veio defender o seguinte:
 As normas e os princípios constitucionais podem inviabilizar a
aplicação do direito estrangeiro, e podem inviabilizar a jusante.
Neste caso se é a jusante que é do ponto de vista da ordem
pública internacional. Ou seja, quando a regra de conflitos
manda aplicar uma determinada lei estrangeira, esta lei pode
conter normas que pelo seu conteúdo ofendam princípios
fundamentais da ordem pública internacional do Estado
Português, e neste caso estas normas serão concludidas, faz-se
actuar a reserva de ordem pública, e a reserva de ordem pública,
nós já sabemos, actua de uma forma crescente, ou seja, no
fundo nós utilizamos uma espécie de ordem pública atenuada,
mas que vai progredindo à medida em que a ordem jurídica não
dá resposta aquela questão concreta. O que se passa é o
seguinte. Afastada aquela norma que viola princípios
fundamentais da ordem publica internacional do Estado
português, primeiro nós vamos ver no quadro da ordem jurídica
em que ela se insere se é possível encontrar resposta para a
questão colocada. Não encontrando resposta para a questão
colocada o código civil manda aplicar o direito português. mas
eu penso, e o prof. Lima Pinheiro também está de acordo com
este ponto de vista, que nós podemos ainda encontrar formas de
integração no quadro daquela ordem jurídica antes de nós
recorrermos à ordem jurídica portuguesa para resolver a
questão. Portanto, isto é a intervenção da reserva da ordem
pública e da intervenção da constituição a jusante. O que é que
veio defender o Prof. Moura Ramos? Veio defender que é
possível fazer uma economia de raciocínio, ou seja, há situações
em que nós não necessitamos de fazer todo este percurso até
chegar a uma norma que vamos ter de afastar. É possível a
428

constituição funcionar de uma forma autónoma, como limite à


aplicação desta lei estrangeiro, que nós posteriormente iríamos
afastar. Esta é a teoria da constituição funcionar como limite
autónomo à aplicação da lei estrangeira.

A hipótese académica é precisamente a questão do direito à vida.


Vamos supor que nós queremos saber se uma pessoa tem direito à vida. O
direito à vida que direito é que é? É um direito de personalidade. Portanto, se
é um direito de personalidade, recorremos ao art.º 27 do CC e perguntamos
qual é a lei que diz se a pessoa tem ou não direito à vida. O art.º 27 do CC
responde que é a lei pessoal, e depois a seguir vemos que a lei pessoal é a lei
da nacionalidade, vamos supor que é a lei das Arábia Saudita por exemplo,
que não reconhece o direito à vida. Então relativamente àquela questão
concreta diz-se que a pessoa não tem direito à vida.

Mas aí nós diremos que isto não pode ser porque a ordem jurídica
portuguesa não permite que uma pessoa não tenha direito à vida. E isto é
válido em qualquer circunstância e é válido para qualquer ordem jurídica.
Então numa situação como esta, o que o prof. Moura Ramos veio defender é
que nós fazemos uma economia de raciocínio porque em nenhum caso
vamos ser levados a afastar o princípio do direito à vida, e reconhecemos o
direito à vida directamente do art.º 24 da constituição da Republica
Portuguesa. Neste caso a constituição portuguesa funciona como um limite
autónomo à aplicação desta lei da Arábia Saudita. Nem sequer cuidaríamos
de saber o que é que a lei da Arábia saudita dizia àquele respeito. Porquê?
Porque a constituição funciona como um limite autónomo à aplicação do
direito normalmente chamado pela regra de conflitos.

A questão mais importante em que as pessoas cometeram falhas, foi


no que respeita à lei reguladora da forma. nós temos um contrato de compra
e venda de um imóvel situado em Portugal. Para nós determinarmos a lei
reguladora deste contrato vamos ao art.º 4 n.º 3 da convenção de Roma, e
este manda aplicar a lei portuguesa. Portanto a alínea A da 1 pergunta da
hipótese já está resolvida. O que nós tínhamos de fazer era fazer intervir aqui
o art.º 15 para saber o que é que compete à ordem jurídica portuguesa
regular.

Na hipótese prática o que nós pretendemos é apenas saber se a pessoa


sabe fazer aquela qualificação. Como tenho dito sempre, para fazer
qualificação em termos práticos nós não temos de conhecer todas as teorias
429

que aqui aprendemos. Precisamos apenas de saber se a norma do art.º 875 do


CC é uma norma atinente à forma ou à substância, ou será uma formalidade
à substância. Mas se for uma formalidade à substância, verificar se a ordem
jurídica portuguesa não tem alternativas no que respeita a essa exigência de
forma. por conseguinte, uma boa qualificação passa basicamente em termos
práticos, por pegarmos na norma concreta que se quer aplicar e questionar
esta norma para saber: essa norma é atinente a que matéria?

Agora a propósito, de norma atinente a que matéria muitas pessoas


aplicaram o art.º 46 do CC do CC. Reparem isso corresponde a um desvio.
porque não puseram no caso nenhum problema atinente a direitos reais. Não
tinham nenhum problema relacionado nem com posse nem com a
transferência, isto se nós entendermos que a posse é um direito real, o Prof.
Meneses Cordeiro diz que não, nós não tínhamos nada relacionado com os
direitos reais. Por conseguinte o art.º 46 não era chamado. Outras pessoas
aplicaram o art.º 47 do CC. Então isto está completamente fora de questão.
Não era colocado nenhum problema atinente à capacidade. Portanto, nós não
podemos aplicar disposições nem inventar problemas que não estão
presentes.

Mas isso corresponde a uma falha, porque as pessoas não sabem ainda
como eu disse, onde fica a matéria atinente às obrigações, e onde fica a
matéria atinente aos direitos reais, e onde fica a matéria atinente aos direitos
pessoais.

Aluno: permita que lhe faça uma pergunta. Num contrato de compra e
venda de um imóvel, há sempre duas vertentes. Há a vertente obrigacional e
há a vertente real. Ou seja, a vertente obrigacional é obviamente regulada
desde que seja estabelecida posteriormente a Setembro de 1994 é regulado
pela lei chamada pela convenção de Roma. Mas os aspectos reais terão de
ser regulados pelo art.º 46 do CC. Eu fui um dos alunos que referi que as
questões reais seriam reguladas pelo art. 46 do CC.

Isso não está errado. O que eu pretendo dizer é o seguinte. têm que
funcionar em termos determinação da pretensão concreta. Porquê? Porque se
nós começarmos a “inventar” pretensões, nunca mais acabamos a nossa
hipótese. Não tinha nenhuma pretensão de natureza real. Naquele caso
concreto o que a pessoa queria era que fosse cumprido o contrato, e um dizia
que o contrato era válido quanto à forma, e o outro dizia que o contrato era
inválido quanto à forma. a pretensão concreta é: é válido ou não é válido?
430

Temos de nos situar na pretensão concreta que foi colocada pelas


partes sob pena de estarmos a perder muito tempo. Não está errado aquilo
que disse. Claro que quando uma pessoa faz um contrato de compra e venda
há sempre aspectos de natureza obrigacional e aspectos de natureza real.
Toda a pessoa que compra um livro tem de adquirir a propriedade. Temos
um contrato de compra e venda do livre, e por associação a transferência da
propriedade.

Já vimos que a lei reguladora da substância é a lei portuguesa, por


força do art.º 4 n.º 3 da Convenção de Roma. A mesma lei, a lei portuguesa,
quer por força do art.º 9 da convenção de Roma, quer por força do art.º 36
do CC, é igualmente a lei competente para regular a forma. Neste caso, a
forma prescrita pela lei portuguesa é a prevista no art.º 875 do CC, que
conduz à invalidade formal. Todavia, o art.º 36 diz o seguinte,

Artigo 36º - (Forma da declaração) ”1 - A forma da declaração


negocial é regulada pela lei aplicável à substância do negócio; é,
porém, suficiente a observância da lei em vigor
no lugar em que é feita a declaração, salvo se
a lei reguladora da substância do negócio
exigir, sob a pena de nulidade ou ineficácia, a
observância de determinada forma, ainda que o
negócio seja celebrado no estrangeiro. 2 - A
declaração negocial é ainda formalmente válida se, em vez da forma
prescrita na lei local, tiver sido observada a forma prescrita pelo
Estado para que remete a norma de conflitos daquela lei, sem
prejuízo do disposto na última parte do número anterior”.

Como é que nós vamos interpretar esta disposição do art.º 36 do CC?


Nós temos que saber se aquela norma que estabelece a regra de forma, exige
essa forma mesmo que o negócio seja feito no estrangeiro. Então temos de ir
interpretar o art.º 875 do CC, para perguntar se o legislador português disse
o seguinte: qualquer negócio jurídico relativo a imóveis situados em
Portugal, mesmo que esse negócio seja celebrado no estrangeiro, tem de
obedecer à escritura pública.

Para nós considerarmos o negócio inválido, tínhamos de retirar do


art.º 875 do CC, esta consequência. Ora quando nós lemos o art.º 875 do CC
nós não temos esta consequência.
431

Aluno: só podemos ter porque senão estamos a criar desigualdades


entre dois portugueses que compram um imóvel sito na Av. De Roma em
Lisboa, ou dois portugueses que compram a mesma casa sita na Av. De
Roma, em Espanha.

Não gosto de usar argumentos de autoridade. Mas este caso está


resolvido ipsis verbis no livro do Prof. Lima Pinheiro. E está resolvido com
estes artigos, mesmo com o art.º 875 do CC.

Independentemente dos argumentos de autoridade vamos demonstrar


quais são os nossos fundamentos para justificar esta posição. Nós sempre
dissemos o seguinte. se no que respeita aos aspectos de substância nós
exigimos a aplicação da nossa lei, já no que respeita à forma há uma espécie
de pacto tácito entre as ordens jurídicas no sentido de facilitar a forma como
se praticam os actos jurídicos. Porquê? Porque quando fossemos invalidar os
actos em virtude de razões de substância, e fossemos invalidá-los também
em virtude de razões de forma, então neste caso prejudicaríamos o comércio
jurídico internacional. Porquê? Porque nos regimes anglo – saxónicos é uma
coisa, nos regimes continentais é outra coisa, nos regimes de família
soviética será outra coisa, nos direitos orientais será outra coisa, e o que é
que acontece? À forma está habitualmente associada a ideia de favor negotii,
ou seja a ideia de facilitar a validade formal.

Houve pessoas que foram buscar o art.º 65, o que é absolutamente


errado pois não te nada a ver com este caso, mas é um artigo útil para nós
compreendermos os fundamentos desta solução. Está estribado estritamente
na base da ideia de favorecer a validade formal do negócio. Aliás, tenham
sempre isto presente. quando se trata de aspectos relacionados com a forma,
a nossa ideia é sempre favorecer a validade formal. Portanto, onde quer que
o negócio seja celebrado, a ideia é facilitar que as pessoas possam celebrar
os negócios que quiserem. Em qualquer local do planeta, mar, ar, ou terra. O
que importa é que esses negócios, desde realmente que não haja violação
flagrante em termos de exigência de forma, que leve a rejeitar essa forma
utilizada, mas a ideia é de facto viabilizar a validade formal.

No caso do testamento, por exemplo, ele é válido


 de acordo com a lei do lugar da celebração,
 de acordo com a lei do domicílio do autor no momento da
declaração,
432

 de acordo com a lei do domicílio do autor no momento da


morte;
 de acordo com a lei pessoal do autor no momento da morte,
 etc.,

há um conjunto de disposições, e até podemos fazer uma interpretação


extensiva do art.º 65 do CC, e do art.º 26/2 do CC, com vista sempre a
viabilizar a validade formal do testamento.

Vamos pegar nesta disposição, e é uma matéria que fica já resolvida.


Diz que,

Artigo 65º - (Forma) ”1 - As disposições por morte, bem como a sua


revogação ou modificação, serão válidas, quanto à forma, se
corresponderem às prescrições da lei do lugar onde o acto for celebrado, ou
as da lei pessoal do autor da herança, quer no momento da declaração,
quer no momento da morte, ou ainda as prescrições da lei para que remeta
a norma de conflitos da lei local. 2 - Se, porém, a lei pessoal do autor da
herança no momento da declaração exigir, sob pena de nulidade ou
ineficácia, a observância de determinada forma, ainda que o acto seja
praticado no estrangeiro, será a exigência respeitada”

A lei local é a lei do local da celebração. A lei do local da celebração


pode ainda remeter para uma outra lei, que vamos chamar a lei N, se esta lei
considerar o negócio válido quanto à forma, reconhecemos o negócio. Então
o que é que nós podemos retirar daqui? Se a lei do lugar da celebração tem
potencialidade para viabilizar este reenvio, então porque que é que a lei
pessoal não há – de ter? então significa que nós podemos ainda desenvolver
o art.º 65 dizendo que vamos pegar na lei pessoal do autor no momento da
declaração e admitir que se essa lei enviar para uma lei N´ então será válida.
E se a lei pessoal do autor da declaração no momento da morte enviar para a
lei N´´ o negócio também será válido. Então daí resulta que, em vez de 4
leis, no art.º 65 do CC vamos ter pelo menos 6 leis a viabilizar o negócio
quanto à forma.

Qual é o princípio que está subjacente a isto? É o princípio do favore


negotii. Portanto, facilitar a validade formal. Por conseguinte nesta situação,
da nossa hipótese do teste, tínhamos que ter presente este princípio de que
relativamente às questões de forma temos que facilitar a sua validade formal.
Aqui neste caso a interpretação do art.º 875 do CC, não leva à consideração
433

de que o legislador exige a aplicação dessa lei ainda que o negócio seja
celebrado no estrangeiro.

Há uma situação em que o legislador diz isso claramente. É na dos


testamentos celebrados por português. acho que é o art.º 2223,

Artigo 2223º (Testamento feito por português em país estrangeiro)


”O testamento feito por cidadão português em país estrangeiro com
observância da lei estrangeira competente só produz efeitos em
Portugal se tiver sido observada uma forma solene na sua feitura ou
aprovação”,

Neste caso o legislador está a exigir forma solene na sua feitura ou


revelação, para o negócio mesmo celebrado no estrangeiro. O que significa
que esta norma associada ao art.º 65 do CC, dá como resultado se um
português fizer um testamento informal, um testamento cuja forma não seja
tida como solene, no exterior, este testamento não produz efeitos de direito
na ordem jurídica portuguesa, por incumprimento dos aspectos ligados à
forma.

Ainda não acabámos os problemas que esta questão colocava. Se


resolvêssemos a questão desta maneira qual era a consequência? O negócio
era válido quanto à forma e a pretensão de A tinha provimento.

Aluno: o Prof. há pouco falou no art.º 36 do CC mas aqui ainda


estamos no âmbito da Convenção de Roma portanto do art.º 9.º dessa
convenção.

No que respeita aos aspectos da forma não há inconveniente em


aplicar essas duas normas, porquê? Porque o art.º 36 do CC intervém
naquelas situações que não estão reguladas na convenção de Roma. Reparem
que este aspecto de o negócio ser válido ainda que seja celebrado no
estrangeiro a não ser que a lei reguladora da substância exija uma forma
específica esta disposição os senhores não encontram na convenção de
Roma. No fundo vai acoplar estas duas disposições para completar o regime
português relativamente à forma.

A ideia é a de viabilizar a validade formal dos negócios, e quanto mais


leis nós tivermos para resolver a questão melhor.
434

Aluno: sendo a convenção de Roma aplicável à nossa hipótese, e


regulando o art.º 9/1 a questão o que é que nos leva a aplicar o art.º 36 do
CC?

Repare. Tem o art.º 875 do CC e tem a disposição do art.º 36 do CC,


que vem dizer se a lei portuguesa exigir determinada forma ainda que o
negócio seja celebrado no estrangeiro, que essa forma tem de ser observada.
Esta ultima parte do art.º 36 do CC como que vai completar a ultima parte do
n.º 1 do art.º 9 da convenção de Roma.

LIÇÃO N.º 49 22/05/2003

O exame tem sempre uma hipótese que vai envolver qualificações,


ordem pública, fraude à lei, ordenamentos jurídicos plurilegislativos,
reenvio, poderá ser uma hipótese sobre a convenção de Roma, poderá ser
uma hipótese sobre as sociedades, como poderá ser uma hipótese sobre
relações de família. Etc.

O tema de desenvolvimento poderá ser uma questão à volta do direito


dos estrangeiros, poderá ser uma questão à volta dos planos, processos e
técnicas de regulação das situações privadas internacionais. Têm de ter em
consideração que o Prof. Lima Pinheiro vai pegar num bocado, do 1º
volume, um bocado do II volume e um bocado do III volume, vai tentar
harmonizar estas situações.

A situação nova que nós temos este ano é a do regulamento em


matéria matrimonial. Este III volume vai ser muito importante. Tenham em
consideração aquelas regras da competência internacional, de fixação da
competência internacional do tribunal português, tenham em consideração a
questão dos critérios da nacionalidade, questão relativamente complicada
depois em termos de aplicação.

Também tenham em consideração aquele caso problemático no que


respeita à litispendência, no fundo litispendência e caso julgado tudo junto,
litispendência resulta uma decisão que conduz ao caso julgado.

Aluno: em relação à sua exposição sobre a litispendência não teria


mais lógica aplicar-se a primeira sentença, uma vez que pelo princípio da
igualdade de tratamento dos Estados.
435

É essa decisão que o Prof. Lima Pinheiro toma neste caso. Uma
pessoa intentou uma acção no estrangeiro, preveniu a jurisdição no primeiro
caso, depois vem uma sentença. Mas depois vem intentar uma acção sobre a
mesma situação, com os mesmos sujeitos, objecto e causa, em tribunal
português. obtém um caso julgado português. repare o que o art.º 770 nos
vem dizer é que havendo um caso julgado português ele serve de oposição à
revisão.

Dec. Estrangeira Sentença Caso Julgado

Dec. Trib. Port. Sentença Caso Julgado

=== o Autor vem pedir a revisão e confirmação da 1ª Sentença ==

Temos uma decisão estrangeira que fez caso julgado. E depois temos
uma decisão portuguesa que também fez caso julgado. O autor vem pedir a
revisão e confirmação da primeira decisão. O que a doutrina diz é o
seguinte:
 Este caso julgado português serve de oposição com base no art.º
771.

Agora, só que, se serve de oposição, então se este tribunal foi


prevenido em primeiro lugar, então a lei está em contradição. Porque a lei
está a dizer não serve como requisito de oposição, serve como fundamento
de impugnação. Então eles dizem que neste lugar aqui pode dar lugar a dois
casos julgados igualmente validos. Portanto, quando o primeiro tribunal foi
prevenido em primeiro lugar, portanto serve de oposição. No segundo caso
serve também de oposição. Nós temos uma situação em que uma sentença
portuguesa pode servir como fundamento de oposição, e uma situação em
que uma sentença estrangeira pode servir como requisito para não
confirmação.

No fundo ficamos com dois casos julgados. O que a doutrina tem


dito, é que o caso julgado português prevalece sempre. Por conseguinte
se o caso julgado português prevalece sempre significa que há oposição.
Porque o caso julgado português serve para deduzir oposição. O que a prof.
Magalhães Colaço veio dizer, é que não. O caso julgado português não
pode prevalecer se o tribunal estrangeiro tiver sido prevenido em
primeiro lugar. O prof. Lima Pinheiro no fundo acaba por entrar um pouco
436

na solução da Prof.ª Magalhães Colaço, considerando que naquele caso há


dois casos julgados, e que logicamente deveremos aplicar a alínea D do 1506
E considerar portanto que temos de dirimir o conflito de casos julgados
considerando que prevalece o primeiro caso julgado.

Eu confesso que estou inteiramente de acordo com esta posição.


Aquela tese muito doméstica que deve prevalecer sempre a decisão do
tribunal português, não me parece muito procedente. É quase que uma
espécie de romantismo ou de saudosismo, mas é um pouco nacionalismo que
está por detrás desta teoria. A ideia de que se foram os tribunais portugueses
que decidiram então o caso julgado português vale sempre. Eu acho que em
termos de direito internacional privado, nós não podemos estar a decidir
nestes termos.

Aluno: se as partes forem ambas portuguesas, não fará sentido


prevalecer a sentença portuguesa?

Por maioria de razão se as partes forem ambas portuguesas é que faz


sentido que prevaleça a sentença estrangeira. porque repare, as partes
submeteram-se perante um tribunal, aceitaram aquela jurisdição, e depois
vêm precatando a situação da competência concorrente, para vir fazer valer a
possibilidade de intentar outra vez a acção. Não faz sentido.

A litispendência tem uma relevância indirecta através do caso julgado.


Em regra é que a litispendência é completamente irrelevante a nível
internacional, ou seja, há uma causa intentada perante um tribunal português,
outra intentada perante um tribunal Cabo Verdeano, se as partes vierem
alegar que há litispendência porque está a correr perante o tribunal Cabo
Verdeano a mesma causa, isto é completamente irrelevante. Agora, o Prof.
Lima Pinheiro chama a atenção para a circunstância de que há na verdade
uma relevância indirecta em virtude da relevância que se atribui ao caso
julgado.

Aulas práticas extras: dia 16 de Junho.- 18h30 – anf.1

No que respeita ao privilégio da nacionalidade, quem levantou o


problema da inconstitucionalidade dessa alínea, foi o prof. Lebre de Freitas,
esta questão foi retomada posteriormente pelo Prof. Marques dos Santos,
pelo Dr. Dário Moura Vicente, e agora pelo Prof. Lima Pinheiro.
437

Julgo eu que o Prof. Dário Moura Vicente não considera que se trate
de uma situação de inconstitucionalidade. A posição do Prof. Marques dos
Santos é um pouco duvidosa. O Prof. Lima Pinheiro tem uma posição clara
de que de facto há aí uma violação das regras da igualdade, da igualdade
processual, da igualdade perante a lei, da igualdade do acesso aos tribunais.

Eu penso que não faz sentido nós estarmos a aplicar regras de


conflitos diferentes as duas pessoas na mesma relação, porque no fundo é
isso que vai acontecer. Se nós dizemos porque é um português está presente
nesta relação e porque naquele caso concreto se aplicaria a lei portuguesa,
então vamos avaliar o tal chamado privilégio da nacionalidade. eu entendo
que de facto não faz sentido.

Mas o que é certo é que os tribunais aplicam esta disposição, não a


consideram inconstitucional.

Aluno: isso quer dizer que os tribunais portugueses neste caso não
reconhecem efeitos às sentenças estrangeiras, o que quer dizer que neste
caso um português segundo a lei canadiana estaria divorciado, segundo a lei
portuguesa, não estava divorciado.

Neste caso fica com uma dupla situação, porque é português, porque
se fosse por exemplo, francês já não. No fundo o que se passa com o art.º
1100 do CPC,

Artigo 1100º - (Fundamentos da impugnação do pedido) ”1. O


pedido só pode ser impugnado com fundamento na falta de qualquer
dos requisitos mencionados no artigo 1096º ou por se verificar algum
dos casos de revisão especificados nas alíneas a), c) e g) do artigo
771º. 2. Se a sentença tiver sido proferida contra pessoa singular ou
colectiva de nacionalidade portuguesa, a impugnação pode ainda
fundar-se em que o resultado da acção lhe teria sido mais favorável
se o tribunal estrangeiro tivesse aplicado o direito material
português, quando por este devesse ser resolvida a questão segundo
as normas de conflitos da lei portuguesa”

é mais ou menos aquilo que se passa com o art.º 14 n.º 2 do CC. É uma
espécie de direito conferido aos portugueses residentes no estrangeiro. Mas
na verdade não é justo, porque no plano formal há desigualdade.
438

F I M

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