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Colegio QUESTOES DA NOSSA EPOCA Volume 52 Dados Internacionais de Catalogagao na Publicagao (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Repensando o ensino de histéria/ Sonia M. Leite Nikitiuk (org.). - 4. ed — Sao Paulo, Cortez, 2001. — (Colegio questées da nossa época ; v. 52) Varios autores ISBN 85-249-0608-1 1. Hist6ria - Estudo e ensino 1. Nikitiuk, Sonia M. Leite Il. Série. CDD-907 indices para catdlogo sistematico: 1. Historia : Ensino 907 2. Histéria : Estudo ¢ ensino 907 Sonia. Niktuk (Org, REPENSANDO O ENSINO DE HISTORIA # edigdo Mss DA NOSSA EPOG CORTEZ SPavirel ta REPENSANDO O ENSINO DE HISTORIA Sonia M. Leite Niktiuk (Org.) Capa: DAC Preparacdo de originais: Carmen Teresa da Costa Revisdo: Maria de Lourdes de Almeida, Eliana Martins Composigdo: Dany Editora Ltda. Coordenagao Editorial: Danilo A. Q. Morales Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou duplicada sem autorizacio expressa dos autores e do editor. © 1996 by Autores Direitos para esta edigdo CORTEZ EDITORA Rua Bartira, 317 — Perdizes 05009-000 — Sao Paulo - SP Tel.: (11) 3864-0111 Fax: (11) 3864-4290 E-mail: cortez@cortezeditora.com.br www.cortezeditora.com.br Impresso no Brasil - novembro de 2001 SUMARIO Apresentagdo ... 6... ee te eee 7 1. Ensino de Histéria: algumas reflexdes sobre a apropriagdo do saber Sonia Maria Leite Nikitiuk ........ 9 Sobre a norma e o 6bvio: a sala de aula como lugar de pesquisa Paulo Knauss... 602 ee eee 26 Reconstruindo a Histéria a partir do imagindrio do aluno Ubiratan Rocha ........-.04-- 47 O ensino de Histéria no contexto das transigdes paradigmaticas da Histéria e da Educa¢io Martlia Beatriz Azevedo Cruz ......- 67 Construindo um novo currfculo de Histéria Arlette Medeiros Gasparello ....... 77 APRESENTACAO Repensar 0 ensino, Repensar a Historia, Repensar o ensino da Historia, Repensar as relag6es entre ensino e Histéria, Repensar as relagdes entre quem ensina e quem uprende, Repensar no ensino 0 que aprender e como ensinar, i © que, neste conjunto de textos, os diferentes autores vém levantar. No texto “Ensino de Histéria: algumas reflexdes sobre a apropriagao do saber”, procuro destacar alguns desafios por que passa a Histéria e suas implicages no ensino. €onsiderando que o saber é apropriado e construido, iio hé como nfo se preocupar com as questées sobre wentidade, linguagem, registros, pluralidade. A transfor- magio qualitativa que se almeja, no ensino de Histéria, passa pelo professor que se abre ao diferente, que ousa abric espagos, que incentiva os diversos olhares sobre «1 objeto. Ja Paulo Knauss, no texto “Sobre a norma e o 6bvio: a sala de aula como lugar de pesquisa”, apresenta, a partir de situagdes concretas, o espago da sala de aula como normatizagéo do saber. Os conceitos produzidos coletivamente, por meio de pesquisas, tornam a Histéria instrumento de leitura do mundo. © texto “Reconstruindo a Histéria a partir do ima- pindrio do aluno”, de Ubiratan Rocha, aborda os riscos de uma Histéria fragmentada que conduz a um relativismo |crigoso e aponta para a necessidade de se refletir sobre 7 © processo de conhecimento cientifico e de senso comum, na Histéria. Marilia Beatriz A. Cruz, no artigo “O ensino de’ Histéria no contexto das transigées paradigmaticas d Historia e da Educagdo”, situa a crise do ensino e d: educagdo explorando, a partir da mesma, a necessidad de formulag&o de novas bases para a producao cientific: da narrativa histérica e da formacao de conceitos n processo ensino-aprendizagem. O iiltimo artigo, “Construindo um novo curriculo de’ Histéria”, de Arlette Gasparello, situa a questéo do ensino de Histéria no campo do curriculo, destacan a abordagem da Histéria local no ensino. O enfoqu regionalista é apresentado como referencial analitico par: a compreensao da dinamica social e como contribuiga para a percepc4o das continuidades e descontinuidade: do processo histérico. Esta coleténea espera ser um espago para que pro- fessores de Histéria abram outros espagos de discussa sobre o seu mister. Acreditamos que sé ensina Histéria quem ousa des- Cortinar horizontes. Sonia Nikitiuk Niteréi, fevereiro de 199 ENSINO DE HISTORIA: algumas reflexGes sobre a apropriacéo do saber Sonia Maria Leite Nikitiuk Nescortinando horizontes Hist6ria narrativa, ciéncia, disciplina... Professor Jeitor, historiador, decodificador... Ensino reproducdo, produgdo, inovagao... Passado, presente, futuro... Que horizontes descortinar? Historia nova, novas formas, Novos objetos, novos sujeitos, Novas linguagens, novos papéis. Serio novos os saberes? Espacgos, limites, fronteiras, Infinito, olhares, barreiras. Observam, procuram, exploram. E o imagindrio se torna real. Mas o que é o real? © Real simbélico, © Real mediado, © Real imaginado, © Real vivenciado, © Real historicizado. ©) Real é meu? é seu? € nosso? é€ de ninguém? f. descobrira estruturas diversas para sua leitura de Em Chartier, um espago de investigagao mundo. E o alerta para o texto e para a produgao. Em Burke, o real é historicamente produzido, Chega-se & Histéria total E morre a iluséo dos documentos Que falam por si s6. lintre no mundo, arrisque-se, invente! | verd que todos, ao seu redor, tém papel nessa historia. Releia 0 que sempre leu E sentiré necessidade de novas leituras e documentos. Procure explicar os fatos fazendo outras questdes E descobrira as agées coletivas. Conscientize-se de que o real é relativo E verdé como outros sujeitos o ajudario A descortinar horizontes e a ler evidéncias. O universo do historiador esté em franca expansao, O universo da Histéria parece indeterminado. E como fica 0 universo da Academia? E © universo do professor? E 0 aluno, tem universo? S6 uma coisa é certa: é preciso buscar. Buscar é saber olhar pela janela. Buscar é descobrir horizontes. Buscar é saber ler as fontes. Buscar é também narrar, registrar. E assim que se faz a Historia. I, vocé poderd repetir Paul Veyne (1971) dizendo: “A historia 6 uma narrativa de acontecimentos ver- iadeiros. Nos termos desta definigéo, um fato deve }icencher uma s6 condigio para ter a dignidade da lustoria: ter acontecido realmente”. | assim, 14 longe, no horizonte, Voce poder entao responder: () que ensinar? (umo apropriar-se do saber histérico? Talvez ai, nesse horizonte expandido, Comece a busca da identidade... Afinal, professor, Vocé também escreve a Hist6ria! E seu aluno, pode escrever? (ma janela aberta para o mundo do saber Olhe o mais longe que puder, Vera que a janela néo comporta todo o horizonte. Por isso corra-o risco de pular no horizonte E assim encontrar rumos, saberes e fazeres. Individuos diferentes, Vises diferentes, Fatos... os mesmos. Conhecer € construir. A Hist6ria € construgio? O ensino € produg&o ou reprodugio? Saber € apropriagao? Veja a totalidade das atividades humanas E saberd que a Historia nao é imutavel. Arrisque-se a sair das narrativas 10 11 Saber e nao saber é a relagdo do ensino. Saber é poder. Saber € também apropriar-se. De qué? . Saber, saberes universais? Populares? Saber que se faz na Academia? Ou, quem sabe, no cotidiano, no dia-a-dia? Saber comum, saber novidade. Saber relativo, saber verdade. so, para a Histéria Nova, documentos de primeira ordem” (Le Goff, 1990:28). Como € necessdrio questionar 0 documento! “Um tnico documento nao basta para estabelecer um filo”, “a escrita nado pode provar nenhum fato; mostra-nos apenas as probabilidades de certeza, uma vez que 0 yiu de veracidade depende do grau de adequagao da Imagem do real construida metodicamente pelo historiador vomo o ocorrido” (Langlois & Seignobos, 1940:148). Saber: histéria “vista de cima”. Saber: Historia “vista de baixo”. A escola tem papel: sistematizar 0 saber. Nessa sistematizag&o, janelas se abrem. Olhando pelas janelas vemos homens que fazem, praticam, Que registram, e léem a Historia. O que discutir? O que ensinar? Para aonde deslocar-se? Saber fixado nos documentos. Ah! Um problema! Os documentos-fonte se ampliaram. Hoje, como saber’... Tantos registros, tantos depoimentos!... tantas imagen: Pode-se saber sem iconografia, sem festa? Sem corpo, sem linguagem, sem técnica? APT gt | ry 4, 4S i! E assim, refletindo sobre Histéria, ensino, nado como ndo falar em documento. O campo conceitual de documentos aqui utilizado do contexto da Histéria Nova, que substitui a Histéri de Langlois e Seignobos, fundada essencialmente ni textos, por uma Hist6ria baseada numa multiplicidai de documentos; escritos de todos os tipos, document figurados, produtos de escavagées arqueolégicas, doc mentos orais etc. “Uma estatfstica, uma curva de preco uma fotografia, um filme, ou para um passado mai distante, um pélen féssil, uma ferramenta, um ex-vo' Vocé também olhou? Vocé também viu? Qual a sua interpretagao? 12 13 “Se € verdade que a organizaco da histéria é relati a um lugar e a um tempo, inicialmente o é por s técnicas de produgdo” (Le Goff & Nora, 1979:28). } Produgio pressupde pesquisa. E esta se desenvolve com base na fronteira Entre o dado e o criado, Entre a natureza e a cultura. E Historia das mentalidades! No descortinar horizontes. Contetidos e objetos se identificam E nas relagées se estabelecem Discurso e técnica de produgao, No descortinar horizontes, Traduzem-se linguagens culturais, Toma-se consciéncia de que nao existe Texto sem suporte E que seu sentido é construfdo Num tempo e espacgo determinado, Numa comunidade especifica. “Willis desenvolve a idéia de que as pessoas ni recebem simplesmente os materiais simbélicos e cultw tais como sao transmitidos, Existe um espaco cultui no qual elementos e materiais simbélicos sao transfe mados, reelaborados e traduzidos de acordo com pi metros que pertencem ao préprio nivel cultural di pessoas envolvidas. Nao existe nunca reprodugao pu: (Silva, 1992:68). Olhando através das janelas descobre-se que “i teorias da reproducdo fazem como um retrato instantan da realidade, sendo portanto incapazes de verem dinamica social em movimento, operag4o somente torn: 14 poxsivel com uma perspectiva histérica de longa duragao. Av estruturas se modificam para dar lugar a outras, mas exe movimento sé é visivel se examinamos a histéria fun perfodo suficientemente longo” (Silva, 1992:69). infim, aquilo que é definido como saber ou conhe- vimento escolar, na verdade, constitui uma relagdo par- (ular e arbitraria de um universo muito mais amplo de possibilidades. Now escritos e leituras, diferentes apropriagdes “A Historia é feita pelos homens, mas também é twrita pelos homens”. (Zhuboa, C.) Ne cscrita, pressupde um trabalho especffico. Ke cscrita, pode ser narrativa, Mis também pode ser estrutural. A Histéria escrita: Apreende o que é vivo, Carrega visdes do mundo, Configura expresses dos individuos, Carrega aspiragGes de grupos sociais, Organiza e faz sinteses, Nunca sera neutra. Autyem, por isso, indagagdes: f possivel escrever sem que leituras diversas sejam feitas? fi possivel escrever o fato concreto, real? Como estabelecer relagdes entre acontecimentos e estruturas? 15 {. Transmite conceitos ¢ visdes que introduzem 4 uceitagéo do modo presente de organizagio econdmica ¢ social (processo de legitimagao); 2. Produz pessoas com as caracteristicas cognitivas e utitudinais apropriadas ao processo de trabalho capi- lulista (processo de acumulacao); 3. Envolve-se no processo de produgio de conheci- mento cientifico e técnico necessério para a continua trunsformagéo do processo de produgdo capitalista. Desempenham, também, papel importante na repro- ugao: o livro diddtico, os elementos estruturais da excola, a definigfo do espago, a arquitetura, a adminis- tragio do tempo, a diviséo e classificagéo do conheci- mento, a linguagem etc. “A histéria cultural, tal como a entendemos, tem p principal objeto identificar no mundo como, em diferent lugares e momentos, uma determinada realidade soci € construfda, pensada, dada a ler’ (Chartier, 1982:16) Paul Veyne diz que “por esséncia a histéria é c nhecimento através de documentos. A narrativa histéric! coloca-se para além de todos os documentos, visto qu nenhum deles pode ser 0 acontecimento” (1971:15). Também Iembra que nenhum “acontecimento po ser agarrado direta e inteiramente mas o é semp! incompleto e lateralmente, através dos documentos dos testemunhos, dos vestigios” (id., ibid.: 14). Verdades subjetivadas, relativizadas, Busca de evidéncias nos acontecimentos que nado se repete! Obrigam o historiador a leituras contextualizadas E a compreensao de que o imaginério na histéria, E uma narrativa de acontecimentos verdadeiros. “Se nao compreendermos melhor a histéria material da escola (em oposigéo a uma histéria das idéias pe- dupégicas) estaremos condenados a permanecer prisio- neiros das tradigdes e invengdes que nos legaram e, portanto, de sua dindmica mais reprodutiva” (Silva, 1992:65). “O conhecimento escolar na sua forma codificada, o eurriculo, e€ as formas pelas quais ele é transmitido esta também estratificado e é através dessa estratificagao que ele volta a reproduzir aquelas desigualdades com que «w diferentes grupos sociais chegam ao processo escolar. A estratificagao do conhecimento escolar é ao mesmo tempo resultado e causa da estratificagio social” (id., thid.: 62). “O poder socializador da escola nao deve ser buscado (dc-somente naquilo que € oficialmente proclamado como sendo seu curriculo explicito, mas também (e talvez principalmente) no curriculo oculto expresso pelas pré- Micus ¢ experiéncias que ela propicia” (id., ibid.: 80). Representagées, interpretagdes Embutidas nas leituras E nas apropriagGes do saber. O contetido de Histéria ndo € o passado, mas tempo ou, mais exatamente, os procedimentos de andli € 0S conceitos capazes de levar em conta o moviment das sociedades, de compreender seus mecanismos, r constituir seus processos e comparar suas evolucées. A educagao institucionalizada trabalha basicamen com 0 escrito, direciona “leitura’ e interfere no proces: de apropriagéo do saber. Por isso a escola € a mai responsdvel pelo processo de reprodugio, principalmen porque, conforme lembra Tomaz Tadeu Silva: 16 17 Segundo Rojas, as trés atitudes de leitura (hist6ri boa para narrar e passar o tempo; hist6ria para memoriz: lugares-comuns e frases feitas e leitura plural, que cap © texto em sua totalidade) propiciam a diversidade interpretagdes e levantam questdes sobre a pratica eri dora e produto dos textos apontando para a necessid: de reunir duas perspectivas freqiientemente separadas: estudo da maneira como os textos e Os impressos q' Thes servem de suporte organizam a leitura que del deve ser feita e, por outro lado, a recolha das leitur efetivas, captadas nas confinagdes individuais ou recon: trufdas a escolha das comunidades de leitores. Enfi “aponta para as sociabilidades da leitura como contrapon para a privatizagao do ler e para a andlise das relag entre textualidade e oralidade” (Rojas, 1980:116-9). Ler, escrever, apropriar-se Da Histéria escrita, Histéria narrada, Contributo para a educagdo geral e cultural, E procura de verdade e inicia¢éo ao pensament hist6rico, Da Hist6ria texto, pretexto, contexto. Por que ensin4-la? Talvez para legitimar a identidade Na recordagio histérica da comunidade. J& que a Historia € escrita com e/ou a partir documentos, nio importa quais, a critica aos mesm representa a primeira etapa de uma Historia cientffic Fazendo o documento adquirir sentido, deixar de exis’ sozinho, assumir valor relativo. Chega-se até a leitura das lacunas e vazios, contexto e de propésitos de produgdo e transmissao. 18 Nonhos sonhados, saberes aflorados Professor, aquele que ensina. Ensina o qué? Professor, aquele que produz. Produgao-reprodu¢io? Professor, aquele que sonha. O vivido é sonho sonhado? Professor, aquele que detém o saber. Mas que saber? Professor, aquele que faz Histéria. Hist6ria apropriada? Construfda? Memorizada? Professor, aquele que abre caminhos. Mas que caminho tomar? winlquer que seja o caminho, ve levar ao processo do pensamento histérico, “umo via para o saber. 19 Interrogar € pesquisar, Ler os vestfgios histéricos, Multiplicar as situagdes de interrogagao do passado. Conscientizar sobre a insuficiéncia das fontes naturais, Sobre a relatividade dos documentos escritos, Privilegiando construgao de esquemas cognitivo: Desenvolvendo competéncias em vez de memoriza¢ao, Discutindo os problemas dos valores, Tudo isto faz parte da arte de ensinar. Nos sonhos sonhados, uma utopia; Histéria, disciplina-cidada. Nos sonhos sonhados, a busca, A identidade da Histéria. Nos sonhos sonhados, saberes; Cientfficos, académicos e populares. Sao saberes que circulam e se interpenetram. Gerados em diferentes culturas ¢ ideologias, Se desenvolvem no seio das sociedades Que os definem e organizam. Histéria, quantos conceitos! Quantas experiéncias Na espiral de sua Escrita! Coniclusdes nossas, suas ou deles? Reflexdes finais, a quem compete fazé-las? Acreditamos que a mim, a vocé, a eles € a tod Por qué? Porque ensino e Histéria dizem respeito a todos 20 Histéria tem identidade e tem memoria. Que homem vive fora da Historia? Que homem deixa de ensinar? Ficam entéo as questdes. Mas por que. Nem sempre se tem a consciéncia da pertenga? Nem sempre se consegue ler os acontecimentos? Nem todos se apropriam do saber? Nem sempre se divulga o saber? Nem sempre se facilita a circulagio do saber? Nem sempre se define o que € Hist6ria? © que leva a reproduzir? Por que a produgao é restrita a alguns? Por que leituras diferentes do mesmo produto? Vor que € téo dificil ensinar Histéria? Por que a Histéria incomoda, aliena, revoluciona? Qual o sentido da Histéria? Ensinar Histéria € caminhar numa linha de tempo, Com duragées e cortes diversos. Ensinar Histéria € estruturar identidades. Ensinar Historia é também produzir conhecimento. Ensinar Histéria € processo de alteridade. Ensinar Hist6ria é aprender com o plural e o singular. Ensinar Histéria € conceber absolutos e relativos. Wintdria, saberes em constru¢ao. Mupturas, lugar de utopias e reconstrugGes. Husca de semelhangas e diferengas. Vida, lugar de produgio. “H4 a realidade do ensino da Histéria, e ha aquilo que cla representa para os adultos. Por um lado, num quadro instituido e em situagdes vividas, meninos e 21 adolescentes encontram professores, livros ¢ exercicio: aprendem conhecimentos que, para eles, poem ou ni poem coisas em jogo. Ocorrem operacées intelectuais processos efetivos, de que se alimenta eventualmen' seu desconhecimento cognitivo, sua identidade, sua cializagdo. Na idéia que reside nos adultos sao ou’ assuntos que estéo em questao, a relagao de uma s ciedade com a sua juventude, as continuidades culturai alguns exorcismos verbais com essas duas justificativ 0s conflitos ideolégicos e os projetos politicos, a posi¢a do professor. (...) vron escolares e histérias em quadrinhos, filmes e wgramas de televisdo. Cada vez mais entregam a cada mc a todos um passado uniforme. E surge a revolta ire uqueles cuja Hist6ria é proibida” (Ferro, 1983). Cuda vez mais fica claro que o rompimento com a Ivisdo do trabalho intelectual, com a hierarquizacao de ngdes e tarefas e com uma concepgao de saber e de Wwxlugdio de saber enraizada na tradicdo académica, é wndigdo essencial para o aflorar de saberes — enfim, wri se ensinar Histéria. Uma das principais referéncias da reflexo didéti Historia € necessidade social. consiste, no entanto, na natureza, no dominio e exercicio dos saberes invocados, e no préprio trabal do historiador encontraria, em troca, uma preciosa pro de verdade no exame das condigdes de exposigao, demonstratividade e de reapropriagao dos conheciment que produz” (Moniot, in Burguiére, A. (org.), 1993:225) O professor lida com tudo isto € faz do seu mist um sonho: formar consciéncia, formar 0 cidadao. Professor-historiador, aquele que produz A partir de marcas e vestigios. Praticas discursivas Cortadas cronologicamente Com destinagdo determinada e apropriagées. ctlexdes nossas, suas ou deles us levam a ver a circularidade da Hist6ria, Mopiciam o dar sentido ao vivido. cllexdes, a respeito do ensino, os levam ao compromisso de escrever Histéria aw esquecendo seus objetivos sua forma scus contetidos scus rituais de produgao sua linguagem scus limites seu lugar cultural sua historicidade as relagdes entre fontes e autores. Como ingredientes desse ensino os fatos “verdadeiro: mas construidos, a consciéncia das facetas verdade-ficga o referencial dos saberes a serem apropriados e con: trufdos dentro das continuidades e rupturas da Histéri A mesma observacio que levou Marc Ferro a examin: a elaboragio do discurso histérico torna-se preocupagal para a efetivacio do sonho sonhado. “Controlar 0 passado ajuda a dominar o presente, legitimar tanto as dominagGes como as rebeldias. os poderosos dominantes: Estados, Igrejas, partidos liticos, interesses privados que possuem ¢€ financi veiculos de comunicagio e aparelhos de reproduga 22 23 Em sintese: A Histéria é, principalmente, o lugar do outro q se projeta e resiste, 0 sempre imprevisfvel. Nas relagdes de ensino-aprendizagem nao se p portanto, descurar do registro lido e/ou produzido. responsabilidade do professor abrir as janelas desse sal OJAS, F. (1980). La Célestine ou Tracomédia de Calixte et Melibee. Paris, Ambier-Flammarion. ILVA, T. T. da. (1992), O que produz e 0 que reproduz em educacdo, Porto Alegre, Artes Médicas. 1] — LABORATORIO DE ENSINO E APRENDIZAGEM UM HISTORIA. (1991). Cadernos de Histéria. Uberlandia, aio 2, n° 2, jan. HYNE, P. (1971). Como se escreve a Histéria. Lisboa, Edigdes 70 [trad. Alda Bastos e Maria A. Kneipp. Brasflia, Referéncias bibliograficas UINB, 1982]. BALDIN, N. (1989). A Histéria dentro e fora da esc Florianépolis, Ed. da UFSC. BURGUIERE, A. (org.) (1993). Dictondrio das ciéncias toricas. Rio de Janeiro, Imago. BURKE, P. (org.) (1992). A escrita da Histéria. So UNESP. CHAFFER, J. & TAYLOR, L. (1984). A Histéria e o profes. de Histéria. Lisboa, Livros Horizonte. CHARTIER, R. (1982). A Histéria cultural, entre pratic representagées. Lisboa, Ed. Difel; Rio de Janeiro, Bertrand [trad. M. Manuela Galhardo]. FERRO, M. (1983). A manipulagéo da Histéria no ensii nos meios de comunicagéo. Sio Paulo, IBRASA. FONSECA, S. G. (1993). Caminhos da Histéria ensii Sao Paulo, Papirus. 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Platio, Fedro Conhecimento como leitura de mundo A escola tem sido o lugar de exercfcio do papel social do professor, identificado com uma concepgado de * Este texto foi apresentado em versio preliminar no | Encontro de Professores Pesquisadores na Area do Ensino da Histéria, realizado na Universidade Federal de Uberlindia, em setembro de 1993, com 0 titulo de: Documentos histéricos na sala de aula, Sob forma impressa 0 texto circulou ainda em: Primeiros Escritos, cadernos do Laboratorio de Histéria Oral e Iconografia, n° !. Niteréi, UFF-Depto. Histéria- LABHOI, 1994. As reflexées esbocgadas tém como fonte a minha experiéncia individual como professor de Histéria nos nfveis esco- lares. De resto, a elaboracio das idéias apresentadas contou com a colaboragio e amizade de interlocutores fundamentais o0s quais devo agradecimentos: a Ana Lagéa, com quem compartlho o carinho pela educagio; a Maria Paulo Graner, que me convidou ¢ incentivou a fazer as anotagdes para participar do Encontro em Uberldndia; as minhas colegas de laboratério, Ana Maria Mauad, Mariza C. Soares e Isménia de L. Martins, que sempre me encorajaram a produzir, ¢ aos meus auxiliares de pesquisa, Fabio P. Pantalefio, Hugo Bellucco e Marcelo S. Abreu, que compartilham o cotidiano do trabalho comigo. ** Professor do Departamento de Histéria da Universidade Federal Fluminense. 26 saber pronto, acabado e localizado, cujo desdobramento é a aversdo a reflexZo e o acriticismo, sem falar na falta de comunicagao. A escola e a sala de aula surgem, assim, como lugar social de interiorizagdo de normas, em que 0 livro didatico € o ponto comum entre professor e aluno, sendo todos elos de uma cadeia de transferéncia disciplinadora do cotidiano e ratificadora das estruturas sociais vigentes. O “bom” aluno nos surge como aquele que bem se adapta a essa concepgao de conhecimento, produto da postura normatizadora de base autoritdria (Vesentini, 1984). Definir nossas escolas como autoritérias pode soar estranho, pois, na atualidade, a disciplina dos inspetores a moda antiga deixou de existir quase que por toda parte. Além disso, a participag&o coletiva nas esferas de diregao das escolas tornou-se conquista de algumas comunidades. As opgdes de trabalho nao so mais téo controladas como em outros tempos. Nesse sentido, uma evidéncia sempre lembrada é a indicagio do dinamismo do mercado editorial de fins diddticos. De fato, estou convencido de que poucos foram os avangos no que se refere ao cardter autoritério do conhecimento. Isso porque os elos da normatizagdo do saber perduram, mesmo que dentro de um clima de liberalidade que ainda nao produziu condigdes para se lidar com as dimensdes da sua face conservadora. Cabe indicar que o fendmeno do conhecimento ocorre a partir da experiéncia dos homens na relacio com o mundo em que vivem..£ a partir de sua existéncia, portanto, que os homens constroem sua viséo e com- preensio de mundo. Isto representa a sua tomada de posigio como sujeitos da propria existéncia, resultado do’seu processo de hominizagao demarcando a histori- cidade da razdo (Vieira Pinto, 1979). 27 Ortega y Gasset j4 nos advertia que “a realidade nao | é dado, algo dado, oferecido — mas construgao que o homem faz com o material dado” (1989:26). Assim, toda produgdo de conhecimento deve ser entendida a partir da relagao do sujeito do conhecimento com os objetos do mundo que pretende apreender. O fendmeno do conhecimento, baseado na relag&o sujeito-objeto, en- contra sua resolugdo na produgao de conceitos — aquilo que retine as diferentes partes (como revela a etimologia da palavra), isto é, enquanto abstragdo daquilo que foi investigado (Hessen, 1978; Jaspers, 1989). Esses con- ceitos serio a base da linguagem do conhecimento. Nesse sentido, toda forma de conhecimento reside na | atitude de um sujeito que se posiciona no mundo e engendra a sua leitura particular acerca da sua circuns- tancia. Portanto, toda forma de conhecimento apresen- ta-se como uma leitura de mundo — e cada conceito ° produzido revela-se uma palavra “gravida de mundo”, para lembrarmos o mestre de todos nds, Paulo Freire (Freire, 1991), A Histéria, como forma de conhecimento, nado escapa | a essa caracterizagéo. Em conseqiiéncia, trata-se de en- fatizar que o conhecimento histérico deve ser orientado no sentido de indagar a relagéo dos sujeitos com os seus objetos de conhecimento, provocando seu posicio- namento, questionando as formas de existéncia humana e promovendo a redefinigéo de posicionamentos dos sujeitos no mundo em que vivem. A partir disso, é preciso considerar que a produgao do saber histérico evidencia-se como instrumento de leitura do mundo e nao mera disciplina. Todavia, impGe-se a superagdo dos limites do conhe- cimento comum, marcado pelas obviedades. Esse tipo de conhecimento apresenta uma objetividade ocasional, 28 sem profundidade subjetiva, sustentado em mero empi- rismo. Em contrapartida, impGe-se a instauragio do universo do conhecimento cientifico, ao qual corresponde o racionalismo e o aprofundamento racional da cons- ciéncia, além de uma iniciagdéo peculiar da linguagem e dos procedimentos préprios da ciéncia. Assim, enca- minha-se a transformagaio do fato natural — associado ‘ao empirismo do senso comum — em fato cientffico — identificado com um racionalismo aprofundado —, conforme nos indica Bachelard em que as verdades instauradas sao nao apenas verdades de fato, mas igualmente de direito — base da discusséo académica (Bachelard, 1972). Nesse instante, a comunicaco revela-se como a di- mensao determinante do processo de conhecimento cien- tifico, especialmente do processo de aprendizagem. Mais do que o “aprender”, ou “apreender”, ou, ainda, “‘apanhar” algo pronto — como sugere a etimologia —, a apren- dizagem deve identificar-se com o estudo, ou seja, conforme sua origem latina, “aplicagdo do esptrito para aprender’. Af deve residir a nova atitude que supera a cadeia normatizadora que nos serviu como ponto de partida. A habilidade de estudar necessita do despertar do sujeito, que “‘aplica o espirito” para tomar, ou “apren- der” um objeto de conhecimento. Trata-se, de fato, de confundir processo de aprendi- zagem com processo de construgdo do conhecimento. E Pprocesso de construgéo de conhecimento requer pesquisa — neste caso cientifica —, rompendo com as obviedades comuns e instaurando nfveis de aprofundamento racional da consciéncia. Disso resulta um sujeito do conhecimento que s6 pode ser investigador, ou pesquisador. Sintetica- mente o processo de aprendizagem confunde-se com a iniciagéo a investigagado, deslocando a problematica da 29 integra¢éo ensino-pesquisa para todos os niveis de co- nhecimento, mesmo o mais elementar. A pesquisa é | assim entendida como o caminho privilegiado para a construgdo de auténticos sujeitos do conhecimento que se propdem a construir sua leitura de mundo. Na escola, ou especificamente na sala de aula, isto significa produzir conhecimento de maneira coletiva. ' Nem sempre essa condig&o coletiva é instauradora de didlogo, uma vez que a fala pode ser pautada na norma. No entanto, submetidos 4 condig&o de investigadores do mundo e produtores de conceitos acerca dos objetos de conhecimento, o coletivo da sala de aula, no qual se ; incluem os professores, torna-se 0 espago da comunicagao | dialégica (Freire, 1987), por exceléncia. Com efeito, a partir desse rumo, o papel reservado 4 escola e ao corpo docente ganha matizes que redefinem suas bases. Trata-se af de proporcionar as condigdes para a comunicacgao entre sujeitos do conhecimento, de espfrito racional e investigador. Recoloca-se dessa forma os pressupostos de uma pedagogia da animagao (Mar- celino, 1990), recorrendo inclusive a formas iidicas, como instrumento para ensejar a integragiio ensino-pes- quisa, sob a condigdo da comunicagdo total (Gutierrez, 1988). O ensino passa a ser o lugar da animacio e a pesquisa o lugar da aprendizagem, sustentado em estru- turas dialégicas. Documento como ilustracgéo Em tempos nao muito distantes, contavamos com a edigdo de coletféneas de documentos histéricos para a Historia do Brasil, como, por exemplo, a organizada por Therezinha de Castro, professora do Colégio Pedro 30 II, e outra do MEC, organizada por professores do CAP da UFRJ (Castro, s.d.; Gasman, 1976). Na primeira obra, a insisténcia recai sobre o cardter ilustrativo e motivador do trabalho com as fontes histéricas. Na segunda, basta a referéncia dos autores Langlois & Seignobos — “sem documento nao ha histdéria” —- para definir a atitude em relagdo a defesa da utilizag&o de documentos no exercicio diddtico, apesar de reconhecidamente a obra possuir intengées mais abalizadas. Evidentemente, as duas obras lembradas possuem a marca do tempo em que foram produzidas. De qualquer forma, a reacgio a esse tipo de atitude em tempos posteriores levou-nos a um distanciamento do trabalho didético com fontes em favor do esforgo conceitual apurado — eliminando dos livros diddticos de Histéria a referéncia aos documentos de época. Sua sobrevivéncia limitou-se aos anexos, que, em geral, colocam no mesmo plano documentos histéricos de época e textos historio- grdficos, confundindo-os sem distingéo clara (p. ex. Arruda, 1977; Aquino et alii, 1980; e Nadai & Neves, 1990; lembro ainda de uma experiéncia registrada, mas que nao escapa ao mesmo condicionamento, cf. Paes, 1985). , De certa forma, a refer€ncia a documentos histéricos ganhou um espago prdéprio: as obras paradiddticas. Para os mais jovens, adaptagdes de documentos de época, enriquecidos de ilustragdes a-histéricas, para nao dizer anti-histéricas, e uma linguagem adaptada, que muitas vezes margeia o anacronismo, que tem como maior atributo a atitude dessacralizadora. Além disso, 0 mercado oferece inimeras colegdes especiais (p. ex. “Primeiros Passos”, “Tudo é Historia”, “Princfpios”, “Histéria Po- pular”, “Discutindo a Histéria”, “Repensando a Histéria”, “Histéria em Documentos”), que todos manuseamos — 31 em geral, mais os professores que os alunos, a quem de fato deveriam ser indicados os paradiddticos. Entre- tanto, essas colegdes ora sdéo produto da sintese de literatura académica estrangeira, ora se utilizam de fontes de época como ilustragio, fazendo, em geral, do do- cumento um aderego e n&o um problema. O que resulta desses movimentos editoriais é uma atitude ilustrativa e complementar em relagao a utilizagao _ dos documentos histéricos no processo de aprendizagem — como nos livros diddticos propriamente ditos —, ou ent&o extraordin4ria, de intengao paralela e suplementar - — como nos paradidaticos. Recentemente, surgiu uma outra postura, em uma | obra diddtica inovadora sustentada apenas em fontes. Ai também aparece a produgao historiografica, porém com 0 intuito de submeter a meméria do fato a uma avaliagdo | atualizada, revelando uma atitude sofisticada, mesmo | que nem sempre facilmente incorporada (Faria et alii, } 1988). Tenho noticias, inclusive, de que hd colégios particulares abastados que utilizam a obra como leitura : complementar — desvirtuando a concepgio original. De todas as maneiras, me parece que a referida obra retorna ao ambiente do livro didético em que o aluno encontra a matéria pronta. E fato que esta no é a intengao do livro, mas a condig&o a qual est4 submetido pela cadeia normatizadora que integra. Ainda nesse 4mbito, gostaria de citar o caso de duas coletaneas recentes de documentos que estao 4 disposi¢ao no mercado atual (cf. Ribeiro & Moreira Neto, 1992, e Indcio & Luca, 1993), porém sem grande repercussao, talvez por lhes faltar a marca do didatismo que ativa um mercado tao poderoso em capacidade disciplinadora. 32 (Para uma reflexdo acerca da relagao entre ensino de hist6ria e indistria cultural, vide Fonseca, 1993.) Documento como problema A partir das anotag6es anteriores, pretendo langar algumas idéias acerca de uma antiga pratica: a utilizacdo de documentos histéricos em sala de aula. Essa pratica caiu em desuso e por isso mesmo creio que sua defesa ganha em atualidade. Advirto, no entanto, que nao se trata de retomar os mesmos procedimentos de outrora, em uma atitude saudosista, mas, ao contrério, buscar novas soluges para problemas atuais, ampliando os horizontes do exercicio diddtico em Histéria, seja no 1° ou no 2° grau. Para tanto, a minha proposta sustenta-se na convic¢ao da necessidade de superar a cadeia normatizadora do conhecimento, pronto, acabado e localizado, desabsolu- tizando as formas de conhecimento, mesmo o cientifico. Nessa cadeia de inserem como sujeitos passivos profes- sores e alunos, sustentados pelo elo do livro didatico — contribuindo para a reprodug&o de estruturas de pensamento dominantes de maneira acritica, confundindo o dbvio com o saber. Trata-se, assim, de fazer da construgéo do conhecimento uma produg&o humana, em que se instale a ruptura com o senso comum, a partir de bases racionais e cientificas. . Dessa maneira, a metodologia implicita proposta para o ensino de Histéria deve ser encaminhada na diregao de indagar a construgéo do conhecimento de algum objeto particular, revelando a relagéo que os homens estabelecem entre si e 0 mundo que os circunstancia. 33 A metodologia deve se sustentar sob bases dialdgicas, ensejadas pela animagao docente, e na atividade de pesquisa e investigagao, identificada com o processo de aprendizagem. O objetivo deve ser a construgéo de 1 conceitos, possibilitadores da produgio de uma leitura de mundo. Dentro dessa orientacao, a construgdéo do conhecimento histérico se sustenta no processo indutivo de conheci- mento — partindo do nivel do particular e do sensfvel | para alcan¢car a conceituagao e a problematizagado abran- gente. Isto significa dizer que o ponto de referéncia sao | os documentos a serem trabalhados em sala de aula. Basicamente, trata-se de exercicios de leitura, ndo apenas de textos narrativos, mas privilegiando também os ico- nogrdéficos — mais adequados a faixas iniciais do pro- cesso de aprendizagem. Assim, propde-se que a meto- dologia adequada é aquela que perpassa as formas de assimilagio de conhecimento: percep¢do, intuigdo, critica e criag¢do — definidas por Francisco Gutierrez em seu . livro Linguagem total. : Desdobrando essa referéncia, entendo que a percepgao € a intuigéo pertencem a dimensio do imediato, do empirico. A primeira forma é o nivel em que o sujeito do conhecimento, sensivel no caso, se depara com o objeto “em sua maioria”, em condic¢do de distanciamento ou de estranhamento. A intuigdo por sua vez, € a forma em que a intersubjetividade se instala, provocando apro- ximagées variadas acerca do objeto. A partir dai, deve-se delimitar o terreno da critica, pois nem sempre a intuigaéo € a percep¢ao se colocarao em sintonia, da mesma forma como a sua identificagdo pode ser denunciadora de sua inconsisténcia. E a critica dos dados observados e das hipsteses intufdas que demarca a dimens&o racionaliza- dora ea superagdo das obviedades. O momento da 34 conceituagao corresponde a criagdo propriamente dita, pois tem de ser acompanhada da afirmagéo de uma palavra, ou expressao, sintetizadora. Daf por diante, a criatividade se liberta para algar véos, entendidos como desdobramentos problematizadores. Ora, esses instantes do processo proposto naturalmente sao conduzidos e condicionados pela atuagao docente. Como ja indicado, este se identifica com a animagao que deve estimular a produgao do conhecimento, o que significa discutir a relagao do sujeito com a circunstancia de sua existéncia. Assim, 0 objetivo da animagao didatica deve ser abastecer os alunos de informagGes e dados e, ao mesmo tempo, conduzi-los 4 problematizagio. O professor deve estabelecer como objetivo um problema que o nortear4 e que deve ser a meta a alcancar. Unidade programatica passa a ser entendida como um problema a ser trabalhado didaticamente. Para nao ficarmos somente no reino da abstragao, trago um exemplo construfido em minha prdtica docente, em torno de um campo classico da historiografia: a Expansio Maritima e Comercial. De inicio, o problema: a Expansiéo Maritima e Co- mercial, ou seja, a construgdo da percepgao européia do planeta, baseada na exploragao colonial (sei que possi- velmente o problema poderia ser outro, dependendo do enfoque a ser dado pelo entendimento e das op¢des programaticas e da animagdo docente). Clarificado o problema, resta lev4-lo 4 sala de aula e os documentos se apresentam como o lugar do problema proposto. O ponto de partida é uma obviedade do senso comum: “Vocé j4 viu o sol nascer?”. Creio que quase todos nds com rapidez dirfamos que sim. Mas sei também que todos nés sabemos, nos dias de hoje, que é a terra que gira em torno do Sol e n8o o contrario, o que significa dizer que 0 que vemos n&o corresponde aos fatos. Cabe 35 indicar aos alunos que isto é um problema histérico, pois havia um tempo em que os homens — ocidentais, ao menos — nao admitiam a hipdtese do movimento da Terra. E a discussio copernicana do heliocentrismo versus geocentrismo. Tudo isto pode ser conduzido com humor e provocagéo em torno das visdes em torno do Sol. Por exemplo, dizem que os baianos param para assistir ao Sol passar..., 0 que sabemos que nao é possivel, a nao ser no nivel do preconceito, identificado a instancia da obviedade. Afirmagdes do senso comum so tomadas como documentos histdricos, pegas de in- terrogagdo social. O dbvio é fonte e objeto de critica hist6rica. Ai temos o gancho para a utilizagéo de documentos de época. Por exemplo: contamos com cartas celestes dos séculos XV e XVI que nos mostram como o céu percebido do ponto de vista do hemisfério norte era bem conhecido dos europeus, enquanto o do sul era vazio de anotagées. Sabemos também que a cartografia do planeta foi um processo duradouro, que vai no minimo de Colombo, em 1492, até o capitdéo Cook, em 1770, quando mapeia © continente australiano — e assim 0 movimento da Expansaéo Maritima Comercial ganha contornos crono- légicos. A cronologia deve ser tomada como informagées a serem analisadas a partir de uma interrogagdo, assu- midas caracteristicas de fonte. O mapa-mindi € outra possibilidade de documento hist6rico. A oportunidade nos coloca a chance de de- senharmos os trajetos das grandes navegacdes e suas datagGes para caracterizarmos o movimento e notarmos a marcha cartogréfica. Ao mesmo tempo, localizamos as partes que compdem a representagao usual do mundo. “Qual parte cabe ao Brasil?”, “Quem gosta de ficar por baixo?”, “... e no canto, ainda por cima?”. Ora, se o 36 mundo é redondo, se 0 espago é vazio e nao tem, “em cima” nem “embaixo”, se bola nao tem meio — por que a Europa cabe ficar por cima e no centro, na nossa representa¢do cartogrdfica? Os trajetos das grandes na- vegacées e seu ponto de partida comum — 0 continente europeu — demonstram que a construgdo do mapa do mundo, ou simplesmente da imagem do mundo, é uma construgéo cultural européia ocidental. Eis a questao, que tem como referéncia basica o Atlas de Mercator — mas que nao era a Unica proposta possivel, como nos indica a existéncia do Globo de Marini, que representa o mundo de cabega para baixo, segundo os padrdes vigentes, sem falar na carta de Da Vinci, que representa © mundo fragmentado em fatias, tendo o pdlo norte como elo. (Todas essas representagdes sfo facilmente encontradas em obras disponiveis nas bibliotecas publi- cas.) © outro momento € o da descrigéo dessas empresas maritimas do inicio da época moderna O instrumento basico das navegagdes eram as embarcagdes — e para tanto contamos com ilustragdes descritivas dessas naus (novos documentos que podem ser utilizados): caravelas como a Santa Maria; galedes como Mayflower. A organizagio de uma expedigaéo pode ser debatida a partir da descricio do didrio de Antonio Pigafetta, acerca do projeto de Magalhaes, de onde se depreende a organizagdo da marinharia e sua hierarquia, além do destaque da importancia dos fogos na comunicagag entre os barcos. O entendimento da armacio de uma empresa maritima pode ser aprofundado com a Rela¢do do Capitao Gonneville, que descreve em mintcias 0 que se carregava como alimento, armamento etc. e os perigos que corria uma expedigéo, bem como os fatores de sua motivagao — a curiosidade e 0 comércio. 37 A descrigéo da chegada ao Novo Mundo podemos encontrar em uma curta passagem da crénica de Jean de Léry, assim como o contato entre as gentes pode ser trabalhado a partir da narrativa de Claude d’ Abbeville (Abbeville, 1975). O escambo pode ser representado pelo coldéquio tupi-francés que consta da obra citada de Léry (Léry, 1980). O mundo representado pela cosmo- grafia do inicio da época moderna européia aparece em mapas em torno do Brasil, por exemplo, onde o que menos interessa é a perfeigdo cartogréfica, mas a iden- tificagdo dos elementos da exploragao colonial: produtos, mio-de-obra e indicagdes das bases militares inimigas. Ao final, devem ter se instalados instantes de criagao. O aluno poderd ter montado uma apostila, com do- cumentos intercalados por textos de pr6pria autoria. Tal unidade pode ser complementada com a produgao de um mapa surgido da criagdo individual ou coletiva em que o Brasil surja no meio e por cima, desde que se respeite a ordem das referéncias espaciais — e por que nao dividir a Europa, como fazem com a Asia em um conhecido jogo (War)? Note-se que conceitos como o de escambo nao sio do universo vocabular do aluno. No entanto, o que importa € a construgdo do contetido do conceito que o aluno produz, a partir das atividades programadas com os documentos e informagées histéricas que o professor oferece no ambiente da animagdo. O contetido conceitual ‘deve ser 0 objetivo, sendo a palavra apenas um acréscimo ao vocabuldrio. Disso resulta que a palavra do professor deve ser a ultima (na ordem da explicitagao do conceito e nfo de sua sustentagéo), sendo a explicitagéo do conceito encaminhada no processo coletivo que surge da animagao dialégica. Importante é ressaltar que é 0 aluno que lé o mundo e ndo o professor, que fica com 38 a fungao de orientador e animador; é o aluno que vivencia a percepgdo, a intuigao, a critica e a criagdo. O processo deve levar a que 0 aluno construa seu objeto de conhecimento, desenvolvendo-se como sujeito da investigagao e, por conseqiiéncia, como autor de valores, idéias, conceitos, palavras, discursos € textos, confron- tados com a expressio dos colegas — ultrapassando o conhecimento comum que serviu como incentivacéo inicial. Nesse percurso, entretanto, alguns processos [dgicos devem ser enfatizados, como a analogia e a diferenciagao, acompanhando a andlise e decomposig¢do dos objetos, alcangando algum tipo de classificagao, conceituagdo e valoragdo — nem que seja entre bem e mal. Comple- mentarmente, os processos mneménicos baseados em associagées livres (sugiro o tom engragado — por exemplo, volume e seios da Mona Lisa, contraste de claro/escuro e a careca de Shakespeare) que podem reforgar a fixagio. Tudo isso dentro de uma coeréncia l6gica, em que a problematizagao do objeto indique uma postura complexificadora da realidade para que o aluno relativize os seus conceitos e nogdes e, ao mesmo tempo, apure a sua relagéo com o mundo. Contudo, os conceitos que devem resultar das ativi- dades programadas sao conceitos historicizados e nao absolutizados, uma vez que sustentados na andlise da documentagio e dos testemunhos de época. Com efeito, garante-se, assim, ‘“‘o terreno dum combate entre uma verdade sempre mutdvel e conceitos sempre anacrénicos; conceitos e categorias devem ser remodelados sem cessar, ndo ter nenhuma forma previamente fixada, modelar sobre a realidade do seu objeto em cada civilizagio” — hos ensina Paul Veyne (1987:162-163). 39 A rigor, essa exemplificagdo de procedimento define n§o apenas a aprendizagem como um processo, mas, sobretudo, parte do principio de que toda forma de conhecimento é processo, reatualizando as nossas refe- réncias e expectativas. Sob tais condig6es, inclusive 0 erro torna-se um elemento condicional da processualidade da ciéncia. Todo processo de reflexdo e construgao do conhecimento precisa levar em conta, na expressio de Hilton Japiassu (1986), “o erro como condigao da ver- dade”. Uma teoria sem erro seria, por certo, dogma absolutizado. Pesquisa e leitura Transformar a sala de aula em lugar de pesquisa histérica exige algumas consideragdes. A qualidade do encaminhamento proposto € atribuir ao ensino o sentido de iniciagdo 4 pesquisa. Inspiragao semelhante encontra-se em Maria Candida Proenga, ao sugerir que o ensino de histéria deveria ser uma “iniciagdo ao pensamento his- térico”. Trata-se, portanto, de enfatizar a integragao ensino-pesquisa, com o compromisso de desabsolutizar a produgéo do conhecimento e evitar a mistica da “superstigao da ciéncia”, de que nos adverte Karl Jaspers (1989). Isso significa dizer que nado apenas alunos se envolvem na pesquisa, como o professor passa a ser exigido de maneira distinta do processo tradicional do ensino formal. Primeiro, que a indagacao do aluno vai exigir do professor informagGes que muitas vezes ele nao ter4 de imediato, exigindo dele estudo complementar. De resto, para cada unidade o professor deverd estabelecer um problema que estar4 articulado com fontes de seu conhecimento. Isso 40 requer pesquisa docente de ordem bibliografica, mas igualmente de identificagéo de corpus documentais apro- priados. Ndo s6 a atividade discente e a sala de aula se tornam lugar de exerctcio da pesquisa, mas igualmente 0 professor se vé envolvido na tarefa de investigador, voltado para o exerctcio diddtico, rompendo a lédgica normatizadora autoritdria. Esse envolvimento com a pesquisa por parte dos professores pode servir como um pretexto para se rever a convivéncia profissional entre pares, para além das pautas das reunides de coordenago que servem muito pouco para o debate em torno do trabalho docente. Em geral, essas reuniées recaem sempre sobre o exercicio de um maior controle da sala de aula, a partir de comportamentos univocos e, especialmente, da vida es- colar do aluno. Todavia, instaurar esse processo de investigac¢io na aprendizagem suspende uma antiga etapa: a fixacdo. Ademais, essa etapa da aprendizagem define-se a partir de uma psicologia comportamental em que o aluno repete o condicionamento proposto, age conforme a norma, nao despertandto sujeitos, mas formando objetos de uma autoridade. Considerando-se que 0 conhecimento € produgdo do préprio aluno, tudo é fixagao, ao mesmo tempo que esta perde seu sentido. Por outro lado, a cronologia e as biografias ganham um novo sentido, pois, nao é a sua memorizag&o que interessa, mas a sua interrogagao. E finalmente, todo 0 processo passa a ser passivel de avaliacfo, pois cada atividade de anélise e interpretago de fonte pode resultar num exer- cfcio passivel de avaliagio e distribuigaéo de notas, combinando-se ao procedimento tradicional da prova, que, por sua vez, perde seu cardter exclusivo. 41 De resto, considero que o procedimento didatico proposto dispensa a utilizaco do livro diddtico. Estou convencido de que o exercfcio com os documentos de época séo mais complexificadores e instauradores de uma ordem de saber mais adequada, mesmo porque considero que o mercado editorial é 0 mais poderoso instrumento da reprodug&o normatizadora do saber. Com efeito, em seu desdobramento essa postura pode apro- veitar-se do mercado editorial de maneira renovada e mais inteligente, aproximando cada vez mais as pesquisas universitérias do universo escolar. Além disso, essa metodologia proposta, baseada em testemunhos de época, é de longe mais adaptada as nossas condi¢des de trabalho. Primeiro, 0 conjunto de fotocdpias certamente sai mais barato que qualquer livro & disposigao no mercado. Ademais o fato de que o investimento € distribuido a longo prazo, ndo requerendo grandes somas imediatas, é fator facilitador da vida dos alunos. Aqui vai, no entanto, uma problemética que me assusta. E claro que ler documentos na integra e no original é atividade de eruditos especializados, que mesmo assim n&o dao conta de todos os universos. No entanto, sou um critico das adaptagées facilitadas, uma vez que © contato com o documento de época na forma mais préxima do original traz para junto do aluno a experiéncia da alteridade histérica. Isso significa experimentar vi- venciando a historicidade dos fatos sociais — 0 voca- buldrio, o tratamento, as imagens, os recursos, 0 estilo, tudo isso compondo as marcas da temporalidade que qualquer conceito (qualquer, insisto!) esvazia. Nao ha quem nao experimente o que é historicidade apenas olhando e se possivel lendo um fac-simile. 42 O perigo, porém, reside na confecgdo de extratos que muitas vezes podem deturpar a compreens4o dos textos. Por isso, prefiro os documentos mais descritivos e menos valorativos, pois se contamos com apenas um extrato de um pensamento acerca do Brasil, como o de Frei Vicente de Salvador, autor de 1627, podemos reduzir a sua complexidade incorrendo em postura displicente. Fica a sugestdo, nesses casos, de confrontar perspectivas distintas. Por exemplo, o citado memorialista e o tratado de Gabriel Soares de Souza, adiantando a discussio historiografica propriamente dita. Tangenciando, mas sem querer aprofundar, considero que, sobretudo no 2° grau, a discussdo de abordagens tedricas e tratamentos metodoldégicos deve ser enfatizada, a partir da discussdo de extratos textuais elucidativos e do exercicio comparativo. Nesse sentido, a discussdo historiograéfica pode definir o perfil complexificador do curso de Histéria de 2° grau, distinguindo-o mais cla- ramente do 1° grau. Disso resulta que a prépria histo- riografia pode ser abordada ensaisticamente como objeto de pesquisa na sala de aula. Trata-se, af também, de caracterizar o conhecimento histérico como processo, além de evidenciar que a multiplicidade do real nado se reduz a forga das abstragdes conceituais. Ademais, pode- se alcangar a compreensao de que, por vezes, a nogao de erro € condicionada pelo instrumental intelectual e pratico disponivel. Tudo tomando um sentido relativi- zador dos limites do conhecimento, fazendo com que o prdéprio aluno se sinta 4 vontade para vivenciar-eventuais equivocos e limitagdes. Por outro lado, sei das dificuldades de leitura da maior parte dos alunos — e nao mais apenas em escolas piblicas. Além disso, nao apenas a leitura é um problema na sala de aula, mas também a express4o oral e escrita. 43 Ora, no caso de Histéria, ler néo implica apenas textos narrativos, mas igualmente outros tantos testemunhos de época, como mapas, iconografia e as expressdes artisticas em geral. Uma pedagogia da animagio com base na comuni- cagao total nao deixa de ser uma pesquisa de linguagens que pode ser aprimorada passo-a-passo. O trabalho com os documentos histéricos desde cedo pode ser justamente uma férmula para nao adiarmos as tarefas que o mundo contemporéneo exige da escola — que o aluno com- preenda a légica dos meios de comunicagao, especial- mente os de massa, para nao ser agente passivo da manobra de informag6es, reconhecendo outras visdes de mundo, desabsolutizando-as e demarcando a sua identi- dade de sujeito da prépria existéncia. Octavio Paz, num dos seus muitos momentos de inspiragao, j4 nos adiantava que “interrogar a linguagem é interrogar-nos a nds mesmos” (Paz, 1991:40). Isto nao torna mais facil a tarefa docente, mas deve nos servir de consolo desafiador, uma vez que a tinica tarefa valida da histéria € motivar o homem a se questionar. E se essa tarefa tem como condig4o interrogar as linguagens e discursos, devemos estar convencidos de que o Unico caminho possivel é o da leitura, entendida como leitura de mundo. Referéncias bibliograficas ABBEVILLE, Claude d’. Histéria da missdo dos padres capuchinhos na ilha do Maranhdo. Belo Horizonte, Itatiaia; Sao Paulo, Edusp, 1975. AQUINO et alii. (1980). Histéria das sociedades. Rio de Janeiro, Ao Livro Técnico. 44 ARRUDA, J. J. de A. (1977). Historia moderna e contempo- ranea, Sio Paulo, Atica. BACHELARD, G. (1972). Conhecimento comum e conheci- mento cientffico. Revista Tempo Brasileiro; epistemologia. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, n° 28a, jan.-mar., pp. 27-46. CASTRO, T. de. (s.d.) Histéria documental do Brasil. Rio de Janeiro, n° 28a, Record. FARIA, R. de M. et alii. (1988). Construindo a Histéria. Belo Horizonte, Lé. FONSECA, S. G. (1993). Caminhos da Histéria ensinada. Campinas, Papirus, 1993. FREIRE, P. (1987). Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro, Paz e Terra. . 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Poucos se apercebem, entretanto, das indmeras questdes teéricas e ideolégicas presentes a cada passo da narrativa historica. As vezes nem mesmo o proprio professor, habituado como esté a repetir o mesmo assunto em diferentes turmas, se dé conta de que o caminho dis- cursivo que segue é apenas um dentre diferentes alter- nativas possiveis de serem trilhadas. E comum, também, © professor esquecer que as pesquisas histéricas e o ensino de Histéria séo, eles proprios, hist6ricos j4 que tentam responder a questées colocadas num determinado contexto, lugar e época. Sao conhecimentos que nado estéo 4 margem da sociedade e que nao sao, portanto, neutros. Um mesmo fendmeno historico permite, pois, dife- rentes abordagens em face, principalmente, dos instru- mentos teéricos de que o professor dispée e do recorte da realidade que se quer representar. * Professor da Faculdade de Educagiio da Universidade Federal Fluminense, 47 A discussio permanente do que vem a ser Hist6ria e de qual é a sua serventia, algo aparentemente irrele- vante, permitird, por sua vez, uma escolha mais consciente; do caminho a ser seguido. Ela deve se fazer presente como forma de trazer a luz © inconsciente ideolégico do professor, evitando-se, assim, que este se transforme, sem que o perceba, num instrumento da alienacao. N&o se pode, por outro lado, dissociar 0 professo1 do espago onde exerce as suas atividades. Tanto na red publica quanto na rede privada de ensino de 1° e 2 graus observa-se a predominancia de atitudes conserva doras em relagio A Histéria e ao seu ensino. Pel insisténcia na repeticao dos mesmos contetidos e form de transmiti-los se produziu um modelo escolar d Hist6ria dificil de ser superado. InovagGes produzid no conhecimento histérico que poderiam contribuir pa oxigenar a pratica docente encontram uma barreira cons: titufda, justamente, por esse modelo, tradicionalment aceito como sendo “a Histéria”. Sado poucas as oportu nidades encontradas pelo professor para discutir, a parti do seu local de trabalho, as bases em que se assent o conhecimento histérico e 0 exercicio da sua profissao. Mudangas provocadas pela chamada Terceira Revoluga Industrial certamente alcangardo a escola, obrigando-a criar espagos de discussdo na busca de alternativas di ajustamento aos novos tempos. Os professores de Histéri que por dever de offcio tém a fungio de compreende! e explicar as trajet6rias das sociedades humanas, tera uma grande contribuigio a oferecer. A sua primeir tarefa ser, no entanto, o desenvolvimento de reflexé sistematicas sobre a sua pr6pria pratica. H4 que se ter, por outro Jado, clareza sobre diferentes instancias e articulagGes institucionais present 48 na escola para que os seus agentes possam desenvolver agdes com estégios crescentes de consciéncia. Transversalidade e atrayessamento no sistema de ensino A instituigaéo ensino compée juntamente com outras instituigdes uma rede de diferentes légicas que interagem entre si, complementando-se e suplementando-se. Elas seriam, por si s6s, estéreis néo fossem as organizagées, os estabelecimentos e as praticas que tém a incumbéncia, justamente, de materializar o que lhes é, formal ou informalmente, prescrito. As légicas incluem, também, determinadas proscrigdes e o que lhes é indiferente. As instituigdes so estruturas histéricas fundadas num determinado momento da trajetéria da humanidade. Elas passaram a condicionar as atividades humanas, tornando os homens sujeitos e objetos de suas préprias regras. Dentro dessa 6tica os estabelecimentos de ensino sdo concebidos como realizagdes das organizagées de ensino, que por sua vez sdo informadas pela instituigéo ensino. O Ministério da Educac&o, nesses termos, pode ser “tido” como uma macro-organizagao que funciona como instancia reguladora das vdrias organizagGes e estabele- cimentos de ensino. Nos varios niveis encontram-se tens6es entre as forgas que desejam a mudanga e as que desejam o statu quo: sio a transversalidade e o atravessamento, respectivamente. Assim, em nivel insti- tucional temos o instituinte e o institufdo; na organizagao: © organizante e o organizado, e no estabelecimento: o funcionamento e a fung&o. Os primeiros sao instancias inaugurantes que possibilitam o surgimento do novo, Os 49 segundos constituem a instancia do organograma, do conservadorismo, do statu quo... Um estabelecimento escolar é, desse modo, 0 espago de conscientizagéo mas também de aliena¢o; do ades- tramento dos corpos para serem livres mas também para serem explorados; da luta entre utopias voltadas para a construcdo de um novo futuro e de ideologias voltadas para o passado... E 0 espago penetrado também por outras instituigses como a familia, a Igreja etc. A educagio, por sua vez, faz-se presente em outros estabelecimentos e organizagdes. Penitencidrias, quartéis, | empresas sao exemplos, dentre outros, de espacgos onde a instituigdo ensino convive imbricada a ldgica principal. A atuacgéo do professor, desse modo, nao deveré | ater-se apenas A sala de aula se ele se dispde a lutar por mudangas sociais. Para serem efetivas elas tém de’ alcangar toda a malha social. A instancia da transformagao por exceléncia, no entanto, é a da prdtica, entendida como a agao da forga de trabalho qualificado sobre o objeto que se quer transformar. A pratica do professor se d4 fundamentalmente nos estabelecimentos de ensino. Neles atua no sentido de transformar o ambiente para que os alunos, sujeitos da aprendizagem, também se transformem. Os novos paradigmas tecnoldgicos e organizacionais colocaram a mao-de-obra docente como elemento-chave para o novo padrao de acumulacio. Um salto qualitativo em termos do desenvolvimento econémico nacional estara na dependéncia da multiplicagdo do contingente popu- lacional submetido a um ensino de qualidade. Sem} professor qualificado nao haverd, certamente, ensino de qualidade. Em Histéria, pensamos ser uma educagao de qualidade aquela que permita ao aluno construir em seu ser| 50 instrumentos teéricos tais que lhe possibilitem uma leitura crescentemente objetiva da realidade social. Assim sendo, a pratica do professor deverd estar voltada para a aquisigao e treino no manejo dos conceitos das Ciéncias Sociais pelos seus alunos. A posse dessas ferramentas inscreve-se na idéia de transversalidade, uma vez que elas permitem transformar objetos e, portanto, criar 0 novo. A prdtica do professor é fundamentalmente discursiva. A fala constitui um instrumento de controle grupal. Ela propria, no entanto, é controlada: manejada pelo pro- fessor, € submetida nfo s6 as regras da gramatica e da teoria eleita como fundamento da disciplina como também as institucionais e as do estabelecimento. O professor nem sempre se dd conta disso. Ter consciéncia das regras a que os diferentes textos sao submetidos permitird, por outro lado, um melhor aproveitamento das possibi- lidades de mudanga, bem como do conhecimento da sua diregado e limites. . O curriculo € uma pega-chave no condicionamento do discurso escolar. Ele fornece as principais diretrizes para as agdes de controle social. Desempenha o papel de atravessamento. Por mais progressista que possa ser um currfculo proposto, ele nao deixa de representar o imobilismo, j4 que a realidade é tao rica e dinamica que jamais um curriculo poder4 captd-la plenamente. Ele constitui o ponto de vista de um determinado grupo hegeménico num dado momento. J4 o curriculo real, por outro lado, poderé propender para um maior ou menor grau de alienac&o ou conscientizagao em face dos agentes envolvidos na prdtica cotidiana, tal a auto- nomia relativa do estabelecimento frente as outras ins- lincias. 51 Os regulamentos so parte integrante da vida grupal. Eles nao sao, por si s6és, bons ou maus. Eles podem ser, isto sim, adequados ou nao a finalidade a que se destinam. A falta de percepg4o da dialética do real leva muitas vezes as pessoas a tomarem a varidvel pela constante. A insisténcia na manutengdo de regras que nao atendem mais 4 realidade para a qual foram for- muladas pode produzir uma situacéo de reacionarismo e mesmo esclerose organizacional. O ensino de histéria sob o impacto das novas tecnologias J4 se fazem sentir em nossa sociedade os primeiros impactos da chamada Terceira Revolucdo Industrial. Esta, como todas as revolugdes tecnoldgicas anteriores, seré também irreversivel. Alcangaré, pelo menos nos seus efeitos, mais dia menos dia, todos os povos do planeta. O novo ambiente cultural em construgéo im- plicaré a reformulag&o das atuais regras de convivéncia, incluindo-se ai a relagdo entre o capital e o trabalho, em nivel nacional e internacional. A continuidade da apropriagdo da mais-valia se dard crescentemente, sobre a edificagao de um novo perfil de trabalhador, certamente com maior escolaridade e submetido 4 cultura da qua- } lidade, caracteristicas estas j4 observadas nos paises hegeménicos do sistema capitalista. Caminhamos, ao que tudo leva a crer, para a chamada sociedade do conhe- cimento, em que um crescente nimero de ocupagées | envolver4 operacdes simbélicas. O dominio de cédigos origindrios de diferentes campos cientfficos se tornard | imprescindivel para se poder viver com um minimo de consciéncia nesse novo mundo. 52 Nao se pode, obviamente, atribuir apenas a escola a responsabilidade pela atualizagdo cultural. J4 assinalamos que a instituigdo ensino permeia varias outras organi- zag6es. Sem uma escola de qualidade, entretanto, difi- cilmente as camadas subalternas conseguirao construir um perfil que as habilite a uma melhor remuneragdo no mundo do trabalho. A economia brasileira cresceu cerca de cinqiienta anos até a crise dos anos 80, utilizando um trabalhador com um baixo indice de escolarizagdo. O padrao europeu ocidental na ultima década foi o de crescimento eco- némico sem praticamente incorporar mao-de-obra. Nos Estados Unidos a produtividade da agricultura reduziu para cerca de 20% da populag&éo econémica ativa o numero de trabalhadores empregados. No setor secundério a tendéncia é também para racionalizagio do fator trabalho. O padrdo industrial brasileiro nos anos 90 parece indicar um caminho semelhante, ou seja, desen- volvimento e desemprego. Assim, qualquer reflexdo sobre a escola, pensamos, nao pode deixar de levar em con- sideragdio os impactos das novas tecnologias sobre a forga de trabalho e, portanto, sobre a sociedade. O ensino de Histéria deveré ser capaz, se estiver em sintonia com o seu tempo, de contribuir para que o aluno possa ler o seu entorno social qualificando-o, assim, ao mesmo tempo, para uma atuacao polftica consciente e para o mundo do trabalho. A agao politica do professor no espaco do estabele- cimento de ensino é de importincia fundamental, j4 que a produtividade da sala de aula est4 intimamente ligada & organizagaéo da escola. As associagdes de docentes em nivel de 1° e 2° graus das escolas publicas, por exemplo, constituem uma possibilidade de construgfo de uma representa¢do auténoma da categoria em relag&o 33 ao Estado, capaz de estabelecer didlogos com a diregao do estabelecimento, com governo e com diferentes en- tidades civis organizadas. A hegemonia do professorado nos seus locais de trabalho é fundamental para a orga- nizagao sindical e pedagégica. Os professores com for- magao humana, como os de Histéria, podem dar uma grande contribuigdo para a reorganizagao da escola, na medida em que possuam instrumentos eficazes de leitura da realidade social. A reorganizagao do sistema ptblico de ensino passa, assim, néo sé por uma luta politica mais ampla em nfvel do controle do Estado, como pela influéncia politico-pedagdgica nos diferentes estabeleci- mentos de ensino. A reverséo do quadro de descrédito | que se abateu sobre a escola publica é fundamental ao bom desempenho profissional. Sem uma escola de qua- lidade no se amplia o contingente de origem popular intelectualmente capaz de ingressar e influir nos espagos penetrados pelas novas tecnologias. A organizacdo da escola é necessdria mas nao sufi- ciente para se ter um ensino de qualidade. Pois, discurso politico bem intencionado e competéncia organizativa nao bastam. FE necessdrio que se tenha também compe- téncia técnica na drea em que o professor se formou. Isso significa conhecer bem nao sé os contetidos, como diferentes metodologias para que se possa escolher a mais adequada ao seu ensino. Um equivoco comum ao professor de Histéria é 0 seu desprezo pelas tecnologias de ensino. O tecnicismo alienado dos anos 70 gerou um preconceito burro em relag&o as tecnologias. Procurava-se a época “vender” a técnica como algo neutro. Deixavam-se de lado as questées politicas e sociais vividas pelo pais e pouco se refletia sobre as correlagdes entre contetido a ser trabalhado e a técnica mais adequada. 54 O insucesso do professor de Hist6ria, na maioria das vezes, nao deriva propriamente da falta de dominio do contetido mas sim de uma postura conservadora na sua utilizagao. Mesmo um contetdo tradicional pode sofrer determinados recortes para que se transforme num objeto adequado ao processo ensino-aprendizagem. Uma vez transformado em meio, sobre o qual vai incidir o trabalho do aluno, funcionaré como alavanca para o desenvolvi- mento da inteligéncia. Ha que se ficar atento, no entanto, para as implicagées ideoldgicas que acompanham a escolha da técnica e do contetido, pois, tanto uma como outra, estaréo atreladas ao objetivo que se quer atingir. O que significa dizer que conteré a marca da visdo de mundo do professor, ou seja, fundamentalmente da forma como concebe a Histéria e o ensino. Um fato que merece reflexdo na pratica do professor de Histéria é o uso abusivo das aulas expositivas. O hdbito é assimilado j4 no 1° e 2° graus e depois consolidado na universidade, quando o aluno de Histéria passa a assistir a brilhantes explanagGes de seus mestres. O exagero no uso do método certamente conduz a produgao de um alunado de baixo senso critico, uma vez que este é colocado na condicio de objeto a ser moldado. Discordar ou defender um ponto de vista diferente € muito dificil para aqueles que tém a sua disposigéo apenas as informagdes passadas pelo mestre ou contidas no livro diddtico. Sem alternativas, resta a esse aluno assumir um padrdo de passividade intelectual sem aprender os caminhos que levem & busca e criagado do conhecimento. Nao aprendendo a andar sozinho, sem produzir as suas prdprias conclusdes, tornar-se-4 um alvo facil de manipulagdo de toda sorte. Esse tipo de ensino cai como uma luva para a visaéo positivista da Histéria. Parece que um foi feito para o 55 outro. Histéria linear, causal, evolutiva, politica, dos vencedores, dos herdis, constituem, no seu conjunto, 0 alvo da preferéncia desse professor. A aquisigao de estruturas mentais que permitissem a populagao desenvolver andlises criticas da realidade so-} cial, certamente, nao foi do interesse das elites dominantes' tanto da Repdblica Velha, do Estado Novo, como durante} © perfodo compreendido pela Guerra Fria. As implicagées para as estruturas de poder tanto em nivel nacional como internacional parecem 6bvias: pobreza consciente} redundaria, sem sombra de divida, numa organizaga polftica contraria aos interesses hegem6nicos internos externos. Contingentes de origem rural foram educado: e disciplinados no proprio espago da fabrica, tendo méquina como principal professor. O fim da Guerr Fria com 0 conseqiiente alijamento do modelo soviétic de socialismo como op¢io ao desenvolvimento econd mico, as novas tecnologias que estio a exigir um tra balhador de maior nivel de escolarizagao e 0 esgotament da fase de industrializacdo via substitui¢ao de importagae parecem convergir no sentido de criar possibilidades d reversio do quadro de abandono do ensino public apesar da perda da capacidade de financiamento di Estado brasileiro. O perfil de trabalhador hoje necessdrio a produca capitalista de ponta é aquele que possua uma ce: capacidade de andlise critica da realidade, ou seja, qu combine 0 raciocinio dedutivo e o indutivo. Espera- que o trabalhador possa utilizar no seu espaco de trabalhe determinados princfpios gerais e, ao mesmo tempo, ti conclusées a partir de uma certa variedade de informago da sua prdtica didria. Decisdes répidas ¢ reduga4o niveis hierdrquicos tém se mostrado eficazes no aument da produtividade do trabalho. Esse preparo para pens: 56 a realidade e para tomar decisdes nao é adquirido apenas na empresa. Ele requer escolaridade. E 0 ensino de Hist6ria pode vir a ter um papel fundamental na produgio desse perfil de trabalhador. As contradigdes dessa légica é que a mesma capa- cidade de raciocinio, organizagao e agéo que servem A nova fase de acumula¢4o capitalista servem também as lutas populares. A mesma cabega que ajuda a produzir valor também estard preparada para ganhar consciéncia da légica capitalista e produzir novas alternativas de minimizagao da exploragao. Assim, a contradi¢ao que venha a existir ser4 entre o capital e o trabalho, e nado em termos de estruturas incompativeis de conhecimento. Espera-se que o conhecimento adquirido sob essa con- cepgao de ensino-aprendizagem venha a servir tanto para a resolugdo dos problemas inerentes ao simples ato de viver quanto para a valorizagao do trabalhador no mer- cado de trabalho. Em busca de uma metodologia de ensino-aprendizagem voltada para a formacaéo de sujeitos criticos O ensino de Histéria, pensamos, deve levar ao refi- namento do pensamento. Classificar, descobrir critérios contidos em classificagdes, comparar, relacionar etc. sio algumas das atividades mentais que deveréo caminhar juntas com o ensino de Histéria. A funcgdo de repassador de informagées, que muitos professores ainda entendem ser a sua principal tarefa, hd muito se tornou anacrénica ¢ em pouco tempo sera atropelada pelas novas tecno- logias. A multimidia, por exemplo, poder4 num futuro préximo nivelar professores e alunos em termos de 57 acesso a informacao. Um tnico compact disc pode conter | varios volumes de uma enciclopédia. Com um simples clicar do mouse pode-se consultar informagées que le- variam muito tempo para serem pesquisadas. Esses ser- vigos ja esto sendo produzidos por equipes interdisci- plinares em diferentes pafses, basicamente por empresas | capitalistas ligadas & produgdo de bens culturais. Som, imagem parada, imagem em movimento, documentos | histéricos, textos explicativos etc. poderao ser rapida- mente acessados. Tem-se assim, ao alcance apenas do | dedo indicador, ao mesmo tempo a diacronia e€ a sin- cronia, textos estruturais, conjunturais. Pode-se consultar varias vezes o contetido sem a necessidade da mediagao do professor. Esses equipamentos nao substituirao o professor, mas 0 professor com o perfil tradicional, pelo menos nas escolas de clientela de maior poder aquisitivo | estard, certamente com os dias contados. Para se descobrir e dominar a légica interna de um} determinado conhecimento, entretanto, hd que se adotar uma postura ativa diante do objeto que se quer apreender. j Para tanto é necessdrio desmontd-lo e remontd-lo, nao | necessariamente obtendo-se o mesmo produto final. O conhecimento € produzido, assim, mediante agao do sujeito sobre 0 objeto que se quer conhecer, isolando-se as partes que compdem o todo, produzindo novas com- binagdes etc. Os textos histéricos néo fogem 4 regra. Eles também seguem o mesmo padrao. Mesmo sobre temas exaustivamente pesquisados pode-se produzir 0 novo, a partir de novos enfoques tedricos. Assim sendo, | se se pretende um tipo de aprendizado que nao fique: apenas na superficie, no aparente, é€ necessdrio criar; condigdes para que o aluno adquira os instrumentos; conceituais que Ihe permitam decodificar idéias j4 exis- tentes e produzir novas. 58 A base de tudo sio os conceitos que sAo representagdes desenvolvidas historicamente pela sociedade humana. Eles tém na palavra o seu simbolo mais usual. A palavra pertence a um sistema de classificagdo e possui como referente néo um objeto ou ser singular mas um objeto formal, ou seja, algo previamente classificado. A palavra simboliza, assim, uma classificagao, O aprendizado dessas classificagdes comega j4 desde o nascimento, quando as marcas culturais vio sendo inconscientemente assimila- das. Ao compartilhar significados comuns € poss{vel aos falantes produzirem trocas simbélicas. Assim, significados comumente adquiridos passam a constituir as senhas que permitirao a decodificagéo simbdlica e, portanto, a co- municacéo. Desse modo, para se operar conscientemente com as idéias € preciso que se domine tanto o significante quanto o significado. Para comunicé-las, o signo devera ser comum ao grupo, ou seja, que tanto a forma quanto © significado sejam compartilhados. O que ocorrerd se um determinado emissor veicular pensamentos utilizando-se, fundamentalmente, de con- ceitos complexos e os seus ouvintes compartilharem apenas o significante e nao o significado transmitido? Obviamente ndo haveré comunicagdo. Essa situagiéo é muito facil de ocorrer nas aulas de Histéria, principal- mente quando na sua narrativa o professor se utiliza dos conceitos das Ciéncias Sociais que sao veiculados basicamente pelas palavras da linguagem natural. Estas sdo polissémicas por exceléncia, e mesmo contextuali- zadas prestam-se 4 produgdo de diferentes significados pelos receptores. O que acontece normalmente é que o professor nado se apercebe de que até chegar a construir conceitos com os quais opera percorreu uma longa trajetéria. E mesmo que tenha consciéncia disso, certa- mente, nao conseguird resgatar o caminho percorrido 59 para que também o aluno possa trilhd-lo. Ha que se dominar uma metodologia apropriada para que os con- ceitos complexos usados na narrativa histérica possam ser mediados, tornando-se significativos para as clientelas de 1° e 2° graus. Um procedimento usual do professor de Histéria é; introduzir na estrutura diacrénica da narrativa a sincronia da explicagao. Interrompe-se a narrativa para a explicagao de uma idéia e volta-se 4 narrativa posteriormente. Esse mecanismo muitas vezes inconsciente deverd ser am- pliado, como método, para além da exposigao didética. A utilizagZo de variados recortes textuais, tendo em| comum um mesmo conceito central, permitird ao aluno observar diferentes adequagdes para um mesmo conceito. Ao trabalhar sobre eles o aluno experienciaré usos explicativos similares em diferentes contextos, apreen- dendo informagdes e, ao mesmo tempo, apropriando-se do conceito e das suas possibilidades enquanto instru- mento passivel de ser operado em situagGes diversificadas. As palavras utilizadas para se veicular os contetidos histéricos sfo praticamente as mesmas da fala cotidiana, Mas os seus significados nao necessariamente o sdo, Elas nado s&o univocas como, por exemplo, os simbolo: usados na linguagem matematica. Mesmo contextualiza- das, as palavras podem assumir significados variado para os nao-iniciados nos cédigos préprios do grupo. regra é o aluno dominar os conceitos do senso comu e nao os de carater mais complexo como os empregadi pelas Ciéncias Sociais. Definir previamente 0 conceit nem sempre é 0 caminho mais produtivo. Ha que propiciar um ambiente tal que se permita ao educando construir a ponte entre o significado que jd possui e correlato de maior nivel de abstragao proposto. 60 O aluno nao é, assim, uma tabula rasa, onde se pode imprimir conhecimentos. Hd que se levar em conta, pois, todo um acumulo anterior, sobretudo na forma como trabalha a informagao. Grande parte do seu co- nhecimento é elaborado no nivel do subconsciente, que possui uma grande capacidade de armazenagem de dados e de processamento de informagdes. Locus do pensamento intuitivo, essa regido é responsdvel por solugdes que passam desapercebidas da consciéncia. Elas emergem como que de repente, sem que se saiba ao certo a mecfnica da sua produgdo, Essa sabedoria existente nos seres humanos nao pode ser negligenciada, pois constitui um patriménio pertencente a histéria das pessoas. A escola nao pode desconhecé-la. A solugao intuitiva surge basicamente quando faltam 4 consciéncia dados e/ou métodos analiticos que possam ser trabalhados diretamente por esta. A compreensao da realidade ocorre de forma direta sem a mediagdo dos conceitos. O pressuposto para que 0 aluno desenvolva pensamentos crescentemente objetivos passa a ser, assim, a Superagao do pensamento intuitivo sem que se perca de vista, entretanto, a importancia deste como uma forma alternativa de compreensao da realidade. Uma outra instancia processadora de informagées é © inconsciente. Ele esté submetido fundamentalmente & Idgica do triangulo edipiano. E 0 espago do significante, onde diferentes imagens, apropriadas em diferentes épo- cas, sao associadas sob o primado do desejo. Problemas diurnos sao trabalhados sob a forma de sonhos. Estes dificilmente conseguem romper as diversas barreiras impostas pela censura e chegar inteligiveis & consciéncia. Mesmo assim, podem apontar solugdes que sdo acatadas sem que na maioria das vezes questionemos a sua origem ou raz4o de ser. Assim, as distintas associagdes simbélicas 61 produzidas no inconsciente nao precisam necessariamente | ser decodificadas pela consciéncia para produzirem efei- | tos. Elas se tornam apenas disponiveis como que deci- dindo o caminho a ser trilhado. DecisGes afetivas e 4 cognitivas séo, assim, tomadas, muitas vezes, a revelia | da nossa consciéncia. Obviamente a tarefa do professor é priorizar a Iégica da realidade, pois ela funciona como balizamento para © pensamento racional. Essa forma de pensamento tem | a atribuigdo de, em ultima instancia, fornecer os critérios da verdade objetiva. Nao se pode, entretanto, desconhecer © inconsciente e o subconsciente — niveis topoldégicos do aparelho psfquico —, uma vez que neles encontram-se processadores que podem suprir caréncias de bases ra- cionais do pensamento. Funcionam, em muitas situagées, | como as tnicas formas de pensamento possivel. Os textos hist6ricos sao construgédes Idgicas aceitas, comumente, como verdadeiras pelos professores. Eles funcionam como se fossem a prépria realidade histérica. : Tem-se como algo implicito que os textos escritos ou verbais, ao serem introjetados pelo aluno, substituirao formas subjetivas de pensamento. O que acontece é que nem sempre o aluno se apropria da légica subjacente | ao discurso, permanecendo no aparente, decorando e repetindo informagées. O imagin4rio do aluno, por outro lado, nao é suficientemente explorado para que se possa a partir dele estabelecer eixos conceituais que possibilitem trocas dialéticas entre o aluno, sujeito do conhecimento, e 0 objeto a ser conhecido, e entre as suas distintas instancias do pensamento. Por que entéo nao fazer o aluno falar e, ai sim, encontrar a partir das suas quest6es 0 contetido que Ihe seja significativo? Construfdo em torno de um conceito central correlato ao espontaneo utilizado pelo aluno, esse 62 contetido poderd servir de mediagao entre as repre- sentagdes particulares do aluno e o conhecimento uni- versalmente produzido, que tem como porta-voz 0 pro- fessor. O que se pretende, na verdade, é que as representagdes do aluno, conscientes ou n4o, possam servir de elo entre o que ele jd sabe e o que se supde necessdrio que ele venha a saber. Pode-se alegar em relagdo a esse indicativo de método que o mesmo poderé levar a um desregramento que desfigure a Histéria tal como a conhecemos hoje em sua forma tradicional ainda dominante no 1° e 2° graus. Atrelada a linearidade prépria da Histdria factual, essa concep¢ao de histéria, entretanto, vem perdendo espago na academia: sfo, basicamente, as Histérias analiticas voltadas para temas especificos, muitas vezes marginais, que vém ocupando o lugar da Historia tradicional. Estas tém o mérito de trazer a luz percepgdes e motivagdes dos oprimidos deixadas de lado pela impessoalidade das histérias baseadas nas estruturas. Ao se trazer 4 cena as diferentes falas histéricas sem a preocupacéo com uma teoria que possa ordend-las e dados que possam suplementd-las, pode-se cair, por outro lado, num relativismo inconseqiiente. Para nao se fazer simplesmente meméria em vez de Histéria hé que se desenvolver um esforgo tedrico para se contextualizar os varios testemunhos. Diferentes pontos de vista sao, entretanto, importantes, nao para que se possa tomar partido de um ou outro, mas para se compreender melhor a realidade, j4 que se tera acesso a diferentes dticas. Alguns aspectos podem ser levantados sobre essa forma de se conceber a histéria e sobre o encaminhamento metodolégico de ensino proposto. A fala do aluno pode assumir no ensino a mesma fungao que a fala do 63 i | { i oprimido na Histéria das Mentalidades. O aluno é tes- temunha da sua época, tanto do cotidiano como dos | acontecimentos que tém noticia pelos meios de comvu- nicagéo. Coordenado por um professor capaz, 0 seu imagindrio poderd servir como matéria-prima para a | produgio de uma Histéria instanténea. Resgatar, no entanto, as diferentes falas numa sala de aula e adicionar mais uma, a do professor, seria fazer algo semelhante | a memoria em relacio a Histdria. Nao ha, por outro lado, a necessidade de a opinido do professor ser a palavra final, sufocando as demais. O ensino de Histéria nado deve ser, portanto, encarado como um produto e sim como um processo que admite diferentes enfoques, conclusées provisdrias ¢ relativas. A produgdo textual dos alunos, verbal ou nao, decorrer4, assim, das trocas | horizontais entre os pares e verticais, com base na | andlise critica de uma pluralidade de pensamentos de diferentes épocas e lugares que a linguagem escrita e outros meios de comunicagio permitem fazer com que fiquem disponiveis. Sdo pensamentos que ganharao vida ao serem repensados e comunicados. A atividade mental de pensar, além de recriar 0 pensamento, produzindo | novidades, deixard marcas mneménicas no sujeito cog- | noscente, passiveis de serem resgatadas, a posteriori, para serem aplicadas em diferentes situagdes de vida. O equivalente 4 memoria para o ensino da Historia | é 0 senso comum. O que vai permitir que se produza | uma instancia critica sobre o proprio pensamento € 0 | exercicio da reflexdo e para isso é indispensavel a posse de categorias e conceitos adequados ao objeto da reflexdo, isto é, As idéias do senso comum. Um ensino de Histéria | que nao contenha essa preocupacdo estard, certamente, a servico do atravessamento, ov seja, do imobilismo. 64 Espera-se que, no mais curto espaco de tempo, trans- formagées significativas sejam implementadas no ensino da Historia, possibilitando, assim, que um ntimero cres- cente de brasileiros possa apropriar-se de formas efi- cientes de pensar a realidade, habilitando-se, como ope- radores simbdlicos, as novas tecnologias. Sem que o conjunto da populagao adquira um minimo de conheci- mento da nossa trajetéria como povo dificilmente se poderd produzir um projeto ndo-excludente de nagao. Referéncias bibliograficas BARREMBLIT, G. (1992). Compéndio de andlise institucional e outras correntes: teoria e pratica. 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A Histéria, como um conhecimento glo- bal, organizando todo o passado da humanidade num continuum harmonioso, que sofre transformagdes em conjunto, como se a humanidade se constitufsse num todo que evolui a partir de causas e conseqiiéncias comuns. Enfim, h4 um conhecimento pronto, acabado, nao passivel, portanto, de questionamento. Essas foram as concepgées de Histéria encontradas nas respostas de um grupo de alunos pés-graduados aos quais foi solicitado que respondessem a pergunta “O que é Histéria?”. Objetivando investigar as concepgGes predominantes de Histéria em um grupo de pessoas detentoras de diploma de nivel superior, oriundas de diferentes dreas do conhecimento, realizamos a pesquisa em cursos de p6s-graduagio em Educacgdo, que se caracterizam, do * Professora da Faculdade de Educacao da Universidade Federal Fluminense. 67 ponto de vista da clientela, por congregar alunos de variadas formagées. As respostas foram organizadas, entéo, em cinco grupos que reuniam conceitos de Histéria que expres- savam basicamente o mesmo contetido: (a) A Histéria é€ o passado, ou seja, a Histéria é “o aciimulo das experiéncias vividas” ou “uma sucessao de fatos enca- deados entre si”, (b) A Histéria € um conjunto pronto, acabado, de conhecimentos sobre o passado, “‘é o registro dos acontecimentos em diferentes épocas vividas pelo homem”; (c) A Histéria estuda as transformag6es sofridas pelas sociedades humanas ao longo do tempo; (d) A Hist6ria preocupa-se com os fatos “importantes” do passado; (e) A Histéria preocupa-se em estabelecer re- lagdes de causa e efeito entre os fatos. As referidas respostas e a visio ingénua e mesmo depreciativa da Historia, que transparece nas referéncias geralmente irénicas aos “nomes e datas”, A “decoreba” ou ao cardter ilustrativo da “cultura indtil”, séo frutos, obviamente, da natureza do ensino de Histéria que ainda predomina nas nossas escolas. Diante dessa constatagdo cabe realizar uma reflexdo sobre o ensino de Histéria que tem predominado nas escolas de 1° e 2° graus, tanto em relagao as questées especfficas relativas & produgdo do conhecimento histé- rico, quanto ao contexto mais amplo da educac4o e da sociedade. A crise do ensino de Histéria no contexto da cri- se da Educacgio A crise atravessada pelo ensino de Histéria e, alias, pelo ensino em geral pode ser caracterizada como o desaguadouro de um conjunto de crises que constituem 68 © pano de fundo de nossa sociedade. Os dados relativos ao analfabetismo, evasdo escolar e ao proprio mercado de livros evidenciam uma sociedade predominantemente iletrada, cuja maior parte da populagéo vivencia um verdadeiro apartheid cultural. Os problemas de aprendizagem tém gerado uma série de trabalhos cujo denominador comum é 0 fato de questionarem os métodos tradicionais de ensino e os curriculos oficiais, em suma, a prépria estruturagio da escola. O modelo tradicional tem-se caracterizado pela transmissio de conhecimentos apresentados ao aluno como verdades inquestiondveis e pela hierarquizagao expressa, tanto na valorizagao/desvalorizagéo das dife- rentes disciplinas, quanto na desvalorizagao do saber do aluno e da sua realidade. Além disso, promove uma visdo limitada do conhecimento, favorecendo a formagao de mentes acriticas e passivas, meros repositérios de fatos e informagées fragmentadas, contribuindo para uma concepcao também acritica da sociedade que passa a ser aceita, também, como pronta e acabada, portanto, nao passivel de ser transformada. Mister destacar que o maior desafio que se apresenta aos professores é a educagao das camadas populares da sociedade, que nao tém encontrado na escola o atendi- mento necessdrio para a superagao das suas dificuldades. Com certeza a formagdo dos professores tem contri- buido para dificultar a superagdo desses problemas. Nao podemos ignorar, obviamente, as dificuldades que afetam a educacio como um todo, mas uma sdlida formagao, que aliasse o preparo nas questées relativas ao conhe- cimento a uma consistente formagao pedagégica, pro- vavelmente poderia ajudar a reverter esse quadro insa- tisfatério. 69 A crise no 4mbito da producgio do conhecimento historico Para que possamos entender melhor a crise do ensino, € necessério buscar seus fundamentos também na crise que permeia o campo da produgdo do conhecimento hist6rico, pois, na verdade, a primeira é, em grande Parte, decorrente da segunda. Em 1941, Marc Bloch (s.d.) observava que, apesar de velhissima, a Histéria era uma ciéncia na infancia. Aparentemente contraditéria, a afirmagio referia-se, na verdade, ao fato de que por Histéria j4 se designaram lendas, crénicas e todo tipo de ficg&o, mas que como empreendimento de investigagao, que esforcava-se, “fi- nalmente, por penetrar além dos fatos de superficie; por rejeitar, apds as sedugdes da \enda ou da retérica, os venenos (...) mais perigosos da rotina erudita e do empirismo disfargado de senso comum” (id., ibid.: 22), a Historia, alids, como todas as ciéncias humanas, en- contrava-se engatinhando em relagdo aos problemas es- senciais do seu método. Referindo-se as transformacdes ocorridas nas ciéncias da natureza, fruto da auddcia de alguns cientistas que revolucionaram modelos tradicio- nais, criando novos conceitos que ampliaram a possibi- lidade de aproximagao e anédlise de objetos antes im- perscrutdveis, menciona a teoria cinética dos gases, a mecAnica einsteiniana e a teoria do quanta, que “alteraram profundamente a idéia que ainda ontem toda gente formava da ciéncia” (id., ibid.: 22). Continuando, Bloch observa que as referidas teorias tornaram a ciéncia mais flexivel, e “substitufram, em muitos pontos, o certo pelo infinitamente provdvel; o rigorosamente mensurdvel pela nogio da eterna relatividade da medida” (id., ibid.: 22). Conclui, portanto que, se dentro das préprias ciéncias 70 fisicas 0 modelo tradicional deixara de ser o Unico, podia-se aceitar muito mais facilmente a idéia da adogio de modelos alternativos de produzir conhecimento no campo das ciéncias humanas. Duas décadas depois, Kuhn (1991) questiona o que ele cunhou com o termo paradigma, ou seja, 0 conjunto de regras e padrées estabelecidos que proporcionam modelos para a producgdo de conhecimento cientifico. A subordinagao a esses paradigmas — leis, teoria, aplicagao e instrumentagaéo — garantiria ao pesquisador a filiagdo 4 comunidade cientifica do seu tempo. O questionamento de Kuhn consubstancia-se na formulagdo de uma tese, que se refere tanto as ciéncias ffsicas e matematicas quanto as ciéncias humanas, de que 0 progresso da ciéncia ocorre como um processo contraditério, marcado pelas revolugdes do pensamento cientifico, em contra- dig&o A crenga de um desenvolvimento caracterizado pelo actimulo gradativo do conhecimento. Ele procura demonstrar que esses paradigmas se estabelecem a partir de descobertas significativas, que abrem novos campos de trabalho para as geragdes subseqiientes de pesquisa- dores. A explicitagio de problemas e métodos e a fecundidade do novo campo passariam a definir as regras aceitas para a producio de conhecimento e, conseqiien- temente, o contetido educativo para os estudantes que se preparam para ingressar na comunidade cientifica. Em suma, ele chama de paradigmas “as realizagoes cientificas universalmente reconhecidas que, durante al- gum tempo, fornecem problemas e solucdes modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciéncia” {id., ibid: 23). O modo como esses paradigmas se impéem aos pesquisadores leva-os a uma atitude de subordinago aos esquemas preestabelecidos de pesquisa e a uma atitude de rejeigéo ao novo. Na verdade, os 71 fendmenos que ndo se encaixam no modo tradicional da pratica cientifica tendem a ser deixados de lado. Alids, 0 novo aparece como uma ameaga. Contudo, quando 0 excepcional se impde de maneira tal que nao pode mais ser ignorado, a comunidade cientifica obriga-se a enfocar novos objetos, a procurar novas solugdes e, desse modo, a formular novas bases para a produgao cientifica. Ocorre, entéo, o que Kuhn denomina de “revolugdo cientifica” e que define como “complementos desintegradores da tradi¢Zo 4 qual a atividade da ciéncia normal esté ligada” (id., ibid.: 25). Obviamente, o perfodo de transigéo paradigmdtica constitui-se numa fase critica para o campo afetado, crise essa, entretanto, que, de acordo com a teoria de Kuhn, representa sempre um grande avango para o conhecimento. Se aplicarmos a andlise de Kuhn a Histéria, poderemos concluir que as transformagdes pelas quais as formas tradicionais de producao do conhecimento histérico estao passando enquadram-se no seu conceito de “revolugao cientifica”. Alias, o titulo do recente ensaio de Peter Burke (1992b) — A Revolucdo Francesa da Historio- grafia: a Escola dos Annales (1929-1989) — deixa clara a intengo do autor de apresentar 0 movimento surgido com a criagéo da revista Annales como criador das bases para a configuragio de um novo paradigma his- toriografico. Esse novo paradigma teria surgido basica- mente pelas mesmas razdes apontadas por Kuhn para © surgimento de novos paradigmas nas ciéncias da natureza: a impossibilidade do modelo anterior de dar conta dos novos problemas apresentados 4 pesquisa histérica. Marc Bloch e Lucien Febvre, criadores da chamada Ecole des Annales, lideraram na Franga 0 movimento da “Nova Histéria’, que, segundo Burke,“é a Histéria 72 escrita como uma reagao deliberada contra o ‘paradigma’ tradicional, (...) que ser4é conveniente descrever como ‘Histéria rankeana’ (...). Poderfamos também chamar este paradigma de a visio do senso comum da Histéria (...) para assinalar que ele tem sido com freqiiéncia — com muita freqiiéncia — considerado a maneira de se fazer Histéria, ao invés de ser percebido como uma dentre varias abordagens possiveis do passado”. Burke (1992a) afirma que, de acordo com o paradigma tradi- cional, a Hist6ria refere-se essencialmente a politica, adota a narrativa como forma de transmissao do conhe- cimento, interessa-se principalmente pelos feitos dos “grandes homens”, utiliza como fontes os documentos emanados do governo e preservados em arquivos, con- diciona as explicagdes a uma causalidade mecdnica, considera a Histéria como conhecimento objetivo, que deve ser apresentada na forma de fatos, conforme Ranke, “como eles realmente aconteceram”. Em oposicSo ao “modelo rankiano” a Nova Histéria interessa-se pratica- mente por toda a atividade humana, estando preocupada com as pessoas comuns e com as mentalidades coletivas, substitui ou complementa a narrativa com a andlise das estruturas e considera como fontes todo tipo de vestfgio deixado pelo homem, além de criticar as fontes oficiais porque expressam o ponto de vista oficial. Essa verdadeira revolucéo ocorrida na forma de pro- duzir conhecimento histérico colocou a Histéria numa situagéo contraditéria e, conseqiientemente, critica. Ao mesmo tempo que representou um enriquecimento ex- traordindrio do campo, levantando novos problemas, enfocando novos objetos e experimentando novas abor- dagens, a Histéria tornou-se, de acordo com Braudel (1982:42), “talvez a menos estruturada das ciéncias do homem”. Entretanto, Braudel também procura mostrar 73 que a crise nado se limita a Histéria, pelo contrario, a crise da Hist6ria seria apenas parte da crise maior, relacionada ao conjunto de mudangas caracteristicas do século XX. As incertezas tipicas de qualquer periodo de transi¢ao aparecem claramente nos historiadores modernos. Burke (1992a) refere-se ao fato de que “a disciplina da Historia esta atualmente mais fragmentada que nunca” e indaga se h4 uma “esperanga de sintese” (id., ibid.: 35); Le Goff nos fala sobre a preocupagao de muitos que se perguntam “‘se a Histéria nao correrd 0 risco de afogar-se numa perspectiva de fusdo” (id., ibid.: 57). A preocupagao parece estar ligada a possibilidade de uma desestruturacao do campo, numa referéncia clara 4 grande quantidade de caminhos que se abriram a pesquisa histérica. A transi¢io de um modelo estabelecido de fazer histéria para novas maneiras, nem sempre bem definidas, cria um sentimento de inseguranga, um receio de fragmen- tagfo, de perda de referencial. Conclusio A educacio escoldstica, fruto de uma tradigao intro- | duzida no Brasil pelos jesuitas, caracterizada pela trans- miss40 acritica de conteidos dogmaticos porque de cardter religioso e, portanto, impossiveis de serem co- locados em discussao, fez escola e, mesmo apés a saida dos seus criadores, permaneceu como base da escola | brasileira. Apesar de uma aparente modernizagio que aparece mais nas palavras do que na agdo, fruto da influéncia escolanovista, o ensino em geral (e talvez mais especi- , ficamente o ensino da Histdria) permanece para muitos 74 como uma ladainha repetida pelos herdeiros da tradigao jesuitica. E os resultados desse ensino podem ser ava- liados pela concepgao de Histéria deduzida das respostas dos alunos que compuseram a amostra selecionada para a nossa pesquisa. Uma nova concep¢ao de ensino, contudo, est4 sendo esbogada, Fundamentada principalmente nas teorias de Piaget e Vygotsky, a concep¢io construtivista fornece subsidios para a superagdo das aulas expositivas como metodologia exclusiva, apontando caminhos para um ensino que estimule o desenvolvimento cognitivo dos alunos em direg&o a nfveis qualitativamente superiores. A contribuigéo de Vygotsky, no que se refere a aprendizagem dos conceitos cientificos e sua relagdo com os chamados conceitos espontaneos, j4 se constitui numa referéncia para a renovac4o do ensino de Histdria. Interpretar o ensino de Histdéria como fornecedor de conceitos que facilitam a compreensdo do mundo e que contribuem para a construgdo de estruturas mentais com- plexas pode ser considerado uma verdadeira revolugado paradigmatica, pois cria um novo modelo de ensino no qual ja nao cabem os nomes e datas para serem decorados, nem fatos fragmentados que em nada contribuem para a compreensdéo dos complexos problemas da vida do homem em sociedade. Portanto, assim como Braudel clamava por uma nova histéria, nés, professores de Historia, clamamos por um novo ensino de Histéria, que consiga trazer 4 escola a riqueza das novas concepgdes de produgao do conheci- mento histérico e de ensino/aprendizagem. Ha muito clama-se por um ensino possibilitador de uma verdadeira aprendizagem, produtor de pessoas mais criativas, mais criticas, mais capazes de autonomia in- telectual. Trata-se, essencialmente, de uma questao de 75 mudanga de mentalidade, de aceitagio do novo e de todas as suas conseqiiéncias, pois a conservagéo do velho “paradigma” de ensino escoldstico mostra . nas estatisticas as suas conseqiiéncias de insucesso escolar que, alias, nao se limita ao Terceiro Mundo. Uma Histéria nova, uma escola nova, quem sabe ndo contribuirao para a construgéo de um mundo melhor que, ao contrério do admirdvel mundo nove de Huxley, Proporcione a conscientizagao ao invés da alienacdo, utilize o conhecimento para a resolugdo dos problemas da maioria e nao a utilizagio da maioria para resolver os problemas da minoria. Referéncias bibliograficas BLOCH, M. (s.d.). /ntrodugao a Histéria. Lisboa, Publicacées Europa-América. BRAUDEL, F. (1982). Histdéria e Ciéncias Sociais. Lisboa, Editorial Presenga. BURKE, P. (1992a). A escrita da Historia. Sio Paulo, Unesp. . (1992b). A Revolugdo Francesa da Historiografia: a Escola dos Annales (1929-1989). Sao Paulo, Unesp. KUHN, T. S. (1991). A estrutura das revolugées cientificas. S4o Paulo, Perspectiva. LE GOFF, J. (1986). Reflexdes sobre a Histéria. Lisboa, Edigées 70. MOREIRA, A. F. B. (1992), Escola, curriculo e a construgdo do conhecimento. In: SOARES, M. B. S. et alii. Escola bdsica. Campinas: Papirus. VYGOTSKY, L. S. (1993). Pensamento e linguagem. Sao Paulo, Martins Fontes. 76 5 Construindo um novo curriculo de Histéria* Arlette Medeiros Gasparello** Discutir 0 que acontece, o que pode acontecer € 0 que deveria acontecer em salas de aula ndo € 0 mesmo que conversar sobre 0 tempo. M. Apple in Moreira & Silva, 1994:41 Falar de ensino é, de certa maneira, penetrar no campo do curriculo. E, nesse caso, € importante levar em conta que os estudos criticos que se desenvolveram nesse campo (Moreira e Silva, op. cit.; Moreira, 1990), instituindo uma nova concepgio de escola e de curriculo, sublinham o seu cardter social, destacando a compreensio de que as diretrizes e prdticas envolvidas na educagio sao intrinsecamente éticas e politicas. Nesse sentido, as palavras de M. Apple, acima, sdo significativas por despertarem a atengdo para a complexidade dessas ques- tes que, de uma forma ou de outra, interferem nos sonhos, esperangas e realidades — nas préprias vidas —— de milhGes de criangas, pais e professores. * O presente texto teve por base o trabalho apresentado no “Seminario sobre Histéria de Angra dos Reis”, promovido pela Se- cretaria Municipal de Angra dos Reis, em outubro de 1993. ** Professora do Departamento de Teoria e Prética de Ensino da Faculdade de Educagio da Universidade Federal Fluminense (UFF-RJ). 77 Tais perspectivas situam e orientam a nossa propria busca de questdes que possam contribuir na discussaio sobre a necessidade de se repensar a cultura escolar tendo como referencial os “quadros intelectuais” do presente (Citron, 1990). Isto significa, para nds, procurar atender as exigéncias de construgao de uma escola que faca parte ativa da dinamica do seu presente histérico, na medida em que seja capaz de superar os entraves conceptuais que pertengam a um outro tempo e a uma outra escola. Neste trabalho, procuramos situar, a partir da con- cepcao de um curriculo que se transforma e se constrdi buscando sintonia com o seu tempo, as contribuigdes mais significativas da produg4o historiogrdfica atual e suas inter-relagdes com a problematica das mudangas curriculares no ensino de Histéria nas escolas de 1° € 2° graus. Curriculo e escola Quando se pensa hoje em escola vem 4 nossa mente a sua crise, que, expressando seus problemas, conflitos e contradigdes, se interliga e se enraiza em um arcaismo e anacronismo de concepcGes e de saberes que conformam € pdem a sua marca em nosso sistema escolar. No Brasil, estudos recentes sobre o curriculo demons- tram que as transformagdes ocorridas no contexto sé- cio-econémico e politico na década de 80 favoreceram o desenvolvimento de uma abordagem critica das quest6es educacionais (Moreira, op. cit.). Observou-se, também, uma queda da influéncia norte-americana na educacao, com um sensivel aumento da influéncia de autores 78 europeus. Acompanham tais estudos 0 questionamento dos modelos tradicionais de avaliagaéo e curriculo, com a rejeigdo dos padrées americanos de curriculo influentes na década anterior. Uma questao central na teorizagao critica no campo da educagdo € a que situa o curriculo em seu contexto social e cultural, despojando-o do carater neutro ligado a uma visdo convencional, que o percebia como um mero vefculo de transmissdo desinteressada do conheci- mento social. Ao mesmo tempo, esse conhecimento nao € mais percebido como algo estdtico, como um conjunto de informagées e materiais inertes, para ser absorvido passivamente (Moreira e Silva, op. cit.). Pelo contrério, efetiva-se um movimento de dessa- cralizagao do curriculo, desvelando sua historicidade com suas implicacgGes politicas e sociais. Nele so revelados € questionados elementos antes vistos como “naturais” € inatacdveis, como por exemplo sua estrutura disciplinar e€ seus contetidos “oficiais”. Nesse sentido, o curriculo € associado a um lugar de produgdéo e de politica cultural, onde seus elementos constituem “matéria-prima de criacgao, recriagéo e, sobretudo, de contestacio e transgressdo” (id., ibid.: 28). Por outro lado, sabemos que o peso do passado prolonga e interfere no movimento de mudanga — no sentido de que o fazer docente se efetiva na inter-relagdio com as forcas da tradic&o, persistentemente presentes nas praticas escolares. Isto importa em reconhecer que, como pratica social, o fazer escolar se encontra também sujeito as “‘prisdes” da longa duragdo... O modelo de nosso sistema escolar, com sua arquitetura em disciplinas estanques, isoladas em espacos fechados e hierarquizados, tém caracterfsticas instituidoras de um tipo de organizagiio 719 do espago, de controle do tempo e de vigilancia' ex- pressando uma visdo de cultura como soma de saberes compartimentalizados em programas oficiais e centrali- zadores. Dessa maneira, conforma uma determinada men- talidade sobre cultura escolar, que dificulta as tentativas de uma nova abordagem, fundamentada numa organiza- ¢4o intelectual que dialoga e procura estar aberta as possibilidades de um “inter-relacionamento de saberes”,” ao mesmo tempo que interage com as realizagdes de outras instituigdes e instdncias sociais — em Ultima andlise, que expresse a sociedade de nosso tempo. Mas os conflitos e as contradigdes fazem parte do movimento do social — e do real. Nesse sentido, precisamos estar atentos e conscientes das mudangas — percebermos as “inadequagdes” do nosso fazer ao movimento de trans- formagao do nosso tempo. Nessa perspectiva, como situar a questéo das novas abordagens no curriculo do ensino de Histéria? Quais os seus referenciais mais significativos e suas implicagdes politicas e sociais? Como orientar uma educagdo histdrica na escola? Em outros termos, qual o papel desse curriculo na formacao da consciéncia histérica do aluno? Para encaminhar tais quest6es, iniciamos desenvol- vendo um aspecto que tem apresentado um cardter paradigmdtico no movimento de renovacao do curriculo 1. A esse respeito € particularmente elucidativo o estudo de Foucault sobre um tipo especial de poder que ele chama de o “poder disciplinar’. Cf. Michel Foucault, A microfisica do poder, trad. e org. de Roberto Machado, Rio de Janeiro, Graal, 1979. 2. Nesse aspecto, a contribuigao de Michel Foucault (op. cit.) sobre a inter-relagdo conceitual de saberes € importante para uma compreensio e uma abertura para o nosso mundo. 80 de Histéria, que se refere a abordagem da Histéria local, por ter implicagdes metodoldgicas e epistemold- gicas em relagao ao conhecimento historico. Introduzimos o assunto fazendo referéncia as mudangas curriculares no ensino de Histéria na década de 70. Em seguida, destacamos alguns marcos conceptuais da produgdo his- toriografica do nosso século e sua influéncia nas novas propostas curriculares para o ensino de Histdria. A questio regional no curriculo A partir da década de 70, com a realizagao de cursos de pés-graduagao no pais observou-se uma produgdo de nivel académico tratando de Historia regional. Por outro lado, em nivel de ensino de 1° grau as diretrizes da politica educacional do pafs, apontando a necessidade de regionalizar os curriculos, incentivaram uma produgdo de livros diddticos numa linha de “Histéria regional”. Isto aconteceu paralelamente & institui¢ao da drea “Es- tudos Sociais”, que, no 1° grau, substituiu as anteriores disciplinas de Historia e Geografia no curriculo (Lei 5692/71). Assim, os alunos do Estado do Rio de Janeiro estudavam “Regiio Sudeste” em livros didaticos que acumulavam uma série de informagGes que pretensamente formavam 0 corpus necessério para o entendimento da regiio. As escolas passaram a desenvolver um contetido de ensino considerado “préximo” ao aluno, mas nem sempre com as necessdrias reflexGes, seja das relacdes entre Histéria e regiGo, ou ainda do significado dessas relagGes para a compreensio do processo histérico do pais. As coisas se passavam, na escola, como se o enfoque regional, no curriculo de 1° grau, se esgotasse numa 81 simples justaposigao de contetidos programaticos de His- téria e Geografia, para atender as diretrizes educacionais para os Estudos Sociais. Paralelamente articulou-se, nesse periodo de nossa hist6ria, um ensino fragmentado, apa- rentemente sem fio condutor, a uma politica de “des- qualificagao” académica do professor, com a criagdo dos chamados Cursos de “Licenciatura Curta” em Estudos Sociais. Mas nessa época de autoritarismo e repressdes de toda ordem, muitos professores, nos limites e pos- sibilidades de suas salas de aula, transformaram suas habilitagdes em focos de resisténcia: os que tinham se formado em Histéria trabalhavam esse conhecimento com seus alunos de Estudos Sociais; os que eram professores de Geografia faziam o mesmo... Mas, nestes termos, 0 enfoque regional, para nds, teria uma fungao alienante? Histéria e regiGo nao seriam, em Ultima anélise, “tempo” e “espago” ou “Histéria” e “Geografia”? Poderia haver um “risco” ou uma negati- vidade na Histéria regional? Os estudiosos da questo regional apontam para a necessidade de se abordar a relagdo espacialidade-tem- poralidade, no pressuposto de que a regifo é um “corte” da espacialidade, da mesma maneira que estrutura, con- Juntura, acontecimento sio “cortes” ou delimitagdes da temporalidade para fins de estudo da representagio do real e do vivido (Silva, 1990). . Os gedgrafos da vertente critica conceituam 0 espago como um fato social, produto da acdo humana e portanto dotado de historicidade em inter-relagio com os processos sociais. Nesse sentido, a concepgiio de meio geografico é revista, situando-se nio mais como condigéo para o desenvolvimento da sociedade humana, mas num com- plexo global de condigdes materiais do desenvolvimento 82 histérico: na problematica espacial, a agio humana e a idéia de movimento sao vistos numa perspectiva dialética, nao linear. Outro aspecto colocado a partir das andlises sobre a questao regional € a necessidade de se repensar o significado das unidades politico-administrativas esta- duais, tendo como pressuposto que as fronteiras regionais nao coincidem necessariamente com fronteiras politicas juridicamente definidas. No ensino, a reflexio sobre o assunto tem chamado a atengdo para o fato de que os critérios de recortar a realidade, seja a partir do elemento cronolégico, espacial ou cultural, para desenvolvimento dos curriculos, j4 carregam implicitamente consensos homogeneizadores de um real nao homogéneo,. O fron- teiramento regionalista poderia, entao, dificultar a apreen- sfo do processo histérico na complexidade de seu mo- vimento e de seus conflitos. A construc%o curricular precisa entdo estar atenta para que ndo se efetue apenas na base de recortes tradicionais, o que implicaria uma percepgao fragmentada e isolada da historia regional, despojada de suas diferenciagdes internas e de suas articulag6es externas no espaco brasileiro e fora dele (Silva, 1990). O enfoque regionalista, nesta viséo poderia ser um referencial analitico para a compreensado da dinamica econémica e social da regio que fosse objeto de estudo, podendo contribuir para a percepgado das continuidades e descontinuidades do processo histérico. No entanto, no nosso ensino, a questo da regiona- lizago dos curriculos, como ja foi abordada, foi intro- duzida por uma via negativa, ou seja, autoritdria, sem possibilidade de escolha ou discussdo, e 0 que é pior, de uma maneira quase automdtica, com a utilizagio de livros diddticos que distribufam os contetidos Por regides 83 de uma forma estdtica, em que nao se percebia uma perspectiva que possibilitasse uma compreensdéo mais global da realidade social. Mas hoje, a questao regional nos curriculos escolares retorna, desta vez com uma outra roupagem e a partir de novos pressupostos. Ja nao se trata simplesmente da influéncia marcante dos quadros conceituais nor- te-americanos no que diz respeito aos “Estudos So- ciais”, muito ligada 4 metodologia do chamado “estudo do meio”, mas que se relaciona & penetragio, nos meios educacionais, das tendéncias e concepgdes de uma historiografia que se fez “nova”, e que, de certa forma, também expressou e se constituiu no espago criado pela inter-relagéo de saberes da nossa época e que encontrou figuras capazes de levar adiante o projeto. Histéria e ensino de Histéria No Brasil, privilegiava-se o ensino de Histdria Uni- versal segundo o esquema quatripartite francés (Antiga, Média, Moderna, Contemporanea), com o ensino de Hist6ria do Brasil numa posigéo secundadria. Somente a partir de 1940, durante o Estado Novo, 0 Ministério da Educagao e Satide Publica estabeleceu o ensino de Histéria do Brasil como disciplina auténoma. 3. Referimo-nos principalmente as contribuigées da chamada Nova Histéria, como ficou conhecido o movimento liderado por historiadores franceses ¢ que teve como marco inicial a fundagiio da revista Annales d’histoire économique et sociale, por Lucien Febvre e Marc Bloch, em 1929. 84 $. De 14 para c4, num periodo de cingiienta anos, foi se constituindo um curriculo de Histéria eurocéntrica, politica, cronolégica e dos grandes personagens. Os marcos da Histéria do Brasil ficaram sendo os marcos da Hist6ria européia, exercendo fungédes politico-ideo- Idgicas bem definidas no curriculo escolar (Fonseca, 1993). A pratica cotidiana nas escolas, seguindo o modelo oficial, preocupava-se em comunicar um conhecimento factual do passado, repetindo sempre o gesto de dividir, num discurso que considerava “morto” 0 que o precedia, considerando possivel um “corte” entre 0 presente e o passado, e portanto a concepgao de um tempo homogéneo, singular e absoluto (Certeau, 1982). No entanto, inimeros foram os professores que, iso- ladamente em suas salas de aula, enfrentando pressées e caréncias de toda ordem, procuraram e procuram romper com uma histéria que s6 privilegia fatos passados, considerando a possibilidade de problematizagao da his- toricidade presente, a partir da realidade vivida. Estas e outras preocupagées sdo encontradas, por exemplo, no conjunto de relatos de professores de 1° e 2° graus por ocasiao do VI Encontro Regional da ANPUH-UNESP, em setembro de 1982 (Silva, 1984). Nesse aspecto, podemos perceber, no movimento com- plexo e heterogéneo do presente histérico das escolas, um curriculo de Histéria que vem sendo construfdo nas salas de aula, procurando acompanhar as mudangas na producgéo educacional e historiogrdfica, mas também a permanéncia de um ensino ligado ao passado, naquilo em que se apresenta estereotipado e limitador. A presenga do passado est4 presente, por exemplo, na persisténcia das divisdes tradicionais de assuntos separados no espago 85 € no tempo, ou em recortes exclusivamente segundo o critério cronolégico ou dos eventos politicos... Dentre as principais transformagées efetivadas ao longo do desenvolvimento da produgdo historiogrdfica do nosso século, destacam-se as mudangas que se pro- cessaram em relagao ao objeto de estudo, as suas fontes € a uma nova concepco do tempo. No modelo da Hist6ria tradicional (Burke, 1992), as concepgdes de um tempo absoluto, linear, separado de um espago isolado, absoluto, correspondiam ao paradigma cartesiano-newtoniano e respaldavam um determinado modo de fazer ciéncia e uma visio de mundo mais adequada a certezas e absolutos. As novas contribuigdes da Fisica, como as teorias Quéntica e a da Relatividade, consolidaram uma concepgao de tempo-espaco indisso- cidveis e revelaram um universo em constante inter-re- lagio e movimento. Nesse novo tempo, as reflexdes praticas de historiadores anunciando uma Nova Histéria transformaram as relagdes do historiador com o seu objeto, na perspectiva da compreensio do vivido e a Percepgao mais rica de uma dialética da duragdo, com a inter-relagio do presente/passado/futuro. Com a percep¢o de diferentes nfveis de tempo, em diferentes ritmos e do entrelagamento desses diferentes tempos, hé uma duragdo percebida em sua tensdo entre © novo e o velho, em oposigéo a um tempo linear, seqiiencial e absofuto. A emergéncia de um espaco-tempo € apreendida em sua relagao dindmica, de sujeitos his- t6ricos e sociais. Essa complexa atividade relacional das agées humanas fundamenta a nogao de “trama”, desenvolvida por Veyne (1992): os fatos nao existem isoladamente; tém seus 86 & @ lagos objetivos e sua importancia relativa. Neste sentido, 0 “tecido da hist6ria” nao se aprésenta, necessariamente, em uma seqiiéncia cronolégica, podendo passar de um plano para outro, num corte transversal dos diferentes ritmos temporais. Mas, conclui: “ela sera sempre trama porque ser4 humana, porque nao ser um fragmento do determinismo” (id., ibid.: 28). Contudo, nado sio os acontecimentos na sua prépria individualidade que interessam ao historiador: importa compreendé-los, para encontrar neles uma espécie de generalidade ou especificidade. E, nesse sentido, a His- téria pode ser compreendida como o conhecimento do especffico: & histérico tudo o que for especifico — que quer dizer ao mesmo tempo “geral” e “particular”. Além disso, na medida em que todo acontecimento € tio histérico quanto qualquer outro, o historiador tem liber- dade de escolher seu objeto, libertando-se de uma Histéria factual, voltada para os grandes eventos, de uma “histéria tratados-e-batalhas”. Desse modo, abriu-se para o histo- tiador 0 campo do “ndo-factual”, de limites imprecisos, pois se referem a eventos antes ndo considerados como tais, como a Histéria das Mentalidades, da Loucura, do Corpo, da Feminilidade... Nesse processo, a construgao de novos objetos exigiu a utilizagao de novas fontes — orais, iconogréficas —, delineando-se uma outra con- cepgo de documento, a partir da nog’o de documen- to/monumento, para a compreensao do vivido, também na perspectiva de uma “histéria vista de baixo”, dos homens e mulheres comuns, das minorias, dos exclufdos, de uma histéria do cotidiano. A partir dessas transformagées, define-se como uma hist6ria-problema, que tem como trago signi- ficativo a sua abrangéncia interdisciplinar: num 87 movimento de m&o dupla, historiadores se fundamentam nas outras ciéncias humanas e estas se interpenetram na Histéria. Por um novo curriculo de Histéria Numa proposta de renovagao do curriculo do ensino de Histéria, como nao levar em conta essas enriquece- doras modificagdes na produgdo do conhecimento his- térico? Sabemos que mesmo alguns grandes historiadores receiam mudangas radicais nos curriculos e os seus temores parecem estar relacionados 4 desconfianga da propria capacidade da escola em tornar efetivo um ensino de qualidade dentro dessas novas concepgées historio- grdficas. A esse respeito, Paul Veyne questionava pon- deragées feitas por seus pares em relagio as mudangas curriculares na Franga, na década de 70 — que intro- duziam a Histéria por temas no ensino secundério —, indagando o porqué da celeuma — para ele, tais mudangas eram tudo o que sempre sonhara! (Le Goff et alli, 1991), De fato, trabalhar com temdtica implica em trabalhar com as diferentes visées dos varios grupos sociais, ou seja, “trabalhar com um conjunto de experiéncias da vida de determinado grupo social significa confrontar tais experiéncias e leituras com as diferentes leituras dos demais grupos sociais”, como afirma o texto do Movimento de Reorientagdo Curricular — . Histéria — Visao da Area, da Prefeitura de SAo Paulo. No entanto, faz um alerta que reflete as ponderagdes de Le Goff (1991) quanto ao cuidado que se deve ter em relacio ao ensino por temas: 88 “O simples fato de se trabalhar com tematica, todavia, nao € uma garantia de rompimento com a visdo deter- minista. “‘Narrando” toda a evolugdo da moradia, isolada de outras experiéncias, por exemplo, desde o tempo dos primeiros grupos humanos até hoje, nao se terd uma vis4o critica, nem se conseguird chegar a uma histéria explicativa que dé conta dos problemas humanos ge- rados pela sedentarizagio e pela vida em sociedade”. (p. 17). Sem dtivida, a renovagdo metodolégica da produgado historiogrdfica recente, configurando uma nova concepgao de Hist6ria, esté deixando sua marca nos movimentos de reformulag4o curricular. As novas tendéncias e con- tribuigGes estao presentes nas propostas para um novo ensino de Histéria, na reflexdo sobre o seu papel social e os contetidos que necessitariam ser trabalhados no curriculo escolar, como o demonstram as propostas dos municipios do Rio de Janeiro (1991), de Sao Paulo (1990) e a do Estado de Sao Paulo (1993). Professores e alunos, como sujeitos de suas praticas, podem efetivar novas experiéncias, forjando novos sa- beres no conhecimento de suas/nossas historias... Em relagdo a Histdria local, pode-se situd-la como principio metodolégico, que encontra sua validade ao atender aos pressupostos da construgdo de um conheci- mento que interage com um saber que se torna signi- ficativo e consciente, constituindo-se em sua relev4ncia social. Definindo-se como a Histdria do lugar, aproxima o aluno do seu cotidiano, da sua familia e de seus companheiros, para a compreensdéo de si mesmo como sujeito histérico, agente do seu fazer e do seu viver. Tem, pois, um carater formativo ao situar o aluno no seu contexto de vivéncia, mas sem se limitar a esse 89 enfoque, ou seja, a particularidade local precisa ser analisada nos aspectos em que se articula com a gene- ralidade e a complexidade do social-histérico.* Nesse caminho, é importante o aprofundamento da compreensio do tempo histérico, trabalhando-se a concepgao do en- trelagamento das duragdes, que desenvolve a consciéncia dos ritmos da mudanga social. Possibilita-se, assim, percepgao dos movimentos lentos sob a aparente imu- tabilidade das estruturas. Como recursos a observagio do cotidiano, das formas materiais da localidade, das novas fungdes para velhos objetos... A reflexio e dis- cusséo sobre 0 aparentemente conhecido, como ponte para 0 ainda nao conhecido/percebido, sao pistas para novas abordagens conceituais e novas praticas na escola. E principalmente, uma atitude, mais que uma meto- dologia, interdisciplinar que pode ser desenvolvida num enfoque tematico e problematizador. Na reconstrugao da Histéria do lugar, apresenta-se a possibilidade de trabalhos coletivos, podendo-se constituir um saber enriquecido por outros campos do conhecimento, em atividades que propiciem a livre expressio e um fazer/saber criativos. Percebemos também que as novas orientagdes para © curriculo de ensino de Histéria pretendem promover uma pratica pedagédgica aberta e dindmica, preocupada fundamentalmente com a questo da cidadania. Tal questo nos remete a necessidade de instituigfo de uma escola que se preocupa com a formagdo — e nesse 4. Expressio cunhada por Corelius Castoriadis em sua obra (cf. Principalmente em A instituigdv imagindria da sociedade, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1982). 90 sentido abrange o projeto de situar o aluno no seu contexto histérico, a fim de capacité-lo para o agir e transformar, e nao apenas para atuar e reproduzir. Referéncias bibliograficas BURKE, P. (org.) (1992). A escrita da Histéria. Novas pers- pectivas. Séo Paulo, EDUSP. CABRINI, C.; CIAMPI, H.; VIEIRA, M. do P. et alii (1986). O ensino de Histéria: Revisdo urgente. Sao Paulo, Brasi- liense. : CERTEAU, M. (1982). A escrita da Historia. Rio de Janeiro, Forense Universitdria. CITRON, S. (1990). Como ensinar Histéria hoje: a memoria perdida e reencontrada. Lisboa, Livros Horizonte. FONSECA, S. G. (1993). Caminhos da Histéria ensinada. Campinas, Papirus. LE GOFF, J.; LADURIE, L. R.; DUBY, G. et alii (1991). A Nova Histéria. Lisboa, Edig6es 70. MOREIRA, A. F. (1990). Curriculos e programas no Brasil. Campinas, Papirus. (Colegao Magistério. Formacao e tra- balho pedagégico.) MOREIRA, A. 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MARILIA BEATRIZ AZEVEDO CRUZ é€ docente da Faculdade de Educagao da Universidade Federal Fluminense. PAULO KNAUSS DE MENDONCA é€ docente do Departamento de Historia da Universidade Federal Flu- minense. SONIA MARIA LEITE NIKITIUK é docente da Faculdade de Educagdo da Universidade Federal Fluml- nense. UBIRATAN ROCHA € docente da Faculdade de Educagao da Universidade Federal Fluminense. nsinar Histéria atualmente nao 6 uma tarefa simples. Em um mundo em ra- pida transformagdao, mudam o aluno, aescolae censino. Como lidar com essas mudan¢as? O que mudar na historia e no seu ensino? © que 6 relevanfe no contetido? Como tomar a aprendizagem mais interessante? Neste livro, os autores discutem estas © outras questOes, procurando apontar noves caminhos na complexa arte de ensinar/aprender Histéria, ISBN 85-249-0808-1 108. MM Sco

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