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Jorge Miklos2
RESUMO
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Este artigo foi publicado no livro: MIKLOS, Jorge. A Religião da Tecnologia. In: Moreira, Alberto da Silva
(et. al.). (Orgs.). Religião, espetáculo e intimidade: Múltiplos olhares. 1ªed.Goiania: PUC Goiás, 2014, v.
1, p. 93-99.
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Graduado em Ciências Sociais e História. Mestre em Ciências da Religião e Doutor em Comunicação e
Semiótica, ambos na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Especialista em Psicologia Junguiana
(FACIS-IJEP). Pós-doutorado na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professor Titular do Programa de
Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Midiática da Universidade Paulista.Vice-Líder do Grupo de
Pesquisa Mídia e Estudos do Imaginário (UNIP-SP) e do MIRE - Grupo de Pesquisa Mídia, Religião e
Política (UMESP-SP). Membro do CISC - Centro Interdisciplinar de Semiótica da Cultura e da Mídia (PUC-
SP). Desenvolve Pesquisa acerca do “Imaginário Religioso na Sociedade Mediática”.
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neanderthalensis. O Homem de Neandertal desenvolveu-se entre 80.000 e 35.000 anos e era
portador de um volume craniano igual ou superior ao homem atual. Ele foi o primeiro a
sepultar os mortos num claro indicio de ideias religiosas.
Para o sociólogo francês Edgar Morin, a ritualização da morte é um importante
traço cultural do homem: “É impossível conhecer o homem sem lhe estudar a morte,
porque é, talvez mais do que na vida é na morte que o homem se revela. É nas suas crenças
e atitudes perante a morte que o homem exprime o que a vida tem de mais fundamental”
(MORIN, 1988, p. 52). Nessa ótica da morte, religião e cultura são indissociáveis.
Morin afirma que a consciência da morte possibilitou ao homem um avanço em sua
natureza cultural. As sepulturas e os rituais fúnebres foram os primeiros sinais da cultura
humana e provavelmente a primeira ideia religiosa do homem.
A palavra religião vem do latim religio, formada pelo prefixo re (outra vez, de
novo) e o verbo ligare (ligar, unir, vincular). A religião é um vínculo. Quais as partes
vinculadas? O mundo profano e o mundo sagrado, isto é, a Natureza (água, fogo, ar,
animais, plantas, astros, metais, terra, humanos) e as divindades que habitam a Natureza ou
um lugar separado da Natureza. Para vencer a morte, o homem inventou a Religião. Em
termos de etimologia, religião é o que liga o homem a Deus. A Religião é o caminho, o
meio utilizado pelos homens para se comunicarem com os deuses. Assim, não há como
negar que as manifestações religiosas promovem meios de comunicação no espaço da
cultura. A religião está no meio entre os deuses e o homem.
A religião engaja o homem de duas maneiras: primeiramente, explicando a natureza
e o significado do universo ou justificando os caminhos de Deus para o homem, isto é, a
teodicéia; e, em segundo ligar, elucidando a função e o propósito do homem no universo
ou ensinando-lhe como libertar-se de suas limitações e terrores, isto é, a soteriologia.
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No segundo ponto, religião é uma doutrina da unidade: Deus, que para as religiões
monoteístas em sua realidade mais elevada é único, é o Criador, Senhor e o fim último do
universo e do homem nele. No segundo ponto, religião é um método de união: um caminho
sacramental, um meio de salvação. Quaisquer que sejam as maneiras pelas quais os
chamemos, estes dois componentes estão sempre presentes: teodicéia e soteriologia;
doutrina e método; teoria e prática; dogma e sacramento; unidade e união.
Doutrina ou teoria diz respeito à mente (ou no nível mais alto, ao intelecto, no
sentido preciso e metafísico do termo); método ou prática, diz respeito à vontade. A
religião, para ser ela mesma, deve sempre engajar tanto a mente quanto a vontade.
O segundo componente da religião, ou a pratica, pode ser dividido em dois: culto e
moralidade. O culto, elemento propriamente sacramental, em geral assume a forma de
participação nos ritos revelados (públicos ou privados) de uma dada religião, com vistas a
assimilar a vontade do homem à de Deus. A moralidade, o elemento social que gerencia a
maneira como devemos ou não fazer as coisas. Alguns dos conteúdos da moralidade são
universais: “não matarás”, “não roubarás”. Alguns dos conteúdos são específicos da
religião em questão: “não farás imagens esculpidas”, “o que Deus uniu o homem não
separa”.
Chega-se, assim, aos três elementos que consideramos os aspectos definidores de
toda a religião: dogma–culto–moralidade. Quando elevados a um grau mais intenso, o da
espiritualidade ou mística tornam-se palavras: verdade –via espiritual– virtude.
Muitos perguntam: Por que há tantas religiões? Não existe a verdadeira religião?
Qual Religião é certa ou errada? Religião é um tema delicado. Um rápido olhar pela
história revela que a religião serviu de argumento para o dogmatismo e a prepotência. É
comum a religião abrir as portas para o fanatismo e, no lugar de instaurar a solidariedade,
erguer barreiras entre as culturas. Por outro lado, observa-se que também que a religião
pode ser experiência social de libertação.
Pós-modernidade
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novo, acreditamos que a religião e o sagrado também se encontram numa virada de
mudanças, um tempo que afirma ainda muitos valores tradicionais, ao lado de muitas
posturas, tudo isso num clima em que emergem mais paradoxos que certezas.
Em decorrência desse fenômeno instituições se esvaziam e outras despontam. A
pós-modernidade, com seu caráter de absoluta transitoriedade, promoveu o arrefecimento
de grandes sistemas religiosos tradicionais, em especial o catolicismo, provocando um
fenômeno migratório, em busca de novos credos e novas formas de expressar o sagrado.
Este, por sua vez, promoveu uma reação tentando recompor seu rebanho. O movimento
carismático, bem como a ampla utilização dos meios de comunicação de massa pela igreja
católica, por exemplo, é uma forma encontrada por alguns setores da igreja católica para
fazer frente à „desgraça demográfica.‟
O sagrado nômade
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lugar do ritual. Como postula Malena Contrera:
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fenômenos contrários e simultâneos.
De um lado, a fragmentação e a dispersão espacial e temporal. De outro, sob efeito
das tecnologias eletrônicas e de informação, a compressão do espaço – tudo se passa „aqui‟
sem distâncias, diferenças nem fronteiras – e a compressão do tempo – tudo se passa
„agora‟ – sem passado e sem futuro.
A condição glocal é marcada pela dispersão do espaço e do tempo que condiciona
sua reunificação num espaço indiferenciado, plano e pleno de imagens fugazes, e num
tempo efêmero desprovido de profundidade pretérita ou futura.
A sociedade reconfigurada pelo glocal promove uma mudança no sentido do
espaço. O espaço anteriormente tomado como uma dimensão material é agora transformado
por meio da „produção de uma arena tecnológica em dupla via: o espaço imediato da
condição glocal, contexto da vivência concreta, e a sociespacialização tecnoimagética do
aparelho de base (numa palavra, a tela)‟ (TRIVINHO, 2007).
O espaço glocal contribui também para a intensificação da visibilidade mediática
como nova modalidade do real. Para Trivinho, o isolamento perante a tela verificado no
glocal interativo é compensado pela sensação imaginária de gregarismo produzido pelo
contexto de conexão.
Dentro dessa mesma vertente, Paul Virilio fala em acronia e atopia, ou a
desaparição das unidades sensíveis do tempo e do espaço vivido sob os efeitos da revolução
eletrônica e informática. A profundidade do tempo e seu poder desaparecem sob o poder do
instantâneo. A profundidade de campo, que define o espaço de percepção, desaparece sob o
poder de uma localidade sem lugar e das tecnologias de sobrevôo. (VIRILIO, 1993)
Vivemos sob o signo da telepresença e da teleobservação, que impossibilitam
diferenciar entre aparência e o sentido, o virtual e o real, pois tudo nos é imediatamente
dado sob a forma da transparência temporal e espacial das aparências apresentadas como
evidências.
Volátil e efêmera, hoje nossa experiência desconhece qualquer sentido de
continuidade nem de ruptura e se esgota em um presente sentido como instante fugaz. Ao
perdermos a diferenciação temporal não só rumamos para o que Virilio chama de „memória
imediata‟, ou ausência de profundidade do passado, mas também perdemos a profundidade
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do futuro como possibilidade inscrita na ação humana enquanto poder para determinar o
indeterminado e para ultrapassar situações dadas, compreendendo e transformando o
sentido delas. (VIRILIO, 1993)
Dada a quantidade de usuários que frequentam a web para fazer promessas, pedidos,
rezar, enviar santinhos, agradecer graças alcançadas e até acender velas para seu Santo, vale
perguntar se o ícone maior dos nossos tempos, a Internet, pode também ser sinônimo de Fé.
Teria a conexão técnica substituído experiência do religare?
O Iluminismo se propôs a desencantar o mundo, submetendo todos os ângulos da
vida humana a explicações racionais. Teria a Pós-Modernidade, introduzido um novo
„encantamento‟? Pelo quê se encantam os homens em nossos tempos?
Parece-nos que é tarefa do campo científico da Comunicação promover um esforço
no sentido de construir uma análise mais consistente sobre uma questão central: em que
medida e sob quais procedimentos, a comunicação, mediada pelos equipamentos
eletrônicos e, mais recentemente, informáticos de tempo real, relaciona-se com as atuais
transformações no campo das experiências religiosas. Como postula Flusser: “as religiões
tradicionais estão em crise. (...) Como indivíduos e como sociedade estamos à procura de
um veículo novo para substituir as religiões tradicionais e abrir campo à nossa religiosidade
latente” (FLUSSER, 1967, p. 15).
A experiência religiosa tradicional pressupõe uma vivência no tempo e no espaço.
Precisamente, esse tipo de vivência espaço-temporal é eliminada no cyberspace. Pessoas
buscam na web desfrutar do seu momento de fé em qualquer lugar onde estejam
manipulando um computador; tornando-as livres das dificuldades de precisarem estar num
templo ou de conseguirem isolar-se num cômodo silencioso de sua casa. Entretanto, é
possível experimentar o sagrado no cyberspace, com a compressão espaço-tempo? Se a
resposta a esta pergunta for negativa, cabe indagar, o que é sagrado no cyberspace, senão a
própria mídia.
A reconfiguração da experiência religiosa permeada pelas novas tecnologias
comunicacionais apela para uma gradativa perda da dimensão do sagrado. A representação
– imagem – testemunho de uma ausência – presença de uma ausência determina o sucesso
dos fenômenos midiáticos que respondem por uma desesperada experiência de comunhão –
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participação no sagrado. A técnica ocupou o lugar dos altares
Bibliografia
ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano: a essência das religiões. São Paulo: M. Fontes, 1996.
______ . Mídia e pânico: saturação da informação, violência e crise cultural na mídia. São Paulo:
Annablume, 2002.
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