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Esse efêmero, porém, não é uma criação exclusiva da velocidade permitida pelas novas
tecnologias de informação,
mas de outra vertigem, trazida com o império da imagem e a forma como, através da
engenharia das comunicações, ao serviço da mídia, ela é engendrada, um arranjo
deliberadamente destinado a impedir que se imponham a idéia de duração e a lógica
da sucessão. Esse tempo de paradoxos altera a percepção da História e desorienta os
espíritos, abrindo terreno para o reino da metáfora de que hoje se valem os discursos
recentes sobre o Tempo e o Espaço8.
Milton Santos10 afirma que a reflexão sobre o tempo pode ser realizada em dois eixos de
interpretação. Um eixo de sucessões, que significaria abordar os problemas sociais a
partir da análise dos fenômenos ao longo do tempo, havendo, na seqüência dos
acontecimentos, uma ordem temporal. Um segundo eixo seria o das coexistências, da
simultaneidade, mas não apenas no sentido de possibilidades ilimitadas de interconexão,
mas sim no sentido de haver, em uma mesma área, em um mesmo lugar, diferentes
"tempos" para ações de diversos agentes.
Em outras palavras, o fato de que a utilização do tempo é diferente para uma mesma
ação evidenciaria que, "para os diversos agentes sociais, as temporalidades variam, mas
se dão de modo simultâneo".11
Para Milton Santos, o tempo histórico, "o tempo como sucessão é abstrato e o tempo
como simultaneidade é o tempo concreto"12 de forma que "a ordem espacial é a ordem
do tempo histórico - um tempo em geral - que coordena e regula as ordens exclusivas de
cada tempo particular, concreto". O mundo tornar-se-ia a soma e a síntese de eventos e
lugares, onde "tempo", "espaço" e "mundo" mudariam constantemente e o fato de
mudarem concomitantemente e de se auto-influenciarem permitiria que
o espaçopudesse ser tratado como meio em que a vida é tornada possível, mas
também como linguagem, por permitir a geração de realidade.
A diferença fundamental entre os dois autores está na causalidade entre tempo e espaço
e nas inferências permitidas a partir de então. Enquanto Santos supõe o domínio do
espaço pelo tempo, Castells14 propõe a hipótese de que é o espaço que organiza o tempo
da sociedade. Este espaço, sem dúvida ampliado pela presença das novas tecnologias de
informação, construir-se-ia em forma de redes.
A base material para tal expansão seria a constituição do paradigma das tecnologias da
informação17, de forma que, neste ponto, esta pesquisadora concorda com a reflexão de
Castells. No entanto, a partir do momento em que Castells dirige suas reflexões no
sentido de buscar afirmar que a "lógica de redes gera uma determinação social em nível
mais alto do que dos interesses sociais específicos expressos por meio das redes"18, sua
análise passa a caminhar para uma concepção de redes como um processo "natural",
quase que definido por um determinismo tecnológico, alheio às implicações de um
poder hegemônico constituído, no qual "o poder dos fluxos é mais importante que os
fluxos de poder".19
A decorrência lógica dessa máxima conclusiva de Castells, na visão de José Luiz Aidar
Prado20, é de que a rede se naturaliza, não restando "um meio caminho entre estar ou
não nas redes, pois as redes não instrumentos para a auto-reprodução desse sistema
auto-enredante globalizante que aí está"21. Ainda segundo as críticas de Prado, a
ausência de reflexões quanto à questão da instrumentalização do agir e da
mercantilização da cultura atestariam, nas conclusões de Castells, a primazia da
morfologia sobre a ação social, de modo que o conteúdo circulante da rede não seja
mais importante que a própria circulação em si.
Essa concepção de espaço gera duas questões, no mínimo inquietantes. Se o fluxo passa
a ser a forma de concepção do espaço, e se a lógica dos fluxos é uma lógica determinada
pela supremacia da circulação em si em detrimento do conteúdo em circulação, o espaço
passa a ser, ele próprio, um espaço de circulação e não de conteúdos, muito menos
de construção de conteúdos, dificultando qualquer análise das possibilidades de
reconstrução desses conteúdos. Uma segunda inquietação, derivada da primeira, é a
forma como o tempo torna-se também um tempo de circulação, posto que é definido
pelo espaço. Isso implicaria em uma negação do tempo, uma afirmação de tempo
efêmero que imprimiria à prática social uma elevada dose de "fugacidade" que
desorienta a prática política.
tempo, espaço e mundo são realidades históricas, que devem ser intelectualmente
reconstruídas em termos de sistemas, isto é, como mutuamente conversíveis, se a nossa
preocupação epistemológica é totalizadora. Em qualquer momento, o ponto de partida
é a sociedade humana realizando-se. Essa realização dá-se sobre uma base material: o
espaço e seu uso, o tempo e seu uso; a materialidade e suas diversas formas, as ações e
suas diversas feições.27
como se produzem cada vez mais valores de troca, a especialização não tarda a ser
seguida pela necessidade de circulação. O papel desta, na transformação da produção
e do espaço, torna-se fundamental. Os fluxos de informação são responsáveis pelas
novas hierarquias e polarizações e substituem os fluxos de matéria como organizadores
dos sistemas urbanos e da dinâmica espacial.32
A dinâmica dos espaços da globalização supõe adaptação permanente das formas e das
normas. As formas geográficas, isto é, objetos técnicos requeridos para otimizar uma
produção, só autorizam essa otimização ao preço do estabelecimento e aplicação de
normas jurídicas, financeiras e outras, adaptadas às necessidades do mercado. Essas
normas são criadas em diversos níveis geográficos e políticos, mas dada a
competitividade mundial, as normas globais, induzidas por organismos supranacionais
e pelo mercado, tendem a configurar as outras. Uma vez mais, todos os subespaços
mostram essa presença simultânea de horizontalidades e verticalidades33.
Nesse sentido, os media poderiam também ser encarados como espaço. E como espaço,
cumprindo o papel de se distinguir em função do grau de fluidez entre coisas, objetos e
mensagens, de modo que, para serem percebidos, o espaço e os media, em sua natureza
de espaço, precisam impor-se velocidade, dando velocidade a pessoas, coisas e
mensagens. Para ampliar sua "velocidade", necessitaria constituir-se em espaço
autônomo, exercendo uma função específica de mediação entre os demais campos
autonomizados.
A partir dessa reflexão, torna-se mais evidente que a comunicação tem a ver com
conteúdos, mesmo que ausentes de signos materiais, e com sua circulação, envolvendo
desde as representações imaginárias até as representações simbólicas e seus meios,
constituindo um processo amplo, aglutinador, e exatamente por essa amplitude,
irredutível, de modo que o "total" seja sempre superior que a "soma" de suas partes
constitutivas; ou posto de outra forma, de modo que a subtração das partes do total
nunca volte a um início, "zero", havendo sempre um "resto": a experiência cultural
individual.
A informação, por sua vez, "apareceria como um ato básico de discriminação, como a
geração de uma diferença entre o que merece atenção e aquilo que é dado observar,
perceber ou conhecer, mas diz respeito estritamente à diferenciação geradora da
forma"39. Enquanto o "espaço" da comunicação se define pela lógica da transparência,
da expansão, voltado para a inclusão de novos elementos significativos, o "espaço" da
informação é definido pela exclusão, tanto do ponto de vista da "escolha" de elementos
significativos a serem codificados, como do ponto de vista da possibilidade de
apropriação da informação-mercadoria pela lógica do capital.
Segundo Maria Nazareth Ferreira43, a estrutura social reflete uma dada compreensão da
sociedade acerca dos seus objetivos, prioridades e formas de ação, permitindo
incorporar à análise de Rodrigues, a idéia de que
Partindo de outras premissas e buscando objetivos diversos, Muniz Sodré apresenta uma
análise convergente às preocupações de Rodrigues e Ferreira. Ao refletir sobre as
vinculações entre a esfera moderna dos media ou das tecnologias comunicacionais e a
ordem tradicional da sociedade civil, salienta que há um conjunto de inter-relações que
se estabelecem no sentido de obscurecer a compreensão da verdadeira natureza dos
meios de comunicação.
A utilização dos meios de comunicação como artifícios do poder não poderá ser
estudada apenas do ponto de vista da concentração da oferta de informações, tampouco
se circunscrevendo apenas ao universo simbólico, pois se limitaria o horizonte de
reflexões que permitiria visualizar as possibilidades de insurgência da classe subalterna.
O desafio da reflexão, portanto, caminha cada vez mais na direção da trans e
interdisciplinariedade, na convergência de abordagens, exigindo esforços redobrados na
busca de conexões de sentido entre e dentre as áreas do saber.
Notas
Referências Bibliográficas
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SODRÉ, Muniz. Reinventando a Cultura. Petrópolis: Vozes, 1996.
Mônica Yukie Kuwahara é doutora em Comunicações pela ECA-USP e professora
do Depto de Economia da Universidade Mackenzie - SP. Contatos pelo e-
mail: monicayukie@hotmail.com.
http://www.martamaia.pro.br/pesquisas_monica.asp