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ESTATÍSTICA E PROBABILIDADE APLICADOS À HIDROLOGIA

1. INTRODUÇÃO

Nenhum processo hidrológico é puramente determinístico, isto é, não é possível determinar com
exatidão a realização destes processos, pois eles estão sujeitos à ação de fatores aleatórios. Por exemplo,
apesar de ser possível prever com alguma antecedência a ocorrência de uma precipitação, não é possível
determinar qual a quantidade exata de precipitação que irá ocorrer. Desta maneira, estabelece-se uma
dificuldade no planejamento e gestão de qualquer sistema hidrológico, uma vez que, para planejar e
gerir, é fundamental conhecer o comportamento futuro dos processos que integram esse sistema
hidrológico. No entanto, esta dificuldade pode ser minimizada, considerando que os processos
hidrológicos são processos estocásticos, isto é, processos governados pelo menos em parte por fatores
aleatórios. Isto significa que, se são processos estocásticos, eles podem ser tratados recorrendo às leis de
probabilidade e da estatística, sendo possível determinar qual a probabilidade de acontecimento desses
processos, considerando determinados intervalos de tempo.
As variáveis hidrológicas, como chuva e vazão, têm uma grande variabilidade no tempo. Uma
das questões mais importantes dos estudos em hidrologia, é o estudo da probabilidade de ocorrência de
eventos hidrológicos de uma determinada magnitude no futuro, com base na análise dos dados
registrados no passado. Para responder a essa questão, são utilizadas técnicas de probabilidade e
estatística, que consideram que as variáveis hidrológicas são variáveis aleatórias.
Para melhor compreensão dos conceitos, teorias e metodologias aplicadas à análise de variáveis
hidrológicas, são descritos, a seguir, o conteúdo fundamental sobre variáveis aleatórias e distribuições
de probabilidade.

2. Variáveis aleatórias e probabilidade:


As variáveis aleatórias são variáveis que não podem ser preditas com exatidão. Os valores das
variáveis aleatórias são, geralmente, associados com probabilidades de ocorrência.
Por exemplo, um evento A, que ocorre NA vezes, durante um experimento que foi realizado N
vezes, tem uma frequência relativa de NA/N. Se fosse possível repetir o experimento um número muito
grande de vezes, a probabilidade de ocorrência do evento A seria definida como o limite da sua
frequência relativa, quando N tende ao infinito: P(A) = lim NA /N.
𝑁→∞
Em muitos casos, o número de vezes que o experimento pode ser repetido é limitado, e a
estimativa da probabilidade é baseada apenas em um subconjunto N de experimentos. Esse subconjunto
é denominado de ‘amostra’.
As variáveis aleatórias podem ser do tipo discretas ou contínuas, dependendo dos valores que
podem assumir.
 Discretas: podem assumir apenas determinados valores, em geral, inteiros, como o lançamento de
um dado, que pode resultar apenas nos valores de 1 a 6. Assim, a probabilidade que a variável
discreta X (por exemplo, resultado do lançamento de um dado), venha a assumir um valor x (por
exemplo, o valor 2, assumido pelo dado) é igual ao número de elementos x na amostra, dividido
pelo número total de elementos na amostra da variável X (por exemplo, a probabilidade de o
lançamento de um dado obter o valor ‘2’, em um único lançamento, é igual ao número de vezes
que o valor ‘2’ pode ocorrer, dividido pelo número total de elementos da amostra: P(x) = 1/6, para
x = 2).
 Contínuas: são as variáveis que podem assumir qualquer valor, dentro da faixa dos números reais,
para variáveis contínuas, não faz sentido estimar a probabilidade de um determinado valor de uma
variável X, mas sim, analisa-se a probabilidade de ocorrer um valor maior ou menor que um certo
valor x.
Em outras palavras, o texto a seguir descreve as variáveis aleatórias, sua classificação em discreta
e contínua, e as probabilidades associadas a cada uma:
3. Funções de Distribuição de Probabilidades de Variáveis Aleatórias:
Exercício-exemplo: Considere que a Figura 4 representa a função densidade de probabilidade
da variável aleatória contínua ‘vazão média diária máxima anual (m3/s)’, numa dada estação
hidrométrica. Determine: (a) P(X<100 m3/s); (b) P(X>300 m3/s).

4. Probabilidade e Tempo de Retorno de Variáveis Hidrológicas


As variáveis hidrológicas de precipitação e vazão, são comumente utilizadas como parâmetros de
projetos em engenharia. Em adição, projetos de estruturas hidráulicas sempre são elaborados admitindo
probabilidades de falha. Por exemplo, as pontes de uma estrada são projetadas com uma altura tal que a
probabilidade de ocorrência de uma cheia que atinja a ponte seja de apenas 1% num ano qualquer. Isto
ocorre porque é muito caro dimensionar as pontes para a maior vazão possível, por isso, admite-se uma
probabilidade, ou risco, de que a estrutura falhe. Isto significa que podem ocorrer vazões maiores do que
a vazão adotada no dimensionamento. A probabilidade admitida pode ser maior ou menor, dependendo
do tipo de estrutura. A probabilidade admitida para a falha de uma estrutura hidráulica é menor se a falha
desta estrutura provocar grandes prejuízos econômicos ou mortes de pessoas. Assim, a probabilidade de
falha admitida para um dique de proteção de uma cidade é a probabilidade de que ocorra uma cheia em
que o nível da água supere o nível de proteção do dique. Diques que protegem grandes cidades deveriam
ser construídos admitindo uma probabilidade menor de falha do que diques de proteção de pequenas
áreas agrícolas.
No caso da análise de precipitações, ou vazões máximas, são úteis os conceitos de probabilidade
de excedência e de tempo de retorno de uma dada vazão. A probabilidade anual de excedência de uma
determinada precipitação (ou vazão) é a probabilidade que esta precipitação (ou vazão) venha a ser
igualada ou superada num ano qualquer. O tempo de retorno desta precipitação (ou vazão) é o intervalo
médio de tempo, em anos, que decorre entre duas ocorrências subsequentes de uma precipitação (vazão)
maior ou igual. O tempo de retorno é o inverso da probabilidade de excedência como expresso na
seguinte equação:
1
𝑇𝑅 =
𝑃
onde TR é o tempo de retorno em anos e P é a probabilidade de ocorrer um evento igual ou superior em
um ano qualquer. A equação acima indica que a probabilidade de excdência de uma precipitação de 10
anos de tempo de retorno, num ano qualquer é de 0,1 (ou 10%), pois P = 1/TR. A precipitação máxima
de 10 anos de tempo de retorno (TR = 10 anos) é excedida, em média, 1 vez a cada dez anos. Isto não
significa que 2 precipitações de TR = 10 anos não possam ocorrem em 2 anos seguidos. Também não
significa que não possam ocorrer 20 anos seguidos sem precipitações iguais ou maiores do que a
precipitação de TR=10 anos.
A tabela abaixo apresenta o tempo de retorno em anos adotado, normalmente, para o
dimensionamento de diferentes tipos de estruturas hidráulicas.

Se 1/TR é a probabilidade de excedência de um evento, então, a probabilidade de não excedência


(Pne) desse mesmo evento é:
𝑃𝑛𝑒 = 1 − 1⁄𝑇𝑅
Como cada evento hidrológico é considerado independente, a probabilidade de não ocorrer para
“n” anos sucessivos é:
𝑛
𝑃𝑛𝑒𝑛 = [1 − (1⁄𝑇𝑅 )]
A probabilidade complementar de exceder uma vez em “n” anos será:
𝑛
𝑃𝑛𝑒𝑛𝑐 = 1 − [1 − (1⁄𝑇𝑅 )]
Então, o valor de 𝑃𝑛𝑒𝑛𝑐 é considerado um risco hidrológico de falha, usando a letra R ao invés
de 𝑃𝑛𝑒𝑛𝑐 :
𝑛
𝑅 = 1 − [1 − (1⁄𝑇𝑅 )]

Ou seja, o Risco é a probabilidade de uma obra falhar, pelo menos uma vez, durante sua vida
útil, n, para um certo período de retorno.
Existem duas formas de atribuir probabilidades e tempos de retorno para o
conhecimento/estimativa de eventos extremos hidrológicos, como as precipitações e vazões máximas e
mínimas: métodos empíricos e métodos analíticos.
Probabilidades empíricas podem ser estimadas a partir da observação das variáveis aleatórias.
Por exemplo, a probabilidade de que uma moeda caia com a face “cara” virada para cima é de 50%. Esta
probabilidade pode ser estimada empiricamente lançando a moeda 100 vezes e contando quantas vezes
cada uma das faces fica voltada para cima. O problema das probabilidades empíricas é que quando o
tamanho da amostra é pequeno, a estimativa tende a ser muito incerta. Suponha, por exemplo, que apenas
6 lançamentos sejam feitos para estimar a probabilidade de que uma moeda caia com a face “cara”
voltada para cima. É possível que seja estimada uma probabilidade muito diferente de 50%.
Para contornar este problema é comum supor que os dados hidrológicos sejam aleatórios e que
sigam uma determinada distribuição de probabilidade analítica, como a distribuição normal, ou a
distribuição log-normal, ou a distribuição de gumbel, por exemplo. Esta metodologia analítica permite
explorar melhor as amostras relativamente pequenas de dados hidrológicos.

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