ANDRETTA, F. C.
Recebimento: 22/10/2013 - Aceite: 06/12/2013
p. 76) o “conhecimento escolar deve levar o objetivo que se pretende atingir e com o
em conta o desenvolvimento e a maturidade contexto em que são desenvolvidas.
dos alunos, suas experiências e atividades”. De acordo com Sacristán (2000), con-
Já a teoria curricular de Tyler (1949) ceber o currículo como um conjunto de
articula as técnicas eficientistas com o pen- atividades que visam transformar o mundo
samento progressivista. O autor preocupou-se significa pensar em um currículo articulado a
em definir objetivos de ensino, selecionar e uma prática reflexiva e considerar ainda que
criar experiências de aprendizagem, garantin- nele interagem relações culturais e sociais.
do maior eficiência para o processo e avaliar Destaca-se, então, que essa práxis não se re-
o currículo. fere tão somente a comportamentos didáticos
da sala de aula.
De acordo com Lopes e Macedo (2011,
p. 25-26), existem elementos comuns no Em face das considerações apresentadas,
que tange as definições de currículo entre as compreende-se o currículo em um cenário
teorias de Bobbit, Dewey e Tyler. Em todas educativo complexo, no qual é necessário
elas, “é enfatizado o caráter prescritivo do conhecer práticas “políticas e administrativas
que se expressam em seu desenvolvimento,
currículo, visto como um planejamento das
às condições estruturais, organizativas, mate-
atividades da escola realizado segundo crité-
riais, dotação de professorado, à bagagem de
rios objetivos e científicos”. Vale lembrar que
ideias e significado que lhe dão forma e que
essas ações ainda repercutem nos métodos de
o modelam em sucessivos passos de transfor-
elaboração do currículo.
mação” (SACRISTÁN, 2000, p. 21). Nessa
A partir dos debates propostos por di- perspectiva, o significado real do currículo
ferentes autores e das teorias apresentadas, se constrói a partir de todos esses contextos.
distintos entendimentos sobre o significado Segundo Sacristán (2000), o cruzamento
de currículo são evidenciados. Ressalta-se, dessas práticas, distintas entre si, convergem
neste sentido, que o despontar das discussões à prática pedagógica da sala de aula que, por
na área de estudos curriculares se deu em sua vez, contribui diretamente à constituição
1971, em face do movimento da Nova So- do conhecimento escolar. Agregado a esse
ciologia da Educação (NSE), conduzido por conjunto de ações estão implícitos pressu-
Michael Young. No bojo desse movimento, postos teóricos, crenças e valores, os quais
discutiam-se questões como: “por que esses condicionam à teorização sobre o currículo.
e não outros conhecimentos estão nos currí- Para Silva (2010, p.14), a “questão central
culos? quem os define e em favor de quem que serve de pano de fundo para qualquer
são definidos? que culturas são legitimadas teoria do currículo é a de saber qual co-
por aí?” (LOPES; MACEDO, 2011, p. 29). nhecimento deve ser ensinado”. Em outras
Ou seja, segundo as autoras, foi nessa época palavras, o currículo constitui-se como o
que se passou a entender que “o currículo centro da prática pedagógica, questão essa de
não forma apenas os alunos, mas o próprio extrema relevância, pois nos permite discutir
conhecimento, a partir do momento em que e definir qual conhecimento é válido ensinar
seleciona de forma interessada aquilo que é e o que deve compor o currículo.
objeto da escolarização”. Posterior à etapa de definir quais conhe-
Prosseguindo a reflexão sobre as relações cimentos que devem fazer parte do currículo
entre o currículo e o conhecimento, verifica- escolar, as teorias, por sua vez, “buscam
se que tais concepções são dinâmicas, uma justificar por que “esses conhecimentos” e
vez que elas se modificam de acordo com não “aqueles” que devem ser selecionados.”
(SILVA, 2010, p. 15). Ainda de acordo com o currículo é capaz de modificar compor-
esse autor, o ato de selecionar, privilegiar tamentos, conduzir caminhos e, ao mesmo
um tipo de conhecimento e destacar uma tempo, repercutir na identidade e nas práticas
identidade entre múltiplas possibilidades sociais dos sujeitos.
estabelecem relações de poder. De acordo com Young (2007, p. 1296), “as
Portanto, a compreensão das teorias de escolas nem sempre têm sucesso ao capacitar
currículo é relevante nesta discussão, uma alunos a adquirir conhecimento poderoso”.
vez que possibilita refletir a respeito das fun- Ele destaca a importância da escola no que
ções que o currículo exerce sobre os sujeitos se refere à convivência e à promoção da
que serão formados segundo suas diretrizes. igualdade social com a comunidade escolar.
Em relação a isso, Silva (2010) diz que o No entanto, afirma que as escolas precisam
currículo atua como instrumento modificador considerar o conhecimento como elemento
sobre o sujeito. central do currículo. O autor coloca um ques-
Considerando que o currículo influencia a tionamento às escolas: o currículo elaborado
formação das pessoas, pode-se afirmar que o “é um meio para que os alunos possam ad-
mesmo é determinante no desenvolvimento quirir conhecimento poderoso?” (YOUNG,
do processo de aprendizagem e produção 2007, p. 1297).
do conhecimento nas dimensões individual, Nessa perspectiva, Young (2007, p. 1297)
cultural e social. Sob esse aspecto Lopes e considera que para alguns estudantes social
Macedo (2011, p. 26) afirmam que “aprende- e economicamente menos favorecidos, parti-
se na escola não apenas o que é preciso saber cipar ativamente na escola “pode ser a única
para entrar no mundo produtivo, mas códigos oportunidade de adquirirem conhecimento
a partir dos quais deve agir em sociedade”, ou poderoso e serem capazes de caminhar, ao
seja, o desenvolvimento social do ser humano menos intelectualmente, para além de suas
é gestado também no ambiente escolar. circunstâncias locais e particulares”. Ou
Nesse sentido, Silva (2010, p. 15) ques- seja, a escola pode ser a única possibilidade
tiona: “Qual é o tipo de ser humano desejável de acesso ao conhecimento, externa ao seu
para um determinado tipo de sociedade”? contexto individual.
Destaca-se, pois, que o ser humano se consti- Sob este olhar, compreende-se que a fun-
tui e se modifica de maneiras distintas. Assim, ção mais importante da escola é transmitir o
“a cada um desses modelos de ser humano conhecimento escolar, porém se o currículo
corresponderá um tipo de conhecimento, for construído em torno da experiência dos
um tipo de currículo. Além de uma questão estudantes, o mesmo não será útil. O reflexo
de conhecimento, o currículo é também dessa prática seria mantê-los no mesmo cami-
uma questão de identidade” (SILVA, 2010, nho. Isso não significa construir um currículo
p.15-16). distante da realidade local dos estudantes,
Concordando com Silva (2010), Lopes e mas esse conhecimento cotidiano trazido
Macedo (2011, p. 41) apontam que o currí- pelos estudantes à escola “nunca poderá ser
culo, concebido como uma relação de poder, uma base para o currículo” (YOUNG, 2007,
“constrói a realidade, nos governa, cons- p. 1299).
trange nosso comportamento, projeta nossa Para Young (2010, p. 174), a aquisição
identidade, tudo isso produzindo sentidos”. do conhecimento é “o propósito-chave que
Isso posto, a influência do currículo na distingue a educação (seja ela básica, pós-
formação das pessoas torna-se evidente, pois obrigatória, vocacional ou superior) de todas
as outras actividades”. Dessa maneira, desta- modificador, formando, assim, não apenas
ca que este é o motivo pelo qual as discussões os estudantes, mas o próprio conhecimento.
sobre conhecimento são difíceis, não no que Dentre as influências até aqui discutidas
diz respeito aos conhecimentos específicos, e em consonância com os autores abordados
mas aos conceitos de conhecimento implíci- no artigo, compreende-se que existe uma
tos ao currículo. relação estreita e direta entre o currículo e a
Young (2010) relata que, até o momento, constituição do conhecimento escolar pelos
foram poucas críticas na área que circuns- estudantes. O modo como a estrutura curri-
creve os estudos curriculares. No entanto, cular é elaborada e desenvolvida pela escola
demonstra preocupação com as políticas influencia, sobretudo, na maneira pela qual o
curriculares governamentais, pois as mesmas estudante constitui o conhecimento escolar e
apresentam propósitos externos à educação, como se relaciona em sociedade. Para além,
assumindo que o emprego futuro é o que condiciona, também, a forma como o estu-
motiva os jovens a continuarem a aprender. dante compreende e pensa sobre o mundo.
Isso se confirma, pois existe uma agenda
globalmente estruturada que define a globa-
lização como um “conjunto de dispositivos
Considerações finais
político-econômicos para a organização da
economia global, conduzido pela necessidade De acordo com o exposto, no decorrer
de manter o sistema capitalista, mais do que do texto, depreende-se que existem dois
qualquer outro conjunto de valores” (DALE, tipos de conhecimentos, o conhecimento
2004, p. 436). curricular ou escolar e o conhecimento não-
escolar, e que é responsabilidade da escola
Nesse sentido, é possível afirmar que o transmitir o conhecimento escolar. No en-
modo como o conhecimento escolar é produ- tanto, o conhecimento escolar não deve ser
zido na escola é influenciado pelas relações transmitido de forma isolada, mas sim, com
sociais, econômicas e culturais. Sendo o a implementação efetiva de currículos que
conhecimento escolar a criação específica do têm como elemento central o conhecimento.
contexto da escola, ele é mutável e, portanto, Diante disso, é papel do professor conduzir
fabricado socialmente (SANTOS, 1995). os estudantes ao processo pedagógico para
Dessa forma, é possível inferir que a escola que, efetivamente, possam construir o co-
não produz o conhecimento novo, mas ela nhecimento escolar.
reconstrói o conhecimento com os sujeitos
Considerar os conhecimentos que os estu-
no contexto. dantes já constituem e conhecem, bem como
Diante do exposto, compreende-se cur- suas experiências, sempre será relevante na
rículo como um conjunto de experiências prática pedagógica. No entanto, enquanto
vivenciadas pelo indivíduo, as quais são professores, preocupados com a formação
capazes de modificar comportamentos que de seres humanos capazes de contribuir
repercutem na identidade desse indivíduo. para uma sociedade cognitivamente melhor,
Logo, a função que o currículo exerce sobre precisamos conduzir com responsabilidade
os sujeitos no processo de aprender e conhe- o processo de elaboração e implementação
cer, bem como constituir o conhecimento de uma proposta curricular, para que esta
escolar, é explícita, pois o currículo produz possibilite ações para constituir, ampliar e
influências diretas e significativas na práti- promover novos conhecimentos nos estu-
ca pedagógica. Ele atua como instrumento dantes. Portanto, é necessário considerar o
conjunto de práticas que compõem a escola, fazem parte sujeitos únicos (estudantes e
pois, é na escola, talvez para muitos, a única professores, principalmente) que comparti-
possibilidade para constituir esse tipo de co- lham contextos diversificados. Ou seja, para
nhecimento. Mantê-los no mesmo caminho além do ambiente escolar, o conhecimento ali
não despertaria a motivação para que tantos constituído que já sofreu, continuará sofrendo
pais se preocupassem em levar seus filhos influências das relações sociais, econômicas
às escolas. e culturais. Portanto, o conhecimento se mo-
Entretanto, é preciso olhar para a prática difica, se produz e se reconstrói socialmente.
pedagógica da sala de aula e, sem exceder em E, por fim, a partir da reflexão apresentada
criticidade, questionar: estão os professores neste artigo, compreende-se que as lacunas na
preparados para promover a formação que formação dos professores têm se refletido no
visa constituir o conhecimento escolar pre- âmbito da prática pedagógica na sala de aula
conizada pelas atuais propostas curriculares? e na escola com um todo e, por conseguinte,
qual o nível de participação dos professores tem influenciado a apropriação do conhe-
na elaboração das propostas curriculares cimento escolar e, portanto, na qualidade
colocadas em prática nas escolas? da aprendizagem dos estudantes. Assim,
Nesta perspectiva, discutir o tema cur- enfatiza-se a necessidade de se repensar,
rículo e suas relações com o conhecimento também, os processos de formação de profes-
escolar transmitido pela escola é complexo, sores, inicial ou continuada, como uma forma
pois cada proposta curricular seleciona e de colaborar com a escola em seus desafios.
organiza seus conteúdos. A cada estrutura
NOTAS
1
Disponível em: <http://www.dicio.com.br/transmissao/>. Acesso em: 20.ago.2013.
2
Lopes e Macedo, 2010, p.17
AUTOR
REFERÊNCIAS