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canto, com intervenções esparsas; às vezes uma única Se o sucesso do novo estilo musical traria à cena
frase nos violinos durante toda uma música, ou um toda uma nova geração de compositores que a partir
contraponto ao canto executado pela flauta; num mo de então tiveram chance de colocar na prática uma
mento melódico-rítmico especial, ouve-se um acorde grande quantidade de novas idéias musicais, vamos
dado pelo piano, que não comparece mais na peça; a observar, prosseguindo na análise do LP "Chega de
entrada de uma segunda voz ou de um coro pianíssimo Saudade", que o próprio João se faria presente no disco
que canta uma única frase ou um· contraponto em como autor de duas composições onde ele deixaria
terças com o canto e silêncio; às vezes, apenas canto claras também suas pretensões artísticas, no sentido da
e percussão ou canto puro e assim por diante. Foram criação - texto e música. Numa época em que faziam
evitadas as introduções e finais sinfônicos .- às vt:zes sucesso músicas como Ouça ou Risque, cujo conteúdo
não há introdução nem final, começando ou terminan musical e literário mais se aproxima dos longos dra
do secamente ou deixando uma frase se repetir inde mas bolero-musicais centro-americanos, chegava o
finidamente cada vez mais piano até desaparecer, evi baiano BN com seu baiãozinho simples, concreto e
tando sempre perorações demagógicas. Outro aspeeto musical, que em tom de blague dizia: "Bim bom, é
inovador de grande importância e que se tornou popu só esse o meu baião e não tem mais nada não. O meu
lar após o sucesso do disco c do movimento BN, foi coração pediu assim", ou então: "Oba-lá-lá, é uma
o desenvolvimento da linguagem violonística de acom canção. Quem ouvir o Oba-lá-lá terá feliz o coração".
panhamento. Até então se conheciam popularmente os
acordes básicos da harmonia tradicional, sobre os Essa seria, na realidade, a revolução proposta
se faziam as composições. Os acordes que tinham o pelo disco e pela BN em seu aspecto mais original.
nome popular de "primeira", "segunda", "preparação" Reduzir e concentrar ao máximo os elementos poéticos
e "terceira" posição, que na realidade eram tônica, do e musicais, abandonar todas as práticas musicais de
minante, tônica com sétima e subdominante, passaram magógicas e metafóricas do tipo "toda quimera se eS
a ser insuficientes para o acompanhamento dessas fuma na brancura da espuma". Evoluir no sentido de
composições. Estes eram baseados, em geral, no acor uma música de câmara adequada à intimidade dos pe
de de ;ríades perfeitas (dó, mi, sol, por exemplo), e exe quenos ambientes, característicos das zonas urbanas
cutado."; quase sempre em posição fundamental, isto é, de maior densidade demográfica. Uma música voltada
com a nota principal do acorde (dó) no baixo. A par para o detalhe, e para uma elaboração mais refinada
tir da BN, passou-se a fazer uso de acordes alterados com base numa temática extraída do próprio cotidiano:
em grande quantidade, ou acordes com notas es do humor, das aspirações espirituais e dos problemas
tranhas à harmonia clássica, popularmente conhecidos da faixa social onde ela tem origem. E a música que
como "dissonantcs". ,~ todos podem cantar, pois nega a participação do "can
tor-solista-virtuose"; após o sucesso do movimento,
artistas não-cantores, com suas vozes imperfeitas mas
naturais, fizeram suas gravações - como o próprio
Jobim e ViniCius. Artistas sem grandes recursos vocais,
como Nara Leão, Geraldo Vandré, Carlos Lyra e As
trud, também fizeram sucesso como "cantores". Por
outro lado, cantores com recursos, como Agostinho
dos Santos, ou Maysa, depois do advento da BN, pas
saram a adotar uma interpretação muito mais despo
jada e menos "estrelista".
Outro aspecto decisivo proposto pela BN foi a
superação do amadorismo musical, não no sentido
temática brasileira resultava uma música "arrojada"
profissional, mas artístico do termo. A idéia da música para a época. A empostação jazzística de suas músi
popular como hobby de hora vaga, semelhante ao jogo cas, porém, sempre foi claramente perceptível, sobre
de cartas, que consome a atenção apenas no momento tudo quando ele pr6prio as cantava. Sua interpretação
de sua prática, deixou de existir. Aqueles que integram é cheia de maneirismos, muito ao sabor do be-bop e
o movimento de maneira mais ativa têm, perante a de virtuosismos e afetações vocais típicas do jazz ame
realização musical, um tipo de preocupação constante ricano da década de 40. Outro exemplo, semelhante
que abrange não só a pesquisa musical em si e a as e digno de nota, é o de Dick Farney.Sendo também
similação de novos recursos técnicos, como um inte um dos bons executantes de jazz no Brasil, estabeleceu
resse cultural geral que inclui outras modalidades ar essa relação, ou emprego de recursos da música ame
tísticas. O exercício, o estudo instrumental e vocal e ricana à brasileira, deixando também sempre clara a
a pesquisa sonora através da prática do próprio ins influência sinatriana em suas interpretações. Além des
trumento ou da audição de discos, ou seja, a busca de ses compositores que nos ofereceram músicas que se
informação, passou a ser uma preocupação constante riam aproveitadas pela BN, pelo seu sentido harmô
desses músicos. nico e melódico, havia também uma série de cantores,
que, por suas interpretações mais discretas e mais pró
Verdadeiras origens ximas do que chamamos de "canto-falado", poderiam
também ser apontados como "precursores". f: o caso,
por exemplo, de Doris Monteiro, Nora Ney, Lúcio
Se na época da eclosão do movimento renovador, Alves, Tito Madi e o próprio Ivon Cury. Suas inter
o acontecimento divisor das águas foi o LP "Chega pretações eram bastante despojadas e evitavam solu
de Saudade", fato que parece indiscutível, um outro ções vocais e virtuosísticas, optando mais pela simpli
aspecto da BN, aquele que se refere às suas origens, cidade expressiva e sentido do canto quase recitado.
continua sugerindo polêmicas. As tentativas até agora
Outro fenômeno significativo da fase imediata
feitas no sentido de buscar as verdadeiras raízes do mentc antcrior à BN foi o LP "Canção do Amor De
movimento têm atribuído, na maioria das vezes, a ar mais", com Elisete Cardoso, onde Jobim e Vinicius,
tistas cuja atuação musical antecedia de alguns anos que se tornariam dois dos mais destacados elementos
ao advento do novo estilo, a função de "precursores". da nova música, estavam reunidos em todas as faixas.
Sendo a BN uma música de origem popular, não há LP que deu à intérprcte, inclusive, a possibilidade de
dúvida de que toda uma plêiade de artistas tomou par atingir um dos pontos altos de sua carreira. Se a mú
te ativa nessa fase de cristalização de idéias. Assim, sica popular brasileira, porém, permanecesse nesse es
alguns deles poderiam ser citados como antecessores, tágio, não se teria tido uma idéia do que seria a BN.
considerando-se diversos aspectos de suas contribui As músicas eram em geral baseadas na forma da mo
ções. f: o caso, por exemplo, de" Johnny Alf. No início dinha e do recitativo dos mais tradicionais, acrescidas
da década de 50, ele já nos apresentava composições apenas pelos recursos musicais de Jobim, sobretudo
bastante rebuscadas, tanto melódica como harmônica por sua imaginação melódica, sem dúvida a mais rica
mente, parte das quais foi utilizada após o advento com que a nossa música popular conta em seus últi
da' BN. mos anos. Também o acompanhamento e a orquestração
Isto se dava pelo fato de Johnny Alf ser um as eram tradicionais; em geral sinfônicos e com instru
síduo praticante do jazz e possuir, em conseqüência mentação carregada. Note-se que o próprio Jobim, que
disso, um sentido harmônico e melódico muito desen orquestraria o disco do João alguns meses mais tarde,
volvido. Sendo o jazz, sobretudo o cool-jazz, também teria uma atitude completamente diferente ao trabalhar
ao lado do "baianó bossa-nova", evitando as soluções
uma espécie camerística de música, tecllicamente mui
to desenvolvida, da aplicação de seus recursos a uma "melacrinianas" de "mil violinos" e "glissandos" de
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harpa, recursos tão comumente empregados pelos or integraram na música popular atual sem o menor atri
questradores de rotina. Tradicionais no disco eram to. Morena boca de ouro, Aos pé da santa cruz, A pri
meira vez, Brigas nunca mais, BolinlUl de papel, fo
também os textos de Vinicius, cuja empostação p~tica
mais se aproximava de baladas medievais do que do ram algumas entre elas.
linguajar simples e espontâneo que veio a caracterizar
as letras da BN e as suas próprias contribuições para Músicas & letras
esse estilo. O mesmo Vinicius que dizia nesse LP:
"oh! mulher, estrela a refulgir", diria, após o advento
da BN: "ela é carioca, ela é carioca, olha o jeitioo As inovações propostas pela BN não abrangeriam
dela ... " Um detalhe no disco, porém, chamou a aten apenas o campo da interpretação, acompanhamento,
ção dos observadores mais cuidadosos. Era o acompa linguagem instrumental, hannonização e ritmo. Elas
nhamento de um violão que possuía uma "batida" e forjaram a fonnação de um novo estilo com posicional
uma sonoridade ",ui generis. Era o violão de João Gil que incorporou todos os recursos musicais conquista
berto que já se fazia notar, poucos meses antes de ele dos, baseando-se numa temática literária atual e ligada
fazer sua incursão musical inovadora. ao meio que lhe deu origem.
Se se quisesse, porém, estabelecer uma relação Sabendo-se que essas composições seriam executa
histórica para apurar as verdadeiras raízes da BN, iría das por pequenos conjuntos e ainda mais comumente
mos encontrar numa outra música, também urbana, p0 cantadas por uma única pessoa com acompanhamento
pular e cem por cento brasileira, os seus pontos de de violão ou pequeno grupo instrumental, desenvolveu
contato mais evidentes. :e. a música de Noel. :e. o sam -se uma técnica composicional orientada para arti
ba "flauta-cavaquinho-violão". :e. a música da Lapa, culações mais sutis e de detalhe, assim como um vo
capital do samba (de "câmara") tradicional, como C0 cabulário expressivo que prevê um contato direto e
pacabana - Ipanema - Leblon são os redutos da BN. íntimo com o ouvinte. Citemos como exemplo o De
E. a linguagem sem metáfora, espontânea, direta e po safinado, música que nasceu e se confunde com o
pular do "seu garçon faça o favor de me trazer de próprio movimento dentro e fora do Brasil. Esta com
pressa" que foi retomada por Newton Mendonça, Vi posição possui uma linha melódica longa, muito elabo
nicius, Ronaldv Bôscoli e Carlos Lyra. "Eis aqui este rada, cheia de saltos dificilmente entoáveis, movimen
sambinha, feito numa nota só", "ah, se ela soubesse tá-se dentro de uma tessitura vocal bastante grande,
que quando ela passa ... ", "se eu não sou João de indo de regiões graves ao agudo numa mesma frase.
Nada, Maria que é minha é Maria Ninguém", são ex Possui uma ,movimentação rítmica toda sincopada,
pressões que poderiam ser ditas e cantadas por Noel nunca coincidindo os inícios de frase com o tempo forte
Rosa ou João Gilberto em 1940 ou em 60. Se durante do compasso e nunCa repetindo frases rítmicas; conta
a guerra Noel cantava "com que roupa eu vou?" e com uma estrutura harmônica bastante evoluída que
"traga uma boa média", hoje se fala em "fotografci prevê o emprego de acordes alterados, ou "dissonan
você na minha Rolleyf1ex", em boite, uísque e auto tes", como se diz popularmente; harmonia modulante,
móvel, isto é, nada mais que versões atualizadas de passando por várias tonalidades e voltando no fim à
um mesmo humor, uma mesma gente, uma mesma tonalidade original. Essas características musicais, tí
bossa. E mesmo na época da eclosão do movimento picas da BN, a tornam, como é natural, e como já co
BN já havia a afirmação de que João Gilberto era o mentamos, inadequada para ser cantada por grandes
novo Mário Reis, constatação absolutamente certa, massas, prestando-se mais à interpretação de um cantor
pois é à tradição musical que Noel e Mário Reis repre que, sozinho, está em condições de evidenciar todos os
sentavam que João Gilberto pretende dar seqüência. seus detalhes composicionais. Não só a música, mas
Por essa razão foi buscar nesse repertório canções que, também o texto. Quando se diz: "robaro a mulhé do
atualizadas e revalorizadas por sua interpretação, se Rui", imagina-se uma frase corriqueira sendo dita a
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toda hora e por todo mundo em tom de "mexerico". Citando mais uma vez a música clássica, é curioso
Quando se diz "esse é o amor maior que você pode notar que, em 1700 aproximadamente, se passou a
encontrar, viu?", imagina-se que o poeta e o interlo adotar uma prática musical conhecida como a "Teoria
cutor (a bem-amada) estejam juntos e ela seja a única dos afetos". Ela objetivava uma interligação mais Ín
pessoa a ouvir essa frase-declaração. Essas seriam, ge tima entre texto e música; não só no sentido de o com
nericamente, as bases que orientaram a composição positor usar os efeitos sonoros do texto como recursos
musical BN. As variantes surgidas serão comentadas musicais, como no de propor também uma correlação
adiante através de uma análise mais detalhada. semântica mais direta entre texto-música. Quando Bach
musicava um texto que dizia, por exemplo: "subiu às
alturas do céu", concentrava em os efeitos vocais
Letras: Variantes e orquestrais em regiões agudas; ao contrário, quando
musicava uma frase como "desceu às profundezas do
Existem inúmeras manifestações musicais para inferno", jogava todos os recursos musicais para os
canto e acompanhamento onde a importância do texto registros mais graves da massa coral e sinfônica.
é secundária. Nas óperas italianas do século A relação texto-música no Samba de uma nota só
exemplo, grande parte dos libretistas e dos é semelhante c ainda mais trabalhada. O intérprete diz:
nem sequer é citada. "Eis aqui este sambinha feito numa nota só", entoando
Em obras camerísticas, porém, dá-se o contrário. a frase sobre uma única nota: segue, cantando a mesma
Schubert, por exemplo, compositor cuja obra mais im nota, mas advertindo: "Outras notas vão entrar, mas
portante são os Ueda para canto e piano, usou textos a base é uma só". Entoando de repente uma segunda
de Goethe e Schiller ao invés de subliteratura. A mesma nota, ele comenta: "Esta outra é conseqüência do que
coisa ocorre com Bach, que em suas cantatas de cfuna acabo de dizer", e, voltando à primeira nota, abre um
ra recorreu a textos bíblicos, com Hugo Wol( (textos parêntese estabelecendo uma relação COm seu caso
de Michelangelo, Moerike) e com Ravel (textos de de amor ("como eu sou a conseqüência inevitável de
Ronsard e Villon). As condições de contato humano você"). Seguindo para a segunda parte da música e
oferecidas pelas manifestações musicais de câmara exi entoando muitas notas em forma de escalas ascenden
gem do compositor não só um tratamento musical mais tes e descendentes, observa: "Quanta gente existe por
apurado e detalhístico, mas também um maior cuidado aí que fala tanto e não diz nada, o~ quase nada!
na escolha dos textos, pois o seu conteúdo, dada essa Já me utilizei de toda a escala e no final não sobrou
estreitá relação intérprete-público, se evidencia muito nada, não deu em nada ... "; e, como que decepcionado
mais. dos resultados do excesso de notas (c de amures,
Por essa razão a importância do texto na BN, ma conclui-se), volta a cantar a nota inicial, comentando:
musical originalmente camerística, é idên "E voltei pra minha nota como eu volto pra você. Vou
tica à da música e seria incompleto um estudo desse contar com a minha nota como eu gosto de você". E,
novo estilo musical se não nos concentrássemos mais como que para encerrar sua "incursão" musical e afe
demoradamente em sua análise. tiva, coloca uma frase-fecho, entoando a mesma nota,
Tomemos logo de início o Samba de uma nota só que soa como um refrão popular ou como "moral da
de Jobim e Newton Mendonça, sem dúvida um dos tex história", na base do "quem tudo quer nada tem":
tos mais inteligentes que conhecemos em música popu "Quem quiser todas as notas (ré, mi, fá, sol, lá, si, dó),
lar e cuja origem coincide i!:,'Ualmente com a da própria sempre fica sem nenhuma. Fique numa nota s6".
BN. Aqui, a relação texto-música é perfeita. O sentido Termina secamente sem finais, nem maiores "explica
de um completa o do outro. Texto e música se autojus ções" sinfônicas. Pertence também a Newton Men
tificam e autocomentam. donça o texto de Desafinado, onde o mesmo fenômeno
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acontece. A música, que é de Jobim, possui intervalos
melódicos complicados, cheios de saltos (em 59 soava
essa melodia mais estranha e difícil do que hoje, pois
já foi plenamente assimilada). Na realidade, a música
sugeria a idéia de um cantor que aparentava certa
insegurança vocal, dada a complexidade harmônica e
melódica, e que, como comentava, não se fazia enten
der nem mesmo pela amada. Mas o próprio texto era
claro, descrevendo a figura de um tipo muito lírico,
preocupado apenas com novas maneiras de cantar, jus
tificando aquele mal-entendido da seguinte maneira: "se
voeê insiste em classificar meu comportamento de anti
musical, eu, mesmo mentindo, devo argumentar que isto
é bossa-nova, que isto é muito natural ... ". Daí surgiria
e se popularizaria o binômio "bossa-nova" como expres
são-título da nova tendência. Newton Mendonça, ele
fnento básico na estruturação do movimento, morrcu (, .. )
prematuramente, antes mesmo de ouvir suas canções
cantadas em algumas dezenas de diferentes idiomas. Ex
Discografia e Novas Gráficas
celente músico, pianista de formação clássica, inclusive,
foi, não apenas Iclrista, mas co-autor musical de Desa
finado, Samba de uma nota só, Discussão e Meditação, Tendo a BN se caracterizado como um movimen
sambas dignos de constar na mais sucinta antologia da to musical voltado contra o "estrelismo" e contra o
música popular de nossa época. culto do "solista", desenvolveria, por outro lado, o
sentido do trabalho de equipe. Se anteriormente, numa
A esse tipo de letras de elaboração mais conscien gravação, o importante era o "cantor" sua foto,
te e intencional, pertence grande parte dos textos dc seu nome e seus gemidos. . . sendo todos os tra
Ronaldo Bôscoli. Por ser talvez jornalista, e não balhos restantes entregues à rotina mais impessoal, após
poeta, suas letras são, em geral, claras e sintéticas, () advento da BN, estilo musical originalmente voltado
nunca demagógicas. Faz uso, não raro, de efeitos e para o detalhe, todos os participantes de umà realiza
artifícios extraídos da I itera tura de vanguarda par ção musical gravada passaram a ter suas funções valo
ticularmente da Poesia Concreta fundindo palavras rizadas e a serem nominalmente citados. Daí surgiu
ou evidenciando e valorizando a sonoridade das sílabas o que se passou a chamar de "Picha técnica". Dela
como elemento musical. É assim que, ao cantar o Rio, começaram a constar não apenas os músicos partici
ele resume o tema em poucos dados e na repetição de pantes (solistas, orquestrador, regente, atuações espe
três fonemas semelhantes: "é sol, é sal, é sul". Mais ciais em determinadas faixas etc.), mas também os
adiante, usa de um artifício semântico: partindo da re responsáveis técnicos pela feitura do disco: produtor,
petição de "Rio, só Rio", chega a "Rio, só Rio, sorrio". técnico de gravação, engenheiro de som, fotógrafo,
Mas, falando em textos revolucionários, não é de layoulnum etc. Isso não se prende, porém, a razões
mais lembrar mais uma vez os textos do próprio João de justiça profissional ou coleguismo, e sim ao fato
Gilberto, como Bim Bom e Oba-lá-lá, um misto de de que, a partir da BN, todos esses aspectos, anterior
humor, nonsense e economia verbal, aspectos impor mente seeundários, foram muito mais valorizados. O
tantes e inovadores da BN., ) nível técnico das gravações elevou-se consideravelmen
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te. Não só se passou a captar mais e melhor pequenos o sorriso e a flor", "Sem carinho, não .. " "Oh! ... ",
detalhes e articulações soIísticas e de acompanhamen "Afinal", "Chega de saudade", "Wanda vagamente",
to, como se deu tratamento mais aprimorado ao tape "Baden à vontade", "Tudo azul", "O fino ... " e assim
e melhor uso ao play-back. Se, anteriormente, a ordem por diante. A exploração mais consciente das possibi
era "abaixar" o play-back e "soltar" o cantor, para lidades e recursos da gravação, suas novas bases de tra
evidenciar Sdas peripécias rouxinolescas, hoje procura-se tamento como coisa em si e não como registro passivo
um equilíbrio muito maior entre ambo!:. da execução musical, sugeriu a criação de novns firmas
especializadas, que, voltadas inteiramente para os prin
Outra das revoluções propostas pela BN foi a cipais eventos da BN, conquistaram o mercado com base
apresentação gráfica dos discos. Aquelas tão famosas no comércio da qualidade musical. A primeira dcIas, e
foto? pousadas e tremendamente retocadas, de pessoas, sem dúvid;:t a mais importante, é a gravadora "Elenco".
de flores, ou de pôr de sol, e mil outras ilustrações sim Fundada em 1963, arregimcntou em seu cast parte dos
bólicas, relacionadas com motivos ou temas de melo mais importantes músicos atuais como Tom Jobim, As
dias constantes da gravação, foram substituídas pela trud, Badc;n Powcl1, Vinicius de Morais, Quarteto em
mais discreta motivação ilustrativa. Não raro apresen Cy, Roberto Menesca1, Sílvia Telles, Súgio Ricardo,
ta-se um LP apenas com uma forma geométrica ou Edu Lobo, Nara Leão, Norma Bengucl, Rosinlm dc Va
abstrata. Abandonando-se o excesso de cores, passou-se lença, Díck Farney e outros, além do Caymmi dc scm
ao liSO comum do branco e prcto; às vezes, apenas um pre. Aloysio de Oliveira, músico ativo düs tempos de
perfilou o negativo de uma foto num fundo branco Carmen Miranda e hoje um dos maiores empresários de
ou cm "alto-contraste" - um dos primeiros e expres música brasileira no exterior, é o ide<llizador e diretor
sivos cxemplos dessa linha foi a capa do LP de João da Elenco. Além dcstes, caoc-lhe mais um grande mé
Gilberto, "O amor, o sorriso e a flor", ide<llizada por rito: foi como diretor da Odeon que Aloysio de Oli
César Gomes Vilela. Fez-se inúmeras vezes o uso de veira produziu e lançou cm í 959 o LP "Chega de
colagens, assim como o de montagens gráficas e foto saudade", que, pela sua importância histórica, jrl foi
gráficas. aqui tantas vezcs citado e analisado.
Não apenas a parte grMica das gravações sofreu
Outro acontecimento importante no campo da dis
radical modificação. Desenvolvendo-si;; maIs conscien
cografia popular contemporânca foi o surgimento da
temente o tratamentú técnico da realização musIcal, a
~'Forma". Dirigida por Rohuto Ouartin c Wadi Ge
vontade de racionalização los 'blemas e o espírito bara, esta etiqueta caracterizou-se pelo alto teor artís
de pesquisa, a própria nomenclatura modificou-se em tico-'experimental de suas produções e pelo cuidado dis
função dessas características. Vejam-se os nomes dos
pensado a todos os detalhes técnicos de seus discos. Em
LPs: "Samba nova concepção", "Novas estruturas",
São Paulo, surgiu tamb~m a "Som Maior", hoje uma
"Nova dimensão do samba", "Samba esquema novo",
das etiquetas da gravadora RGE d:::-;gidas por Júlio
"Evolução", "Movimento 65", "Esquema 64", "Idéias".
Nagib, dedicando igualmente a maior parte de suas
Mas além desses LPs que receberam nomes técnicos
produções ao repcrtório BN e tendo em seu elenco vá
e paracientíficos, existem aqueles que demonstram o
rios dos mais importantes músicos desse gênero, como
espírito consciente de renovação e vanguarda, como:
Alaíde Costa, Geraldo Vandré, César Camargo Maria
"Avanço", "Revolução", "Impacto", "Vanguarda",
no e scu conjunto Som 3 e outros. Destaquemos, nos
"Opinião", "B hora de lutar" etc. Mesmo aqueles que
possuem nomenclatura mais lírica, relatando um estado discos da Som Maior, a participação de Hector Sapia,
de espírito ou uma situação afetiva, revelam uma ter autor das mais arrojadas e inteligentes capas de dis
cografia atual.
minologia bastante simples e discreta, feita, às vezes,
de uma única palavra, uma frase solta. Assim, são Mais um fenômeno curioso vem a calhar em nossas
os seguintes exemplos: "Inútil paisagem", "O amor, observações com relação à apresentação gráfica dos
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Ou ainda, voltando ao disco "Getz-Gilberto", qual das não de todo, f: claro a prática das antigas jam
versões de Garota de lpanema é mais econômica e con sessíons, e das preocupaçôes dos jovens in:;trumentis
centrada (mais cool) que o piano de Jobim nessa gra tas pelo moderno, pelas reuniões informais pri
vação? Foi por tocar essa sua composição com um único vadas e em pequenos teatros, cuja preoeupaçáo e tema
dedo ou, nos acordes mais simples, com uma única são: música brasileira moderna. A inexistência de uma
mão, que os melhores músicos lhe tiraram o chapéu, música brasileira "progressiva" levava os jovens mú
chamando-o de "maestro de um dedo só", prendendo-o sicos, sedentos de novas experiências, à prática do jazz,
nos E.U.A. por dois anos e levando-ü de volta mais uma vez que esta era a única músiea popular que dava
uma vez. Como se vê, o jazz sofisticado moderno não ao músico a mais plena liberdade de invenção, de im
é a base da autêntica BN - e é preciso que isto fique provisação, de busca de sonoridade, harmonia e ritmos
bem claro. Quem quiser compreender o seu sentido raros. Não há dúvida também que os jazzistas de antes
exato, não deverá consultar nem Getz, nem GilIespies, é que se transformaram em alguns dos principais "bos
nem Bruhccks, e sim comprar o disco editado pelo sa-noVlstas". Isso, porém, não se deu acidentalmente e
Museu da Imagcm e do Som do Rio de Janeiro, de sim pelo fato de ambas as músicas possuírem inúmeros
nome "Noel canta Noel", onde encontrará na própria pontos em comum, uma vez que as origens das músi
música brasileira e da mais autêntica - há quem o cas brasileiras e americanas se encontram no mesmo
negue? - os mais expressivos exemplos básicos. Era lugar: na Africa. Assim, a influência mútua entre
aquele canto de Noel, que dizia, quase falando, da ambas as músicas é tão admissível como é inconce
maneira mais simples, as coisas mais profundas, que bível a influência do jazz ou da BN sobre outras mani
João, Astrud e Jobim foram mostrar à música mais rica festações musicais latino-americanas, como o tango, o
do mundo (simplicidade quer dizer despojamento de bolero, ou a guarânia paraguaia excctmmdo·se natu
linguagem e não pobreza técnica ou musical) - fazen ralmente o mambo, que influenciou e recebeu influên
do-a parar, ouvir e aprender. cia do jazZf e que é também de origem africana
Essa foi, na realidade, a verdadeira revolução pro ou sobre manifestações musicais européias, como a
posta pela autêntica BN à música americana. E se canção francesa, o operismo quase histérico dos Pe
hoje a BN made in USA ainda é retórica ou demagógica pinos de Capri e de toda a Itália, ou sobre a melanco
como dissemos, não nos podemos queixar, pois eles a lia estática das manifestações musicais populares dos
importaram há pouco (o jazz feito por brasileiros é países escandinavos. Além do mais, como já dissemos,
bom porque já o importamos há 40 anos, no míni se a música folclórica se caracteriza por permanecer
mo ... ). O importante é que eles já entenderam o se estática e não ser influenciável, a música urbana de
guinte (lembrando mais uma vcz Newton Mendonça, qualidade afirma-se por seu aspecto evolutivo, com
"já me utilizei de toda a escala e no final não deu em preendendo a assimilação de elementos exteriores.
nada"): a ordem é diminuir as notas e aumentar a Incorporar, portanto, experiências positivas de
tensão! outras músicas à nossa prática composicional, não re
() presenta, em si, nada de negativo. Saber digeri-Ias aqui
e aplicá-las criativamente - lembre-se da "antropo
Bossas, Jazz etc. fagia" sugerida por Oswald de Andrade! - isto sim é
que constitui o principal problema da invenção artís
Ainda que muitos afirmem o contrário, a BN fo tica. Acreditamos que, nos dias atuais, a nacionalidade
um movimento que provocou a nacionalização dos in· de uma nova realidade espiritual é um aspecto que vem
teresses musicais no Brasil. Como se sabe, a BN rea a posteriori e não a priori em relação à sua manifes
vivou e reformulou um sem~número de antigas formas
musicais brasileiras; trouxe para a prática musical ur
tação e afirmação. ("'l
(, ..
bana uma série de motivos do nosso folclore; refreou,
após o seu sucesso popular, a importação de artistas
do exterior, e assim por diante. Mas, a nosso ver, a
SUa principal contribuição foi o fato de ter substituído
~",.~,c~'W~'~r~~~~",,,,,,,",,,," 'fI*iGi4P\G::;;i.iliZ;U S""Uli. aa: JJ! i ii2:llLd! Jib S1A"$.ii2SLtUÜiI "ilUii2 LE.: i!ii ,iZiJi i2 "iJE: atE: ;i! i2
Algumas das principais músicas que fizeram e ainda fa7...em sucesso no
movimento Bossa Nova
Garota de lpaflt!lIfQ Chel:" tk SI:tIldot:W
(Vinicius de Moraes e Tocn Jobim) (Tom Jobitn e ViníciU$ de M<nes)
Olha que coisa mais linda mais cheia de graça Vai minha tri.sWza Se voei! tIú.ser que eJI desafino. amor
É eln a menina que ""m e que pas:<a E diz a ela que sem ela MO p<J<k $1fT Saiba que isso em mim pro;;õca imensa dor
;'/0 doce balanço caminho do mar Diz-lhe numa prece SJ pm"ikgi.:Jdos rim c-.tVÍdo Igual ~
Moça do corpo dourado do sol de lpanema Q-elaregruse E eu pos;nto apenas o que Deus me tkv
O seu baJançado é mais que ..m poema Porque eu nfio pos.so mais sofrer Se voei! iN:i.tte em c1as.sijicar -
É a coisa mais lindo que eu já ví passár Chega de saudade Meu ~nto de antirm.rsica1
Ah! Como estou tão sozinho A realidade é que sem eln EII me.moo mentindo devo argumentar
Ah./ Por que tudo é rão tri.sW Não JuJ paz não há beleza Que i.<W li Bossa NCfYQ
A h! A beleza que existe É só lris1eza e a melancolia Q><e ista li -mo natlIral
A beleza que não é só minho Q!oe não sai de mim O qlIi! voei! não sabe ""'" ""quer pre.sun1e
E também passa sozinha Não sai de mim É que os dérq/inados também tém 11m coração
Ah! Se eln soubesse que quando eln passa Não sai Fotngrafoi voei! na minha ~ E
O numdo sorrindo se enche de graça J.fps SI! ela vol/Qr Rew1o<t_ Q sua ~ i~ .
E fica moís lindo por = do amor Se ela vol/Qr que coisa linda Só não poderáfalor as.sim do meu amor
Olha que coisa mais linda mais cheia de graça.. Q- coisa louca &ti!. li o ..mo.- que voei! pode encontrar. vilt
Pois JuJ menos peixinhos a l'Jador no mar ~ ~ a sua milsica ~ o principal
Do que OS beijinhos Q><e no pri10 dos désajinados também
Q!oe eu darei na SIIa boca Bate ..'" coração
Dor1ro dos lIIt!IIS braços. as abrt:lÇO<f
Hão de ser milhões de abrt:lÇO<f
Apertado assim. colado assim, calada assim
Am-aças e beijinhos e carinhos '""" lerfim
Que é pra acabar com eU<! negócio
De viwr /.onge de mim
Não quero mais esse negócio
De voei! viwr assim
V _ dei::wr esse negócio
De voei! viwr:um mim._
Samba de .. ma nota SÓ O Barquinho
(Tom Jobim e Newton Mendonça) (Roberto MenescaI e R<:mIdo Bôsroli)
E O barquinho a desJizar
E a vontade de cantar/
ú:Jbo =
TlLdo ati a-x
pede J>lV"""tL
E o barquinM. coração
Deslizando na canção
TlLdo isso é paz. tlldo isso tTa:
E.-.er ."" cJ..:zpe.dnJoo de maiô
Y.as cr.aper:inho percebeII.
Q><e o lobo "" ~
E quem quer rodas as not.ls
Uma calma de verão e erafio Pra """ voei! que lobo
M Ré mifá sol lá si dó
Bimbom
(João Gilbeno)
Coisa m.tJ:islinda
(Carlos Lyra co Vinicius de ~ioraes)
Samba do minJoo lerra
(D:rival Cay=i)
~=~~:::ndabolel
Bim. bom. bim, bim, bom
Coisa mais bonita é voei!
"""nda bo~
Bimbom <::l;;
EMjllTO