DEBATE MULTICULTURAL
ETAPA 1
CENTRO UNIVERSITÁRIO
LEONARDO DA VINCI
Rodovia BR 470, Km 71, nº 1.040, Bairro Benedito
89130-000 - INDAIAL/SC
www.uniasselvi.com.br
Autora
Luciane da Luz
Pedro Fernandes da Luz
Organização
Fábio Roberto Tavares
Reitor da UNIASSELVI
Prof. Hermínio Kloch
Diagramação e Capa
Letícia Vitorino Jorge
Revisão
Fabiana Lange Brandes
José Roberto Rodrigues
O HOMEM: DO ANTIGO AO MODERNO
APRESENTAÇÃO
Prezado aluno, alguma vez você já se indagou a respeito de sua condição, não
enquanto indivíduo, mas enquanto ser humano? Você já se percebeu enquanto apenas
um exemplar, uma pessoa, no meio de um vasto conjunto, a humanidade (desde seu
surgimento até hoje)? O que significa para você pertencer à espécie humana?
Certamente você deve ter uma resposta a esta questão, afinal, está experimentando
o que é ser humano neste exato momento! Mas se você examinar criticamente a resposta
que dá a este questionamento, perceberá que outra pessoa pode não concordar com
certas características que você atribua ao ser humano, ainda mais se esta pessoa for de
outra cultura.
Esperamos que ao final desta etapa você seja capaz de se posicionar criticamente
diante da experiência humana ao longo da história.
Este autor prossegue destacando que pouco ou nada se fala sobre os escravos
(ainda que estes compusessem o maior estrato da sociedade da época), e quando se
faz isso é somente quando os mesmos se encontram em situação de excepcionalidade.
Quanto à mulher, esta só é digna de nota quando, ou prostituta, ou rainha, ou exemplo
de abnegação e submissão ao homem, nada se falando sobre a mulher comum em seu
cotidiano.
Este autor (POMMER, 2012) chama a atenção para uma característica marcante dos
povos da Antiguidade Clássica, povos estes que são fundamentais para a compreensão
do pensamento ocidental (destacando-se os gregos, romanos e israelitas, mas incluindo
também os egípcios), que seria o caráter patriarcal e tribal (pelo menos inicialmente)
destas sociedades.
Uma das consequências de uma organização do tipo tribal, tal como se dava esta
na Antiguidade Clássica do Ocidente, era a existência de uma chefia centralizada, que
era, entretanto, devedora à tradição. Isto quer dizer que o rei, ou chefe, tinha poderes
de mando, mas devia orientar suas decisões e ordens pela tradição e pelos costumes.
Para Pommer (2013), quando lançamos nosso olhar sobre os gregos antigos, chama
nossa atenção a maneira peculiar pela qual este povo se expressava. De fato, as estratégias
de discurso, o modo de dizer algo, eram uma preocupação central na cultura grega.
Esta, por ser não alfabetizada em seus primórdios, privilegiava a enunciação poética dos
fatos, o que favorecia a memorização e transmissão dos mesmos às futuras gerações,
técnica da qual se valiam também os romanos e os hebreus, que assim preservavam
sua cultura e a mantinham coesa.
Sem dúvida alguma, aquilo que é mais marcante no ser humano durante o
medievo é a religião cristã, de caráter monoteísta (contrastando com o politeísmo dos
antigos gregos e romanos), que moldou totalmente a visão de mundo neste período.
Devemos ter em vista, como Pommer (2012) destaca, que a religião cristã adquire
relevância e proeminência social depois de um período inicial de formação (que vai do
século I ao século IV), quando é adotada pelo imperador romano Constantino I (em 312
d.C.) e depois tornada religião oficial do Estado romano, com Teodósio I (em 380 d.C.),
quando então se dá sua articulação doutrinária, do século V ao VII, até sua consolidação
e dominância, do século VII ao XVI, quando se inicia sua crise com a reforma protestante.
1 INTRODUÇÃO
Todo esse quadro contribui para o nascimento da moderna visão de mundo do ser
humano, que se fia na razão e na experiência e que apresenta autonomia, autocontrole
e postura reflexiva, prezando antes de tudo a liberdade e fundando suas relações de
trocas econômicas no livre mercado (LEITE DA LUZ; BOHMANN, 2013).
De acordo com Pommer (2012), o mais notável no conceito de Homo faber relaciona-
se com a ideia do ser humano, expressa pelo termo faber, não só como aquele que fabrica
e opera ferramentas, mas, antes de mais nada, como aquele que inventa, que cria tendo
em vista o fazer, alguém que pela invenção interfere e transforma o mundo por seu
desejo e/ou necessidade.
O surgimento do Homo faber só seria possível, assim, a partir da adoção da postura
ereta para o caminhar e da liberação dos membros superiores para a manipulação de
objetos, marcando na história de nossa evolução nossa distinção, enquanto espécie, do
restante dos animais (POMMER, 2012).
Para nós, é significativa a perspectiva de Homo faber como aquele que foi capaz de
produzir cultura e desenvolver a sociabilidade, constituindo-se historicamente. Desta
forma, aborda-se o ser humano a partir de suas atividades, onde o trabalho e a técnica
mostram-se constitutivos da especificidade da experiência humana (POMMER, 2012).
Desta forma, Pommer (2012, p. 182) chama a atenção para o fato do emblema
do homem moderno ser sua condição de “(...) tirar da natureza com as mãos e com o
cérebro, isto é, com a força física e com a inteligência, as condições reais para a vida (...)”.
Outro fato marcante das reflexões que se dão a partir da modernidade está no
encontro do Ocidente com outras civilizações, que fomenta as especulações acerca da
natureza humana e de sua universalidade ou não.
O ser humano passa então a ser investigado quanto às suas “(...) ações, emoções,
afetos, posturas morais, formas de sociabilidade, formas jurídicas e políticas, formas
estéticas, razões ou racionalidades” (POMMER, 2012, p. 98). Cabe à Antropologia,
à Sociologia e à Psicologia, a partir daí, o estabelecimento dos padrões culturais e
comportamentais típicos da humanidade, como caracterizados por estas disciplinas,
e que servem na orientação, quando da formulação de leis, projetos e programas de
governo, por parte destas, muitas vezes objetivando o controle social. Todas estas ciências
estão, em seus questionamentos e respostas propostas, desta forma, indelevelmente
marcadas pela “(...) ideia de progresso, de liberdade e de autoafirmação humanos”
(POMMER, 2012, p. 100).
1 INTRODUÇÃO
Apesar de termos visto que o ser humano se define e se constitui enquanto tal de
acordo com a época histórica e a cultura da qual faz parte, determinadas características
vêm sendo consideradas como mais significativas e mais importantes em marcar a
especificidade do humano face aos outros animais.
Ainda que possa variar nosso entendimento acerca destes de acordo com a época
histórica e a cultura estudada, certos atributos humanos perpassam nossa história como
sendo importantes para nós, para nos diferenciarmos dos outros seres, de acordo com
nossa visão de nós mesmos.
Um dos aspectos de nossa experiência, a corporalidade é aquele que nos traz, mais
do que todos os outros, a noção de individualidade, de estar separado dos demais e de
ser único. Se a pressão evolutiva liberou as nossas mãos para o trabalho, esse acabou
por produzir nosso próprio corpo (POMMER, 2012).
Podemos notar, como Pommer (2012) chama a atenção, que o corpo próprio de
cada indivíduo, aquele que “é enquanto sou”, é um dado da experiência que nos informa
que, enquanto penso, falo, desejo, durmo, como, trabalho ou executo qualquer outra
atividade, é o corpo quem o faz. O corpo, em sua unidade, que possui as faculdades,
capacidades e competências que apresentamos, inclusive as emoções, a razão e as
sensações, tudo isso sendo ordenado pela mente, que nada mais é que uma estrutura
especializada deste mesmo corpo.
Ora, isso nos remete à razão, esta capacidade, expressa no real através de nosso
corpo, de escolher, decidir, classificar e separar, emitir juízos e opiniões e também acolhê-
los. É pela razão que nós apresentamos a capacidade, mediada pelo nosso aparelho
sensório, de proteger nossa integridade física, fazer as escolhas que nos são favoráveis,
prever os acontecimentos que podem nos afetar e criar tudo aquilo de que necessitamos
para viver e para tentar explicar a nossa existência para nós mesmos (POMMER, 2012).
Como nos informa Bornheim (1996, apud POMMER, 2012, p. 210): “a razão servia,
assim, para o homem prover-se, defender-se e, em última instância, para inventar a sua
própria criatividade”.
Nota-se, desta forma, que entre nós a evolução biológica acaba por forjar um
corpo ereto que tem as mãos liberadas para o trabalho e que, com a capacidade de
manipular o mundo e transformá-lo com nossa atividade produtiva, desenvolvemos
igualmente a possibilidade de refletir sobre este e sobre nosso papel no mesmo. Assim,
foi pela atividade que nos veio a faculdade racional e sua vocação primeira está em
possibilitar ao ser humano se ocupar de sua existência cotidiana (BORNHEIM, 1996,
apud POMMER, 2012).
Ao longo da história, nossa relação com a natureza foi sempre mediada pelo
aparato técnico que possuímos. Nossa relação com a técnica e a tecnologia nos constitui,
embora esta possa também levar-nos a nos negar. Isso porque, através das invenções
técnicas, nós produzimos as condições materiais de nossa existência, entretanto, essas
podem servir à nossa alienação e controle social (POMMER, 2012).
Não existe sociedade humana que não apresente tecnologia, esta deve ser pensada
como tudo o que o engenho humano produz tendo em vista a transformação da natureza
para a produção dos bens que necessitamos. Nossa relação com a técnica e a tecnologia
é fundamental para nos constituirmos enquanto humanos, sendo a mesma distintiva
de nossa espécie, ainda que possa apresentar uma enorme variabilidade, conforme o
tempo histórico e as condições socioculturais onde estão presentes.
Outro traço que desde a Antiguidade Clássica vem sendo pensado como
Uma das questões que a morte nos coloca é aquela referente ao tempo. Podemos
ter consciência de que, para além de nossa existência individual, o mundo tem uma
existência temporal. De fato, são as mudanças que observamos no real que nos levaram
a conceber a ideia de tempo, enquanto seres humanos nós só existimos historicamente,
nada do que é humano se dá fora do tempo (POMMER, 2012).
De fato, não conhecemos sociedade humana que não apresenta uma ou mais
religiões. Parece que a religiosidade é uma expressão humana universal, sendo que
muitos associam seu início às especulações de nosso pensamento a partir da consciência
de nossa finitude e da realidade inexorável da morte. Se muitas vezes a religião serviu
para aplacar nossa angústia diante da morte, em casos ainda mais numerosos esteve
esta a serviço da manutenção da ordem social e do status quo vigentes.
Chauí (2009, apud POMMER, 2012, p. 235) destaca que: “O sagrado é a experiência
simbólica da diferença entre os seres, da superioridade de alguns sobre os outros –
superioridade e poder sentidos como espantosos, misteriosos, desejados e temidos”.
Prezado aluno, nesta etapa vimos algumas das características do ser humano.
Na próxima unidade nos familiarizaremos com aquela ciência que se ocupa de estudar
este, a saber: a Antropologia, bons estudos!
LUZ, Pedro Fernandes Leite da; BOHMANN, Junqueira Katja. Sociologia crítica.
Indaial: Uniasselvi, 2013.
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A CIÊNCIA ANTROPOLÓGICA
APRESENTAÇÃO
Num primeiro momento, nós veremos o que é Antropologia, seu objeto e método.
A seguir, revelaremos a você, prezado leitor, tanto as definições mais aceitas desta
disciplina, explicitando do que a mesma se ocupa (qual o objeto de sua investigação),
quanto as maneiras pelas quais a Antropologia se aproxima da realidade que ela pretende
elucidar, seu método próprio e quais são seus campos de pesquisa.
2 ANTROPOLOGIA GERAL E O DEBATE MULTICULTURAL
FIGURA 1 - A EVOLUÇÃO CULTURAL DO SER HUMANO
Embora a Antropologia possa ser vista, como de fato foi por alguns autores, em
outras dimensões que não a científica (por exemplo, enquanto Filosofia ou Arte), aqui
nós focaremos em analisar este saber enquanto ramo da Ciência.
Buscando atingir aquele conhecimento total (ou idealmente total) do ser humano,
os teóricos do saber antropológico procuram uma compreensão mais aguda da
humanidade, com a intenção de dar aplicações práticas ao conhecimento que produzem,
tendo em vista beneficiar efetivamente as diversas populações humanas com as quais
lidam.
Fica claro, assim, que a Antropologia Cultural tem seu foco privilegiado na
investigação do desenvolvimento das sociedades humanas, ao longo de toda sua
história. A Antropologia Cultural pesquisa os comportamentos que apresentam os
diferentes grupos humanos, investigando, entre outros aspectos, os costumes, hábitos,
práticas e convenções de origens sociais e culturais; como surgiram e se desenvolveram
as diversas instituições que caracterizam as sociedades humanas, a saber: a família, a
religião e outras; e, igualmente, como evoluíram as técnicas que nós seres humanos
desenvolvemos com o fito de lidar com a natureza e prover nossas necessidades nesta.
De acordo com Hoebel e Frost (2006), destaca-se como a característica mais notável
da Antropologia Social o enfoque sincrônico desta e sua resistência à diacronia, ou
seja, a Antropologia Social não leva em conta a reconstituição histórica das instituições
que observa em uma dada sociedade, mas, antes, dá privilégio à comparação das
mesmas com outras observadas em sociedades diversas. Segundo estes autores, os
antropólogos sociais mostram-se especialistas nas relações sociais que se apresentam
manifestas na família e no parentesco, bem como nos diferentes grupos de idade, na
organização política e jurídica e nas atividades econômicas, ou seja, aquilo que os
mesmos denominam de estrutura social.
deste saber passa pela etnografia e pela etnologia. Mas no que consistem estas,
exatamente?
2 A ETNOLOGIA E A ETNOGRAFIA
Em sua origem, até mesmo a Antropologia lidava com relatos feitos por
exploradores, missionários, funcionários administrativos, viajantes, comerciantes,
soldados e demais indivíduos que tiveram contato com povos distintos e descreveram
estes. É apenas no final do século XIX que os antropólogos passam a ir a campo e é então
que eles mesmos começam a fazer as descrições dos povos que investigam.
Na Antropologia atual, uma das grandes “provas iniciáticas”, que fazem parte do
processo de se tornar antropólogo, consiste em realizar a etnografia da cultura sobre a
qual o antropólogo pretende refletir. No ideário da profissão, todo antropólogo deveria
começar sua carreira realizando a descrição etnográfica de algum povo, cultura, ou
grupo social, foco de suas pesquisas.
Apesar de ter um caráter prático, a etnografia não se mostra isenta da influência das
teorias que a Antropologia produz, isto porque toda etnografia é (LEITE DA LUZ et al.,
2015, p. 19): “(...) informada por certo referencial teórico que lhe dá uma estrutura e enfoque
próprio, muito embora as descrições etnográficas não se ocupem de problemas teóricos,
nem formulem hipóteses ou teses acerca dos fenômenos sociais e culturais que descrevem”.
Sobre essa questão, Marconi e Presotto (2001, p. 27) citam Lévi-Strauss (1967),
o qual afirma que a etnografia:
Desta maneira, a etnologia apresenta-se como a reflexão, ou estudo, que tem por
base os fatos e acontecimentos documentados no registro de uma cultura, dentro da
perspectiva da apreciação analítica destes e de sua comparação com dados análogos
de outros povos.
A etnologia, análise científica dos povos, suas culturas e suas trajetórias, enquanto
tal, ao longo da história, representa uma superação da produção etnográfica, procurando,
dentro da perspectiva científica, revelar e compreender as relações que os diversos
povos estabelecem com o ambiente, natural e social, onde se dão suas vivências, e ainda
a relação dos seres humanos com as culturas a que pertencem e das culturas entre si e
suas diferenças (HOEBEL; FROST, 2006).
Prezado aluno, esperamos que por agora você já tenha uma boa ideia do que seja
a Antropologia e das etapas que constituem o fazer antropológico. Chegou a hora de
lançarmos um olhar sobre o contexto histórico no qual a disciplina foi forjada.
Com o final do século XVIII e o início do século XIX, vemos uma série de
transformações técnicas no modo de produção capitalista que levaram à Revolução
Industrial. Esta teve como consequência o deslocamento de vastos contingentes
populacionais do campo para a cidade e o estabelecimento do trabalho fabril, com longas
e penosas jornadas de trabalho, muitas vezes em condições sub-humanas. Paralelamente,
vemos o desenvolvimento da resistência e reflexão contra o sistema capitalista, que
levou ao florescimento do pensamento social (ERIKSEN; NIELSEN, 2012).
Antropologia e Sociologia têm de fato prestado uma grande ajuda uma à outra
na elucidação de questões de caráter gerais relativas ao ser humano enquanto ser social.
De fato, como Marconi e Presotto (2001) chamam a atenção, as duas disciplinas têm se
emprestado mutuamente conceitos próprios, a primeira cedendo à segunda o conceito
de cultura; e a segunda o conceito de sociedade àquela outra, ambos os conceitos sendo
instrumentais tanto à Antropologia, quanto à Sociologia.
Com relação à Psicologia, Marconi e Presotto (2001) colocam como fator principal
do estreito relacionamento que esta mantém com a Antropologia, o fato de as duas
disciplinas terem interesse no comportamento humano, a primeira centrando no
indivíduo, enquanto que a Antropologia se ocupa do comportamento grupal.
Uma vez que não existe sociedade humana que não se organize politicamente,
isto por meio de diferentes instituições responsáveis pela distribuição do poder,
manutenção da ordem e da integridade do grupo, faz parte das preocupações centrais
da disciplina antropológica registrar e analisar como isto se dá nas diferentes sociedades.
Uma das grandes contribuições da Antropologia neste sentido foi demonstrar a relação
intricada que há entre os diversos sistemas de parentesco, os ritos e a noção de sagrado
nas sociedades simples, e suas respectivas formas de organização política (MARCONI;
PRESOTTO, 2001).
Quanto à essa, em Leite da Luz et al. (2015, p. 63) vemos as seguintes definições:
Para Gomes (2013, p. 56), a observação participante seria o método mais as-
sociado à Antropologia e distinção desta entre as ciências humanas. Para este
autor, malgrado o método de observação participante ser difícil de aplicar, este
seria de grande importância para nossa disciplina e representaria a própria
diferença entre ser ou não antropólogo. Segundo Gomes, observação partici-
pante consiste em “o pesquisador buscar compreender a cultura pela vivência
concreta nela, ou seja, morar com os ‘nativos’, participar de seus cotidianos,
comer suas comidas, se alegrar em suas festas e sentir o drama de ser de outra
cultura - tudo isso na medida do possível”. A ideia por detrás deste método,
tão característico da Antropologia, está em considerar que o estudo de uma
determinada cultura é privilegiado (ou em última análise, somente possível)
através da imersão nesta mesma cultura. Assim, não seria suficiente observar os
fenômenos sociais e anotar os comentários dos que deles participam, tampouco
basta conhecer a produção documental e ideológica da cultura pesquisada, é
preciso, antes de tudo, vivenciá-la!
Esperamos que tenha ficado claro para você como e por que surgiu a Antropologia,
o que esta faz enquanto ciência e qual sua especificidade diante das outras Ciências
Sociais. Na etapa seguinte veremos aqueles conceitos antropológicos fundamentais para
a compreensão do fenômeno do multiculturalismo.
REFERÊNCIAS
LUZ, Pedro Fernandes Leite da; BOHMANN, Junqueira Katja. Sociologia crítica.
Indaial: Uniasselvi, 2013.
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AS CONTRIBUIÇÕES DA ANTROPOLOGIA PARA O MULTICULTURALISMO
APRESENTAÇÃO
Com isto, pudemos ter uma noção do que a Antropologia faz como disciplina
científica e a compreensão que esta traz para a resolução dos questionamentos acerca do
ser humano, isto com uma perspectiva total deste, própria deste ramo do conhecimento.
Se fosse pedido a nós, antropólogos, que nomeássemos aquele que consistiria no nosso
“conceito básico e central”, conforme afirmou Leslie A. White (In KAHN 1975, p. 129, apud
MARCONI; PRESOTTO, 2001), o mesmo seria, longe de todo questionamento, o conceito de
cultura.
Aqui é importante notar que o senso comum difere de maneira significativa da visão
científica da Antropologia na compreensão daquilo em que consiste a cultura. De uma maneira
geral, a visão leiga tende a relacionar cultura com o domínio do conhecimento de diversos
conteúdos nos campos artístico e intelectual adquiridos pela instrução. Assim, nesta perspectiva,
alguém pode ser considerado “culto” ou “inculto”, de acordo com o credo popular.
Só que esta crença não se coaduna com a visão da Antropologia nesta questão, onde está
ausente este sentido do termo e não se faz juízo de valor quanto às diferentes culturas. Para o
saber antropológico, todo grupamento humano é portador de cultura e “(...) nenhuma cultura
é qualitativamente superior a outra, nem pode alguém ser destituído de cultura” (LEITE DA
LUZ et al., 2015, p. 36). De fato, a cultura marca a especificidade dos seres humanos, sendo uma
das características distintivas da humanidade.
2001, p. 42) tem um sentido ampliado, com este termo designando as formas através das quais
os seres humanos dão orientação a seu comportamento e constroem suas crenças, e que são
transmitidas e aprendidas por meio da vida social, em meio a uma determinada sociedade ou
grupamento humano.
Prezado leitor, a esta altura você já deve, pelo que foi dito, ter intuído a relevância que o
conceito de cultura apresenta para a Antropologia e como esta disciplina aprimorou este termo
ao longo de seu desenvolvimento.
Uma primeira definição de cultura foi dada pelo antropólogo britânico Edward B. Tylor,
que assim se referia à mesma: “Cultura... é aquele todo complexo que inclui o conhecimento,
as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos os outros hábitos e aptidões adquiridos
pelo homem como membro da sociedade”.
De acordo com Ralph Linton, a cultura consistiria “...na soma total de ideias,
reações emocionais condicionadas a padrões de comportamento habitual que seus
membros adquirem por meio da instrução ou imitação e de que todos, em maior ou
menor grau, participam”. De uma maneira geral, para este antropólogo a cultura
representa “a herança social total da humanidade”.
Já para Franz Boas, cultura seria “a totalidade das reações e atividades mentais
e físicas que caracterizam o comportamento dos indivíduos que compõem um grupo
social”.
Em uma concepção mais recente, Clifford Geertz propõe que a “cultura deve ser
vista como um conjunto de mecanismos de controle – planos, receitas, regras, instituições
– para governar o comportamento”.
Notamos assim, por estas definições alinhadas como exemplo, a variação que
se deu no conceito antropológico de cultura durante a evolução da disciplina, fato este
que revela as mudanças que ocorreram nos paradigmas da Antropologia, disciplina
que apresenta diferentes escolas teóricas, com cada uma delas forjando uma concepção
própria do que seja cultura.
Seria o caso aqui, caro aluno, de estar consciente de que a cultura nos distingue
enquanto espécie e que ela mesma é produto daquelas pressões evolutivas que acabaram
por nos forjar. Isto é, a cultura é algo que distingue o ser humano, foi no processo de
nos tornarmos quem somos, através das mutações genéticas que determinaram as
características atuais de nossa espécie, que nós adquirimos este admirável mecanismo
adaptativo que chamamos de cultura. Todavia, foi esta mesma cultura que veio a nos
proporcionar a possibilidade de escapar dos determinismos biológicos.
Isso nos abriu a chance de voar sem ter asas, atravessar os oceanos sem possuir
Para que fique claro como entre nós a cultura supera o instinto, vamos dar alguns
exemplos para você.
É fato que todos os seres vivos têm que se alimentar, isto consiste naquilo que
chamamos de necessidade básica e, como tal, a mesma é inescapável. Procurar alimento
é um apelo do instinto, entre todas as espécies. Mas seria assim também entre os seres
humanos?
De acordo com Marconi e Presotto (2001, p. 46), as ideias que nós seres humanos
apresentamos consistiriam em “... concepções mentais de coisas concretas ou abstratas,
ou seja, toda a variedade de conhecimentos e crenças teológicas, filosóficas, científicas,
tecnológicas, históricas etc”. Para exemplificar, estas autoras citam, no campo das
ideias, as diversas línguas que a humanidade produziu, a arte e as mitologias, que são
distintivas de nós, seres humanos.
Tendo um papel tão determinante na vida do indivíduo, fica patente que a cultura
condiciona nossa visão de mundo e faz isso de tal forma que estamos convencidos da
espontaneidade e naturalidade de nossos atos. De fato, para aqueles que pertencem
a uma dada cultura, os preceitos desta são considerados verdadeiros e reais, de tal
maneira que a sua cultura parece-lhes ser superior às demais. Isto configura uma atitude
universal, própria de todos os grupos humanos, indistintamente. Este fato foi notável
para a Antropologia, que formulou um conceito próprio para designar este tipo de
postura. Esta atitude foi chamada pelos antropólogos de etnocentrismo, um dos conceitos
fundamentais para compreendermos e lidarmos com a questão do multiculturalismo,
assim como a própria cultura.
De acordo com Hoebel e Frost (2006, p. 446), etnocentrismo seria: “Visão das
coisas segundo a qual os valores e o modo de ser do próprio grupo são o centro de tudo,
e todas as outras são avaliadas e julgadas com referência a ela”.
“(...) a suas relações com o meio ambiente e com os outros membros de sua e
de outras sociedades, fornecendo um sistema coerente que modela seu com-
portamento e as crenças, valores e ideologias que lhes dão sustentação”.
Isto tem implicações tremendas para a Antropologia, fazendo com que esta
exija de seus profissionais um posicionamento firme no sentido de os mesmos não
exercerem um juízo acerca da cultura que investigam, mas que, pelo contrário, procurem
compreender e ter uma visão de mundo coerente com a do povo pesquisado, mostrando
empatia por este (em função da visão humanística inerente ao relativismo), sem deixar
de lado o rigor científico (HOEBEL; FROST, 2006).
Hoebel e Frost (2006, p. 22) vão mais longe, afirmando que sem a adoção do
relativismo cultural e a total rejeição ao etnocentrismo não seria possível vir-se a exercer
a Antropologia, ou seja, ser alguém capaz de “... assumir o papel de observadores
objetivos e não de apologistas, condenadores ou convertedores”.
Em Marconi e Presotto (2001) vemos que o relativismo cultural tem por base o
fundamento de que os indivíduos são condicionados por suas culturas (que determinam
o modo de vida próprio destes), e que, portanto, os mesmos apresentam identidades e
valores relativos à cultura da qual fazem parte.
De acordo com Laraia (2004), toda cultura apresenta uma lógica própria e cada
hábito, prática ou crença cultural tem em si coerência em relação ao sistema a que
pertence. Para compreender cada cultura devemos, portanto, ter como ponto de partida
a lógica interna desta.
Com o objetivo de tentar tornar ainda mais claro no que consistiriam exatamente
os conceitos de etnocentrismo e relativismo cultural, vamos reproduzir aqui um exemplo
que demos em outra obra de nossa autoria (LEITE DA LUZ et al., 2015, p. 54-55) sobre
esta questão e que é fruto de nossa experiência no trabalho de campo e no exercício da
Antropologia.
Estivemos durante um ano e quatro meses vivendo entre um grupo nômade
coletor-caçador do noroeste amazônico, conhecidos na literatura antropológica
como Hüpda. Neste período de nosso trabalho de campo, tivemos a oportuni-
dade de presenciar inúmeros deslocamentos que os Hüpda realizaram dentro
de seu território, por motivos diversos. Nestas ocasiões, os homens Hüpda
levavam consigo apenas seus arcos e flechas, zarabatanas e demais armas de
que dispunham, enquanto que as mulheres carregavam todo o peso, os perten-
ces, víveres, utensílios e demais bens “carregáveis” do grupo, em cestos que
portavam às costas. Ao observar tal costume, um desavisado poderia, a partir
de uma atitude etnocêntrica, julgar os homens Hüpda preguiçosos, por não
carregarem peso, e machistas, por fazerem suas mulheres carregarem o mesmo.
Mas um antropólogo treinado é capaz de observar este mesmo costume com
uma posição relativista, isto é, contextualizando o mesmo na cultura Hüpda,
para entendê-lo de acordo com a lógica desta. Assim vai perceber que durante
os deslocamentos na floresta equatorial úmida, onde habitam, os Hüpda ficam
expostos ao ataque de seus inimigos e de predadores deste ambiente, fazendo
todo sentido, de acordo com a cultura Hüpda, que os homens viajem com as
mãos livres, para que assim possam dispor rapidamente de suas armas. Desta
forma, um ato aparentemente machista em relação às mulheres, de acordo com
nossa cultura, revela-se um ato de cuidado e altruísmo em relação a estas, de
acordo com a cultura Hüpda.
Levando-se em conta que o multiculturalismo pode ser visto não apenas como a
coexistência em um mesmo território, seja país, região ou cidade, de diferentes culturas,
mas, principalmente, como a resistência à homogeneização destas e a promoção do
respeito mútuo entre as mesmas, fica patente o potencial do instrumental teórico da
Antropologia para compreendê-lo.
REFERÊNCIAS
LUZ, Pedro Fernandes Leite da; BOHMANN, Junqueira Katja. Sociologia crítica.
Indaial: Uniasselvi, 2013.
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APRESENTAÇÃO
Por fim, apresentamos como resultado das lutas sociais da década de 1960 nos
Estados Unidos, a conquista da Lei dos Direitos Civis e as primeiras políticas de ações
afirmativas no País.
2 ANTROPOLOGIA GERAL E O DEBATE MULTICULTURAL
1 CONCEITUANDO MULTICULTURALISMO
Nesse sentido, entendemos que igualdade e diferença não são termos opostos.
De fato, a IGUALDADE opõe-se à desigualdade, enquanto DIFERENÇA opõe-se à
padronização, à homogeneização, à produção em série.
NOT
A!
PAÍSES ANGLO-SAXÔNICOS: são países cujos descendentes são
provenientes de povos germânicos (anglos, saxões e jutos). Esta
denominação é resultado da fusão desses povos que se fixaram ao sul e
leste da Grã-Bretanha, no século V.
Para entender o motivo pelo qual estes movimentos surgiram, devemos resgatar
o aspecto da constituição histórica dos Estados Unidos, marcada por um longo processo
de colonização, que teve como base a eliminação e a opressão das diversas tribos
não existe uma única, nem melhor definição sobre o que seja política pública.
Mead (1995) a define como um campo dentro do estudo da política que analisa
o governo à luz de grandes questões públicas, e Lynn (1980), como um conjunto
de ações do governo que irão produzir efeitos específicos. Peters (1986) segue
o mesmo veio: política pública é a soma das atividades dos governos... que
influenciam a vida dos cidadãos. Dye (1984) sintetiza: “política pública é o que
o governo escolhe fazer ou não fazer”. A definição mais conhecida continua a
ser a de Laswell: “decisões e análises sobre política pública implicam responder
às seguintes questões: quem ganha o quê, por que e que diferença faz”.
NOT
A!
DISCRIMINAÇÃO POSITIVA trata deliberadamente os candidatos de
forma desigual, favorecendo pessoas de grupos que tenham sido vítimas
habituais de discriminação. O objetivo de tratar as pessoas desta forma
desigual é acelerar o processo de tornar a sociedade mais igualitária,
acabando não apenas com desequilíbrios existentes em certas profissões,
mas proporcionando também modelos que possam ser seguidos e
respeitados pelos jovens dos grupos tradicionalmente menos respeitados.
(…)
A discriminação positiva é apenas uma medida temporária, até que a
percentagem de membros do grupo tradicionalmente excluído reflita mais
ou menos a percentagem de membros deste grupo na população em geral.
Em alguns países é ilegal; noutros, é obrigatória.
Com relação à questão indígena, podemos dizer que, antes da vinda dos primeiros
colonos para a América do Norte, a região já era habitada por diversos povos nativos.
Semprini (1999) estima que tenha havido um total de três a quatro milhões de índios
no território norte-americano na época da colonização, no século XVII. Havia uma
infinidade de povos ameríndios, entre os principais podemos destacar as tribos: Apaches,
Navajos, Cheroqui, Moicanos, Comanches, Aruaques, Chibchas, Mapuche e outros.
NOT
A!
Ameríndios ou nativos americanos: são os nomes dados aos povos que
habitavam as Américas antes da chegada dos europeus.
[...] significa entender que seu país foi construído sobre um genocídio. Esta
tomada de consciência resulta, então, na procura de uma nova continuidade.
Durante dois séculos o elemento índio havia representado a alteridade abso-
luta, a diferença que deveria ser eliminada para a afirmação de sua própria
identidade. Foi imposta uma descontinuidade absoluta, por extermínio, depois
por assimilação-apagamento, e em seguida por segregação.
S!
DICA
4.2.1 A escravidão
S!
DICA
NOT
A!
Um aspecto bastante específico da realidade estadunidense é a forma
como são construídas as categorias relacionadas à cor dos indivíduos.
Para ser considerado negro basta ter tido um ancestral africano. Isso
gera um preconceito racial de origem, ao passo que no Brasil, como nos
esclarece Oracy Nogueira (1985), o preconceito racial é de marca. Para
os estadunidenses, mais importante na classificação racial é o genótipo,
enquanto que no Brasil o que importa é o fenótipo, a aparência física.
O pastor Martin Luther King Jr. foi um personagem que influenciou de forma
decisiva o movimento de luta por direitos. King foi um líder que, influenciado pelo
pensamento de Mahatma Gandhi, lutou pela integração dos negros na sociedade
americana. O movimento pelos direitos civis, liderado por ele pregava a não-violência
e contou com a adesão de muitos brancos que eram, também, a favor da causa.
UNI
Martin Luther King, o homem que disse a famosa frase: “Eu tenho um
sonho”, morreu no dia 4 de abril de 1968. Ele foi um pastor protestante
e ativista político estadunidense, e tornou-se um dos mais importantes
líderes do movimento dos direitos civis dos negros nos Estados Unidos, e
no mundo, com uma campanha de não violência e de amor ao próximo.
Foi a pessoa mais jovem a receber o Prêmio Nobel da Paz, em 1964, pouco
antes de seu assassinato.
FONTE: Disponível em: <http://www.morreuhoje.com.br/sem-categoria/
martin-luther-king/>. Acesso em: 20 ago. 2011.
S!
DICA
Para saber mais sobre a vida e a luta de Martin Luther King assista o filme
“Selma: Uma Luta pela Igualdade”, que narra a história de sua história
como pastor protestante e ativista social, que acompanha as históricas
marchas realizadas por ele e manifestantes pacifistas em 1965, entre a cidade
de Selma, no interior do Alabama, até a capital do estado, Montgomery,
em busca de direitos eleitorais iguais para a comunidade afro-americana.
é que, no ano de 1964, o Congresso norte-americano aprovou o Civil Rights Act (Lei dos
Direitos Civis), que, além de banir todo o tipo de discriminação, concedeu ao Governo
Federal poderes para implementar a dessegregação.
NOT
A!
Em termos demográficos, a presença da população negra na sociedade
americana é menor do que no Brasil, atingindo pouco mais de 10%, grande
parte dela concentrada em centros empobrecidos das grandes metrópoles.
De acordo com Oliven (2007), a luta dos movimentos sociais do período pode ser
em parte resumida como a tentativa de enfrentar a “supremacia WASP” (White, Anglo-
Saxan and Protestant), ou seja, enfrentar uma maioria branca, anglo-saxã e protestante,
entendidos como colonos “oficiais” do território. Hoje, em nossa concepção, essa sigla
poderia ser acrescida ainda com as letras “M” de masculino, “H” de heterossexual e
“U” de urbano.
NOT
A!
WASP: este termo é utilizado de forma pejorativa nos países norte-
americanos. Teoricamente, a palavra designa um grupo relativamente
homogêneo de indivíduos estadunidenses de religião protestante e
ascendência britânica que supostamente detêm enorme poder econômico,
político e social. Costuma ser empregada para indicar desaprovação ao
poder excessivo de que esse grupo gozaria na sociedade norte-americana.
Glazer (1975), baseando seu argumento no fato de que os EEUU são o primeiro
país a se definir, não em termos de origem étnica, mas em termos de adesão a regras
comuns de cidadania, considera inconstitucionais as políticas governamentais que
justificam o que ele chama de “discriminação afirmativa”, ou seja, o favorecimento
de minorias com o fim de alcançar o objetivo da igualdade. O referido autor se
surpreende pelo fato de que políticas, que reverteram o consenso de dois séculos de
história americana, pudessem se estabelecer de forma tão poderosa no espaço de uma
década. Para se entender essa realidade é preciso levar em conta o fato de que a nação
norte-americana, embora tenha em seu ideário os princípios liberais de liberdade e
igualdade baseadas no mérito, paradoxalmente, conviveu, por muitos anos, com uma
realidade excludente, que aceitava o extermínio dos índios em prol do progresso,
a escravidão e discriminação dos negros e a própria marginalização das mulheres,
consideradas seres inferiores.
Pode-se dizer que a política de ação afirmativa nas universidades tem muito a
ver com os valores norte-americanos: elementos das minorias, inclusive as mulheres,
passam a ter a sua chance de vencer na vida, de cada grupo são cooptados os melhores
para participar nas esferas econômica, acadêmica, política e, à medida em que eles são
bem-sucedidos, passam a servir de exemplo aos demais. Essa política é talhada para
reforçar a ideia de tipo ideal americano como the winner, o vencedor, e não se dirige
para a solução dos problemas que afetam um significativo segmento da população
– the losers, os perdedores –, aqueles que são deixados à margem na reestruturação
econômica da sociedade capitalista e que, ainda por cima, devem carregar o ônus da
responsabilidade de sua precária condição. É importante, no entanto, salientar que
as políticas de ação afirmativa favoreceram a mobilidade social de certos segmentos
da população negra e de outros grupos discriminados. Elas abriram as portas da
universidade para minorias até então praticamente excluídas. Mais do que isso, o
debate sobre a Ação Afirmativa traz à discussão a questão da discriminação social,
do ônus que isso representa para determinados grupos e das possíveis orientações
políticas que possam vir a combater uma situação social inerentemente injusta.
UM NOVO CENÁRIO
A referida autora conclui: o que vale observar das mudanças pelas quais a
Universidade da Califórnia passou ao longo desse processo é que, mesmo após os
reveses e a extinção de medidas raciais, a preocupação com a igualdade e a diversidade
de seus campi continua parte dos objetivos básicos da instituição. [...] O que se define
hoje como uma universidade de excelência nos Estados Unidos, diferentemente do que
ocorria nos anos de 1960, envolve necessariamente valores como a inclusão, igualdade
e diversidade (MOEHLECKE, 2004, p. 772).
Para Ibarra (2001), a maioria das pessoas, atualmente, pensa que as ações
afirmativas vão desaparecer do cenário da educação superior ou, ao menos, acreditam
que elas vão evoluir. No final da década de 90, as administrações de George Bush no
Texas e de seu irmão, na Flórida, instituíram a admissão garantida nas universidades
estaduais para os melhores alunos das escolas médias, com isso dificultando o acesso
de minorias ao ensino superior.
justificar o seu valor de alguma forma mais objetiva. O resultado pela complacência
foi a debacle dos 1990s” (IBARRA, 2001, p. 4).
Não falamos aqui sobre outros movimentos sociais da década de 1960 nos Estados
Unidos, porque o movimento negro foi o que mais teve peso na conquista dos direitos
civis, momento de abertura política para os movimentos em geral. No entanto, não
podemos deixar de admitir que muitos outros movimentos foram importantes para a
conquista das políticas multiculturais. Dentre eles, podemos destacar os movimentos:
operário, feminista, homossexual, hippie, religioso e outros.
S!
DICA
S!
DICA
SOUZA, Celina. Políticas públicas: uma revisão da literatura. In: Sociologias, Porto
Alegre, ano 8, n. 16, jul./dez. p. 20-45, 2006.
ETAPA 5
CENTRO UNIVERSITÁRIO
LEONARDO DA VINCI
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Pedro Fernandes da Luz
Organização
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Reitor da UNIASSELVI
Prof. Hermínio Kloch
Diagramação e Capa
Letícia Vitorino Jorge
Revisão
Fabiana Lange Brandes
José Roberto Rodrigues
APRESENTAÇÃO
Por fim, falaremos sobre as políticas multiculturais no Brasil, dois dos principais
movimentos multiculturais do pais e o surgimento das primeiras políticas de ação
afirmativa durante o Governo Lula, por meio da criação de secretarias especializadas.
Enfatizaremos alguns elementos fundamentais para a discussão das políticas
multiculturais no país, que são as políticas de cotas nas universidades, o Estatuto
da Igualdade Racial e a criação das comunidades quilombolas e negras com vistas a
assegurar o direito à propriedade da terra e à manutenção da sua cultura.
2 ANTROPOLOGIA GERAL E O DEBATE MULTICULTURAL
1 MULTICULTURALISMO NA EUROPA, CANADÁ E AUSTRÁLIA
Esse debate sobre a questão de uma única identidade na Europa trouxe inúmeros
questionamentos, conforme nos diz Kastoryano (2004, p. 14):
Podemos dizer que a imigração e a situação dos direitos dos cidadãos estrangeiros,
bem como o desenvolvimento de políticas multiculturais, vêm sendo um dos assuntos
de grande destaque e relevância na União Europeia.
O termo multiculturalismo começa a ser usado na Alemanha nos anos 1980, onde
o Estado passa a desenvolver políticas multiculturais devido à crescente imigração no
país, tentando amenizar os conflitos existentes entre nativos e imigrantes e desenvolver
políticas sociais de apoio a esses estrangeiros. Segundo Kastoryano (2004, p. 19):
Recentemente, vimos que tais mecanismos não foram suficientes para conter a
onda de revolta dos estrangeiros em Paris, principalmente dos imigrantes provenientes
de países pobres, que se encontram marginalizados, em situações de pobreza e miséria,
morando nas regiões periféricas de Paris.
Diferente dos demais países apresentados acima, a Suécia não se define como
um país de imigrantes. De acordo com Marques (2003, p. 14), “teve um fenômeno de
emigração relevante no século XIX, no entanto, depois da 2ª Guerra Mundial recebeu
muitos refugiados e, a partir de 1954, a chegada de muitos trabalhadores finlandeses [...]”.
A Suécia passou a ser um país que melhor recebe os imigrantes dentre os países
europeus, segundo um estudo realizado pela Política de Integração Migratória. A
Suécia foi considerada o melhor país para receber imigrantes levando em consideração
Igualdade: dar aos imigrantes o mesmo nível de vida que o resto da população;
Liberdade de escolha: iniciativas políticas que assegurem às minorias étnicas e
culturais na Suécia uma genuína escolha entre manter e desenvolver a identi-
dade cultural sueca; Parceria: promover os benefícios mútuos entre minorias
e população nativas, decorrente do trabalho conjunto. Muitas dessas políticas
resultam de estratégias que são dedicadas a grandes quantidades de refugiados
e envolvem diferentes graus de empenho da população.
Essas políticas proporcionaram aos imigrantes, até o final do século XX, uma
inserção social harmônica na sociedade sueca e os mesmos benefícios existentes para a
população nativa desse país.
Outra questão importante, que tem feito o governo do Canadá investir cada
vez mais em políticas multiculturais, é que os imigrantes trabalham em diversas áreas
de forma autônoma, não dependendo muito do incentivo governamental, e assim
economiza mais recursos, investindo mais na economia do país. Portanto, além da
riqueza cultural que trazem os imigrantes, eles têm contribuído de forma significativa
para a melhoria da economia do país.
Além dos direitos descritos anteriormente, essa agenda prevê os deveres dos
imigrantes, que são:
Essa nova agenda para a Austrália Multicultural, lançada em 1999, traz o conceito
de “diversidade produtiva”, trata da junção do multiculturalismo com a economia,
objetivando os lucros resultantes da diversidade cultural da população australiana,
com a incorporação dos imigrantes no mercado de trabalho do país, reforçando a língua
e a cultura trazidas do seu país de origem, fazendo com que os mesmos possam ter
condições de atender às demandas de um mercado de trabalho cada vez mais exigente
e diversificado.
É diante desse contexto, onde todos os países da América Latina foram colônias
de exploração e continuam sofrendo até hoje as consequências sociais e econômicas,
especificamente para as culturas minoritárias, e ainda diante do processo de ditadura
militar que passou a maioria dos países, a partir de meados do século XX até a década
de 1980, é que temos que analisar as políticas multiculturais nesses países.
Na história das relações raciais na Colômbia, três fases podem ser identificadas:
Apesar dessa lei, ainda existem na Colômbia enormes dificuldades para a sua
implantação, principalmente os objetivos referentes à proteção da cultura dos afro-
colombianos. Mas o maior benefício que ela trouxe para a sociedade colombiana foi
a organização das comunidades negras, que passaram a lutar por seus direitos e a
reconhecê-los enquanto um grupo étnico específico.
País colonizado pela Espanha, o Peru ainda guarda fortes marcas do seu
período colonial e de uma cultura homogeneizadora, como, por exemplo, falar a língua
espanhola, usar roupas ocidentais, morar na capital, são hábitos que fizeram com que
muitos índios se tornassem mestiços para serem reconhecidos na sociedade peruana.
Isso significa dizer que a cultura negra foi incorporada à cultura venezuelana,
mas que ainda existe discriminação entre os negros e demais etnias no país, pois devido
à forma velada de discriminação, ou seja, quando ela é considerada no nível pessoal e
não como um problema social, os governos tendem a fazer de conta que o problema não
existe, e, sendo assim, não desenvolvem políticas públicas de combate à discriminação.
Esse tipo de pensamento é encontrado na maioria dos países da América Latina.
3 MULTICULTURALISMO NO BRASIL
Uma das principais bandeiras do Movimento Indígena no Brasil tem sido a luta
pela terra. Isso porque, desde que os portugueses chegaram ao nosso país, os índios
passaram a ser expulsos dos locais onde habitavam. Como vimos nesta unidade, os
mesmos nunca deixaram de lutar pelo seu território.
Portanto, o papel do SPI não era, de fato, ficar ao lado dos indígenas e protegê-
los, mas sim, conhecê-los melhor para convencê-los a permitirem a ocupação de seus
territórios, ficando do lado das oligarquias rurais que controlavam o país na época.
O SPI foi substituído em meados dos anos 1960 pela FUNAI (Fundação Nacional
do Índio), que tinha praticamente o mesmo objetivo da política anterior, acelerando ainda
mais o processo de integração dos povos indígenas à expansão econômica do Brasil.
A partir da década de 70, com regime militar no país e com a abertura econômica
desenfreada para o capital internacional, a FUNAI passa a adotar uma estratégia
integracionista, para que os índios não atrapalhem o desenvolvimento do Brasil. Neste
período, a Igreja Católica assume um papel importante na defesa dos povos indígenas,
reconhecendo seu erro no período do Brasil Colonial.
Para fazer isso foi criada, em 1980, a União das Nações Indígenas (UNI), que
contou com o apoio de antropólogos, culminando na realização do 1º Seminário
de Estudos Indigenistas do Mato Grosso do Sul. Como a articulação dos diferentes
povos indígenas foi extremamente difícil de ser conseguida pela UNI, eles passaram
a organizar-se novamente de forma local e regional, criando a UNI/ACRE, que reunia
tribos do Acre e do Amazonas, e também a Aty Guasú Guarani, que congrega tribos
guaranis do Mato Grosso do Sul.
A partir daí, os índios perceberam que para conquistar seus objetivos seria
necessário realizar um diálogo com os representantes políticos do país. Atualmente,
os movimentos indígenas espalhados pelo Brasil inteiro congregam mais de 500
organizações locais e regionais, representando 300 tribos indígenas. Essas organizações,
representadas pelos seus líderes, estão procurando estreitar cada vez mais os laços com
a esfera política do país, pois perceberam que só através dela conseguirão conquistar
o direito à diferença, educação escolar própria, demarcação de suas terras e o direito
à saúde.
Mais tarde, nas décadas de 1960 e 1970, período de ditadura militar, o movimento
negro espalhou-se por diversos estados no Brasil. Com a ditadura, as organizações negras
tiveram que transformar-se em entidades de cultura e lazer. Desta forma, formaram-se
grupos de teatro, música e dança que afirmaram a identidade e a cultura negra.
Nos anos 1970, também os negros pobres que moravam nas periferias das grandes
cidades do país foram fortemente influenciados por James Brow, cantor negro norte-
americano. Através da chamada soul music (música típica dos negros estadunidenses),
os bailes nos subúrbios cariocas deram origem ao movimento Black Rio. Este movimento
teve como modelo o Movimento Black Power dos Estados Unidos, conforme estudamos
na Unidade 2 deste caderno.
Um cantor que influenciou bastante a juventude negra da Bahia foi Bob Marley,
que com sua música reggae criou a doutrina rastafári, conscientizando os negros dos
problemas decorrentes da discriminação racial na sociedade.
Outros líderes negros, como Nelson Mandela na África do Sul, Samora Machel
Outra conquista importante do Movimento Negro do Brasil foi lutar para que o
governo brasileiro começasse a adotar medidas políticas de ação afirmativa, combatendo
o racismo e a discriminação racial. Uma dessas medidas adotadas foi a lei de cotas raciais
e sociais nas universidades.
Isso significa dizer que apenas no final do século XX e início do século XXI é que
se iniciam efetivamente alguns investimentos em políticas multiculturais no Brasil e a
cultura passa a ser considerada um dos parâmetros para o desenvolvimento do país,
sendo prevista desde a Constituição Federal de 1988.
• Propor políticas e diretrizes que orientem a promoção dos direitos humanos, criando
ou apoiando projetos, programas e ações com tal finalidade.
Isso não quer dizer que a discriminação por raça, gênero, religião, etnia e classe
social tenha acabado no país, mas são políticas públicas importantes desenvolvidas
através destes ministérios e secretarias, instrumentos eficazes na construção de uma
sociedade brasileira mais justa e que respeite de fato a diversidade existente nesse
imenso país, para que a nossa nova história seja construída com a efetiva participação
de todos e de todas.
PINTO, Viviane Cristina. De Fernando Henrique Cardoso a Lula: uma análise das
políticas públicas de cultura no Brasil. São Paulo, Universidade de São Paulo, 2010.