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achelar Os PensadoréS Bachelard “ara 0 clentista, « conhecimento sai da ignorincia tal como a Ine sii des trevas. © clentistr ndo v8 que as trevas expirituais tm ura estrutura e que,_nessas candigées, torla experitn cla objetiva cometa deve implicar sem- pr a cocregao de um erro subjelivo: Mas ndo 4 facil destruir ox eros um a um. Fles sio conrlenados. © espirito clentifico sé se pode construir destuin- do 0 espirita nde ctertifico, Muitas ve 2es 0 clentiste entrega-se a uma peda gogia fracionada enquanto 0 espirito Gntifico deveria ter em vista uma. re> forma subjetiva total. Todo pragresso real na pensamento cientifico necessi- ta de uma conversio.” BACHELARD: A Filosofia do Nae. "Se guiséssemos retragar a histo= i do Determinismo, seria. preciso rex tomar toda a histéria da Astronomia, £ da profundeza dos Céus que se dell- neia 9 Odjetive puro que corresponde @um Visual puro. € scbre @ movimen- to regular dos astros que se regra 0 Destino. Se alguma coisa 6 fatal em nossa vida, € porque primwito uma es tela nos domina e@ nos arrasta, Hit por- tanto uma filoscia do Ce esttelado Hla ensina ao homem a lei fisica nos seus caracteres de abjetividade e& de deigrminisme absolute. Sem essa gran- de ligéo de matemdtica astrondmica, 2 keometia © 0 numer mio estariam provavelmente Ue esteitamente asso- clades ao pensamento experimental; o fendmeno terrestre tem uma diversida- dec uma mobilidade imediatas dema- siado manilestas para que se passa en- canter nelas, sem preparagio psicald- fica, uma doutrina da Objefividade & Uo Deteminismo, G_ Determinismo descou do Céu sobre a Terra BACHELARD: O Novo Espirito Cioatiti- €. ‘As grandes Imagens ttm ag mes- mo tempo uma histéria @ uma pré-his- téria. Sao sempre lembranga © lenda au mesmo tempo.” BACHELARD: A Podtica do Espace. Os PensadoréS CIP-Brasil. CatalogseSo-na-Publi ‘Amara Brasileise do Livro, SP anor Qed. 83-1662 Buchelard. Gaston, 1884-1962 A filosofia do nie: O now expitine eientifion ; A postica vo espage / Gaston Bachelard ; sclegan’ ue textos uke Jose América Motta Pessantie 5 tratugoes de Joaytim Jost Moura Ramos... (ct al). — 2. ed. — Sin Palo = Abril Cultural. 1984 (Os pemsadores) ul vida Bibliografia 1, Bacheland, Gaston, 1884-1962 2, Cigneia Fityofia 3, Cid ~ Metodologia 4. Espago (Arte) 5. Inaginagio 6. Poesia 1. Pessa- ha, Joss América Mota. 1932. IL Tituke A tilosofia do nio. HL. Ti (ulv; © novo espirito eientitico, IV. Titulo: A poéticn do espaco. V. Sénw. obra de Hachelard, eDb-Si1 153.3 -134 018 -700.1 BOL 2. Espago = Ames 700.1 3. Filosofia francesa 194 4 Filisoios franceses | Ring 5. Irmaginagio = Pricologia 133.3 6, Metodologia cientifica SO1.8 7, Pogsia ; Histéria ¢ exitica 809.1 BACHELARD A FILOSOFIA DO NAO ~ ONOVO, ESPIRITO CIENTIFICO A POETICA DO ESPACO stos de José Américo Motta Pessanha jim José Moura Rames, Remberto Francisco da Costa Leal ¢ Lidia do Valle Santos Leal EDITOR: VICTOR CIVITA ‘Titalos originais: La Philosophie du Non Le Nouvel Esprit Seientifagan La Pottique de 'Emace © Copyright dosta edicho, Avril S.A. Cahural, ‘Sao Paulo, 1979, — 2 edigio, 1984. ‘Textos publicados sob licence de Presses Usiversitaines de France, Paris, e Editenal Presenea Lida., Lisboa (A Filosofia do Nao); Prosses Universitaires de France, Paris (C Nosw Expiriie Clenifica ©A Postica da Rpg), ‘Tradugdes publicadas sob liccnga de Euitoniat Preven Lute, Lisboa (A IWosofla do Nao) ¢ da Liviaria Ehlorade Tajuca Lida... Rio de Janeiro 4A Poettea do Espapy), Dincitos exclusives sobre a traducio de O Novy Espirito Cienaifien Abrit $A. Cultural, So Panis Dincitos exchusivos sobre ‘“Bavluslard — Vide e Obra”, Abril S.A. Cultural, Séo Pak, BACHELARD VIDA E OBRA Jose Américo Motta Pessanha o dia 16 de outubro de 1962 morreu em Paris Gaston Bache- lard, membro da Academia de Ciéncias Morais © Politicas da Franga, laureado com o Prémio Nacional de Letras, autor de vasta © inovadora obra filoséfica, renomado professor da Sorbonne, Cujos Cursos eram acompanhados por uma multidao de jovens entusiasma- dos com a profundidade ¢ a originalidade de seu pensamento ¢ com sua personalidade vibrante, acelhedora; inconvencional. Ao longo de suas obras ¢ de sous cursos insistira freqdentemente numa tese: “A fix losafia cientifica deve ser exsencialmente uma pedagogia cientifica’ . Sua preacupagdo com os fundamentos @ os requisitos para o desenvol- vimento de um “novo espirito cientifico” levaramno a combater as formas tradiclonais de ensino e a propor pata a ciincia nova uma pe> dagogia nova. Vinculanddo estreilamente o progresso da pesquisa cien- fifica A libertagao das mentes jovens, eserevera numa de suas obras mais importantes (O Racionalisme Aplicada): “Freqgentemente os pais abusam ainda mais de seu saber do que do seu pader. A oniscién- cia doc pais, logo sequida em todos os niveis de instrugie pela onis- ciéncia dos professores, instala um doxmatisma que é a negayao da cultura. Quando atacado pela loucas esperancas da juventude, torna- se profético, Pretende se apoiar sobre uma experiéincia de vida para prever a experiencia da vida, Ora, as candigées do progressa so do- favante tio méveis que a experiéncia da vida passada — se 6 que uma sabedoria pode resumi-la — é quase fatalmente um obstaéculo a ultrapassar, desde que se queira dirigir a vida presente’. © prdprio Bachelard, numa demonstragdo de permanente joviali- dade espiritual, nao se deixara jamais prender as ortodexias das esco- las filos6ticas. Talvez par isso mesmo suas idéias repercutem nos mais diversos campos de investigacie, demolindo velhas concepgies cristalizadas © propondo. novas ¢ as vezes surpreendentes solugdes pas fa 08 problemas. Apoiado numa interpretagso do desenvolvimento histérico das doutrinas cientificas, Bachelard formulou seu tema de in- conformismo. intelectual através do que denominau de “filosofia do nao". Para ele, a histOrta das idéias nao se faz por evolugao ou conti- nuismo, mas através de rupturas, revolucdes, “cortes epistemoldgi- cos", Num de seus livros escroveu; “A verdade ¢ filha da discussao, vill BACHELARD nao da simpatia’'. Aplicando ele prépric: esse precelty, revestiu toda sua obra de cardter polémice, fazendo reiteradas criticas & nociva in- Hluéncia da metatisica tradicional (particularmente a carteciana) sobre © desenvalvimenta da epistemologia. Também nao poupou eriticas se- veras a alguns dos principais pensadores que marcam o sécttle KX, co- mo Freud, Bergson, Sartre. Por outro lado, contraria aus esterilizantes sistemas fechados, fez uso bastante pessoal de varias nocoes, como. “psicanalise”, “fenomenologia’, “dialética’”, “materialisms', a0 mesmo tempe que defendeu uma nava concepgdo de racionalismo; 0 tacionalismo setorial e aberto, A dupla fenomenologia do imaginario A vida de Bachelard parece marcada pela descontinuidade, da qual ele se tornou um dos tedricos no pensamento filosdfica contem- porines. Nascid> em 1881, em Champagne (Bar-sur-Aubel, (raba- Ihou nos Correios enquanto cstudava matemitica, pretendendo for mar-se engenheiro. A guerra de 1914/18 corta-lhe 6 projeta: inicia en- tio carreira no magistério secundsrio, ensinando quémica fisica em sua cidade natal. Aos 35 anos, outro corte em sua vida: comeca no- vos estudos, agora de filosofia, que também passa a lecionar. Em 1928 publica as duas teses que havia apresentando no ano anleriar: Essai sur la Connaissance Appraché (Ensaio Sobre 0 Conhecimento Aproximado) e Etude sur I'Fvalution d’un Probleme de Physique: a Propagation Thermique dans les Solides (Estudo Sobre a Evolucéo de um Problema de Fisica: a Propagacao Térmica nos Sdlidos), Na pri- meira jd aparece uma das teses centrais de sua epistemologia — o “aproximacionalismo", ou seja, a idéia de que a abordagem do obje- to cientifico deve ser feita através do uso sucessivo de diversos méto- dos, j4 que cada um deles seria destinado a se tornar primeito absole- to, depais nocivo. A partir dessa época o nome de Bachelard comeca a se projetar. fm 1930 € convidado para lecionar ma Faculdade de Dijon. Le Nou- vel Esprit Scientifique (O Nove Espirito Cientifica) surge anos mals tar- de (1934), como sintese de sua epistemulogia ndo-cartesiana ¢ em consonancia com as grandes revolugdes cientificas do século XX, co- mo a teoria da relatividade generalizada e a fisica quantica, De 1935 € LIntuition de Mnstant (A tntuicéo do tnsiante} e de 1936 La Dialecti- que de la Durée (A Dialética da Deragéo), ambas versando sobre a descontinuidade temporal, A Gltima, além de propor uma nogdo de duragao ndo-bergsoniana, adota a nogio de “ritmanalise”, que Ba- chelard declara ter encontrado na obra ‘du philosophe brésilien”” Lu- cio Alberta Pinheiro dos Samtos. £m 1938 Bachelard publica uma de suas obras mais importantes, La Formation de I’Esprit Scientifique (A Formagao do Espinta Cienti ce), na qual analisa os mais diversos “obstaculos epistemoldgicos que devem ser superadas para que se estabeleca e se desenvolva uma mentalidade yerdadciramente cientitica. Nessa obra trata também da “alquimia poética’’, que encara ainda como um entrave a ciéncia, A partir dessa épaca, mas sobretudo com a publicagde de La Psyeha- VIDAL OBRA Ix nalyse du Feu (A Psicanalise do Fogo), também em 1934, e de Lau- irgament, cm 1940, manifestam-se sobre © pensamento de Bachelard duas importantes influéncias, que perdurarao ao longo de sua obra, embora manipuladas e transfiguradas: a do surrealismo © a da psica- nélise. Esta, Bachelard aplicard a psicologia coletiva, buscando fazer nao apenas a “psicandlise do conhecimento objetivo’, como tam- bém a “psicanalise dos elementos’ (terra, ar, dgua € fogo), fontes dos arquétipas do imagindrio poético. Em La Formation de |'Fsprit Scientifique, ciéncia e poesia apare- lam como dois mundos distintos, que deverian sor mantidos scpara- dos para benelicio da objetividads do comhecimento cientifico, Um dos obsticulos que Bachelard identifica na construgao da ciéncta — talvez o mals dificil de superar — diz respeito 4 propria linguagem Gentifica, na medida em que ela abriga, com freqtiéncia, a impreci- sao 2 as ciladas das metéforas. Uma tal “poesia” espuria, inconscien- te de si mesma e fora de lugar, compromete a tarefa do cientista: panga a ser retirada, para deixar brilhar a claridade da explicacgo ra- clonal, © ouro da cientiticidade. Dai a necessidade de uma psicandli- se da razdo c do discurso cientifico. Bachelard afirma; “Uma que aceila a5 imagens ¢, mais que qualquer outra, vitima das metiio- ras. © espitito cientitico deve lutar incessantemente contra as. ima- gens, contra as analogias, contra as metiloras’. O impéria das ima gens Constituiria justamente a caracteristica do pensamenta pré-cienti- fico, Mas Bachelard reconhece lambém que o mais perigasa para o pensamento cientifico € que as metiforas exercem fortisima sedu- ao; "Nao se pode confinar as metaforas, tao facilmente quanto se pretende, apenas no reing da exprossie. Quer s¢ queita Gu no, as metiforas seduzem a razao"’. Esse fascinio das metaforas, na verdade, ja se exercia sobre o proprio espirite de Bachelard. E o que pudera pa~ recer, do panto de vista do pensamento cientllica, a ganga impura a ser alijada do universo da racionalidade, acaba se tornando a maté- ria-prima com que ele, nessa época, definitivamente seduzide, come ga a trabalhar nas obras dedicadas ao imagindria poético @ artistico em geral. A esse tema, depois de La Psychanalyse du Fou, dedica uma série de obras; L'Eau et fes Réves (A Agua e os Sonhos}!, de 1942; L'Air et les Songes (O Ar e os Sombos), de 1943; La Terre et les Réveries de la Volonté (A Tera e os Devaneias da Vontade), de 1948; e La Terre et les Réveries de Repas {A Terra & os Devaneias do Repouso), também de 1948. Na fase final de sua obra, Bachelard continua trilhando os dois sendeiros paralelos da ciéncia e da poesia, desdobrando sirtultanea- mente uma dupla fenomenologia do imagindrio, Nos dais campos de- senvolve a tema do materialisma: a manipulagao da materia, a de- miurgia, em ampla acepcao (artesanal ou onirica, racional ow cienti ca}, torna-se @ ponto onde se cruzam ciéncia ¢ poesia, razdo © deva- neio. Os dltimos livros de Bachelard revelam essa dupla vida de um espirito aberto, insacidvel e, per isso, sempre jovem: Le Rationalisme Appliqué (OQ Racionalisma Aplicado), 1949; L’Activité Rationaliste de ta Physique Contemporaine iA Atividade Ractanallsta da Fisica Con- fempordneal, 1951; Le Maiérialisme Rationel (O Maieriatisma Racio- nal), 1952; La Postique de "Espace (A Podtica do Espace), 1957; La Poetique de la Reverie (A Poetica do Devaneio), e La Hamme dune x BACHELARD Chandelle (A Chanta de uma Vela), ambas de 1961. Artigos © ensaios de Bachelard, publicados esparsamente, foram reunidos depois de sua morte, em coletineas que os editares denominaram de: Fruces (Es tudasi, 1970; Le Droit de Réver (QO Lireite de Sonhar) também de 1970; © 1’Engagement Rationaliste (O Engajamento Racionalists), de 1972. O “idealismo militante’’ de um filésofo do no Examinando as grandes. conquistas da cléncia a partir do final da século XIX @ sabretuda no decorrer da sécule XX, Bachelard assinala hos campos da matemitica, da fisica ¢ da quimica nao apenas. um avango, mas a instauragio de um “nove espinie cientifice”, que par te de novos pressupostos epistemoldgicos ¢ exercita-os numa. ativida- de que é mais do que uma simples descoberta: & antes criagdo, Na fi- si¢a, reconhece que “com a ciéncia einsteiniana comega uma siste- matica revolugao das nagées de base”. € acrescenta: “A ciéneia exp Fimenta entio aquilo que Nietzsche chama de ‘tremor de conceitos , somo s¢ a Terra, 0 Mundo, as coisa’ adquirissem uma oulra estrutura desde que se coleca a explicagao sobre novas bases”. No mesmo tox- to (La Dialectique Philesophique des Notions de fa Relativite, in L’En= gagement Ravionaliste), Bachelard esclarece que o que corre, a par tir das tearias de Finstein, ¢ que ‘ino detalhe mesmo das nogoes est belecesse um relativismo de racional edo empirico”, Do lade da qu mica, Bachelard assinala também profundas mudangas: a quimica no & mais uma “ciéncia da memdéria, uma pesada citncla de momd- ria”; na _quimica, também “as primeiras experiéncias so. ape Preambulos”; jd se pode falar de “uma quimica matematica no mes- mo estilo em que, hd um século © meg, fala-se de urna fisica matend- ica’. Eis por que Bachelard vé na nova quimica a manitestacio de um “materialism racional’, Por outro lado, “as préprias. matomati= €as, as ciéncias mais estdvels, as ciéncias de desenvolvimento mais ro- gular, foram levadas a reconsiderar as elementos de base ¢, carter to- talmente modemo, a multiplicar os sistemas de base”. Em particular 4 revalugao operada na gcometria por Lobatchevski (1792-1856) sur- ge fundamental ans olhos de Bachelards Lobaicheyski “criou © humor geométrico aplicanda esptrito de finura aa espirito genmétrico; pro- Moveu a razdo polémica a condigdo uk: raze constituinte; fundou a fiberdade da razio em relacda a cla mesma, tornando flexivel a apli- cagio do principio de contradigao". Essas e¢ outras conquistas de no- vo espitito cientifico permitem a Bachelard prapor, em lugar das clis- sicas formulagoes dos empiristas © racianalistas. uma nova interpreta- ga0 do conhecimento cientilico, na qual a criatividade de espirite (de- monstrata, por exemplo, pela criagdo, por via da imaginagao Cientifi- ca, de novas genmetrias) assacia-se 4 experiéncia, numa dialética mo- vida pela continua retificagae dos conceitos (“Eu sou o limite de mix nhas jlusdes perdidas'’) ¢ pela remacio dos. obstéculos epistemoldgi- £05 (COMO a Valarizagao & o apego a experiéncia primeira). Bachelard caracteriza sua posigga coma um “idvalisma militate’, como um “racionalismo engajado” que se modula diame de cada tipo de obje- fo, tornando-se essencisimente “progressive”, “aberto’” "'sctorial” MIDAEOBRA = XL Esse racionalismo, Condizente com o novo espirito cientifice, ¢ neces- sariamente uma fuptura com as premissas da-epistemologia tradicio- nal: em nome de uma quimica nao-lavoisieriana, dié nde ae substan- cialismo; em nome das descabertas da mecanica ondulatéria, diz néo 2 analiticidade-na matomdtica © na om nome de carater dtaléti- co do pensamento cienlifico, diz nao a logica aristotélica € 4 cancep- Gao de evidéncia ¢ ao intuicionismo cartesianos, Em nome desse racionalismo, Bachelard prepa a necessidade de una nova fazao, dotada de liberdade analogs 4 que o surrealismo ins- faurou na criagdo arlistica. Descreve o que entende par esse sturracio- nalismo: “E preciso restituir A razdo human i cla ¢ de agressividade. Assim &€ que se contribuird para a fundacae de um surrealisme, que multiplicara as oportunidades de pensar. Quane do esse surracionalisno houver encontrado sua deuttina, poder bostv em relacao com o surtealisme, pois a sensibilidade © a raza te- fo recuperado, juntas, sua fluider. O mundo fisica sers entao experi- mentado por meio de novas vias. Compreendet-se-4 de mento diferen- te € sentirse-d de modo diferente. Estabelecer-se-4 uma razao exper mental suseetivel de organizar surracionalmwnte © real, assim, come sonte experimental de Tristan Tzara organiza surrealisticamente a te berdade poética”. Mas, par outro lado, insiste na importancia a va da experiéncia na consinucae cientifica: “A situagie da atual nado poderia ser esclarecida pelas utopias da simplicidade {lose fica. Eis por que prapusemus como nome dessa filasotia mista, que hos parece corresponder 4 sitiagde epistomoldgica atual, © nome de ravionalismo aplicado. Condo ¢ vo simples nivel day yeneralidudes que ¢ preciso colocar essa filosofia essencialmente mista, E sobre da valor de racionalidade que € necessario extrait um valor de aplica- Gao. Aqui mostrar o real ndo & suficiente, € precisa demonsiid-lo, Eb, rectprocamente, as demonstragoes puramente formats devem ser san- cionadas por uma realizagao precisa, Nay cidncias fisicas, organiza ‘¢d0 racional e experiéncia esta em canstante cooperagaa” O direito ao sonho e ao devaneio Mesmo nas obras dedicadas & epistemologia, Gaston Bachelard {reqientemente alude ao “vicio de pcularidade” que caracteriza a cultura ocidental, tendente a privilegiar a causa formal em detrimento da causa material na explicagéo dus fendmenus, © propria vacabuld- rio clentifico @ filoséfico ("idéia”. “evidéncia’’, “teoria", “visio de mundo” etc.) revelaria esse preconveito que faz do conhecimento uma exlensao da otica, um desdobramento da imaginagao formal. E supae © mundo como um espeticule dado a conternplacdo, um pano- rama oferecido a visdu, um leatro para o seu espectador, No terreno da poesia, do devaneio, do onirisme @ que se manifestaria a imagiea- (0 material, dlesenrolada a partir das sugestios dos elementos que ja Empédocles de Agrigento tsé¢. V a-C.) considerava as "raizes" do tea- liduuke (agua, ar, terra e (ogo), Esses quatro elementos, alimentary o imaginario postico, permitem classificd-lo em quatro tipos fundamen- fais, decorrentes de “‘Temperamentos’ artisticos (aquatica, aéreo, ter reste e (gneo} que se desdobram em multiples “complexos"’ (de Of lia, de Atlas, de Prameteu ete.), xil BACHELARD Bachelard insiste em distinguir.a imaginacdo enquanto simples ce gistro passivo de experiéneias, da imaginayae que, aliada 4 vontade, € poder e criagdo. Afirma: “A imagem percebida e a imagem criada so duas instincias psiquicas muito diferentes e seria necessaria uma palavra especial para designar a imagem imaginada. Tudo o que é di- to nos manuais sobre 4 imaginaghe reprodutora deve ser creditado a percepcdo © A meméria. A imaginagao criadora tem fungdes comple- tamente diferentes da imaginagao reprodutora’ (A Terra e os Deva- neios da Vontade). Essa {uncao tipica da imaginacao material ¢ 0 que Bachelard designa de “funcaa do irreal”. Issa porque, para ele, “a imaginagdo nao ¢, come o sugere a etimologia, a faculdade de for- mar imagens da realidade; ela é a faculdade de formar imagens que ultrapassam a realidade, que cantam a realidade. Ela é uma faculda- de de sobre-humanidade’” (4 Agua ¢ as Sonhos), Essa imaginacao ctiadora “é um principio de multiplicagao dos atributos da intimida- de das substincias. Ela ¢ também vontade de mais ser, nao evasiva, mas prédiga, nao contraditéria, antes ébria de opasicdo. A imagina- Gao € 0 ser que se diferencia para estar seguro de tomar-se””. Essa con- cepgao de imaginacao material come atividade (‘as imagens mate- fiais — aquelas que fazemos da matéria — sao eminentemente ati- vas") @ como atividade essencialmente tansiormadora, movida pela “vontade de trabalho", usté na base de eriticas que Bachelard endere- gaa Freud ¢ a Sartre. Em A Terra ¢ os Devaneios de Vontade afirma: “A psicanalise, nascida em meio burgués, negligencia frequentemen- te o aspecto materialista da vontade humana. O trabalho sobre os ob- jetos, contra a matéria, ¢ uma espécie de psicandlise natural, Oferece oportunidades de cura répida porque a matéria no permite que nos enganemos a respeito de nassas prdprias forgas”. A psicandlise, se gundo Bachelad, peca na medida em que tenta geralmente “tradu- zir’ as imagens materiais, nao levando em conta a autonomia do sim= bolismo: “Sob a imagem a psicanalise procura a realidade; esquece a pesquisa inversa: sobre a realidade buscar a positividade da ima gem’, Também €m relacdo A concepgae sartriana do ima; lard axsinala o que considera equivecos fundamentais: desconhecen- do a peculiaridade da imaginagéo material ¢ dindmeca, Sartre redux toda a imaginagao as caracteristicas da imaginacdo formal. Marcade também pelo “vicio da ocularidade”, Sartre tenderia a traduzir em ter- mos racionais as imagens que seriam, na verdade, origindrias de ou- tra fonte: do contato corpo-a-corpo com @ matéria. Por isso € gue ima- Rens Como @ pastose ou O viscoso podem simbolizar, para Sartre, a ir racionalidade que suscita a ndusea, Ao contraria, Bacholard reivindi- ca a legitimicade ¢ a imedutibilidade das imagens que a mao recalhe na matéria: “A mo: ociosa’e acariciadora que percorre linhas bem fei- tas, que inspeciona um trabalho jd coneluide, pode se encantar com uma geometria facil, Ela conduz 4 filosofia de um filésofo que vé o trabalhador trabalhar. No reino da estética essa visualizacao do traba- tho acabado conduz naturalmente & supremacia da imaginacao for- mal. Ao contrério, a mao trabalhadora © imperiosa apreende a dina- mogenia especial da realidade, ao trabalhar ima matéria que, ae mes- mo tempo, resiste e cede como uma came amante e rebelde” nario, Bache- Cronologia Bibliografia VIDAEOBRA — XIII 1884 — Nasce Bachelatd! ent Bar-sur-Aube, Champagne (Franca). 1912 — Einstein recebe o Prémia Nobel de Fisica. 1914 — Tem inicio a Primeira Guerra Mundial 1926 — fachelarct publica suis teses- Essai sur.li Connaissance Approché & Etude sur "Evolution d'un Probleme de Physique: la Propagation Thermi- que dans les Solieles 1930 — Bacholard é convidade pars leecinnar os Faculdade dle Dijon. 1934 — Publica Le Nouvel Esprit Scientifique. 1935 — Publica Uintuition de Finstant, 1936 — €editadta Ca Dialectique de la Durée. 1938 — Publica La Formatinn de Esprit Scientifique La Peychanalyso du Feu 1940 — dita Lauircamont. Toma-se professor na Surburine, Publi¢ed La Phi- Josophie du Non. 1942 — Publica L'Eau et les Réves. 1943 — Publica \Air et les Sanpes, 1948 — Publica Lo Tere et les Réveries de la Volonté e La Terre et hes Réve= ries du Repos. 1949 — Publica Le Raticnalisme Apptique. 1951 — Publica L’Activité Rationaliste de la Physique Contemporaine. 1952 — Publica Le Matéialisme Rationel. 1955 — Marre Einsten. Buchelard ein pat @ Acudcrnia das Chéncras Mao tais ¢ Pasiticas da Franca 1961 — Bachelaret & laureadde com 9 Grande Prémio Nacianal de Letras. Pus hlica La Poétique de la Riverie e La Flamme d'une Chandelie. 1962 — Bachelard morre. Lacon. CaNCuLMin. Hyiroutt, Anuacia® @ Oulton: Iniraduction a Rachelard, Edis clones Caldén, Buenos Aires, 1973 Cacunum, Gz tudes d'Histoire et de Philosophie des Sciences, |. 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A utilizagdo dos sistemas filosdficos em dominios afastados da sua origem espiritual é sempre uma operagdo deticada, muitas vezes uma operacdo falaciosa, Assim transplantados, os sistemas filoséficos tornam-se estéreis ou enganadores; perdem a sua eficdcia de coeréncia espiritual, eficdcia tio senstvel quando sao revividos na sua originalidade real con a fidelidade eserupulosa de historlador, @ perde-se também a satisfacéa de pensar 0 que nunca sera pensado duas vezes. Seré pois necessdrio concluir que um sistema filosdfico nao deve ser utiticade para outros fins para além dos que ele se atribui, Dita isto, 0 maior erra contra 0 espirita filostifica seria precisamense o de ndo ter em conta esta finalidade inti- ma, esta finalidade espiritual que dé vida, farga ¢ clareza @ um sistema filosdfico. Em pariieular, se se pretende eselarecer os problemas da ciéneia através da refle- xdo metafisica, se se pretende misturar os teoremas ¢ os filosafemas, surge imediatamente a necessidade de aplicar uma filosofia necessariamente finalista @ fechada a wn pensamento cientifico eberto. Corre-se 0 risco de ndo agradar a ninguém; nem aos clentistas, nem aos fildsofos, nem aos historiadores. Com eeito, os cientistas consideram intitil uma preparacéa metaffsica: declaram aceitar, em primeiro lugar, as ligdes da experiéncia se trabalham nas ciéncias experimentais, ou os prineipios da evidénela racional se wabalham nas ciéneias matematicas. Para eles, a hora da filosofia sé chega depois do trebalha efetivo; eoneebem pois a filosofia des ciéneias como um reswmo dos resultados gerals do pensamento cienufico, como wma colegao de fates importanies. Dado que a ciéncia esté sempre inacabada, a filosofia dos cientistas permanece sempre mais ou menos eclética, sempre aberta, sempre precaria. Mesmo se os resultados positivos permunecerem, em alguns aspecios, deficientemente coordenados, estes resultados poder ser assim tansmitidos, como estados do espirite cientifico, em detrimento da unidade que caracteriza 0 pensamento filosdfico. Para o cientista, a filosofia das ciéncias est ainda no reino dos fatos, Par seu lado, os filbsofos, justamente conscientes do poder de coordenacao das funcées espirituals, consideram suficiente uma meditacdo deste pensamento coordenado, sem se preacyparem muito com o pluralismo ea variedade dos fatos, Os filésofos podem divergir entre si acerca da razdv desta coordenagdo, acerca dos.principios da hierarquia experimental. Alguns poderdo ievar suficientemente Jonge & empirismo para pensarem que a experiéncia objetiva normal baste para 4 BACHELARD explicar a coeréncia subjetive. Mas ndo se é fildsofo se ndo se tomar conseiéneia, num determinade momento da reftexite, da cocréncia ¢ da unidade do pensa- mento, se ndo se formularem as condicdes da sintese do saber. E é sempre em fun- edo desta unidade, desta coeréncia, desta siniese. que o _fildsefo coloca o pro blema geral do conhecimento. A ciénzia oferece the entdo como que wma recothe particularmente rica de conkecimentos beim erticuladas. Por outras palavras, 0 fildsofo pede apenas d ciéncia exemplus para provar a atividade harmvnivse dus fangées espirituais, mas pensa ter sem a ciéneia, antes da ciéncia, o poder de ana lisar esta atividade harmaniosa, Deste modo, os exemplos cientificos sdo sempre evacudos ¢ nutica desenvolvidas. Acoutece mesmo os exemplos cientificos serem comentados de averda cont princivios que itdo sie principio civniificos: susel- tai metdfovas, analogias, generalizacées. E assim que, no discurse do fildsofo, a Relatividade devenera muitas vezes ent relativismo, a hipdiese degenera em supo- sigdo, 0 axioma em verdade primeira, Por outras palavras, mantenide se fora do ospirita eientifiea, o fildsofa pensa que a filosnfia das eiéncias pade limitar-se aos principios das ciéneias, avy iemas gerats, ow entde, limitande-se estritamente aos principios, o fildsofe pensa que a filosofia das ciéncias tem por missdo articular os principies das ciénciay cam as principios de um persamento puro, desinte- ressado das problemas da aplicacde efetiva, Para o Mlésofo. a Filosofia da ciénecia nunca esta totalmente no reino dos fatos, Assim a filosofia das ciéneias fica muttas Vezes aeantonada nas duas extre- midades do saber: no esiude, felio pelos fldsofos, dos principios muito gerats, € no estiudo, realizado pelos eiuntistas, dos resultados particularcs. Enfraquece-se contra os dais obstéculos epistemoatigicos contrartos que limita todo @ pensamenta; o gerai ¢ 0 tmedtare. Ora vatoriza o a priori. era 0 a posteriori, abstraindo das transmutagdes de valores epistemoldgicos que o pen- Samentd cieniifice contempordned permanentemente opera entre a 4 priori eo.a posteriori, enire as valores experimentais e os valares ractonais, HW Parece-nos, pois, clary que nao dispomos de uma filosofia das cidneias que nos mastre em que condicces — simullaneamente subjetivas e objetivas — os principios gerais conduzem a resultados particudares, a flutuagdes diversas; em que condigses os resultados partieulares sugorem generalizagses que os comple- ren, dialétieas que produzam naves princ!pios. Se pudéssemos entéo waduzir filosoficamente 6 duple movimento que atual- mente anima 0 pensamento eientifieo, aperceber-nos-famas de que a alternéncia do a priori edo a posteriori ¢ obrigatdria, que o empirismo eo racionalisme esto ligados, no pensaments cicntifica, por um estranha aca, tdo forte camo 0 que wie 0 prazer & dorsCom efeito, um deles triunfa dando rario a0 outro: 0 empirisma precisa de ser compreendida; o racionalisma precisa de sev aplicado. Um empi- rismo sem (eis claras, sem leis coordenadas, sem ieis dedutivas nao pode ser pen- A FILOSOFIA DO NAO sado nem ensinado; un ractonalismo sei proves paipéveis, sem aplicacde & rea lidede imediata ndo pode convencer plenamente. O valor de wana lei empiriea prova-se fazendo dela a base de um raciocinio. Legitima-se um raciecinio fazen- do dele a buse de unie experiinclu, A ciéncia, soma de proves ¢ de experiéncias, soma de regras e de leis, soma de evidéncias ¢ de fats, tem pois necessidade de um fitosofia con dois polos. Mais cxatamente ela tem necessidade de wm desen volvimento dialético, porque cada node se eselarece de uma Jorma comple mentar segundo dois pantos de vista flasdficos diferentes. Compreender-nos-iam mal sc visser isto umn simples recowhecimento de duaiisino. Polo contrério, a polaridade epistemologica 6 para nds a prova de que cada wim das doutrinas fliosificas que esquematizamos pelos names de empi- rismo ¢ racionalisme ¢ 0 complemenio efetiva da outea. Unn acaba a outra. Pen- sar cientificamente é colocar-se no campo epistemoldgica intermedidrio entre teo- ria € prdtica, entre matemética e experiéncia. Conhecer civatifieamente wma lei natural, é conhecé-la simultaneamente como fendmeno e come mimero. Aliés, como neste capitulo pretiminar pretendemos definir t@o claramente quanta possivel a nossa posicde & o nosso objetivo filosdficos. dovemos aeres- ceittar gue em nossa opinido uma das dias direcdes melafisicas deve ser sobreva- lorizada: a@ que vai de racionalismo a experiéncia. E através deste movimento epistemaligico que tentaremos caracterizar a filosafia da eiéncia fisica contem- pordned. Interpretaremos pois, no sentido de um ractonaltsm, @ recente supre- macia da Fisica matemitica, Este racionalismo aplicado, esie racionalisme gue retoma as ensinamentos Jornecidos pela réalidade para os traduzir ém programa de realizagdo, goza alta segundo pensamos, de um privilégio recente. Para este racionalismo prospetor, muito diferente por isso do recionalismo tradicional, « aplicagio ndo é wma nuuti- lacdo; a acde cientifiea guiada pelo racionalismo matematico néo é uma transi- géncia aos principios. A realizagio de unt prograna racional de experiéneia determina uma realidade experimental sem irracionalidade. Teremos acasio de provar que fenmeno ordenado é prais rico que 0 fendmeno natural. Basta-nos por agora ter afastado do wspirito do lettor a idéia comum segundo a qual a reali- dade é uma quantidade inesgotavel de irracionalidade, A eiéncia fisica contempa- rénea é uma construgao racional: ela elimina a irractonalidade dos seus matertais de consirugao. O fendmeno realizado deve ser protegide contra tada a perturba au irracional. O racionalismo que ads defendemos fara assim face & polémiea que se apéia no irracionalismo insanddvel do fenGmeno para afirmar uma reali dade, Para ovacionalismo cientifieo, a aplicagdo ndo é wma derrota, um compro: misso. Ele quer aplicar-se. Se se aplica mai, modifica-se. Ndo nega por isso as seus principios, dialetizu-os, Finwimente, a filosofia du ciéneia jisica é talvez a tinica fllosofia que se aplica determinande uma superagao dos seus prineipios, Em suma, ela é @ inica filosofia aberta. Qualquer oulra filosofia coloca os seus principios como intocdveis, as suas verdades primeiras como totais e acabadas. Quatquer ouira filosofia se glonifica pelo sew cardter fechado 6 BACHELARD it Como pode entio deixar de se ver que uma flosofia que pretenda ser verda- deiramente adequada ao pensamento cientifico em evolucde constante deve enea- rar o efeita reative des conhecimentas cientificos sabre a estrutura espiritual? E E assim que, desde o inicio das nossas reflexdes sobre o papel de uma filosofia das ciéneias, enfrentamos com wm problema que nos parece mal colocado tania pelos cientistas como pelos filésafos. Trata-se de problema di estrutura e da evolucao do espirito. Também aqui surge a mesma oposigda: o cientista pensa partir de um espirito Sent estrutura, sem conhecimento; 0 filésafo apresenta a maior parte das vezes um espirito constitutdo, dotado de todas as categorias indispensdveis para a compreenstio do real. Para 0 cientista, 0 conhecimento sai da ignoréncta tal como a luz sai das tre- vas. O cientixta ndo vé que a ignordncia 6 um tecido de erros Positivos, tenazes, soliddrios, Nao vé que as trevas espirituais tém uma estrutura € que, mestas condi- des, toda experiéncia objetiva correta deve implicar sempre a corregaa de um erro subjetive. Mas nda 6 fieil destruir os erros um a um, Eles séo coordenados O espirito cientifico sé se pode eonstruir destruinde « espiriza nda cientifico. Mui- fas veces 0 cientista entrega-se a wma pedagogia fracionada enquanto 0 espirito cientifice deveria ter em vista uma reforma subjetive total, Todo o Progresso real no pensamento ctentifico necessita de wna conversdo. Os Progressos de pensa- mento cientifico contempordneo determinaram: transformagées nos préprios prin- cipios do conhecimento. Para o fildsofo que, por profissda, enconsra em si Verdades primeiras, 0 obje- fo tomado em bloca ndo tem dificuldade em confirmar principios gerais. As perturbagdes, as fuutuagées, as variacdes também nao perturbam 0 filésofo. Ow ele as despreza como pormenares imiteis, ou as amontoa para se convencer dla irracionalidade fundamental do daito, Em qualquer dos casos, o flissofo estd pre- parado para desenvotver, a prapdsito da ciéncia, uma filosofia clara, rdpid, fécil, mas que continua a ser uma filosofia de fildsafo. Neste caso, basta uma verdade Para sair da chivida, da ignordneia, do irracionatisme; cla é suftetense para ilumi- nar uma alma. A sua evidéncia refiete-se em reflexos sem fim. Esta evidéneia & uma luz tinieas nao tem espécies nem variedades. O espirito vive uma tiniea evldléncia. Nao tenia eriar para si outras evidéncias. A idensidade do espirito no Cu penso € tiio clara que a cidncta desta consciéncia clara é imediatamente a cons- siéncia de uma ciéncia, a certeza de fundar uma filosofia do saber. A conseiéncia da identidade do espirito nestes contecimnentas diversos dé-the, a elu e s6 a ela, a Sarantia de wm método permanente, fundamentai, definitive. Perante um tal Sucesso, como colocar a necessidade de modificar a espirito e de ir em busca de noves conhecimentos? Para a filésofo, as metodologias, téa diversas, tdo méveis nas diferentes ciéncias, dependem apesar disso de. um mérode inicial, de um méto do geral que deve dar forma a todo 0 saber, que dove tratar da mesma forma todos 05 objetos. Senda assim, uma tese como a riossa que considera o conhect. Menta COMO Wma evolucdo do espirite, gue aecita variacdes, respeitantes d unica- de ¢d perenidade do en penso, deve perturbar 0 filésofo. A FILOSOFIA DO NAO 7 E no entanto é a essu conclusdo que devemos chegar se quisermas definir a filosofia do conkecimento cieniffico como wma filasofia aberta, como @ cons- ciéneia de um espirito que se funda wabaihando sobre o desconhecida, pracu- rando no real aquila que contradic couhectmentos anteriores. Antes de mais, € preciso tomar consciéncia da Jato de que a experiéncia nova diz nao a experiéncia antiga; se isso ndo acontecer, ndo se trata, evidentemente, de uma experténcta nova, Mas este nao munca é definitive para uma espirito que sube dialetizar os seus principios, constituir em si novas espécies de evidéneia, enriquecer a seu corpe de explicacda sem dar nenhum privilégio dquilo que seria um corpo de explicagao natural preparado para explicar tudo. Este livro dard bastantes exempias deste enriquecimento. Mas, para esclare- cer bem o nosso ponto de vista, ndo vamos esperar ¢ daremos, no dominio mais desfavordvel d nossa tese, no proprio campy dv empirismo, um exempto desta Iranscendéncia experimental. Com eftito, pensamos que esta expressdv nao é exa- gerada para definir a ciéncia instrumentada como uma transcendéncia da ciétcia de observacdo natural. Existe rotura entre 0 conhecimento senstvel © 0 cankeci- mento clentifico. Lemos a temperature num termémetro; nde a sentimos. Sem teoria nunca saberiamos se aquilo que vemos ¢ aquila que sentimos corres- pondem ao mesmo fendmene. Ao longo de todo o nese livro responderemos a objegdo que impde ume leitura necessariamente sensivel do conheeimento cient. fico, 4 objegdo que pretende reduzir a experimentagde a uma série de leituras de indice. De fato, a objetividade da verificagao numa leitura de indice designa como objetivo 0 pensamenta que se verifica. O reatismo da funcdo matemidtica substi- tul-se rapidamente G realidade da curva experimental. Allés, para 9 caso de nio sermos compreendidos nesta rese que coloca jé 0 instrumento como um elém do drgdo, reservamos uma sérle de argumentos pelos quais provaremos que a microfisica postula um objeto para além dos objetos usuais, Existe pois, pelo menos, uma rotura na objetividade e é por isso que temos razGes para dizer que a experiéncia nas ciéncias fisicas tem um além, uma trass- cendéncia, que ela néo esta fechada sobre si prdpria. Portanio ¢ racionalismo gue informa esta experiéncia deve accitar uma abertura correlativa desta transcen dénevia empirica, A filosofia critivista, de que sublinkaremos a solidez, deve ser madifieada em fungdo desta abertura. Mais simplesmente, dado que os quadros do entendimento dever ser tornados flexiveis e aiargados, a psicologia do espi- rito cientifico deve ser construida em noves haves. A cultura cientifiea deve deter- minar madificagoes profundas do pensamento, vw Maz se 0 dominio da filosofia das ciéncias é ido dificil de delimisar, gostarta- mas, neste ensalo, de pedir concessdes a toda-a gente. Acs filésofos veclamaremos o direito de nos servirmas de elementas filosé- ficos desligados dos sistemas onde eles naseeram. A forga filoséfica de wm siste- ma esta por vezes concentrada numa funcdo particular. Por que heésitar em pro- § BACHELARD Bor esta funedo particular ao pensamenta cientifico que tanta necessidade tem de informagda filoséfica? Haveré par exemiplo sacriiégio em tomar um aparctho epistemolégico to maravilkoso camo a categoria kantiana e em demonstrar 0 interosse deste para « organizagde do pensamente clentifico? Se tades os sistemas Sdo indevidamente penctrados por um ecletisnro dos fins, parece no enlanto que wn ecletisma dos meios poderd ser edmissivel para uma fitosofia das ciéncias que Pretenda fazer face a todas as tarefas do pensamento cientifico, qiie pretenia dar conta dos diferentes tipas de toric, que pretenda medir 0 ateance das suas aplica ees, que pretenda, antes de mats, sublinhar os variadisstmos pracessos da deseo- berta, mesmo os mais arriscados. Pediremos também aos filésofos que acabern cont a ambigdo de encontear um pono de viste nico e fixe para ajuizar do con- Junto de uma ciéneia téo vasta ¢ tio evoluiva como éa Fisica, Para caracierizar @ fllosofia das ciéncias seremos endo condizidos a um pluralism filosivico, 6 uinico capa: de informar os elementos tao diversos da experiéncia ¢ da tewia, ele- mentos estes ido diferentes no seu grau de maturidade filoséfica. Deflairemos a losafia das ciéneias coma uma filosofia dispersa, come uma filosofia distri- huida. Inversamente, 0 pensamento cientifico surgir- nas d como wn métode de dispersdo bem ordenado, como um inétodo de andlise aprofidada, para os diver 408 filosofemas macteamenie agrtipacos nos sistemas filoséficos. Aos cientistas, reciamaremoas o direita de desviar por um instante # elénela da seu trabatho positive, de sua vantade de objetividade, para descobrir 0 que pormanece de subjetivo nos métodes mais severos. Comecaremos por cologar aos clentistas quesides de cardter apareniemente psicoldgico e. a poucn ¢ poueo. provar thes-emos que toda @ psicologia & soliddria le postelados metaffsicos: O espirito pode mudar de metafisica: 0 que ndo pode é passar sem a metaffsica. Pergunteremos pois wos cientistas: como pensats, quais sd0 as yossas tentativas, 98 vassos ensaios, as vossos errs? Quais sdo as motivacdes que vos levam a mudar de opinido? Por que razéo vocés se exprimem tdo sucintamente quando alam das condigses psicolégicas de wma nova investigaedo? Transmiti-nos sobretudo av vossas idéias vagas, ay vosxas contradigdes, us vossas idéias fixas, ay vossas conviegdes nao confirmadas. Dizem que sois realistas. Sera certo que esta fllosofia maciga, sem articulagces, scm dualicade, sem hierarguia, corres- ponde é variedade de vosse pensamento, a liberdade das vassas hipdteses? Dizei- 0S 0 que pensais, Ado go sair do leboratirio. mas sim nes horas em que deixals a vida comum para entrar na vida clensifier. Dai-nos ndo 0 vosso empirismo da farde, mas sim a vasso vierose ractonalismo da manka, 0 8 priori do vossa sonho maiemético, a entusiavmo dos vassas projets, as vossas trtuigdes incon Jfessadas, Se pudéssemos assim alargar a nossa pesquisa psicaldgica, parece-nos quase evidente que o espirito cientifico surgiria também nama verdadeira disper- Sd0 psicologica ¢ conseqientemente numa verdadeira dispersdo flasdfica, dado que toda a vatz fllosifica nasce num pensamento, Os diferentes problemas do pensamenta cieniifice deveriam pois receber diferentes coeficientes filasdficos. £m particular, 0 grew de realismo @ de racionalismo néo seria 9 mesma para todas ax nagées, E pots ao nivel de cada nagdo que, em nossa opinido, se coloca- A FILOSOFIA DO NAO 9 riam as tarefas precisas da filosofia das ciéneias, Cada hipétese, cada problema, cada experiéneta, cada equacdo reclamaria sua filosafia, Dever-se-ia ertar uma Jilosofia do pormenor epistemoldgico, uma filosafia ciensifica diferencial que contrabalacaria ¢ filosofia integral dos fildsofos. Esta filosofia diferencial esta- tla entcarregada de anatisar o devir de um pensamenio, Em tinhas gerais, 0 devir de um pensamento cientifice corresponderia a wna normalizagao, @ iransfor- macéo da forma realista em forma racionalista. Esta transformacao nunca é total. Nem todas us nocdes estiv no mesmo esiddiv das suas tranyformacdes metafisicas. Meditanda filosoficamente sabre cada nacio, ver-se-ia também mais claramenie 0 cardter polémico da definigdo adotada, tudo o que esta definigao aistingue, delimita, recuse. As condigdes dialéticas de uma definigao cienafica diferente da definicde usual surgiriam entdo mais claramente e compreender-se- ta, ne pormenor das nogaes, aqitilo a que chamaremes a filosafia do nao. Eis enti 0 nosso plant Para flustrar as observagoes precedentes, obscuras na sua generalidade, daremos ja no primeira capititin um exemplo desta fiiosofia dispersa que é, segur- do pensamos, a iinica fitosofia capaz de anativar a prodigtosa complexidade do pensamento cientifico moderao. Depois dos dois primeiros capitulos que desenvolvem um problema episte- moligico preciso, estudaremos os esforcos de abortura do pensamente cientifico em trés dominios tao diferentes quanto passtvel, Em primeira lugar, ao nivel de uma categoria fundamental: & substdacia, teremos acaside de mostrar o esboga de um ndo-kantismo, quer dicer, de wma Afllosofia de insptragdo Kantiane que ultrapassa a seoria clissica, Urilizaremos assim wna nogdo filosdfica que funcionou eorretamente na cléncia newtoniana & que, em nosso entender, é necessdrio abrir para traduzir a sua funcdo correta na cléncia quimtca de amanhd. Neste cupitulo encontruremos correlativamente argue mentos para wn nao -realismo, para wm néo-materialisme, quer dizer, para uma abertura do realisimo, do materialismo. A substineia guimica sera emtao represen- tada como uma pega — ume simples pega — de um proceso de distingdo, 0 reat sera representado coma um instante de uma realizagao bem eonduzida. O nao reatismno (que é um realismo) ¢ 0 ndo-kantisme (que € win racionalismo) trasades simultancamente @ propésita da nacdo de substincia surgirdo, na sua oposi¢ao bem ordenada, como espiritualmente coordeaados, Entre os dois pilos do rea- lismo e do kamismo elissicos nasceré wm campo epistemaligica intermediirio particularmente ative. A filasofia do nao surgird pois no como sina atitude de recusa, mas como unt aiitude de conciliagde. De wna forma mais precisa, a nogao de substéncia, téo duramente contraditéria quando coptade na sua infor- macdo reatista por ume lado € vet sua informacdo kantiana por outro, sera clara- mente transitiva na nova doutrina do néo-substancialisme, A filosofia do ndo permitira resumir, simultaneantente, toda a experiéucia e tada o pensamento da 1 BACHELARD determinagdo de uma substéncia. Uma vez a eaiegoria aberta. ela serd éapaz de reuntir todos os matizes da filosofia quimica eantenipordnea, O segundo dominio a propésito do qual proporemos wm alargamento da filosofia do pensamento cieniifico serd a intuigao. Também neste caso daremos exemplos precisos. Mosiraremos que a intti¢do natural ndo é mais do que wma intuigéo particular e que, associando-lhes as justas liberdades de stutese. se com- preende methor @ hierarguia das ligagdes intuitivas. Mostaremos a atividade do Pensamento cientifieo na intuigio trabalhada, Finalmente, abordaremos 0 terceiro deminia: 0 dominio légico. 56 por si. ele exigiria wma obra inteira. Mas bastardo ailgwmas poucas referéucies & ativi- dade cieni{fiea pare mostrar que os quadyos mais simples do entendimento nao podem subsistir na sua inflexibilidade, se se pretender analisar os destinos novos da ciéncia. A razdo ortodoxa pode ser dialetizade em todos os seus prinetpios alravés de paradoxes. Depois deste exforco de alargamento aplicado a dominios 1do diferentes como a categoria, a intuicdo, a ligica, vattaremos nas conclusées, para evitar qualquer equivoca, aos principios de uma filosofia de no. Com efeito, & neces- Sdrio relembrar repetidas vezes que a filosofia do nao nao ¢ psicologicamente um negativismo e que ela nao conduz, fece d naturesa, a um niilisma. Pela coutrério, ela pracede, em nds e fora de nds, de uma atividade construtiva. Ela qficna que 0 espivito é, no seu trabalho, um fator de evotucdo. Pensar corretamente o real, é aproveitar as suas ambigiidades para modificar ¢ alertar 8 pensamento. Dialeti- Zar 0 pensamento é aumentar' a gavantia de criar cientiffeamenie fendmenos com- pletos, de regenerar todas as varidvels degeneradas ow suprimidas que a ciéncia, como 0 pensamenta ingénvo, havia desprezado no seu primeiro estudo. Capiruo | As diversas explicagSes metafisicas de um conceito cientifico Antes de entrar verdadeiramente no nosso exame filoséfico geral vamos, para ser mais claros, cncctar toda a polémica em torne dé um exemple preciso. Varnos estudar um conceito cientifico particular que, segundo pensamos, encerra uma perspectiva filosdfica completa, isto é, pode ser interpretado sob os varios pontos de vista do animismo, do realismo, do positivismo, do racionalismo, do racionalismo complexo e do racionalismo dialético. Explicaremos precisamente 0 exemplo escolhide sob os dois Gltimos pontes de vista, O racionalismo complexo ¢ 0 racionalismo dialético podem alias ser mais brevemente reunidos sob a desig- nagao do ultra-racionalismo que ja tivemos ocasido de esbogar,’ Mostraremos que a evolugio filosdfica de um conhecimento cientifico particular € um movi- mento que atravessa todas estas doutrinas na ordem indicada. E evidente que os conceitos cientificos no atingiram todos o mesmo estadio de maturidade; multos permanecem ainda implicados num realismo mais ou menos ingénuo: muites sto ainda definidos na orgulhosa modéstia do positi- visme; 0 que faz com que, examinada nos seus clementos, 2 filosofia do espirito cientifico nao possa ser uma filosofia homogénea, Se as discussdes filosdficas acerca da ciéncia permanccem confusas, ¢ porque se pretende dar uma resposta de conjunto, a0 mesme tempo que se esté obnubilado por um comportamento particular, Diz-se que o cientista € realista fazendo a enumeragdo dos casos em que ele é ainda realista, Diz se que é pasitivista excolhendo ciéncias que so ainda positivistas. Diz-se que o matematico é racionalista retendo os pensamentos em que ele dinda é kantiano, Naturalmente, os jd sio tho infiéis 4 verdade filoséfica como os ainda. Assim, os epistemdlogos dizem que o fisico é racionalista fazendo a enumeragao dos casos em que ele jd & racionalista, em que cle deduz cortas experiéncias de leis anteriores: outros dizem que o socidlogo & positivista escalhendo alguns cxem plos em que cle jd € posilivista, em que cle abstrai dos valores para sc limita 203 fatos, Os filésofos aventurosos — unvexemplo scorer imediatamente ao espi- rito do leitor — devem confessarse da mesma maneira: para legitimar as suas doutrinas ultra-racionalistas, eles dispdem apenas de casos raros em que a ciéneia sob as suas formas mais recentes e portanto menos confirmadas, jd ¢ dialética © CF, artigo, hiquisisions, 1, junho de 1936, (Noda Ad id BACHELARD Deste modo, os proprios ultra-racionalistas devem reconheeer que a maior parte do pensumento cientifico permanece em estadios de evelucho filosoficamente primitivos; devem preparar se para ser vitimas de uma polémica esmagadora. Tudo esta contra eles: a vida cornum,.o senso comum. a conhecimento imediato, @ tenica industrial ¢ também cias inteiras, ciéncias incontestaveis como a biologia em que o racionalismo ainda ni penetra — se bem que certos temas das ciéncias biolégicas pudessem receber um desenvolvimento rapido desde que a causalidade formal, tio desprezada, to levianamente rejeitada pelos realistas, puidesse set estudada num espirito hicsdfico nove. Perante tantas provas dadas pelos realistas ¢ pelus posilivistas, 0 ultra-racio- nalismo é facilmente abalado. Mas apos se ter curyade assim. pode passar & contraofensiva: a pluralidade das explicagdes filosdficus da ciéncia ¢ um fato, ¢ uma ciéncia realista ndo deve levantar problemas metalisicos. A evolugdo das diversas epistemologias & um outro fatoz o energetismo mudou totalmente de cardter no inicio deste séculor Qualqucr que seja o problema particular, o sentido da evolugaa epistemolégica é claro ¢ constante: a cvolugao de um conhecimento particular caminha no sentido de uma coeréncia racional. A partir do momento em que se conhecem duas propriedades de um objeto. tenta-se constantemente relaciona-las. Um conhecimento mais profundo é sempre acompanhado de uma abundincia de razdes coordenadas. Por muito perta do realismo qué se permane- Ga, 2 menor ordenagao introduz, fatores meionais; quando se avanga no pensa- mento cientfico, aumenta o papel das teorias. Para descabrir os aspectos desco- nhecidos do real pela agio enérgica da ciéneia, s6 as worias so prospectivas. Pode-se discutir muito averea do progressa moral, do progresse so progresso poética. do progresso da felicidude: existe no entanto um progresso que é indiscutivel: 0 progresso cientifico, considerado como hicrarquia de conheci- MENtOS, NO Seu aspecto especificarente intelectual. Vamos, pois, tomar para eixo do nosso estude filosdtico o sentido deste progrosso, ¢ se, sobre u abscissa da sua evolugio, calocarmos regularmente os sistemas flosdficas numa ordem idéntica para todes os gonceitos, ordem essa que yal do animisme ao ultra-racionalismo passando pelo realismo. pelo positivisma ¢ pelo racionalismo simples, teremos'o direito de falar de um progress filasdfico dos conceitos cientificos. Insistamos um pouce neste conccite de progresso filosdfieo. E um conccito que tem pouco significado em Filusofia pura. No caberin na cabega de nenhum , filbsofo dizer que Leibniz estavu adiantade em relagiio a Descartes, Kant adian- tado em relagiio 4 Platie. Mas © sentide da evolugdo filoséfiea dos canceites cientificos & tio claro que se Lorna necessério concluir que o conhecimente cienti- fico ordena a propria filusofia. O pensamento cientifico fornece, pois, um princi- pio para a classificagdo das filosofias ¢ para o estude do progresso da razao. ite E sobre © conceito cientifieo de massa que pretendemos fazer a nossa demonstragso da maturagio filesifica do pensamento cieatifico, J4 nos servimos A FILOSOFIA DO NAD B déste conccito nos nossas livros sobre O Valor indutive da Reiorividade e A Fur- mado do Espivito Cientifico para mostrar a canceitualizacdo ativa, contempo- ranea da mudanga de dk Go de um coneeito. Mas nao tivemos nessa altura a ocasiao de esboear toda a perspectiva da conceitualizagao, Dado que 0 conceite de massa. jf integrado no racionalismo complexo da Relatividade, encontrou Fecentemente na mecinica de Dirac uma dialéties clara ¢ curiosa, ele aligura-se- nos com uma perspectiva filosdfica completa. Eis. pois. os cinco niveis sobre os quais se estabelecem filosofias cientificas diferentes ¢, evi progressivas. ur Sob 4 sua primeira forma. a nogio de massa corresponde a uma apreciagiio quantitativa grosseira ¢ como que dvida da realidade. Aprocia-se uma massa pela vista. Para uma crianga vida, © fruto maior @ melhor. aquele que faln mais cla ramente ao seu desejo, aquele gue ¢ 0 objeto substancial do desgjo. A nogdo de massa concretizn o propria desejo de comer. A primeira contradi¢do ¢ entdo. come sempre, 0 primeira conhecimento. Este adquire-se na contradigao entre o grande ¢ pesade. Uma easca vazia con- tradiz @ avidez. Desta decepcao nasce um acontecimento valorizado que o conta- dev de fabulas apresentard como simbolo da experiéncia adquirida pelos “ve thos”. Quando se tem ui objeto na palma da mio, comoga se a compreender que © maior nao ¢ necessariamente ¢ mais rico, Uma perspectiva de finrensidades vem rapidamente aprofundar as primeiras visdes du quantidade, Logo em seguida a nogdo de massa interioriza-se. Ela torna-se sindaimo de uma riqueza profunda, de uma riquesa intima, de uma concentragdo dos valores, Torna-se entio objeto de curiosas valorizagdes a que os mais diversos devancios animistas dio livre expansdo, Neste estidio. a nogao de massa ¢ um conesito-obsticulo, Este con ceito bloqueia © conhecimento; ndo o resume. Criticar-nos-do talvez por comegarmos @ nosso estudo por uma fave dema siade elementar por parodiarnyes o conkiecimento cienufico © postularmos assim dificuldades que em nada estorvam un) espirite refletide. Abandonaremos de boa vontade este nivel de analise, mas com a condigio de que fique bem assente que nenhuma conviegao se vir reconfortar a este lar primitive, ¢ que sc evitard qual: quer emprego metafdrico-da nogao de massa em ciéneius em que exist o perigo de s¢ reencontrar a sedugao primitiva. Nao ¢ por exemplo surpreendente que al- guns psicdlogos falem da massa ou da carga de atividace como se se tratasse de um conceito claro? E evidente que eles sabem muito bem a confusio que esta carga encerra, Eles préprios dizem que se trata de uma simples analogia, Mas precisamente ¢sta analogia psicoldgica refere-se ao conceito animista de massa, Bla reforga pois o conceito-obsticulo arfavés de uma utilizagio Talsamente clara, Fis imediatamente uma prova: quando um psicdlogo fala de carga de afetividade, trata-se sempre de wna massa mais ou menos intensa, Seria ridticulo falar de uma Pequena massa, de uma pequena carga.de afctividade. Na reulidade, nunca se fala 14 BACHELARD nesics termos. Perante um doente insensivel, inerte, indiferente, o psiquiatra dira que este doente sofre de uma afetividade reduzida, Neste caso, 0 psiquiatra aban- dona sub-repticiamente o seu conceito de massa afetiva. de carga afetiva. So é carga aquilo que sobrecarrega..O conceito cmprega-se mais para o grande do que para o pequeno, Estranha medida que apenas mede aquilo que eresce! Do ponto de vista dinamico, o conceito animista de massa é tao nebuloso come do ponto de vista estatica, Para o home feher a massa é sempre uma maga. A maga € um instrumento da vontade de poder; @ que quer portanto diver que a sua fungao nao é facilmente analisada. Correlativamente, o sensa comum des- preca a massa das coisas mitidas, das coisas “insignificantes™. Em resumo. a massa 86 ¢ uma quantidade se for suficientements grande. Primitivamente, cla nao € porlanto um conccilo de aplicagao geral camo seria um conceito elaborada numa filasofia racionalista, Se se desenvolvessem mais estas cansideragdes, no sentido de uma psicand lise do conhecimento objetivo, cxaminando sistematicamente as primitivas utili- zagoes da nogéio de massa, compreender-se-ia melhor como o espirite pré-cien- tifico definiu 9 conceito de corpos imponderaveis, negando rapido demais a generalidde da lei da gravidade. Teriamos nisto um exemplo de uma dialética prematura, mal instrufda. uc opera sobre as coisas em vez de operar sobre axio- mas. Daqui extraimos um argumento para situar a filosofia dislétien para além do racionalismo, como uma flexibilizagae do racionalismo. A utilizagdo de uma dialética ao nivel do realismoé sempre incerta e proviséria. Diga-se 0 que se disser desta digressio metafisica. dissemos © suficiente para denuneiar formas conceituais imprecisas como a idéia de massa sob a forma pri- Um espirito que aceite um conceita desta natureza nao pode aceder cul- tura cientifica, Uma declaragao explicita de analogia dificilmente corrige © perigo deste emprego, O animismo nao tarda a transbordar a definigdo e a reintegrar no espdrito certezas especiais, Existe alias um sintoma muito curioso sobre 0 qual nunca & demais refletir: é a rapide com a qual um conceito animista ¢ compreen- dido. Bastam poucas palavras para ensinar o que é uma carga de afetividade. Para nos, isto constitui um mau sinal. No que s¢ refere ao conheeimento tedrice do real, isto & no que se refers'a um conhecimento que ultrapasse o aleance de uma simples descrigiio — deixando também de lado a aritmética ¢ a geometria —. tudo o que é facil de ensinar é inexato. Teremos ocasiio de yoltar a este para- doxo pedagdgico. Por agora queriamos apenas mostrar a incorregdo total da pri- meira nogéo de massa, Pensamos que existe sempre um erro a corrigir a propo sito de qualquer nogao cientifica, Antes de se comprometer num conhecimento objetivo qualquer, o espirito deve ser psicanalisado ndo 36 na generalidade como ao nivel de todas as nogdes particulares, Como uma nogio cientifica raramente & psicanalisada em todas as suas utilizagé senda sempre de temer que exista contaminagio de uma utilizagio por outra, torna se sempre necessario, para todos Os conceitos cientificos. indicar os significados nao psicanalisados, No capitulo seguinte yoltaremos a este plurulismo de significados associados a um mesmo conceilu. Nele encontraremos um argumento para a filosofia cientifica slispersa que defendemos nesta obra. A FILOSOFIA BO NAO 15 Iv © segundo nivel sobre que se pode estudar a nogiio de massa carresponde a um emprego cautelosamente empirico, a uma determinacao objetiva precisa, O sonceito esta entao ligado a utilizagio da balanga. Beneficia-se imediatamente da objetividade instrumental. Notemos no entanto que se pode evocar um longo periods em que o iasirumenta precede a sua tearla. © mesmo nao acontece atual mente, nos dominios verdadeiramente ativos da ciéncia, em que a teoria precede © instrumento, de forma que o instrumento de fisica € uma teoria realizada. coneretizada, de esséncia racional. No que diz respeito a antiga conceitualizagao da massa, ¢ evidente que a balanga é utilizada antes que se conhega a tearia da alavanea. Entio, 0 conceito de massa apresenta-se direlamente, como que sem pensamento, como o substitulo de uma experiéncia primeira que é decidida ¢ clara. simples e infalivel, Notemos alifis que. mesmo nos casos em que-o conceito funciona “em composigao”, ele no pensado em composigaio: assim, no caso da balanga romana em que a comparagio dos pesos se faz por intermédio de uma fangao composta do peso ¢ do brago da alavanca, esta composigao nio é efetiva- mente pensada por quem a utiliza. Por outras palavras, cria-se uma conduta da balanca, io simples como a condita do cabaz estudada por Pierre Janet para caracterizar uma das primeiras formas da inteligéncia humana. Esta conduta da balanga atravessa geragdes, transmite-se na sua simplicidade. como uma expe- rigncia fundamental. Ela nao ¢ mais do que um caso particular da utilizagao sim- ples de uma maquina complicada, de que encontramos naturalmente inameros exemplos cada vey mals surpreendentes no nesso tempo em que a maquina mais complicada é governada simplesmente, com um conjunto de canctites empiricos racionalmente mal concebidos ¢ mal articulados, mas reunidos de uma forma pragmaticamente segura. A um tal conceite simples ¢ positivo. a uma tal utilizagio simples'¢ positiva de um instrumento (mesmo que seja teoricamente complicade) corresponde um pensamento empirico, sélido, claro, positive. imével. E facil imagi experiéncia constitua uma referéncia neeessaria ¢ sufieiente para legitimar qual- quer tcoria, Pesar é pensar. Pensar é pesar. E os filésofos repetem infatigavel- ‘mente © aforismo de Lord Kelvin que tinha 2 pretensio de nao ir além da fisica da balanga, nem da aritmetica do escudo. Um pensamento empirico associado a uma experiéneia tio peremptéria, tio simples, reecbe entio o nome de pensa mento realista, Mesmo auma ciéncia muito avangada, as condutas realistas subsistem. Mesmo numa pratica inteiramente comprometida com uma teoria se manifestam tetornos 4 condutas realistas. Estas condutas reali stas reinstalam-se porque o te0- rico racionalista tem necessidade de ser compreendide por simples experimenta- dores, porque cle quer falar mais depressa regressando conseqiientemente as ori- gens animistas da linguagem, porque cle nfo teme o perigo de pensar simplificando, porque na sua vida comum ele é efetivamente realista. De forma que os valores racionais sao tardios, efémeros, raros — precarios como todos o$ 16 BACHELARD valores elevadas, diria’o Sr. Dupréel. Também no reino do espirite o joio estraga © trigo, © réalisme leva » melhor sobre o racionalismo, Mas © epistemdlogo que estuda os fermentos do pensamento cientifico deve detectar permanentemente 9 significado dindmice da deseeberta. Insistamos pois ugora subre a aspecto racio- nal que assume o conceit de massa ¥ Fete tereeiro aspeeto ganha toda a sua clareza no fim do séeulo XVII quan- do nasce. com Newton, a mecinica racional. E a época da solidariedade nacional (notionnelle). & utilizagao simples e absoluta de uma nogio segue se a utilizagio correlativa das nogdes. A nogdo de massa define-se entao num corpo de nagdes ¢ ja ndo apenas como um clemento primitive de uma experiéneia imediata ¢ directa. Com Newton a massa sera definida como o quociente da forea pela accleragao, Forga, aceleragdio, massa, estubelecennse correlutivamente numa telagdo clara mente racional dudo que esta relugio & perfeltamente anallgada pelas lels racio nais da aritmética. Do ponto de vista realista, as wés nogdes sio o mais diversas possivel. Reu- nilas numa mesma formula pareceria um progedimento mais ou menos artificial. que em nenhuma ocasiao poderia receber o qualificative de realista, Com efeito, por que rar concederiamos nos a0 realista o direito a uma espécie de ecletismo da fungio realista? Por que raziio nao o haveriamos de obrigar a responder com precisdo A seguinte pergunta: “Qual de entre as nagées de forga, de massa, de aceleragio, ¢ real?” B se, como ¢ habito, ele responder: “Tudo & real”, aceita- remos nds este metodo de discuss’io que, por meio de um principio vago. apaga todas as diferengas filosoficas, todas as quest6es precisas? Em nossa opinido, a partir do momento ety que se definiram em correlagéo as tres nogdes de forga. de massa. de acckeragao. realizou-se ime afastamento cm rclagiio aos principios fundamentais do realism, dado que qual’ quer destas trés nogoes pode ser apreciada através de substituigdes que introdu- zem ordens realisticas diferentes, Alias, a partir du cxisténcia da correlagio, poder-se-a dedu2ir uma das nogdes, seja ela qual for. a partir das outras duas, Em particular, a noglio de massa, to claramente realista sob a sua forma primeira, ¢ de certo modo tornada sutil quando se passe. com a meeinica de Newton. do seu aspecto estatico no seu aspecto dinimico. Antes de Newton, estu- dava se a massa do seu ser, como quantidade de matéria. Depois de Newton, ela € estudada num devir dos fenmenos, como coeficiente de devir. Podemos. alias, fazer uma observacao curiosa: ¢ a necessidade de compreender © devir que racio naliza 0 realismo do ser, Por outras palavras, & no sentido da complicagdo flloss- Sica que se desenvolvem verdadeiramente os valores racionalistas. Desde a sua primeira formulagiw que o racionalismo deixa antever o ultra-racionalismo, 4 razfio nao é de forma alguma uma faculdade de simplificagao. E uma faculdade que se esclarece enriquecendo-se. Desenvolve-se no sentido de uma complexidade crescente, como mostraremns mais claramente quando chegarmos aos estadios epistemoligicos seguintes da nogao de massa, A FILOSOFIA DO NAO ‘7 Em todo o caso. para interpretar no sentido realista a correlugdo das trés nogdes de fora, massa ¢ aceleragio. é necessario passar do realismo das coisas 20 realismo das leis. Por outras palavras, ja é necessario admitir duas ordems de realidade. Nao deixaremos, ali realismo habituar-se a esta cémoda divi Ser-lhe-A necessdrio responder as nossas permanentes objegdes realizando tipos de leis cada vez mais vatiados. A bela simplicidade do realismo apagar-se-A rapi- damente; 0 realismo sera vasculhado por todos os lados, em todas as suas nogdes, sem nunca poder dar conta, utilizando os seus. proprios prineipios, da hierarquia dos niveis. Por que razio nao se designam entdo os niveis do real e a sua hierar- quia cm fungae dos préprios principios que dividem e hierarquizam, isto &. em fungao dos prine{pios racionais? Mas esta observagao epistemoldgica deve ser aventuada. E preciso vermos que, uma vez estabelecida a relagio fundamental da dindmica, a meednica se tora toda ela verdadeiramente racional. Uma matematica especial asso a experiéneia ¢ racionaliza-a; a mecaniea racional situa-se num valor apoditico: permite dedugdes formais; abre-se sobre um campo de abstragiie indelinido; exprime-se nas mais diversas equagdes simbélicas. Com Lagrange. com Poisson, com Ha ton introduzem-se “formas mecénicas” cada vez mais gerais ern que a massa no € mais do que um instante da construggo racional, Face a0 fendmeno mecanico, a mecdnica racional esté exatamente na mesma relagao que a geome: tria pura relativamente a deserigio fenomenal. A mecinica racional conquista rapidamente (odas as funcOes de um @ prior! kantiano. A mecinica racional de Newton ¢ uma doutring eientifies ja dotada de um cariter filosdfico kantiano. A metalisica de Kant instruiu-se na meeaniea de Newton. Reeiprocamente, pode explicar-se 2 meciinica newioniana como uma informayiio racionalista, Ela sat faz 0 espirito independentemente das verificagdes da experiéneia, Se a experincia ss¢ desmenti-la, sustitar-lhe corregdes, tornar-se-ia necessiirio uma modifica- ao dos principios espirituais. Um racionalismo alargado nao se pode satisfazer com uma retificagdo parcial. Tudo aquilo que retifica 2 raziio reorganiza-n. Mos- tremos, pais. como o calcidoscipio das miltiplas filosofias reorganizon o sistema Gas “luxes naturais™, vI ‘© racionalismo newtoniano dirigiz toda a Fisica matematica do século XIX. Os elementos que ele escolheu como fundamentais: espace absoluto, tempo absoluto, massa absoluta, permanecem, em todas as construgies, elementos sim ples © sepurados, sempre reconhecfveis. Faz-se deles a base dos sistemas de medi da, come o sistema CGS, que servem para medir tudo, Estes elementos corres: pondem aquilo a que se poderia chamar domes nocionals (notionnels): ndo teria significado colocar a respeito deles uma questio analitica. Eles so 0s a priori da filosofia métrica, Tudo o que st mede, deve ¢ pode depois apoiar-se nestas bases miétricas. Mas eis que, com a era da Relatividade, surge uma época em que o raciona- 1s BACHELARD lismo, essencialmente fechado nas concepedes newtonianas ¢ kantianas, vai abrir se, Vejamos como se realiza esta aberiura a propdsito da nogie de massa que retém presentemente a nossa atengao. A abertura realiza se. por assim dizer, no interior da nogdo. Constata-se que a nogao de massa tem uma estrutura funcional interna, ao passo que até entao todas as fungdes da nogiin de massa eram de certo modo externas dado que $.3¢ encentravam em camposicdo com outras nogdes simples, A nogdo de massa que caracterizamos como um domo accional pode pois ser objeto de andlise. Pela primeira vex um atomo nocional pode decompor ye; chega se pois ao seguinte paradoxo metafisico: o elemento ¢ complexo. Correlativamente apercebemo-nos de que a nogio de massa 3 ¢ simples em primeira aproaimagdo, Com efeio, a Relatividade descobre que a massa, outrora definida como independente da velo cidade, como absoluta ne tempo ¢ no espage, come base de um sistemu de unida- des absolutas, ¢ uma fungao complicada da velocidade. A massa de um abjeto & pois relativa ao destocamento desse objeto, Pensar-se-4 em vio poder definir uma Massa eM repouso, gue constituiria uma caracteristica propria desse objeto, O repouse absolute nao tem significado. Vambém é falha de significado a nagao de massa absoluta. E impossivel escapar i Relatividade, tanto no yue se refered massa como no que s¢ refere Jis determinagdes do espago-tempo. Esta complicugio interna da nogao de massa ¢ acompanhada de complica- g6es sensiveis na utilizagdo externa: a massa nie se comporta da mesma maneira relativamente @ aceleragde tangencial ¢ relativamente a aceleragio normal. E pois impossivel defini-ta de uma forma tao simples como o fazia a dinamica newto- niana, Mais uma complicagéo nacional: na fisiea rclativista, a massa ja nao & heterogénea a energia, Em suma.a nogi simples di lugar x uma nogie complexe. sem deelinar alias 0 seu papel de elemento. A massa permanece uma nogio de base ¢ esta nogdo de base ¢ complexa. Apenas em certos casas 2 nogiio complexn se pade simplificar, Simplifiea se na aplicagdo pelo abandono de determinadas sutilezas, pela climinagio de determinadas variagdes deticadas. Mas fora do problema da licugdo, ¢ conseqientements uo nivel das consirugdes racionais a priori, o ni- mero das fungdes internas da nogio multiplica-se, O que equivale a diver que numa nogdo particular, numa noglo ¢lementar. 0 ragionalismo se multiplica, se segmenta, se pluraliza. © elemento sobre o qual a razéo trabalha sera mais ow menos complexo de acordo com © grau dt aproximagao. © racionalismo tradi sional é profundamente abalado por esta utilizugda miltipla das nogSes elemen- ares. Surgem corpos de aproximacdo, corpos de evplicacée, carpos de ractonall- saga, sendo estas trés expressdes congéneres. Estes corpos io tomados no mesmo sentido de um corpus que fixa a organizagio de um direito partieular, Ao multiplicar-se, 0 racionalisme torna-se condicional. & tocado pela relatividade: uma organizagdo @ racional relativamente a um corpo de nogdes. Nao existe raz4o absoluta. O racionalismo é funcional. E diverse ¢ vivo. Retomemos entdo a nossa polémica cum o realista, Confessar-se-4 ele venci- do? Ser-Ihe.a sempre permitido ampliar a sua definigao do real? Ha pouce, leva- A FILOSOFIA DO NAO 9 do pela polétnica, cle admitia, acima de um realisme das coisas ¢ des fatos. um realismo das leis. Ele vai agora seriar este realismo das Icis: distinguira uma reali dade da lei geral ¢ simples e uma realidade da lei mais complicada: entregar-se-a um realismo-dos graus de aproximagao, a um realismo das ordens de grandeza, Mas. 8 medida que esta hierarquia se estende, quem nao vé que ela infringe a fun- gto filoséfica csscneial do realismo para qual o dado deve ser uin dade sem privi- légio? Com efeito. a fungdo mais evidente de um dado. é precisamente a recusa de qualquer privilégio. Mas na realidade. o realists que assim hicrarquizd a realidade cientifica rea liza as sews proprios fracassos. Nao foi. com efvito, sob a inspiragao do realismo que a ciéncia captou a estrutura interna das suas aogdes de buse, $0 existe um meio de fazer avangar a ciéneia: & 0 de atacar a ciéneia ja eonstituida, ou seja, mudar a sua constituigdie, O realista esti mal situado para isto, pois parece que 9 realismo é uma filosofia onde se tem sempre razao. O realismo € uma filosofia que assimila tudo, ou gue, pelo menos, absarve tudo, SO se eonstitu’ porque se pensa sempre constituide, 4 fortiori, ele nunca mudu de constituigdo. O realismo & uma filosofia que nunca se compromete. ao passo que o racionalismo se com promete sempre ¢ arriscu totalmente em cada experitneia, Mas. também neste caso, © sucesso esti no lado do maior risco. Com efeito, toda a hierarquia que vemos estabelecer-se nas nogdes ¢ obra do esforgo de reorganizagiio tedrico leva- do a cabo pelo pensamento cientifico, A hicrarquia das nogdes apresenta-se como uma extensiio progressiva do dominio da'racionalidade, ou melhor, como a cons tituigdo ordenady de diferentes dominins de racionalidade, sendo cada um destes dominios de racionalidade especifigade por fungdes adjuntas, Nenhuma destas extensdes € 0 resultado de um estudo realista do fendmeno. Tém todas 0 cariter numenal. Apresentan-se todas inicialmente come némenos a procura do seu fendmeno, A razao é pois uma atividade auténoma que tende a completar-se. vIT 8 0 racionalismo contempordnee ndo se enriquece apenas por uma multi plicagao intima, por uma complicagao das nagdes de base: anima-se tamber numa dialética de certo mode externa que o reulismo é impotente para deserever ¢, naturalmente, mais impotente ainda para inventar, O conceito de massa pode. também neste caso, femecer-nos um exemplo luminese. Vamos indicar o aspecto flosélico nove sob o qual se apresenta a massa na mecinica de Dirac. Teremos: entio um exemplo preciso daquilo a que propomos chamar um elemento do ultra-racionalisme dialético, que representa o guinte nivel da flosofin dispersa. A meciinica de Dirac é, como se sabe, uma parte de wma concepefio mais geral, o mais totalitiria possivel do fendmeno da prepagacdy. Se se perguntasse JA em seguida: “Da propagagao de qué?", estariamos peraate a necessidade do realismo ingénuo ¢ urgente. que pretende sempre colacar o objeto: antes dos. seus fenomenos. De fato, na organizagio matematica do saber, é necessario preparar o dominio de definiggo antes de definir, exatamente da mesma maneira que, na si BACHELARD pratica do Iaboratério, é preciso preparar o fendmeny para o produzir. O pensa- mento cientifico contemporaneo comega, pois. por coloear entre paréntesis a rea- lidade, E sob uma forma um poueo paradoxal, mas que nos parece sugestiva, pode dizer-se que a mecanica de Dirac examina em primeiro lugar a propugagio dos “paréntesis” num espace de configuragiio. F a forma de propagagao que defi- air em seguida aquilo que se propaga, A mecanica de Dirac ¢. pois. de saida, desrealizadia. Veremos coino, no fim do seu desenvalvimento, ela procurara a'sue realizagio, ou melhor. as suas realizagdes, Dirac come¢a por pluratizar-as equagdes de propagagiio. Desde que nde se supomha que ¢ um wbjeto que se desloea & que. fiel 2s intuigdes ingenuas do reali mo. arrasta consigo todos os seus curacteres, é-se levado a considera tantas fun- GGes de propagagiin quantos os fendmenos que se propagam. Pauli ja havia compreendido que. dado que 0 clétron era capaz de dois spins, cram necessarias pelo menos duas fun,oes para estudar 4 propagagao destes dois caracteres produ- tores de fendimenos. Dirac levow mais longe 0 pluralismo da propagac3o. Empe- nhou-se em nada perder da funcionalidade dos elementos mecanicos, um defender de qualquer degenerescéncia as diversas variaveis. Chegadas a este panto. € o cal culo que opera, As matrizes solidarizam dialeticamente os fendmenos propaga- dos dando a cada um o que thes cabe; fixando exatamente a sua fase relativa. Em vez. da melodia matematica que outrora acompanhava o trabalho do fisica. 6 toda uma harmonia que romanceia matematicamente a propapagiio. Mais exatamente. & um quarteto que © matematico deve dirigir, na mecdnica de Dirac, para combi nar as quatro fungdes associadas a qualquer propagagiio. Mas dado que num livro de filosofia ndo podemos dar mais do que uma idéia vaga do “idealismo” da mecdnicu de Dirac. passemos imediatamente aos resultados ¢ ocupemo-nos apenas da nogdo de massa. O ealeulo fornece-nos esta nego juntamente com outras, com os momentos magnéticos ¢ elétricos. com os spins, respeitando até ao fim o sineretismo funda- mental tio caracteristico de um racionalismo completa, Mas eis a surpresa, eis a descoberta; no final do edleulo, a nogdo de massa é-nos fornccida estranhamente ialetizada. Nés dnhamos apenas necessidade de uma massa; © cAleulo dé-nos duas, duas massas para um so objeto.* Uma destas massas resume perfeitamente tudo o que se sabia da massa nas quatro filosofias prececentes; realisme ingenuy, empirismo claro, racionalismo newtoniang, racionalismo completo einsteiniano, Mas a outra massa, dialética da primeira, é uma massa negativa. Trata-se de um conceito inteiramente inadmissivel nas quatro filosofias antecedentes, Por conse- guinte, uma metade da mecanica de Dirae recncontra ¢ continua a mecinica clas: sica © a meednica relativista; a outra metade diverge numa nogdo fundamental; da origem 2 algo de diferente: suscita uma dialética externa. uma dialética que nunea teria sido encontrada meditando sobre a esséncia do conceito de massa. aprofundando a nogdo newtoniana e relativista de massa. Qual vai ser a atitude do nove espirito cicntifico perante um tal conceito? * Ch Lomit de Broatie. & Bieerron Mayedtique, pi 207.4N le AL) A FILOSOFIA DO NAO 21 Mas. antes de mais. qual teria sido a alitude de um cientista da epoca precedente. ao nivel da Fisica do século XIX? Sobre esta ultima atitude nao nos parece haver dividas. Para o cientista do stculo XTX, 0 conceito de uma massa negativa teria sido um conceita mons truoso. Teria sido, para a teoria que o produziu, um erro fundamental. E isto por mais que se dissesse haver todos os direitos de expressiio numa filosofia do como se, Existiam, apesar de tudo, limites 4 liberdade de expresso © a filosofia do como se nunca teria conseguido interpretar uma quantidade negative como se ela fasse ume massa. E entdo que entra em cena a filosofia cialética do “por que no?” que é caracteristica do novo espirito cientifico. Por que raziio a massa nile havin de ser negativa? Que modificagdo tedrica essencial poderia legitimar uma massa negati- va? Lm que perspeetiva de experiéncias se poderia descobrir uma massa megati- va? Qual o carater que, na sua propagaciic, se revelaria como uma massa negati va? Em sums, a teoria insiste. nao hesita, a prego de algumas modificagdes de basc, em procurar as realizagdes de um conceito inteiramente nova, sem raiz na realidade comum. Deste modo a reatizagdo leva a melhor sobre a realidade. Esta primazia da realizagao desclassifica a realidade. Um fisica s6 conhece verdadeiramente uma realidade quando a realizou, quando deste modo é senhor do eterno reeomega das coisas ¢ quando constitui nele um retorao eterno da razdo. Alias. o ideal da reali zagdo é cxigente: a teoria que realiza parcialmente deve realizar totalmente, Bla nao pode ter razao apenas de uma forma fragmentaria. A teoria éa verdade mate: a que ainda nao encontrou a sua realizado completa. O cientista deve pro- curar esta realizagio completa. E preciso forgar a natureza a ir tao longe quanto 2 nosso espirita, Vu No termo do nosso esforgo para expor, acerex de um conceito Gnico, um exemplo de filosofia dispersa, yamos encontrar uma objegao. Poderiamos ter evi- tado esta objegdo se tivéssemos recenhecide para nés o legitimo direito de utilizar conceitos diferentes para ilustrar ox diferentes estidios da filosofia dispersa. Mas vejamos a objegao que vem ao éspirito do leitor. Objetar-nos-ao que © conceite de massa negativa ado encontrou ainda a sua interpretagdo experimental & que, conseqiientemente, o nosso exemplo de racionalizacaa dialética permanece vago: que 0 coneeito de massa negativa levanta, quando muito, um problema. Mas é surpreencente que uma tal questdo s¢ possa levantar. Esta possibilidade sublinha © valor du interrogagae da Fisica matemalica. Insistamos, alias, no cardter muito especial deste problema. & um problema tcorigamente preciso, respeltante a um fenémeno torelmente desconhecido. Este desconhecido precivo & precisamente 0 inverso do irracional vago, a qual o realisme freqiientemente atribui um peso, uma fungao, uma realidade. Um tal tipo de questo ¢ inconcebivel numa filosofia realista, numa flosofla empirica, numa filosofia positivista, 86. pode ser interpre- 2 BACHELARD tada por um racionslismo aberto, Quando formulada com toda a sua construgio matemiticu antecedente, ela é precisamente uma abertitra. A nossa tese perderia naturalmente muito da sua forga se nfo nos pudés- SeMOS apoir noUEros exemplos em que 4 interpretacdo de uma nogac funda- mental dialctizada fosse efetivamente realizada. Eo casa da energia negative. O conceito de energia negativa apresenta-se, na mecanica de Dirac, exatamente da mesma forma que o conceito de massa negativa. A propésito dele poderiames retomar ponte por ponto todas as criticas precedentes; poderiamos afirmar que um tal conceito teria parecida monstruoso a ciéneia do século XIX e que a sua aparigao numa teoria teria sido interpretade como um erro capital que vieiaria inteiramente a construgio tedrica. No entanto, Dirac nao fez dele uma objecdo ao seu sistema. Pelo contrario, tado gue as suas equagdes de propagagao conduzi. ram ao coneceito de enérgia acgativa, Dirac atribuiu para si a tarefa de encontrar uma interpretagao fenomenal deste conceito, A sua interpretagda engenhosa sur giv inicialmente como uma pura construgdo do espirite. Mas a descoberia experi- mental do elétroh positivo realizada pro Blackett ¢ Oechialini veio logo dar uma confirmagio inesperada as idéias de Dirac. Na realidade. nao foi a conceito de energia negativa que levou a procurar o elétron positive, Aconteceu, como é freqiiente, uma sintese acidental da descaberta tedrica e da descaberta experimen tal, mas. mesmo assim, ja estava pronto o leito em yue o fendmeno nove se velo estender, justamente i sua medida, Havia uma predi¢do tedrlea que esperava pelo fato. Podemos, pois. dizer em certo sentido, segundo a construgiio. cian. que adialétion da nogao de energia encontrou a sun dupia realizagio, IX Voltemos agora a massa negstiva. Qual fenémeno que corresponderia a0 conceito de massa negativa preparado pela mecinica de Dirac? Dado que nao sabemas responder a pergunta como matematico, acumulemos as interrogagdes vagas. as imerrogagdes filos6ficas que nos vem ao espirito. Sera a massa negutiva o carder que se deverin encontrar no progesso de desmaterializagde, a passo que a massa positiva estaria ligada a matéria resul- tante de uma materializagio? Por outras palavras, estardio as processos de cria- doe destruigdo materiais — tao recentes para o ¢spirito cientifico! — em rela- gio com as dialéticas profundas dos conceitos de hase (ais como as massas positivas'e nenatives. as energias positivas ¢ nepativas? Nao existird uma Higagiio entre a energia negativa ¢ a massa nepativa? Ao colocar questies to evasivas, tiie vagay — ao passo que em todas as nossas obras anteriores nunca nos permitimos a menor antecipagio —. temos um objetivo. Queriamos com efeito dar a impressiio de que é nesta regidio do ultra-ra- cionalismo dialétion que somha o espirito cientifico, E aqui. ¢ nao algures, que nasce © sonbo anagégico, aquele que Se aventura pensande, que pensa aveaturan. do-se, que procura uma iluminagdo do pensamento através do pensamento. que encontra uma intuicao sibita no além do pensamento instruido, O sonho on A FILOSOFIA DO NAQ 25 rio trabalha no outro polo, na regido da psicologia das profundidades, de acordo com ay sedugdes da Hbida, as tentagiies imo. as certezas vitais do realismo, walegria da posse. Nao se podera conhecer bem a psicologia do espirito cientifico enquanto nado sé tiver distinguido estay duas espécies de sent, Jules Romains compreendeu u realidnde desta distin¢do numa curta pagina em que esereve: “Em determinados aspectos. sou mesmo ultra-t: * Em nosso entender, a referéncia a realidade é mais tardia do que Jules Romains supdc, 0 pensamento instruido sonha durante mais tempo em fungao da sua instrug’o. Mas o seu papel & indispensdivel ¢ uma Filosofia dispersa completa deve estudar a regiao do sonho anagogico. No seu impeto cientifico atual. o sonho anagdgicn & segundo pensamos. essencialmente matenratizante. Ele aspira a uma maior matematizag’o, a fangdes matematicas mais complexas, mais numerosas. Quando se acompanham os esfor- 08 do pensamento contemporiinco para compreender 0 atomo, &-se quase levade A pensar que o papel fundamental do atom ¢ 9 de obrigar os homens a estudar matematica, Matematica antes de tudo... * Em suma, a arte poética da Fisica faz-s¢ com némeros, com grupos. com spits, excluindo as distribuigdes monato: nas, os quanta repetides, sem nunca fixar aquilo que funciona. Qual 6 poeta que vird cantar este panpitagorismo, esta aritmética sintética que comega por dar a todo 0 ser os seus quatro guanta, o seu niimero de quatro algarismos. como se 0 mais simples. o mais pobre, o mais abstrato dos elétrons tivesse ja necessaria mente mais de mil caras. Apesar de serem em nimero reducido os elétrons num tomo de helio ou de litio, o seu mimero de identificagdo tem quatro algarismos: uM pequeno nimero de elétrons ¢ tio complicade como um regimento de soldados, . Acabemos com as nossas efusdes. Pohres de nos! Precisavamos de um pocta inspirado ¢ apenas enirevemos a imagem de umn coranel que conta os solda dos do seu regimento. A hierarquia das coisas ¢ mais eomplexa do que a hierar- quia dos homens, © dtomo € uma sociedade matematica que ainda nao nos reve: lou o seu segredo; no se dirige esta socicdade com uma aritmética de militar. ® Jules Romains, Fsxal de Réponse ta ples Vente Question, Ny Ry Ey | de apnsto ale 1989, nag, ERB. EN: dea * © autor parafruscial aqui umn pourra de Paul Veclaine, Avt Pactiowe, que comega assim: De dar mnsique ‘avant toute chosefEt pour cela préfire iTorpair! Pies vapice ex prs sattdble dans Vtuir (N60) Caerruto II A nogao de perfil epistemoligico 1 Conseguimos assim. a propésite de uma tinica nogio, por em évidéncia uma filiagdo de doutrinas filosGficas que vao do realisma ao ultra-racionalismo. Bas tou um conceito para dispersar us filosofias, para mostrar que as filosofias par- ciais se debrugavam apenas sobre am aspecta, esclareciam apenas uma face do congeito. Temos agora uma escala polémica suficiente para localizar os diversos debates da filosofia cientifica, para impedir a confusdo dos argumentos. Como o realista é 0 filésofo mais trangiiilamente imovel. reavivemos a nossa querela sttravés das seauintes questo: Acreditais verdadeiramente que o cientista seja realista em todos os seus pensamentos? Seri ele realista quando supde, quando resume, sera ele realista quando esquematiza, quando erra? Sera ele necessariamente realista quando afirma? Os diverios pensamentos de um mesmo espirito niio teria. cocficientes de realidade diversos? Devers o realismo impedir o emprega de metaforas? Estara a metifora necessariamente fora da realidade? Sera que, nestes diversos graus, @ metafora mantém os mesmos coeficientes de realidade — ou de irrealidade? Os cosficientes de tealidade nao diferirio consoante as nogdes. de acordo com @ evolugdo dos conccitos, de acordo com as concepgdes tedricas da época? Em resumo, nds forgaremos o realismo a introdurir uma hierarquia na sua experiéncia, Mas nfo nos contentaremos com uma hicrarquia geral. Mostramos que rela tivamente a uma nogdo particular, como a nogio de massa, a hierarquia dos conhecimentos se distribui de forma diversa segundo as utilizagdes, Perante uma tal pluralidade, parece-nos, pois, vae responder em bloco dizenda: “O cientista é realista’ Se muitas vezes & necessirio atacar o renlista, também é evidentemente necessirio proteger o racianalista. & necessario vigiar og @ priari do racionalista, dar-Ihes @ seu justo valor de a posteriort. E permanentemente necessario mostrar © que permanece de conhecimento comum nos conhecimentos cientificos. E neeessdrio provar que as formas a prior’ do espago e do tempo implicam apenas um tipo de experiéncias, Nada pode lenitimur um racionalismo absoluto, isvarid. vel. definitivo. Em resumo, preciso chamar tanto um como outro ao pluralismo da cultura A FILOSOPIA DO NAO 25 filoséfied, Nestas condigdes, parece nos que uma psicologia do espirito cisatilico deveria eshogar aquilo a que chamaremos 0 perfil epistemaoldgico das diversas conceitualizagées. Seria através de um tal perfil mental que poderia medit-se a agdo psicoldgica efetiva das diversas filosofias na obra do conheeimento. Expli- quemos 0 nosso pensamento sobre o exemplo do conceito de massa. it Quando nés préprios nos interrogames, damo-nos conta de que as cinco filosoftas que consideramos (realismo ingénua — empirismo claro e positivista — racionalismo newtanian ou kantiino ~~ racionalismo completo — raciona- lismo dialético) orientam em diregdes diversas utilizagdes pessoais da nagao de massa. Tentaremos entio por grosseicamente em evidéncia a sua importincia relativa colocando em abscissas as filosofias sucessivas e em ordenadas um valor que — se pudesse ser cxato — mediria a freqiiéncia de utilizagdo efetiva da nogdo. a importineia relativa das nossas convicgdes. Com uma certa reserva relativamente a esta medida muito arosseira. obtemos entéio para o nosso perfil cpistemologico pessoal da nogao de massa um esquema do tipo seguinte (fig. 1), recionalismo: clasioo da mech racionat empitiama: claro e positivista racionallsmo completo racionaliema discursive Fig. 1 ~ Puctit epistematanico da nossa nogio pessoal de mavsu. Insistimos no fato de um perfil epistemolégico dever sempre referir-se a um conceito designado, de ele apenas ser valido para um espirito particular que se examina num estidio particular da sua cultura. E esta dupla particularizagao que torna_um perfil epistemoldgico interessante para uma psicologia do espirito ‘cientifico. Para melhor nos fazermos compreender, comentemos o nosso perfil episte- molégico, fazendo uma curta confissie acerca da nossa cultura relativamente 20 SONCEItO Que NOs alrai a atengao. No nosso esquema reconhece-se a importancia atribuida a nogao raciona- lista de massa, nogdo esta formada numa educago matematica classica ¢ desen volvida numa longa pratica do ensina da Fisica elementar. De fato, na maioria dos casos, a nogio de massa apresenta-se-nos na orientagao do racionalismo BACHELARD classico. Enquanto nogio clara, a nogio de massa é para nds sabretudo uma needa racional ‘No entanto, podemos, se necessario, encarar a nogaio no sentide da meca- nica relativista ou no sentido da mecdnica de Dirac. Mas estas duas orientagdes, sobretudo g orientacao diraciana, sto penosas. Se n3o nos acautelarmos, seremos: dominados pela tendéncia simplesmente racienal. O. nosso racionalismo simples entrave © nosso racionalismo completo ¢ sobretudo o nosso racionalismo dialé tico. Eis uma prova de como as filosofias mais s&s, como o raciunulismo newto- niano e kantiano. podem em determinadas cireunstincias, constituir um obst culo ao progresso da cultura. Consideremos em seguida. do lade pobre de-cultura, a nogiie de massa sob a sua forma empirica. No que nos diz respeito. somos levados a dar-Ihe uma importdacia bastante grande, Com efeite, a condita da balance foi por nos muito praticada no passado. Foi-a na época em que trabalhivanios em Quimica ¢ tam bém na época mais recuada em que pesivamos, com um cuidado administrative. as cartas numa estagao dos eorreios. Os escripulos das finangas reclamam a con- duta da balinea de precisdo. Admira-se sempre o senso finaneeiro comum dizen do que o moedeiro pesa as suas mocdus em vez, de as contar, Nolemos de passa- gem que a conduta da balanca de precisdo, que tem pola nogdo de massu um respeito absoluto. nem sempre ¢ uma conduta muito clara: muitos alunos ficam surpreendidos © perturbados com a lentidie da medigde precisa. Nao devemos, pois. atribuir a toda @ gente uma nagiio empiricn da massa que seja uma nogio automuticamente clara, Finalmente, temos, como toda a gente. ax nossas horas de realismo, ¢ mesmo @ proposito de um conceito to elaborade como © conceite de massa nvio nos psicanalisamos inteiramente. Damos demasiado depressa a nossa adesio a meta foras em que a quantidade mais vaga é apresentada como uma massa precisa, Sonhamos com matérias que seriam forgus, com pesos que seriam riquezas, com todos os mitos da profundeza do ser. Devemos, pois. deixar sinceramente um patamar de sombra em frente da construgdo das nossas idéias claras. E por isso gue © nosse esquema indica uma zona de realise. WW Para lrnar mais claro o nosso método, apliquemo-lo ainda a uma nogao congénere da nogdo de mass, a nogdo de energia, Examinando nos com toda a sinceridade possivel, obtemos o perfil episte mologico seguinte: (fig. 2). A FILOSOFIA DO NAO ‘2 racignalisme dlassico da mesanica racional recionalisme ‘completo (rolativitacto} empirismo clara ¢ positivista ragionaliare ‘discursive Fig, 2 — Peril epistemolégico da nossa nocdo pessoal de aneraia Compitremos os perfis (1) € (2), No que se refere as suas partes racionalistas. os dois perfis sic semelhuntes, tanto na formagdo newtoniana come na formagiio relutivista. Com efeito, ne que a nos se refere, quando nos orientamos para uma informagao racionalista esta- mos tio Seguros du nossa nogio de energia como da nossa nogio de massa. Por outras palavris, em relagio aos nossos conhecimentos cientificos, a nossa cultura € homogénca no que diz respeito aos dois conceltos de massa ¢ de cnergia. Nao estamos aqui perante um caso geral; inquéritas psicologicos precisos, levados a cabo ao nivel das nogdes particulares, provariam a existéneia de curiosas desar- monias mesma entre os espiritos mais bem formados. Nilo é certo que todas as nogdes logicamente claras sejam. do ponto de vista psicoldgico, igualmente cla ras. © estulo sistemdtico dos perfis epistemolégicos evidenciaria muitas oseilagée: Sobre o perfil (2), comparado com o perfil (1), indicamos uma maior impor: tncia para o conccito dialetizado de energia dado que, como dissemos no capi- tulo precedente, este conceito dialetizado de energia encontrou a sua realizagao. 9 que nde aconteceu com © conceite de massa. A parte obscura, o infra-vermelho do espectro filaséfico da nogiiv de ener gia, ¢ muito diferente da parte correspondente do espectro da nogao de massa, Em primeiro lugar. a parte empirica ¢ pouco importante, A conduta do dinamd- metro nao existe por assim dizer entre nds, Quande compreendemos verdadeira. mente o dinumémetro, compreendemo-lo na orientagde racionalista, Raras foram para nds as utilizagées positivas da nagdo de energia. A regifio da filosofia empi- rica deve, pois, ser designada. no nosso perfil epistemoldgico, como sendo relati- vamente poneo importante, Pelo contrario, subsiste em nds um conhecimento confuso da energia, conhe- cimento este formado sob a inspiracie de um realisme primitive. Este eonheci- 2 BACHELARD mento confuso ¢ uma mistura de obstinagde ¢ de raiva, de coragem ¢ de tenaci dade: realiza uma vontade surda de poder que encontra inumeras ocasides dese exercer. Nao devemos. pois, admirar-nos que uma utilizagao imediata tao impura prajete sombra sobre o empirismo claro ¢ deforme © nossa perfil epistemoldgico. Basta manejar um instrumento mal afiado para que se constate esia deformagiio psicolégicu. Basta uma raiz a interromper o ritmo da enxada para que se apague a alegria do jardineiro, para que o trabalhador, esquecendo a clara racionalidade de sua tarefa, anime 0 instrumento de uma energia vingadora. Seria ‘interessante circunserever bom este conceit de energia triunfante; ver-se-ia que ele dit a deter- minados pensamentos uma seguranga, uma certeza, um sabor. que enganam acer cada sua verdade. O perfil epistemoldgico da nugau de enertia em Niewzsehe, por exemplo, bastaria talver para explicar o seu irracionalismo, Com uma nogio falsa pode fazer-se um grande doutrina, Iv Deste modo pensamos que s6 depois de se ter recolhide o album dos pertis cpistemoldgicos de todas as nogées de hase & que se pode estudar verdadeira mente 9 clicéeia relativa das diversas filosofias, Taiy Albuns. necessariamente individuais, serviriam de testes para a psicologia do espirito cientifico. Sugeri- riamos, pois, de bom grado uma andlise filosdfica expectral que determinaria com precisdo a forma como as diversas filosofias reagem ao nivel de um conhecimento objetivo particular. Esta aniilise filoséfica espectral necessitaria, para se desen- volver, de psivdlogos que fossem fildsofos © também de fikisofos que aceitassem ecupar-se de um conhecimento objetivo particular. Esta dupla exigéncia nao & impossivel de realizar se nos comprometermus verdadeiramente na nurragdo dos Sucessivos conhecimentos de um fendmeno particular bem definida. O fenémeno bem definide classifica quase automiaticamente as fenomenologias. Uma dialética espiritual que se anima go nivel de um fendmeno perde imediatamente o scu carae ter arbitrario, Como, nesta obra, a nossa turefa ¢ a de convencer 6 leitor da permanéncia das idéias filosdficas no proprio desenvolvimento do espirite cientifico, nés gosta- Humos de mostrar que o cixo das abscissas sobre qual alinhumas as filosofias de base na analise dos perfis epistemoldgicos é um cixo verdadeiramente real, que nio tem nada de arbitrario ¢ que corresponde 4 um desenvolvimento regular dos conhecimentos. Com eleito, nae vemos como se poderiam dispor de forma diferente ag filo- sofias que tomamos por base. As numerogas tentativas de madificagao que leva- mesa cabo falharam todas a partir do momento em que as réferimios a um conhe- cimente particular, Tentamos assim 0 nosso método de dispersiio aa base realismo —— rucionalismo — empirismo claro, Pensaimes que a maior parte das téenicas pdem em aplicacgo um racionalismo antecedente. Examinando muis de pert o problema, verificamos que deste modo classificavamos apenas atitudes gerais-e. depois de muitos cxames particulares, adolamos para os conhecimentas A FILOSOFIA DQ NAO. 9 objetives particulares a ordem realismo — empirismo — racionalismo. Esta ordem é genética. Esta ordem mostra a propria realidade da epistemologia. Um conheciments particular pode expor-se numa filosofia particular; mas nao pode Jundarse puma filosofia tnica: 0 seu progress implica aspectos Aloséficos variados, Quem guisesse saltar os cbsticulos ¢ instalar-se de uma s6 vee no raciona- lismo, entrogar-se-ia. a uma doutrina geral. 2 um ensina unicamente filosdtica. Se ‘considerar © conhecimento de um objeto particular, verificard que as nogdes que correspondem as diversas qualidades ¢ fungdes nfo estilo organizadas segundo o mesmo plano; nao tera dificuldade em encontrar tragas de realismo nos conheci- mentos objetives mais evoluidos. Reciprocamente, um fldsofo que pretendesse permanecer nav realiamo, 5 0 podria fazer escothendo objetos naturais. tornando sistematicamente pueril a sua cultura, fundindo arbitrariamente o pensamento na fase inicial. Bastava pd-lo cm Presenca de um objeto manufaturado, de um objeto civilizado, para que ele fosse obrigado a uceitar que o dominio do real se prolonga num dominio de realizagao. Seria entao facil, permanecende por assim dizer no interior do realismo, provar yue entre realidade o realizado intervieram fares racionais, Mostrar-se-ia assim que’o eixa das flosafias que propamos 6 um eixo real, um cixo continue. Em resumo. a qualquer atitude fllosdfica geral, pode opor-se, como objegao. uma nogio particular cujo perfil epistemoldgico revela um pluralismo filoséfico. Uma 56 filosofia é, pois. insuficiente para dar conta de um conhecimento preciso. Se entdo se quiser fazer. « diferentes espiritos. eNatamente a mesma pergunta a proposito de um mesmo conhecimento, ver-se-4 aumentar singularmente o plura- lismo filosdfico da nogado. Se ao interrogar-se sinceramente acerca de umu nogdo tio precisa como a nogaio de massa um fildsofo deseabre em si cinco filasafias. quanlas se abicriio se se interrogarem varios fildsofos a proposito de varias nogdes | Mas todo este caes pode ordenar-se se considerarmos que uma 56 filoso fia nfo pode explicar tudo ¢ se quisermos dar uma ordem As filosofias. Per outras palavras, cada filosofia forneee apenas uma banda do espectro nacional, ¢ & necessario agrupar todas as filosofias para termos o espectro nocional completa de um conhecimento particular. Naturalmente, nem todas as nogdes tém, em relagio a filosofia, o mesmo poder dispersive, E raro que uma nogio tent um espectro completo. Existem citncias em que o racionalismo quase nao existe. Existem outras em que o rea. lismo esté quase ¢liminado, Para formar as suas convicedes. o filosofo tem mui- tas veres o habito de procurar upoios numa ci¢neia particular. ou no pensamento pré-cientifieo do senso comum. Ele pensa entio que uma nogdo é @ substituw de uma coisa, em ver de pensar que uma nogso ¢ sempre um momento da evolugio de um pensamento, $6 sera, pois, possivel descrever a vida filosdfica das nogoes estudando as nogdes [ilosdficas impli na evolugao do pensamento cientifico. As condig6es tanto experimentais como matematicas do conhecimento cientilies alteram-se eom tanta rapide que os problemas se colocam diferentemente para o filésofo de dia para Para acompanhar o pensamenio cientifica, € necessario reformar os quadros racionais e aceitar as novas realidades. 30 BACHELARD Isto equivale a aceitar © conselho idénco que encontramos na obra de Ferdi nand Gonseth, obra ardente, viva, instruida. para a gual nunca é demais chamar a atengo dos filésofos. Corresponde verdadsiramente a uma vontade de exatidao que nos parece indispensavel para nos conduzir a uma filosofia que dé conta de todas as aspectos da ciéncia. No scu livro Mathématique et Réalité, Ferdinand Gonseth desenvolve @ seu idoneisme sobretudo no aspecto matemitico c logico. Sendo ligeiramente diferente o objetivo a que nos propomos. fomos levados a pro- fongar a idoneismo, a dispersa-lo ainda mais. Ax diferengas introduzidas sic devidas ao fato de que o conhecimente objetivo & necessariamente mais diversili- cado do que o conhecimento estritaments matematico. A nossa conclusio é pois, clara: uma filosofia das ciéncias, mesmo xe se li- mita ao exame de uma ciéneia particular, é necessariamente uma ciéncia dispersa, Tem no entanty uma coesio, a da sua dialética, a do scu progress. Todo 0 pro- gresso de uma filosofia das cigneias se faz no sentido de um raeionalismo eres cente, climinundo, a propésito de todas as nodes, o realismo inicial. Na nossa obra sobre A Formagao do Espirito Cleniifico estudamos os diferentes problemas levantados por esta eliminagio. Nesse livro tivemos ogasifio de definir a nogao de obsticulo epistemolégico. Poderiamos relacionar as duas nogdes de obsticulo epistemologico ¢ de perfil epistemoligico porque um perfil epistemoligico guarda a marea dos obsticulos que uma cultura teve que superar, Os primeiras obstseu os, aqueles que encontramos nos primeiros estédios da cultura, die lugar a niti- dos esforgus pedagdgicos, Neste livro vamos trabalkar no outro polo. tentando mostrar a razionalizagio na sua forma mais sutil, quando eta tenta completar-se ¢ dialetizar-se com as formas atuais do novo espitito cientifico, Nesta Tegiao. 0 material necional nfo é naturalmente muito rico: as nogdes em via dé dialetiza- Gio stio delicadas, por vezes incertas, Correspondem aos geemes mais friigeis: Ao entanto nelas, é por clas que progride o espirito humano Casfruto HL O nite substancialisma Os prédromos de uma quimita ndo-lavoisieriana Antes de expor as tendéncias dialéticas que acabam recentemente de se manifestar no uso da nogdo de substancia, previsamos de estabelecer 0 verdadeiro papel desta nocao na ciéncia moderna ¢ de tentar detectar os aspectos — a bem dizer muito raros — em que esta nogdo opera cfetivamente como uma categoria. Esquecendo este aspecto. a filosofia quimica mergulhou, sem resisténcia. no rea lismo. A Quimica tornou-se assim o dominio de eleigio dos realistas, das materialistus. dos antimetafisicos. Quimicos e filésofos trabalhando sob.o mesmo signo, acumularam neste dominio uma tal quantidade de referencias, que existe uma certa temeridade em falar. como nds falaremos, de uma interpretacdo racio- nal dg Quimica moderna. Sob a sua forma elementar. nas suas experigneias pri- meiras. no enunciado das suas descobertas, a Quimica ¢ evidentemente substan- cialista, Ela designa as substancias através de uma frase predicativa como o faz © realismo ingénuo, Quando o homem do povo diz que o cura & pesado ¢ quando © quimico diz que o ouro ¢ um metal de densidade 19.3, eles enunciam da mesma maneira 0 acu conhecimento, aeeitando sem diseussiio os prinefpios do realismo. A experiéncia quimica aceita tio facilmente as proposigées do realismo. que nao se sente a necessidade de a traduzir numa outra filosofia. Aposar deste sucesso do realismo, se se pudesse mostrar aqui uma dialética da nagao fundamental de substancia, poder-se-ia Farrer pressentit uma profunda revelugao da Tilosofia qui- mica. A partir de agora parece-nos possivel uma metaquimica, Se se pudesse desenvolver. esta metaquimica deveria dispersar o substancialismo. Ela mostraria que existem varios tipos de substancialismo, varias Zonas de exterioridade, varios niveis para consolidar as miiltiplas propriedades, A metaquimica estaria para a metatisica na mesma relagio que a quimica para a fisica, A metafisica so poderia ter uma nogio de substancia porque a concepgio elementar dos fendmenos figi- cos contentava-se com estudar um sélido geométrico caracterizade por proprie- dades gerais. A metaquimica se bensficiard do conhecimente quimico das diver- sas atividades substanciais, Beneficiar-se-4 também do fate de as verdadeiras substiincias quimicas serem mais produtos da técnica do que corpos eneontrados na realidade, Isto basta para que o real s¢ja considerado em quimica como uma realizagdo, Esta realizacdo supde uma racionalizacao prévia do tino kantiano’ como tcntaremos mostrar, esta racionalizagio ¢ acabada por uma dialética da categoria de substancia, 32 BACHELARD Neste livro inteiramente consagrado as dificuldades Mloséficas atuais, ndo- nos estenderemos sobre os dois primeiros estadios — realismo e racionalisma — da filosofia quimica. Além disso, se conseguirmos fazer campreender a dialética da categoria de substincia na Quimica contemporanea, nao estaremos lenge de ter ganho a partida sem ter sidu necessario desenvolver muito profundamente uma interpretacao racionalista da Quimien. Com efeito, segundo pensamos, a dialotizagio de ume nogdo prova o carater racional dessa nogio, Um realism ndo se pode dialetizar. Se a nogdo de substincia se pode dialetizar, teremos nisso a prova de que ela pode funcionar verdadeiramente cemo umin categoria Noutras obras j4 nos ocupamos alias dos problemas preliminares levantados pela nogio de substancia. Antes de abordarmos a diqlética da categoria de subs- dincia, resumamos em algumas paginas a perspectiva da evolucao epistemolo- gica. Sob a designagao de lei dos trés estados do espirito cientifico, sistemati- eamoy a evoluglo terndria que conduz do espirito pré-cientifica 20 espi cientifico, ¢ depois ao nove espirito cientifico. Vejamos rapidamente como se co. loca o problema do substancialismo nos diferentes estidios desta evolugdo. Consideramos @ substancialismo. ingénuo como representanda uma das saracteristicas dominantes do espirito. pré cientifico © parceeu-nog ser este pri meiro obsticulo a eliminar quando s¢ pretends desenvolver uma cultura objetiva, Pareceu-nos ser ruinoso. para o realisme instruido, nao se separar do realismo ingénuo. imaginar uma continuidade da epistemologia. considerar u ciénelt como uma opiniio depurada, a experiéneia cientifiea como uma sogiiéncia da expe riéncia vulgar. Tentanwos entio distinguir claramente os conhecimentos sensiveis © os conhecimentos refletidos. Mas se 0 nosso leitor realista nao NOs seguiu nesta tentaliva de psicunatisar © combecimento abjetiva. © minimo que mais uma ver Ihe podemos pedir & que ordene as provas do seu realismo ¢ atribua coefictentes ox seus diverses argumentos. Porque seria demasiado cémodo entregar-se uma vez mais a um realismo totalitario © unitirie, & responder nos: sudo € real, o elé- tron, o nicleo. o dtome, a molécula. o mineral, o planeta, © astro, a nebuloss. De acordo com o nosso ponto de vista, nem tudo é real da mesma maneita: a subs tancia nao tem, a todos os niveis, a mesma coeréneia; @ existdacia ndo é wind fur 9a monétona: nig pode afirmar-se por toda w parte e sempre no mesmo tom. Uma vex que tivessemos conseguido convencer 0 nossu adversirio realixia Ge que € nevessirio aceitar uma realidade folkeads, de que ele tem que distinguir niveis nos seus argumentos, terfamos dado um grande passo nu desenvolvimento da nossa critica: porque desta vez. impedindo nos de mistarar ‘08 géneros, pode- Hames diseutir x um determinade nivel, ¢ nado teriamos dificuldade em mostrar que, 3. um determinade nivel. é 0 método que define os seres. Nos primeirus tem pos di quimicn argdnica considerava-se que a sintese servia apenas para verifiear a exatidio de uma aniilise. Atuulmente & © inverso que se considera. Quakjuer substancia quimica s6 ¢ verdadeiramente definida no momento da sua reconstru- A FILOSOFIA DO NAO 33 a0. Fa sintese que pode fazer-nos compreender a hierarquia das fungdes. Como diz Marcel Mathieu;> “Apesar da possibilidade de detectar sobre as moléculas orginicas caracteres mofleculares, foi sobretuda a desenvolvimento dos métedos de sfitese que permitiv construir com tanta seguranga esse edifficie que ¢ a gul- mica organica. Se, como matérias-primas, se pudesse apenas dispor de mistaras dificiimente separaveis em corpos puros, tal como se encontram na natureza, ese. come unices métodos dé trabalho, sce tivessem apenas os métedos de andlise, Nunca teria sido possivel precisar a estrutura intima das cadeias dos grupos —CHy— ¢ toda a quimica dos derivados alifaticos teria essencialmente perma necido uma quimica do grupe —CH,—, 0 que cquivale a dizer que o estudo especificamene realista teria sido como que polarizado sobre uma propri¢dade substancial particular. $6 a realizacde sintética permite determinar uma especie de hierarquia das fungdes substanciais, enxertar as funcdes quimicas umas sobre as outras, Perante uma roalidade tio seguramente construfda, livrem-se os fidso- fos de confundir # substincia com aquilo que. na construgdo. excapa 20 conheck- mento: livrem-se eles de continuar a definir a realidade como uma massa de irradionalidade. Para um quimico que acaba de realizar uma sintese, a substancia quimica deve ser pelo contrario assimilada aquilo que se conhece dela. aquilo que se construiu com base em concepgOes tebricus prévias. E necessario multiplicar as realizagdes. Conhece-se mais facilmente o agicar fabricando agicares do que ilisando uni agicar particular, Neste plano de réalizagdes. no s¢ procura alias uma generalidade, procura-se uma sistemdcica, um piano. © espirito cientifico suplantou entao completamente o espirito pré-cientifica. Eis, pois. cm nossa opiniao, a inversio do realismo; a imensa reelizugdo le- vada a eabo pelt Quimica moderna caminha em contracorrente do extudo realis- ta. A descrigio de substancias obtiday por sintese é de ora env diante uma deseri- ¢40 normativa, metodolégica, claramente evitica. Legilima um racionalisme quimico, Esta inversiio do realismo ndo ¢ naturalmente tolal: tentar generalizdta demasiado cede seria falsed-Ia. Uma forte corrente de realismo permanece ainda ni filusofia guimica moderna, Esta ditima observagiin vai fueer-nos compreender © que ha de premature no esforgo realizado por Arthur Mannequin pura coorde- nar o racionalismo cientifica no-séeulo XIX. Num livro em que classificamos os diferentes tipas de atomismo, demos um lugar parliculur a tentativa de atomismo ctitico de Arthur Hannequin.* Marcel Boll faz-nos notar com razio que este ‘apitulo nao tinha nenhum interesse para o cientista dado que o ponte de vista de Arthur Hannequin nao desempenhou qualquer papel na evelugio da ciéncia. Com efeito, Hannequin nao podia se beneficiar da segmentagio efetiva da expe- riéncia quimica. da separagdo completa da ciéneia sintética c da ciéncia analitica Em Quimica. no século XIX, como em geometria no tempo de Kant. a suridade ia compreender a sistemdtica da experiéneva. A hierar © ‘Marcel Mathieu, bey Réucvionm Les Jatuisions Atonmstiques, pig 103. 6N- thy AD yichtmnlques, Hermianit (313), ee IN do A) 34 BACHELARD quia das leis quimicas nao estava suficientemente desenvoivida para que a ativi- dade pudesse associar-sethe, O ensaio de Arthur Mannequin foi. pois. uma apli cagao artificial do racionalismo critic. Nao é mais do que um case particular da ineficdeia cientifica do ncokantismo no séeulo XIX. Em resumo, o eacionalisme niio péde aplicar-se em bloco & Quimica: surein com as sinteses come que depositadas pelo impulse de método. Sao cancregdes de circunstancias escolhidas na aplicagao de uma lei geral. Um forte a prior? guia a experiéncia. O real nao ¢ mais do que realizagio. Parece até que um real s6 é instrutivo ¢ seguro s¢ tiver sido realizado, ¢ sobretude sc Liver sido recolocado na sua correta vizi~ nhanga, na sua ordem de eriagie progressiva, Teimamos em nao admitir que o real comtenha algo mais do que aquile que nele pusenios, Nada se deixa ao invucional. A quimica tenied tende a eliminur as aberragdes. Pretende constriir uma substancia normalizada, una substancia sem acidentes. Esta tanto mais segura de ter encontrado o idéntico quanto é em fun- gio do seu método de produgao que sla o determina. Se, como to corretamente afirma Roger Caillois,* 0 racionalismo se define por uma sistematizagio interna. por um ideal de economia na cxplicagiio. por uma interdigdo We recorrer & prinet pios exteriores. ao sistema. & preciso reconhecer que x doutrina das substancias quimicas ¢. na sua forma de conjunta, um racionalismo. Pouco importa que este racionalismo ditigente comande todo um exércite de realistas. O principio da investigagio das substancias esta sob a dependéncia ubsoluta de uma ciéncia dos principios, de uma doutrina das normas metédieas, dé um plano coordenado em que o desconhecido deixa um vazio Gio clara que a forma do conhecimento ja est nele prefigurada. Mas se conseguimos fazer o leiter partilhar da nossa conviegiio da brusea supremacia dos valores de coeréncia racional na quimiea moderna, se conse- guimos dar Ihe a impressio de que fungdes da Flosofia kantiana podem servir para designar determinadas tendéncias existentes no conhecimento las, 0 mais diffeil da nossa tarefa nao estit ainda realizado eo que falta realizar £ aparemtemente muito enganoso. dade que precisa tisme da substinei dialetizar mos de mostrar que este kin dificilmente instalado na Quimica contemporanca. vai ul Apelundo para a induluéneis do leivor nesta diffeil arefa, vamos pois temar mostrar a utilizagio nio-kantiana da categoria de substincia. Se o conseguis semos, podenamos sugerir um racionalismo dialético da nagio de substingia de forma que © nosso perfil cpistemoldzico relative a csta nogao fiearia completo. A dinlética parece nos desenvolver-se em duas direys i em campreensio ¢ em extensio — sob a substancia ¢ ma wnidade da substincia ¢ nat pluralidude day subst Em primeiro lugar. sob a substineia. a Filosofia quimica claborou esquemas ¢ formas geométricas que nu seu primeira aspecto cram hipotetieas. mas que. pela sua coordenagio num visto conjunto doutrinal. se foram a pouieo ¢ pouco valori candy racionalmente. Verdadeiras fungoes aumenais surgiram entio na Quimic particularmenie na quimica orgdniea ¢ na quimica dos complexos. Nao estamos © Roger Caitlois, Le Mui er (Mamnre, pig, 24. non, (N: de A.) 36 BACHELARD cxatamente perante a nogao de farmula desenvolvida ao dizer que uma determi- nada formula é uma representagdio convencional; irata-se antes de uma apresen- fagdo que sugere experiéncias. Da experi¢ncia primeira a experiéncia instruida. existe passagem da subsédacia a um subsindo. A [rmula desenvolvida & um substituto racional que da. para a experiéncia, uma contabilidade clara das possi- bilidades. Existem entdo experitncias quimieas que surgem @ priori coma impos- siveis porque a sun possibilidade é negada pelas [Ormulas descnvolvidas, Na ordem [enomenal as qualidades substanciais nao indicariam de forma alguma tais exclusdes. Inversamente, existem experi¢neias que nunea teriamos pensado reali- Zar se nao tivéssemos previsto @ prior! a sun possibilidade gragas as formulas desenvolvidas. Raciocina-se sobre uma substancia quimica desde que se tenha estabelecido a sua frmula desenvolvida. Vemos. pois, que a uma substincia qui mica esta de ora em diante associado um verdadeiro nameno. Este nimeno & complexo ¢ retine varias fungGes. Seria rojeitado por um kantismo elassica; mas © nao-kantismo, cujo papel ¢ o de dialetizar as fungdes do Kantismo, pode aceiti-lo, Naturalmente. objetar-nos do-que esie nmeno quimico esta muito longe da cofsa em si, que esti em estrella relagiio com © fendmeno. traduzindo muilas vezes termo a termo, numa linguagem racional, caructeres que seria possivel exprimir 9a linguagem experimental, Acusar-nos-do sobretudo de irmos atual- mente buscar os nossos exemplos a uma quimicn dus substincias complexas quando € a proposito da sudstdncla simples que se deve apreciar o carater filasé- fico da idéin de substincia, Mas esta iiltima objegio nao é sustentavel porque o carater numenal surgiu na doutrina das substancia: ples, Cada substancia simples recebeu com feito uma subesirutura. E, filo curactertstico, verificou-se que esta subestrutura tem uma esséncia totalmente diferente da esséncia do fend meno estudado. Ao explicur a natureza quimica de um elemento através de uma organizagio de corpisculos elétricos, a cignein contemporinen estabeleceu uma nova rotura cpistemologica, Para apoiar a quimica constituiu-se uma especie de Nao-quimica, Endo nos enganemos; a fenomenologia elétrica nao foi deste modo colvcada sob a fenamenolagia quimica. No &tomo, as leis da fenomenologia elé- tricu estdo. também elas. desviadas. dialetizadas. De tal forma que acaba de sur: gir uma cletricidade nao-maxwelliana para construir uma doutrina da substancia Quimica ndo-kantiana, Ao dizer numa frase predicativa: “A materia & no seu fundo, elétrica”, exprimem-se muita mal as descobertas modernas, Esta forma realists menospreza a importancia da fisica interna da-substanci, Outras experiéncias cientificas podem mostrar que a Fisica eontemporanes consegue trabalhar yb a qualidade quimica, invertendo a ordem epistemolégica fixada por Augusto Comte, Korzybski® assinala este declinio substancialista da antiga filosofia quimica apoiando-se no seguinte exemplo: “A nova Fisica das altas presshes mostra claramente que muitas das antigas caracteristicas das subs- lditcias sto wpenas fungdes acidentais da pressao eda temperatura”. A alta pres sfio podem realizar-se reagdes que a Quimica de primeiro exame nao admitiria. © Korzybski, cide and Sensis, New York, pag. 523, (Nolo Ag Ss AFILOSOFIA DO NAO x Esta fistealizagdo da quitica pode ir muito longe; pode submeter a Quimica a regras to pobremente substuncialistas quanto a estatistica. Por exemplo, quan do se compreende que o calor nao uma qualidade substancial. mas que & simplesmente uma proporgao de choques. um coeficiente de possibilidades de choques. esté-se em condigdes para estudar uma reacho como $, O, == 2 SO, na perspectiva simplesmente estatistica. Uma substancia produz outra estatistica- mente da mesma mancira que um baile dos fisérés verts produz, sem paixdo vio- lenta. sem intimidade. filhos legitimos. Pelo siinples fato de se poderem pensar os fendmenos quimices da subs- tancia fixando uma subestrutura gcométrica, ou elétrica, ou estatistica, parece que os valores numenais se Lornam evidentes. A ordem tradicional da experiéncia realista & invertida, O nimeno guia a investigagdo ¢ a determinagiiv precisa de substineia. E como que para scabar a distingao do nimens ¢ do fendmeno, eis que no nimeno se acumulam leis que. a maioria das veees, sto contraditorias com ay leis deduzidas pela fenomenologia primeira. Forgando a nota para salien- tar o paradoxo, poderiamos dizer: 0 mimeo explica o fendmeno contradizendo- 2. Pode explicar-se o fendmenc com leis aumenais que nao sic leis do fenémeno. A partir de entdo. 0 entendimento formado na cultura cientifica é muito dife- rente do entendimento formado na observagdo comunt, Ele so compreende a substincia quimica quando constroi nela, através do pensamento, ligagdes inti- mas. Mas ja nao se trata de uma construcio de home saber, somatorio de gestos; trata-se sim de uma es strugio goerente. limiluda por numerosas interdigies. Qualquer substineia quimica é pensada como 0 conjunto das regras que presidem a sua purificagio, Iv Falta evidentemente uma objegio. uma objegdo tradicional: se as substan cias quimicas compostas, se as substincias quimicas clementares se revelaram possuidoras de estruturas complicadas em que as leis da organizagio dio lugar #0 pensamento ragional. nao sera go nivel do elemenw iltimo, por exemplo a9 nivel do elétron, que deve ser associada, desta vex solidamente. a nagiio de subs- tincia, a raiz'do real? Ora, & precisamente'a esto nivel que'a revolugdo do pensa- mento contemporineo se torna extraardinarin. Além do fata de @ elétron no pos- suir, na sua substincia, nenhuma das propriedades quimicas que explica. as suas propricdades mecanicas ¢ geométricas sofrem estranhas variagdes. Com cfeito, tanto a propésite da sua localizagao, da sua cinética ou da sua fisica, 0 elétron da lugar as mais distintas dialéticas, Ondula-se e aniquila-se, Daqui derivam duas diregdes de dialéticas ainda mal estudadas pelos quimicos. Deixemos de lado por agora o problema da ondulagdo do elétran na sua relagaio com a quimica. se bem que existam, nesta via, possibilidades de interpretagao para os fendmenos da foro- quimica, Pensemos apenas no aniguilamenta, © proprio ser do elétron concebido como substaacia clementar. 0 scu valor substancial mais nu. mais claro, mais simples, parecem softer apatias. desfalecimentos. aniquilagSes. O elton nao se 38 BACHELARD conserva. Eseapa a categoria de conservacdo que Meyerson considera como a categoria fundamental do pensamento realists. Sobre este assunto. Georges Matisse relacionou engenhosamente o principio da conservagéia de espaco, fundamento da geometria cuclidiana, com 0 principio da conservacao da matéria (ou da cletricidade). O principio da canservagio do espago esti na dependéncia do grupo dos deslucamentos. grupo que mantém invariantes as dimensdes de uma figura. Como existem gcometrias que nib obe- decem ao grupo dos deslocumentos. que se organizam em torno de ontras inva riantes. € de prever que existam quimicas gue nio obedeyam A conservagio da matéria, quimicas que pudessem pois ser organizadas em torne de um outro inva fiante que nao a massa. Podcriam também existir, sugere Georges Matisse, outras eletricidades que ni postulassem o principio da conservagio da carga, Georges Matisse prope que s¢ associem a estas quimicas. a estas eletricidades, os qualifi catives de nao lavoisienianas, de no lippmannianas.’® Nao @ no entanto sobre este argumento que nds nos propomos fundar a Qué mica odo-lavoisteriana. As experiéncias de aniquitagdo ou de criagae-de elemen- tos substanciais so ainda demasiado enigmaticas para que o fildsofe. por muito aventuroso que seju. Ihes dé relevo. Evoga-as apenas para salientar a audacia metafisica do fisico contemporanes. Ao falar de aniquilamento ronal, o cicntista diuletiza tanto os principius do realismo como os principias do kantismo. Nega simultaneamente a universalidade da substiincia-realidade ¢ a universalidade da substincia-categoria. Existem sees simples que se decompoem. coisas que se tor- nam nadas. Correlativamente, & preciso. pensar esta dlalétiea coisa-nada nao como o devir de uma coisa, fora da categoria de causalidade, Substancia e cousa- lidade sofrem. conjuntamente. um ectipse. De uma maneira geral. o estudo da misrofisica pbriga-nos simuitaneamente a pensar de forma diferente do que suge Firia a instrugio recolhida na experiencia usual e de forma diferente do que obri saria uma estrotura invariavel do conhecimenti. Afasiando, pois, a considerugio das possibilidades de desuparigdes substan ciais. onde encontraremos. nos os fatos que. em nosso entender, prefiguram o aspecto niy-lavoisicriano da Quimica zencralizada? E na noedo de dinamizagdo da substincia quimica. Aa estudar mais de perto esta dinamizaydio, vamos ver que’ quimica lavoisieriana do século passado havia deixado de lado um aspecto fundamental do fendmeno quimico ¢ que se tinha assim comprometido numa fenomenologia particular, Fsta fonomenologia devia certamente ser estudada em primeiro lugar, Ela deve agora ser cnglobada numa fenomenologia mais geral ¢ conseqGentemente numa quimiea nic lavoisicriana, Esti sempre subertendido — nunea & demais repeti-lo — que uma quimica nio-lavoisieriana, como todas as atividades cientificas da filosofia do nao, nfie despreza'a utilidade passada ¢ atual da quimica chissica, Ela tende apenas a organizar uma quimica mais geral, uma panguimica, tal como a pangcometria tende a forneeer 0 plano de wdas as possi- bilidades de organizacio geométrica. *° Gopraes Matisse, de Primed du Pheiromiine sms la Crmaiseame (8, do A fig, 21. Ver tombe naa A, pide, BH A FILOSOFIA DO NAO. 3» v Tornou-se pouca a pouco manifesta que ns intuigdes estiticas sho deoraem diante insuficientes para compreender totalmente as reagdes quimicas. As pala. yras presenca, coexisténcia, contato, tio valurizadas pelas intuigdcs comuns ¢ geometricas, deixam de scr bem definidas a partir do. momento em que as subs- Mancias entram em reagio, Nao ha duvida de que a quimica se formou censide- rando casos simples cm que a coexisténcia de duas substancias, muitas vezes dissolvidas na Agua. determinava uma rcagdo. Mas esta quimica primitiva, resu mida nos dois tempos: dados ¢ resultados. levou 9 despre: interme- diirias assim como o problema da afidade das substincias i blema da sua ativagao, E evidente que esta ativagio nao ¢ win fate novo. A antiga quimica possui ja alguns procexsos de ativagao dos quais o mais comm consistia em aquecer wx substiincias. Mas pensava-se que isso nao era mais do que um simples processo para par em agdo virtualidades substuneinis bem definidas, Os balangos calor ficos foram tardies ¢ durante muito (empo grosseires. Nao constituiam na reali dade um sinal suficiente para designar a atividade dns reagdes. Quando-comegou a canhecer se © papel das substancias cataliticas. devia ter-se previsto a necessi dade de uma revisio completa da filesofi Mus niio se passou da enume: ragao dos fatus. sem se insistit no caréiler essencialmente indireto ¢ progressive das relagdes cataliticas O estudo das fases intermediarias impae-se no catinty a pouco € pouco: as reagdes aparentemente mais simples receberam dele um plurulismo que esta ainda muito londe de estar sistematizado, Mas, como veremos adiante mais claramente sob autra form, reugio deve passar a ser representada como um trajeto, como: uma série de diversos estados substanciais, como um filmu de substingias. H aqui surge um vaste dominio de investigagdes que exigem uma orientagao de espirito inteiramente nova. A substiincia quimica, que 0 realista tanto gostava de conside far como exemplo de uma matéria estavel e bem definida, $6 interessa verdadeira mente ao quimics se ole a fizer reagir com outra materia. Ora, se sc faxem reagir substincias © se s¢ pretende extrair da experiencia o maximo de instrugde. mio & a reagdo que se deve considerar? Pur detras do ser desenha-se imediavamente um devir. ‘Ora. este devir ndo é nem unitario, nem continuo, Apresenta-se como uma espécie de didlogo entre a matéria © a energia. As (rovas energdticas determinam modificagdes materiais ¢ as modifieagdes materiais condicianam trocas energéti cas. E € aqui que vemos uparecer o tema novo da dinamizagiio, verdad essencial da substineia. A energia é parte integral da substancia; substaneia ¢ energia so igualmente ser. A antiga filosofia quimica que dava uma primazia a negéo de substancia, que atribula 4 substinvia, como quilidades transitivas, a energia cinética, a energia poteneial, o gulor jwente, .. media mal a realidade. A energia & Lio real yuanto a substinciv-c a substincia nde € mais real que a ener gia. Por intermédio da energia, @ tempo coloca na substincia a sua marea. Aan tiga concepgio de uma substincia por definigig fora de tempo nao pode mamter se, a BACHELARD Toma-se. pois, chiro que © complexe matéria energia ja nlio pode ser pensi- do em termos da simples categoria da substaneia. dizendo que uma substincia contém energia. Sera talver necessirio pensar o complexo matéria-eriereia atra ‘vés dé uma categoria complexa que seria a categoria de substancia causalidade. Mas falta-nos naturalmente treino para abordar a fendmeno total cam cutegorias totalizadas. O kantismo deixou desarticulade © cmprego das calegorias: determi nados pensamentus movem-se no quadro de uma categoria: outros adaptam.s¢ a oulra categoria, Nao existe simultaneidade total do pensamento ¢ de todas as suas Categorias, Os matematicos ensinaram-nos a totalizar as formas de espago-c de tempo num espago-tempo. Os metafisicos. mais timidas que as matematicos, néo tentaram a sintese metafisien correspondents, Perante a ciéncia modertla. o nosso entendimenta funciona ainda como um fisico que pretendesse compreender um diname por meio de uma combinagiio de maquinas simples. Surgiv alias recentemente uma nova cidncia que s¢ propde examinar as sortelagdes entre a substincia e a energia. Ea fologuimica. O seu nome pode ili dir quanto a sua generalidade. De fato, as radiagSes luminosas foram aquelas Cuja agio sobre as reagdes quimicas atraiu primeiramente 9 atengao. Estucou-se io da luz sobre as substincias, mas vendo apenas na luz um auxiliar para o desenvolvimento das propriedades substanciais. Mais tarde, estendeu-se 0 extudo da fotoquimicn as radiagdes invisivcis. Mas esta extensio naa se situa ainda no plano do pensamento que queriamos explorar, Enquanto cléncia especial, a foto. quimica surge apenas no instante em que estuda a integragao efetiva do radia mento na substineia, $6 entia se tem a impressfio de que a substancia quimica & um complexo de matéria © de enetgia e que as troeas energéticas silo condigdes fundamentais para as reagdes entre as substancias Pode aliils acentuar se @ carater correlative da relagae substincla-energia e Nao parece impossivel caracterizar uma reagio pelas radiagdes que absorve ou que emite, da mesma mancira gue se pode caracteriza-la pelas substaneias que Produz. Pode acontecer que se estabelega uma ceria complementaridade entre a matéria © a radingio; pode acantecer que © atomismo da substancia ¢ 0 atamismo do féton se conjuguem num atomisme da reagiio. Dever-st-ia pois falar de um “griio de reagdo”. Veremos em seguida a curiosa nogao de “grio de operngaio” Proposta por Paul Renaud, A partir de agora podemos entrever que uma subs- Hincia que perceu ao mesmo tempo a comtinuidade do seu sere a continuidade do sou devir ja no pode submeter-se a uma informagao, de acardo com o realismo ingénuo. na hase duplimente continua de um espago continuo e de um tempo continuo, Em todo 0 caso. a substincia ¢inseparavel da sua energia. Ao balango subs- tancial deve juntar-se sistematicamente um balango gavrgético. A conservacio da Massa nao & mais do que uma condigao da regio. Mcsmo se a tomarmes por ahsoluta, esta gonservagio ja nae € plenamente explicativa. Vemos, pois, clara- mente a necessidade de superar a Quimica lavoisieriana, Seria, allds, errado levantar a objegdo de que, para Lavoisier, a luz era um elemento c que principio da fotoquimica moderna, que impte a integragdio do radiamento na matéria, foi A FILOSOFIA DO NAO an buscar a Lavoisier uma idéia. Na realidade. nic ¢ como elemento quimico que a radiagdo se incorpora na matéria. A idéia realista de absorgde é enganadora por- que a radiagdo encontra na matéria um fator de (ransformagao, O radiemento emitido pode ser diferente do radiamento absoryido. Deste mudo verificamos, em tude ¢ sempre, que a relacdo entre a substancia © 4 radiagao @ complexa; cla ¢ verdadeiramente intima ¢ sio ainda neccssarios muitos esforcos para Ihe esclarecer os diversos aspectas. A balanga nao diz tudo. A fotoquimica, com o espectroscépio, surge como uma quimica ndo-lavoisie- Hana, Filosoficamente. cla contraria ¢ principio da simplicidade ¢ da estabilidade das substancias clementares. A fotoquimica habitua-nos a conceber dois grandes lipos de existiacia: Estes tipos de existéncia so, de certo modo, inversos. Ao ‘passo que a substincia lavoisieniana se apresentava como uma existéncia perma- nente, desenhada no espago, o radiamento, entidade nao-lavoisicriana, apresen- ta-se como uma existencia essencialmente temporal. como uma freqidneia. somo uma estrutura do tempo. Podemos mesmo perguntar-nas se esta energia estrutu- rada. vibrante, fungdo de um admero do rempo, nao bastard para definir a exis- téneia da substaincia. Nesta perspectiva. a substancia nao seria mais do gue um sistema multirressonante, do que um grupo de ressonancias. do que uma espécie de aglomeragao de ritmos que poderia absorver ¢ emitir determinadas gamas de radiagdes, Nesta via podemos prever um estuda esiritamente temporal das subs- tancias, que seria o complemento do estudo estrutural. Come vemos, a portu esti aberta para todas as aventuras, para todas as antecipagdes. SO 0 filésofo pode assumir © dircito de propor tais aventurns uo espirito inyestigador, Através deste exagero, ele quereria provar a recente plasticidade das categorius do entendi- mento ¢ a nevessidade de formar categorias mais sintéticas para fazer face 4 complexidade do fendmeno cientifica, VI Vamos apors abordar o problema de outra forma. Chegamos a ela quando atrés anunciamos a scgunda direcdo da yuimica nde-tavoisieriana, Em vez de um pluralisma vertical que, por detras de uma substancia particular, descobre esta dos dinamicos miultiplos, vamos ver que a quimica contemporanea é levada a considerar um pluralismo horizontal, muito diferente do pluralismo realista das Substincias fixas na sua unidade. definidas pelas suas irregularidades, Masira- Femos que este plurulismo masce cam efeito da incorporacao das condigdes de detecgio na definigdo das substancias, de forma que a definigdo de uma subs lancia ¢,em determinados aspectos, fungiio de uma vivinhanga substancial, Dado que as condigies de detecgao intervém para delinir us substaneias, pode dizer-se que estas definigdes sin mais funcionais do que realistas, Daqui resulta uma rela tividade fundamental da substanvia; esta relatividade vem, de uma forma muito diferente da preeedente. contrariar o absolute das substancias consideradas pela quimica lavoisieriana A quimica classica, tovalmenty imbuldd de realismo, pensou, sem por isso 42 BACHELARD em causa. que era possivel definir com precisiio as propriedades de uma subs- tancia sem ter em conta as operagdes mais ou menys precisas que permitem isolar a substancia. Decidiu se assim da solugde de um problema sem se perguntar se este problema no seria suscetivel de varias solugées. Com efeito. nfo & evidente que a determinacdo substancial passa ser completa, que se possa falar de-uma substancia absolutarente pura. que se possa, atraves do pensamento. levar nté a0 limite 0 processo de purificagiio, que se possa-definir a sua substancia absoluta- mente, separando esta substincia day operagdes que a produzem, Supor um limite 20 processo de purificagao é fizer passar o realismo grosseiro ¢ ingenuo 4 catezo ria de um realismo cientifico ¢ tigeroso. Ao estudar mais de perto 0 métody operatério yeremos que esta passavern ao limite é incorrcta. Para exclareeer a nossa dificil posi¢ao. avancemos ja as nossas conclusies flosoficas: 0 realismo em Quimica é uma verdade de primeira anroximac: segunda aproximacao. é uma ilusio. De uma forma simétrica, a pureza é um can- ceilo justifieado em primeira aproximagao: mas. em segunda aproximagao, é um conecito injustificdvel pelo fato de a operagao de purificagin se tornar, no limite, essencialmente ambigua. Daqui © seguinte paradoxo: o conceito de pureza so ¢ valido quando aplicady a substincias que se sabe serem impuras. Deste modo, a nossa tese apresenta se como uma inversao lamentivel ¢ tere- mos bastanie dificuldade para a consolidar se 0 nosso leitar nao quiser deixur em Suspenso 0 sct: juize a propésite do substancialismo. O substancialismo — disse moro alias — é um obsticulo tremendo para uma cultura cientifica, Com efeito cle se beneticia das provas de primeire exame, E como aS experiéncias primeiras sdo imediatamente valorizadas, é muito dificil libertar o ¢. pirito cientifico da sua Primeira Filosofia, da suu Glosofia natural. Nao se pode aecitar que o objeto que xe havin culdadosamente designado no inicio de um estudo, se torne totalmente ambiguo num estudo mais aprofundado, Nao se pode accitar que a objetividade, tdo clara no inicio de uma cigneia materialista come a Quimica, se apague numa espévie de almosferu nao-objetiva no final do caminho, Ora, ne dominio da sabstancia, vamox encontrar nos novamente perante 6 mesino paradoxo que examinamos no nosso livro sobre A Experiénela do Espaco na Fisica Contempordnea. Também nesse caso, © reulisme se apresentava como uma verdade de primeira aproximagao; sublinhamoy ate que as experiéneias de localizagdo primeira, de.localizagie grosseira, ram para realismo ingénuo argumentos eleitos. Vimos também que uma localizagao de seguncin aprowimea go. uma logalizagdo fina, contraria todas as fungdes realists primeiras, Em segunda aproximag3o as condigdes experiementais ligam-se indissoluvelmente a0 objeto a determinae © impedem a sua determinugéio absoluta. Vamos entraver as muesmas perspectivas ao estudar as tentativas de determinugdes finas ¢ precisas das substineias quimicas. Os conhecimentos primeiras © yrosseires obtides das Substineias quimicns, que constituem os argumentos preferides pelo materia jismo, revelar-se-dg scm interesse para uma filosofia mais profimda, desejosa das condigdes do conhecimente refinado, A FILOSOFIA DO NAO 43 Em primeira lugar. precisamos de-impor a soguinte regra metodolégica: ne- nhum resultado experimental deve ser enunciado de um modo absoluto, separan- do-o das diversas experiéncias que permitiram obté-lo. E mesmo neeessario que um resultado preciso seja indicado na perspectiva das diversas operagdes que. inicialmente imprevisas, depois melhoradas, conduziram a esse regultado, Nenhw- ma precisao ¢ claramente definida sem a histéria da imprecisio primeira. Em particular. no que se refere ao problema que presentemente nos ocupa, nenhuma afirmagao de pureza pode ser desligada do seu critério de pureza e da historia da tenia de purificagio, Queiramos on nao, nan é possivel instalarmo-nos imedia- tamente numa investigagdo de segunda aproximacao. Ora a purificagae & uma operagio que pode sem diivida apresentar estiidios; estes estidios so evidentemente ordenados. Dir-se-a. pois, naturalmente, que a substincia que se purifica passa por estadus sucessives. Dai a supor-se que a purificagio é eantinua nao vai uma grande distancia. Se sc hesita em afirmar esta continuidade, admilir-se-a pelo menos sem dificuldade, » que basta para a nossa demonstragio subseqiiente. que uma purificagao & represeatdvel por uma jinha continua, Tratt-se de um fato seral: a5 operagdes quimicas que poem em jogo diferentes estadios de reagiig sdo representiveis por curvas continuas. Paul Re- naud fala muito justamente de frajetérias qimicas. Esta ¢ uma nogiio muito importante sobre 4 qual queremos agora insistir. Vamos para isso fazer uma digressio, porque ac problema preciso que trata~ mos esta associado um problema filoséfico muito gernt que equivale nem mais fem menos do que a estubelecer uma supremacia de representagdo sobre a reali- dade, uma supremaeia do espage representado sobre o espaga real, ou mais exa- tamente sobre o espago que se considera real, porque este espaco primitive é uma agho de experiéneias primei A primeira objegao que vem ao espirita contra si nogdo de majetirla quimica proposia por Paul Renaud, ¢ que esta nogdo corresponde a uma simples meuifo- ra. E a esta objecdo que vamos responder na presente digressio. A nossa respasta far-se- em dois tempos: num primeiro tempo, vamos atacar as afirmagdes derma siado realisticas a respeito das trajetbrias mecdnicas reais: num segundo tempo, vamos defender o direito & metifora, vamos dar corpo.ao sentido metaférico até lhe darmos praticamente todos os caracteres atribuides ao sentido real. Teremos assim de certo modo preenchido, trabalhando nos dois extremos, o abismo que separa a nogio de trajetria quimica da nogdo de trajetéria mecanica. Teremos anti chogada ac fim da nessa digressic, ¢ poderemos fazer entrever a grande importancia das teorias de Paul Renaud que tendem nada menos do que @ fundar uma nova quimica ndo-lavoisieriana, Para atacar as afirmagies realisticus referentes A nogdio de trajetéria em mecanica, notemos em primeira lugar que as intuigdes ditas reais se expdem e se discutem num espage representado, Pouco importa gue se veia o movimento no espago real. Sd 0 pademos estudar s¢ extminarmos muitos outros da mesma esptcie, se distinguirmos as suas variagGes, se Ihe representarmos © tipo. Mas entao a representagdo surge como uma dupla tradugao essencialmente complexa, w BACHELARD essencialmente bilingiie, no sentido em que as Varidveis so traduridas em esca- las, se nem sempre diferentes pelo menos sempre independentes. Por outras pala- vras, 0s refletimos, nao num espago real, mas num verdadeiro espaco de confi guragdo. Geralmente. o espago em que se reflete é um espago a duas dimensdcs, verdadeiramente plano da representagio. E por isso que. no presente exboso, cvocamos apenas uma traducio bilingtie do fendmeno mecdnico A representagae tradux. pois, num espaco de configuracdo. aquilo que a per cepgde receheu num espaco sensivel. O espaco em que se olka, em que se exani- na ¢ filosoficamente muito diferente do espago em que se vé, Esperamos o fené- meno ofhade com atitudes que, horizontalmente e verticalmente, esto em estados de Lensdo diferentes. Os nossos esforgas de detecedo horizontal ede detecgiio ver- tical nunca sio plenamente sincronos. Este fato & naturalmente muito mais claro nesta mecanica desenhada, nesta mecanica representada (falando em sentido estrito) que é indispensdivel para que persemos os fendmenos mecanicos, A partir do momento em que pensames os movimentos, nds retragamo-los num espaca que ¢ um espago de configuragio no sentida em que as duas dimensdes do nosso esquema sio pensadas independentes uma da outra. Em particular, as duas esa. Jas da representagio podem ser diferentes sem que isso perturbe as relagées tal como pensadas. Naturalmente, a palavra pensadas & agui essencial: pensar o fendmeno nao é reproduzi-lo textualmente, Quando se pensam as duas dimenses ha mesma escala — o que é a forma mais natural — encontra-se o espago natural ou pelo menos uma reproducdo textual mais ou menos reduzida do espago natu- ral. Mas ha nesta igualizagao das escalas uma exigincia muitas vezes initil que eneobre a independéncia das dimensdes do espago pensado. Entia, se quisermos de fato integrar as proprias condigdes do pensamento no sistema dos nossos Pensamentos objetivos, no devemos apagar indevidamente esta independéncia efetiva das duas dimensdes, que sao os eixos de qualquer representagdo, Nao hesitamos, pois, em concluir este primeiro ponto da nossa digressiio dizendo que todo o movimento represeatado, ¢ @ fortior! do 6 movimento peasado, & repre- sentado ¢ pensado num espago de configuragio, num espago metaforica. Diga- mos entre paréntesis que, para nds, eath Jonge de sor uma deficiGaciu das novas Coutrinas da mecénica ondulatéria 0 fato de estas doutrinas se terem desenvol- Vido num esnaco de configuragio ainda mais absteato, Ea propria condigiio dos fenmenos pensados, dos fendmenos verdadeiramente cientificos, O fendmeno cientifico ¢ verdadciramente configurado, reine um complexe de experiéncias que nao s¢ encontram efetivamente confisuradas na naturexa. Parcee nos pois que os fildsofus falham quando no reivindicam o dircito a um estudo sistematico da representacdo que se verificn ser o intermedirio mais natural para determinar as relagdes entre a nimero ¢o fendmene.!¥ No que se refere ao segundo ponte da nossa digress, parece-nos podermos ser mais breves, Se tudo ¢ metafora, nada é metafora. Ao nivel da representagdo, "* Cf, Pierre Bubem, La Théarle Phesique, Gevoeuda, sem que no entato tera seco tent 59 numerocns as paginas ent que w ides de roprewentdes wla ma zenvja pistemitica du representagiaa. (N, do. A.) AFILOSOFIA DO NAO 45 todas as meiiforas se igualizam, a geometria analftita que ¢ a geometria dos esquemas passa a categoria da geometria do pensamenio: cla da nos as curvas tal come as pensames, tal come xs construimos ao pensa-las, ligando a variivel ea ordenada pola sua funedo reciproca. © plano funcional, isto é. 0 plano em que se representa a ligagdu das fungdes, é o verddeiro plano real: se se retém uma funcionalidade. retém-se uma realidade. Num plano, a ordenada € fungao da wbs- cissu: esta ¢ a verdadeira contextura da representagao. sta funedo tanto pode ser de ordem geomética, como mecinica. come fisica ou quimiva. Em todos estes Easos, tanto no primeiro como nos outros, estamos perante uma coordenagav de duas experitneias. E esta coordenagie que constitu o pensamento: ela que da 9 primeiro motivo de compreensiio de um fendmeno, Entéo. quando uma das variaveis resumidas na representagio 60 tempo ¢ a ourra varidvel corresponde a uimia carscteristica qualquer da substancia, a expres sao Wrajetiria qulmica & absolutamente natural. Mas o mesmo ugontece quando se substitui a vaiavel tempo por uma outra variavel como por exemplo a concentra. gio. Com efvito, sob a varidvel concentragao pade sempre subentender-se um tempo, De forma que, direta ou indiretamente, a concepgao de trajetdria qiuimica € plenamente justificada, Em resumo, metafora matematica ¢ fendineno medido nfo podem ser distin- guides: a metifora tem as mesmas propriedades gerais que a realidade: a reali- dade nio ¢ pensada ¢ compreendida diferentemente da metafors. Uma filosofia que se obriga 4 nada afirmar do real para além daquilo que eomhece dele, ndo deve. pois, tratur difcrentemente us tajeldrias quimieas ¢ as wajeldrias mecdni cas. As leis de representagao sde: homagéneas. Se nos pérmitimos abrir este longo paréntesis para justificar, de um ponte de vista metalisico, & nogde de trajetsrix quimica propasta por Paul Renaud. é por- gue esta nogao vai faverecer uma prodigioga extensdo da fllosofia quimica, Com efeito, uma vez admitida a nogia de trajetoria quimica, possuimos um nove meio parn melhor unir as condigocs fisicas ¢ quimicas que pormitem uma definigdo precisa das substiincias. Isto vai-nos permitir seguir melhor a evolugao das operagdes quiiicas. Vai também permitir-nus determinar o papel das condi Ses iniciais das diversas operagdes, Por que razdo se hé de sempre imaginur que se parte dé ums unica e mesma experiéncia grosseira, de uma tinica e mesma substincia grossciramente definida? Mais vale juntar no mesmo grafico, no mesmo plano de representaedo, o conjunta de todas as experiéncias que se reali- zam, par exemplo, para a purificagao ¢ a determinagdo de uma substancia, Obtém-se entio familias de crajetérias quimieas, Une familia de trajetorias qui- micas representa um novo tipo de pluralismo coerente que retine os diversos easos de uma dnica operagiio quimica, Da mesma mancira que 36 a considerug’io da familia das isotérmicas permitiu ter um plano geral da evolugio de um gis comprimido ¢ aquecido, também a consideragdo das familias de trajetrias qui micas permite coneeher claramente ¢ evolugdo de uma substancia numa determi- nada operagdo. Esta rounidio das trajetirias quimicas numa representagdo de conjunto nao a BACHELARD traria, no entanto, nada de essencialmente novo se nao tivesse surgido, no espirito de Paul Renaud. uma idéia, & primeira vista paradoxal, mas que se revelara singularmente rica: uma vez que as trajewirias quimicas esto agrupadas em familia, néo serio clas suscetiveis de um agrupamento complementar na base da complementaridade dos raios luminosos ¢ das ondas? No reino da metifora ou — © que nio esti longe de ser a mesma coisa — no reino da representagao. néo- sera necessitrio opyr ao desdobramento das drajerirtas substanciais as ondas das condigdes fisicas? Se esta sugestiio for fecunda, uma representagao “ondulatéri da Quimica deve coordenar estados substanciais congéeneres. De uma forma mais precisa, devido a esta nova dialéri¢a que se apresenta no campo da representasia, poderemas fazer intervir o principio da indeterminagido qué se repercute cada ver mais em toda a ciéncia contemporinea, © principio da indeterminagao intervira aqui entre as condigdes fisicas ¢ as condigdes yuimicas — cilre as determinagSes exteriores: da Fisica ¢ as determinagdes interiorey da Quimica, Com efeito, as condigdes fisicas vizinhas. nas quais o-cieatista pode estidar as propriedades de uma substaneia. engrumam-se: formam verdadeiras graos de indeterminagiio, Correlativamente. para seguir a inspiragde da ciéneia heisenberguiann, & pois, nesessirie supor um gra@ de indeterminagao substan- cial. Natemos de passage que esta indeterminagio substancial, que nada pode levantar, & inconcebivel numa fesofia reali Pelo contraria, ela ¢ absoluta Mente natural numa filosofin que accite a concepgio operaidria da eategorin de substincia, Trata-se, pois, de uma metafisica absolutamente nova que define a subs- (ancia de uma forma externa. Jean Wahl fer cecentemente notar!? a importancia do coneeite proposto per Whitehead. desiznado pelo nome de sobrestincia. Seguindo a inspiracdo de Whitehead. ése conduzide a defini uma substancia pela coeréncia dos principins racionais que servem para coordenar os seus carne teres. ¢ nao fundamentalmente pela coesdo interna aficmada pelo realismo, ultra. passundo sempre 0 aleance das provas efetivas. Numa filosofia do ndo surge um novo aspecto metafisice da nogio de substincia. Tulvez pudéssemos retero nome de ex-estingia para sublinhar bem que a substanei definida por um grupo de determinagies externas de tal forma organizadas que nao padem, tadas clas simultancamente. precisur-se o suficiente pura se utingir um interior absoluto. Deste modo, o conjunto de palavras sub-estincia. sobre estancia, cx-estincia. constituiria — enquanto nao temos outra coisa melhor! — o Joga de conceitos puros necessirios pars classificar todas ay tendéncias da metaquimica. A subs- tincia constitui © objeto da quimica lavoisicriana. A sobre-estincia ¢ a ex. cia corresponderiam entio as duas diregdes da quimiea naio-lavoisieriana que as anunciamos. A categoria kantiana seria pois triplicada num ultra racio ar nalismo nao-kantiano. Com esta teoria da ex-estiineia. 0 determinismo absolute da evolugio das qualidades substanciais vai afrouxar: vai passar da fase pontual a fase ondulate- * Nawveile Revue Frangaise, | de junhode 1938 (N, de A A FILOSOFIA DO NAG 7 rig, Uma substincia que se pensava poder cepresentar se, ¢m todas as suas propriedades, por um ponto. ve a sua representagao fina dispersar-se. Reeusa as taducdes pontuais a partir do momento em que s¢ multiplicam os esforgos de determinagao precisa, Em summa. 0 conhecimento de uma substaneia nd pods ser simultaneamente claro e distinto. Se este conhecimento é ciaro, & porque nao se pretende distitguir a substancia examinada das substancias realmente vizinhas, & sobretudo porque nao se weve o cuidado de estudar a sensibilidade das variagdes das suas caracteristicas. Como diz, Paul Renaud:'* “Quanto mais um produto é definido. menos 6 poderd ser a sua variagao relativamente a una varidvel™, Seo conhecimento pretende atualmente ser distinto ¢ preciso. é porque nao se trata de estudar scparadamente substancias distantes ¢ inertes, cerceadas de qualquer eyo: lugio. Num estudo distinto. estudam-se pelo contrario substincias env evolugdo, substincias que tém atividades substanciais determinadas em operagdes diversas. Entio o conhecimento pluraliza-se e perturba'sc, aumenta a sensibilidade as variaveis de detec¢dio. No limite. s6 se pode verificar a pureza de uma substancia adulterande-a, © paradoxo é sempre o mesmo: conhece-se cluramente aquilo que se conhece grosseiramente. Se se pretende conhecer distintamente, 0 conheei mento plurariza-se, o nucleo unitirio de conceite primitive explode. Assim, numa filosofia dé precisio em quimica, o critério cartesiano da evi Uéncis clara ¢ distinta ¢ desmantelado: conhecimento intuitive ¢ conhecimento discursive opdem-se brutalmente: para um 4 clareza sem # distingdo, para o outra @ distingiio sem a clareza, Como vemos, uma quimicn ndo-lavoisieriana é um caso particular daquilo a que em O Nevo Espirito Cienafico chamamos a epistemologia nio-cartesiana, Como teremos muitas vezes a oensifio de assinalar, as diversas descoordenagdes operadas pela fitosofta do nao coordenam-se. VIL Para fazermos compreender bem o alcunce pritico das nossas observagées Filosdficas, vames estudar um caso particular, A tese de Georges Champetier sobre as combinagdes de adigin da celulose vai, com efeito. mosirar-nos 6 papel da coordenagiio dos métodos na defini¢ao de um produto quimico. Parece ser ilusdrio definir a celulose & maneirs clissica, & custa de determi nadas caracteristicas tanto fisicas como quimicas, porque us celuloses de diversas origens tém aspectos muito diferentes © sobretudo comportamentos muito varid veis relativamente a determinadas réagentes quimicos. Notemos de passagem que as substancias bem individualizadas exigem um estudo de um verdadciro comportamenta individual. Em particular, “ox primeiros investigadores hesita: ram antes de identificar a celulose extraida do algodio 4 celulose extraida da tb nica dos tunicérios”, Parecia, pois, que o vegctal ¢ o animal produyiam duas substancias quimicas diferentes. Como vemos, o primeiro pensumento consiste em substanciar as diferencus, em inserever tada a diferenga no quadro de uma IAN. G08.) Paul Renaud, Someture de ia Pensée or Pésinitaus Expérimicnetes, Mermana (73), pie a BACHELARD diferenca substancial. Mas esta solugdo facil. devida a um habito realista, menos- prea neste caso caracteristicas essenciais. De fato, a identidade-cristalogrifica das diversas celuloses ¢ inegavel. Como ordenar este pluralismo de aspectos a0. sentido de unia definigdo convergente da celulose? Dado que 0 métedo analitico conduz a dissabores, vamos tentar um método: sintélico: vamos tentar identificar a substincia por uma de suas fungdes, de forma operatiria — ¢ j& nao substancial — estudando os produtos de adigao da celulose com a soda. Mas, também nesta via, ¢ dificil dominar 0 pluralismo. O isolamento de um produto de adigio obtido pelo tratamenta da cefulose com uma solugio de soda, leventa dificuldades quase insuperdveis. Com efeito. « adigao tem que realizar-se em presenge de Agua e, yuundo se pretende climinar o excessa de Agua, corre se o risco de destruir a combinagae silica. Por outras palavras, Ado Se sabe parar @ tempo a operagdo de lavagem. Vamos referir de passagem 0 caso, de que necessitaremas em seguida, em que um estado substancial surge como o momento de uma operigio. Neste caso. 0 momento é impossivel de detectar ¢, correlativamente, a substincia & indefinivel, Meditande sobre este exemplo compreende-se bastante bem a relagdio de oposigiio das mogdes de subs- lincia e de operagio: se a operagio ¢ grosseira, podemoas pensar a substancia bem definida: se a operacio é distinta, a substineia é indefinida, Em todo 0 caso, devemos ver que a nogdo de operacdo reclama estudos sisteméiticas que a filoso- fia quimica negligenciou. O problema da definigdo de celulose nao esta resolvidu. Dado que uma ope- fagao tinics é insuficiente, dado que uma dinica trajetdrin quimica nfo pode desig- nar bem a substincia procurada, considerar-se-4 um grupo de operacdes seme- thantes, uma familia de trajetorias quimicas. Estudar-se-a deste modo uma série de extragdes do sal duplo impregnado de una quantidade decrescente de siguns mies. Para cada exteagiio, isto & para uma determinada concentragao inicial, og pontos figurativos de uma série de andlises situnmse em linha ret." * “Repel estas experiéncias para outras concentragées das solucdes iniciais, obtém-xe um feixe de retus que, em certos dominios. coacorrem em pentos cujas coordenadas fixam a composi¢ao dos sais duplos formadas,” A substancia pura representa-se assim como um estado determinady por extrapolagdo, como cume de um setor em que se ordenam ns determinagdes parti- culares, exatamente da mesma mancira que um ponto luminoso virtual é obtido prolongando raios reais.'® © que & preciso salientar-se € que as determinagdes afastadas da pureca sio tao dtcis para doterminay a substancia pura quanto as dererminagdes mais proximas da pureza. O comportamento da substincia impura designa ja. ¢ como que a distancia, caracteristicas da substancia pura; mas esta designagao necessita de experiéncias multiplas, diversas, verdadeiramente exter- nas, A celulose & neste caso conhecide como-uma ex-estincia, mais do que coma 1 Chhumpetior These, fH. 18.0, do A.) 1 Bou Renaud. for. cite pig. 18:7 dofnigiin de eoimposiod detnides thse por co w/eeabibi wy opie ses (al eomu & delinigdin de unr panty luminase projelauo ve faz por uma convergencia de rains”. (N. da Ad A FILOSOFIA DO NAO “9 ‘uma substancia. Estamos, pois. muite longe do ideal analitico que s0 esti seguro do seu conhecimento depois de uma anilise exaustiva, intima, estatica, Gnica. A definigdo da substincia ¢ obtida por uma espécie de indugdo que agrupa sinteses miiltiplas. vu Se a evolugao das substancias celuldsicas ao longo de simples processes de desidratagSo 6 tie instrutiva para definir a sua estrutura, podemos ver uma idéia do interesse que poderia haver em seguir de forma sistematica numerosas opera- des da Quimica, Talvez houvesse entao lugar para duas indugdes inversas: deter- minar a fungdo a partir da estrutuca, determinar a estrutura a partir da fangdo. Esta oposigao surge de uma forma totalmente nova na obra de Paul Renaud. Conduz a um principio dualistico, cujos termos cstio ainda longe de cstarem equilibrados, mag que promete ser fecundo. Queriamos esbogar esta dificil pers- pectiva, que fornece um outro aspecto da qui mica ndo-lavoisieriana. © devir quimico foi durante muito tempo desprezado pela Quimica clissica, ‘A atengiio concentrou-se nas substancias, quer dizer, no ponto de partida e no ponto de chegada das trajctorias quimicas. Apenas se conhecem as substincias suficientemente estaveis para serem representadas por pontos de purtida ¢ por pontos de chegada. Meso assim, a cinética das reagdes impds-se progressiva- mente a atengao dos quimicos, mas o nimero dos Lipos cinéticos estudados conti nua a ser reduzido. Paul Renaud quereria multiplicar estes estudos: ele quereria sobretudo precisar a nogdo de operagdo, Em primeiro jugar cle desejaria constituir um quadro completo ¢ sem repeti- cio das operacdes elementares, de forma a preparar uma andilise operatoria refe- rida dis operagdes cleinentares, exatamente como a analise material se refere aos elementos quimices. Paul Renaud esforga-se em segundo lugar. ¢ é este evidentemente o trabatho mais dificil, por precisur a nogio de quantidade de operagao, de quantidade de transformacdo. No que se refere 4 primeira tarcfia, convém sublinhar uma inversiio do sim- ples ¢ do complexo que se realiza quando se passa de plana das substincias ao plano das operagdes, Uma substancia cristalina, portanto simples, ¢ 0 objeto de operagées dificeis de precisar. Pelo contririo, uma substincia amorfa, portato complexa. ¢ muitas vezes o objeto de operagdes claras. E pars fazer eompreender este paradoxa, Paul Renaud apela para a quimica biolégica. So a quimica biold- gica & complicada do ponto de vista das substincias. ela esclarece-se e simplifi- ca-se do ponto de vista das eperagies. Seja como for, apesar dos auxilios mate- riais mal doseades ov insignificantes, um érgao vivo realiza a operagdo clara que the é@ atribuida. Em condigdes materiais yaridveis entre limites muito afastados. a quimica biokdgica preserva as suas unidades operatérias, Lecomte du Nouy'® ° Lecomte du Nowy; f Homme Devant fa Science, pig. 143. CE. tambem 185.(N. do A.) 50. BACHELARD assinala justamente a constincia das tungdes organicas: “Nao existe diferenga especifica entre as fungdes (do zim ¢ do figado por exemplo) de animais muito elementares ¢ as des mamiferos superiores”, Ao ler o tratado de Quimica biolé- gica de Jacques Duclaux, ter-se-a rapidamente « impressio de que as reagdes se simplificariam se nao fossemos obrigados, pela educacdo da Quimica material, a dar uma primazia ao aspecto substancialista, se pudéssemos referir diretamente as operagées as operagdes elementares, Notemos de passagem a importancia que assumiriam as idéias de Paul Re- naud s¢ pudessem unir-se 4 teoria bergsoniana da oposigio da matéria e do impulso vital. A teoria de Paul Renaud permitiria encurtar a escala demasiado grande da visio bergsoniana, redugir a opasicdo demasiado crua entre a matéria ¢ ag fungdes do impulso. Daria uma aplicagao de certo modo cotidiann de uma curiosa tese bergsoniana, tese esta que nem sempre foi salientada como deveria ser pelos bergsonianos. A substincia surgiria como o déficit da i maté- ria como o revés da fangaio. . . Abandonemos estas interpretagdes metatisicas ¢ caracterizemos rapida- mente a segunda tarefa da filogofia quimica de Paul Renaud. Seria, pois, neces- sirio quantificar ax operagdes quimicas, determinar quanta de operagdes, gros de operagio. De uma forma mais precisa, seria necessario encontrar a quantidade de operagdo que faz com que uma operagaio se transforme noutra, Perguntamo- nos s¢ o estudo das metamorfoses em biologia nao nos forneceria meios para pre- Parar esta quantificagio. Em toda ¢ caso cis quais so, em nosso entender, os dois élos da filosofia quimica slargada: a substineia pora nio tem operagio, a operagio: pura nfo tem substdncia. Os dois pélos sao naturalmente imaginarios, Gio imagingrios quanto © ponto material ca onda luminosa; enquadram a reali dade constitulda por uma mistura de substincia e de operagio, por uma unide do espago e do tempo. Entre estes dois polos poder: ‘se-4 sempre fazer intervir o prin- eipio de Paul Renaud que afirma o cariter complementar das determinagdes substanciais ¢ das determinagdes operatérias. A descontinuidade entre as subs- tancias deve regular a descontinuidade entre ay suns propriedades, 0 que ¢ 0 mesmo que dizer entre as suas operagées. Pode, pois, prever-se uma ordenagao das quantidades ¢ do devir que duplicaria a ordenagao das quantidades substan ciais realizada pela quimica material do século passado, De qualquer modo, o ponto de vista operatério de Paul Renaud apresenta- OS uma Nova inversao da complexidade tal como Augusto Comte a havia conce- bido. © convite a ir aprender na técnica operacional recorrenda nos fendmenos bioldgicos fornece-nos uma nova prove de que a simplicidade dos elementos da cultura nao é mais do que a simplicidade de uma perspectiva, Numa determinada perspectiva, na perspectiva operacional. a biologia é mais simples do que a quimi- ca; a vida € um conjunto de operagdes purticularmente claras. Estas operagdes sfio mais diliceis de deformar do que as da matéria inerte. O nosso corpo, mistura de massas amorfas em proporgdes muito varidveis, é, como diz Paul Renaud, “um integral de operagdes relativamente bem definidas”. Referida as suas préd- prias leis operacionais, a quimica bioldgica torna-se mais clara. Ela é mais obscu- A FILOSOFIA DO NAO a Ta quando se pretends abordi-ta com fdéias simples extraidas do esiudo da qui- mica material. Entre as duas ciéncias procurou se uma continuidade, quando o que sem duvide existia era uma complementaridade. Deste modo, o problema da unidade da ciéncia foi mal colocade. Impés-se um tipo de sintesc uniforme sem s¢ pensar nos diversos principios de composicao fenomenal. Em particular, relativa- mente ds substancias. valorizaram-se as condigoes de estabibdade; pensou-se que as condigdes de estrutura decidiam tudo. imaginando certamente que se manda no tempo quando se esta bem organizado no espago. Toda © aspecto temporal dos fenémenos quimicos foi nesligenciado. Nao se reparau que o tempo ¢ ele pro- prio estruturado, nao se estudaram os comportamentos. os desenvolvimentos, as operagdes. as transformagses. .. Nesta via existem, pois, novos conhecimentos a adquirir, ‘A inversao epistemologica proposta por Paul Renaud pode, pois, ser o sinto- ma de uma dialética profunda. Ela esboga a partir de agora um aspecto novo do novo espirito cientifico. IX Ao estudar os trabalhos de Paul Renaud. verificamos sobretudo o desabro- char do nio-substancialismo nas operagdes das substincias compostas. Numa diregdo. muito diferente, mais perto. dos elementos, podemos mostrar outros aspectos assumidos pela categoria de substincia. O que caracteriza o ultra-racio- nalismo & precisamente © seu poder de divergéncia, 0 seu poder de ramificagao. Indiquemos em algumas paginas um novo ramo, Para isso vamos estudar, de ponto de vista filoséfico, os recentes trabalhos de Jean-Louis Destouches acerca da nogdo de elétron pesado, Vamos ver estabelecer-se um pluralismo coerente da nogio de massa, © que constitui uma nova vitdria do racionalismo sobre o realismo. Seguindo os ensinamentos filosdficos das nowas mecinicas, Jean-Louis Des- touches é muito logicamente levado a perguntar-se se o conceito de masse-ser nado deveria ser substituido pelo conceito de massa-estado, Nesta hipétese, nfo seria impossivel que um mesmo corpiisculs pudesse assumir diferentes estados mdssi- cos. A massa tornar-se-ia um adjetivo, um adjetivo suscetivel de tomar varias tonalidades, Veja-se quanto esta hipétese se afasia da concepgde realista vulgar que apresenta @ massa come o sintoma mais nitide. mais constant, da presenga substancial ! Tomar como um simples fato empirico a pluralidade dos estados massicos de um mesmo corpisculo equivaleria naturalmente a desobedecer & inspiragio ordenadora fundamental das novas mecanicas. O realista teria entiio uma boa sada objetando que a nogao de um corpiiseulo que possuiria, s6 por si, dois esta- dos massicos diferentes, poderia resultar da confusad dé dois corpisculos de espécie diferente, indevidamente identificados num ponto de vista particular. Em suma, aquilo que o tedrico procura, & a fungao matemAtica dnica que deve distri- buir os estados massicos diferentes num sd corpusculo. £ esta nocdo de distribut- 32 BACHELARD $40 que ¢ nova na filosofia da Fisica matematiea. Ao nada se perde do realista, seria necessirio opor 0 fede se distribui dos disetpulns de Dirac. Nesta perspec tiva. as matematicas nao extrairiam da reatidade os seus ‘coclicicntes empiricos; ofececeriam a0 reulista. ou melhor ao realizador, © conjunto dos valores bem distribuidos que a experiéncia pode realizar, Se todas estas idéias tomassem corpo, abrir-se-ia para a ciéncia uma nova era. Com efcito, como salienta Jean-Louis Destouches. as doutrinas quanticas 36 renlizaram até agora quantificagées cinemitieas. Disiribuiram posigdes ¢ velact- dades. Quando distribuiram energias foi de certo mado secundariamente, como consegiiéncia da distribuigao das velocidades. Em todo caso, as doutrinas quanticas no distribuiram massas. Accitaram as massus que a experiéncia do laboratério Ihes fornecia. A quantificagaio em que pensa Jean-Louis Destouches seria uma quantificagio interna da massa, Se se muntinha para o conceito de massa @ sua importineia primitiva, era preciso dizer que a quantificagto des estados miassicos seria, de certo modo, uma quantificagao ontolégica. Esta quantifieagdo ontolégica daria os niveis do ser. Nao ox daria empiricamente mas racionalmente, fixande a sua cortelagia num corpo racional de doutrina: niio estamos perante graus de composigdio gue se podem analisar através dos esquemas espaciais do eneaixe. Depois de se tere encontrado os Atomos nag moléeulas, os elétrons ¢ os protons no dtomo, os néutrons. os hélions, os posi trons, os déuterons no micleo, parece que “a profundidade” espacial no permite ir mais longe, J4 a0 nivel do nucleo existem anomalias da intuigao geornétrica que influem muito ingenuamente na tematica simples do corlinente ¢ conteido, Os estados massicos exigem uma outra perspectiva: o clétron pesado nao cenrém elftrons leves, Parece que a produgio de elétrons pesados depende da sua propa Bardo € que 9 seu estado massico se deve explicar por uma equacéo de propagagiio, Se tefletirmos neste pluralismo cocrente dos estados massicos, encontra- Femos nele um exemplo claro da epistemologia nio-cartesiana. Com efeito, res- salla dos principios da Fisica matemitica contempordnea que a nogdo de spin designa melhor um corpiisculo elementar do que a sua massa, Um artigo recente de Louis de Broglie tende neste sentido a provar que um méson & mais um foton pesado do que um elétron pesado. A razio determinante da distingdo entre elé- trons generalizados ¢ fotons generalizados @ a diferenga de paridade entre os spins deites elementos. Oru os spins niio se experimentam. Sio designados por conyeniéncias matemiticas. A luz pesada, de acorde com a bela expresso de Louis de Broglie, eneontra, pois, a sua designugo, nfio numa experiéncia particu Jar, mas sim numa informagio matemiitica geral. Nova prova de que as caracte- risticas dominantes do ser s40 caracteristicas que surgem numa perspectiva de racionalizagio, A verdadeira solidariedade do real é de esséncia matematica. Notemos ainda que esta designagdo matemitica contém uma dialétien que é nova na ciéneia, Com efeito, dizer que o corpasculo tem um spin. & dize: que ele Pode ter varios spins, ou melhor, & dizer que ele tem uma colecdo particular de spins, O Spin & essencialmente uma possibilidade miltipla. Um corpisculo & A FILOSOFIA DO NAQ ca caracterizado pela colegio dos seus spins, por exemplo (—1, 0. +1) ou (— +}: 86 0 héibico realista nos levaria a atribuir infalivelmente um estado de spina um corpisculo. Um corpiscule pode ter tados os spins da colegao de spins que 0 caracteriza, Exatamente 0 mesmo acontece para a massa: um corpasculd pade ter todos os estados massicos da colegao de massas que o caracteriza, Caplames uma vez mais o cardter pluralista do elemento, o carater simultancamente nao- realista ¢ nao-cartesiano da epistemologia dos elementos. Em vez do elemento com qualidades simples ¢ reais que se impde come um dado inicial, vemos surgir um método de qualificagdo simultaneamente prolixo ¢ ordenado, © antigo habito que consistia em atribuir uma propriedade especifica ao elemento ¢ contrariado pelos principivs da Fisica quantica, Por muito primitiva, que parega uma quali dade substancial — quer se trate da posigio geométrica, quer da massa do cle mento — ela nao deve ser concretamente airibuida a clemento. Por outras pala- vias, ent cada uma das suas proprivdades, todo 0 clemento & palivalente. Um elemento nao &, portanto um conjunto de propriedades diferentes como o pre- (ende a intuigdo substancialista comum. f uma colegio de estados possiveis para uma propriedade particular. Um elemento nao ¢ uma heterogeneidade conden- sada. & uma homogeneidade dispersa. © seu carater elementar ¢ demonstrado pela cocréncia racional que resulta de uma distribuigio regular dos seus estados possiveis. © clemento é, pois, uma harmonia matematica, uma harmonia racional, per- que é uma equagio matematica que distribui os estados possiveis. A maior parte das vezes ubtém-se esta equagdo matematica estudando uma propagagao, uma transformagio, uma operagao, em suma, um devir, Mas este devir ndo depende da deserigfo: depende da normalizacao. Para valer 0 seu nome, qualquer ele- mento deve trazer a marca desta normalizaglo. Deve ser preparado; deve ser escathide; deve ser aferecido pelo matematico. Vemos, pois. surgir nas ciéncias fisicas a oposicao do descritive e do normativo. A atribuigio de-uma qualidade a uma substincia era outrora de ordem deseritiva, O real tinha apenas que ser mos- trado. Fra conhecida desde que fosse reconhecido. Na nova filosofia das ciéncias € preciso compreender que a atribuigdic de uma qualidade a uma substincia é de ordem normativa. A atribuigio fixa possibilidades coerentes. © real é sempre um objeto de demonstragao. E evidente que a utilizag’io normativa da nogdo de substancia é ainda muito restrita. Na sua utilizagSo usual, a substincia continua a ser pretexto para descri. gdes andrquicas. Mas o interesse pragmatico ndo decide do interesse filoséfico. Se todo o fildsofo instruido pelas recentes conquistas do pensamento filosdfico qui- sesse fazer o perfil epistemolégico da sua nogao de substancia, reconheceria que ao lado de uma enorme “banda” realista surgem uma régide eacional e uma yegiao ultra-racional em que a categoria de substincia esta dialetizada e normali zada. A unidade da substancia, que uma ontologia primitiva supunha indiscu- dvel. ja nie é mais do que uma visio esquemAtica que muitas vezes impede de ordenar o pluralismo dos estados diferentes de substincia. Para uma filosofia que, como convém, parte de regras metodolégicas, a substancia deve ser um 34 BACHELARD plano de observagaa: deve dispersar, de aeardo com uma regra precisa, o con- junto das suas observdveis, ay diferentes casos da sua observagao. Uma subs- tancia € uma familia de casos. Na sua unidade. ela & essencialmente um plura- lismo coerente. Parcce-nos ser esta a ligdo metalisica que deve ser extraida dos métodos de Dirac. x Desenvolvendo uma filosofia do nao-substancialismo. consegiir-se-ia sem se dar por isso dialetizar a categoria de unidade: por outras palavras, conseauir-se- ia, por este caminho, melhor fazer compreender o carater relativo da categoria de unidade. De fato, uma das modificagdes mais importantes trazidas pela fisiea quantica fenomenologia foi o rapido enfraqueeimento da nogdo de individua- lidade objetiva, Como mostram claramente Einstein ¢ Infeld, a ciéncia Qquantica “trata apenas de conjuntos ¢ as suas leis referem-se a multiddes ¢ nao a indivi- duos”,"? Einstein e Infeid retomam um pouco adiante a mesma formula ¢ acres- centam: na fisica quantica “ndo se descrevem propriedades mas sim prababili dades: ela nio formula leis que desvendam o futuro de sistemas. mas Iels que regem as variagdes das probubilidades no tempo ¢ que se referem a grandes con juntos de individuos”, Compreender-se-ia mal esta fisiea de multidéa se se visse nela uma espécie de “socializagiio” da fisica, se de repente se fizesse do socidlogo o mestre do fisi co. Se a fisica contemporsnes utiliza a estatistion, podemos estar certos de que ela the vai pluralizar os métodos. De fato, foi o que aconteceu com 04 diversos prin- Gipios estatisticos de Bose, de Einstein, de Fermi, Mas esta multiplivagao de certo modo horizontal que coloca as estatisticas umas ao lado das outras esta talvez a beira de ser ultrapassada por uma multiplicagao em profundidade que levaria a dialética a0 proprio principio de qualquer dautrina probabilistica. Tentemos fazer pressentir a importdncia filoséfica desta revolugao. De ha dez anos para ca, as concepgdes mais ousadas no que ve refers & informagio probabilistica da localizagao afirmavarm todas que uma probabili- dade devia ser necessariamente positiva ou nula, Recusava-se energicamente con- eeber uma probabilidade que fosse negativa. Todas as vezes que uma teoria encontrava Tungdes que designassem probabilidades negativas, considerava-se imediatamente como um dever modificar a teoria para eliminar este “absurde”. Eis no entanto que enfraquecem as razdes desta exclusio. E 0 que demonstra Louis de Broghe:'* “Quanto ao problema da probabilidade de presen. ¢a, ele Surge atualmente a uma nova luz gragas ao desenvolvimento progressivo da teoria geral das particulas com spin qualquer: esta teoria mostra, com efeito, que pars qualquer pardcula com spin superior a + (eni unidades quanticas 2) por exemplo para'o méson relativamente ao qual se cancorda em atribuir o spin 17 insti ¢ Infel, £ vation des tdées en Physigae, pip. 287 ¢ 289.(N.do A.) 1* Louis de Rroglie, Récents Progrés vans 4a Thtorte dex Photons o Autres Particules. in Revine ie Atécaphysigue ct de Morale, janciva We 1980. pag, 6.(N-€0 A.)

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