Você está na página 1de 258
- Bergson Os Pengadorés Bergson “Ha uma realidade, ao menos, que todos agreendemas de dente, par | imuigae: © nae por simples anatise. £ nossa prdpria pessoa om sou fluir atra- vés do tempo. £ nossa eu que dura. Po- | demas nao simpatizer intelectualmen- te. ou melhor, espiritualmente, com | nenhuma outra coisa. Mas simpatiza- ‘mg§, seguramente, conosco mesmas, ” HENRI BERGSON; Invcoducio 2 sera fisiea. A intuigde metafisica, embora sé possamos chegar a cla pela forca dos conkecimentss materiais, ¢ coisa total. mente diferente de um reumo vu de uma sintese de conhecimecto. Deles se distingue como 9 impulso motriz distingue do caminho percaride pelo mevel, como a tensie do elistice se distingue dos mavimentos visiveis do. péndulc. Neste sentido, a metafisica nada tem em comum com uma gener, lizagac da experiéncia e¢, entretanto, ela se poderia defini come a experién- cla imegral.” | HENRI BERGSON: Jewedugda 3 Meta. Fisica. “Sob as palavras @ sob a frase ha algo de muito. mais simples que uma frase e mesmo que ums palavra: o sen- tid, que @ menos uma coisa pensada do qu2 um inovimenta de pensamen- 10, menos um movimento do que uma direcao.”” ENR! BERGSON: A intui¢do Mlosdit- ca lem © Fensamienio © 0 Moventel, “Somente no homem, sabretude nos meihores dentre nds, o movimen- te vital prossegue sem obstaéculo, lan~ gando através desta obra de arte que & © cafpa humano, e que ele cricu de passagem, a Corrente indefinidamente ciadora da vida moral. © homem, le- vado incessantemenke a se apoiar na tolalidade de seu passedo para avaliar rang mais penetrantemente © seu fulu- ro, & 0 grande éxito da vida.” HENRI BERGSON. A conscincia ea vida fem A Energia Espicituad, Os PensadoréS 83-1650 CIP-Driasil Catalogacia-na-Publicaga Cimart Brasileira do Livro, Bergson, Henri, (859-194) its, Conferénclas © outros weeritos / Henri Bergson | selecto de textos de Franklin Leopildo ¢ Silva; traduedes de Franklin Loopol- & Silva, Nthenc! Cascio, — 2. ed, — Sho Paula: een) Cultural, Joa (Gs pensadtores) dnclui vidi e obra de Berson, Bibliografia. 4. Filosofia religiao 2. Filosofia francesa 3, Intuigo 4. Mugunga (Fi ‘evolia) 3. Psicologia 1. Silva, Franklin Leopoldo e, I. Tiulo, Il. Senne eDD-143 194 “16 “130 200.1 Indices para caudlogo sistemiético: > Bergsonismo: filosufig 143 losofia ¢ teligiio 200.1 ‘losofia francesa 1d . FilGsnfos franceses 194 - Intuigho: Filosulie 13 - Mudanca: Filosofia 116 + Psicologia 150 Pe ene HENRI BERGSON CARTAS, CONFERENCIAS E OUTROS ESCRITOS Selegio de textos de Franklin Leopoldo ¢ Sitva ‘Tradugées cle Franklin Leopoldo ¢ Silva, Nathanael Caxeiro EDITOR: VICTOR CIVITA ‘Titolo aviginaist “Letwes a Willen Tames” (de Herts 42 Pardes) “Introduction & ia Metaphysique™,**L’cuition Pilesophique’’; “La Pensde et Te Mouvant — Introduction" (de Lo Pensde of le Moxa) ‘Lae Cervean ot In Pemsde": “La Conscience et la Vie", "L “Ame et ‘Comps (de L Gncrgle Spiriaette) ‘Les Direesions Diyergertes de la Evolution de Ia Vie — Torgeur, Intelligence ct Instinct (de Cvohaion Créatrice) “Remaques Finales Mechanique e: Mystique’ (de Les Deice Sources de ta Mdorate et ce fa Relégiou © Copyright des edigdo, Abril $.A, Cultunil, Sao Paulo, 1979, — 2." euigdo 1984 Textns publicados sob licenica de Pressex Universitaires le Prance, Bari (Cartas a Wilhaim James; feraduseo & Metafisice: © Cérehira co Pensamenta: A Intuigiio Filorefica: A Comeitneia £4 Vile: A Alma ¢-0 Corpo e 0 Pensamente ¢ 0 Misente — harudurdo) de Presses Universitaires de France, Paris ¢ Zahar Editorcs $.A., Rinde Janeiro 4A Fvolapair Criadiva e Ay Buns Ionten le Maral ses Relighicd, “Tradugtic publicadsy sob liceng de Zab Edilares 3.A,. Rio de Janets (A Broiagi Cradona © As Duss Fences ta Moral ¢ da Religidy), ireitos exchusivos sabe as demais traduties deste volun, ‘Abril §.A, Cultural, $80 Punts Dirsitos exelasivos sobre “Bergson — Vidu e Obru’*, Abril $.A. Cultural, Six) Paulo, BERGSON VIDA E OBRA ‘Consultorla; José Américo Motta Pessamlaa ih MA esséncia da filasofia ¢ © espirita de simplicidade. Quer enca- Femos 0 espitita filosética nele mesmo ou em suas obras, quer comparemos a filesofia 3 citncia ou uma filosofia as demais filo- sofias, sempre verificamos que a complicagao ¢ superficial, a constru- 40 um acessério, a sintese uma aparéncia: filosafar 6 um ato sim- ples.” Essa afirmativa de Henri Bergson, numa conteréncia proferida, em 1911, sobre a intuigSo filosdfica (inclulda depois numa de suas obras principais, La Pensée er lo Mouvant), encerra uma das teses con- trais do pensamento bergsoniano; a importincia © a peculiaridade da visdo filosdfica, Numa época em que o avango @ a éxito das investiga- g6es cientificas ditas positivas pareciam tornar absoletas as indaga- gGes © sobrotude a forma de resposta filoséficas, Bergson exalta ¢ ino- va a metatisica. Aa mesmo tempo, pretende ampliar o dominio da in- vestigacdo psicoldgica, propondo — para além das rotinas ¢ dos me= sanismos associativos do “eu superficial" — a sondagem do “eu pro- fundo", duracae pura ¢ irreversivel, permanente mudanca qualita va, itrepetic¢ao continua, Contrapendo-se as teses deterministas apoi das no clentificismo reinante em seu tempo, apresenta-se coma defer sore reformulader do livre-arhitrio humana, apantanda o herdi ¢ o mistico como modelos de abertura e de liberdade no campo da moral ¢ da religido. E ao evelucionismo materialista, que vigorava desde a segunda motade do século XIX, responde com’ uma cancep¢do espiri twalista de evolugsa: a “evolugae criadora”, “Cada pessoa ¢ uma especie de criagao” Henri-Louis Bergson nasceu em Paris, a 18 dé outubro de 1859. Iniciow seus estudos no Liceu Condorcet, reyelando-se aluno brilhan- te tanto nas letras como nas ciéncias. Em 1876, jd atraido pela filoso- fia, ingressa na Escola Normal Superior. Tr’s anus depois, ¢ designa- vill BERCSON do professor do Liceu de Angers. Em 1863, aceita o convite para Ie- cionar filosofia no Liceu de Clermont-Ferrand, onde permanece du- rante cinco anos. Nessa época publica uma selecao de textos de Lu- srécio (Extralts de Lucréce), livro destinado ao ensino secundério. Em 1888, conclui suas duas teses — uma francesa e outra latina — ¢ vai Para Paris, lecionar na Liceu Henri IV_A tose latina era sobre a nocdo de lugar em Arist6teles (Quid Aristoteles de Loco Senserit): a dutra te= se, denominada Essai sur les Données Immédiates de Iz Conscience (Ensaio sobre os Dados imediatos da Consciéncia), provocou admirae S80 nos meios filosdficas franceses ¢ garantiu desde logo 0 Drestigio de Bergson, Professor excepcionalmente brilhante, a dedicagao ao magistério ndo impediu que Bergson prosseguissé a construgdo de sua vasta obra. Assim, em 1897 publica Matiére et Mémoire, Essai sur Jz Reta ton der Corps et de l'Esprit (Matéria e Meméria, Ensaio sobre 2 Rela- gao entre 0 Como e 0 Espirito). No ano seguinte, torna-se “mestre de conferéncias” da Escola Normal Superior, onde permanece até 1900, quando passa 2 ocupar uma cétedra de filosafia no Colégio de Fran. ga. Nesse mesmo ano, publica Le Rire, Essair sur lo Signification du Comique (O Riso, Ensato sobre a Significagso do Cémica), Nos primeiras anos do século XX Bergson conhece William Ja- mes (1842-1910), célebre psicdlogo e filésefo de Harvard. Nasce en tre as dois uma solida amizade, apesar das diferengas entre a filosofia go pensador francés ¢ a do americano. Nessa época, Bergson publica uma de suas obras principais, L'Evolution Créatrice (A Evolucae Cria- dora). Seu prestigio cresce, levando-0 a participar de varios congres- Sos fa Franga # no exterior. Aa mesmo tempo, a intensa atividade in- telectual traduz-se em diversos trabalhos que redige para a Revue de- Métaphysique et de Morale, para a Revue Philosophique, para 0 Vo- cabulaire Philosophique, de André Lalande (1866-1964), e para ou- twas publicacoes especializadas, da Franca e de outros paises, Em 1912, Bergson viaja aos Estados Unidos para proferir um cur- 50 sobre “Espiritualidade e Liberdade", na Universidade do Colimbia (Nova York). Em 1914, com a saide j4 abalada, afasta-se temporaria- mente de sua cétedra no Colégio de Franca, sendo substituido por Edouard Le Roy (1870-1954). © mesmo Le Roy ira substitui-la defi vamente, quando Bergson, em 1921, renunciar ) edtedra, devido ao agravamento de suas condicées fisicas. Apesar da intensa atividade intelectual, Bergson ndo se deixou fi- car a margem dos acontecimentas ligados 4 guerra de 1914/18. Colo- oust a servigo de seu pals © recebeu diversas missdes na Espanha e fos Estados Unidos, © ano de 1914 assinalou também sua admissio a Academia Francesa, A criagdo da Sociedade das Nacdes, em 1919, amplia o campo de interesses © de atividades de Bergson. Passando a calaborar nessa Organizagao, velo a presidir a Comissio de Cooperacdo intelectual. Ainda em 1919, publica L’Energic Spirituelle (A Energia Espivituall, cov letanea de escritos que focalizam, entre outros, 05 temas da conscians cia @ da vida, 4 relacao corpo © alma, o sonho, a relagso entre eéro- bro ¢ pensamento, Anos mais tarde, em 1922, publica Durée vt SI- multaneité (Duragao e Simultaneidade!, obra que revela a repercus- Sho em seu espirita das revolucianarias teses de Einstein (1879-1955). VIDAEOBRA IX Apesar de enfraquecido pela doenga, Bergson nav abandona o trabalho intelectual. Fm 1932, publica Les Deux Sources de la Mora- le et de la Religian (As Duas Fontes dz Moral e da Religido) c, dois anas mais tarde, Le Pensée et le Mouvant (O Pensamenta e a Maven- te}, nova coletanea de textos, alguns inéditas. Esses dois livros contir- maram a. prestigio filoséfico de Bergson. Mas a reconhecimenta de sua grandeza como fildsofo e escritor jd havia sido expresso, desde 1928, pelo Prémi Nobel de Literatura que lhe foi conterido. Na fase final de sua vida e de sua cbra, Bergson manifestou cres- cente aproximacde da doutrina crista. Sua origem judaica, entretanto, parece télo impedido de converter-se oublicamente aa catolicismo, nao desejande abandonar seu pave num momento em que este vivia entre ameagas & perseguicdes. Bergson morreu em 1941. Os fundamentos de um novo espiritualismo © pensamenio filoséfice das Gitimas décadas do século XIX e do camego do século XX esteve em grande parte daminado pela tendén- cia positivista e cientificista: somente seria legilime o conhecimento canstruitto 4 semethanga das ciéncias consideradas positivas; cientili- ‘cas seriam apenas os dacos empirica e diretamente observiveis, passi- veis de mensuragao © capazes de serem situades numa cadeia rigoro- sa de causas ¢ efeitos. O edificio todo da ciéncia aparecia regido por férta0 determinism, nao dando margem a qualquer arbitrio (divine ‘au humano} ou a0 impenderdvel, Tambgm os fendmenos psiquicos passaram a receber esse tratas mento objetivista e foram submetidos 4 medigdo. Pierro Paul Broca (1824-1880), cirurgiéo francés, anunciara a descoberta, no cérebro, da centro da linguagem articulada. Por outro lado, a psicélogo ale. mao Gustav Theodor Fechner (1801-1887) publicou, em 1860, sous Elementos de Psicofisica, onde propunha a quantilicagag dos fendme- nos ipsicolégicos. Fechner, desenvolvenco uma linha de investigagio id _explorada por outro psicélogo alemao, Ermst Heinrich Weber (1795-1878), formutou a lei Weber-Fechner, segundo a qual qual- quer sensacao seria ditetamente proporcional ao legaritma de seu est mulo, A descoberta de localizagées cerebrais para fungdes psiquicas ¢ 95 avancos da psicofisica pareciam definitivamente objetivar o mun- do. subjetive @ materializar as atividades tradicionalmente consider: das espirituais. O determinisma eo materialisme pareciam ter venci- do © velho combate com o espiritualisma; cléssicas questées metafisi- €25, como a da relagia entre compo c alma, pareciam agora supera- das. As reacdes a0 cientificismo triunfante ou assumiram feicdes irra Clonalistas — tejeicdo da razdo ¢ da ciéncia, exaltado fideismo otc, =, au insistiram, Coma em Emile Boutroux (1845-1921), na impossi- bilidade de se fazer da psicologia uma ciéncia da natureza, uma vez que a introspeccaa, a experiéncia interna, revelaria a liberdade inc- rented vida psicoldgica, E em presseguimento ao “positivisme espiri- tualista’’ de Jules Lachelier (1832-1918) e de Boutraux que pode ser si- tuado © pensamente bergsoniano, Sua grande originalidade esti, de x BERCSON saida, em reabrir o debate com matetialisias @ deterministas a partir das nogdes mesmas que, na época, pareciam dar farga As posigdes que eles defendiam: a de medida em psicologia ¢ a de redugao do mental ou do espititual ac cerebral. Desde sua obra Os Dados Imediatos da Consciéneia, Borgsan mostra que, se desembaracamas os dados de nossa experiéncia inter- na de todas as construcoes através das quais os exprimimos tanto na linguagem corrente quanto na linguagem cientitica, eles aparecem co- mo aquilo que verdadeiramente a0 enquanto dados imediatos, ou se- ja. como pura qualidade e nao como quantidade, no mais como jus. taposigao de unidades homogéneas ¢ quantificaveis, mas com o pro- gressa na heterogeneidade © mutagdo continua. Na verdade, Bergson faz muito mais do que repetir 0 apelo do espiritualisme tradicional & consciéncia interior: na linhagemy de Berkeley (1665-1753), prega o fetorna ao “imediato”, Reconhece os obstéculos que esse retomo tem de enfrentar, mas nao identifica as dificuldades dessa valta a vida interior com entraves de natureza moral, como geralmente faz a espi- fitwalisma corriquelro @ simplérie. Para Bergson — ¢ ¢ 0 que da con- sistencia e profundidade 4 sua posigdo —, a dificuldade om se apreen- der a consciéncia interna enquanto imediata ¢ enquanto pura qualidas de mutante reside na prépria natureza da inteligéncia. O que a inteli- gincia faz é medir, mas medir supde a existéncia de unidades homo. géneas © comparaveis, coma as do espaco geométrico. Buscando apreender ¢ explicar os estades de consciéncia, a inteligéncia leva- da entio a espacializar © que puro fluxo qualitativo, puta duragao, A propria linguagem, ao nomear os estados de consciéncia, permite que eles sojam figurados como separados. representadns coma numa sucesso espacial, seriadas ou adicionados como unidades homoge- peas. A psicofisica de Fechner, mostra Bergson, depende da elimina: a0 do aspect qualitative dos fendmenos psicologicos; samente as. sim a igualdade, a adigéo e a medida desses fendmenos tarnam-se possiveis. O eu superficial eo cu profundo Bergson afirma que a inteligéncia, a elaborat conceitos @ ao tra- balhar analiticamente, fragmenta, espacializa e fixa a realidade que, nela mesma, & continua mudanga qualitativa, puro tornarso. Mas, por outro lado, reconhece que essa forma de atividade intelectual, ti pica do “ou superficial”, € aquela que possibilita a ciencia © a pro- pria sobrevivéncia do homem: esta voltada, portanto, para o dtil eo comodo, permitinde nao apenas a construgia de simbolos © calcu los, como também a criago de mdquinas ¢ utensilios. A atividade do intelecta gerador de cenceitos @ de indole pragmatica, fazenda com que © homem seja 6 home faber que damina a natureza e a poe a seu servigo. Em contrapartida, a conceite deixa escapar a nalureza mesma do objeto concreto. O conceito — come mostra Bergson na Int do a Metafisica (om O Pensamento eo Movente) — "56 pode simbolizar uma prapriedade especial tornando-a comum a uma infinidade de coisas”; assim, cada conceito “retém do objeto apenas a que ¢ co- VIDA EOBRA x mum a esse © a outros objetos’. A inteligéncia que se move no plano das absiracties esté fadada, portanto, 2 permanecer no nivel das refa- gdes entre os objetos, sende incapaz de apreender o que cada objeto tem de essencial ¢ de prdprin. Esse essencial © esse proprio é que inte- fessariam aquilo que Bergson entende por metafisica: ndo a tessitura de abstracdes, mas.o mergulho — para além da teia dos simbolismos da linguagem — na intimidade do real concreto, 9 reina da durag3o pura. Para isso tora-se necessario utilizar outra forma de aborcagem © apreensio do real, que comunique diretemente a intimidade do su- jeito, 0 “eu profundo”” — duragaa pura — com a intimidate do obje- to concreto @ singular, também pura duragao. Essa forma de contalo cu de “simpatia”, sem mediagées, entre sujeito « objelo é o que Bergson entende por intuigde, visao que mal se distingue do objeto vista, conhecimento que chega A coincidéncia, Ac contritio da andli- 88, que multiplica indefinidamente os pontos de vista temiande. com- pletar a representagao do objeto, a intuigda. colaca-se no prdprio obie- to. E, a contririo do concelto que espacializa a duragio real ¢ estag- fa 9 movimento (reduzindo-o ao espace, 2 trajelérial, a intui¢ao, des- tituida de motivos utilitaries, permitiria a apreensdo do que 6 vida, di- hamismo, mudanga qualitativa, duragio, criagdo. Por isso, a metafi ca — que nio deve ser vista come mera jogo de idéias abstratas, mas como “ocupacde séria do espirito” — teria na intuigéo seu método adequado. Bergson recanhece que os conccitas séo indispensdveis metafisica, na medida em que esta nio pode dispensar as outras cién- sias, que todas trabalham com conceitos; mas reconhece também que a metafisica sé é propriamente ela enquanto se liberta dos concei- tos jd prontos © cansagrados pelo habito, para criar “representacoes flexiveis, moveis, quase fluidas, sempre prontas a se moldar pelas for- mas fugidias da intuigio’. Assim, a linguagem da metalisica — como © préprio Bergson exemplificou de modo admirdvel — ndo pode ser construfda com conceitos que espacializam a duracao, coagulam o devir, matam o que é vivo: a linguagem da metafisica tem de apelar hecessariamente para o poder sugestive das metaforas, utilizando o “literdrio” cle moda a que os jogos e a convergéncia'de imagens pre- parem e suscitom a intuicao. ‘A meméria-habito e a meméria-recordacao Por tras das cristalizagdes ¢ das aperentes situacées descontinuas do eu superficial, © eu profunda flul como uma unidade em perpétua mudanga. Mas esse progresso na continuidade supée uma atividade unificadora: a meméria. Bergson chega a dizer que “a duragao inte flor é a vida continua de uma memdria que prolonga o~passada no presente”. Considera entretanto fundamental distinguir entre dais ti- pos de memiria: a memiria-hdblta @ a meméria-recordacdo. A pri- meira repete e toma presente o efcito pratico de experiancias passa- das (como quando se repete de cor um texte anteriormenté lida); a se gunda, a mémoire souvenir, reproduz o passado enquanto pasado, revivendo-o (como quando se recorda das circunstancias em que sc leu aquele texto pela primeira vez). A meméria-recordacéa "registra, sob a forma de imagens-lembrancas, todos os acontecimentos de nos-

Você também pode gostar