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PERICORONARITE E INFECÇÕES

DAS VIAS AÉREAS SUPERIORES: revisão

Pericoronitis and upper airways infection: a review

Heloisa Nogueira Duarte1, Fábio Ricardo Loureiro Sato2, Márcio de Moraes3


1
Cirurgiã-Dentista, Piracicaba, SP - Brasil.
2
Mestrando em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofaciais Faculdade de Odontologia de Piracicaba – UNICAMP, Piracicaba,
SP - Brasil, e-mail: fabio.sato@fop.unicamp.br
3
Professor Adjunto da Área de Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofaciais Faculdade de Odontologia de Piracicaba –
UNICAMP, Piracicaba, SP - Brasil.

Resumo
As infecções das vias aéreas superiores, em especial as faringites e tonsilites, estão entre os principais
problemas de saúde das populações dos países desenvolvidos. As pericoronarites também são de alta
prevalência na Odontologia. A ocorrência simultânea dessas condições em diversos pacientes levou à
formulação da hipótese de haver uma relação entre ambas as infecções. A literatura sobre o assunto é
escassa, sendo que os trabalhos geralmente versam sobre a identificação das bactérias presentes em
ambas as infecções. Os resultados apresentam semelhança entre as bactérias. Sugere-se, assim, uma
relação entre ambas as infecções, principalmente devido à proximidade das áreas, sendo que tanto as
regiões de terceiros molares como as vias aéreas superiores poderiam funcionar como sítio primário
da infecção. Nesse trabalho, apresenta-se uma revisão da literatura sobre o assunto.
Palavras-chave: Infecções; Pericoronarite; Tonsilites; Faringites; Microorganismos.

Abstract
Upper respiratory tract infections, especially pharyngitis and tonsillitis, are one of the main
health problems in industrialized countries. Pericoronitis is also an oral disease with very high
prevalence in dentistry. The simultaneous occurrence of these conditions in some patients led
some professionals to formulate the hypothesis that both infections could be connected. Literature
about this issue is rare, and the researches are usually about the identification of similar bacterias
in the infections sites. Based on the revision of this research, the upper respiratory tract infections
and pericoronitis have a relationship based on the proximity of the areas and the similarity of
the bacterias type, and both the third molar region and the superior aerial tract could be the
primary infection site. A literature review about this subject is presented.

Keywords: Infections; Pericoronitis; Tonsilitis; Faringitis; Microorganisms.

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INTRODUÇÃO Baseado nesse fato, objetivou-se, com


este trabalho, uma revisão da literatura, para verificar
A exposição aos agentes poluentes e as possíveis interações entre infecções envolvendo
alérgenos aos quais a população é submetida é os terceiros molares e as vias aéreas superiores.
causa de elevação da incidência de infecções do
trato aéreo superior.
A literatura especializada estima que METODOLOGIA
anualmente a população dos países industrializados
seja acometida aproximadamente de dois a quatro Revisão sistemática da literatura, bus-
episódios de infecção comprometendo as vias cando, nas principais bases de dados, artigos que
aéreas superiores ao ano (1, 2). Essas infecções estudaram o assunto. Além disso, para ilustrar a
são predominantemente faringites e tonsilites. matéria, realizou-se revisão sobre a etiologia,
As infecções na região dos terceiros principais sinais e sintomas e tratamento de
molares têm prevalência similar, em especial as pericoronarites, tonsilites e faringites.
pericoronarites. A pericoronarite é uma das
infecções de maior prevalência na boca,
estritamente relacionada com o processo de REVISÃO DA LITERATURA
erupção dos terceiros molares, principalmente os
localizados na mandíbula (3). Pericoronarite
Alguns autores levantaram hipóteses
relacionando a ocorrência de pericoronarite com A pericoronarite pode ser definida como
infecções das vias aéreas superiores. Essa hipótese um estado inflamatório de caráter infeccioso ou
foi inicialmente baseada em constatações não, envolvendo o tecido mole localizado ao
empíricas da prática clínica dos profissionais, redor da coroa de um dente, geralmente um
que perceberam correlação entre a ocorrência de terceiro molar inferior em processo de erupção
ambas as infecções em seus pacientes. ou semi-incluso (4).
Apesar de poucos estudos sobre o Sendo assim, dever-se-ia esperar uma alta
assunto, fato este que perdura até o momento, prevalência de pericoronarites durante a erupção da
algumas hipóteses sobre possíveis causas dessa primeira e segunda dentição. Entretanto, esta doença
correlação foram levantadas. raramente ocorre neste período, sendo a incidência
A primeira hipótese atribui o fenômeno aumentada somente na adolescência tardia até a
à proximidade anatômica entre os locais de juventude, durante o tempo de erupção dos terceiros
infecção: o local primário poderia originar essa molares (5).
infecção para outros locais. Dessa forma, tanto a Os terceiros molares muitas vezes
periocoronarite como a tonsilite/faringite apresentam dificuldade na erupção, que
poderiam ser a origem que, após determinado normalmente ocorre entre os 18 e 25 anos de idade.
período, poderiam infectar áreas adjacentes. Em um estudo realizado por Nitzan et al. (5), no
Baseado nesse princípio, as espécies qual foram avaliados 245 casos, alta prevalência de
bacterianas envolvidas deveriam então apresentar pericoronarite foi encontrada em grupos na faixa
semelhanças ou identidades. A existência de cepas etária de 20 a 29 anos, com 81 em 245 casos. A
bacterianas semelhantes em ambas as situações é doença foi raramente vista antes dos 20 anos e
fator favorável para sugerir correlação entre as depois dos 40 anos. Em 95% dos casos afetados, a
infecções, somado ao tempo temporal (infecções doença foi localizada na região de terceiro molar
simultâneas ou temporalmente próximas). inferior, enquanto os 5% restantes em outros locais.
Baseado nesse princípio, as espécies A superfície oclusal do dente afetado é
bacterianas envolvidas deveriam então apresentar freqüentemente revestida por um tecido gengival
semelhanças ou identidades. A existência de cepas denominado opérculo, o qual favorece o acúmulo
bacterianas semelhantes em ambas as situações é de alimentos e proliferação bacteriana (cresci-
fator favorável para sugerir correlação entre as mento microbiano ativo). Além do incômodo
infecções, somado ao tempo temporal (infecções causado pelos sinais e sintomas clínicos, como
simultâneas ou temporalmente próximas). dor, sangramento, halitose e trismo, há risco de

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resultar em complicações devido à disseminação e porphyromonas). Demonstraram que a microbiota


da infecção. Em algumas situações mais graves, os associada à pericoronarite é muito semelhante àquela
nódulos linfáticos adjacentes podem aumentar de encontrada na doença periodontal.
tamanho e pode ocorrer trismo mandibular...
A pericoronarite também pode surgir a Tratamento
partir de pequenos traumas ocasionados pelo
terceiro molar superior sobre a mucosa superficial O tratamento para a pericoronarite varia
que recobre o terceiro molar inferior parcialmente de acordo com o grau da infecção que atinge os
incluso, deixando-a edemaciada, o que favorece tecidos periodontais. Nos casos onde a
ainda mais o traumatismo nessa região. Esse pericoronarite está restrita e bem localizada, sem
ciclo só é interrompido com a remoção do terceiro exsudação purulenta e sem dor forte, acompanhados
molar superior. A outra causa de pericoronarite é de febre, linfonodos palpáveis, mal-estar, o
a retenção de alimentos em uma bolsa entre o tratamento a ser adotado é conservador: debrida-
opérculo e o dente parcialmente incluso. Como mento e irrigação local, visando sanear a bolsa
essa bolsa é de difícil higienização, ela é invadida periocoronária, com digluconato de clorexidina
por bactérias, iniciando a pericoronarite. 0,12% pelo menos duas vezes ao dia. Alguns autores
Quando corretamente tratada, o processo propõem como substâncias alternativas para a
dura normalmente apenas alguns dias; porém, irrigação o soro fisiológico morno, ou água oxigenada
quando negligenciada, há um risco potencial de a 10 volumes (em pequenas quantidades, para
disseminação para outras estruturas adjacentes. embrocação), porém todos de menor efetividade
Na análise radiográfica, normalmente que a clorexidina.
observa-se uma sombra radiolúcida ao redor da Nos casos onde a pericoronarite é mais
coroa, correspondendo ao folículo, localizando- severa, é necessário antibioticoterapia, além do
se a respectiva perda óssea determinada pela tratamento já proposto anteriormente. As penicilinas
infecção geralmente na face distal da coroa do são os antibióticos de escolha, em especial a
terceiro molar inferior. amoxicilina. Em casos de maior gravidade ou que
não respondem inicialmente, acrescenta-se
Microorganismos na pericoronarite metronidazol, por sua ação contra anaeróbios restritos
e bactérias produtoras de beta-lactamases (10).
Os microorganismos na pericoronarite Para os pacientes alérgicos à penicilina, o
são basicamente os mesmos que estão presentes antibiótico alternativo é a clindamicina, efetiva contra
na placa dental, ou seja, ela é causada pela bactérias anaeróbias; porém, o uso prolongado deve
microbiota indígena que é encontrada normalmente ser cauteloso, pois são de elevada toxicidade e há
na cavidade bucal. Trabalhos (6, 7) demonstraram risco de colite pseudomembranosa. As cefalosporinas
a presença nos sítios de pericoronarite de não são alternativa devido à sua menor ação contra
anaeróbios gram-negativos e formas móveis de anaeróbios quando comparados com a penicilina; a
espiroquetas. Além dessas cepas de bactérias, tetraciclina também não é indicada devido à rápida
outras colônias foram identificadas, como de formação de patógenos resistentes (11).
fusobacteria, bacteróides, peptococus, pepto-streptococcus, Após a fase aguda, impõe-se tratamento
actinomyces, treponemas, selenomas e eubactérias. definitivo para evitar a recorrência da infecção, que
Outros autores demonstraram que as pode ser realizada de duas formas: exodontia do
espécies causadoras de pericoronarites são dente envolvido ou a ulectomia, que consiste na
semelhantes àquelas encontradas na microflora de retirada do opérculo que recobre o dente.
pacientes com gengivite e periodontite, com exceção Normalmente, a extração é o tratamento de escolha
das espécies Porphyromonas gingivalis, que são por ser definitivo e com resultados 100% favoráveis
raramente encontradas nas pericoronarites (8). na prevenção da reincidência da infecção.
Gaetti-Jardim e Pedrini (9) estudaram a Ocorrendo traumatismo crônico causado
microbiota anaeróbia presente nos casos de pelo dente antagonista ou se não existir espaço
pericoronarite. Anaeróbios obrigatórios foram os para que os dentes venham a ocluir, indica-se
mais encontrados, em especial fusobactérias e desgaste das cúspides ofensivas ou mesmo a
bastonetes produtores de pigmentos negros (prevotella extração do antagonista.

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Complicações das pericoronarites Quando a pressão aumenta muito, o pus


toma uma das várias vias possíveis e entra em
O maior risco das pericoronarites é o outro espaço. A via mais comum é o local onde os
comprometimento de estruturas adjacentes pelo vasos faciais perfuram a fáscia cervical e músculo
espalhamento da infecção pelos espaços fasciais. platisma em direção ao espaço subcutâneo. Outra
As infecções que acometem a região do terceiro via é em direção ao espaço sublingual, ou ainda
molar, principalmente quando estes se encontram acompanhando a veia retromandibular em direção
em posição horizontal ou mesioangular, podem se à glândula parótida. Pode também se abrir no
espalhar posteriormente ao músculo milo-hióideo espaço parafaríngeo ou no infratemporal.
e atingir o espaço ptérigo-mandibular, entre o Do espaço parafaríngeo a infecção pode
ramo da mandíbula e o músculo pterigóideo medial. descer à cavidade torácica ou alcançar a base do
A partir desse espaço, podemos ter uma crânio por meio de seus forames. Felizmente, isto
comunicação com o espaço parafaríngeo. Pacientes é raro. A propagação das infecções bucais a
com abscessos no espaço pterigomandibular não regiões profundas da cabeça e do pescoço
mostram evidência externa de edema. Entretanto, constitui somente uma mínima parcela dos casos.
o exame intrabucal revelará uma saliên-cia do Outra possível complicação das infecções
palato mole e do arco palatoglosso, com desvio da que atingem o complexo maxilofacial são os
úvula para o lado não-afetado. O abscesso empiemas. Esses são caracterizados pela presença
pterigomandibular é geralmente acompanhado por de material purulento na cavidade pleural rico em
trismo, disfagia e dispnéia. neutrófilos, com pH ácido. A detecção do agente
Essa infecção pode ainda atingir o espaço etiológico, mesmo por meio do exame cultural do
sublingual, que cruza o plano mediano entre o pus, nem sempre é possível (12).
músculo genioglosso e a mucosa do soalho da boca, Sawalha e Ahmad (13) mostraram as
provocando edema, elevação da língua e variados possíveis complicações torácicas decorrentes de
graus de dificuldade respiratória. É possível a procedimentos dentais. Os autores relataram um
evolução para uma Angina de Ludwig. Ao alcançar caso de mediastinite com rápido desenvolvimento
o músculo hioglosso, pode passar lateralmente a ele de empiema pleural bilateral decorrente de
e invadir o espaço submandibular; medialmente, pericoronarite, sem história de intervenção
pode alcançar a região de orofaringe, a abertura da cirúrgica odontológica.
laringe e o espaço faríngeo lateral. Outra complicação sistêmica bastante
A região é coberta por membrana perigosa é a trombose séptica do seio cavernoso
mucosa frouxa e limitada por músculos que (TSSC). Esta é uma complicação grave das
tendem a formar barreiras. A propagação é dos infecções da face e do pescoço, que pode evoluir
espaços teciduais na área que circunda a laringe ao óbito se não tratada em tempo hábil. Além de
e a faringe. Isso produz edema suficiente para letal e rara, é uma doença de difícil diagnóstico
ocasionar dificuldades respiratórias, associado à clínico em função da semelhança com outras
severa inflamação, o que caracteriza a celulite infecções que acometem as proximidades da órbita.
descendente do pescoço. Esta pode iniciar-se no Baseado em uma revisão de 35 casos
espaço infratemporal e sua rápida propagação descritos por Thatai et al. (14), 28 casos foram
pode comprometer todos os espaços do pescoço, provenientes do terço médio da face, 3 de sinusite
provocando elevada taxa de morbimortalidade. frontal, 1 de infecção odontogênica, 1 de infecção
O abscesso do espaço submandibular paravertebral e 2 casos sem focos primários
raramente alcança a superfície da pele ou se difunde determinados.
para outras regiões devido às barreiras anatômicas, A TSSC, como outros processos
das quais a principal é a fáscia cervical. infecciosos, apresenta características clínicas não-
Clinicamente, aparece de forma triangular, começa específicas, como febre, toxemia, prostração,
na base da mandíbula e se estende até o nível do desidratação, náusea e vômito. Outros sinais e
osso hióide. Não pode ser confundido com o sintomas, por sua vez, estão relacionados com o
abscesso bucal ou geniano, porque este é ovóide, envolvimento das estruturas anatômicas associadas
começando na base da mandíbula e estendendo-se ao seio cavernoso e à cavidade orbital. Dentre estes,
para cima, ao nível do arco zigomático. observam-se proptose, oftalmoplegia, quemose,

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edema palpebral, cefaléia retro-orbital, diplopia, como uma infecção estreptocócica (principal-
fotofobia, anestesia dos territórios de inervação dos mente Streptococcus milleri e outros estreptococos
nervos oftálmico e maxilar, paralisia facial, perda da beta-hemolíticos, Fusobacterium necrophorum e
acuidade visual, diminuição dos reflexos pupilares, Peptostreptococcus micros) (17).
sinais de irritação meníngea e meningite. Os sintomas incluem dor de garganta que
Uma série de microorganismos tem sido piora com a deglutição. A dor é freqüentemente
isolada em culturas de infecções associadas à TSSC, sentida nos ouvidos porque a garganta e os ouvidos
sendo o mais freqüente o Staphylococcus aureus. Outras possuem inervações semelhantes. As crianças
bactérias relativamente freqüentes são Pneumococos, muito jovens podem não acusar a dor, mas podem
Estreptococos, bacilos gram-negativos e anaeróbios. recusar-se a comer. Febre, mal-estar geral, cefaléia
O tratamento dessa doença inicia-se com e vômito são comuns.
antibioticoterapia endovenosa em altas doses. Ao exame clínico, as tonsilas apresentam-
Recomenda-se a utilização de antibióticos de amplo se inflamadas e com uma coloração vermelha intensa.
espectro como vancomicina e cefalosporinas de 3ª O médico pode observar a presença de pus e de uma
geração, geralmente associados à metronidazol ou membrana branca, delgada e limitada à tonsila que
antibioticoterapia empírica baseada no foco primário, pode ser descolada sem causar sangramento.
que pode ser mudada ou associada de acordo com O tratamento para a tonsilite viral é apenas
o resultado da cultura e do antibiograma. sintomático. Já para a tonsilite estreptocócica, é
Além dos antibióticos, outros fármacos administrada a penicilina oral por um período de 10
são descritos no tratamento da trombose do seio dias, um período consideravelmente mais
cavernoso. A administração de antiinflamatórios prolongado que o necessário para o indivíduo sentir-
esteroidais, assim como o uso de diuréticos, é útil se bem, para assegurar a erradicação das bactérias.
no controle do edema e da pressão intracraniana. A remoção das tonsilas é raramente necessária,
Dentre os sinais e sintomas dessa infecção, exceto quando a tonsilite retorna repetidamente ou
alguns menos freqüentes, porém expressivos, somente é controlada pelos antibióticos por um
merecem destaque pela relevância no diagnóstico: período curto de tempo.
diplopia, oftalmoplegia parcial, envolvendo apenas Um estudo realizado por Jeong et al.
o nervo abducente e paralisia do nervo facial. (18) apresentou uma investigação da flora
Além disso, Palmersheim e Hamilton (15) afirmam microbiana em tonsilites crônicas. Neste foram
que a associação de cefaléia severa, toxemia e estudados 824 pacientes e obteve-se que o
proptose de evolução bilateral apresentam Staphylococcus aureus foi o patógeno mais comu-
condições patognomônicas de TSSC. mente encontrado (30,3%), seguido por
A utilização de exames de imagem é um Haemophilus influenzae (15,5%) e o grupo dos
importante auxiliar no diagnóstico, pois além de Streptococcus beta-hemolíticos (14,4%).
confirmar sinais de trombose nos seios, pode
evidenciar abscessos ou as complicações Faringite
intracranianas que necessitem de rápida intervenção
cirúrgica. Para esses fins, a TC com contraste é O termo faringite inclui qualquer doen-
considerada um exame de bastante precisão, sendo ça na qual ocorram eritema e inflamação da
o exame de primeira escolha para alguns autores. orofaringe. São elas: nasofaringite, na qual os
Outros defendem o uso da cintilografia e criticam o principais sinais e sintomas são coriza e eritema;
uso de contraste endovenoso pela possibilidade de faringite estrita, manifestada por dor de garganta
disseminação da infecção para o crânio e extensão subjetiva ou objetiva e eritema da parede poste-
da trombose (16). rior da faringe; faringoamigdalite, com inchaço e
eritema das tonsilas, com ou sem exsudados; e
Tonsilite infecções de toda a boca com petéquias, vesículas
ou úlceras, doenças sistêmicas e com diferentes
A tonsilite é uma inflamação das tonsilas graus de comprometimento orofaríngeo (19).
(amídalas) normalmente causada por uma Geralmente, começa com uma infecção
infecção estreptocócica ou, menos comumente, viral (em todos os grupos etários), predispondo à
por uma infecção viral. Portanto, ela é aceita colonização e infecção por bactérias. Os vírus

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mais freqüentemente implicados são: rinovírus, Pericoronarites X infecções


coronavírus, adenovírus, influenza e parainfluenza. da vias aéreas superiores
Entretanto, os vírus que muitas vezes
produzem exsudato tonsilar purulento incluem o Bean e King (21) e Kay (22) foram os
vírus Epstein - Barr, Adenovírus e Herpesvírus. primeiros autores a sugerirem uma possível
Dentre as bactérias, destacam-se o estreptococo associação entre pericoronarite e as infecções do
beta-hemolítico (GABHS), o pneumococo, o trato respiratório. Alguns trabalhos mostraram que
Mycoplasma pneumoniae, o Staphylococcus aureus e o ocorria aumento da incidência de infecções
Haemophilus influenzae, mas as GABHS são as bac- respiratórias, especialmente de tonsilites e faringites,
térias mais comuns causadoras da faringite aguda. nas duas semanas prévias ao início de um quadro de
A porta de entrada é oral, pela veiculação pericoronarite aguda, assim como na semana
dos agentes causadores por meio de perdigotos seguinte (23). Além disso, o número total de
(salpicos de saliva que as pessoas eliminam ao infecções respiratórias também teve significativo
falar, tossir ou espirrar). aumento durante a primeira semana após a extração
A faringite aguda é doença comum que dos terceiros molares. A proximidade anatômica
leva quase 1% das crianças e adultos a procurar entre as tonsilas e os terceiros molares inferiores
ajuda médica. A principal causa da maioria dos seria a causa para as tonsilas e as pericoronarites
casos de faringite em adultos é viral, com apresentarem semelhanças clínicas e bacteriológicas.
aproximadamente 5% devido a GABHS (20). Com relação aos microorganismos
O período de incubação da faringite existentes nas tosilites e pericoronarites, e levando
estreptocócica é 1 a 4 dias, levando a uma inflamação em consideração os microorganismos presentes
autolimitada, localizada da tonsilofaringe duradoura também no capuz pericoronal assintomático,
de 3 a 5 dias. Os sintomas incluem dor de garganta, pode-se dizer que a diferença morfológica entre
febre e calafrios, mal-estar, e ocasionalmente queixas esses grupos não são significantes (17).
abdominais e vômitos, especialmente em crianças. A pericoronarite é causada por uma flora
Ambos os sintomas e sinais são muito mista, porém na maioria gram negativa anaeróbia (8,
variáveis, variando de ligeira dor de garganta 9, 24), tais como nos gêneros Streptococcus, Actinomyces,
com mínimos achados físicos até febre alta e dor. Peptostreptococcus, Eubacterium, Propionibacterium,
A dor pode ser associada com intenso eritema e Veillonella, bacteróides (incluindo Porphyromonas e
inchaço das mucosas e da faringe, com presença Prevotella) e Fusobacterium, os quais foram relacionados
de exsudados purulentos na parede posterior da com a periodontite humana, encontrados também no
faringe e tonsila. Faringite exsudativa pode estar capuz pericoronal assintomático (25).
associada com aumento dos linfonodos cervicais. Segundo Mitchelmore et al. (26), há uma
Notável é a ausência de rinorréia e tosse. variação considerável, na literatura, de achados de
microorganismos encontrados em tonsilas;
Tratamento entretanto, ela pode ser considerada basicamente
como uma infecção estreptocócica. Rajasuo et al.
O tratamento das faringites deverá (17) afirma que a tonsilite é uma infecção
aliviar os sintomas da doença aguda, eliminar polimicrobiana e esses microorganismos são muito
transmissibilidade e evitar seqüelas supurativas. semelhantes aos mesmos encontrados em bolsas
O antibiótico padrão da terapia são as penicilinas, pericoronárias infectadas. Considerando que
seguido pelas cefalosporinas, lincosaminas ou morfologicamente a flora bacteriana encontrada
macrolídeos. nas tonsilites e na pericoronarite difere muito
Dada a ausência de um diagnóstico pouco, a possibilidade de infecções nestes locais
confirmado por cultura, dez dias de penicilina é o relaciona-se com o tamanho do sítio de retenção
tratamento necessário para alcançar o máximo de para esses microorganismos: quanto maior o sítio,
redução bacteriológica para a cura da faringite. O aumenta a possibilidade de infecção.
regime de 5 dias com vários tipos de cefalosporinas A fase de erupção dental pode estar
ou azitromicinas demonstrou-se tão eficaz como relacionada com tonsilites, pois a maior
10 dias de penicilinas por via oral. freqüência dessa infecção é registrada nas faixas

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etárias de 7 a 9 anos e 18 a 25 anos (17). A REFERÊNCIAS


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terceiros molares, ocorre nessas idades, sendo 1. Gwaltney JM, Sydnor A Jr., Sande MA.
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